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João Pessoa - PB, 26 a 29 de julho de 2015 SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural PARA ALÉM DA PRAIA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL NO LITORAL NORTE GAÚCHO Anelise Graciele Rambo UFRGS [email protected] Marlise Amália Reinehr Dal Forno UFRGS [email protected] Gabriel Vianna UFRGS [email protected] Matheus Pacheco Volf UFRGS [email protected] Grupo de Pesquisa: Agricultura Familiar e Ruralidade Resumo Este trabalho apresenta uma caracterização do território rural Litoral RS, com o objetivo de enfatizar sua história, suas características sócio-econômico-ambientais, de modo a evidenciar elementos, não raro, pouco reconhecidos frente a uma identidade regional associada ao turismo litorâneo de veraneio. A região recentemente foi incorporada ao Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (Pronat), criado devido ao reconhecimento de que as políticas voltadas para a promoção do desenvolvimento sustentável do meio rural encontravam dificuldades para atender às especificidades e diferenças culturais dos diversos segmentos e povos existentes no País. Sendo assim, entende-se que há no Litoral Norte Gaúcho, um público alvo, competente a esta política, ofuscado pela principal atividade econômica regional, qual seja, o turismo litorâneo de veraneio. Ao dar destaque ao “invisível” do Litoral Norte, pretende-se chamar atenção para a importância do fortalecimento dos laços fracos na promoção do desenvolvimento no Litoral Norte a partir da implementação do Colegiado Territorial. Palavras-chave: Desenvolvimento Territorial, Política Territorial, Laços Fracos Abstract This paper characterize the Litoral Norte rural territory. We emphasize its history, socio- economic and environmental characteristics, in order to identify elements, often little recognized against a regional identity associated with coastal tourism. Recently, this region was incorporated to the Sustainable Development Program of Rural Territories (PRONAT), created due to recognition that policies to promote sustainable development of rural areas found it difficult to meet the specific needs and cultural differences of the various segments and people existing in the rural areas. Thus, we understand that there is in tLitoral Norte Gaucho, a public, regard to this policy, overshadowed by the main regional economic activity, the coastal tourism. To highlight the "invisible" of the Litoral Norte, we intend to point to the importance of strength the weak ties over the development in Litoral Norte from the implementation of the Territorial Council. Key words: Territorial development, territorial policy, weak ties

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João Pessoa - PB, 26 a 29 de julho de 2015

SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

PARA ALÉM DA PRAIA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO

TERRITORIAL RURAL NO LITORAL NORTE GAÚCHO

Anelise Graciele Rambo

UFRGS

[email protected]

Marlise Amália Reinehr Dal Forno

UFRGS

[email protected]

Gabriel Vianna

UFRGS

[email protected]

Matheus Pacheco Volf

UFRGS

[email protected]

Grupo de Pesquisa: Agricultura Familiar e Ruralidade

Resumo

Este trabalho apresenta uma caracterização do território rural Litoral RS, com o objetivo de

enfatizar sua história, suas características sócio-econômico-ambientais, de modo a evidenciar

elementos, não raro, pouco reconhecidos frente a uma identidade regional associada ao

turismo litorâneo de veraneio. A região recentemente foi incorporada ao Programa Nacional

de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (Pronat), criado devido ao

reconhecimento de que as políticas voltadas para a promoção do desenvolvimento sustentável

do meio rural encontravam dificuldades para atender às especificidades e diferenças culturais

dos diversos segmentos e povos existentes no País. Sendo assim, entende-se que há no Litoral

Norte Gaúcho, um público alvo, competente a esta política, ofuscado pela principal atividade

econômica regional, qual seja, o turismo litorâneo de veraneio. Ao dar destaque ao “invisível”

do Litoral Norte, pretende-se chamar atenção para a importância do fortalecimento dos laços

fracos na promoção do desenvolvimento no Litoral Norte a partir da implementação do

Colegiado Territorial.

Palavras-chave: Desenvolvimento Territorial, Política Territorial, Laços Fracos

Abstract

This paper characterize the Litoral Norte rural territory. We emphasize its history, socio-

economic and environmental characteristics, in order to identify elements, often little

recognized against a regional identity associated with coastal tourism. Recently, this region

was incorporated to the Sustainable Development Program of Rural Territories (PRONAT),

created due to recognition that policies to promote sustainable development of rural areas

found it difficult to meet the specific needs and cultural differences of the various segments

and people existing in the rural areas. Thus, we understand that there is in tLitoral Norte

Gaucho, a public, regard to this policy, overshadowed by the main regional economic activity,

the coastal tourism. To highlight the "invisible" of the Litoral Norte, we intend to point to the

importance of strength the weak ties over the development in Litoral Norte from the

implementation of the Territorial Council.

Key words: Territorial development, territorial policy, weak ties

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1. Introdução

Neste trabalho procura-se apresentar uma caracterização do território rural Litoral

RS, com o objetivo de enfatizar sua história, suas características sócio-econômico-ambientais,

de modo a evidenciar elementos, não raro, pouco conhecidos frente a uma identidade regional

associada ao turismo litorâneo de veraneio. A região foi incorporada recentemente ao

Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (Pronat). Como

aponta Favareto (2010, 2006), a década de 1990 é marcada pela entrada da agricultura

familiar no vocabulário acadêmico, bem como por seu reconhecimento por parte do Estado.

Nos anos 2000, há uma reavaliação do significado do desenvolvimento rural que inicia sob a

forma do debate sobre as relações entre o rural e o urbano passando pela introdução da

abordagem das dinâmicas territoriais nos processos de desenvolvimento rural. Desse modo, o

Pronat é criado devido ao reconhecimento de que as políticas voltadas para a promoção do

desenvolvimento sustentável do meio rural encontravam dificuldades para atender às

especificidades e diferenças culturais dos diversos segmentos e povos existentes no País.

A incidência de uma política territorial de desenvolvimento rural em uma região

historicamente associada ao turismo litorâneo de veraneio parece ir ao encontro do que afirma

Amin (1998). Ressalta o autor que o desafio político para as regiões menos favorecidas é o de

encontrar uma maneira de substituir os seus tradicionais laços de hierarquia e dependência

(por exemplo, as grandes empresas, provisão do Estado, ligações familiares), com laços de

reciprocidade entre agentes econômicos e instituições. Considera, portanto, que as redes

facilitam a disseminação de informações e de capacidades, bem como a perspectiva da

inovação territorial através da interação social. Neste processo, o fortalecimento dos laços

fracos assume importante papel.

Os laços fracos são aqueles que têm por principal característica a mobilização de

recursos localizados na esfera pública, proporcionando o acesso a recursos fora do âmbito da

rede social mais restrita, representada pelos laços fortes. Aqueles a quem somos fracamente

ligados são mais propensos a se mover em círculos diferentes dos nossos próprios e terão

acesso à informação diferente daquela que recebemos. Por esta razão são vistos como

indispensáveis para as oportunidades dos indivíduos e sua integração em comunidades

(GRANOVETTER, 1973). Diante disso, entende-se que o Colegiado territorial constitui-se

enquanto espaço profícuo de fortalecimento de laços fracos no Litoral Norte.

Este trabalho está sendo realizado a partir da análise de dados secundários e com

base em observações de pesquisas que vem sendo realizadas no Litoral Norte1. E, para atender

aos objetivos a que se propõe, o presente trabalho encontra-se estruturado em sete seções,

incluindo esta introdução e as referências. Na segunda seção é apresentado um histórico do

Litoral Norte Gaúcho. Em seguida, abordam-se características do território rural Litoral RS,

de modo a destacar um pouco de sua diversidade social, econômica e ambiental. Na sequência

tratar-se-á do Pronat, sua estrutura e finalidade. Em seguida, é apresentada a abordagem dos

laços fracos, de modo a enfatizar o papel destes no desenvolvimento dos territórios. Por fim,

apontam-se as considerações finais, enfatizado a diversidade do Litoral RS, vis a vis aos

avanços e desafios colocados à política territorial brasileira.

1 Trabalho relacionado a atividades de pesquisa do Projeto Fortalecimento da pesca artesanal cooperativa e de

empreendimentos de economia solidária na cadeia produtiva do peixe em Imbé e Tramandaí/RS, financiado pelo

CNPq (Chamada CNPq SETEC/MEC Nº 17/2014 – Apoio a Projetos Cooperativos de Pesquisa Aplicada e de

Extensão Tecnológica) e do Projeto de Pesquisa Gestão social e governança territorial nos colegiados territoriais:

uma análise comparativa em territórios rurais e territórios da cidadania nos Estados do Rio Grande do Sul Santa

Catarina e Paraná financiado pelo CNPq (Chamada Universal MCTI/CNPq Nº 14/2014).

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2. A trajetória do Litoral Norte Gaúcho: do pioneirismo das rotas de comércio às rotas

de turismo de veraneio

A costa sul do litoral brasileiro passou a ser ocupada de forma tardia. Os portugueses

avançaram no território em meados do século XVI e durante o século XVII. Essa ocupação se

deu com o apoio militar e com o intuito de fortalecer e expandir as fronteiras, visando por

isso, a criação de novas rotas de comércio com outras regiões. Com a ocupação, a Coroa

portuguesa ultrapassou, ao sul, a linha do Tratado de Tordesilhas. Esse avanço foi importante

para o domínio e controle de um trajeto de carreteiros e viajantes no atual território do Rio

Grande do Sul.

O avanço territorial tinha como um dos objetivos centrais encontrar ouro e prata.

Entretanto, os portugueses não obtiveram sucesso nesta finalidade. Seu maior êxito se deu em

firmar a rota litorânea que ligava o Sacramento (atual Uruguai) ao centro do Brasil,

estabelecendo contatos de comércio em outras localidades (AGUIAR, 2007).

Contribuiu para o fortalecimento da rota litorânea, a criação das prelazias2 e das

sesmarias. Em 1575, o Papa Gregório III, criou a Prelazia de São Sebastião, a qual iniciava no

Rio de Janeiro e se estendia até o Rio da Prata (EVANGELISTA, 2014). A Prelazia permitiu

que jesuítas portugueses obtivessem o primeiro contato bem-sucedido com indígenas do atual

território gaúcho. Esse contato e avanço sobre o território litorâneo permitiram aperfeiçoar as

buscas por recursos naturais de valor. Conforme avançavam, os portugueses fundavam

povoados e vilas ao longo da rota. Esta servia principalmente ao transporte do couro e

charque, mas também como apoio à atividade contrabandista. Os principais produtos

contrabandeados foram o ouro e a prata. Posteriormente, houve o tráfico de escravos

indígenas e negros. Quanto às sesmarias, é importante destacar que a primeira a ser criada no

Rio Grande do Sul situava-se nas proximidades de Tramandaí, doada pela Coroa em 1726,

surgindo a partir daí, as primeiras estâncias de apreensão e criação de gado (AGUIAR, 2008).

A rota litorânea, a única existente na região Sul, naquele momento, apresentava

movimento intenso desde sua constituição. Por ela passavam tropeiros, carreteiros, viajantes.

Assim, o comércio entre Laguna e Sacramento passou a apresentar um relativo incremento no

século XVIII. Isso fez com que Portugal instalasse pontos para cobrança de impostos no

caminho litorâneo. Esses postos ficavam situados nas travessias dos rios Tramandaí e

Mampituba (AGUIAR, 2007).

Na segunda metade do século XVIII, com o início da imigração açoriana, houve na

região um fortalecimento da atividade de subsistência e também na economia local. Até

aquele momento, a economia não ia muito além da criação de gado para comercialização da

carne e do couro. Os açorianos fundaram novos povoados e, além de fortalecer a produção de

trigo no estado, passaram a diversificar a produção de alimentos para a população litorânea.

Isso gerou maior dinamicidade da economia local, deixando de ser um espaço apenas de

passagem ou ligação dos pontos extremos da rota.

No final do referido século, a faixa do Litoral Norte Gaúcho perdeu importância,

uma vez que a rota denominada Caminho dos Conventos passou a ser usada prioritariamente.

Esta se iniciava em Viamão e teve como finalidade, transportar o charque e outros produtos

até Sorocaba, por um trajeto que passava pelas serras gaúchas e o planalto catarinense.

Embora a rota litorânea não tenha sido desativada, aos poucos, as dificuldades de

sobrevivência na região foram aumentando e se consolidando devido ao enfraquecimento

desta rota de comércio.

2 Prelazia refere-se à jurisdição do Prelado. Já o Prelado consiste na autoridade eclesiástica com a função de

governar a Prelazia

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Em 1824, a porção norte do estado começa a ser ocupada por imigrantes alemães,

fundando as colônias de Três Forquilhas e São Pedro de Alcântara, situadas próximas a

Torres. Essas colônias propiciaram o comércio com as regiões de Cima da Serra e Vacaria

(AGUIAR, 2008). A imigração alemã seguiu até 1830, quando ficou severamente reduzida

pela Lei de Orçamento que não autorizava mais despesas com imigração

(NONNENMACHER, 2000).

Com o avanço dos anos e das dificuldades de transporte em relação a centros

maiores, as colônias antes prósperas passam a entrar em declínio. Desse modo, conforme

Aguiar (2007), a região conservaria apenas a tradição agrícola, com a marca da pequena

propriedade como principal característica. Assim, o litoral passou a apresentar um processo de

declínio econômico e redução populacional, o que fez com que a região se tornasse cada vez

menos dinâmica.

Para além disso, ainda na primeira metade do século XIX, o tráfico negreiro seguia

desembarcando escravos em Tramandaí. O vazio demográfico, que caracterizava a região,

facilitava esse tráfico. A existência de conflitos e fazendas em outros pontos do Rio Grande

do Sul continuava demandando mão-de-obra escrava. Por isso, o Litoral Norte tornou-se um

território propício à referida prática.

No início do século XX, a faixa norte do litoral gaúcho seguia com agricultura em

pequena escala como principal atividade econômica da região. Com a criação das ferrovias, as

relações de comércio com outros centros intensificaram-se. A partir desse momento, há

maiores possibilidades de venda de excedentes sem a necessidade do transporte demorado

através de terra por carretas ou por água.

Próximo à virada do século, o Litoral começa a ser procurado para fins recreativos e

medicinais. A população dos municípios mais ao centro do estado passa a procurar os

balneários, que começavam a ser fundados na primeira metade do século XIX, dando início a

cultura de veraneio. “Após quase 300 anos, essa porção do território sul rio-grandense terá

outro destino na formação espacial gaúcha” (AGUIAR, 2008, p. 53).

Por volta das décadas de 1920 e 1930, o tráfego mútuo – uma interligação de

diferentes malhas ferroviárias– passou a ligar as regiões de Porto Alegre às praias. Esse

transporte propiciou a criação de outras vias auxiliares que ligavam praias como Tramandaí,

Cidreira e Torres.

Já nos anos de 1940 e 1950, a busca por fins recreativos se intensifica com a

utilização de automóveis para acessar a região. Porém, o Litoral Norte Gaúcho era

considerado uma região atrasada em relação às outras do estado, uma vez que apresentava

atividades econômicas estagnadas.

Estudos acerca dos problemas em torno do desenvolvimento da região começam a

ser realizados no fim dos anos 1950 e nos primeiros anos da década de 1960. Visando

fomentar o desenvolvimento socioeconômico do litoral, o presidente Leonel Brizola funda a

Comissão de Desenvolvimento Econômico do Litoral (Codel) (AGUIAR, 2008). A Codel

tinha como objetivo estudar os problemas agrícolas e hidrológicos da região, além de

estruturar a navegação entre Porto Alegre e o mar, portanto, uma conexão com o litoral norte.

O primeiro estudo abrangeu toda a faixa litorânea do estado.

As recomendações feitas por esse estudo, para o Litoral Norte, apontaram a

necessidade de se ter um porto marítimo na região, facilitando a criação de indústrias básicas.

Isso estimularia o crescimento habitacional, e deveria então dar mais valor ao caráter turístico

local. Para que essas medidas pudessem ser postas em prática, o estudo apontou diversas

mudanças acerca de melhorias na infraestrutura local. Nesse período – a segunda metade do

século XX – o litoral norte passou a apresentar um desenvolvimento mais significativo das

atividades urbanas.

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A criação de vias como a BR-101, e outras durante os anos de 1970, a exemplo da

RS-030 e RS-040, possibilitou uma maior conexão com a capital e outras regiões ao litoral.

Essas novas faixas permitiram um acesso mais rápido aos balneários. A rodovia que ligava

Porto Alegre à Osório, a BR-290, com faixa adicional (hoje denominada Freeway), fez com

que não se levasse mais de duas horas para chegar aos balneários mais próximos da região

metropolitana (AGUIAR, 2006).

Já na década de 1980, a economia local era dominada por pequenas propriedades

diversificadas. Segundo Perez (1980) (apud AGUIAR, 2006) naquele momento se destacava a

produção de cana-de-açúcar, a maior do estado. Embora atualmente a produção seja baixa,

segundo dados do Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul, nesta região se encontram as

indústrias de rapadura líderes do mercado estadual, as quais adquirem parte considerável da

matéria-prima de agricultores familiares (FERREIRA, 2011).

Na referida época, o inchaço populacional ocasionado pelo veraneio já se mostrava

um problema. Durante o verão, a dinâmica dos balneários dinamizava as atividades

econômicas e, as sociais, se tornavam mais diversificadas. A busca pela região, na época de

veraneio, incentivou a criação de condomínios e loteamentos para a construção de segundas

casas (casas de temporada) e empreendimentos locais. A construção imobiliária é uma

característica muito presente atualmente no Litoral Norte. A demanda por condomínios

começou a se tornar evidente na década de 1990, principalmente em municípios como Capão

da Canoa, Tramandaí e Xangri-lá (AGUIAR, 2006; 2007; 2008).

O desenvolvimento da infraestrutura, propiciado pelos avanços na criação de vias

que ligavam o litoral a outras regiões, possibilitou a implementação de sistemas de

comunicação mais avançados, como a instalação do sistema de DDD e de telefonia ao longo

do início da década de 1990. Nesse período, houve avanços ligados ao bem estar dos

moradores e dos visitantes do verão. As torres de sinais, instaladas na década citada,

facilitaram o contato virtual do litoral com o resto do mundo, seja por emissoras de televisão

ou por telefone. Os acréscimos imobiliários e de informação propiciaram mais conforto à

população residente dos municípios e aos moradores de verão (AGUIAR, 2006; 2007; 2008).

Na mesma época, paralelo ao processo de busca pela modernização, algumas

comunidades passaram a reivindicar sua emancipação. A autonomia buscada por essas

comunidades era entendida enquanto possibilidade de desenvolvimento o que gerava furor na

população local, incentivando as emancipações. Alguns desses municípios foram Capão da

Canoa e Palmares do Sul, em 1982, Xangri-lá em 1992, Balneário Pinhal em 1995. O último a

se emancipar foi o município de Itati em 1996 (AGUIAR, 2006; 2007; 2008). Essas ações

geraram uma fragmentação no território, ao mesmo tempo em que propiciaram um

crescimento econômico e demográfico. Nesse período, tem-se investimentos em diversos

setores, o que atrai uma parcela da população em busca de trabalho e qualidade de vida

(STROHAECKER, 2007).

A atividade agrícola das pequenas produções passa a dar lugar a atividades voltadas

ao setor de serviços, em especial ao comércio, e também à indústria. Essa característica de

enfraquecimento do rural se dá no decorrer dos anos 2000 quando se visualiza uma

diminuição no Valor Adicionado Bruto do setor agropecuário (AGUIAR, 2006; 2007; 2008).

Apesar da redução da relevância do setor na faixa litorânea, alguns municípios, como

por exemplo, Três Cachoeiras e Três forquilhas, se mantinham como fornecedores de

hortigranjeiros para a região metropolitana. A variação econômica ao longo dos anos de 1990

e 2000 aponta características marcantes de grupos diferenciados dos municípios do Litoral

Norte. Alguns desses lugares possuíam um marcante caráter agrícola, assim como outra

metade se destacava pelo setor de serviços, a exemplo dos balneários (AGUIAR, 2006; 2007;

2008). Com base em dados de valores dos setores, nota-se a redução da influência

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agropecuária na maioria dos municípios. Um dos exemplos é o caso de Mostardas. No ano

2000 o setor representava 61,4% da economia local. Já em 2010 sua participação econômica

foi reduzida a 47%, muito embora, ainda seja bastante significativa.

3. O Litoral Norte Gaúcho e suas características sócio-econômico-ambientais atuais

Para caracterizar o Litoral Norte Gaúcho, nos valeremos do recorte espacial definido

pelo Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (Pronat).

Portanto, trataremos a partir deste momento, do território rural Litoral RS, criado em 2013,

formado por 24 municípios, tal como aponta o mapa a seguir:

Mapa 01: Municípios que compõem o território rural Litoral RS

Fonte: Brasil, 2015.

Ao analisar-se os dados dos Censos Demográficos de 2000 e 2010, quanto à

população do território Litoral RS, pode-se verificar que o seu crescimento, em quase todos os

municípios, é positivo, conforme apresenta o gráfico a seguir:

Gráfico 01: População total dos municípios que compõem o território rural Litoral RS

Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2010.

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No entanto, ao longo dos 10 anos, a população total diminuiu nos municípios de

Terra de Arreia (13,8%), Morrinhos do Sul (10,1%), Três Forquilhas (9,9%), Maquiné

(5,5%), Mampituba (3,2%) e Dom Pedro de Alcântara (3,2%). Opostamente, os demais

municípios, apresentaram um crescimento populacional positivo, destacando-se Xangri-lá

(52%), Arroio do Sal (47%), Balneário Pinhal (46%) e Cidreira (43%). Com um percentual

menor, mas ainda significativo, podemos citar Capão da Canoa e Tramandaí com 38% e 34%

respectivamente.

A população total da região cresceu 15% ao longo dos 10 anos analisados. Já o

crescimento da população estadual, no mesmo período, foi de apenas 5%. Nesse sentido, vale

mencionar a Nota Técnica publicada pela Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica

Demográfica (GEADD) do IBGE, sobre estimativas da população dos municípios brasileiros.

A Nota aponta que o crescimento populacional é maior nos municípios cuja população gira

entre 100.000 e 500.000 habitantes (as chamadas cidades médias). Estes municípios

demonstraram um crescimento médio de 1,12% entre 2013/2014. Os municípios de até

50.000 habitantes mostram um crescimento populacional de 0,53% no mesmo período. Já o

Litoral RS, cujo município mais populoso apresenta 42.040 habitantes (Torres) entre os anos

de 2000 e 2010, apresentou um crescimento populacional médio de 1,5% ao ano. Embora os

dados não sejam diretamente comparáveis, pois se referem a períodos distintos, chama

atenção o quão dinâmica se mostra a população do território.

Ademais, ao analisarmos dados acerca da população residente, já é possível verificar

uma característica rural marcante. Em 2010, o território apresentava uma população de

345.449 habitantes, sendo 20% rural, o que equivale a 56.915 habitantes. Já no Brasil, a

população rural equivalia a 19% e no Rio Grande do Sul, a 18%. Há de se destacar a presença

de municípios cuja maior parte da população é rural. Assim sendo, podemos mencionar Dom

Pedro de Alcântara, Três Forquilhas, Caará, Mampituba e Maquiné, respectivamente com

92%, 87%, 86%, 81% e 70% da população residindo no espaço rural3.

Ainda acerca da população, a pirâmide etária também aponta características

interessantes, como podemos visualizar a seguir (figura 01). É possível verificar que a

pirâmide etária do território rural Litoral RS mostra-se mais alargada em direção ao topo se

comparada a do Rio Grande do Sul e, sobretudo, ao Brasil. Isso denota a presença mais

acentuada de uma população acima dos 54 anos. Tanto observações empíricas quanto

pesquisas, evidenciam que nos últimos anos, o Litoral Norte do RS vem atraindo um

contingente considerável de aposentados, que buscam, dentre outros, qualidade de vida em

cidades mais seguras com boa trafegabilidade, segurança e infraestrutura (RAMOS, 2014).

Campos, Barbieri e Carvalho (2008) enfatizam que, quanto mais avançada a idade, menor

será a distância dos deslocamentos que os idosos estão dispostos a enfrentar. Sendo assim, as

praias do Litoral Norte, com seus acessos facilitados e próximos da capital, estariam

influenciando a atração de aposentados para a região. Jardim e Barcelos (2011) e Accurso

(2002) também destacam a significativa migração de idosos para o Litoral Norte,

possivelmente, almejando melhor qualidade de vida.

3 Por outro lado, cabe citar os municípios de Capão da Canoa, Imbé, Tramandaí, Xangri-lá e Balneário Pinhal,

com uma população urbana, respectivamente de 99,4%, 99,9%, 97,6%, 99,5% e 97,7%. Estes são alguns dos

balneários da região, estruturados economicamente sobre o turismo de veraneio cujas principais atividades giram

em torno do setor de serviços.

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Figura 01: Pirâmides etárias do Brasil, Rio Grande do Sul e território rural Litoral RS

Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2010.

No que se refere ao Valor Adicionado por setor de atividade econômica do ano de

2010, também é possível apontar duas peculiaridades em relação aos dados estaduais e

nacionais. Uma se refere à participação dos serviços. No território, esta participação alcança

74%, enquanto que ao nível estadual representa 63% e nacional 65% (IBGE Cidades, 2015).

Portanto, o setor de serviços no Litoral RS, muito associado ao turismo litorâneo de veraneio,

contribui mais para o Produto Interno Bruto (PIB) da região do que a contribuição do setor ao

nível estadual e nacional.

O setor agropecuário, embora tenha a menor participação nas três escalas, é mais

acentuado no Litoral RS. Enquanto que nessa região representa 10% do PIB, no estado

corresponde a 7,1% e ao nível nacional, a apenas 5,7%.

Por sua vez, verifica-se que o Litoral RS possui discreta atividade industrial, uma vez

que este setor participa com 16% do PIB. Já no RS no Brasil esta participação corresponde a

30%, como pode ser visualizado a seguir.

Gráfico 02: Valor adicionado por setor de atividade econômica no território rural Litoral RS

Fonte: IBGE, 2015.

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No que se refere ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) pode-se observar que

o mesmo está abaixo das médias nacional e estadual. Enquanto o estado apresenta um IDH de

0,746 e o Brasil de 0,727, o Litoral RS alcança apenas 0,706 no ano de 2010. O IDH

municipal (IDH-M) mais baixo corresponde ao do município de Mampituba (0,649) e o mais

elevado o de Capivari do Sul (0,766). Convém destacar ainda que o IDH nacional apresentou

maior crescimento, 19%, seguido do território, 17% e do estadual, com 12%, como pode ser

visualizado no gráfico seguinte.

Gráfico 03: IDH do Litoral RS, Rio Grande do Sul e Brasil – 2000 e 2010.

Fonte: IBGE, 2015.

Já quanto ao Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese), pode-se verificar

que, dos 28 Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes), o Litoral Norte4 está entre

os oito com piores Índices. Este, no ano de 2012, girava em torno de 0,698, enquanto que o

Corede Serra, com melhor índice, apresentava 0,812. Tanto o Idese, quanto o IDH apontam

para uma situação que justifica a presença da política territorial na região em questão, tal

como será apontado na seção seguinte.

Ambientelmente, o Litoral RS também é muito diverso. Nele há a presença das

nascentes no Planalto no município de São Francisco de Paula, a 900m de altitude, e nas

lagoas no Litoral Médio, indo até a foz, onde o rio se liga ao oceano Atlântico, no município

de Tramandaí. O Litoral Norte Gaúcho está localizado no Planalto Meridional e Planície

Costeira do Rio Grande do Sul. Nele estão presentes os biomas Mata Atlântica, incluindo a

Floresta Ombrófila Mista e a Densa, e o bioma Pampa, com a formação pioneira de origem

flúvio-lacustre-marinha. Em grande parte do território encontram-se ecossistemas nativos,

como florestas, banhados, lagoas, dunas e restingas, muitos deles ameaçados e, alguns

protegidos por Unidades de Conservação.

Nessa região há a maior concentração de Unidades de Conservação no Estado das

esferas estaduais, municipais e federal, com o total de oito, sendo cinco de Proteção Integral e

três de Uso Sustentável. As Unidades estão sendo implantadas na região desde a década de

1990, contando atualmente com gestores, conselhos e Planos de Manejo. Essa forma de

gestão compartilhada levou a uma articulação entre gestores e conselheiros, pescadores e

agricultores, para a realização de projetos em parceria que fomentem a conservação da

biodiversidade e o desenvolvimento sustentável.

4 Embora a regionalização dos territórios rurais e dos Coredes não seja exatamente a mesma (o território possui

três municípios a mais, quais sejam, Riozinho, Santo Antonio da Patrulha e Tavares) é possível reconhecer

semelhante dinâmica regional em ambas.

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Não se pode deixar de menciona que no Litoral RS há uma população culturalmente

diversa, incluindo grupos que compõem a sociodiversidade brasileira e que estão demandando

seus territórios tradicionais. Pode-se citar povos indígenas, quilombolas e pescadores, além de

descendentes de imigrantes europeus. Povos que habitavam a região desde antes da

colonização e que hoje, lutam pela titularidade da terra.

Estudos do Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata

Atlântica (DESMA) identificaram a presença de 04 territórios quilombolas, 8 territórios da

pesca artesanal, e 06 territórios Guarani, os quais estão mapeados na publicação Patrimônio

Socioambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí (COELHO-DE-SOUZA et al.,

2013).

Já segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), sete das 48 terras indígenas do

estado se encontram no território Litoral RS. Estas localizam-se nos municípios de Torres,

Palmares do Sul, Osório, Maquiné, Riozinho, Caraá e Capivari do Sul. As características

culturais e sistemas de produção dessas comunidades ajudam a dinamizar e expandir a

diversidade cultural e produtiva do território, seja por suas características singulares, seja por

sua potencial influencia nas trocas de experiências.

Quanto aos quilombolas5, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (Incra) muitas de suas terras ainda estão submetidas ao processo para titulação. Em

outros casos, como o de Casca, em Mostardas, já houve concessão da titulação comunitária da

terra, em 2010. Essa titulação é importante para a sustentação da identidade nas comunidades

quilombolas e para facilitar o acesso a recursos públicos essenciais para esses grupos. Existem

atualmente, no Brasil 1.529 processos abertos em todas as superintendências regionais.

No litoral se situam comunidades como as de Casca, Teixeira, Olho D’Água,

Capororocas e outras. Segundo dados do Incra, foram expedidos 11 certidões às comunidades

remanescentes de quilombos, conforme tabela a seguir:

CERTIDÕES EXPEDIDAS ÀS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS (CRQs)

ATUALIZADA ATÉ A PORTARIA Nº- 84, DE 8 DE JUNHO DE 2015

MUNICÍPIOS COMUNIDADE DATA publicação no DOU

Capivari do Sul Costa da Lagoa 13/12/2006

Maquiné/Osório Morro Alto 04/06/2004

Mostardas Casca 04/06/2004

Mostardas Colodianos 19/08/2005

Mostardas Teixeira 13/05/2008

Palmares do Sul Limoeiro 13/12/2006

Tavares Anastácia Machado 27/12/2010

Tavares Capororocas 28/12/2010

Tavares Vó Marinha 24/03/2010

Três Forquilhas Famílias de Três Forquilhas 05/05/2009

Praia grande (SC)/Mampituba São Roque 10/12/2014

Tabela 01: Comunidades Quilombolas no Litoral RS

Fonte: Incra e Diário Oficial da União (DOU). Elaboração própria.

5Segundo o Incra, as comunidades quilombolas são grupos étnicos que se autodefinem a partir de suas relações

com a terra, de parentesco ou características culturais ligadas a sua ancestralidade, constituídos pela população

negra remanescente dos quilombos. No Litoral RS há grande manifestação desses grupos.

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Segundo a Comissão Pró-Índio de São Paulo, a região do Litoral Norte Gaúcho possui

uma significativa concentração de quilombos rurais devido a região ter sido a primeira faixa

ocupada pelos portugueses no estado, assim como o desembarque de escravos pelo tráfico

negreiro que se dava no território, como apontado no início deste trabalho.

As populações tradicionais da região estão organizadas no Fórum da Pesca do Litoral

Norte, Fórum Quilombola da Península do Litoral, onde participam as Associações

Quilombolas do Limoeiro e de Casca, além de Cooperativas e Associações de agricultores

familiares. Ressalta-se a presença de Redes envolvendo agricultores, técnicos de Assitencia

Técnica e Extensão Rural (ATER), estudantes e pesquisadores, como a Rede Orientada para o

Desenvolvimento da Agroecologia (RODA), Rede Juçara e Rede ECOVIDA, esta última

trabalhando com a certificação dos produtos orgânicos. O Comitê da Bacia Hidrográfica Rio

Tramandaí tem grande atuação no território, trabalhando para a gestão integrada dos recursos

hídricos, extremamente abundantes (PROJETO TARAMANDAHY, 2013).

Neste território estão presentes ONG´s que vem trabalhando em parceria com os

agricultores familiares os processos de transição agroecológica, valorizando os sistemas

agroflorestais e os produtos da sociobiodiversidade, como o palmito-juçara (Euterpe edulis),

butiá e fibras vegetais. Destacam-se as ONG´s ANAMA, Curicaca e Centro Ecológico. As

duas primeiras desenvolvem trabalhos em parceria com a Universidade Federal do Rio

Grande do Sul. Inclusive a ONG ANAMA, o DESMA, a FEPAGRO e a Secretaria Estadual

do Meio Ambiente gerenciam o Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, o

qual faz parte do Sistema de Gestão das Reservas da Biosfera, Programa das Nações Unidas

para o Meio Ambiente (PNUMA).

Outro exemplo que retrata a diversidade no território, neste caso no âmbito da

agricultura familiar, é a produção de banana nos municípios de Morrinhos do Sul, Dom Pedro

de Alcântara, Três Cachoeiras, Mampituba e Torres. Neste caso há uma troca de experiências

entre produtores o que levou ao crescimento da produção e aumento da qualidade do produto

ao longo de 2015. A parceria estabelecida com a Emater gera encontros recorrentes para a

troca de experiências em agroflorestas visando um desenvolvimento sustentável a partir dessa

prática. O saber ecológico dos próprios produtores é a base dos sistemas agroflorestais e a

sensibilidade ecológica dos agricultores geradas nesta iniciativa é um dos resultados

principais (VIVAN, 2002).

Vivan (2002) exemplifica trazendo o caso de um produtor familiar de Dom Pedro de

Alcântara, que possui uma significativa variedade de produtos para complementar a renda

proveniente da banana. Sua propriedade diversificou-se a partir de trocas de informações e

experiências em cursos e reuniões, resultado do fortalecimento de laços fracos: Os plantios de banana-prata e banana-maçã ocupam 4ha localizados em uma encosta

com exposição norte-nordeste. Mamão, aipim, mudas de ornamentais e ervas

condimentares/medicinais, produzidas pela esposa e filha, complementam a renda da

banana. Os produtos são comercializados nas Feiras de Agricultores Ecologistas em

Porto Alegre, RS (a 200 quilometros da propriedade), e as ornamentais (somente as

exóticas) também são oferecidas na Feira de Agricultores de Torres, RS (18

quilômetros da propriedade) (VIVAN, 2002, p. 19).

Nesse sentido, cabe destacar que, segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, há

no Litoral RS, 12.811 estabelecimentos de agricultura familiar, 26.625 pessoas ocupadas na

agricultura familiar, dois assentamentos de reforma agrária ocupando uma área de 1.424.00

ha. Além disso, o Litoral RS possuía 16.152 famílias beneficiadas com o Programa Bolsa

Família em 2015 (BRASIL, 2015).

Os dados ora apresentados buscam dar visibilidade a características sócio-

econômico-ambientais que nem sempre são evidentes quando se trata do Litoral Norte

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Gaúcho. Uma região movida economicamente pelo turismo litorâneo de veraneio, mas que

social e ambientalmente, apresenta uma realidade muito mais diversa. Essa diversidade fez

com que fosse criado, no âmbito do Pronat, um território rural, cuja política vem apresentada

a seguir:

4. Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (Pronat):

um mecanismo de desenvolvimento para o Litoral RS?

A perspectiva territorial de desenvolvimento rural passa a fazer parte das políticas

públicas brasileiras a partir do Pronat, vinculado à Secretaria do Desenvolvimento Territorial

(SDT) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Seu objetivo consiste em

promover e apoiar iniciativas das institucionalidades representativas dos territórios rurais que

objetivem o incremento sustentável nos níveis de qualidade de vida da população rural. O

Programa pretende promover e apoiar: (1) o fortalecimento das redes sociais de cooperação

dos territórios rurais; (2) o planejamento e o fortalecimento da gestão social dos territórios;

(3) iniciativas territoriais que contribuam para a dinamização e diversificação das economias

territoriais; (4) a articulação de políticas públicas, com vistas à redução das desigualdades

sociais e regionais e a geração de riquezas com equidade social (BRASIL, 2004).

A perspectiva territorial do desenvolvimento rural sustentável proposta envolve uma

visão integradora de espaços, atores sociais, mercados e políticas públicas de intervenção.

Desta forma, propõe-se desenvolver soluções que contemplem combinações entre as diversas

dimensões do desenvolvimento sustentável: econômica, sócio-cultural, político-institucional e

ambiental (BRASIL, 2004).

Na perspectiva do Pronat, território rural seria aquele espaço em que os critérios

multidimensionais que o caracterizam, bem como os elementos mais marcantes que facilitam

a coesão social, cultural e territorial, apresentam a predominância de elementos rurais. Estes

elementos se referem a um ambiente natural pouco modificado ou parcialmente convertido a

atividades agro-silvo-pastoris, baixa densidade demográfica, uma base econômica primária e

seus encadeamentos secundários e terciários, presença de hábitos culturais e tradições típicas

do universo rural. Nestes territórios incluem-se os espaços urbanizados que compreendem

pequenas e médias cidades, vilas e povoados (BRASIL, 2003). A esta perspectiva está

subjacente a ideia de territórios de identidade, ou seja, um território enquanto espaço físico

construído historicamente e, por conseguinte, portador de uma identidade, baseada em alguma

especificidade, seja cultural, econômica ou ambiental (ECHEVERRI, 2010).

A seleção dos territórios rurais para ações do Pronat tem por base as microrregiões

geográficas que apresentam densidade demográfica menor que 80 hab/km² e população média

por município de até 50.000 habitantes, bem como a presença de agricultores familiares,

famílias assentadas e famílias de trabalhadores acampados6 (BRASIL, 2003).

A estrutura organizacional dos territórios rurais é sustentada pelo Colegiado de

Desenvolvimento Territorial (Codeter). O Colegiado representa um tipo de arranjo

institucional, por meio do qual se pretende construir acordos em torno da implementação dos

projetos de interesse do território, catalisando habilidades e competências dispersas num

conjunto de organizações e agentes, públicos e privados, individuais e coletivos, e operar

esses atributos colocando-os a serviço do território (BRASIL, 2005).

6 Aos critérios mencionados, foi acrescentado outro que se refere à presença da agricultura familiar. Se um

território tiver um percentual superior a 50% de estabelecimentos da agricultura familiar, ele pode ser

incorporado ao Programa, mesmo que ultrapasse os 80 habitantes por km². A esse respeito ver:

<http://www.brasil.gov.br/governo/2013/05/mais-74-territorios-rurais-sao-incluidos-em-programa-de-

desenvolvimento>.

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Ao Codeter cabe deliberar e propor ações para o desenvolvimento sustentável dos

territórios, além de articular políticas públicas, realizar o planejamento das ações e definir os

programas e projetos que devem compor o Plano Territorial de Desenvolvimento Territorial

Sustentável (PTDRS). Este Plano se caracteriza por ser multidimensional – ambiental,

político, institucional, sociocultural educacional e socioeconômico – e deve conter a visão de

futuro do território, o diagnóstico qualificado da realidade territorial, os eixos de

desenvolvimento, os programas, projetos, ações estratégicas e as formas de gestão7 (BRASIL,

2010).

No caso do Litoral RS, cujo território rural foi criado no ano de 2013, o Colegiado está

em processo de constituição, sendo formado por 43 membros. O quadro a seguir apresenta os

membros do referido Colegiado, que retrata a diversidade territorial expressa anteriormente.

Quadro 01: Membros do Colegiado Territorial Litoral RS

Sociedade Cívil Organizada Estado

Conselho de Participação e

Desenvolvimento da Comunidade Negra

do Rio Grande do Sul - CODENE

Prefeitura Municipal de Maquiné, Xangri-

lá, Capão da Canoa, Caraá, Imbé,

Itati,Tramandaí, Tavares, Santo Antonio da

Patrulha, Osório

Quilombo de Tavares e Morro Alto

EMATER de Mampituba, Maquiné,

TRamandaí, Tres Cachoeirias, Tavares, Porto

Alegre, Osório, Capão da Canoa, Caraá,

Dom Pedro de Alcântara, Imbé

Associação dos Colonos Ecologistas da

Região de Torres - ACERT

Escola Estadual de Ensino Médio Ildefonso

Simões Lopes

Ação Nascente Maquiné – ANAMA

Programa de Pós Graduação em

Desenvolvimento Rural da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul

Centro de Tecnologias Alternativas e

Populares – CETAP

Universidade Federal do Rio Grande do Sul –

Campus Litoral Norte

Comitê de Gerenciamento

da Bacia Hidrográfica do Rio Mampituba Intituto Federal de Osório - IFRS

Centro Ecologico

Cooperativa Mista de Agricultores

Familiares de Itati, Terra de Areia e Três

Forquilhas - COOMAFITT

Programa de Pós Graduação em

Desenvolvimento Rural da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul

Cooperativa de Produção,

Comercialização e Consumo dos Pequenos

Produtores do Litoral Norte - COOPVIVA

Universidade Federal do Rio Grande do Sul –

Campus Litoral Norte

Guranis de Riozinho

Sindicatos de Trabalhadores Rurais de

Maquiné, Osório, Três Forquilhas,

Morrinhos do Sul, Torres, Mostardas,

Terra de Areia

Fonte: Organização própria.

Apenas para exemplificar um pouco da atuação do Coodeter no Litoral RS, pode-se

citar eventos como os promovidos em parceria com a Emater/RS. Um desses eventos foi a 1ª

7 Com base nestes critérios há atualmente 242 territórios rurais identificados, sendo que 164 são apoiados pelo

Pronat. Destes, 93 aprovaram seus planos e outros 71 estão em processo de elaboração e qualificação (SDT,

2010).

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Macro Oficina da Rede de Sistemas Agroflorestais Agroecológicos do Sul (SAFAS)+ Rede

Sul de Núcleos de Estudos de Agroecologia e Sistemas de Produção Orgânica (ReSNEA) de

Integração Participativa das experiências Agroflorestais Agropecuárias no Sul do Brasil, que

ocorreu com o apoio de diversos atores em dezembro de 2015. Em ocasiões como essa, tem-

se construído a possibilidade de trocas de conhecimentos com populações tradicionais. Por

estas populações terem uma dinâmica diferenciada de repasse de conhecimento, como o caso

dos povos indígenas, o contato entre as diversas comunidades, mediado por atores como os

acima citados, facilita a troca de experiências sem imposições ou exigências.

O Codeter do Litoral RS propõe agrupar e potencializar a organização das demandas e

reinvindicações locais dos diferentes atores sociais. O mesmo usa de ferramentas para

organização de espaços de participação entre os agentes do território, como as Câmaras

Temáticas. Uma das suas principais preocupações é para com os povos tradicionais da região.

Há trocas constantes de experiências agroecológicas nas reuniões. Utilizando de um Portal de

Projetos, o Colegiado busca dinamizar o território através da aproximação das informações de

fontes de recursos passíveis aos projetos.

Alguns povos tradicionais se articularam em cooperativas para seu desenvolvimento,

como caso da Cooperativa dos Povos Tradicionais de Mostardas (Cooptram). A articulação

entre esses povos é fundamental para a preservação cultural e o desenvolvimento

socioeconômico dos mesmos. Essa cooperativa tem focado nas participações em eventos

como a Expointer, projetos de incentivos a produção do arroz orgânico, do feijão sopinha e do

milho catete, os dois últimos contribuições de culturas africanas e indígenas respectivamente.

Desse projeto fazem parte as comunidades quilombolas da Casca, a comunidade Teixeira e a

dos Colodianos, assim como comunidades de pescadores artesanais. Esse tipo de projeto,

como o da cooperativa citada, visa também a preservação da identidade local por meio não só

de produtos, mas também da preservação da identidade cultural criada ao longo da sua

história.

Considerando que o Litoral Norte Gaúcho é uma região com características múltiplas,

composta tanto por uma população urbana residente, quanto temporária – que usufrui do

turismo litorâneo – mas também por uma população rural diversa – agricultores familiares,

pescadores artesanais, comunidades indígenas, quilombolas, dentre outros – podemos inferir

que não existe uma territorialidade representativa do Litoral RS, mais sim, várias8. Diante

dessa diversidade e, considerando a recente criação do território Litoral RS e o processo de

elaboração do PTDRS, parece pertinente incentivar o fortalecimento dos laços fracos, tal

como aponta Mark Granovetter, de modo que seja possível a promoção de um

desenvolvimento que atenda às expectativas e anseios dessas populações diversas.

5. A contribuição dos laços fracos para o desenvolvimento territorial rural no território

rural Litoral RS

Como aborda Perafán (2007), o enfoque territorial do desenvolvimento consiste na

interpretação das múltiplas relações de poder – materiais e simbólicas – na escala local e seus

efeitos na construção de novas dinâmicas que visam aumentar o bem-estar da sociedade.

Essas dinâmicas sofrem influência tanto da relação entre o local e o global, quanto do

8 Há uma crítica sobre a política territorial, inclusive a brasileira, que aponta para uma dissonância entre a

abordagem prática/instrumentalista das políticas públicas e a abordagem analítico-cognitiva da academia no que

se refere à perspectiva territorial do desenvolvimento. Haveria, portanto territórios decretados politicamente e

territórios construídos socialmente. A esse respeito ver: Perafán, 2007; Carón, 2005; Schneider; Tartaruga, 2004;

Sabourin, 2002.

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processo histórico desse território particular. Esta influência tanto interna quanto externa ao

território define as características organizacionais e institucionais que constroem a identidade

de tal território, dando suporte e orientação para a ação (PERAFÁN, 2007).

Promover um processo de desenvolvimento territorial no espaço rural pressupõe

considerar as relações e trajetórias expressas historicamente neste território. A presença de

distintos atores sociais no Litoral Norte, sugere uma diversidade de dinâmicas territoriais

impregnadas neste espaço. Ousa-se sugerir, que esta diversidade é um potencial a ser

fomentado no que concerne ao desenvolvimento territorial. Para tal, cabe a estes diferentes

atores sociais assumir o papel de protagonistas no processo de desenvolvimento, não

limitando-se a seus grupos mais restritos, mas interagindo de forma mais ampla possível.

Neste caso, faz-se referência aos laços fortes e à força dos laços fracos. O

fortalecimento dos laços fracos é entendido aqui como um meio de fortalecimento da gestão

social e a governança territorial9, empoderando os atores territoriais no sentido de tornarem-se

agentes mais ativos no planejamento do desenvolvimento territorial, na execução e

acompanhamento dos projetos e ações que contribuem para tal finalidade.

Para tal, e com base em Boisier et al (1995) compreende-se o desenvolvimento

territorial enquanto uma expressão ampla que inclui o desenvolvimento de micro-localidades,

tais como comunidades, e de meso-localidades, províncias ou regiões. Refere-se a processos

de mudança sócio-econômica, de caráter estrutural, delimitados geograficamente e inseridos

num marco configurado por sistemas econômicos de mercado, ampla abertura externa e

descentralização dos sistemas de decisão. O autor destaca que o objetivo do desenvolvimento

territorial é triplo: (a) o aperfeiçoamento do território, entendido não como um container e

suporte físico de elementos naturais, mas como um sistema físico e social estruturalmente

complexo, dinâmico e articulado; (b) o aperfeiçoamento da sociedade ou comunidade que

habita esse território; (c) o aperfeiçoamento de cada pessoa que pertence a essa comunidade e

que habita esse território (BOISIER et. al., 1995). Desse modo, o desenvolvimento territorial,

demandaria uma sociedade organizada territorialmente, capaz de promover a dinamização

socioeconômica e a melhoria da qualidade de vida da população (BOISIER, 1995; BOISIER

et al, 1996).

Frente ao protagonismo atribuído aos atores territoriais, seja pelos teóricos do

desenvolvimento, seja pelas políticas públicas de caráter territorial, torna-se pertinente

enfatizar a importância das redes sociais e dos laços fracos, em especial, para a promoção do

desenvolvimento territorial.

A teoria das redes sociais permite que a relação entre agentes – em escalas diversas

no espaço social e de mercado – seja estudada de maneira mais específica. Segundo

Granovetter (1973), a análise dessas redes, por meio das relações de laços sociais, permite

uma visibilidade mais ampla para unir os níveis micro e macro, ou como acima apontado por

Perafán (2007), entre o local e o global.

Portanto, reconhecer a importância dos laços fracos resulta em uma análise da

influência de um agente externo a um grupo ou indivíduo e, também, desse grupo ou

indivíduo, ao agente externo. Os laços sociais são as interações dos indivíduos que podem ser

classificados de acordo com sua “força de ligação”. Esta força resulta em laços fortes e laços

fracos (GRANOVETTER, 1973).

Assim, pode-se caracterizar os laços fortes, enquanto contatos com maior intimidade

entre um indivíduo e outro, podendo ser uma relação de amizade, por exemplo. Contudo,

laços fortes não tendem a acrescentar em novidades, inovações e afins. As informações

trocadas nesses laços se repetem devido ao contato mais rotineiro. Poderíamos dizer, que na

9 A esse respeito ver Tenório (2008).

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escala dos territórios constituídos a partir da política territorial, os laços fortes se referem

àqueles estabelecidos no âmbito de cada grupos identitário: comunidades tradicionais,

agricultores familiares, cooperativas, associações, etc.

Para além dos laços fortes, existem os laços fracos. São contatos mais periféricos com

outros agentes externos ao grupo do indivíduo, relações que esse indivíduo não costuma

cultivar. Esse laço facilita a possibilidade de inovações, amplia o conhecimento e a

capacidade criativa para solucionar problemas ou, por exemplo, gerar futuros

empreendimentos com a capacidade de uma atuação mais abrangente. Essas conexões sociais

geram uma porosidade cultural e ideológica entre os grupos que assumem um contato mesmo

que superficial (PRATES, 2009).

Para Granovetter (1973) aqueles a quem somos fracamente ligados são mais propensos

a se mover em círculos diferentes dos nossos próprios e terão acesso à informação diferente

daquela que recebemos. Por esta razão são vistos como indispensáveis às oportunidades dos

indivíduos e sua integração em comunidades. O que está sendo difundido pode chegar a um

número maior de pessoas, e percorrer uma distância social maior quando passa por laços

fracos mais do que fortes.

A geração dos laços fracos pode se dar quando dois indivíduos (A e B), que possuem

uma relação com um nível elevado de intimidade, aproximam indivíduos de outro grupo para

sua rede social. Sendo assim, o indivíduo A aproxima um indivíduo C ao contato já citado de

A e B gerando um laço fraco entre B e C (GRANOVETTER, 1973). Essa lógica de

aproximação pode ser aplicada a qualquer vínculo que possa ser efetuado entre os contatos de

ambos indivíduos do laço forte original, gerando assim uma rede de laços fracos aproximando

os laços de A ao indivíduo B e os laços de B ao indivíduo A.

Entende-se que o fortalecimento dos laços fracos pode dar-se no âmbito do Colegiado

Territorial. Em uma realidade onde inicialmente havia apenas laços fortes, emerge um

dispositivo, capaz de reunir atores que até aquele momento não estabeleciam relações entre si.

Nesse sentido, cabe menção à Wilkinson (2008), pois este autor afirma que a força dos laços

fracos reside na não-redundância dos contatos sociais de uma pessoa que transita em várias

redes quando comparada com uma pessoa que circula apenas dentro da mesma rede social,

que se referem aos laços fortes. Deste modo, considera-se que o Colegiado Territorial, apesar

de haver críticas e avanços serem necessários10

, mostra-se enquanto um espaço profícuo de

gestão social e governança territorial com vistas à implementação de ações, sobretudo em se

tratando de um espaço tão diverso. Um espaço que, equivocadamente, é tido como tão

homogêneo, uma vez em que, geralmente é associado apenas ao turismo de veraneio. Ou seja,

atores que antes não dispunham de espaço para expor suas demandas e para refletir sobre o

seu desenvolvimento, tem a oportunidade de fazê-lo.

Nesse ponto, as contribuições de Geertz (2001) mostram-se pertinentes, devido,

sobretudo aos grupos identitários presentes no território Litoral RS. O autor aponta que duas

comunidades, com valores e interesses significativamente distintos, não tendem a interagir

entre si sem que haja um elemento incentivador (que neste caso poderia ser

Colegiado/Pronat). A falta de interação pode ser decorrente do nível de etnocentrismo – uma

valorização pessoal que torna os agentes de uma comunidade A insensíveis a valores de outra

comunidade B. Há, neste caso, apenas laços fortes. Isso caracteriza uma falta de atração de

valores que impede o potencial de troca de informações. Porém, o etnocentrismo, como

preservação dos sistemas de valores, mantém ampla a diversidade social e cultural. Essa

preservação faz com que os grupos busquem em si mesmos elementos para a renovação.

10

A esse respeito ver Kronemberger e Guedes, 2014; Oliveira, Perafán e Conterato (2013); Leite (2009).

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Contudo, essa autoproteção não significa que comunidades A e B, por exemplo, não

possam interagir em determinado momento. Valorizar o próprio estilo de vida, produção e

modo de pensar é o que mantém a diversidade dentro de um território. Portanto, é necessário

que haja o contato sem sobreposição de um grupo ao outro. Assim, cria-se a possibilidade de

inovações e fortalecimento dos atores, mantendo as singularidades dos agentes pertencentes

ao território (GEERTZ, 2001).

Os laços fracos permitem que essa interação seja feita e fortalecida. Cria-se assim, a

possibilidade de um desenvolvimento com base na valorização local por meio da dinamização

de dimensões sócio-culturais, ambientais e econômicas, numa perspectiva botom-up e não

top-down. Como afirma Leite (2009, p.31), A criação dos territórios, em particular aqueles implantados no meio rural,

colaborou para estabelecer as condições necessárias à instauração de um diálogo

constante entre diferentes atores sociais locais que até então tradicionalmente não

“se falavam”. Esse processo contribuiu para que os conflitos existentes entre os

distintos atores que constituem o território fossem melhor “trabalhados”,

estimulando-os a implementarem ações conjuntas, em diálogo ou não com o Estado,

orientadas para o desenvolvimento.

Porém, não se pode deixar de mencionar, como bem alerta Favareto (2010b),

que existe uma lacuna teórica na associação entre participação e desenvolvimento. Se por um

lado há fortes evidências de que a participação contribui para a eficiência da aplicação de

recursos das políticas, no caso das ações de desenvolvimento, essa condição se revela muito

mais complexa. São muitos os segmentos envolvidos e os interesses em conflito. E nesse caso

os processos participativos podem aumentar o poder de veto, mas não necessariamente

aumentar a coesão entre os agentes locais. Este é um dos desafios que a política territorial

necessita dar conta.

Sayago (2007) também faz apontamentos nesse sentido. Ao analisar os Colegiados

territoriais, afirma que a organização das comunidades rurais em torno de um projeto

participativo as fortalece, criando-se um espírito de pertença e de vigilância do da política. O

acompanhamento permite que a comunidade faça modificações e adapte o projeto quando for

necessário. Por outro lado, participação não tem avançado tão rapidamente quanto estimado.

A participação enfrenta muitas dificuldades de aplicação. Trata-se de uma colisão de

comportamentos, atitudes e visões fortemente influenciados por uma cultura organizacional

baseada na hierarquia e na verticalidade.

6. Considerações Finais

Os exemplos apresentados ao longo deste trabalho demonstram um pouco da

diversidade que marca o Litoral RS para além do turismo litorâneo de veraneio. Esta

diversidade merece estudos mais amplos e aprofundados de modo que seja possível mapear

toda sua diversidade para fomentar potencialidades regionais, muitas vezes ocultas pela

principal atividade econômica da região. Entendemos que o fortalecimento dos laços fracos,

tal como aponta Granovetter (1973), representa um meio de se promover um processo de

desenvolvimento territorial que gere qualidade de vida para a população de forma integral e

não apenas para aqueles mais diretamente envolvidos no turismo de veraneio.

Consideramos que o Pronat, na medida em que cria institucionalidades como os

Colegiados Territoriais, representa um avanço considerável ao ampliar a capacidade de

participação social dos atores no processo de diálogo, negociação, desenho e planejamento de

políticas públicas (LEITE, 2009).

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No entanto, se por um lado os Colegiados permitem maior participação dos atores

territoriais, sobretudo os organizados, criando e fortalecendo laços fracos, permanecem

desassistidos aqueles que se encontram desmobilizados e desorganizados, que são

normalmente os que estão em situação de maior vulnerabilidade social. Este é um desafio a

ser superado pela política.

Por outro lado, embora o Pronat se caracterize enquanto uma política territorial, esta

pouco avança em superar o viés setorial, uma vez que foca basicamente no espaço rural.

Entretanto, dotar as pessoas de capacidades para levarem a vida que desejam, na perspectiva

de Sen (1999), de modo que o processo de desenvolvimento territorial via Pronat não se

restrinja à discussão sobre o destino dos recursos disponibilizados pela referida política,

parece um desafio primordial a ser superado.

Referências

ACCURSO, Jorge da Silva. Matriz econômica do Litoral Norte. In: Projeto de

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