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Belém – PA, 21 a 24 de julho de 2013
SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
A pobreza brasileira sob a perspectiva objetiva: análise dos gastos
e rendimentos a partir da POF
Grupo de Pesquisa: 10 – Desenvolvimento Rural, Territorial e Regional
Resumo
Este trabalho analisa a pobreza a partir da abordagem objetiva, buscando entender as relações
entre consumo alimentício, gastos básicos, rendimentos auferidos e pobreza. Especificamente,
usam-se esses indicadores para analisar as diferenças entre os estados e as áreas urbanas e
rurais. O método concretiza a possibilidade de estruturar respostas concisas sobre alguns
determinantes da pobreza, como a carência de alimentos ou a insuficiência da renda. Os
resultados apontam para o descolamento das áreas urbanas e rurais, especialmente nos eixos
Norte e Sul, quanto ao consumo de itens indispensáveis e à relação entre gasto e rendimento
total. Aponta-se o elevado comprometimento da renda da população brasileira com gastos,
sobretudo alimentação, determinando a condição de pobreza para muitas famílias e limitando
a poupança a uma pequena parcela da renda, em um país que ainda necessita de elevadas
taxas de investimento por um período razoável de tempo.
Palavras-chave: consumo; pobreza; renda
Brazilian poverty on an objective perspective: an expenditure-
income analysis with POF
Abstract
The purpose of this essay is to present a methodology of poverty analysis, based on the
objective approach. Furthermore, we seek to understand the relationship between food
consumption, basic expenditures, total income and poverty, trying to outline explanations of
the phenomenon. Specifically, we use the proposed technique to address poverty from the
standpoint of income groups, states and urban-rural differentiation. The method realizes the
possibility of structuring concise answers on some determinants of poverty, such as lack of
food or income. The results point to the differentiation of urban and rural areas, especially
between North and South, specially considering consumption of essential items and the
relationship between total income and expenditure. Moreover, it points up the high
commitment of the Brazilian population income with expenses, especially food, determining
the condition of poverty for many families and reducing savings to a small proportion of total
income, in a country that still requires high investment rates for a reasonable period of time.
Key words: consumption; poverty; income
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1. INTRODUÇÃO A pobreza não é composta apenas por indicadores de renda ou de necessidades
básicas. Na visão de Hagenaars e De Vos (1988), a pobreza se caracteriza de três formas:
primeiramente, a pobreza resultando de se ter menos do que o objetivamente definido para se
viver em condições decentes (pobreza objetiva); em segundo lugar, a pobreza como resultado
de uma situação social, onde a pessoa tem menos do que as pessoas que vivem em uma
determinada região, onde as características de emprego, saúde e ensino – entre outras – são
comparáveis (pobreza relativa); e, por fim, a pobreza como percepção de que não se tem o
quanto se deveria ter (pobreza subjetiva).
Com este trabalho, busca-se entender como múltiplas variáveis determinam a condição
de pobreza, destacando as diferenças territoriais para além da visão das necessidades básicas.
A questão central do ensaio remete-se à exploração da pergunta: “Como entender a pobreza
no Brasil?”, de modo a ter-se mais dados sobre a pobreza, tentando considerar o maior
número de elementos possíveis. Para além deste questionamento, buscam-se respostas para
outras duas perguntas que, mesmo que secundárias, não podem ser desconsideradas.
Primeiramente, “Porque é importante considerar o consumo?” e, não menos importante, “O
quanto o consumo influencia a pobreza?”. Ademais, objetivamos entender mais
profundamente as diferenças existentes entre as áreas urbanas e rurais do Brasil, dando maior
enfoque às medidas de renda e consumo.
O trabalho se apresenta em 4 tópicos, além desta introdução. Primeiramente será feita
uma breve revisão bibliográfica, a fim de situar os progressos que a análise de pobreza obteve
nos últimos anos. Na segunda parte do trabalho, na qual será ilustrada a metodologia de
análise, apresentaremos a POF, de modo a salientar sua estrutura e os principais elementos
dela que serão usados. Na parte subsequente, serão desenvolvidos os resultados obtidos,
dividindo-os em categorias de análise específicas. Na última parte do trabalho estarão postas
as conclusões, a partir dos resultados obtidos por grupo de indicador e por região analisada.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1. A DEFINIÇÃO DE POBREZA
Antes de entender como pode ser analisada a pobreza, é necessário entender seu
conceito, a fim de mostrar o que entendemos por este termo, tão simples e, ao mesmo tempo,
amplo, complexo e de forma alguma irredutível. Crespo e Gurovitz (2002) afirmam que
definir o conceito de pobreza permite um estudo mais nítido do objeto, embora esta seja uma
tarefa complexa. De comum acordo com os autores e com Codes (2008), podemos dizer que a
definição do conceito de pobreza depende da perspectiva sob a qual se analisa o fato, além de
ser fortemente influenciado pela evolução histórica da sociedade em que vivemos.
Os autores remontam à divisão de Hagenaars e De Vos (1988), explicando a
conceituação sob o cunho subjetivo, absoluto (objetivo) e relativo. Quando subjetiva, a
pobreza é definida a partir de um juízo de valor – que, como comentam Narayan et al. (2000),
é ouvir o que os pobres têm a dizer sobre sua condição –, pois a população, neste caso
peculiar, tem voz em capítulo, podendo dizer se se julga pobre ou não, a partir das suas
condições de vida. Ao ser vista como relativa, a pobreza assume um viés macroeconômico
não irrelevante, pois, segundo Crespo e Gurovitz (2002), a visão relativa se coloca como
comparação na renda auferida pela população – quem tem menos que o “normal”, naquela
sociedade, é pobre frente àquela sociedade. Por fim, na visão objetivo-absoluta, a colocação
de um mínimo normativo define quem e quantos são os pobres, em determinada região. Como
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ressaltam os autores, tal normatização pode assumir caráter nutricional, de renda, de
necessidades básicas, etc.
Percebe-se, em primeira instância, que o conceito de pobreza passa por um primeiro
cunho importante, o de definir qual perspectiva será usada nas análises. Isto posto, surge um
segundo momento na análise e definição do conceito, a orientação teórica do pesquisador e do
idealizador de políticas públicas. O entendimento, por parte dos governos, de quem seja pobre
e de como se lida com ele resulta em políticas sociais que afetam o nível de pobreza, para
mais ou para menos. Atkinson (1987) afirma que políticas governamentais conservadoras –
diante do cenário econômico da época – foram responsáveis pelo aumento dos níveis de
pobreza. Todavia, há um grupo de pessoas – que, coincidentemente, são, em sua maioria, os
que estão ou defendem o governo – que não acreditam nesta correlação, devido à natureza
pela qual se dá a mensuração da pobreza e à necessidade de se reconsiderar alguns conceitos
básicos na área, a fim de aprimorar – segundo eles – os resultados obtidos.
A solução para o enigma se dá com a definição de “bons medidores de pobreza”.
Nesta fase, surge o interessante problema da comparação; Phipps (1993), ao discutir a
pobreza numa perspectiva de análise de sensibilidade e de mensuração, percebe o problema,
que já aparece nos fundamentos da estatística ao compararem-se populações com mesma
média: o uso de um indicador simplório demais (como o head-count ratio ou o poverty gap) a
pode acarretar a limitação na explicação das múltiplas dimensões da pobreza. Deste modo,
surge a necessidade de ter-se um critério matemático para estabelecer medidores adequados
de pobreza (HAGENAARS, 1987; RODGERS e RODGERS, 1991). À medida que critérios
matemáticos vêm sendo definidos, a escolha de um bom medidor de pobreza se delineia,
mostrando as vantagens e as carências de cada indicador.
Percebe-se, ao longo deste traçado teórico, que a definição de pobreza depende de pelo
menos quatro variáveis: perspectiva de análise; contexto e precedentes históricos; viés
político-ideológico; e predicados axiomáticos. A determinação de um conceito satisfatório
para a pobreza é uma tarefa árdua e que, indubitavelmente, trará resultados válidos, porém
diferentes, a partir de cada escola de pensamento. Entretanto, duas considerações “genéricas”
podem ser feitas, a fim de auxiliar na tarefa de entender a pobreza.
Primeiramente, a partir da visão de Ugá (2004), o conceito de pobreza e seu estudo
tornaram-se centrais, devido ao crescimento exponencial das pesquisas em torno da condição
de privações de boa parte da população mundial, em especial no que tange a formulação e a
avaliação de políticas públicas, além de ser objeto de estudo por parte de vários órgãos
internacionais. Em segundo lugar, mas não menos importante, podemos definir pobreza de
forma genérica, a fim de, mesmo usando o traçado teórico acima exposto, ter-se uma visão
clara do que seja este fenômeno. Kageyama e Hoffmann (2006) introduzem o conceito de
pobreza como sendo a privação em geral de uma pessoa, podendo ser material ou até mesmo
sociocultural, de caráter subjetivo, objetivo (absoluto, na definição aqui usada) ou relativo.
2.2. AS TRÊS ABORDAGENS DA POBREZA
Para que se entenda a pobreza, é fundamental perceber que esta é concebida a partir de
várias perspectivas, cada qual com suas vantagens e críticas. Para Hagenaars e De Vos (1988),
antes de tudo, devem ser respondidas duas questões, ao se fazer pesquisa na área de pobreza:
como identificar o pobre; e como agregar os pobres de modo a obter um bom indicador. As
respostas a estas duas questões auxiliam na definição de um índice de pobreza consistente e
bem estruturado.
Para responder à primeira questão, os autores dividem a pobreza em três tipos, cada
qual bem definido. A partir da leitura de outros textos, os autores definem a pobreza como
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tendo três possíveis abordagens: objetiva (também conhecida como absoluta); relativa; ou
subjetiva. Quando a análise é sob o enfoque objetivo, define-se pobre a pessoa que tem menos
que o mínimo normativo. No que diz respeito à definição subjetiva, a diferenciação entre
pobres e não-pobres se dá a partir da visão pessoal a respeito da própria condição – neste
caso, a pessoa é pobre quando ela se julga como tal. Por fim, na abordagem relativa, a pobreza
precisa, de antemão, de uma definição geográfica – isto é, onde será feita a análise –; a partir
disto, define-se como pobre a pessoa que está abaixo de um patamar, considerado digno,
dentro do espaço em que vive.
Hagenaars e De Vos (1988) apresentam as três abordagens acima (objetiva, subjetiva e
relativa) a partir dos indicadores pelos quais cada uma pode ser entendida. Para os autores, “o
estudo da distribuição e da extensão da pobreza começa, frequentemente, com a definição de
uma linha de pobreza em termos de renda” (p. 212, tradução própria); ao se utilizarem
métodos que não trabalham com a linha de pobreza, permite-se analisar diferentes tipos de
pobreza, que a especificação normativa não capta. Ademais, medir a pobreza como
majoritariamente função da renda é, para os autores, esvaziá-la do seu sentido.
Dentro dos indicadores objetivos de pobreza, os autores identificam quatro variantes
que podem ser utilizadas para medir pobreza: a abordagem das necessidades básicas
(alimentação, vestuário e condições de moradia); a relação entre renda e gastos com
alimentação; a relação entre “custos fixos” e renda; e a relação entre “gastos totais” e renda. A
análise relativa de pobreza é uma classe que gira em torno da discussão das privações
relativas; em outras palavras, analisam-se indicadores específicos, com base na ideia de que
uma família poderá ser considerada pobre caso ela tenha menos, de determinado bem, em
relação ao que é considerado normal naquele ambiente. Nesta classe, pode-se ter uma análise
relativa em torno de bens de consumo ou em torno de renda; pode-se ter, assim, um indicador
de privação relativa quanto ao consumo de bens primários ou quanto à renda auferida1. Por
fim, os indicadores subjetivos de pobreza podem ser agrupados em três classes: renda mínima
subjetiva; necessidades básicas subjetivas; e o mínimo oficial – pelo qual se comparam as
rendas de uma família com o quanto é pago pelo serviço social a famílias carentes.
Um bom indicador de pobreza deve levar em conta tais abordagens, e o pesquisador
deve saber escolher a melhor possível, pois cada uma delas retornará resultados diferentes2.
Ademais, dentro da abordagem objetiva, a normatização também produzirá resultados
diferentes, e esta norma é sujeita a críticas que podem (e devem) ser evitadas, por meio de um
estudo que justifique tais decisões. Townsend (1979) e Hagenaars e Van Praag (1985)
concordam ao defender que a escolha de uma metodologia de indicadores de pobreza é feita a
partir de preferências, baseadas em disponibilidade de dados, precedentes históricos e até
mesmo decisões de cunho político – as quais, sem dúvidas, têm fortes bases na corrente
ideológica do pesquisador.
A questão da agregação foi resolvida por Donaldson e Weymark (1986), Hagenaars
(1987) e Rodgers (1988), ao sintetizarem e discutirem as propriedades principais de um
indicador de pobreza, às quais nos referiremos com o termo “predicados axiomáticos”. A
questão dos predicados remete à necessidade de se agregar, por meio de critérios
matematicamente robustos, os quais também se refletem na economia (especialmente na área
microeconômica), os pobres sob um único indicador, capaz de apresentar a realidade,
1 Tal critério deverá levar em conta as especificidades regionais.
2 Ademais, Kageyama e Hoffmann (2006) apresentam os resultados da pesquisa de Hagenaars e De Vos (1988).
Estes últimos, em 1983, aplicaram métodos quantitativos para as diferentes abordagens da pobreza em mais de
12 mil domicílios na Holanda, tendo por resultado a indicação de que as abordagens objetiva e subjetiva são
mais eficientes
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valendo-se da cláusula cœteris paribus em situações específicas, como a mudança dos
critérios normativos ou do tamanho da população analisada. Rodgers e Rodgers (1991)
apresentam os predicados a partir dos autores que levantaram tais atributos em seus estudos;
ademais, trazem uma discussão a respeito da aceitabilidade destes predicados na literatura.
3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1. A RELAÇÃO CONSUMO-POBREZA
O objetivo deste trabalho é apresentar a pobreza a partir de indicadores que relacionem
o consumo com esta. Deste modo, o foco são os indicadores objetivos de pobreza, os quais
partem de definições sobre itens básicos de consumo, a fim de determinar quem e quantos são
os pobres de um estado ou país. Por se buscar explicar de quê forma se dá a pobreza a partir
de elementos de consumo, definiremos tais medições como relação consumo-pobreza (RCP).
Para termos condições de analisar a RCP, definiremos, à luz de Hagenaars e De Vos (1988),
três indicadores objetivos fundamentais no estudo: o Índice Alimento-Renda (IAR), que
trabalha diretamente com a relação entre gastos alimentícios e renda; o Índice Custo Fixo-
Renda (ICFR), cujo objetivo é medir todos os custos normais da família em relação à renda; e
o Índice Gastos-Renda (IGR), que se ocupa de estudar os gastos alimentícios e outros (como
higiene e ensino).
O IAR é um indicador sintético primeiramente apresentado por Orshansky (1965) e
Watts (1967). Este trabalha com a ideia da Lei de Engel3, a partir da qual se define um nível
crítico de consumo com alimentos. Se a família consumir mais que este nível crítico,
considera-se a família como pobre, caso contrário não o será. O ICFR é um medidor dos
gastos com custos fixos da família, e, da mesma forma que o IAR, gastando-se mais que o
nível crítico determinado, a família será considerada pobre por este quesito. Por fim, o IGR
trabalha com o montante total de gastos de uma família, considerando-se pobre a família que
tem gastos que não sejam sustentados pelos rendimentos mensais.
Para a definição dos indicadores (IAR, ICFR e IGR), o primeiro passo será
estabelecer, com base nas variáveis da POF 2008-09, quais caberão a cada um dos
indicadores. Rocha (2002) adverte sobre as escolhas metodológicas feitas, pois estas
determinam parâmetros diferentes, os quais implicam em resultados diferentes. Para tal, é
necessário traçar, a priori, algum tipo de direcionamento das variáveis, com base nas
exigências de cada indicador. As principais componentes da POF são: alimentação; habitação;
vestuário; transporte; higiene e cuidados pessoais; assistência à saúde; educação; recreação e
cultura; fumo; serviços pessoais; e diversos. Deste modo, além de definir os indicadores,
poder-se-á definir o peso que cada um das componentes tem na distribuição de gastos
orçamentários (DINIZ et al., 2005).
A partir disto, podem-se direcionar as variáveis aos indicadores mais apropriados.
Assim sendo, o IAR trabalhará apenas com a componente alimentação, enquanto o ICFR
agregará as componentes a respeito de habitação, alimentação e saúde; na outra ponta, o IGR
agregará todas as componentes. Após definir os indicadores médios por estado, ter-se-á três
indicadores de pobreza bem definidos. Feitas estas primeiras análises sobre a RCP, cabe
defini-la, com base nos interesses de pesquisa apontados. A relação consumo-pobreza é um
método de medição de pobreza, pelo qual se levam em conta os aspectos fundamentais 3 Hamilton (2001) define esta Lei como a relação inversa entre gastos com alimentação e renda auferida pela
família. Já Ogaki (1992) generaliza esta Lei, superando a falácia da composição que existiria na afirmação
anterior, apresentando-a como a relação inversa entre consumo alimentício e crescimento econômico.
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relacionados ao consumo: gastos fundamentais; necessidades alimentícias; e gastos totais. A
relação consumo-pobreza é estabelecida a partir de um medidor sintético, que pondera os
aspectos acima e define como pobres as famílias com medidor acima de um nível crítico,
nível este determinado a partir de estudos pertinentes e direcionado à realidade local.
3.2. AS PESQUISAS DE ORÇAMENTOS FAMILIARES
Este trabalho centra seus esforços no uso das Pesquisas de Orçamentos Familiares
(POF), pesquisa amostral realizada quatro vezes até hoje (1987/88, 1995/96, 2002/03,
2008/09)4. Entretanto, como apontam Diniz et al. (2007), não se tem uma exploração a fundo
dos variados dados que a POF oferece. Ademais, um acompanhamento em intervalos menores
dependeria de dispêndios mais elevados, sobretudo por causa da necessidade de se fazer tal
pesquisa em tempo estreito, devido às mudanças às quais o consumo está sujeito, o que faz da
POF uma pesquisa que pega momentos bem distintos da economia brasileira, e não a sua
sequência (como a PNAD). Entretanto, o estudo da POF se justifica à medida que somos
interessados em analisar elementos que a PNAD não oferece. A POF traz em si um estudo
abrangente da estrutura de gastos de uma família, o que permite a análise da RCP, objetivo
deste trabalho.
A primeira diferença, em relação a pesquisas com Censos Demográficos, reside na
abrangência dos resultados: devido à amostra restrita, o estudo trabalhará com indicadores a
nível estadual e macrorregional. Outras diferenças entre as pesquisas estão na abrangência dos
dados pesquisados. Por exemplo, dados sobre fecundidade, nupcialidade e migração não são
parte integrante da POF, enquanto dados como coleta de lixo e esgoto comparecem nas várias
pesquisas aplicadas (PNAD, CD e POF). Comparando mais de perto PNAD e POF, a partir de
Barros, Cury e Ulyssea (2007), um fator de diferença fundamental é a determinação da renda,
tendo-se uma variação de 26% entre a renda estimada pela POF e pela PNAD; ademais, a
diversidade de rendimentos é muito mais bem estudada pela POF do que pela PNAD. Diniz et
al. (2007) investigam outra diferença fundamental, a respeito de indicadores de rendimentos e
trabalho, onde há uma limitação muito maior na POF do que na PNAD. De todo modo,
apresenta-se a POF como um excelente recurso, especialmente no que diz respeito aos hábitos
de gastos da família brasileira5.
A POF se apresenta dividida em duas categorias de despesas: de consumo; e outras.
Dentro da categoria despesa de consumo ( ), temos: alimentação; vestuário; transporte;
higiene e cuidados pessoais; saúde; educação; cultura; fumo; serviços pessoais; despesas
diversas. Dentro da categoria outras despesas ( ), temos: despesas fiscais e tributárias
(impostos, contribuições, serviços bancários, seguros e indenizações, previdência, mesadas e
doações); aumento de ativo (aquisição de imóveis, investimentos e títulos de capitalização); e
diminuição do passivo (empréstimos, juros e dívidas). (IBGE, 2010a). Podemos declarar a
despesa total como uma função de várias despesas, ou também como uma composição
parcimoniosa de despesas (onde representa a porcentagem de cada despesa):
( ) (1a)
∑
∑
(1b)
4 O IBGE considera uma quinta pesquisa, o ENDEF de 1974/75, como o precursor da POF.
5 Na POF, a unidade básica da pesquisa não é a família entendida como laços de parentesco, mas sim a família
como relação de consumo; sendo assim, o domicílio é a unidade mínima da POF.
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De forma análoga, a POF apresenta os rendimentos divididos em: monetários; e não
monetários. Os rendimentos monetários ( ) são subdivididos em: rendimentos do trabalho;
transferências (aposentadorias, pensões, doações e programas sociais); rendimentos de
aluguel; e outras rendas (juros de empréstimos, lucros, dividendos e vendas de automóveis).
Os rendimentos não monetários ( ) são, basicamente, variações patrimoniais e heranças.
Assim como as despesas, pode-se declarar o rendimento total como função dos
rendimentos acima descritos (onde é a proporção de cada rendimento no total):
( ) (2a)
∑
∑
(2b)
Entretanto, cabe fazer uma observação importante. Devido ao sistema de empréstimos,
a igualdade entre rendimentos e despesas não necessariamente se mantém abaixo de 1. Se a
relação entre rendimentos e despesas (RRD) for maior ou igual a 1, tem-se um sinal de
pobreza naquele domicílio6:
{
(3)
3.3. OS INDICADORES DE POBREZA OBJETIVA
Conforme apresentado na seção 2.4, Hagenaars e De Vos (1988) reúnem três
indicadores de pobreza objetiva: o Índice Alimento-Renda (IAR); o Índice Custo Fixo-Renda
(ICFR); e o Índice Gastos-Renda (IGR). Ademais, já acrescentamos um quarto indicador, a
Relação Rendimentos-Despesas (RRD). Neste momento, analisaremos a composição de cada
um dos índices apresentados na seção 3.1 deste trabalho.
O primeiro medidor, o IAR, é um índice que trabalha com a categoria alimentação,
levando em conta, em especial, os gastos mais que a qualidade desta alimentação . O estudo
da relação entre gastos alimentícios e renda é feito com base nas declarações feitas, pela
família, na POF. Para se definir um domicílio como pobre, este deverá ter um montante de
gastos com alimentação superior a um nível crítico estabelecido; este nível varia, com base na
percepção de pobreza do pesquisador, da época estudada e das condições nas quais se
encontra o país.
A POF 2008/09 revelou-nos que a despesa total do brasileiro médio era de R$
2.626,31, e 16,1% deste valor é destinado à alimentação mensal, o equivalente a R$ 422,84
(IBGE, 2010b). Temos, assim, dois parâmetros, o absoluto e o relativo, cabendo-nos a decisão
sobre qual usar. Tomaremos o parâmetro relativo, pois este medirá, com precisão, a
porcentagem da renda que é gasta em alimentação, não se atrelando a uma parcela fixa.
O maior problema reside na escolha de qual nível crítico de gastos com alimentação
tomar; definitivamente, não é possível tomar o valor de 16,1% como crítico, por ser o valor
médio. O USDA (United States Department of Agriculture) realiza, desde 1987, uma série
anual – com dados a partir de 1929 – de estudos específicos sobre gastos com alimentação em
vários países do mundo, a ERS Food Expenditure Series. Nas últimas pesquisas disponíveis –
anuais, de 2008 a 2011 –, foram analisados 84 países, Brasil incluído (USDA, 2012).
6 Os indicadores IGR e RRD diferem na análise, embora possam trazer resultados parecidos. O objetivo do IGR
é medir o nível de despesas totais comparado aos rendimentos totais “líquidos”, que seriam o rendimento total
descontada a variação patrimonial. Por sua vez, o RRD analisa a relação bruta gasto/renda.
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Decerto, um país mais desenvolvido consome relativamente menos com alimentação –
partindo da ideia de que maior desenvolvimento implique maior renda; para provar esta
hipótese, foram extraídos os dados do IDH, de 2009 a 2011, a fim de comparar o
desenvolvimento dos países da ERS com seus gastos em alimentos. Aplicando regressão
linear, onde o desenvolvimento ( ) é função do consumo por alimentos ( ), obtemos:
(4)
cujos resultados são expressos a seguir. Os resultados apresentados mostram a qualidade do
ajuste, a significação deste e dos coeficientes selecionados. Presumiu-se um fator maior que
zero, pois o desenvolvimento não se dá apenas em termo dos gastos em alimentos e o IDH
não é negativo. Das 84 observações iniciais, 2 (Macedônia e Taiwan) foram descartadas, por
falta de dados sobre o IDH. Percebe-se que há uma relação inversa entre os gastos em
alimentos e o desenvolvimento. À medida que o medidor de desenvolvimento – no caso, IDH
– aumenta em 1%, tem-se a queda, em 0,8575%, do gasto em consumo. Isto implica em um
aumento do consumo que não acompanha o da renda auferida, devido à propensão marginal a
consumir (KEYNES, 2007).
Tabela 1 – Estatísticas básicas de (4)
Fonte: elaboração própria a partir de USDA (2012) e PNUD (2011).
Após este estudo, é necessário estudar a distribuição de gastos, a fim de definir o nível
crítico para esta pesquisa. O primeiro passo é a análise da distribuição, testando a hipótese de
normalidade, por meio do Teste Jarque-Bera de Normalidade (JB) – utilizado para verificar a
normalidade da distribuição. A análise de normalidade pelo Teste Jarque-Bera, traz maior
confiabilidade a respeito da distribuição com a qual se está lidando. Jarque e Bera (1980,
1981) propuseram este teste cujo objetivo é, por meio dos terceiro e quarto momentos da
distribuição – skewness ( ) e kurtosis ( ), respectivamente –, verificar a normalidade da
distribuição. O teste conta com a hipótese nula de normalidade, seguindo uma distribuição
chi-quadrado com dois graus de liberdade.
[( )
( )
]
{ ( ) ( )
(5)
Obtendo as informações sobre os momentos da distribuição, podemos calcular a
estatística JB, comparando seu valor com o valor crítico ao nível de significância de 5%. O
teste Jarque-Bera apresenta valor 7,3842, com probabilidade de apenas 2,5% de se ter esta
distribuição como normal; portanto, podemos inferir que a série segue uma distribuição não-
normal. A partir dos resultados, podemos determinar, de forma mais precisa, o nível crítico de
consumo em alimentos.
Se a distribuição seguisse o padrão normal, o nível crítico seria representado pela
região entre 0 e a soma da média com um desvio-padrão (84%): neste nível, com base nos
países selecionados, o valor crítico seria de 36,9%. Todavia, como a cauda está deslocada à
Observações Teste F R² Correlação Covariância
Dados 82 3,015E-20 0,6564 -0,8102 -0,0104
Coeficientes Erro padrão P-valor Consumo IDH
Intercepto (a) 0,9640 0,0177 < 0,0001 Média 0,2308 0,7661
Consumo (b) -0,8575 0,0694 < 0,0001 Variância 0,0122 0,0136
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esquerda da gaussiana e se trata de uma distribuição platicúrtica, não temos evidências para
afirmar que este é o nível crítico. Medindo, para esta distribuição, o nível crítico, tem-se que
este corresponde a um nível de consumo de 34,1%, o que engloba 79,3% das observações.
Como, entretanto, o maior nível de consumo, observado nos estados brasileiros, corresponde a
24,4% (no Piauí), decidimos rever este indicador para ¾ do valor máximo, resultando em
18,3%. Feitos estes procedimentos, podemos criar o indicador e definir sua região de
aceitação da característica “pobreza”, como segue, com base no total gasto com alimentação,
tanto dentro quanto fora de casa ( ).
{
(6)
O segundo medidor, o ICFR, é um índice que mensura os custos fixos de um agregado
familiar, e os compara à renda auferida. Neste trabalho, os custos fixos ( ) são aquela
parcela dos gastos que não se podem evitar mensalmente, a saber: alimentação, habitação; e
saúde. O empasse surge à medida que, como no caso do IAR, será necessário definir um nível
crítico para se considerar um domicílio pobre, neste quesito. Pela POF, o brasileiro médio tem
rendimento mensal de R$ 2.763,47, com gastos da ordem de 95,0% do total recebido.
A definição de um nível crítico para consumos fixos pode ser feita com base em uma
proxy a nível nacional. Podemos definir a relação entre gastos e renda, a nível nacional, como
a relação entre todos os gastos privados – isto é, das famílias – e o Produto Interno Bruto
(PIB), ambos per capita e a preços constantes. Com estes dados, pode-se tirar a relação entre
gastos privados e renda nacional e, a partir desta relação, pode-se estudar o comportamento
dos países, comparando estes dados com o IDH. Para que isto fosse possível, foram obtidas as
séries – de 2000 a 2010 – de consumo e PIB per capita, ambas a preços constantes em dólares
de 2000, a partir do banco de dados do World Bank. Obteve-se o indicador de consumo e de
renda para todos os países listados, com base na média de cada série e, devido ao mesmo
padrão das séries, pôde-se criar um consumption ratio, definido como a porcentagem de
gastos em relação à renda gerada.
De posse deste primeiro indicador, importaram-se os dados de IDH de todos os países,
de 2005 a 2011, e obteve-se a média simples da série anual, tendo um indicador de
desenvolvimento. A expectativa inicial era a correlação negativa entre consumo e
desenvolvimento – isto é, um maior desenvolvimento implica em uma menor estrutura
relativa de gastos das famílias. Para instruir de forma correta o procedimento, obtiveram-se
estatísticas básicas sobre as séries analisadas, sendo que desvios e covariância foram
calculados por métodos populacionais, já que a amostra corresponde ao universo de países
existentes, excetuados aqueles sem informações.
Tabela 2 – (2a) Momentos centrais e coeficientes de variação das séries
(2b) Limites, mediana e correlação/covariância das séries.
Fonte: elaboração própria a partir dos dados do World Bank e do United Nation Development Programme.
IDH Consumo/PIB IDH Consumo/PIB
Média 0,6537 0,6448 Mínimo 0,2731 0,1029
Desvio 0,1757 0,1836 Mediana 0,6950 0,6506
Skewness -0,4393 0,2462 Máximo 0,9409 1,3412
Kurtosis -0,8467 1,4216 Correlação
Coef. Variação 26,87% 28,47% Covariância -0,0161
-0,4998
(2a) (2b)
10
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Com os dados da Tabela 2, foi possível a definição correta do nível crítico de gastos
fixos. Como os terceiro e quarto momentos da distribuição do IDH apontam valores
negativos, espera-se uma distribuição mais pesada nas pontas e com cauda assimétrica à
esquerda, de modo que boa parte dos países (21%) ainda esteja aquém da zona de
normalidade – valor calculado em 0,478. Isto nos leva a repensar a possibilidade de escolher o
limite superior da zona de normalidade como um bom apontador de qual nível de consumo
seja o mais apropriado. Para tal, estudou-se a distribuição por intervalos de classe, levando em
conta a definição de alto padrão de desenvolvimento da ONU (que corresponde a um IDH
maior ou igual a 0,70). Os dados abaixo apresentam IDH e consumption ratio médios das
classes estudadas, além de nos dizer a importância de cada classe no conjunto. Os dados
confirmam a expectativa, pela qual um menor IDH traz consigo um maior nível de consumo.
Tabela 3 – Análise por intervalo de classe dos indicadores de desenvolvimento e consumo
Fonte: elaboração própria a partir dos dados do World Bank e do United Nation Development Programme.
Como o Brasil tem IDH médio, nos últimos anos, de 0,7047, definiremos o nível de
consumo crítico como média ponderada entre os países com IDH alto ou muito alto – acima
de 0,80. Obtemos, assim, o valor 0,577, que será nosso nível crítico de gastos fixos7.
{
(7)
O último medidor, o IGR, mensura a proporção de gastos de um domicílio, frente aos
rendimentos normalmente auferidos. Como, neste caso, o objetivo é entender se os
rendimentos familiares são suficientes para manter o padrão de vida desejado, a equação (3) é
um bom começo de análise. Entretanto, cabe lembrar que o rendimento total é composto
por rendimentos e variações patrimoniais ( ), que incluem a movimentação de contas
bancárias. Para medir, com exatidão, o IGR, tomaremos apenas os rendimentos monetários, a
fim de saber se o salário e/ou aposentadoria – ou qualquer tipo de transferência unilateral –
são suficientes para alimentar o padrão de vida normal da família estudada. Assim sendo, o
IGR é uma variante do RRD, com objetivos e resultados diferentes.
{
(8)
Após definir os indicadores objetivos de pobreza, a análise será estruturada em duas
vertentes: absoluta; e detalhada. Na primeira, será obtido um indicador-síntese, o Índice
7 A medição do nível crítico está bem conceituada, à medida que Hagenaars e De Vos (1988) definiram o nível
de 50% para a Holanda, e o resultado do consumption ratio nacional foi de 47,9%.
Classes IDH Médio C/P Médio Observações Proporção
IDH ≥ 0,8 0,8666 0,5174 38 22,49%
0,8 > IDH ≥ 0,7 0,7436 0,6279 44 26,04%
0,7 > IDH ≥ 0,6 0,6542 0,6268 31 18,34%
0,6 > IDH ≥ 0,5 0,5429 0,6717 16 9,47%
0,5 > IDH ≥ 0,4 0,4461 0,7779 23 13,61%
IDH < 0,4 0,3292 0,8010 17 10,06%
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Objetivo de Pobreza (IOP), cujo objetivo é apresentar um resultado sintético acerca do nível
de pobreza dos estados brasileiros. Este indicador será a média ponderada dos quatro itens
acima descritos – RRD, IAR, ICFR e IGR –, além de contar com uma ponderação extra. A
POF traz, além dos dados acima, três informações fundamentais para a avaliação objetiva da
pobreza. Embora sejam informações subjetivas, estas são necessárias para ponderar o nível de
pobreza, e ajudam na quantificação correta dos dados. As três informações são: tipo de
alimento consumido ( ); grau de dificuldade para se chegar ao fim do mês ( ); e
quantidade de alimento consumido ( )8.
O estabelecimento de penalidades deve ser feito levando em conta dois
condicionantes: sempre que a resposta for a melhor possível, não deve haver penalização; e os
mais ricos devem ser mais penalizados, frente aos que ganham menos, em respostas com
mesmo nível de “má qualidade”. O primeiro passo é, portanto, determinar os coeficientes
de penalidade, usando as faixas de renda média da POF, as quais foram agrupadas, para este
fim, em quatro classes: classe A – acima de R$ 3.500 –; classe B – rendimento entre R$ 2.750
e R$ 3.500 –; classe C – rendimento entre R$ 2.000 e R$ 2.750 –; e classe D – rendimento
abaixo de R$ 2.000.
A partir destas classes de rendimento, foi montada uma tabela auxiliar, a qual computa
o peso da punição a ser infligida a cada indicador. Para tal, alocaram-se as possíveis respostas
às informações dos coeficientes em três categorias distintas: nível I – baixa ou nula
dificuldade –; nível II – dificuldade média –; e nível III – alta ou total dificuldade. Quanto
maior o grau de dificuldade, maior o peso da punição, sendo que estes fatores agirão
diretamente no cálculo do indicador, já que o resultado será única e exclusivamente binário9.
Tabela 4 – Nível de punição, por classe de rendimentos
Fonte: elaboração própria.
Após os ajustes, pode-se calcular o indicador. Este, então, é a média ponderada das
quatro componentes indicadas anteriormente, onde o IAR contará com o peso da componente
punitiva , média simples de e , e o indicador ICFR terá a componente punitiva ,
correspondente à metade do valor de – a fim de colocar as componentes punitivas no
mesmo patamar. Assim sendo, resta apenas calcular a ponderação das várias componentes:
{
( )
( )
(9)
8 Valermo-nos de uma mistura de elementos objetivos e subjetivos, pois permite a ponderação de observações
rígidas (objetivas) pela visão dos entrevistados acerca de suas condições de vida (subjetivas). O estudo de um
indicador de pobreza puramente subjetivo é interessante, mas o número restrito de questões, acerca de
elementos de cunho pessoal, limitaria o poder do indicador. Por este motivo, torna-se interessante a interação
das componentes objetiva e subjetiva, a fim desta ponderar corretamente as informações daquela.
9 Os níveis críticos sofrerão reajuste com base no nível médio de punição, definido a partir do número de
famílias em cada classe e por nível de dificuldade apontado.
Valor j Classe A Classe B Classe C Classe D
Nível I 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000
Nível II 0,5000 0,3750 0,2500 0,1250
Nível III 0,7500 0,5625 0,3750 0,1875
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sendo que os índices , , e assumirão valores binários – onde 0 é não-pobre e 1 é pobre,
em cada quesito analisado – seguindo as mesmas leis, para atribuição de seus valores, das
equações que originaram a componente de cada índice. A componente punitiva permite,
assim, que se tenha domicílios não-pobres, com base no indicador inicial, mas que se tornem
pobres, devido à avaliação subjetiva de sua própria condição. Vale lembrar que o IOP
assumirá valores entre 0 e 1, inclusos.
O cálculo dos coeficientes será realizado por meio da análise dos coeficientes de
variação das estimativas dos indicadores. O coeficiente de variação ( ) mede a sensibilidade
da distribuição a variações em um dos seus valores; quanto maior o coeficiente, maior a
sensibilidade a pequenas variações, podendo-se deduzir que há uma relação intrínseca entre
grau de necessidade ( ) de um item e sua sensibilidade – em outras palavras, estamos
valorizando variáveis menos sensíveis, pois têm menor elasticidade, representando itens
relevantes. Esta relação é inversa, pois gastos mais necessários sofrem variações menores.
(10a)
10
∑
(10b)
O resultado final são os dados apresentados na tabela abaixo, onde consta que a
alimentação exerce um papel central na determinação da pobreza, seguido das despesas com
gastos fixos.
Tabela 5 – Determinação dos pesos para os indicadores selecionados
Fonte: elaboração própria a partir dos dados da POF 2008/09 .
De forma conclusiva, se pode escrever a equação (9) com os pesos calculados na tabela
acima, obtendo-se assim o valor derradeiro do IOP.
A segunda vertente de análise, a detalhada, será feita por estado. O objetivo, neste
momento, é entender a dinâmica do resultado do IOP, estudando os resultados médios de cada
componente nos estados brasileiros, a fim de determinar quais motivos levaram um ou outro
estado a estar em situação mais pobre frente aos outros. Tendo-se famílias em um estado, as
componentes médias serão analisadas da seguinte forma:
∑ [ ( )]
[ ] (11)
10
O coeficiente de variação menor ou igual a 1 se baseia na distribuição binária, onde só há dois resultados (0 ou
1), como no caso do lançamento de uma moeda. Nestes casos, o desvio padrão se iguala à média.
Gastos Alimentação Despesas Fixas Gastos Totais Rendimento Total
Média 388,90R$ 1.569,54R$ 2.255,52R$ 2.369,11R$
Desvio Padrão 71,08R$ 455,19R$ 707,21R$ 766,90R$
Skewness 0,1912- 0,8692 0,8062 1,1554
Kurtosis 0,5247- 0,0312- 0,0720- 1,2639
Sensibilidade (υ) 0,1828 0,2900 0,3135 0,3237
Necessidade (η) 5,4717 3,4481 3,1893 3,0892
Peso (λ) 36,00% 22,69% 20,98% 20,33%
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onde ( ) representa a família cujo indicador retornou valor 1, e é o total expandido
de famílias por estado.
A análise dos indicadores será então feita por meio gráfico, tentando determinar
padrões regionais de pobreza, seja em cada um dos quatro indicadores selecionados, seja a
nível completivo. Ademais, será possível também analisar o nível punitivo , obtendo um
mapa dos graus de dificuldade em cada estado. Para a análise dos níveis punitivos, será
adotada a seguinte estratégia:
∑ [ ( )]
{ } (12)
onde ( ) representa a família cuja componente punitiva retornou valor maior que 0, e
é o tamanho da população por estado. Obtêm-se, assim, as componentes punitivas , e , podendo se calcular o valor das componentes punitivas gerais e , para saber o
quão cada estado foi penalizado com base nas respostas subjetivas.
4. RESULTADOS
Usando os métodos apresentados, pôde-se obter o IOP ajustado. Para fins deste estudo,
a análise foi feita em três níveis: por faixa de rendimento; por situação censitária; e por
estado. Os resultados obtidos apontam para a confirmação de três resultados conhecidos: há
um maior atraso do meio rural frente ao urbano; as pessoas que ganham menos não
conseguem poupar a contento, ou não poupam; e há uma diferenciação norte-sul da pobreza,
sendo esta mais acentuada no setentrião em relação ao meridião. Além dos resultados por
nível, serão estudadas as relações entre os indicadores, a fim de encontrar algum padrão.
4.1. PADRÃO DE POBREZA POR FAIXAS DE RENDIMENTO
O primeiro item estudado diz respeito aos indicadores de consumo por faixa de
rendimento. Percebeu-se, calculando os indicadores apontados na seção 3, que o nível
objetivo de pobreza decai sensivelmente quando o rendimento familiar auferido for de 6+ SM
– isto é, quando a família tiver rendimento total entre o limite superior da classe D e a classe
G. Este resultado vale tanto para as áreas urbanas quanto para as rurais.
Outras características dizem respeito ao padrão de consumo, especialmente nos custos
fixos e nos gastos alimentícios. De forma geral, observa-se que, ao aumentar a renda, tem-se
uma redução nos gastos com alimentação, embora estes sejam sempre maiores no âmbito
rural do que no urbano, exceção feita à classe G. Entretanto, somando-se os gastos fixos à
alimentação, tem-se um maior consumo generalizado na área urbana e, especialmente, a
classe A gasta mais do que recebe. Este indício de pobreza nos leva a analisar as outas duas
componentes, a RRD e o IGR. Especialmente nas áreas urbanas, o gasto supera o que é
recebido até mesmo em classes de renda mais ampla, como a C e a D, fato que não se repete
nas áreas rurais. Isto é sinal de que dois fenômenos simultâneos acontecem: os pobres gastam
tudo, pois não têm o quê gastar; e os ricos não poupam (exceto a classe G), pois não sabem
como gastar.
Ademais, analisando a discrepância do RRD e do IGR entre áreas urbanas e rurais,
percebemos que há um estilo de vida mais consumista nas regiões mais industrializadas e
desenvolvidas, onde o padrão de vida é mais elevado, em detrimento das possibilidades de
poupança. Especialmente nas classes da A à C, percebe-se que há um gasto superior às
disponibilidades mensais nas áreas urbanas, o que não permite o acúmulo de riquezas,
enquanto – no meio rural, apenas a classe A sofre com este problema. Embora o meio rural
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tenha níveis de gastos básicos mais acentuados em quase todas as classes, isto não impede a
poupança, especialmente por ter-se um padrão de vida mais simples e com menor
disponibilidade de bens e serviços supérfluos.
Tabela 6 – Indicadores objetivos de pobreza, por faixa de renda e situação censitária
Fonte: elaboração própria a partir dos dados da POF 2008/09 .
De forma geral, percebe-se que o padrão de consumo do brasileiro não permite um
nível de poupança suficientemente bom para projetos de longo prazo. Para que este tipo de
ação seja implementado, a família decide abrir mão de custos supérfluos, ou reduz as despesas
que ela considera básicas. Não há, assim, uma política de poupança significativa; para dar um
exemplo, a POF 2008/09 levantou que o brasileiro médio, nas áreas urbanas, tem variação
patrimonial mensal de R$ 133,62, valor que cai para menos da metade (R$ 57,96) nas áreas
rurais. Outro dado levantado diz respeito à renda média de cada faixa, comparando-a com a
variação patrimonial. Percebe-se um movimento explosivo ao aumentar a renda auferida;
entretanto, ao relativizar-se, percebe-se maior poupança mais nas áreas rurais, mas que o valor
médio é menor frente às áreas urbanas. Ademais, não há crescimento expressivo da poupança
entre os mais ricos (excetuando a classe G), pois o padrão de vida adotado não permite isto.
4.2. DIFERENÇAS ENTRE O URBANO E O RURAL
Um primeiro estudo, na análise censitária, pode ser feito a partir dos dados das
componentes punitivas de alimento e de gastos; devido à possibilidade de desagregação, nos
ateremos aos dados da componente punitiva . Duas perguntas subjetivas são feitas na POF,
acerca do alimento consumido, com os níveis estabelecidos – vide seção 3.2 –, e a média dos
resultados, ponderados pelos pesos da Tabela 4, oferece o nível da componente punitiva.
Cruzando-se os dados de tipo-quantidade, percebe-se que, de modo geral, tem-se um consumo
de alimentos do gosto da população, embora não sempre e tampouco em quantidades
suficientes. Este quadro, específico da área urbana, muda sensivelmente no âmbito rural,
onde, para o brasileiro médio de lá, o tipo consumido não sempre é o desejado, além de a
quantidade não ser sempre suficiente para ⅓ dos entrevistados.
RRD IAR ICFR IGR RRD IAR ICFR IGR
A Até 830 R$ 1,418 0,387 1,002 1,427 1,241 0,436 0,869 1,252
B Mais de 830 a 1.245 R$ 1,113 0,279 0,752 1,122 0,984 0,306 0,651 0,999
C Mais de 1.245 a 2.490 R$ 1,031 0,220 0,622 1,044 0,960 0,256 0,573 0,982
D Mais de 2.490 a 4.150 R$ 0,993 0,172 0,526 1,017 0,902 0,191 0,449 0,936
E Mais de 4.150 a 6.225 R$ 0,958 0,137 0,453 0,990 0,856 0,151 0,368 0,922
F Mais de 6.225 a 10.375 R$ 0,917 0,113 0,396 0,961 0,829 0,113 0,310 0,893
G Mais de 10.375 R$ 0,789 0,071 0,292 0,875 0,644 0,058 0,208 0,728
0,951 0,153 0,481 0,995 0,943 0,239 0,533 0,981 Brasil
Faixa de rendaUrbano Rural
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Tabela 7 – Definição do nível punitivo para gastos alimentícios, por faixa de renda e situação censitária
Fonte: elaboração própria a partir dos dados da POF 2008/09 .
Um segundo ponto a ser estudado retoma a Tabela 6, no que diz respeito ao padrão de
consumo. Há certo distanciamento entre o âmbito urbano e o rural, notório na literatura,
ressaltado pelos resultados obtidos pela POF. Entretanto, mesmo com um diferencial de
rendimentos da ordem de 100%, percebe-se um consumo alimentício grosso modo estável,
além da já ressaltada baixa variação patrimonial. O consumo alimentício estável confirma a
hipótese de Keynes (2007) acerca da propensão marginal a consumir. Vejamos um exemplo.
Tabela 8 – Dados básicos sobre gastos e rendimentos, por situação censitária, em valores médios
Fonte: elaboração própria a partir dos dados da POF 2008/09 .
Em um local específico, os gastos mínimos, com alimentação – de modo a garantir o
bem-estar da família – são de 500 u.m. (unidades monetárias); o pobre, que ganha 1.000 u.m.,
estará gastando 50% de sua renda com alimentação; o rico, que ganha 10.000 u.m., estará
gastando 5%, dez vezes menos que o pobre. Obviamente, ricos e pobres não gastarão a
mesma renda em comida, mas a propensão marginal a consumir dos ricos é inferior à dos
Nível I Nível II Nível III Nível I Nível II Nível III
U Brasil Urbano 36,9% 51,0% 12,1% 66,4% 25,0% 8,6% 0,1761
A Até 830 R$ 21,0% 57,9% 21,0% 49,4% 35,6% 14,9% 0,0828
B Mais de 830 a 1.245 R$ 21,0% 57,9% 21,0% 49,4% 35,6% 14,9% 0,0828
C Mais de 1.245 a 2.490 R$ 32,8% 56,0% 11,3% 66,0% 26,4% 7,6% 0,0600
D Mais de 2.490 a 4.150 R$ 50,2% 45,0% 4,8% 79,9% 16,5% 3,6% 0,1175
E Mais de 4.150 a 6.225 R$ 50,2% 45,0% 4,8% 79,9% 16,5% 3,6% 0,1566
F Mais de 6.225 a 10.375 R$ 71,3% 26,7% 2,0% 92,1% 5,9% 2,0% 0,0812
G Mais de 10.375 R$ 71,3% 26,7% 2,0% 92,1% 5,9% 2,0% 0,0812
Nível I Nível II Nível III Nível I Nível II Nível III
R Brasil rural 25,9% 56,4% 17,6% 54,4% 33,3% 12,3% 0,0748
A Até 830 R$ 18,2% 60,0% 21,9% 44,3% 39,3% 16,4% 0,0879
B Mais de 830 a 1.245 R$ 13,2% 43,4% 43,4% 44,3% 39,3% 16,4% 0,1012
C Mais de 1.245 a 2.490 R$ 32,8% 54,5% 12,6% 65,4% 28,3% 6,3% 0,0604
D Mais de 2.490 a 4.150 R$ 34,3% 32,8% 32,8% 81,4% 14,4% 4,1% 0,1818
E Mais de 4.150 a 6.225 R$ 34,3% 32,8% 32,8% 76,7% 19,4% 3,9% 0,2514
F Mais de 6.225 a 10.375 R$ 55,6% 22,2% 22,2% 95,2% 4,8% 0,0% 0,1429
G Mais de 10.375 R$ 55,6% 22,2% 22,2% 95,2% 4,8% 0,0% 0,1429
Faixa de rendaNível
Punitivo
Faixa de rendaTipo consumido Quantidade consumida Nível
Punitivo
Tipo consumido Quantidade consumida
Nível I Nível II Nível III Nível I Nível II Nível III
U Brasil Urbano 36,9% 51,0% 12,1% 66,4% 25,0% 8,6% 0,1761
A Até 830 R$ 21,0% 57,9% 21,0% 49,4% 35,6% 14,9% 0,0828
B Mais de 830 a 1.245 R$ 21,0% 57,9% 21,0% 49,4% 35,6% 14,9% 0,0828
C Mais de 1.245 a 2.490 R$ 32,8% 56,0% 11,3% 66,0% 26,4% 7,6% 0,0600
D Mais de 2.490 a 4.150 R$ 50,2% 45,0% 4,8% 79,9% 16,5% 3,6% 0,1175
E Mais de 4.150 a 6.225 R$ 50,2% 45,0% 4,8% 79,9% 16,5% 3,6% 0,1566
F Mais de 6.225 a 10.375 R$ 71,3% 26,7% 2,0% 92,1% 5,9% 2,0% 0,0812
G Mais de 10.375 R$ 71,3% 26,7% 2,0% 92,1% 5,9% 2,0% 0,0812
Nível I Nível II Nível III Nível I Nível II Nível III
R Brasil rural 25,9% 56,4% 17,6% 54,4% 33,3% 12,3% 0,0748
A Até 830 R$ 18,2% 60,0% 21,9% 44,3% 39,3% 16,4% 0,0879
B Mais de 830 a 1.245 R$ 13,2% 43,4% 43,4% 44,3% 39,3% 16,4% 0,1012
C Mais de 1.245 a 2.490 R$ 32,8% 54,5% 12,6% 65,4% 28,3% 6,3% 0,0604
D Mais de 2.490 a 4.150 R$ 34,3% 32,8% 32,8% 81,4% 14,4% 4,1% 0,1818
E Mais de 4.150 a 6.225 R$ 34,3% 32,8% 32,8% 76,7% 19,4% 3,9% 0,2514
F Mais de 6.225 a 10.375 R$ 55,6% 22,2% 22,2% 95,2% 4,8% 0,0% 0,1429
G Mais de 10.375 R$ 55,6% 22,2% 22,2% 95,2% 4,8% 0,0% 0,1429
Faixa de rendaNível
Punitivo
Faixa de rendaTipo consumido Quantidade consumida Nível
Punitivo
Tipo consumido Quantidade consumida
DT RT DA DF VP
2.853,13R$ 2.999,98R$ 437,45R$ 1.443,27R$ 133,62R$
1.397,29R$ 1.481,91R$ 336,48R$ 789,55R$ 57,96R$ Rural
Urbano
16
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pobres. Entretanto, com o aumentar da renda, não há um andamento pari passu do aumento
do consumo alimentício, isto é, os ricos: gastam proporcionalmente menos que os pobres e; a
cada u.m. a mais que for recebida, a tendência a esta ser gasta se reduz, estabilizando-se.
Retomando-se a Tabela 7, ver-se-á que há um aumento – embora não muito expressivo – da
variação patrimonial dos mais ricos (classes F e G) frente aos mais pobres (classes A à D).
4.3. ANÁLISE REGIONAL
Por fim, apresentamos um breve estudo sobre as regiões e os estados, de forma mais
específica. Conforme aparece na tabela adiante, percebe-se que há uma desagregação Norte-
Sul da pobreza. Se, por um lado, tem-se 37% da população em baixas condições de pobreza
(faixa A-B) – sendo 80% destes no eixo Centro-Sul –, por outro lado tem-se 41% da
população em condições críticas de pobreza (faixa D-E) – sendo 90% no eixo Norte. Deste
modo, embora tenha uma razoável distribuição dos estados por nível de pobreza, os piores
indicadores estão concentrados no eixo Norte.
Tabela 9 – Distribuição dos estados brasileiros por intervalo de IOP
Fonte: elaboração própria a partir dos dados da POF 2008/09 .
Outro ponto de destaque é o nível punitivo em relação a gastos e consumo alimentício.
Percebe-se novamente um descolamento Norte-Sul, onde, entretanto, a situação se encontra
invertida. Mesmo com rendimentos maiores, e menor situação de pobreza, o eixo Sul se
encontra mais insatisfeito com o tipo e a quantidade consumida de alimentos, além de sentir-
se em maiores dificuldades financeiras. A situação mais precária no Norte reflete um quadro
de realismo mais forte em relação ao Sul, onde a alimentação e os gastos são melhores, mas
parece não serem suficientes para a satisfação subjetiva.
Tabela 10 – Macrorregiões brasileiras por nível punitivo das componentes e IOP
Fonte: elaboração própria a partir dos dados da POF 2008/09 .
Brasil N NE SE S CO Absoluta Acumulada
0,00├ 0,16 A 6 1 1 1 0 3 0,22 0,22
0,16├ 0,32 B 4 0 0 2 1 1 0,15 0,37
0,32├ 0,48 C 6 1 3 1 1 0 0,22 0,59
0,48├ 0,64 D 6 2 3 0 1 0 0,22 0,81
0,64├ 0,80 E 5 3 2 0 0 0 0,19 1,00
FrequênciaIntervalo
Estados
Alimentos Gastos Nível Classe
Brasil 14,5 15,9 0,341 C
Norte 12,4 11,0 0,634 D
Nordeste 7,7 7,2 0,516 D
Centro-Oeste 13,8 15,5 0,090 A
Sudeste 19,3 21,5 0,214 B
Sul 13,9 17,3 0,401 C
IOPRegião
Nível punitivo (% )
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IAR ICFR
IGR RRD
Finalmente, analisamos os dados obtidos pelas componentes do IOP, apresentando os
dados de forma gráfica. Pelos mapas da figura abaixo, percebe-se que, quando se discutem
custos fixos e alimentícios, há uma diferenciação Norte-Sul, enquanto que, ao estudarem-se o
agregado de gastos em relação aos rendimentos, tem-se um padrão de diferenciação Leste-
Oeste. Enquanto há uma maior situação de pobreza, no eixo Norte, pelos níveis de consumo,
o mesmo não é refletido pelos dados de gastos, nos quais os estados do litoral Centro-Sul têm
maior nível de endividamento.
Figura 1 – Análise gráfica das componentes do IOP, por estado
Fonte: elaboração própria.
Como os mapas evidenciam, de forma geral, estados mais pobres respondem por
níveis, em cada indicador, nas faixas alaranjada e vermelha, apontando para um nível de
carência mais forte. Isto é reforçado pela tabela a seguir, na qual se estuda o nível de
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rendimento médio dos estados. Estados com componentes mais elevadas – que aparecem com
cores mais escuras nos mapas – são também os estados com menor rendimento médio.
Especificamente, a maior parte dos estados do eixo Norte (60%) tem rendimento médio
inferior a 3 SM (sendo o salário mínimo de R$ 678,00), enquanto boa parte do eixo Sul (mais
de 40%) tem rendimento médio superior a 5 SM.
5. CONCLUSÕES
Estudou-se e constituiu-se, neste ensaio, uma metodologia de análise objetiva da
pobreza, pela qual se estudam as componentes de consumo, gasto e rendimentos mensais
familiares. O trabalho foi desenvolvido a partir da análise de indicadores sintéticos e valores
críticos. O objetivo do estudo foi criar um indicador de nível objetivo de pobreza, que fosse
capaz de indicar situações de pobreza a partir do excesso de consumo alimentício ou de gastos
totais. De forma especial, estudaram-se as diferenças do IOP entre faixas de renda, estados e
áreas urbanas e rurais, de forma a identificar padrões de caracterização da pobreza, a partir do
resultado objetivo de cada componente.
Os resultados mostraram três grandes tendências na pobreza brasileira: diferenciação
Norte-Sul; consumo não criterioso; rendimento médio auferido. Quanto à primeira tendência,
tem-se o nível do IOP sensivelmente maior no eixo Norte frente ao eixo Sul, devido a maiores
problemas em todos os indicadores, de forma sintética. Embora o nível punitivo seja menor
no eixo Norte, os níveis pré-punitivos de lá são sensivelmente maiores, o que mantém a
diferença entre os eixos. Os resultados obtidos apontam para um nível preocupante de
carência alimentícia e de gastos fundamentais no eixo Norte, enquanto no eixo Sul se tem um
problema de qualidade e de quantidade de alimentos consumidos e gastos incorridos.
No que diz respeito ao consumo não criterioso, os estudos levantaram duas tendências
distintas, quanto à faixa de renda e quanto à situação censitária. Analisando por faixa de
renda, tem-se um nível punitivo menor na faixa de renda intermediária (faixa C), enquanto as
faixas mais pobres (A-B) e mais ricas (E-F) têm componentes punitivas maiores, seja por
causa de um nível consumido menor que o desejado – para os mais pobres –, seja por níveis
de consumo queridos aquém dos desejados – nas classes mais abastadas. A respeito da
situação censitária, percebe-se um nível punitivo superior no âmbito rural, especialmente para
as faixas de renda mais elevadas; entretanto, no agregado, percebe-se que o nível médio do
Brasil rural é inferior ao Brasil urbano, devido à agregação das componentes punitivas (em
média menores) e à distribuição relativa da população (90% da população urbana se
concentram nas classes A-E, enquanto 88% da população rural est entre as classes A-C, sendo
que as componentes punitivas das classes urbanas são maiores que as das rurais).
Por último, o rendimento médio auferido se apresenta como uma problemática real no
cenário econômico brasileiro; se, por um lado, tem-se mais da metade dos estados brasileiros
com IOP inferior a 0,50 – sendo o valor médio ponderado no Brasil é 0,3411 –, apenas quatro
estados no Brasil (SP, RJ, SC e DF) têm rendimento médio acima de R$ 3.100/mês, o que
implica em maior risco de aparecer pobreza por meios dos indicadores objetivos, já que os
consumos fundamentais são estáveis a curto e médio prazos.
A situação da pobreza brasileira sofreu sérios avanços na última década; entretanto,
muitos desafios se propõem para o atual governo e os próximos, especialmente no que diz
respeito à melhora das condições de renda e do leque de consumo disponível. Outro grande
problema atual é a solução das condições de poupança da população, as quais não permitem
uma ampliação do padrão de vida no curto prazo. No Brasil, duas situações convivem, com
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exceções estatisticamente não significativas: o pobre não tem como poupar, pois não ganha o
suficiente; e o rico não consegue poupar, pois não sabe consumir parcimoniosamente.
Verifica-se um quadro de propensão marginal a consumir elevada, específico de países
que têm um cenário de estabilidade na sua economia. Entretanto, para países em
desenvolvimento, seria interessante um maior nível de poupança, capaz de garantir a
expansão do consumo das famílias à medida que aumentam as disponibilidades do país. A
solução se daria por um conjunto de políticas que fosse capaz de imputar uma nova cara ao
consumo brasileiro, permitindo o não-consumo em um nível razoavelmente maior. A melhora
da qualidade da alimentação nas áreas menos abastadas, a melhora no tipo de consumo e o
favorecimento à poupança são políticas que, no médio prazo, são capazes de reverter o quadro
atual da pobreza brasileira, além de favorecer o aumento do poder de compra da população,
gerando um ciclo virtuoso de crescimento econômico sustentado e redutor da pobreza.
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