modernizaÇÃo e tradiÇÃo: o modo de vida...

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João Pessoa - PB, 26 a 29 de julho de 2015 SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural MODERNIZAÇÃO E TRADIÇÃO: O MODO DE VIDA CAMPONÊS Aline Cavalheiro – UTFPR 1 Miguel Ângelo Perondi – UTFPR 2 Hieda Maria Pagliosa Corona - UTFPR 3 Grupo 07: Agricultura Familiar e Ruralidade Resumo As populações camponesas possuem algumas características específicas que as identificam como uma população tradicional, dentre elas se destacam: a prioridade da subsistência, os códigos sociais específicos, e a relativa dependência mercantil. Contudo, a modernidade impôs transformações à quase todas as sociedades, e os camponeses sofreram influências de ordem produtiva, econômica e social. Atualmente o campesinato, como uma modalidade de agricultura familiar, subsiste de maneira não tão expressiva quanto no período pré-capitalista, no entanto, preserva características que de alguma forma penetra no modo de produzir e na sociabilidade da maioria dos agricultores brasileiros. Nesse sentido, o presente estudo traz reflexões acerca da transição do tradicional para o moderno, para tanto, traz conceitos do que é o campesinato, do que é a modernidade, e quais transformações a modernidade impôs ao camponês. Palavras-chave: Sociedades tradicionais, campesinato, modernidade. Abstract The peasant populations have some specific characteristics that were identified as a traditional population, among them are: the priority of subsistence, the specific social codes, and the relative market dependence. However, modernity imposed changes to almost all societies, and the peasants were influenced productive, economic and social order. Currently the peasantry, as a form of family farming remains so not as significant as in the pre- capitalist period, however, preserves features that somehow penetrates the way of producing and sociability of most Brazilian farmers. In this sense, this study presents reflections about the transition from tradition to modernity, therefore, brings concepts of what the peasantry, than is modernity, and what changes modernity imposed on the peasant. Key words: Traditional societies, peasantry, modernity 1 Mestranda do PPGDR – UTFPR. Email: [email protected] 2 Professora do PPGDR – UTFPR. Doutor em Desenvolvimento Rural. 3 Professor do PPGDR – UTFPR. Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento.

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 João Pessoa - PB, 26 a 29 de julho de 2015

SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

MODERNIZAÇÃO E TRADIÇÃO: O MODO DE VIDA CAMPONÊS

Aline Cavalheiro – UTFPR1 Miguel Ângelo Perondi – UTFPR2

Hieda Maria Pagliosa Corona - UTFPR3

Grupo 07: Agricultura Familiar e Ruralidade

Resumo As populações camponesas possuem algumas características específicas que as identificam como uma população tradicional, dentre elas se destacam: a prioridade da subsistência, os códigos sociais específicos, e a relativa dependência mercantil. Contudo, a modernidade impôs transformações à quase todas as sociedades, e os camponeses sofreram influências de ordem produtiva, econômica e social. Atualmente o campesinato, como uma modalidade de agricultura familiar, subsiste de maneira não tão expressiva quanto no período pré-capitalista, no entanto, preserva características que de alguma forma penetra no modo de produzir e na sociabilidade da maioria dos agricultores brasileiros. Nesse sentido, o presente estudo traz reflexões acerca da transição do tradicional para o moderno, para tanto, traz conceitos do que é o campesinato, do que é a modernidade, e quais transformações a modernidade impôs ao camponês. Palavras-chave: Sociedades tradicionais, campesinato, modernidade. Abstract The peasant populations have some specific characteristics that were identified as a traditional population, among them are: the priority of subsistence, the specific social codes, and the relative market dependence. However, modernity imposed changes to almost all societies, and the peasants were influenced productive, economic and social order. Currently the peasantry, as a form of family farming remains so not as significant as in the pre-capitalist period, however, preserves features that somehow penetrates the way of producing and sociability of most Brazilian farmers. In this sense, this study presents reflections about the transition from tradition to modernity, therefore, brings concepts of what the peasantry, than is modernity, and what changes modernity imposed on the peasant.

Key words: Traditional societies, peasantry, modernity

                                                                                                                         1 Mestranda do PPGDR – UTFPR. Email: [email protected] 2 Professora do PPGDR – UTFPR. Doutor em Desenvolvimento Rural. 3 Professor do PPGDR – UTFPR. Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento.  

 

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1. INTRODUÇÃO Desde seu surgimento, em meados do século XVII na Europa, o capitalismo mercantil dividiu as sociedades agrárias. Os donos de grandes propriedades assumiram um papel importante na economia, enquanto os camponeses foram marginalizados, já que eram vistos como irrelevantes do ponto de vista econômico. Nesse quadro em que ter posses e participação no mercado significavam ter poder, fato que, aliás, não mudou muito nos dias atuais, o camponês era sinônimo de atraso econômico, uma vez que progresso e capitalismo andavam juntos, logo sem a inserção no mercado não poderia haver progresso (ABRAMOVAY, 1992). Abramovay (1992) constatou que as raízes das unidades de pequeno porte e de alta produtividade dos países capitalistas estão fundadas no campesinato tradicional, mesmo que em nada se assemelhem hoje em dia. Tal fato se justifica na grande abertura para as mudanças e inovações tecnológicas dos camponeses, que passaram por muitas influências da modernização nos seus modos de produção e na sua economia. Além da importância moderna para as modificações na questão agrária camponesa, houve também a modernização dos modos de vida tradicionais, de uma maneira sem precedentes. Anthony Giddens (1991) aponta que diversas características estão envolvidas nas descontinuidades entre a ordem social tradicional e a instituição social moderna, entre as quais o ritmo de mudança, muito mais rápido nos sistemas modernos, o escopo da mudança, em que a modernidade interliga várias partes do globo propagando a transformação social, e a natureza intrínseca das instituições modernas, das quais algumas simplesmente não existiam em sociedades tradicionais, como o sistema político estado-nação e o trabalho assalariado. Contudo, para Michael Callon (2004) existe uma compatibilidade entre a inovação e a tradição, sendo possível uma sociedade aderir às novas tecnologias propostas pela modernidade sem perder as suas características culturais tradicionais. Desse modo, o que ocorre é uma hibridez que funde o tradicional no moderno de maneira a adaptar o modo de vida da sociedade e suas estratégias de sobrevivência para melhor satisfazer as necessidades. O processo de modernização é uma imposição a todos nós, não há meios de fugir. Ele está presente em todos os sistemas, econômicos, sociais e políticos, e há muito tempo vem transformando sociedades do mundo inteiro. Nesse sentido, o presente estudo pretende compreender a influência da modernização nas sociedades camponesas. Para tanto, o texto se divide em três momentos: inicialmente retoma conceitos de campesinato e as estratégias de sobrevivência das sociedades camponesas; a seguir pontua o que é a modernidade e seus contrastes com o tradicional; e por fim, pontua quais transformações a modernidade impôs aos camponeses. O estudo foi pautado em autores como Ricardo Abramovay (1992), Maria de Nazareth Baudel Wanderley (1996), Jan Douwe van der Ploeg (2009), Anthony Giddens (1991) e Michael Callon (2004).

 

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2 CAMPESINATO Segundo Henri Mendras (1978) existem cinco traços que caracterizam as sociedades camponesas: 1) uma relativa autonomia em relação à sociedade global; 2) a importância da estrutura do grupo doméstico; 3) um sistema econômico diversificado – parte autônomo, parte inserido em mercados locais também diversificados; 4) relações sociais de interconhecimento; 5) função decisiva dos mediadores entre a sociedade local e a global Wanderlei (1996, p. 3) ressalta que entre os camponeses “a autonomia é demográfica, social e econômica”, sendo que na economia ela se expressa através da capacidade de subsistência em dois níveis que se complementam: a imediata, do grupo familiar e a reprodução da família pelas próximas gerações. As duas principais características campesinas vêm da união dessas prioridades, a primeira é o caráter específico dos seus sistemas de produção e a segunda é o modo central de constituir o patrimônio familiar. Há quase um século Alexander Chayanov (1925) constatou que era imprudente tentar compreender a economia camponesa através de estudos econômicos convencionais, visto que estes não correspondiam às suas formas de vida. Os resultados da lida camponesa com a terra, não resultavam necessariamente em salário, lucros ou renda, o envolvimento dos componentes da família no trabalho, que caracteriza o campesinato, garante primordialmente o sustento da família, como conclui Abramovay:

O campesinato não é simplesmente uma forma ocasional, transitória, fadada ao desaparecimento, mas, ao contrário, mais que um setor social, trata-se de um sistema econômico, sobre cuja existência é possível encontrar as leis da reprodução e do desenvolvimento. (ABRAMOVAY, 1992, p. 59).

Corroborando com esta perspectiva Eric Pierre Sabourin (2009) argumenta que o grupo doméstico camponês se constitui por uma unidade indissolúvel, os integrantes dessa unidade são produtores e também consumidores e seu principal meio de subsistência é a terra, a qual não é vista por eles como um capital gerador de lucro, bem diferente da economia dos agricultores empresariais. Por essa razão, não é possível analisar o sistema econômico camponês a partir do sistema econômico industrial. Nesse sentido é possível distinguir a agricultura camponesa da agricultura empresarial através das especificidades nos sistemas de produção, sendo que a primeira se baseia no capital ecológico, na natureza, enquanto a segunda substituiu os recursos naturais por produtos artificiais, industrializando a agricultura (PLOEG, 2009). Desse modo, o comportamento camponês não pode ser explicado através da sua inserção na divisão social do trabalho nem pelo papel que ele desempenha na sociedade, mas ao invés disso, o estudo do seu comportamento pode levar a compreensão dos meios pelos quais ele se insere socialmente, sendo o que Abramovay (1992) chama de “unidade subjetiva teleológica”. Assim, o camponês se utiliza do mercado e da tecnologia disponível para formar seu objetivo econômico fundamental, mas este objetivo e suas práticas não podem ser explicadas só por estes fatores utilizados (ABRAMOVAY, 1992).

 

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Van der Ploeg (2009) utiliza o conceito de condição camponesa para falar sobre o lugar ocupado pelos camponeses na sociedade. Este conceito, segundo o autor, é caracterizado pela busca dos camponeses por autonomia e progresso, que são formas de construir e reproduzir um meio de vida rural em meio a um ambiente hostil, que se caracteriza por relações de dependência, marginalização, privação e insegurança. O ambiente hostil está presente em países desenvolvidos e em desenvolvimento de maneiras e graus diferente, bem mais explícito nos países desenvolvidos pela pressão da agricultura e pelo poder do agronegócio. A busca por autonomia, nessas condições, tem o objetivo de desenvolver uma base de recursos auto-regida, por recursos naturais e sociais (conhecimentos, redes, força de trabalho, terra, cultivo, etc.), onde a terra constitui o pilar central, material e simbólico (PLOEG, 2009). 2.1 ESTRATÉGIAS DE SUBSISTÊNCIA CAMPONESA Segundo Frank Ellis (2000), um meio de vida é composto de atividades, bens e acesso, que juntos determinam a maneira como o indivíduo ou a família vivem. Nesse sentido, a diversificação de subsistência, termo utilizado pelo autor, é um processo de construção de um portfólio diverso de atividades e de recursos para melhorar a qualidade do meio de vida das famílias (ELLIS, 2000). Os recursos necessários que estão envolvidos nessa estrutura de diversificação de subsistência incluem capital humano, capital físico, capital social, capital financeiro e capital natural e são mediados por fatores sociais (relações sociais, instituições, organizações), por tendências exógenas (tendências, principalmente econômicas), e por choque pessoal (infortúnio, secas, doenças, inundações, pragas) (ELLIS, 2000). Diversificar é uma das principais, se não a principal, estratégia de subsistência camponesa. A multiplicidade permite explorar melhor os recursos naturais presentes no meio rural e envolver todos os integrantes da família nas atividades, assegurando as suas necessidades e proporcionando maior segurança, uma vez que produzindo um pouco de vários produtos diferentes o risco de perder tudo é bastante diminuído (ELLIS, 2000). Contudo, Ellis (2000) pontua uma diferença importante na diversificação a nível individual e a nível doméstico. A primeira, segundo o autor, está mais associada à pobreza, se refere a um ou mais componentes da família que diversificam sua capacidade de trabalho, e, geralmente por necessidade, buscam emprego no meio urbano ou propriedades rurais vizinhas, inserindo-se em mercados menos favoráveis. A segunda diz respeito à família que divide entre si as funções da propriedade para melhor aproveitar as habilidades de cada membro em benefício de todos, e está mais presente em famílias bem estruturadas economicamente o que permite a participação em mercados mais favoráveis. Nesse sentido Wanderlei (1996) argumenta que a pluriatividade e o fato de alguns membros da família realizarem trabalhos externos não desagrega a agricultura camponesa, e que muitas vezes se tornam elementos positivos com os quais a família pode melhorar suas estratégias de subsistência para o presente e o futuro. A autora frisa ainda que em geral a agricultura camponesa é pequena, porém, não é o fato de ser pequena que a torna camponesa,

 

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mas o conjunto de características de relações internas com a família e o seu modo de se relacionar com os demais membros da sociedade. Um fator importante e decisivo na diversificação entre os camponeses é o gênero, sendo que homens e mulheres assumem papéis diferentes na divisão do trabalho onde quem está no topo da hierarquia de poder é o homem. No meio rural em geral as relações de gênero estão ligadas a subordinação e desigualdades, e por isso políticas de igualdade de gênero foram desenvolvidas com o intuito de reduzir a pobreza e aumentar a qualidade de vida dessa população. Contudo, os resultados dessas intervenções podem ser indesejados como relata Frank Ellis (2000) no caso de uma comunidade da Gâmbia – país africano, em que a produção de arroz foi atribuída às mulheres e acabou gerando mais poder aos homens na produção em geral. Diferentemente de uma empresa capitalista, no campesinato maximizar a utilidade do trabalho não tem ligação com lucratividade, o trabalho camponês se limita a um objetivo fundamental: satisfazer as necessidades da família. E a contabilização do esforço para atender a esse objetivo é feita através da satisfação dos componentes da família, quanto mais assegurado estiver o consumo familiar menor será a demanda de trabalho para cada unidade da família. Desse modo, Chayanov (1981) diz que a existência camponesa se baseia em manter o equilíbrio entre o esforço do trabalho e a satisfação das necessidades da família - balanço entre trabalho e consumo, este é um cálculo inconsciente dos camponeses que estabelece o equilíbrio entre a penosidade do trabalho e a satisfação da demanda. Este balanço é definido internamente pela composição da própria família, uma vez que, ao longo da vida a família tem variações no número de integrantes, na força de trabalho que cada integrante dispõe, e no consumo de cada um, de forma que o balanço precisa ser ajustado diante de cada situação (WANDERLEY, 1999) Durante os anos 1960 foram elaborados vários modelos microeconômicos sobre o comportamento camponês, que geraram preocupações subjacentes de que não se poderiam implementar políticas de modernização agrária sem compreender os fatores que levavam a tomada de decisão por parte dos agricultores. Por Sugestão de Frank Ellis (1988), Abramovay (1992) estabeleceu os três principais modelos:

a) O maximizador de lucro: modelo de Theodore Schultz (1964/1965), onde a família camponesa opera em moldes tais que nada a diferencia de uma empresa moderna, no que se refere a sua racionalidade econômica.

b) O minimizador de riscos: modelo de Michael Lipton (1968), o qual vê na lógica econômica da família camponesa o contrário do encontrado por Schultz: não a busca do lucro, mas a aversão ao risco.

C) A aversão à penosidade: modelo de Mellor (1963), Sen (1966) e Nakagima (1969) que retomam e desenvolvem os termos em que Chayanov (1925) colocou o problema da especificidade do processo de tomada de decisão no interior da família camponesa, pela aversão à penosidade.

Os modelos acima, assim como outros existentes, pretendiam fundamentalmente

identificar a melhor forma de integrar as unidades de produção familiar ao mercado de produtos e insumos, com o intuito de aumentar a sua renda, seu bem estar e a disponibilidade

 

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de produtos agrícolas na sociedade. Contudo, o que se percebe é uma diversidade de lógicas econômicas camponesas, concluído por Abramovay (1992, p. 97) que “Não só não existe homogeneidade nas proposições de políticas, como nem sempre a mesma compreensão teórica da família camponesa conduz a resultados políticos idênticos”.

Essas tentativas de programar políticas para intervir entre o meio rural e o urbano muitas vezes são mal sucedidas, porque, essencialmente, a agricultura camponesa deriva de um capital de recursos não-mercantis juntamente com a circulação de recursos não-mercantis, logo a sua produção se baseia na troca não-mercantil com a natureza. As relações de troca de mercadorias acontecem em segundo plano, somente para a venda dos produtos finais da produção, uma vez que a agricultura camponesa não é dependente dos mercados para ter acesso a insumos, já que esses fazem parte do seu capital ecológico, ela pode ser dita auto-suficiente (PLOEG, 2009).

2.2 RELAÇÃO CAMPESINA COM A SOCIEDADE E NATUREZA

A posição que o campesinato tem na sociedade, chamada por Ploeg (2009) de condição camponesa, tem implicações na estruturação da agricultura camponesa. Segundo o autor a principal dessas implicações é o fato de a agricultura camponesa voltar-se para a maior produção de valor agregado (nova riqueza gerada pelo trabalho da família, calculada entre o valor produzido e os custos da produção) possível, prática que reflete a condição camponesa no enfrentamento de um ambiente hostil a partir da geração independente de renda.

Esta é uma característica que distingue a agricultura camponesa das demais, apesar de terem em comum a intenção de aumentar o valor agregado, agriculturas empresariais e capitalistas o fazem por mecanismos diferentes. Tais mecanismos envolvem o aumento também dos meios de produção, gerando somente crescimento pessoal, enquanto a nível local e regional o valor agregado estabiliza ou declina, ao contrário do que ocorre na agricultura camponesa. Segundo Ploeg (2009, p. 21) “o progresso construído pelo camponês reverte-se também em progresso para a comunidade e para a região”. O autor lista mais cinco características que distinguem a agricultura camponesa de produções empresariais e capitalistas, as quais seguem abaixo.

A segunda característica que distingue a agricultura camponesa é o fato de que esta possui uma base de produção e consumo limitada e sobre constante pressão interna (divisão da base entre os núcleos familiares por herança) e externa (mudanças climáticas e intervenção de grandes empresas). Isso significa para os camponeses obter a máxima eficiência técnica para conseguir retirar dos recursos disponíveis a produção esperada e necessária sem comprometer sua qualidade de produção futura.

Essa limitação de recursos faz parte também da terceira característica em que a força de trabalho será sempre superior aos meios de trabalho, que por sua vez, serão predominantemente escassos, tornando a produção camponesa intensiva para que cada unidade de trabalho produza quantidades altas.

A quarta característica é a articulação dos recursos materiais e sociais em uma única unidade orgânica, controlada pelos envolvidos no processo de trabalho que, por sua vez, são regidos e governados de acordo com a cultura local, principalmente a relação de gênero.

 

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A quinta característica é a centralidade do trabalho, onde a atual produtividade e o futuro progresso da propriedade dependem exclusivamente da qualidade e quantidade de força de trabalho empenhada.

A sexta característica diz respeito à especificidade da relação entre a unidade de produção camponesa e os mercados. Diferente das produções capitalistas que são totalmente dependentes do mercado, a agricultura camponesa é tipicamente autônoma, onde cada ciclo de reprodução é mantido por recursos produzidos em ciclos anteriores, ou seja, um produto não mercantil, que tem valor unicamente de uso torna-se mercadoria e ao mesmo tempo reproduz a unidade familiar.

As características listadas por Ploeg (2009) que distinguem a agricultura camponesa das empresariais e capitalistas deixam evidente a sua natureza econômica, que é de buscar essencialmente a emancipação e aumentar o valor agregado.

Sobretudo, nesse contexto de profundo envolvimento de todos os integrantes familiares no trabalho e na produção, a economia camponesa se caracteriza pelos vínculos sociais no trajeto entre produzir e consumir, e também pela atenção minimizada à contabilidade dos ganhos. O sentido da vida nesse meio está envolto nas relações familiares e da família com a comunidade, onde cada membro tem seu valor e a terra não é só um meio de produção (ABRAMOVAY, 1992).

Wanderley (1996) ressalta que a prioridade de subsistência é um traço forte e importante das populações camponesas, mas que não é exclusividade destas, existe povos primitivos com a mesma prioridade que não são camponeses, contudo, essa característica somada ao comportamento social e econômico adotados diferencia camponeses de outros povos.

Da mesma forma, Abramovay (1992) argumenta, que entre os camponeses existem códigos sociais específicos que determinam a conduta, e que só podem ser identificados através da inserção na sociedade em geral, diferente das demais comunidades primitivas. Contudo, segundo o autor, a diferença essencial dos camponeses está na sua parcialidade: ainda que sua organização seja em torno de códigos sociais próprios, que não são de origem exclusivamente econômica existe uma relação com o mundo que se dá também através de vínculos econômicos pela venda de mercadorias.

Desse modo é errôneo conjugar o camponês como um produtor simples de mercadorias, visto que para tanto seria necessário que ele estivesse inserido em um mercado competitivo para imputar preços aos produtos, mantendo laços impessoais com os demais agentes econômicos, e um certo nível de agilidade e integração. Tais características não fazem parte das comunidades camponesas que são marcadas pelas relações pessoais e hierárquicas, bem como pela fusão das operações mercantis com esferas não econômicas (ABRAMOVAY, 1992).

A “socialidade camponesa”, explica Abramovay (1992, p. 103) que é constituída a partir dos mercados em que ela se insere, “na maneira como vende os produtos do seu trabalho e compra os elementos necessários a sua reprodução, nas estruturas determinantes de suas relações mercantis que reside o segredo de sua organização econômica interna”. Entre os camponeses as relações econômicas dependem também das relações interpessoais, visto que as negociações têm a reciprocidade acima do dinheiro, de modo que a base do negócio é a confiança no negociador.

 

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Por mais que a perspectiva de Abramovay (1992) tenha sido pautada em uma visão de camponês tradicional, o qual não havia tido influências da modernidade, ela é perfeitamente cabível na identificação de camponeses na atualidade, pois, o campesinato difundido na agricultura é reconhecido por suas características de organização econômicas internas preservadas. Para melhor compreender essa afirmação, é preciso saber o que de fato é a modernidade e como ela transformou o campesinato, veremos isso nos tópicos a seguir. 3 O QUE É MODERNIDADE?

De modo geral a modernidade diz respeito a um conjunto de costumes, estilos de

vida e organização social surgidos na Europa a partir do século XVII e que tomaram proporções de influência mundial (GIDDENS, 1991).

As transformações possibilitadas pela modernidade foram muito mais profundas do que a maioria das mudanças ocorridas em períodos precedentes. Extensivamente, essas transformações proporcionaram interconexões sociais sobre todo o globo, e intensivamente, elas transformaram características tradicionais da existência cotidiana (GIDDENS, 1991).

Sendo assim, o moderno está relacionado à passagem de tempo, a evolução da tecnologia e a mudanças de hábitos e costumes por intermédio dos instrumentos gerados por essa tecnologia que refletem de maneiras diferentes nas diversas populações. Giddens (1991, p. 14) argumenta que as mudanças ocorridas em resposta à modernidade nos últimos séculos “foram tão dramáticas e tão abrangentes que dispomos apenas de ajuda limitada de nosso conhecimento de períodos precedentes de transição na tentativa de interpretá-las”, mesmo reconhecendo as continuidades existentes entre o tradicional e o moderno em um determinado espaço de tempo a transição entre um e outro foi tão rápida e tão profunda que tornou difícil identificá-la, como é caso do campesinato que possuía fortes características tradicionais, e com a transição tradicional-moderno pareceu ter dado um salto, perdendo sua identidade, quando na verdade evoluiu de forma continua, de modo que continua até hoje.

Giddens (1991) discorda da teoria evolucionária, na qual a história é contada progressivamente, tem início com culturas primitivas que se movimentam para uma comunidade agrícola, passam a ser estados agrários e por fim sociedades modernas no Ocidente. Segundo o autor a história não tem a forma totalizada que o evolucionismo lhe atribui, e desconstruí-lo implica aceitar que a história não pode ser vista como uma unidade de organização e transformação, porém, também não significa que tudo é caos e que um número infinito de histórias pode ser escrito, mas que “Há episódios precisos de transição histórica, por exemplo, cujo caráter pode ser identificado e sobre os quais podem ser feitas generalizações” (GIDDENS, 1991, p.15).

A descontinuidade entre instituições sociais primitivas e modernas são evidentes, segundo Giddens (1991), pelas características do ritmo de mudança, do escopo da mudança e pela natureza intrínseca das instituições modernas, uma vez que é visível a agilidade com que as coisas se modificam na era moderna, propagando uma onda de transformação por todo o globo e nesse trajeto fazendo surgir instituições que simplesmente não existiam em outras épocas, como é caso do sistema político e o sistema de trabalho assalariados por exemplo.

 

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As cidades também são citadas por Giddens (1991) como exemplo de descontinuidade de períodos históricos precedentes à modernidade, admitindo que entre esses períodos possa haver apenas uma continuidade especiosa em relação às cidades. O autor frisa que a existência de cidades em períodos tradicionais faz parecer que elas foram somente expandidas com a chegada da modernidade, mas, na verdade os princípios que ordenam o urbanismo moderno são completamente diferentes dos que estabeleciam a cidade pré-moderna.

Divergindo da visão de Giddens, Callon (2004) acredita que a inovação não destrói a tradição, mas que se utiliza dela para incorporar-se à sociedade. Callon argumenta que frequentemente a inovação é vista entre dois processos modernos, que são: a entrada no mercado mundial e adaptação a competição econômica; e a requisição cada vez maior da ciência, que é sinônimo de progresso e eficácia. Desse ponto de vista não restaria escolha, esse processo de modernização seria uma imposição e seria necessário adaptar-se a ele, ou seja, modernizar significaria inserir-se no mercado moderno apostando na ciência para obter progresso.

Esse ponto de vista para Callon (2004) é paralisante, pois nele o homem se curva às exigências e à evolução, não têm nenhum controle e não pode mudar nada. O autor acredita que seja errado dizer que o mercado é uma imposição insuperável, e que a ciência é imposta a nós, que devemos aceitar de forma osmótica sem questionar, segundo Callon existe no movimento do mercado como no da ciência uma margem de manobra estratégica, que faz do homem capaz de evidenciar sua identidade tradicional e enriquecê-la, o que explicaria a resistência campesina na era moderna, visto que, estrategicamente o campesinato aderiu à modernidade como meio de evoluir e não desaparecer, mas uniu à modernidade a sua tradição. 4 MODERNIDADE versus TRADIÇÃO

Segundo a percepção de Giddens (1991), a modernidade gera modos de vida muito distantes dos tradicionais nas épocas que a antecediam. Alguns fatos demarcaram bem a introdução da modernidade na história, como é o caso do relógio mecânico, que, ao se difundir entre a população desfez as amarras entre tempo e espaço que era a forma conhecida de situar o tempo no cotidiano pré-moderno. A mudança uniforme da visão do tempo através do relógio mecânico permitiu a uniformização da divisão do dia em zonas - manhã, tarde e noite - e a designação de um tempo para a jornada de trabalho, coincidiram com a expansão da modernidade. A partir desse avanço moderno os calendários passaram a ser também uniformes em todo o mundo, de modo que a passagem para os anos 2000, por exemplo, foi um evento global. Giddens (1991, p. 29) reflete que separar o tempo do espaço foi crucial para o que ele chama de processo de desencaixe, definido como “deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço”. Esse processo explica a forma como ocorreu a transição entre o mundo tradicional e o moderno através de dois mecanismos envolvidos no desenvolvimento das instituições sociais modernas: fichas simbólicas e sistemas peritos.

 

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A ficha simbólica a que Giddens (1991) se refere é o dinheiro, que permite a troca de uma coisa por outra agregando a elas um valor impessoal, esse fato por si só já significou um grande impacto na tradição campesina, visto que as relações sociais entre os camponeses era estritamente pessoal, e a troca baseava-se na reciprocidade. Existem muitas discussões sobre o dinheiro e o seu uso, estudiosos da economia e da sociologia debruçaram-se sobre o assunto, mas de fato não há concordâncias. Giddens atribui às economias monetárias, que são regidas pela ficha simbólica dinheiro, um processo de desencaixe maior do que em qualquer outra civilização pré-moderna, e, portanto, é um mecanismo de desencaixe associado à modernidade por ser parte intrínseca à vida social e atividade econômica moderna, visto que a principal forma de desencaixe na era moderna é o crescimento do mercado capitalista. Por sistemas peritos Giddens (1991, p. 35) entende os “sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje”. De maneira geral, as pessoas leigas costumam consultar profissionais, especialistas em determinadas áreas do conhecimento, por necessidade momentânea, por exemplo, médicos, advogados, engenheiros, etc.. Contudo, em geral, no cotidiano todos nós estamos envolvidos em sistemas peritos, ou em uma série deles, nos quais confiamos sem questionar a capacidade do profissional que os criou, no caso camponês, por exemplo, o comerciante local é um perito que serve de ligação com o mercado, por que o camponês confia no conhecimento e na capacidade que aquele profissional tem de negociar. E dessa maneira, tudo que nos rodeia mundo a fora é cercado de sistemas peritos, mecanismos de desencaixes que distanciam as relações sociais. Na perspectiva de Giddens (1991) tanto o dinheiro como os sistemas peritos são formas de desencaixe que funcionam baseados na confiança, a qual está envolvida, fundamentalmente, nos sistemas modernos, pois, diferindo-se da fé, confiança tem uma relação estreita com o risco, e o reconhecimento deste, fato que só passou a existir na era moderna. O risco passou a substituir o que antes era visto como fortuna ou destino, e foi admitido como consequência de uma escolha ou de uma ação que existe em quaisquer que sejam os sistemas, desse modo, o sujeito que age com confiança tem consciência de suas alternativas. A tradição se coloca na relação tempo-espaço como forma de continuidade entre passado, presente e futuro através de práticas sociais cotidianas, de modo que o camponês com o passar do tempo aperfeiçoou suas técnicas de trabalho, seus modos de negociar e sua inserção no mercado, porém continua sendo caracterizado como camponês pela sua tradicional forma de se relacionar com a família e com a sociedade. Contudo, a tradição é readaptada em cada geração a partir da herança deixada por seus precedentes, e sua presença é mais forte entre culturas que não praticam a escrita, pois escrever é uma maneira explícita de separar tempo e espaço, criando uma impressão marcante de passado e proporciona aos sujeitos uma reflexão do conhecimento que se destaca da tradição à qual são designados (GIDDENS, 1991). Na modernidade, em contraste, pensamento e ação estão intimamente ligados, e, por mais que a tradição desempenhe um papel reconhecido, segundo Giddens (1991, p. 45), “este papel é muito menos significativo do que supõem os autores que enfocam a atenção na integração da tradição com a modernidade no mundo contemporâneo”. Desse modo, a

 

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reflexividade moderna se apóia na prática constante de renovação das práticas sociais a partir da interação de informações sobre as mesmas práticas. Quanto à produção de conhecimento, no modelo tradicional paralisante apresentado por Callon (2004, p.65) que “corta os braços e as pernas daqueles que não tem a sorte de serem cientistas ou especialistas”, a pesquisa é posta como base dos conhecimentos que serão utilizados por atores que não participaram da sua produção. Nesse sentido linear cientistas criam informações, consideradas por eles como um bem público, e disponibilizam para atores externos, de qualquer lugar do mundo, para que utilizem. Trata-se de uma produção de especialistas que destina a não-especialistas. Nesse caso a pesquisa científica de base fica concentrada nas mãos de poucos, e é exterior ao mundo social e econômico, simplesmente está disponível, e se você não a utiliza, nas palavras de Callon (2004, p. 66), “é o mau aluno da classe, o patinho feio que não é o bastante esperto para aproveitar gratuitamente aquilo que alguns produzem a custo elevado”. Evidentemente paralisante por ser maniqueísta, nesse modelo as pessoas se submetem ou se demitem, sem possibilidades, sem negociações, se não estiverem abertas para o progresso produzido por outros, são engolidas. Neste primeiro modelo o inventor das ideias é sempre o responsável, tudo recai sobre ele, seja sucesso ou fracasso, visto que a ideia inicial é tudo que importa, é nela que está contida a inovação, o que vem depois da ideia inicial é um processo progressivo, por isso é chamado por Callon (2004) de modelo da difusão. Nesse modelo os atores são divididos em ativos e passivos, os que são formuladores de idéias e os que se utilizam dela, os que estão no comando do poder e os que estão paralisados, sem margem de manobra, sem poder algum. Contrapondo-se a este modelo paralisante existe um segundo, que permite ações estratégicas, e que considera o conhecimento gerado por pesquisadores como apenas teorias experimentais, sendo que a parte mais importante é o que vem depois, na prática dessas teorias. Este segundo modelo, de redes logísticas, opõe-se principalmente ao pensamento de que os atores dividem-se em capazes e incapazes de absorver e reproduzir o conhecimento gerado cientificamente, e separa os indivíduos somente em bem ou mal equipados e informados (CALLON, 2004). O modelo em redes é exemplificado por Callon (2004) com um Boeing 747, que não foi criado por cientistas em um laboratório e entregado a atores externos para que o fizessem voar, se ele voa é por que existe uma rede logística por trás, formada por aeroportos, pistas de aterrissagem, torres de controle e pilotos treinados para isso. Com esse exemplo o autor conclui que o conhecimento só circula em redes equipadas para reproduzi-lo, que não é um fenômeno que circula entre os atores esclarecidos sem que exista uma base equipada por trás. O que existem são atores preparados e equipados para receber o conhecimento e atores que não são. Neste segundo modelo todas as ideias são consideradas ruins inicialmente, desse modo, o mundo não precisa depender das ideias de poucos, mas ao invés disso, enriquecer as muitas ideias ruins existentes e transformá-las em ideias que desperte o interesse de muitos atores. Desse modo, quando uma idéia esta viva, circulando, gerando discussões e oposições a ela, a resistência gerada não é tomada como “resistência à inovação em geral”, é somente uma resistência de uma ou outra inovação que vai contra os interesses de alguns. Essa resistência elucida aquilo que o modelo paralisante tenta camuflar, todos os atores são capazes de criar e

 

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enriquecer ideias, e até mesmo de se opor àquelas que não lhes favorecem. Então a ideia inicial não é tudo, o autor inicial não é o responsável, o sucesso ou o fracasso dependem do caminho traçado, das adaptações realizadas, de todos os autores envolvidos, do início ao fim (CALLON, 2004). 5 CAMPESINATO INSERIDO NAS SOCIEDADES MODERNAS O campesinato sempre predominou nas sociedades tradicionais, porém, com o passar dos anos, e com a modernização da agricultura, ele perdeu a importância que tinha, mas continuou se reproduzindo e integrou-se ao mundo moderno. A influência da modernidade levou a transformações do campesinato tanto de ordem produtiva quanto social, porém, sem desintegrar suas características. Esse fato pode ser identificado atualmente em vários países, que possuem agricultores com características camponesas tanto em seu modo de produzir quanto de se relacionar com os demais membros da sociedade em geral, como exemplo a França e a Polônia (WANDERLEY, 1996). Wanderley (1996) alimenta a hipótese de que, a parte não integrante dos camponeses que ainda permanecem constituem uma nova forma de agricultores familiares, gerados no ventre do meio social moderno. Estes são os que, com o impacto gerado pela modernidade, voltaram-se mais para a importância urbana regida pelo mercado e a globalização econômica que pelas tradições camponesas, transformando-se “interna e externamente em agentes da agricultura moderna” (WANDERLEY, 1996, p. 7). O início da transição campesina da agricultura tradicional para a moderna no Brasil, segundo Sabourin (2009, p. 8), se deu logo após a segunda guerra mundial, quando “a elevação dos preços agrícolas provocou novos conflitos de acesso a terra, em um contexto de violência e repressão”. Nesse período as reivindicações camponesas pelos direitos do trabalhador e pela reforma agrária através das “Ligas Camponesas” e dos primeiros sindicatos, representaram uma grande aproximação camponesa com a economia mercantil. Nessa época, a qual Sabourin (2009) denomina de “época do milagre econômico brasileiro” (p. 8), o governo federal brasileiro iniciou uma política de modernização, investindo principalmente em infra-estrutura rodoviária e hídrica, cedendo os primeiros créditos a agricultores familiares durante os anos 1970 e 1980, como forma de combater a seca. Com todas as transformações econômicas ocorridas desde então, as mudanças entre as populações rurais tradicionais se referiam principalmente à perda crescente da autonomia tradicional e diminuição da população. A subordinação à sociedade em geral e a sua economia mercantil contribuiu para este quadro, sendo que a agricultura camponesa continuou a se reproduzir no seu interior na forma de “pequeno produtor mercantil” (WANDERLEY, 1996, p. 8). O modo de exploração capitalista pode se beneficiar muito bem do pequeno produtor mercantil, principalmente explorando sua característica de reagir à diminuição do seu nível de vida aumentando o esforço de trabalho produtivo. Portanto, é por intermédio da troca que o modo de produção capitalista apreende o agricultor camponês, como faz com qualquer outro trabalhador (WANDERLEY, 1996).

 

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Contudo, diferente do que muitos estudiosos acreditam o agricultor familiar moderno não é um personagem novo na história, ele mantém laços com o camponês tradicional do passado, ou como sublinha Wanderley (1996, p. 9) “ao menos uma parte significativa desta categoria social, quando comparados aos camponeses ou outros tipos tradicionais, são também, ao mesmo tempo, o resultado de uma continuidade.”. Este processo de continuidade é tão complexo que sozinho gera um desafiador arsenal de questões a serem compreendidas pela sociologia. A integração de sociedades camponesas e industriais funde duas formas de produção, reprodução e modos de vida distintos: enquanto a primeira, por ser marginalizada, conservava valores tradicionais de regulação e interação social, a segunda se ligava a sociedade moderna, com uma racionalidade capitalista e mercantil. Cada sociedade tem uma maneira de lidar com o mundo e procura preservar sua originalidade, o ajustamento e dinamismo contínuo entre as coletividades distintas definem suas características futuras (WANDERLEY, 1996). Wanderley (1996) ressalta que as estratégias de reprodução do agricultor nas condições modernas ainda se baseiam nos recursos naturais disponíveis em sua propriedade, e são utilizados para assegurar o nível de vida presente e futuro. Dessa forma, a autora afirma que “os agricultores familiares modernos enfrentam os novos desafios com as armas que possuem e que aprenderam a usar ao longo do tempo” referindo-se ao passado camponês. (WANDERLEY, 1996, p. 9). Segundo Sabourin (2009), no Brasil a agricultura familiar e camponesa é responsável por 40% da renda bruta agrícola total, e embora seja desprovido de terras e de apoio público, a classe camponesa e familiar corresponde a 90% das unidades de produção agrícola brasileira. Esse fato se contrasta com a falsa verdade que por muito se propagou, de que a agricultura familiar era pouco produtiva e abastecia somente o mercado interno. Sadourin (2009) argumenta que embora a agricultura familiar faça uso de pouca mecanização, ela utiliza adubos, pesticida, e sete vezes mais mão-de-obra, e com isso consegue ter rendimentos que superam os da agricultura empresarial por hectare. O fortalecimento da agricultura familiar brasileira ocorreu em meio a políticas de modernização desiguais4, e foi marcada pela luta contra a repressão e pelo reconhecimento e apoio político. Mesmo tendo que se adaptar a agricultura empresarial moderna, a classe familiar de agricultura mantém traços camponeses, principalmente buscando a resolução de seus problemas internos nos potenciais existentes na propriedade e na força de trabalho da família.                                                                                                                          4   Trata-se da distribuição espacial e desenvolvimento desigual, bem caracterizada nas definições de “desenvolvimento” e “subdesenvolvimento”, onde existem os países que fornecem matéria prima (terceiro mundo) e os que a monopolizam (primeiro mundo), e têm como principal conseqüência a degradação dos bens naturais, sendo que, na lógica capitalista, a natureza é apenas um instrumento utilizado para o aumento da produção, e quem sofre de perto com as conseqüências geradas com essa prática são os mais pobres (O’CONNOR, Jamer. Desarrollo desigual y combinado y crisis ecológica. Ambiente & Sociedade. Vol. VI, nº 2, jul/dez. 2003)  

 

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O campesinato por muito tempo correspondeu a um modo de vida ímpar, principalmente por seus códigos sociais exclusivos. Seu comportamento despertou o interesse de muitos estudiosos, e foram diversas as teorias formadas sobre o comportamento das sociedades camponesas. A principal característica encontrada no campesinato é a prioridade de subsistência, num balanço entre produção e consumo pela família, ressaltado por Abramovay (1992) como a lei básica da existência camponesa. Para atender ao objetivo vital de suprir as necessidades da família os camponeses tem como estratégia a diversificação, cuja qual envolve todos os integrantes da família. Diversificar a produção é uma garantia de obter produtos para o consumo e aumentar as chances de excedente para comercialização. Desse modo, a agricultura camponesa se difere das formas de agricultura capitalista principalmente por não visar lucros, mas o bem estar familiar, em satisfazer as necessidades da família. Secundariamente, a agricultura camponesa se distingue pela relativa dependência do mercado, uma vez que suas fontes são naturais e a ligação com o mercado acontece de maneira parcial, para venda de produtos excedentes, sem gerar dependência no processo de produção. Contudo, a modernidade surgida na Europa, e espalhada pelo mundo, transformou a essência de quase todas as sociedades mundiais. No comparativo entre moderno e tradicional é possível observar diferenças tecnológicas, econômicas, e principalmente sociais. A influência da modernidade tornou as relações muito mais impessoais, fundamentalmente pela inserção do mercado. Negociações que, tradicionalmente, eram feitas diretamente entre comprador e vendedor, hoje são intermediadas por um conjunto instituições, chamadas de mercado. Entretanto, em muitos aspectos tradição e inovação moderna não são contrapostas, ao contrário, elas se fundem gerando uma forma social hibrida, como é o caso da agricultura de base familiar. Os camponeses permanecem presentes na atualidade, e, só a minoria delas preserva todas as características tradicionais do campesinato. A parcela maior dos camponeses prevalecentes sofreu várias transformações por influência da modernidade, principalmente na sua forma de produção agrícola, que passou a ser dependente do mercado, transformando o agricultor familiar em “um pequeno produtor mercantil”, nas palavras de Wanderley (1996). Contudo, as características camponesas de prioridade de subsistência, de envolvimento familiar no trabalho, e de relações sociais distintas, continuam presentes entre os agricultores familiares. Muitos estudiosos acreditam que foi justamente essa resistência tradicional que tornou os agricultores familiares a grande força produtiva no Brasil, tornando sua produção mais significativa do que a dos grandes produtores empresariais.

 

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão. São Paulo: HUCITEC, 1992.

CALLON, Michel. Por uma nova abordagem da ciência, da inovação e do mercado. O papel das rede sócio-técnicas. In: PARENTE, André. Tramas da Rede. Novas dimensões filosóficas, estéticas e políticas da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2004

CHAYANOV, Alexander V. Sobre a teoria dos sistemas econômicos não capitalistas. In: SILVA, José Graziano; STOLCKE, Verena (Orgs). A questão agrária. Weber, Engels, Lênin, Kautsky, Chayanov, Stálin. São Paulo: Ed brasiliente, 1981.

ELLIS, Frank. Rural Livelihoods and Diversity in Developing Countries. Oxford: OXFORD University Press, 2000.

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1991.

PLOEG, Jan Douwe van der. Sete Teses Sobre a Agricultura Camponesa. In: Agricultura Familiar Camponesa na Construção do Futuro. PETERSON, P. (org) Rio de Janeiro: AS-PTA, 2009, p. 17-32

SABOURIN, Eric Pierre. Será que existem camponeses no Brasil? In: 47º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia Administração e Sociologia Rural. Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009.

WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Raízes históricas do campesinato brasileiro. In: XX Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), GT 17. Processos sociais agrários, Caxambu-MG, 1996.

__________. Em busca da modernidade social: uma homenagem a Alexandre Chayanov. In: FERREIRA, Angela D. D. & BRANDENBURG, A. (Org.). Para pensar outra agricultura. Curitiba: Editora da UFPR, 1998. p. 29-49.