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Processamento Sensorial e Áreas de desenvolvimento em crianças institucionalizadas num CAT Projeto elaborado com vista à obtenção de grau de Mestre em Terapia Ocupacional, na Especialidade em Integração Sensorial Orientadora: Professora Doutora Isabel Ferreira, Professor Adjunto, Terapeuta Ocupacional Junho, 2012 Tatiana Raquel Marques Santos

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Processamento Sensorial e Áreas de desenvolvimento em crianças institucionalizadas

num CAT

Projeto elaborado com vista à obtenção de grau

de Mestre em Terapia Ocupacional,

na Especialidade em Integração Sensorial

Orientadora: Professora Doutora Isabel Ferreira, Professor Adjunto, Terapeuta Ocupacional

Junho, 2012

Tatiana Raquel Marques Santos

Trabalho de Projeto

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Resumo Relacionar as desordens de processamento sensorial apresentadas pelas crianças com idades

compreendidas entre os 3 e os 6 anos de idade institucionalizadas no Refúgio Aboim Ascensão com

as dificuldades que as crianças apresentam nas diferentes áreas do desenvolvimento.

Foram avaliadas 27 crianças com idades compreendidas entre os 2 anos e 11 meses e os 6 anos e os

3 meses. As educadoras de infância das crianças avaliaram os domínios do processamento sensorial

e das áreas do desenvolvimento através do Questionário do Perfil Sensorial e do Questionário de

Avaliação das educadoras de infância.

Resultados. Através da correlação de Spearman observou-se que existiam várias correlações entre

os domínios do Questionário do Perfil Sensorial e o Questionário de Avaliação das Educadoras de

Infância, como por exemplo, correlação entre o processamento auditivo e a área da linguagem,

processamento tátil e a área da matemática, e/ou respostas emocionais/sociais e a área do

conhecimento do mundo.

Conclusão. A população do CAT apresentava dificuldades ao nível do processamento sensorial

(PS) e das áreas do desenvolvimento (AD). As dificuldades no PS e nas AD estão relacionadas,

neste sentido é pertinente a intervenção do Terapeuta Ocupacional junto desta população.

Não há subtítulos no resumo, assim tens de rever o texto porque tem de ficar tudo ligado. No inicio

podes colocar umas frases curtas que tens no inicio da introdução e depois segues com o texto

Palavras – Chave: Crianças institucionalizadas; Integração Sensorial; Processamento Sensorial;

Desenvolvimento Infantil.

Introdução

As crianças que nascem em ambientes de privação têm falta de interações precoces com um

cuidador preferencial, deste modo, poderão apresentar comprometimento na regulação fisiológica,

interação social, comunicação e na aprendizagem sobre o mundo que as rodeia. As crianças poderão

apresentar ainda vulnerabilidade ao nível do processamento sensorial, um atraso nas capacidades de

jogo e uma pobre exploração espontânea. Devido à falta de oportunidades, a criança poderá não

formar ideias complexas sobre o mundo que a rodeia e poderá ter limitações ao nível da praxis. A

sua capacidade para tolerar novos ou fortes estímulos sensoriais poderá estar comprometida e por

conseguinte a sua capacidade para interpretá-los poderá ser limitada (Schaaf & Roley, 2006).

Trabalho de Projeto

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Segundo Jacobs, Miller e Tirella (2010) viver em ambientes de privação durante um certo período

de tempo poderá afetar o desenvolvimento do cérebro principalmente durante o “período crítico” da

maturação cerebral. Durante esse período são necessárias certo tipo de experiências para que o

cérebro se desenvolva normalmente. Em experiências com animais foi possível observar que

quando expostos a ambientes de privação a estrutura cerebral que apresentavam era alterada.

Animais que cresciam em ambientes complexos e ricos em experiências apresentavam mais

sinapses, maior peso cerebral, arborização dendrítica, novos vasos sanguíneos e melhores

competências de aprendizagem e memória comparativamente a animais que cresciam em ambientes

de privação.

Para Cermak e Daunhauer (1997) a institucionalização é caraterizada por oportunidades reduzidas

de colo, interação e estimulação, o que afeta o desenvolvimento e crescimento emocional e físico

das crianças. Sem estas oportunidades as crianças apresentam dificuldade em organizar a

informação sensorial o que se reflete na capacidade de responderem de forma adaptativa ao

ambiente e às tarefas exigidas diariamente.

A Integração Sensorial é a capacidade de organizar e processar a informação que chega através dos

diferentes canais sensoriais e de interrelacioná-la e sintetizá-la, de forma a emitir uma resposta

motora adequada. As crianças que apresentam desordens de processamento sensorial poderão exibir

atrasos típicos ao nível das capacidades motoras grosseiras e finas, de equilíbrio, de coordenação

motora e do uso manual. Distração, defesa tátil, problemas com a linguagem e com as capacidades

visuo-espaciais podem também ser detetadas. Se estes problemas permanecerem sem ser detetados

até à idade escolar podem aparecer problemas na leitura, na escrita e/ou na matemática (Berk &

DeGangi,1994).

Segundo Kranowitz (1998) os sistemas sensoriais transmitem-nos a informação sensorial necessária

para que sejamos funcionais no mundo que nos rodeia. Os diferentes sistemas recebem a

informação através de estímulos internos e externos ao corpo. Qualquer movimento que façamos,

alimento que comamos, ou objeto que toquemos produz em nós uma sensação.

O sistema tátil tem uma grande influência na determinação física, mental e comportamento

emocional do ser humano. Todos nós desde a infância necessitamos de uma constante estimulação

tátil para nos mantermos organizados e sermos funcionais. A informação tátil chega-nos através de

células especializadas, denominadas de recetores, que estão localizadas na pele desde a cabeça até

aos pés. Sensações de toque como pressão, vibração, movimento, temperatura e dor são ativadas

pelos recetores táteis. Existem dois componentes que fazem parte do sistema tátil, são o sistema

Trabalho de Projeto

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protetivo e o sistema discriminativo. O ser humano está constantemente a tocar ou a ser tocado por

algo – outras pessoas, roupas, mobília, etc.. O sistema tátil é um dos grandes sistemas sensoriais que

nos dá informação que necessitamos não só para a perceção visual, planeamento motor e

consciência corporal, como para a aquisição de competências académicas, segurança emocional e

competências sociais (Kranowitz, 1998).

O sistema vestibular diz-nos qual a posição das nossas cabeças e corpos em relação ao espaço.

Este sistema dá-nos informações acerca do equilíbrio e movimento do pescoço, olhos e corpo; envia

a informação ao sistema nervoso central para que este a processe; e ajuda-nos ainda a regular o

tónus muscular o que nos permite mover com eficácia. Para além disso, transmite-nos a informação

de quando nos estamos a mover ou estamos parados, e de quando os objetos estão parados ou a

mover-se relativamente ao nosso corpo. Transmite-nos igualmente a informação de para onde

estamos a ir e de quão rápido nos estamos a deslocar. Os recetores do sistema vestibular estão

localizados no ouvido interno, estes recetores transmitem-nos informação acerca do movimento e

da gravidade (Kranowitz, 1998).

A Proprioceção refere-se à informação sensorial que nos transmite informação sobre os nossos

movimentos e posição do corpo. Este permite a integração de estímulos táteis e vestibulares. Os

recetores do sistema propriocetivo estão localizados nos músculos, articulações, ligamentos e

tendões, e os estímulos para estes recetores são o movimento e a gravidade. As funções que estão

inerentes a este sistema sensorial são promover a consciência corporal e contribuir para o controlo

motor e planeamento motor. Este sistema influencia a nossa capacidade de expressão corporal e a

habilidade para movimentarmos as partes do nosso corpo de forma eficaz (Kranowitz, 1998).

O Sistema Visual é como uma janela que conecta o mundo com o cérebro, os recetores deste

sistema são os olhos. A informação que chega através dos olhos capacita as crianças para

distinguirem entre pessoas, eventos e objetos perto ou longe de si; permitem-lhes discriminar

tamanhos, formas e as cores dos objetos e vê-los em três dimensões. As crianças utilizam a visão

como um guia na maioria das ações em que se envolvem, tais como, gatinhar, andar, comer, ler,

escrever, brincar e também nas competências do desenvolvimento motor.

Quando as crianças apresentam problemas ao nível do sistema visual poderão receber uma

informação visual distorcida a nível cerebral o que poderá interferir com a capacidade da criança

aprender. Poderão surgir problemas na perseguição ocular, problemas na memória visual,

problemas na discriminação figura-fundo e/ou problemas visuo-motores, que interferem com a

Trabalho de Projeto

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aprendizagem da leitura e da escrita, atenção e competências sensório – motoras (por exemplo

apanhar uma bola) (Cheatum & Hammond, 2000).

Receber e processar a informação auditiva (Sistema Auditivo) inclui uma estimulação recebida

através dos recetores periféricos e posteriormente transmitida até ao Sistema Nervoso Central. Os

problemas auditivos são muito observados em crianças que apresentam dificuldades no

desenvolvimento motor, na aprendizagem e ou problemas de comportamento.

A receção do som é essencial para iniciar e sequenciar os movimentos. Para além de ouvir a criança

tem ainda que aprender a reconhecer as caraterísticas dos diferentes sons de forma a decidir quando

deve ou não reagir aos estímulos auditivos. O processamento auditivo influencia a localização da

fonte sonora, os padrões ou ritmos sonoros, discriminação auditiva, separação auditiva dos sons de

fundo e a memória auditiva sequencial. Problemas ao nível do sistema auditivo poderão refletir-se

em problemas na atenção, seguir instruções, hipersensibilidade ao som, dificuldade nas mudanças

de atividades, reações tardias aos sons ou instruções, pobre equilíbrio, falar alto e dificuldades ao

nível da fala e linguagem (Cheatum & Hammond, 2000).

O processamento sensorial é o modo como o sistema nervoso central recebe mensagens sensoriais e

as torna em respostas (Miller, 2006). As Desordens de Processamento Sensorial (DPS) ocorrem

quando o input sensorial dos diferentes sistemas não chega organizado em respostas apropriadas e

as rotinas diárias e atividades da criança são comprometidas. As DPS privam as crianças da receção

apropriada de informação sensorial dos diferentes sistemas e das experiências que precisam para

aprenderem e para se desenvolverem (Coll, Miller & Shoen, 2007). Crianças com DPS revelam

dificuldade em regular o grau, a intensidade e a natureza das respostas do input sensorial que

resultam em problemas consideráveis com os papéis e rotinas diárias (Miller, 2006).

O limiar neurológico consiste no processo central através do qual o input de múltiplas modalidades

sensoriais é combinado através do tempo e do espaço. Tendo como objetivo enfrentar/ultrapassar as

exigências internas/externas, algumas crianças agem de acordo com o seu limiar neurológico, outras

tentam compensá-lo (Anzalone & Williamson, 2001). Uma criança com baixo limiar neurológico

que age de acordo com o seu limiar apresentará como padrão de modulação uma Hipersensitividade

Sensorial, podendo este ser observado em crianças com defesa auditiva, visual, vestibular, tátil ou

mesmo, defesa sensorial no geral. No entanto, existem crianças com defesa sensorial que tentam

compensar o seu limiar e controlar o input sensorial proveniente do meio, evitando-o (padrão de

Evitamento Sensorial). Estas crianças envolvem-se menos no brincar exploratório. As crianças com

alto limiar neurológico que agem de acordo com o seu limiar terão comportamentos de Baixo

Trabalho de Projeto

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Registo. É necessária uma grande quantidade de estímulos para que haja uma resposta; são crianças

que apresentam uma maior latência na resposta e que aparentam ser desinteressadas pelo meio. Por

outro lado, as crianças com um padrão de modulação de Procura Sensorial tentam ativamente ir de

encontro a essa mesma necessidade, o que as fazem ter, por vezes, comportamentos arriscados na

busca intensa de estímulos.

Crianças que demonstram extrema Hiporeactividade ou Hiperreactividade a níveis típicos de input

sensorial e que exibem padrões pouco comuns de procura ou de evitamento da sensação, ficam

impedidas de uma participação plena nas atividades da vida diária, tais como o vestir, o brincar, a

alimentação e a interação social com os outros (Dunn, 1997 citado por Schaaf & Nightlinger, 2007).

Segundo Lin, Cermak, Coster e Miller (2005) as crianças que residem em contexto institucional são

privadas de exploração sensorial e interação com uma variedade de ambientes durante a infância.

Como consequência, poderão apresentar dificuldades em processar e utilizar a informação sensorial

de forma a regularem o comportamento. Segundo as autoras existem estudos de crianças

institucionalizadas e pós – institucionalizadas que sugerem que estas crianças apresentam disfunção

na modulação sensorial e em funções relacionadas.

Bakermans – Kranenburg, Ijzendoorn e Juffer (2008) afirmam que as instituições de acolhimento de

crianças em risco geralmente não apresentam as condições ambientais esperadas, como abrangente

proteção, cuidadores preferenciais, e várias oportunidades de exploração, para promover às crianças

um desenvolvimento psicomotor normal. Os mesmos autores afirmam que as instituições, devido às

suas rotinas, turnos múltiplos e frequente mudança de cuidadores, quase inevitavelmente privam as

crianças de interações recíprocas com cuidadores estáveis. Afirmam também que existem vários

estudos que demonstram que crianças que crescem em instituições são crianças de risco em

diferentes domínios da sua funcionalidade, incluindo, o desenvolvimento físico, sócio – emocional

e cognitivo.

Num estudo realizado no centro de acolhimento temporário Refúgio Aboim Ascensão (RAA) que

teve como objetivo geral compreender se existiam alterações de processamento sensorial das

crianças com idades compreendidas entre os 4 e os 18 meses, concluiu-se que existiam alterações

no processamento sensorial naquela população. Sendo que as principais áreas afetadas estavam

relacionadas com o processamento tátil e vestibular (Carmo, 2008).

Cermak e Daunhauer (1997) estudaram o Processamento Sensorial de crianças pós –

institucionalizadas e concluíram que as mesmas apresentavam desordens de processamento

Trabalho de Projeto

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sensorial. Num outro estudo que pretendia fazer a relação entre o tempo de institucionalização e os

défices de integração sensorial em crianças adotadas nos Orfanatos da Europa do Leste, Lin et al.

(2005) puderam concluir que um tempo prolongado de institucionalização está associado com

maior disfunção de integração sensorial manifestada por dificuldades ao nível dos sistemas tátil,

vestíbulo – propriocetivo, visual e auditivo e ao nível das funções da praxis. Concluíram ainda que

a intervenção do Terapeuta Ocupacional (TO) é importante junto desta população uma vez que o

TO poderá promover experiências sensoriais que permitem a integração dos diferentes sistemas

sensoriais e intervir ao nível da praxis, de forma a permitir que a criança não apresente dificuldades

no seu desempenho ocupacional e/ou na participação na escola, em casa e em contextos da

comunidade.

Chugani et al (2001) desenvolveram um estudo que pretendeu examinar a atividade funcional do

cérebro de crianças expostas a privação precoce. Foi possível concluir que a população apresentava

dificuldades nas competências verbais e não verbais, atenção e concentração, motricidade global e

fina, linguagem e sociais. A maioria das crianças apresentava dificuldades ao nível do brincar,

poucas competências de utilização dos brinquedos, hiperatividade motora, dificuldade em cumprir

tarefas e brincar com os pares. Observaram-se também dificuldades sensoriais como sensitividade

auditiva e defesa tátil.

Num outro estudo sobre o desenvolvimento e desempenho do comportamento de crianças adotadas

internacionalmente com idade pré-escolar foi possível concluir que mais dramático do que as

dificuldades de linguagem, receção visual e competências motoras finas é a prevalência de

comportamentos de oposição, inatenção e hiperatividade. Para além disso comportamentos de

procura sensorial, dificuldades na regulação do comportamento, procura de estímulos

propriocetivos, visuais e táteis, assim como dificuldades em filtrarem a informação auditiva

relevante da não relevante (Jacobs et al., 2010).

Os mesmos autores afirmam que a identificação precoce destas problemáticas é importante para que

sejam dadas estratégias às famílias e as crianças sejam encaminhadas para intervenção em Terapia

Ocupacional com abordagem de Integração Sensorial, de forma a tentar prevenir problemas na

performance escolar, preservar a auto – estima das crianças e facilitar a integração das crianças nas

famílias.

Neste sentido o estudo de investigação tem como objetivo geral relacionar as desordens de

processamento sensorial apresentadas pelas crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 6

anos de idade institucionalizadas no Refúgio Aboim Ascensão com as dificuldades que as crianças

Trabalho de Projeto

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apresentam nas diferentes áreas do desenvolvimento. E como objetivos específicos, (1) verificar

qual o perfil sensorial apresentado pelas crianças, dos 3 aos 6 anos, institucionalizadas no RAA; (2)

verificar se existe uma correlação positiva entre o tempo de institucionalização e os resultados

obtidos no Perfil Sensorial e Questionário de Avaliação das Educadoras; (3) verificar quais as áreas

do desenvolvimento onde as crianças apresentam maiores dificuldades.

Metodologia

Participantes

O centro onde o estudo decorreu é uma instituição de acolhimento temporário e interdisciplinar de

crianças entre os 0 e os 6 anos de idade, em risco ou já vitimadas. As crianças dão entrada na

instituição por ordem do tribunal, da Comissão de Proteção das Crianças e Jovens e da Segurança

Social. Podem ser institucionalizadas logo após a saída do Hospital ou serem retiradas quando já se

encontram em contexto familiar.

Uma vez que o estudo foi restringido às crianças institucionalizadas no centro de acolhimento

temporário Refugio Aboim Ascensão, não foi necessário recorrer a um processo de amostragem, a

amostra foi constituída pelo total da população. Foram excluídas da amostra crianças com

alterações metabólicas (Síndrome de Down, entre outros), desordens neurológicas (Paralisia

Cerebral, atrasos de desenvolvimento psicomotor significativos, epilepsia) ou com deficiência

mental, para não comprometer o objetivo do estudo, uma vez que são crianças com lesão ou

alterações já estabelecidas.

A amostra do estudo foi constituída por 27 crianças em que 40,7% eram do sexo feminino (n=11) e

59,3% do sexo masculino (n=16). As idades variam entre os 2 anos e 11 meses e os 6 anos e os 3

meses e o tempo de institucionalização varia entre os 2 meses e os 5 anos e 5 meses.

As crianças estão divididas por salas sendo que foram avaliadas 7 crianças na sala dos 3 anos, 7

crianças na sala dos 4 anos e 7 crianças na sala dos 6 anos; na sala dos 5 anos foram avaliadas 6

crianças.

Trabalho de Projeto

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  GÉNERO

      Feminino Masculino Sala 3 Anos  2

28,6% 5

71,4% Sala 4 Anos  3

42,9% 4

57,1% Sala 5 Anos  3

50,0% 3

50,0% Sala 6 Anos  3

42,9% 4

57,1%   11

40,7% 16

59,3%

Instrumentos

Questionário Perfil Sensorial (QPS)

O Questionário Perfil Sensorial da autoria de Winnie Dunn (1999), destina-se a avaliar o impacto de

experiências sensoriais no funcionamento ocupacional da criança no seu contexto natural (casa,

escola, comunidade) em crianças dos 3 aos 11 anos (Ermer & Dunn, 1998).

O Questionário Perfil Sensorial é constituído por 125 itens / questões que traduzem

comportamentos que podem ser observados na criança quando esta interage com o seu meio

ambiente. Deverá ser preenchido pelos pais ou cuidadores, visto serem as pessoas que melhor

conhecem a criança, é-lhes pedido que assinalem com um X a resposta que melhor descreve a

frequência ou a intensidade com que a criança manifesta um determinado comportamento.

A validade de conteúdo do Perfil Sensorial foi estabelecida através da análise e opinião de oito

peritos com conhecimentos teórico-práticos na área da integração sensorial. Estes avaliaram o

significado dos itens, a distribuição dos itens pelas secções e o sistema de classificação e pontuação

do questionário (Dunn, 1999).

Para a validade de construção, os investigadores procederam à validade convergente e validade

divergente. Estas foram estabelecidas através da utilização de um outro instrumento de medida

designado por “School Function Assessment”. Para o processo de validação foram também

utilizadas a análise fatorial (com o objetivo de relacionar e agrupar os 125 itens por fatores) e a

consistência interna. O cálculo utilizado para examinar a consistência interna do teste, Alpha de

Cronobach, indica que os valores para as várias secções variam entre 0.47 a 0.91 (Dunn, 1999).

Quadro 1: Caraterização da Amostra

Trabalho de Projeto

10

Ermer e Dunn (1998) verificaram que o Perfil Sensorial permitia não só recolher informações

acerca do processamento sensorial da criança, mas também permitia discriminar o perfil sensorial

entre crianças com e sem problemas.

O Perfil Sensorial propõe-se a avaliar o possível contributo do processamento sensorial no

desempenho diário da criança e facilitar informação sobre como a criança reage aos vários

estímulos e como os sistemas sensoriais podem contribuir ou criar barreiras no desempenho

ocupacional. As respostas são indicadas pela frequência (sempre, frequentemente, ocasionalmente,

raramente e nunca, em que “sempre” vale um ponto e “nunca” vale cinco pontos) em que a criança

responde às várias experiências sensoriais. O perfil reflete sobre os seguintes grupos: 1-

Processamento Sensorial (seis categorias): A – Processamento auditivo; B – Processamento visual;

C – Processamento vestibular; D – Processamento táctil; E – Processamento multisensorial; F –

Processamento sensorial oral; 2 - Modulação (cinco categorias): G – Processamento sensorial

relacionado com o endurance/tónus; H – Modulação relacionada com o movimento e a posição do

corpo; I – Modulação de movimento que afeta o nível de atividade; J – Modulação do input

sensorial que afeta as respostas emocionais de atividade e K – Modulação do input visual que afeta

as respostas emocionais e o nível de atividade; 3 - Respostas Emocionais e Comportamentais (três

categorias): L – Respostas emocionais / sociais; M – Comportamentos resultantes do processamento

sensorial e N – Itens que indicam respostas de acordo com o limiar neurológico.

Todos os itens foram submetidos a um estudo com base na análise fatorial, tendo sido distribuídos e

agrupados em nove fatores que correspondem a padrões de comportamento relacionados com o

processamento sensorial e que podem ser observados na criança: Fator 1: Procura sensorial; Fator 2:

Reação emocional; Fator 3: Baixo endurance / tónus; Fator 4: Sensibilidade sensorial oral; Fator 5:

Inatenção / distratibilidade; Fator 6: Registo pobre; Fator 7: Sensibilidade sensorial; Fator 8:

Sedentarismo; e Fator 9: Motricidade fina / percetiva.

O Questionário do Perfil Sensorial demora cerca de 30 minutos a ser preenchido, para a cotação das

secções e fatores (processamento sensorial da modulação e respostas emocionais) realiza-se a soma

de cada secção e de cada fator, feita a soma verifica-se numa grelha de cotação se o valor final está

entre os valores considerados “Típicos” (processamento sensorial típico), “Provavelmente

Diferentes” (áreas do processamento sensorial problemáticas) ou “Definitivamente Diferentes”

(problemas no processamento sensorial).

Trabalho de Projeto

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Questionário de Avaliação das Educadoras de Infância (QAEI)

O Questionário de Avaliação das Educadoras de Infância trata-se de uma Check-List desenvolvida

pelas mesmas com o objetivo de avaliar as competências das crianças em diferentes áreas do

desenvolvimento pedagógico. Estabelece como principio geral que “a Educação Pré-Escolar é a

primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar

da ação educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita relação favorecendo a formação e

o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como

ser autónomo, livre e solidário” (Silva, 1997). É um instrumento de avaliação que não está validado,

é desenvolvido por cada educadora tendo em conta as orientações curriculares do Ministério da

Educação. Estas orientações constituem um conjunto de princípios para apoiar o educador nas

decisões sobre a sua prática, ou seja, para conduzir o processo educativo a desenvolver com as

crianças.

As orientações curriculares constituem uma referência comum para todos os educadores da Rede

Nacional de Educação Pré-Escolar e destinam-se à organização da componente educativa. Não são

um programa, pois adotam uma perspetiva mais centrada em indicações para o educador do que na

previsão de aprendizagens a realizar pelas crianças. As Orientações Curriculares assentam nos

seguintes fundamentos articulados: (a) o desenvolvimento e aprendizagem como vertentes

indissociáveis; (b) o reconhecimento da criança como sujeito do processo educativo; (c) a

construção articulada do saber; (d) a exigência de resposta a todas as crianças (Silva, 1997).

Com suporte nestes fundamentos, o desenvolvimento curricular, da responsabilidade do educador,

terá em conta: (a) os objetivos gerais; (b) a organização do ambiente educativo; (c) as áreas de

conteúdo – que constituem as referências gerais a considerar no planeamento; (d) avaliação das

situações e oportunidades de aprendizagem.

Distinguem-se três áreas de conteúdo: Área de Formação Pessoal e Social; - Área de

Expressão/Comunicação que compreende três domínios: (a) domínio das expressões com

diferentes vertentes – expressão motora, expressão dramática, expressão plástica e expressão

musical; (b) domínio da linguagem e abordagem à escrita; (c) domínio da matemática; Área de

Conhecimento do Mundo que abrange dois aspetos: (a) a continuidade educativa; (b) a

intencionalidade educativa.

Tendo em conta as áreas de conteúdo as educadoras desenvolvem uma Check-List que está dividida

pelas áreas sugeridas: Área de Formação Pessoal e Social – Socialização; Autonomia; e

Trabalho de Projeto

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Comportamento Cívico; Áreas de Expressão/Comunicação – Expressão Motora, Expressão plástica,

Expressão Musical, Expressão dramática, domínio da linguagem e abordagem à escrita, domínio da

matemática; e Área de conhecimento do mundo (Silva, 1997).

O QAEI é aplicado pela educadora responsável pelo grupo de crianças, a cada uma delas, sendo que

a chave da pontuação é Sim, Às vezes e Não. Ou seja, indica se o conhecimento/comportamento da

criança está adquirido, emergente ou não adquirido.

Procedimento

Numa primeira fase foi redigido e entregue um pedido de autorização à direção do centro de

acolhimento temporário para pedir a autorização da aplicação dos testes no contexto institucional e

dar conhecimento dos objetivos do estudo de investigação. Este pedido foi dirigido ao Diretor da

instituição, uma vez que como as crianças residem em contexto institucional este é o responsável

pelas mesmas.

Após a autorização por parte da direção, foi organizada uma reunião com as educadoras de infância

das salas dos 3, 4, 5 e 6 anos de idade, na qual em primeiro foi explicado o objetivo do estudo, em

seguida foi pedida a autorização das educadoras de infância para a utilização dos dados do

questionário de avaliação do primeiro período escolar de cada uma das crianças. Por fim foi

explicado o instrumento de avaliação Questionário Perfil Sensorial e foram entregues os

questionários. Estabeleceu-se um prazo de um mês para a entrega dos mesmos devidamente

preenchidos.

Após a receção dos QPS e a recolha de dados dos QAEI, procedeu-se à elaboração de uma base de

dados para tratamento estatístico dos resultados obtidos em ambos os testes. O programa utilizado

para o efeito foi o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS).

Resultados

Neste capítulo vão ser descritos os resultados face aos objetivos delineados para este estudo. O

objetivo geral do estudo consistia em relacionar as desordens de processamento sensorial

apresentadas pelas crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 6 anos de idade

institucionalizadas no Refúgio Aboim Ascensão com as dificuldades que as crianças apresentam

nas diferentes áreas do desenvolvimento. Para isso efetuou-se uma análise de correlação de

Trabalho de Projeto

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Spearman entre os testes Questionário do Perfil Sensorial e Questionário de Avaliação das

Educadoras de Infância (Quadro 2).

Quadro 2 – Resultados da relação entre o QPS e o QAEI FPS CM LING MAT EM ED EP EMUS

Spearman's rho PSPA Correlation Coefficient ,387* ,637** ,437* ,439* ,431* ,461* ,228 ,420*

Sig. (2-tailed) ,046 ,000 ,023 ,022 ,025 ,015 ,253 ,029

N 27 26 27 27 27 27 27 27

PSPV Correlation Coefficient ,263 ,557** ,382* ,436* ,316 ,331 ,171 ,263

Sig. (2-tailed) ,184 ,003 ,049 ,023 ,108 ,092 ,393 ,186

N 27 26 27 27 27 27 27 27

PSPT Correlation Coefficient ,301 ,519** ,396* ,427* ,244 ,305 ,195 ,259

Sig. (2-tailed) ,127 ,007 ,041 ,026 ,220 ,122 ,329 ,192

N 27 26 27 27 27 27 27 27

PSPM Correlation Coefficient ,238 ,517** ,559** ,490** ,537** ,037 ,368 ,169

Sig. (2-tailed) ,232 ,007 ,002 ,009 ,004 ,853 ,059 ,400

N 27 26 27 27 27 27 27 27

PSPSO Correlation Coefficient ,013 ,353 ,458* ,397* ,281 -,078 ,215 ,241

Sig. (2-tailed) ,949 ,077 ,016 ,040 ,156 ,699 ,282 ,226

N 27 26 27 27 27 27 27 27

PSRE Correlation Coefficient -,116 ,081 -,025 -,124 -,054 ,175 -,414* -,106

Sig. (2-tailed) ,566 ,695 ,902 ,539 ,788 ,382 ,032 ,598

N 27 26 27 27 27 27 27 27

PSRES Correlation Coefficient ,375 ,606** ,609** ,529** ,642** ,192 ,383* ,384*

Sig. (2-tailed) ,054 ,001 ,001 ,005 ,000 ,337 ,049 ,048

N 27 26 27 27 27 27 27 27

PSCPS Correlation Coefficient ,384* ,528** ,350 ,271 ,151 ,472* ,089 ,199

Sig. (2-tailed) ,048 ,006 ,074 ,171 ,453 ,013 ,659 ,320

N 27 26 27 27 27 27 27 27

PSMPC Correlation Coefficient ,469* ,458* ,429* ,775** ,603** ,015 ,644** ,127

Sig. (2-tailed) ,014 ,019 ,026 ,000 ,001 ,939 ,000 ,529

N 27 26 27 27 27 27 27 27

* Correlation is significant at the 0.05 level (2-tailed). ** Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed).

Constatou-se que em relação ao Processamento auditivo existiram correlações positivas com as

áreas de Formação Pessoal Social (FPS) (p 0,046), Conhecimento do Mundo (CM) (p 0,000),

Linguagem (LING) (p 0,023), Matemática (MAT) (p 0,022), Expressão Motora (EM) (p 0,025),

Expressão Dramática (ED) (p 0,015) e Expressão Musical (EMUS) (p 0,029). O processamento

visual apresentou correlações com as áreas CM (p 0,003), LING (p 0,049) e MAT (p 0,023); o

processamento tátil com as áreas CM (p 0,007), LING (p 0,041) e MAT (p 0,026); o processamento

multissensorial com CM (p 0,007), LING (p 0,002), MAT (p 0,009) e EM (p 0,004). Existiram

também correlações entre o processamento sensorial – oral e as áreas da LING (p 0,016) e MAT (p

Trabalho de Projeto

14

0,040); a modulação do input sensorial que afeta as respostas emocionais e a área da expressão

plástica (EP) (p 0,032); entre as respostas emocionais/sociais e as áreas CM (p 0,001), LING (p

0,001), MAT (p 0,005), EM (p 0,000), EP (p 0,049) e EMUS (p 0,048); entre os comportamentos

resultantes do processamento sensorial e as áreas FPS (p 0,048), CM (p 0,006) e ED (p 0,013). E

ainda entre a modulação relacionada com o movimento e a posição do corpo e as áreas FPS (p

0,014), CM (p 0,019), LING (p 0,026), MAT (p 0,000), EM (p 0,001) e EP (p 0,000).

O primeiro objetivo específico do estudo pretendia verificar qual o perfil sensorial apresentado

pelas crianças, dos 3 aos 6 anos, institucionalizadas no RAA. Através de uma análise de frequências

apresentada no Quadro 3 foi possível observar os resultados obtidos relativamente aos fatores do

QPS.

Quadro 3 – Resultados para os fatores do QPS

Diferenças definitivas

Diferenças prováveis

Desempenho normal Total

F1 - Procura Sensorial Freq. 4 2 21 27

% 14,8% 7,4% 77,8% 100,0%

F2- Reação Emocional Freq. 4 5 18 27

% 14,8% 18,5% 66,7% 100,0%

F3- Baixo Endurance/Tónus

Freq. 11 1 15 27

% 40,7% 3,7% 55,6% 100,0%

F4-Sensibilidade Sensorial Oral

Freq. 2 2 23 27

% 7,4% 7,4% 85,2% 100,0%

F5-Inatenção/ Distratibilidade

Freq. 6 4 17 27

% 22,2% 14,8% 63,0% 100,0%

F6-Registo Pobre Freq. 5 5 17 27

% 18,5% 18,5% 63,0% 100,0%

F7-Sensibilidade Sensorial

Freq. 5 3 19 27

% 18,5% 11,1% 70,4% 100,0%

F8-Sedentarismo Freq. 5 0 22 27

% 18,5% ,0% 81,5% 100,0%

F9-Motricidade Fina/ Percetual

Freq. 1 4 22 27

% 3,7% 14,8% 81,5% 100,0%

Observou-se que os fatores do QPS que apresentaram uma percentagem menor no Desempenho

Normal foram o Baixo Endurance e Tónus (55,6%), Inatenção/Distratibilidade (63,0%) e Registro

Pobre (63,0%).

Trabalho de Projeto

15

Em relação aos setores do QPS através dos resultados apresentados no Quadro 4 observou-se que

apresentavam uma percentagem menor no Desempenho Normal no Processamento Sensorial

relacionado com a Endurance/Tónus (55,6%), Processamento Multisensorial (59,3%) e com as

Respostas Emocionais/Sociais (51,9%).

Quadro 4 – Resultados para os setores do QPS

Diferenças definitivas

Diferenças prováveis

Desempenho Normal Total

SA-Processamento Auditivo

Freq. 2 4 21 27

% 7,4% 14,8% 77,8% 100,0%

SB-Processamento Visual Freq. 0 3 24 27

% ,0% 11,1% 88,9% 100,0%

SC-Processamento Vestibular

Freq. 6 2 19 27

% 22,2% 7,4% 70,4% 100,0%

SD-Processamento Táctil Freq. 1 2 24 27

% 3,7% 7,4% 88,9% 100,0%

SE-Processamento Multisensorial

Freq. 5 6 16 27

% 18,5% 22,2% 59,3% 100,0%

SF-Processamento Sensorial Oral

Freq. 2 3 22 27

% 7,4% 11,1% 81,5% 100,0%

SG-Processamento relacionado com a Endurance/Tónus

Freq. 11 1 15 27

% 40,7% 3,7% 55,6% 100,0%

SH-Modulação relacionada com o movimento e a posição do corpo

Freq.

3 5 19 27

% 11,1% 18,5% 70,4% 100,0%

SI-Modulação do movimento que afecta o nível de Actividade

Freq. 1 4 22 27

% 3,7% 14,8% 81,5% 100,0%

SJ-Modulação do Input Sensorial que afeta as respostas emocionais

Freq. 3 3 21 27

% 11,1% 11,1% 77,8% 100,0%

SK-Modulação do Input Visual que as respostas emocionais e o Nível de Actividade

Freq.

0 8 19 27

% ,0% 29,6% 70,4% 100,0%

SL-Respostas Emocionais/Sociais

Freq. 7 6 14 27

% 25,9% 22,2% 51,9% 100,0%

SM-Comportamentos resultantes do Processamento Sensorial

Freq. 4 4 19 27

Trabalho de Projeto

16

% 14,8% 14,8% 70,4% 100,0%

SN-Itens que indicam resposta de acordo com o Limiar Neurológico

Freq. 0 4 23 27

% ,0% 14,8% 85,2% 100,0%

O segundo objetivo específico do estudo pretendia verificar se existia uma correlação positiva entre

o tempo de institucionalização e os resultados obtidos no QPS e QAEI, observando-se através da

correlação de Spearman que a única correlação existente é entre o tempo de institucionalização e a

avaliação da Área da Matemática (avaliada no QAEI) em que o p é 0,043.

Por fim verificou-se quais as áreas do desenvolvimento onde as crianças apresentam maiores

dificuldades e observou-se que são ao nível das áreas da expressão musical (59,1%), linguagem

(61,70%) e expressão plástica (65,97%) (figura 1).

Figura 1 – Resultados das dificuldades nas áreas do desenvolvimento.

Discussão dos Resultados

Os resultados do estudo vieram suportar a hipótese de que existiam correlações entre as desordens

de processamento sensorial e as dificuldades que as crianças apresentavam nas diferentes áreas do

desenvolvimento. Segundo DeGangi (1991) problemas ao nível do processamento sensorial

poderão levar a dificuldades nas capacidades percetivas, no desenvolvimento da linguagem, na

integração sensorial e na expressão das emoções em crianças com idade pré-escolar.

Trabalho de Projeto

17

O sistema tátil tem influência em competências como a perceção visual, planeamento motor,

consciência corporal, aquisição de competências académicas, segurança emocional e competências

sociais; o sistema propriocetivo contribui para o controlo motor e planeamento motor e influencia a

capacidade de expressão corporal e habilidade para movimentarmos as partes do nosso corpo

(Kranowitz, 1998); o sistema vestibular tem influência sobre o tónus muscular, controlo do

movimento motor, arousal (nível de alerta da criança), controlo oculomotor, entre outros; o sistema

visual tem influência em competências como a perseguição ocular, memória visual, discriminação

figura-fundo e competências visuo-motoras, que poderão interferir com a aprendizagem da leitura e

da escrita, atenção e competências sensório – motoras; o sistema auditivo tem influência na atenção,

capacidade de tolerar os diferentes sons, equilíbrio, capacidade de mudar de atividade, as

competências de fala e linguagem, entre outras (Cheatum & Hammond, 2000).

Na população estudada existiram correlações entre as áreas do desenvolvimento avaliadas, sendo

estas, FPS, CM, LING, MAT, EM, ED, EP e EMUS e o processamento auditivo, processamento

visual, processamento tátil, processamento multissensorial, processamento sensorial – oral,

modulação do input sensorial que afeta as respostas emocionais, respostas emocionais/sociais,

comportamentos resultantes do processamento sensorial e modulação relacionada com o

movimento e posição do corpo.

A informação sensorial dos diferentes sistemas sensoriais influencia as competências sensório –

motoras, cognitivas, percetivas, comportamentais e emocionais das crianças o que tem impacto no

desenvolvimento das mesmas e por conseguinte se reflete nas dificuldades que apresentam nas

diferentes áreas do seu desenvolvimento. Neste sentido justificam-se as correlações encontradas

entre os resultados do QPS e os resultados na avaliação do QAEI, como por exemplo a correlação

entre o processamento auditivo e a área da linguagem, o processamento visual e a área de

conhecimento do mundo, ou a modulação relacionada com o movimento e posição do corpo

(processamento vestíbulo – propriocetivo) e a área da expressão motora, tendo por base a teoria da

integração sensorial.

Chugani et al (2001) num estudo com crianças pós – institucionalizadas observaram alterações no

processamento sensorial, como dificuldades em lidar com ruido auditivo e defesa tátil, assim como

alterações ao nível da linguagem, memória, funções executivas, problemas de comportamento

incluindo dificuldades na atenção, raciocínio e dificuldades ao nível social. Jacobs et al (2010)

também concluíram no seu estudo com crianças adotadas internacionalmente em idade pré-escolar

que estas apresentavam problemas de comportamento (comportamentos de oposição, inatenção,

hiperatividade) e comportamentos de procura de informação sensorial. Existem vários estudos que

Trabalho de Projeto

18

compararam crianças institucionalizadas nos orfanatos da Roménia com crianças que vivem em

famílias e estes reportam dificuldades significativas ao nível do desenvolvimento e comportamento,

particularmente em crianças institucionalizadas por longos períodos de tempo (Ames e Carter,

1992; Chisholm, Carter, Ames e Morison, 1995; Marcovitch, Cesaroni, Roberts e Swanson, 1995;

Morison, Ames e Chisholm, 1995, citado por Cermak e Daunhauer, 1997).

Vários estudos sugerem que crianças institucionalizadas estão em risco de apresentar dificuldades

no desenvolvimento e no processamento sensorial, no entanto, nenhum deles relacionou as

dificuldades no desenvolvimento com as dificuldades no processamento sensorial.

Era expetável a correlação entre o processamento vestibular e áreas do desenvolvimento como a

EM e LING mas não foi observado. Uma justificação possível foi o facto do processamento

sensorial ter sido avaliado pelas educadoras de infância que conhecem as crianças

preferencialmente no contexto da sala, o que limita as experiências de movimento das crianças e a

observação das respostas destas ao estímulo vestibular. Ayres (1979, citado por Inamura, 1998)

defende que as crianças desenvolvem a habilidade para integrar imputes sensoriais, através do

sucesso da interação com o ambiente.

Relativamente à verificação de qual o perfil sensorial apresentado pelas crianças observou-se que os

fatores do QPS onde as crianças apresentaram uma percentagem menor no Desempenho Normal

foram o Baixo Endurance e Tónus, Inatenção/Distratibilidade e Registro Pobre; os setores foram

Processamento Sensorial relacionado com a Endurance/Tónus, Processamento Multisensorial e

Respostas Emocionais/Sociais. O Baixo Endurance e Tónus estão relacionados com o

processamento vestíbulo – propriocetivo, a inatenção/distratibilidade e as respostas

emocionais/sociais com o processamento tátil. Carmo (2008) estudou o processamento sensorial das

crianças entre os 4 e os 18 meses institucionalizadas no RAA e também observou que existiam

alterações no processamento sensorial, relacionadas com o processamento tátil e vestibular.

No estudo sobre o processamento sensorial com crianças pós-institucionalizadas observou-se que

apresentavam alterações nos seguintes domínios do processamento sensorial: toque, medo do

movimento, procura do movimento, visão e audição e nos seguintes domínios comportamentais:

nível de atividade, organização e competências sociais – emocionais (Cermak e Daunhauer, 1997).

Lin et al (2005) observaram que longos períodos de institucionalização estão associados com

disfunção da integração sensorial, que poderá ser manifestada por dificuldades no processamento

tátil, vestíbulo – propriocetivo, visual, auditivo e funções da praxis.

Trabalho de Projeto

19

Em relação à influência do tempo de institucionalização nas dificuldades ao nível do processamento

sensorial e do desenvolvimento, apenas foi observada correlação entre o tempo de

institucionalização e a área do desenvolvimento da Matemática. Jacobs et al (2010) observaram no

seu estudo que a idade da entrada na instituição tinha uma grande influência nos resultados do

desempenho das crianças nas áreas da linguagem, atenção, regulação, funções executivas e

processamento sensorial. Lin et al (2005) concluíram que as áreas de Integração Sensorial que

mostraram ser mais vulneráveis a condições de privação, na infância, eram relacionadas com os

sistemas vestíbulo – propriocetivo, tátil, visual, auditivo e também a praxis.

A área da Matemática relaciona-se com a praxis, processamento tátil (conhecimento do mundo que

fomenta o raciocínio abstrato), processamento visual, auditivo, vestíbulo – propriocetivo, entre

outros, neste sentido apesar de não terem existido correlações diretas entre o tempo de

institucionalização com itens do QPS, como era expectável, estas poderão estar inerentes.

No presente estudo examinou-se ainda quais as áreas do desenvolvimento onde as crianças

apresentavam mais dificuldades, observou-se que se tratavam das áreas da expressão musical,

linguagem e expressão plástica. Schaaf e Roley (2006) afirmam que crianças que crescem em

ambientes de privação por terem poucas oportunidades de exploração sensorial e motora estão em

risco ao nível do seu desenvolvimento. Chugani et al (2001) desenvolveram um estudo que

pretendeu examinar a atividade funcional do cérebro de crianças expostas a privação precoce e

concluíram que a população apresentava dificuldades nas competências verbais e não verbais,

atenção e concentração, motricidade global e fina, linguagem e sociais. No estudo referido

anteriormente Jacobs et al (2010) observaram que as crianças apresentavam comprometimento ao

nível da linguagem, receção visual e competências de motricidade fina. A área da expressão musical

e linguagem estão relacionadas, a área da expressão plástica relaciona-se com as competências de

motricidade fina, neste sentido os resultados referidos anteriormente vão de encontro aos resultados

do presente estudo.

Conclusão

O principal objetivo do estudo era relacionar as desordens de processamento sensorial apresentadas

pelas crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 6 anos de idade institucionalizadas no

Refúgio Aboim Ascensão com as dificuldades que as crianças apresentam nas diferentes áreas do

desenvolvimento.

Trabalho de Projeto

20

O objetivo foi atingido e conclui-se que existiam correlações entre os itens avaliados no QPS e as

áreas do desenvolvimento avaliadas no QAEI. As principais correlações encontradas foram entre o

Processamento Auditivo e as áreas do desenvolvimento FPS, CM, LING, MAT, EM, ED e EMUS;

Processamento Visual e as áreas CM, LING e MAT; Processamento Tátil e as áreas CM, LING e

MAT; Processamento Multisensorial e as áreas CM, LING, MAT e EM; Processamento Sensorial –

Oral e as áreas LING e MAT; Modulação do input sensorial que afeta as respostas emocionais e a

área da EP; Respostas Emocionais/Sociais e as áreas CM, LING, MAT, EM, ED e EMUS. E ainda

entre os Comportamentos resultantes do Processamento Sensorial e as áreas FPS, CM e ED; e

Modulação relacionada com o Movimento e a Posição do Corpo e as áreas FPS, CM, LING, MAT,

EM e EP.

As dificuldades que as crianças apresentam ao nível do processamento sensorial estão de alguma

forma a condicionar as suas aprendizagens e a forma como se relacionam com os outros, a boa

integração da informação sensorial poderá melhorar o desempenho das crianças nas diferentes áreas

do desenvolvimento, justificando-se deste modo a intervenção do Terapeuta Ocupacional junto

desta população, especificamente utilizando no seu raciocínio a Teoria de Integração Sensorial.

O primeiro objetivo específico do estudo pretendia verificar qual o perfil sensorial apresentado

pelas crianças, concluindo-se que ao nível dos fatores do QPS a menor percentagem de

Desempenho Normal foi no Baixo Tónus/Endurance, Inatenção/Distractibilidade e Registro Pobre.

Ao nível dos setores foi na Endurance/Tónus, Processamento Multisensorial e Respostas

Emocionais/Sociais.

Foi também averiguada a relação entre o tempo de institucionalização e os resultados obtidos no

QPS e QAEI, a única correlação encontrada foi entre o tempo de institucionalização e a área da

matemática. A área da matemática tem por base o raciocínio abstrato, competência pouco

estimulada num contexto institucional, uma vez que o dia – a – dia das crianças é organizado por

rotinas que se repetem sempre da mesma forma. Conclui-se deste modo que o raciocínio abstrato

deverá ser uma das áreas a estimular junto desta população.

Outra questão de investigação pretendia averiguar quais as áreas do desenvolvimento onde as

crianças apresentavam maiores dificuldades, observando-se que são as áreas da expressão musical,

linguagem e expressão plástica, concluindo-se que são áreas que devem ser estimuladas e uma vez

que apresentam correlações com a avaliação do processamento sensorial o TO poderá ter um papel

a este nível.

Trabalho de Projeto

21

No entanto, o estudo apresentou algumas limitações, nomeadamente o número reduzido de

participantes, o facto de os resultados do estudo estarem restringidos à população deste CAT e não

poderem ser generalizados às populações de outras instituições. Algumas crianças apresentavam

histórias clínicas de síndromes de abstinência, consumo de álcool por parte da mãe durante a

gravidez, entre outros, e histórias sociais de privação extrema quando em contexto familiar (antes

da entrada na instituição). Estes fatores influenciam por si só o desenvolvimento e maturação

cerebral, o que por consequência influencia as competências avaliadas no QPS. São crianças com

questões emocionais e de comportamento o que poderá ter condicionado o desempenho das tarefas

exigidas nas provas dos testes de avaliação.

Ambos os instrumentos de avaliação foram preenchidos pelas educadoras de infância, as mesmas

conhecem preferencialmente as crianças em contexto de grupo, o que poderá condicionar as

respostas pois por vezes as crianças apresentam comportamentos diferentes quando se encontram

em contexto individual.

Para além disso, as crianças de todas as salas tinham intervenção da Terapia Ocupacional em

contexto de grupo e algumas crianças das salas tinham intervenção em contexto individual,

beneficiando também de intervenção noutras áreas (Terapia da Fala e Fisioterapia). Este fator

poderá também ter influenciado os resultados obtidos nos testes de avaliação.

No entanto, com os resultados obtidos pode concluir-se que o desenvolvimento do estudo contribui

para a tomada de consciência da pertinência da intervenção do Terapeuta Ocupacional junto desta

população, inserido numa equipa multidisciplinar. Esta intervenção, numa fase precoce, poderá

prevenir desordens no processamento sensorial, a fim de promover um desenvolvimento

harmonioso e por conseguinte um desempenho ocupacional adequado.

No decorrer deste estudo surgiram ideias para futuras investigações, nomeadamente um estudo

comparativo entre crianças institucionalizadas com esta faixa etária e crianças não

institucionalizadas em que se avalie e relacione o processamento sensorial e as áreas do

desenvolvimento, de forma a dar continuidade ao presente estudo; estudar também crianças

institucionalizadas noutras instituições de forma a perceber se pelo facto das crianças do RAA

beneficiarem de intervenção terapêutica apresentam melhores competências no seu

desenvolvimento. Poderia também ser feito um estudo longitudinal em que se avaliaria inicialmente

as crianças que beneficiam de intervenção da Terapia Ocupacional (em contexto de sala) e após 9

meses de intervenção para perceber se existia evolução. Seria ainda importante a realização de

estudos longitudinais com crianças pós-institucionalizadas, de forma a compreender como a

Trabalho de Projeto

22

privação de experiências sensoriais precoces poderão ter impacto no desempenho ocupacional da

criança, ao longo do seu desenvolvimento.

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