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Maceió - AL, 14 a 17 de agosto de 2016 SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural PROMOÇÃO DO EXTRATIVISMO COMUNITÁRIO DO COCO BABAÇU E ABORDAGEM INTEGRADA DO DESENVOLVIMENTO RURAL -ESTUDO DE CASO DE DOIS GRUPOS DE MULHERES RURAIS EM COTRIGUAÇU- MT Suzanne SCAGLIA - Instituto Centro de Vida- [email protected] Elisangela SODRÉ- Instituto Centro de Vida [email protected] Vinicius SILGUEIRO - Instituto Centro de Vida- [email protected] Grupo de Pesquisa 6: Agropecuária, Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável RESUMO O presente artigo retrata as dinâmicas que grupos extrativistas do noroeste mato-grossense vêm construindo para garantir a melhoria da qualidade de vida nas comunidades de um assentamento da reforma agrária que passa por inúmeras adversidades, sendo as mais graves a redução da floresta amazônica e a pecuarização. A partir da intervenção do Instituto Centro de Vida com uma abordagem participativa voltada para conservação dos recursos naturais e melhoria da governança socioambiental local, iniciou-se a construção de uma nova cadeia socioprodutiva, a partir do extrativismo comunitário do babaçu. A inciativa favoreceu o fortalecimento organizacional nas comunidades, e contribuiu para o desenvolvimento sustentável local. A análise dos impactos da intervenção e dos seus gargalos demostra a pertinência do modelo desenvolvido mas aponta no entanto para a necessidade de integra-lo a um trabalho multiator e multiescalar para fortalecer a governança da cadeia de valor desse produto da sociobodiversidade em uma escala regional. Palavras chaves: extrativismo desenvolvimento sustentável cadeias socioprodutivas - mapeamento de recursos naturais ABSTRACT This article studies the dynamics that extractive groups of northwestern Mato Grosso are building to ensure livelihood improvement in 2 communities of a settlement of the agrarian reform that goes through numerous adversities, the most severe of which are the reduction of the Amazon rainforest and the cattle ranching expansion. Since the beginning of the intervention of the Instituto Centro de Vida with a participatory approach toward conservation of natural and improving local environmental resources governance, began the construction of a new socio-productive chain of values of babassu extractivism. The initiative favored communities organizational strengthening processes, and contributed to the local sustainable development. The analysis of the impact of the intervention and its bottlenecks demonstrates the relevance of the model developed but points out however the needs of a better integration within a multi-actor and multiscale approach to strengthen the sociobiodiversity value chain governance on a regional scale. Key words: extractivism-sustainable development social and productive chains of values- natural resources mapping

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Maceió - AL, 14 a 17 de agosto de 2016

SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

PROMOÇÃO DO EXTRATIVISMO COMUNITÁRIO DO COCO BABAÇU E

ABORDAGEM INTEGRADA DO DESENVOLVIMENTO RURAL -ESTUDO DE

CASO DE DOIS GRUPOS DE MULHERES RURAIS EM COTRIGUAÇU- MT

Suzanne SCAGLIA - Instituto Centro de Vida- [email protected]

Elisangela SODRÉ- Instituto Centro de Vida – [email protected]

Vinicius SILGUEIRO - Instituto Centro de Vida- [email protected]

Grupo de Pesquisa 6: Agropecuária, Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

RESUMO

O presente artigo retrata as dinâmicas que grupos extrativistas do noroeste mato-grossense

vêm construindo para garantir a melhoria da qualidade de vida nas comunidades de um

assentamento da reforma agrária que passa por inúmeras adversidades, sendo as mais graves a

redução da floresta amazônica e a pecuarização. A partir da intervenção do Instituto Centro de

Vida com uma abordagem participativa voltada para conservação dos recursos naturais e

melhoria da governança socioambiental local, iniciou-se a construção de uma nova cadeia

socioprodutiva, a partir do extrativismo comunitário do babaçu. A inciativa favoreceu o

fortalecimento organizacional nas comunidades, e contribuiu para o desenvolvimento

sustentável local. A análise dos impactos da intervenção e dos seus gargalos demostra a

pertinência do modelo desenvolvido mas aponta no entanto para a necessidade de integra-lo a

um trabalho multiator e multiescalar para fortalecer a governança da cadeia de valor desse

produto da sociobodiversidade em uma escala regional.

Palavras chaves: extrativismo – desenvolvimento sustentável – cadeias socioprodutivas -

mapeamento de recursos naturais

ABSTRACT

This article studies the dynamics that extractive groups of northwestern Mato Grosso are

building to ensure livelihood improvement in 2 communities of a settlement of the agrarian

reform that goes through numerous adversities, the most severe of which are the reduction of

the Amazon rainforest and the cattle ranching expansion. Since the beginning of the

intervention of the Instituto Centro de Vida with a participatory approach toward conservation

of natural and improving local environmental resources governance, began the construction of

a new socio-productive chain of values of babassu extractivism. The initiative favored

communities organizational strengthening processes, and contributed to the local sustainable

development. The analysis of the impact of the intervention and its bottlenecks demonstrates

the relevance of the model developed but points out however the needs of a better integration

within a multi-actor and multiscale approach to strengthen the sociobiodiversity value chain

governance on a regional scale.

Key words: extractivism-– sustainable development – social and productive chains of values-

natural resources mapping

Maceió - AL, 14 a 17 de agosto de 2016

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1. CONTEXTO:

a. A agricultura familiar no Projeto de Assentamento Nova Cotriguaçu e

seus impactos ambientais

Cotriguaçu, município emancipado em 1991, está localizado na região Noroeste do Mato

Grosso e apresenta uma área de 9.460km², com uma população estimada de 14.983 habitantes

(56% rural), segundo dados do IBGE 2010, e Índice de Desenvolvimento Humano de 0,721

(PNUD 2000). A região Noroeste do Mato Grosso, ainda pouco ocupada, é considerada a

última grande fronteira florestal do estado, com 85 mil km2 de cobertura florestal, seja 80% da

região, e possui grande importância para a conservação da biodiversidade (TITO, 2011). No

entanto, representa uma região extremamente ameaçada, inserida no chamado arco do

desmatamento que concentra 50% da perda de floresta tropical entre os anos de 2000 e 2005.

O desmatamento no Noroeste até 2012 afetou aproximadamente 19.618 Km2, (INPE,2012),

sendo que 11% ocorreu nos 12 assentamentos de reforma agrária que cobrem 3% do

território.

Figura 1: Mapa Cotriguaçu e arco do desmatamento (ICV, 2016)

O assentamento Nova Cotriguaçu, fundado pelo Instituto Nacional da Colonização e Reforma

Agraria – INCRA em 1994, possui uma área de 99.988 ha, com 1479 lotes de até 4 módulos

fiscais, sendo 54,7% de sua área desmatada (ICV, 2015).

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A agricultura familiar do município, e em particular nas comunidades do PA Nova

Cotriguaçu, enfrenta uma série de dificuldades decorrentes do fracasso do modelo de

colonização na região.

Na ausência de assistência técnica, de infraestruturas como estradas, energia, condições de

armazenamento e transporte adequadas para escoar a produção, e ainda devido à distância dos

centros de consumo, as famílias de agricultores assentados viram suas safras se perder ou

ficaram na dependência de atravessadores comprando suas colheitas a preços muito baixos,

não compensando o trabalho do plantio.

Assim, num contexto de forte pressão do crescimento do rebanho bovino, com 242 mil

cabeças no município (INDEA, 2010), e 191% de aumento entre 2003 e 2010 (RAMOS F.,

2011), muitas famílias deixaram de plantar e se renderam à criação extensiva de gado de corte

e/ou de leite como principal atividade, caracterizando um fenômeno de pecuarização da

produção familiar.

As atividades de pecuária, que hoje se destacam por um baixo nível tecnológico e um

processo de degradação dos recursos naturais (solo, água e floresta), reforçado pelo costume

generalizado de uso de herbicidas e queimadas para limpezas de pasto, representam um

modelo de desenvolvimento altamente insustentável do ponto de vista ambiental e

socioeconômico. Por ser exigentes em espaço, incentivam a abertura de mais áreas com

desmatamento e queimadas para implantação de pastos, provocam a sub utilização da mão de

obra familiar, além da baixa produtividade da terra (lotação média 2,3 cabeças /há), e da

pouca renda resultante, em particular devido aos preços baixos do leite e dos bezerros, que

não sustentam o produtor (RAMOS, F., 2010).

Essa situação contribui diretamente na escolha da abertura de novas áreas de floresta, e

desencadeia uma série de problemas como a degradação ambiental, a falta de segurança

alimentar e nutricional das famílias, e a meio prazo, o êxodo rural ou o deslocamento das

famílias assentadas para outras regiões. Uma tendência preocupante que está sendo observada

é o arrendamento das terras ou a revenda de lotes adjacentes por agricultores indo embora

para proprietários mais capitalizados que estão formando assim pequenas fazendas dentro do

assentamento.

Amais, segundo o estudo Ricardo Mello (2013) a região do PA Nova Cotriguaçu veio sendo

ocupada através de um processo de ondas sucessivas de imigração de populações oriundas

principalmente de Mato Grosso do Sul e Paraná nos anos 90, e do Rondônia nos anos 2000.

Essas correntes migratórias diversas, juntamente com características físicas do meio levaram a

definição dos grandes processos de uso da terra atual, e, na ausência de movimentos sociais,

contribuiram para a pouca organização do setor da agricultura familiar localmente. Isso se

traduz no Assentamento Nova Cotriguaçu nas dificuldades para a organização comunitária, e

a situação de desmobilização das associações de produtores.

A falta de capacidade de gerar renda, os problemas familiares, principalmente envelhecimento

da família e o desejo dos filhos de mudança para a cidade, e a concentração grande de

pecuária na região provocam o abandono das terras pelas famílias de moradores, em uma

dinâmica de êxodo que resulta no esvaziamento demográfico e num processo de concentração

fundiária ilegal por não agricultores familiares no assentamento (Mello, R. 2013)

Enfim, a falta de identidade da população junto com o local, e a ausência de conhecimentos

sobre os recursos naturais e seus usos, em particular dos produtos florestais não madeireiros

como o coco babaçu (Orbignya sp.), contribui para reforçar a desvalorização da floresta em

pé frente a pressão do avanço da pecuária; assim o valor de uma área de floresta nativa

costuma ser apenas a metade do valor da mesma superfície de pasto formado.

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b. O Instituto Centro de Vida e sua atuação na região

O Instituto Centro de Vida é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

(OSCIP) fundada em 14 de abril de 1991. A sua missão é construir soluções compartilhadas

para o uso sustentável da terra e dos recursos naturais.

Frente aos desafios da gestão territorial do Noroeste de Mato Grosso, onde 4 municípios

figuram na lista de do Ministério do Meio Ambiente dos 43 municípios considerados

prioritários para ação de Controle e Prevenção do Desmatamento, o ICV resolveu buscar

parcerias institucionais desde 2008 a fim de implementar um conjunto articulado de ações

visando conter de forma sustentável o desmatamento e a degradação florestal, com o intuito

de desenvolver um projeto-piloto de Redução das Emissões ligadas ao Desmatamento e à

Degradação Florestal - REDD+, em Cotriguaçu. (ICV, 2010)

Em 2011 se deu início ao projeto Cotriguaçu Sempre Verde que foi desenvolvido junto dos

diversos setores da sociedade local, com objetivo de traçar uma nova trajetória de

desenvolvimento socioeconômico e ambiental, e de promover ações que conciliam o

desenvolvimento econômico da produção agropecuária, florestal e de base familiar com a

contínua redução do desmatamento, da degradação florestal e a preservação dos recursos

naturais. O projeto desenvolveu uma abordagem inclusiva que integra todos os segmentos da

sociedade em diferentes níveis, desde ações voltadas à governança municipal até promoção de

boas práticas de gestão das atividades agropecuárias na propriedade individual, procurando

assim gerar um modelo de intervenção que sirva de referência e possa ser ampliado aos

demais municípios da região (ICV, 2010).

Esse trabalho apresenta um recorte das ações visando o fortalecimento da governança

socioambiental e das cadeias socioprodutivas sustentáveis em 4 comunidades do sul do PA

Nova Cotriguaçu, numa análise da estratégia de intervenção e dos seus impactos, entre 2011 e

2016.

2. PROMOÇÃO DA CADEIA EXTRATIVISTA DO BABAÇU NA

CONSTRUÇÃO DE UMA TRAJETÓRIA DO DESENVOLVIMENTO LOCAL

SUSTENTÁVEL

a. Abordagem metodológica para o fortalecimento da governança

socioambiental comunitária no PA Nova Cotriguaçu

A assessoria do projeto Cotriguaçu Sempre Verde à gestão social e ambiental dos recursos

naturais visou o fortalecimento de associações comunitárias de agricultura familiar e de

grupos de mulheres rurais do PA Nova Cotriguaçu.

As ações foram guiadas por princípios de promoção da ação comunitária e da organização

social entendida como “cooperação consciente para o enfrentamento de problemas e

objetivos comuns (SOUZA, M.L de, 1999)”, “processo mediante o qual distintos grupos se

articulam para levar a cabo ações planejadas por eles, que tem como objetivos não só o

desenvolvimento dos meios e recursos produtivos que se encontram a sua disposição mas

também conseguir um maior grau de controle de seu processo de trabalho, da distribuição

dos bens matérias produzidos, da prestação de serviços, que via instituições governamentais,

de direito, lhes cabem.” (PINTO, 1980)

Assim as ações iniciaram por um diagnóstico socioambiental participativo que visou

estabelecer dinâmicas de mobilização social, e através de análises (SWOT) das fortalezas,

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fraquezas, oportunidades e ameaças da realidade das comunidades, permitiu o

(re)conhecimento do problema, das suas causas e consequências nas suas dimensões

produtivas, econômicas, sociais, ambientais e políticas (BEZERRA PIRES, A.H. 2008).

Os resultados dos diagnósticos auxiliaram um planejamento estratégico comunitário com a

construção de uma visão local do desenvolvimento sustentável, e a criação coletiva de

soluções e trajetórias alternativas para alcançar uma produção sustentável. Esse processo

procurou despertar dinâmicas favoráveis à autodeterminação e ao protagonismo das famílias,

e evidenciar a importância do fortalecimento da governança socioambiental local para

efetivação dos direitos e dos processos de controle social inerentes ao desenvolvimento da

agricultura familiar na região.

Também se deu uma atenção particular à inclusão dos jovens e das mulheres rurais nos

espaços de discussões, pautando a importância da sua participação nos processos de decisão

comunitária e na esfera pública em geral, e o reconhecimento do valor do seu trabalho,

geralmente deixado invisível ou até mesmo considerado como improdutivo quando não é

integrado às dinâmicas mercantis e que não contribui diretamente para geração de renda na

unidade de produção familiar (MOURÃO, P.). Assim, procurou-se promover a igualdade de

gênero, a inclusão dos jovens e a ampliação dos seus espaços de atuação. Paradoxalmente,

significou inclusive apoiar a formação de grupos de mulheres e de jovens rurais quando se

revelou necessária a construção de espaços de maior protagonismo juvenil e autonomia das

mulheres para o reconhecimento das suas necessidades, limitações e demandas específicas,

almejando no entanto a melhoria da sua participação nos espaços mistos também

(SILIPRANDI, E. 2009).

Com a identificação das demandas que surgem nos planejamentos, os grupos passam a

receber a partir de 2012 uma assessoria pautada na construção de capacidades locais e

embasada na educação popular, entendida como processo emancipatório de construção

coletiva do conhecimento a partir da valorização dos sujeitos e dos saberes locais (FREIRE,

P. 1996). Se deu através da realização de oficinas comunitárias, capacitações técnicas,

formação de lideranças, e sempre que possível, da promoção da troca de conhecimentos entre

agricultores em visitas de intercâmbio e em eventos de socialização como encontros locais, e

regionais ou ainda articulação para participação em redes estaduais e nacionais.

Já os conteúdos trabalhados se ampararam num esforço constante de conscientização

ambiental visando a qualificação do debate comunitário sobre dinâmicas de degradação dos

recursos naturais, e na adoção de boas práticas agropecuárias pelos produtores envolvidos. Na

abordagem da construção de soluções técnicas de produção, se destacou sempre a

vulgarização dos princípios da agroecologia, em particular no que se refere à intensificação,

diversificação e integração dos sistemas de produção na propriedade e em particular à

produção de alimentos, ao manejo integrado dos agroecossistemas, à redução do uso de

agrotóxicos, à valorização dos recursos naturais como estratégia do seu manejo sustentável e

da sua regeneração, e enfim à agroecologia entendida como modelo de construção social para

um desenvolvimento integrado e sustentável da agricultura familiar (ALTIERI, M.2004).

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Figura 2: estratégia de fortalecimento comunitário para redução do desmatamento (ICV,

2014)

b. Incentivos do projeto Cotriguaçu Sempre Verde para o desenvolvimento

do extrativismo comunitário sustentável do babaçu junto de 2 grupos de

mulheres rurais do PA Nova Cotriguaçu

Na região de Cotriguaçu, a palmeira Babaçu é nativa, e ocorre com grande frequência,

chegando a representar a metade das palmeiras do sub-bosque em áreas preservadas de mata

primária (até 46 babaçus adultos/hectare). Apresenta abundante regeneração natural nas áreas

de pastagens abertas, onde é geralmente considerada pelos produtores como uma praga, e por

isso muitas vezes destruída com uso de herbicidas ou roçagem manual.

No entanto, esse olhar mudou quando através de uma capacitação sobre o aproveitamento do

coco babaçu, as mulheres rurais das comunidades de Santa Clara e Ouro Verde perceberam as

potencialidades que esse recurso oferece, desde a fabricação de farinha de mesocarpo para

Visão do

Desenvolvimento

comunitário

Melhor acesso

à informação

Construção de

pautas e

reinvidicação

socioambientais

Melhor gestão

financeira

Melhor comunicação

interna com os sócios

e externa com outros

atores do território

Articulação política

Formação de

novas lideranças

Desenvolvimento do

patrimonio da associação,

Aquisição de material e

equipamento

Diagnóstico da Associação

e Planejamento estratégico

Projetos produtivos e de

comercialização

Participação

efetiva dos

sócios

Sustentabilidade

da associação

Capacitações

Identificação de demandas em

desenvolvimento organizacional

Geração de renda e emprego /

Fortalecimento economia local

Controle

social

efetivo no

território

Redução do desmatamento

Concientização

ambiental

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consumo humano ou produção de ração animal, produção de óleo, geração de energia através

do carvão ou ainda artesanato, para citar apenas alguns exemplos.

Assim, a partir de 2012 os grupos Mulheres da Paz (12 mulheres da comunidade de Santa

Clara) e o grupo Mulheres Unidas (15 mulheres da comunidade de Ouro Verde do Norte)

passaram a desenvolver atividades de extrativismo e beneficiamento do coco, como forma de

responder a seus objetivos de desenvolver autonomia e geração de renda através da agregação

de valor local, e à venda dos seus produtos com preço justo.

Nesse contexto, as atividades de beneficiamento do coco, mesmo que artesanais e numa

escala ainda pequena, representaram uma oportunidade animadora de diversificar a economia

da família, valorizando tanto a mão de obra das mulheres como a conservação do próprio

recurso natural nas pastagens, e ainda favoreceram a integração dos sistemas de produção

com a fabricação de ração animal alternativa (criação de pequenos animais e suplementação

para o gado). Contribuiu também diretamente para melhoria da segurança alimentar e

nutricional das famílias com o uso do óleo extraído da amêndoa e da farinha de mesocarpo na

preparação de pães, bolos, bolachas e mingaus. Além disso, as técnicas de transformação, em

particular do óleo e dos derivados do mesocarpo (farinha, bolacha, ração), viabilizam a

conservação e o transporte da produção, condições necessárias para a sua inserção no

mercado.

Para fortalecer essas inciativas, o Projeto Cotriguaçu Sempre Verde ofereceu assessoria

técnicas aos 2 grupos, no intuito de qualificar os seus processos de produção, visando criar as

condições de viabilidade econômica dos empreendimentos, e a integração dessas atividades

nos processos de melhoria da gestão socioambiental comunitária.

Incentivos Objetivos

Téc

nic

o e

pro

du

tivo

02 capacitações de

aproveitamento do coco

babaçu (40 pessoas)

Conhecer os potenciais usos e técnicas de

beneficiamento do coco babaçu.

02 oficinas de

mapeamento participativo

das áreas de coleta (40

pessoas)

Identificar o potencial produtivo dos

babaçuais, e as necessidades de manejo, e

capacitar os grupos para melhorar a coleta.

02 capacitações de boas

práticas de fabricação de

alimentos (35 pessoas)

Conhecer as exigências sanitárias, e os

procedimentos de trabalho coletivo na

fabricação e manipulação de alimentos e

construir regras para as etapas da produção.

Org

a

niz

aci

on

al

ren

ci

al

02 capacitações de

associativismo (30

pessoas)

Fortalecer e qualificar a gestão das

associações.

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Tabela 1: Principais incentivos do projeto Cotriguaçu Sempre Verde aos grupos

extrativistas do PA Nova Cotriguaçu, entre 2012 e 2016

c. Mapeamento participativo dos babaçuais:

Dentro da abordagem de assessoria e incentivo aos aspectos técnicos e produtivos da cadeia

socioprodutiva do coco babaçu nas comunidades Santa Clara e Ouro Verde do Norte, foi

realizado um trabalho de mapeamento participativo das áreas de coleta junto com os grupos

de mulheres e jovens das comunidades.

O trabalho objetivou coletar e constituir informações sobre o potencial produtivo dos

babaçuais, identificar necessidades de manejo do recurso e capacitar os grupos para melhorar

a coleta baseado nas informações coletadas. Segundo Mendonça et al. (2014), entre outros

aspectos, é importante mapear as áreas de ocorrência dos babaçuais e determinar a densidade

das populações, avaliar as características biométricas, o potencial de produção de frutos

nessas populações, estudar o ciclo fenológico da espécie em questão para determinar as

características de desenvolvimento e o período ideal de colheita dos frutos maduros.

Para isso, fez-se necessária um processo de capacitação para uso das ferramentas de

geotecnologias. As geotecnologias podem ser definidas como um conjunto de tecnologias

para coleta, processamento, análise e disponibilização de informações espaciais (ROSA,

01curso de

empreendedorismo rural

(15 pessoas)

Melhorar a gestão administrativa a

valorização dos produtos e geração de renda. O

rgan

izaci

on

al

e

ger

enci

al

Assessoria para

regularização fiscal,

tributária, sanitária e

ambiental

Permitir que as associações cumprem as

exigências e requisitos necessários para

acessar políticas públicas, responder editais, e

acessar mercados formais

Assessoria para

elaboração de pequenos

projetos

Captar recursos para aquisição de

equipamentos de processamento e construção

de unidades de beneficiamento adequadas

Soci

o-

polí

tico

01 oficinas de formação

de lideranças (35 pessoas)

Identificar e formar lideranças para o

protagonismo no desenvolvimento local.

01curso de formação em

Agroecologia (20

pessoas)

Formar conhecedores e multiplicadores de

práticas agroecológicas.

Fort

ale

cim

ento

d

o

cap

ital

hu

man

o e

soci

al

03 Intercâmbios regionais

com grupos extrativistas e

01Encontro nacional

Trocar e nivelar experiências sobre

organização socioprodutiva, gestão de

empreendimento e acesso a políticas

públicas.

02 Encontros de Saberes e

Sabores

(400 pessoas cada)

Apresentação do trabalho com atores locais

(secretarias e conselhos municipais, escolas,

cooperativa,..)

Divulgação e venda dos produtos

Conscientização da população para

preservação dos recursos naturais, e em

particular contra a derrubada e queima dos

babaçuais nas comunidades

Maceió - AL, 14 a 17 de agosto de 2016

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2005). Fazem parte desse conjunto os Sistemas de Informações Geográficas (SIG), o

Sensoriamento Remoto e os Sistemas de Navegação Global por Satélite, sendo cada dia mais

acessíveis e utilizadas quando o “onde” é uma informação essencial para alcançar

determinado objetivo.

Assim, foram utilizados aparelhos de GPS (Global Positioning System) para o levantamento

das coordenadas geográficas associadas aos limites das áreas de coleta de babaçu, o cálculo da

área e a posterior determinação do número de indivíduos, via inventários in loco, permite

estimar a densidade dos mesmos por hectare (ALECHANDRE et al., 2007).

Em uma primeira etapa do mapeamento participativo, foram impressos mapas das

comunidades e realizado um exercício para que os participantes apontassem, a localização

aproximada das áreas de babaçu onde realizam a coleta. Esse exercício subsidiou a escolha

pelas agricultoras de quais áreas seriam utilizadas para a parte prática da oficina, de ida a

campo e levantamento das coordenadas geográficas e dados produtivos dos babaçuais.

Já nas áreas de coleta, as agricultoras registraram as coordenadas geográficas nos limites das

áreas, adotando como referência a presença de cercas, estradas, benfeitorias, para contribuir

com a identificação dos limites babaçuais. Ao mesmo tempo que alguns iam coletando os

pontos com GPS, outros seguiam registrando os dados produtivos das áreas, contendo

informações como: número de palmeiras adultas e jovens (pindovas), idade aproximada do

babaçual, dificuldade de acesso à área, distância da estrada mais próxima, entre outras.

Após a coleta, os dados foram lançados no software QGIS, o que permitiu a delimitação das

áreas dos babaçuais e espacialização das informações produtivas. Essas informações

produtivas foram trabalhadas com os grupos visando caracterizar cada área e seu potencial,

bem como traçar estratégias de logística de acesso as áreas e transporte da produção.

Área

(ha)

Densidade

(palmeira

/ha)

Cachos/

Palmeira

(média)

Peso

cacho

médio

(kg)

Regeneração

(Pindovas

/há)

Idade

(anos)

Produção

de frutos

(Kg/ano)

Potencial

produtivo

farinha

(kg/ano)

Potencial

produtivo

de óleo

(L/ano)

1 2,07 14 2 30 5 N/I 900 306 72

2 5,02 7 2 30 0 N/I 2100 714 168

3 9,23 7 3.5 30 0 8 1860 632 149

4 4,32 12 3.5 30 10 7 1590 541 127

5 2,06 16 3.5 30 19 8 1020 347 82

6 2,96 19 3.5 30 4 6 1680 571 134

7 0,48 112 3.5 30 0 6 1620 551 130

Tabela 2: Principais dados coletados e cálculos sobre o potencial produtivo das áreas de coleta

de coco babaçu na comunidade Ouro Verde do Norte

Um segundo momento do processo de mapeamento participativo foi a realização de uma

capacitação específica para utilização do software QGIS com jovens integrantes dos grupos

que trabalham com o babaçu. O objetivo foi trabalhar os dados coletados em campo e

produzir os mapas das áreas de coleta de babaçu nas comunidades. A atividade possibilitou

que os jovens pudessem se apropriar mais dessa tecnologia e que elaborassem os próprios

mapas dos babaçuais.

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O mapeamento de espécies florestais na Amazônia com o uso de imagens de satélites ainda é

pouco difundido em razão das dificuldades de segregação das espécies frente à composição

muito heterogênea da floresta (THALES, 2001; SANTO & GRAÇA, 2009) e do alto custo de

aquisição das imagens. Por isso, o mapeamento in loco de populações de espécies que

crescem em áreas abertas e de fácil acesso, como é o caso do babaçu em áreas de pastagens ao

longo de estradas na Amazônia, é viável, embora demande maior tempo para a sua realização.

Fig.3: Mapa das áreas de coleta de coco babaçu na comunidade Ouro Verde do Norte, PA

Nova Cotriguaçu, Cotriguaçu – MT.

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3. RESULTADOS DA INTERVENÇÃO: UMA NOVA TRAJETÓRIA ESTÁ

SENDO CONSTRUÍDA

a. Desenvolvimento econômico local e Desenvolvimento sustentável:

conceitos e dimensões

O desenvolvimento econômico local e regional é, segundo a GTZ (2007), “uma estratégia de

promoção de economias locais e regionais, cujo principal objetivo é de criar subsídios que

contribuam com condições estruturais para os negócios em uma determinada localidade,

removendo os obstáculos administrativos, melhorando a competitividade da região para

atrair novos investidores e fortalecendo as empresas e os ciclos comerciais no nível local,

permitindo as partes interessadas de uma região empreender iniciativas para promover,

conjuntamente, o desenvolvimento econômico de sua região, estabelecendo vínculos entre os

setores privado e público e os grupos de interesse da sociedade civil.”

Já, na sua acepção geral, o conceito de desenvolvimento sustentável, como definido em 1987

pela Sra. Brundtland, Comissária das Nações Unidas, é “um modo de desenvolvimento que

responde às necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das

gerações futuras de responder as suas».

Capiberibe (2005) define o desenvolvimento sustentável como « um desenvolvimento

econômico que permite a existência de uma sociedade eqüitativa em relação aos seus

componentes humanos e que, no mesmo tempo, respeita o meio ambiente e instaura uma

gestão dos recursos naturais a fim de assegurar a perenidade deles ».

Nos campos do desenvolvimento agrícola, Landais (1998) soube adaptar o conteúdo do

conceito de sustentabilidade. Esta adaptação transforma nomeadamente os desafios

ambientais ligados ao ecossistema na manutenção das funcionalidades para a reprodução dos

usos agrícolas, como pode vê-lo na figura abaixo.

Fig 4. Dimensões da sustentabilidade da atividade agrícola (adaptação de SCAGLIA, 2005.)

REPRODUZÍVEL

Relação ecológica

RENTÁVEL

VIÁVEL

Relação social

TRANSMISSÍVEL

SUSTENTÁVEL

Inserção ao

mercado

Ligação entre a atividade agrícola, os

recursos naturais e o meio ambiente

Transmissão duma

geração para outra

Qualidade de vida e Inserção à

rede de relações não mercantis

Relação econômica

Relação intergeracional

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É nessa perspectiva que analisamos agora o potencial da cadeia socioprodutiva do coco

Babaçu e seus impactos na configuração de uma nova trajetória de desenvolvimento local

sustentável.

b. Construção da cadeia socioprodutiva do coco babaçu, iniciativas de

desenvolvimento local e seus impactos ambientais, sociais e econômicos

As intervenções do projeto Cotriguaçu Sempre Verde no PA Nova Cotriguaçu (2011-2016)

condicionaram a aparição de uma nova uma cadeia produtiva local a partir do extrativismo do

coco Babaçu, onde a cadeia pode ser entendida como o “conjunto de sucessivos tratamentos

pelos quais um produto passa [...] até sua venda a um consumidor final, [...] na qual cada

tratamento representa um elo.”(Pinto et.al).

Fig 5: Fluxograma da cadeia atual do coco Babaçu no PA Nova Cotriguaçu

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Incipiente em 2011, essa cadeia envolve hoje 2 grupos comunitários, aproximadamente 30

famílias, nas etapas de coleta, processamento e comercialização dos produtos, realizadas de

forma coletiva e ainda artesanal, sendo que os dois grupos têm vocação de trabalhar

subprodutos diferentes, um mais direcionado para o óleo da amêndoa, e o outro para a farinha

de mesocarpo e seus derivados.

Hoje, a renda obtida diretamente graças à agregação de valor e à comercialização dos

produtos do babaçu ainda é considerada como pouca frente à demanda de trabalho, e as

capacidades de gestão coletiva do grupo do empreendimento ainda representam importantes

gargalos para fortalecimento econômico das iniciativas.

No entanto nas duas comunidades envolvidas nessa cadeia, o extrativismo do coco babaçu se

mostrou um motor importante para a mobilização e organização comunitária em prol do

desenvolvimento econômico local, e em particular ganhou o apoio das 2 associações locais

que se dedicaram à mobilização de recursos humanos e financeiros para o fortalecimento das

inciativas.

Nesse processo, os grupos de mulheres que deram início ao trabalho se empoderaram e

conquistarem papéis e respeito dentro das associações, sendo reconhecidas como lideranças

comunitárias e inclusive se tornando parte da diretoria das associações.

Amais, os grupos conseguiram captar recursos através da aprovação de 4 pequenos projetos

socioambientais. Esses projetos visam principalmente a adoção de tecnologias para melhorar

o processamento, facilitando o trabalho e visando o aumento de escala da produção. Assim,

foram adquiridos equipamentos como despolpadeira, cortadeira, prensa hidráulica, carretinha

para transporte etc., e materiais de construção para a estruturação de 2 agroindústrias

comunitárias adequadas para beneficiamento do babaçu, com a contribuição solidária da mão

de obra comunitária.

Outro resultado muito importante que decorreu do processo de mapeamento participativo, foi

que os grupos desenvolveram uma apreciação dos babaçuais na paisagem, e um conhecimento

mais fino do recurso (observação da fenologia e das subespécies das palmeiras). Entenderam

o seu grande potencial produtivo e econômico (valor da produção avaliada de R$ 1.500 a

25.000,00/ha/ano em função da área levantada). Amais, a variabilidade de produção e de

facilidade de acesso entre as áreas deixou clara a importância de adotar práticas de manejo

dos babaçuais para constituir áreas mais produtivas em coco, sem que haja concorrência com

as gramíneas do pasto.

Amais, o acesso às áreas privadas com GPS e fichas de levantamento também provocou uma

situação de resistência de alguns donos, com medo que isso possa constituir um antecedente

para possível fiscalização e autuação em caso de destruição futura dos babaçuais. Outros

despertaram um interesse econômico, querendo cobrar porcentagem encima da produção dos

grupos extrativistas, enquanto cediam de graça até agora os frutos coletados pelas mulheres.

Assim apareceu a necessidade de conversar com donos de áreas e a importância de construir

acordos coletivos sobre acesso e gestão do recurso natural.

Enfim, através da formação e do reconhecimento de lideranças, pode observar que houve uma

nítida mudança na participação e na abordagem da governança socioambiental local.

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Durante a realização de reuniões e eventos locais como Encontros de saberes e sabores

sediados nas comunidades do PA Nova Cotriguaçu, a chamada das lideranças para

conscientização ambiental e preservação dos babaçuais se tornou um tema cada vez mais

marcante, com o pedido repetido da cessação das práticas de queimadas e de destruição dos

babaçuais. A partir de 2014, lideranças comunitárias passaram a ocupar vagas de conselheiros

representando o assentamento nos conselhos municipais de meio ambiente e de segurança

alimentar, e no Conselho do Parque Nacional do Juruena. A participação nesses espaços de

articulação como outros atores e tomadores de decisão é fundamental para a inclusão da pauta

e o reconhecimento da importância da valorização do coco babaçu na região.

Um resultado interessante dessa articulação, foi a possibilidade de incidência em políticas

públicas como a elaboração de uma lei municipal de extrativismo graças a criação de um

grupo de trabalho no conselho municipal de meio ambiente, ou ainda em 2016 a inserção pela

Secretaria Municipal de Educação dos derivados do babaçu (bolachas e farinha para mingau)

nas chamadas públicas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

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Figura 6: Linha do tempo da estruturação da cadeia do babaçu no PA Nova Cotriguaçu, a

partir dos incentivos do projeto Cotriguaçu Sempre Verde (caixas de bordas quadradas) e dos

seus impactos (caixas de bordas redondas)

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4. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO: DESAFIOS FUTUROS E CONSOLIDAÇÃO

DA NOVA TRAJETÓRIA

a. Obstáculos e recomendações para o fortalecimento da cadeia de valor do

babaçu

Os resultados da intervenção apresentados acima vem confirmar a análise de Almeida et al.

(2012), de que “o fortalecimento das cadeias de valor de produtos da sociobiodiversidade

representa grande oportunidade para impulsionar o desenvolvimento econômico local, a

partir de ações que integrem produção sustentável e geração de renda, aliando conservação

da biodiversidade e empoderamento social das populações extrativistas.”

No entanto, na trajetória dos grupos extrativistas se destacam vários obstáculos limitando que

o potencial local possa ser de fato aproveitado.

Em primeiro lugar, existem dificuldades internas dos grupos em organizarem seu trabalho de

forma eficiente na realização da coleta, transporte, processamento, estocagem e

comercialização, provocando em particular picos de demandas de mão de obra ao longo do

ano, e gargalos impedindo que o trabalho ganhe escala. Amais, a falta inicial de tesouraria

complicou a aquisição dos equipamentos, embalagens ou indumentárias, fazendo que muitas

vezes as compras sejam adiadas ou realizadas de forma oportunista e não planejada.

Isso é reforçado pela falta de regularização fundiária na região: os grupos tiveram muita

dificuldade em conseguir recursos para aquisição de material de construção já que a grande

maioria dos financiadores exigem documentação dos terrenos onde as associações estão

estruturando as unidades beneficiamento coletivo para apoiar as obras.

Assim, conseguiram em primeiro lugar adquirir equipamentos e tecnologias para o

processamento, para depois, e de forma fracionada, conseguir adquirir materiais para

construção da infraestrutura e instalação dos equipamentos de forma adequada, o que atrasa o

desenvolvimento da inciativa, e acaba frustrando muitas das famílias envolvidas.

Outra fonte de desmotivação e de obstáculos são as dificuldades encontradas para a

regularização fiscal, sanitária e ambiental necessária à formalização dos empreendimentos,

sendo que existe uma enorme carência das associações em termo de orientação e assistência

dos órgãos públicos reguladores, ausentes das comunidades, e pouco sensibilizados à

realidade local dos grupos.

A estruturação das cadeias, principalmente na perspectiva atual de um ganho de escala graças

à industrialização dos processos, necessita também que os grupos desenvolvam estratégias de

marketing e de comercialização dos seus produtos para facilitar a aceitação dos produtos pelo

mercado e a conquista de novos clientes, identificando as demandas e especificidades do

mercado almejado. No caso da produção de ração, a comercialização informal suscitou até

denúncias de lojas agropecuárias sentindo uma possível concorrência com a venda dos seus

próprios produtos.

Para conseguir acessar mercados formais, ainda é preciso superar dificuldades de

homogeneização da produção, de padronização da qualidade, e garantir a oferta de produtos

em frequência e quantidade regulares. Enfim os grupos devem se qualificar para procurar

compradores e negociar preços justos, ou até procurar obter selo socioambiental que facilite o

acesso a mercados de nicho valorizando a qualidade dos produtos.

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Também deve ser promovida na região a adoção de práticas adequadas de manejo dos

babaçuais. A manutenção de 80 palmeiras adultas e 80 pindovas por hectare em pastagens

(MAPA, 2010), e o desbaste das palmeiras improdutivas, permitem o estabelecimento de

sistemas silvopastoris altamente produtivos e pode aumentar de forma significativa a

produção de uma área, passando de 1,6 toneladas de coco/hectare/ano observados hoje no

levantamento para 7,5 toneladas de coco/hectare/ano (Pinto et. al, 2010) Por fim, é necessário

estabelecer tanto acordos coletivos comunitários como um quadro legal municipal para evitar

potenciais conflitos em relação ao acesso às áreas de coleta e facilitar o licenciamento

ambiental da atividade.

Nesse sentido, o mapeamento de espécies florestais permite rastrear a origem dos produtos,

confere maior transparência ao manejo realizado, facilita as vistorias de órgãos ambientais

e/ou instituições certificadoras e subsidia a elaboração de estimativas confiáveis da produção

de óleos, cascas, sementes, frutos e outros produtos florestais (ALECHANDRE et al., 2007).

Fig 7: Foto de uma área de coleta em sistema silvopastoril (PA Nova Cotriguaçu, 2015)

Nas recomendações para fortalecer essa cadeia, ainda podemos frisar a necessidade de

desenvolver a valorização dos outros subprodutos como carvão e artesanato, e de integrá-la

mais ao sistema produtivo local para valorizar seu grande potencial de uso na suplementação

animal e de produção nos sistemas silvopastoris.

b. Pertinência do modelo de intervenção e necessidade de uma abordagem

multiatores para fortalecer a governança da cadeia socioprodutiva

A abordagem multidispilinar sistêmica e integrada da intervenção do projeto Cotriguaçu

Sempre Verde permitiu discutir e criar condições de melhoria nas diferentes dimensões da

sustentabilidade das iniciativas comunitárias de extrativismo do coco Babaçu no PA Nova

Cotriguaçu. Visou em particular a participação das populações nos processos de planejamento

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e gestão, e a criação de capacidades locais para garantir maior autonomia e mudança perene

através de uma intervenção privilegiando o nível local.

No entanto, o impacto do trabalho realizado junto com as comunidades para a estruturação da

cadeia socioprodutiva do babaçu muitas vezes se esbarrou em dificuldades e obstáculos

exteriores ao sistema local, de ordem legais, institucionais ou mercadológicos.

Assim fez se óbvia a necessidade de trabalhar mais com os gestores públicos de forma

multiescalar, em particular para favorecer a implementação do Plano Nacional de Promoção

da Cadeias dos Produtos da Sociobiodiversidade (PNPSB), focando na solução dos gargalos,

e na consolidação de arranjos locais. Deve se garantir a assistência técnica aos grupos

qualificando os aspectos técnicoprodutivos e gerenciais, a facilitação dos processos

administrativos e burocráticos de regularização dos empreendimentos, e o acesso a

financiamentos adequados.

Como lembra Almeida (2012), ao considerar a governança das cadeias de valor de produtos

da sociobiodiversidade, “devemos ter em mente a importância dos mecanismos de condução

dos diferentes atores envolvidos. Estes espaços de articulação são fundamentais para a

promoção de sinergias multi-institucionais, principalmente se considerarmos que o primeiro

elo das cadeias de valor de produtos da sociobiodiversidade são os Povos e Comunidades

Tradicionais e Agricultores Familiares, que possuem seus modos de vida e necessitam ser

respeitados e compreendidos pelos demais elos da cadeia.”

Só assim, será possível potencializar os impactos da intervenção discutida no

desenvolvimento sustentável, e considerar sua replicação numa escala regional com outros

grupos comunitários.

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