primeira mão 132

32
Presos dependentes químicos Homens e feminismo Moradores de rua Bares na Lama 10 13 21 24 Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da Ufes 132 edição maio 13 mão primeira vende-se um sonho 18

Upload: primeira-mao-revista-laboratorio-ufes

Post on 18-Mar-2016

246 views

Category:

Documents


12 download

DESCRIPTION

Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da Ufes.

TRANSCRIPT

Page 1: Primeira Mão 132

Presos dependentes químicos

Homens e feminismo

Moradoresde rua

Baresna Lama10 13 21 24

Revista Laboratório do Curso de Comunicação

Social da Ufes

132edição

maio

13 mãoprimeira

vende-seum sonho

18

Page 2: Primeira Mão 132

06

18

Petiscosna Lama

Entrevista

Capa

Page 3: Primeira Mão 132

EditorialDisciplinas laboratório sempre são desafi adoras. Em muitos casos, é a primeira vez em que nós, universitários, começa-mos a praticar aquilo que estudamos por tanto tempo, com tantos livros e autores diferentes. Para comprovar ou, melhor ainda, rechaçar a teoria. Na prática da revista, o desafi o é ir além do factual, do fato cru e concreto: precisamos buscar a refl exão, o pensamento crítico, até fi losofar quando necessário.

Mas não só na revista. É notória a atuação de um profi ssional que pensa além e tem uma visão holística, sistêmica. No jornalismo, esse esforço a mais é fundamental. Como iniciantes que somos – ou focas, como chamam os repórteres ca-louros nas redações – quisemos levar ao público essa visão. Afi nal, debater ideias é enriquecedor e interessante, ainda mais se forem divergentes.

Talvez seja até pretensioso pensar assim, utópico demais. Mas estamos só no início. Se pudermos levar um pouquinho do que aprendemos com cada matéria para a vida e para o jornalismo, de pouquinho em pouquinho construiremos um mundo de novidades.

Esta é a terceira e última edição da nossa turma. Esperamos que goste.Sentiremos saudades.

24

4

expedientePrimeira Mão é uma revista laboratório, produzida pelos alunos do 6º período do curso de Comunicação Social - Jornalismo.

Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras | Vitória - ES CEP 29075-910 . Ano XXIII, número 132.

Semestre 2012/2.

Problemasde audição 0810

1627

29

Subutilizaçãodo estágioPetiscos

na Lama

Perfi

l

Reportagem:Any ComettiAstrid MalacarneClerisson SouzaDaiane DelpupoEduardo DiasEsther RadaelliFábio AndradeHenrique Montovanelli

Inglydy RodriguesIsabella MarianoIzabelly PossattoJéssica RomanhaKarolina LopesKauê ScarimLeonardo RibeiroLeone OliveiraLívia Corbellari

Lucas RochaMaíra MendonçaMichelle TerraNaiara GomesPatrícia GarciaRafael SilvaRhayan LemesViviane Machado

Edição e Revisão:Any ComettiAstrid MalacarneDaiane DelpupoIsabella Mariano

Professor Orientador:Rafael Paes Henriques

Projeto Gráfi co:Esther RadaelliIsabella MarianoThaiana GomesViviane Machado

Diagramação:Any ComettiEsther RadaelliInglydy RodriguesIsabella MarianoIzabelly PossattoMaíra MendonçaThaiana GomesRhayan LemesViviane Machado

Futebol eprefeituras

Jogosde azar

Primeira Mão

Tiragem: 800 exemplares

[email protected]

Impressão: Gráfi ca Universitária

Coisa dehomem?

Page 4: Primeira Mão 132

4 Primeira Mão | Maio de 2013

PERFIL por KAROLINA LOPES “Só não sei tocar acordeom e

instrumentos de sopro”, afirma.

Violão, cavaquinho e instrumentos de

percussão fazem parte da rotina do sambista.

Foto: Inglydy Rodrigues

Page 5: Primeira Mão 132

5Primeira Mão | Maio de 2013

por ISABELLA MARIANOPERFIL

Simplicidade, alegria, carisma e paixão pela música fazem parte dessa figura que já é uma referência para o samba capixaba

Nascido e criado no Espírito Santo, Edson Papo Furado tem 74 anos de muita expe-riência e vive há mais de 60 anos em Vitória. Além disso, ele é o intérprete oficial da mais antiga escola de samba do município, a Unidos da Piedade. Aos nove

anos, mudou-se da Serra para o bairro da Piedade, no Centro de Vitória, onde se envol-veu com o Bloco Amarra o Burro. Foi desse agrupamento que surgiu, em 1955, a escola de samba da qual Papo Furado faz parte. “A Escola de Samba pra mim é a minha casa, é como a minha família”, afirma.

Durante 42 anos, viveu ao lado da sua primeira esposa, já falecida, a qual, em entrevista, chamou de “verdadeira”. Teve tantos filhos que perdeu as contas, mas garante ter oito bisnetos e já espera mais um. Atualmente, vive com Alice há pouco mais de 10 anos e, sobre isso, diz: “uma panela seca não cozinha”.

Quem conversa com Papo, como muitos de seus amigos carinhosamente o chamam, por pelo menos uma hora, já consegue perceber a simplicidade com que, alegremente, leva sua vida. Papo Furado viu crescer muitos dos instrumentistas da Unidos da Piedade e, com orgulho, afirma: “nossa cultura não deixa criança na rua”. Para ele, o estímulo ao estudo e à busca da sabedoria se dá, também, por meio da música e do ensino do samba. Quando está cantando, confessa que, às vezes, esquece a letra. “Mas tem músicas que me lembram de coisas e eu começo a chorar”, diz. Mesmo com quase seis décadas atuando no samba, Papo não pensa em se aposentar da música e, com uma metáfora, resume o que sente: “enquanto estiver úmido, existe água ali”.

Ele é uma personalidade conhecida no Centro, de quem muitos se sentem honrados em conhecer. No bar, pessoas dentro ou fora dos carros o cumprimentam, gritam seu nome e, alguns, intimamente, dizem: “É tudo papo furado!”. Não anda sem sua bengala, sem seus óculos que não servem para muita coisa – pois quase não enxerga – e sem sua mo-chila com toalhas coloridas e um abridor de latas que tira gargalhadas das pessoas para quem ele ousa mostrar.

A origem do seu apelido não poderia ser diferente: vem do samba. Ele conheceu a músi-ca “Mudando de Conversa”, composição de Hermínio Bello de Carvalho, por meio de um radinho de pilha. A canção traz a seguinte estrofe: “Mudando de conversa onde foi que ficou / Aquela velha amizade / Aquele papo furado todo fim de noite / Num bar do Le-blon”. Após conseguir tocá-la com o violão, ele contava a novidade aos amigos, sempre que os encontrava nos bares. Volta e meia, pediam repetidamente que tocasse “aquela do papo furado”. Nesse jogo de palavras, acabou sendo chamado de Papo Furado e faz questão de deixar claro que Edson é apenas seu codinome.

No carnaval, ele diz que começa os dias cantando os versos iniciais da popular canção de Luiz Bonfá e Antônio Maria, “Manhã de Carnaval”, que dizem “Manhã, tão bonita manhã / Na vida, uma nova canção”. Com a ajuda das filhas, veste-se de mulher, coloca peruca, manda fazer um salto alto e se diverte com o samba das festas. E quando lhe dizem “Você é um velhinho bem vagabundo”, ele responde, sinceramente, “Graças a Deus!”.

Papo diz querer viver até os 202 anos, porque quando estivesse com 200, teria mais dois anos para fazer tudo o que quisesse. E, apaixonado, declara-se “O samba é a minha ca-chaça, meu fortificante. Sem isso não dá pra mim”.

Papo FuradoEdson

Page 6: Primeira Mão 132

por ANY COMETTIENTREVISTA

Maria ClaraA luta da mulher que, dando um lar a

quem não tinha, fez surgir bairros inteiros

Dona Maria Clara fundou o Movimento Nacional de Luta Pela Moradia (MNLM) | Foto: Izabelly Possatto

Os 28 bairros que formam a região da Grande Terra Vermelha, em Vila Velha, nasceram de uma luta que já dura 33 anos. Da fé e do es-

forço da Dona Maria Clara da Silva, 76, o Movimen-to Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) tomou corpo e hoje é o responsável pela origem de vários bairros de moradias populares em todo o Brasil. Sem um número exato, calcula-se que, somente no município canela-verde, mais de mil casas tenham sido construídas pelas reivindicações dos militantes, principalmente de Dona Maria Clara.

Pela representatividade dessa luta, foi homenagea-da por estudantes da Ufes ao batizarem o Centro Acadêmico Livre de Psicologia “Maria Clara da Sil-va”. Foi analfabeta até os 43 anos, o que nunca a impediu de ir à missa e fazer catequese. Pedia que as pessoas lessem a bíblia para ela, ou qualquer ou-tra coisa que tinha vontade de aprender. Nunca teve vergonha disso. “Ninguém faz nada sozinho. Eu não fiz nada sozinha”.

Mineira de Aimorés, veio para o estado há 56 anos, em busca de médico para um dos filhos. Aqui, tra-balhou como lavadeira por anos. Com ajuda da filha, também Maria Clara, que ainda criança vendia bo-linhos e café na obra do Hospital Evangélico, cons-truiu a casa em que mora até hoje, no bairro Aribiri, onde o movimento deu seus primeiros passos.

Foi vereadora de Vila Velha no final da década de 80 e tem orgulho de ter sido uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores (PT) no município. Mulher de muita fé, defende que a terra é um bem criado por Deus para bom usufruto e opina que ter uma moradia é ter cidadania. “A gente se dá ao luxo de ser dono, mas a gente não é dono nem da gente mesmo”.

“Quando a gente ocupava, tinha gente que falava: ‘são os invasores’. Eu dizia: ‘não somos invasores, o povo que

precisa não invade’. Nós moramos no Brasil, numa terra

natal, a gente não invade o berço que a gente tem”

Page 7: Primeira Mão 132

Como o Movimento começou?Eu participava, e participo até hoje, da Igreja Cató-lica São Vicente de Paula, em Vila Velha. Estávamos no auge da igreja viva, quando os padres pararam de celebrar a missa de costas para o povo. Um dia, veio uma ocupação no mangue do Aribiri. Eu fui pra lá e dei direção. Foi Deus, porque passar o que eu passei, outros talvez deixariam pra lá. O povo foi despeja-do e eu passei a acompanhar aquele pessoal. E a luta foi forte, foi de polícia, de desmancha barraco. Então, pedi ao bispo e coloquei todos na porta da igreja. Os que não cabiam ficaram na rua na frente e ali hoje tem o bairro D. João Batista, o primeiro bairro organi-zado pelo movimento.

O prefeito, antes de começar a aterrar o mangue pra construir casa, chamou a televisão e mostrou no jor-nal, que a área de mangue toda seria aterrada e dada pro pessoal. Daí o pessoal ia à prefeitura e ele man-dava me procurar na igreja, mas não tinha lugar pra todo mundo. Marquei com eles, dalí a 30 dias, uma reunião. E fiz isso com todos que vieram. Eu achei que esse povo ia e não voltava. Olha, que engano meu! No dia da reunião, fizemos uma lista de presença com 502 famílias.

A igreja e o pátio da igreja ficaram lotados de gente. Quando eu cheguei lá e vi aquele povo, pedi a Jesus Cristo que me desse força e coragem. Comecei a falar com o pessoal e até hoje eu me pergunto o que eu fa-lei, que segurei aquele povão todinho, pra de mês em mês fazer reunião com eles. E isso só foi crescendo.

Chamei os bairros que estavam ali e criei as coorde-nações das regiões 1, 2, 3, 4 e 5, com um primeiro e um segundo representante de cada bairro pra fazer-mos uma reunião a cada duas semanas pra atender as pessoas e distribuí-las nos bairros. Vários bairros no estado foram formados, mas o movimento nasceu aqui, no Aribiri. Depois nasceram outros movimentos, é como uma árvore que tem vários galhos. Cada um tem um jeito de fazer a luta. A necessidade, a criação, foi justamente pra gente acabar com a miséria. Deus não gosta de miséria, Deus é rico de bondade e de misericórdia. A gente quer um dia que, nesse mundo e nesse país, as pessoas sejam respeitadas como ser humano, como gente, como vida.

Todas as casas têm saneamento básico, como es-goto e água?No projeto, tem. E quando a gente ocupava uma que não tinha, a gente reivindicava. Se o poder público não desse conta de colocar água nem luz lá, a gente fazia gato. Comprava fio, colocava, comprava mangueira, furava poço. Mas sempre demos nosso jeito de viver. É duro. É sofrido. Mas a gente é capaz quando temos coragem, fé em Deus primeiro. A gente consegue hu-manizar e viver e é assim que nosso povo vive em muitos lugares.

Quando a gente ocupava, tinha gente que falava: “são os invasores”. Eu dizia: “não somos invasores, o povo que precisa não invade”. Nós moramos no Brasil, numa terra natal, a gente não invade o berço que a

gente tem, a gente ocupa esse berço, dorme nele. E é preciso colocar um colchãozinho, uma esteirinha, um balaiozinho pra dormir.

Quando pedem as casas, vocês alinham isso à construção de creches, escolas, hospitais?Corretamente, minha filha. Essa é a dureza que nós sempre enfrentamos. Porque onde tem uma moradia cidadã, tem que ter todas as suas políticas juntas.

Nós temos que ter tudo isso: água, luz, creche, escola, segurança, lazer. Nós reivindicamos isso completa-mente, não queremos nada de pedaço. Mas tudo che-ga aos poucos. Primeiro, é a questão da terra. Depois da terra, lutar pra ter o projeto da casa e do bairro. Aí tem que fazer outro projeto, onde vai caber a escola, a segurança, o transporte, o meio ambiente. Isso é um conjunto de políticas públicas pra cidadania.

Como é a relação da Sra. com outros movimentos sociais, como o MST?É na igualdade, desde que cada um faça a maneira que eu acho que deva ser feita, eu faço a minha parte, e é feita a parte deles se eu concordar que está acor-dando com esse tipo de pensamento de trabalhar por um mundo melhor, uma cidade melhor para a coleti-vidade, para todos.

Como é a sua relação com o PT?O PT nasceu dentro da linha de reflexão das condi-ções de igualdade para todos. Então, cada grupo que discute tem que discutir nessa linha, uma linha de partilha, de bens comuns, nada na individualidade. É lógico que a gente vai conviver com isso até ter outra ordem, outro tipo de ordem criada no Brasil ou no mundo, porque nós, as nossas cabeças, não pensam igual. Eu acho que nós, pra fazer qualquer trabalho, temos que sentar e pensar de acordo com essas refle-xões. Discutir o acordo, o desacordo, e bater o marte-lo em cima daquilo que foi negociado e acordado nas falas, no pensamento, o melhor caminho.

Sou petista até hoje. Fui vereadora pelo PT, faço parte da direção do partido. Só que eu tenho um tipo de trabalho nos movimentos que eu enxergo todas as agremiações políticas em uma forma de igualdade.

Cada um é de um partido, mas a vida do povo, o con-serto da cidade, o conserto da vida do povo é dife-rente de uma determinação política. Porque debater ideias é debater qualidade de vida. Até chegar em uma situação que todos possam ser felizes e gozar de alegria. Ser feliz.

E a Sra. está feliz com o rumo que o PT tomou nos últimos anos?Tem muita coisa que precisa ser mudada. Porque, mi-nha filha, o meu pai, que Deus já levou, sempre dizia pra nós que quem se mistura com porco, farelo come.

Então, se nós nos misturamos com coisas podres, tem algum fruto que vai apodrecer ali no meio. Aquele que não se vigia e não se transforma, não ganha o reino dos céus, porque Deus é justo.

Page 8: Primeira Mão 132

8 Primeira Mão | Maio de 2013

A fisioterapeuta Eliane R. V. Radaelli, 54, tem perda de 45% da audição no ouvido direito e 30% no ouvido esquerdo. Ela é uma das qua-

se 170 mil pessoas com algum grau de dificuldade de audição no Espírito Santo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A fisiote-rapeuta explica que, por escutar menos, precisa de mais atenção nas tarefas do dia-a-dia.

“Há alguns dias, tive um pequeno problema com uma médica do hospital onde trabalho. Ela fala muito baixo, e me pediu um remédio, mas não es-cutei o pedido dela. Ela precisou falar comigo três vezes para eu entender. Por causa do problema de audição, tenho que estar bastante atenta”, explicou.

Eliane relata que sofreu diversas otites ao longo da infância. “Depois que a pessoa nasce, as causas mais frequentes de alteração auditiva são as oti-tes”, explica o doutor Sérgio Ramos, professor de Otorrinolaringologia do curso de Medicina da Ufes. “Normalmente o tratamento resolve o problema, mas, em alguns casos, as pessoas podem ficar com

sequelas importantes desde a infância”, afirma.Em breve, Eliane passará por uma timpanoplastia, procedimento cirúrgico que consiste em um enxer-to para o fechamento de uma perfuração da mem-brana do tímpano. Com essa cirurgia, a perda audi-tiva dela pode ser revertida ao menos parcialmente.

Descoberta na infânciaVitória Valentim, 70, é fonoaudióloga e mãe de Car-los Valentim, 45, que tem perda severa da audição. Ela decidiu estudar e se dedicar à carreira por causa do problema do filho, diagnosticado quando ele ti-nha quase dois anos de idade.

Segundo Vitória, a deficiência de Carlos está re-lacionada ao uso indevido de antibióticos. O filho sofria com febres constantes, que aumentavam à medida que ele se alimentava. Os médicos diziam tratar-se de infecções e receitavam antibióticos para a criança.

Na época, Vitória morava em Governador Valada-res, Minas Gerais. Em busca de ajuda, ela e o mari-

a barreira da audição

Superando

Problemas auditivos podem prejudicar a convivência, mas com compreensão de amigos

e familiares as dificuldades podem ser minimizadas

SAÚDE CLERISSON SOUZA, FÁBIO ANDRADE e LEONE OLIVEIRA

Page 9: Primeira Mão 132

9Primeira Mão | Maio de 2013

do foram para Belo Horizonte. Lá, o médico que os atendeu descobriu a causa das constantes febres de Carlos: o menino sofria com o excesso de proteí-nas no organismo. O pediatra, então, suspendeu a medicação e, com uma nova rotina de alimentação, o filho de Vitória foi curado das febres.

No entanto, cinco meses depois, durante uma via-gem, familiares de Vitória perceberam que Carlos não reagia aos barulhos que eles faziam com al-guns objetos. Uma das crianças que brincava com Carlos surpreendeu a família ao perceber que “o filho da tia Vitorinha não escuta”.

“Quando me disseram ‘seu filho não escuta’, eu fi-quei apavorada. Na hora, eu disse que queria ir em-bora. O pai também ficou apavorado. Chorei uma noite inteira”, relembra a fonoaudióloga. A lesão no nervo auditivo do filho era irrecuperável e foi cau-sada pelo uso descontrolado de antibióticos.

Vitória admite que o susto foi grande, mas, segundo ela, lamen-tar não resolveria nada. “Quando meus outros filhos nasceram, eu pensei ‘Carlos não é o coitadinho’ e falei isso para toda a família. Ele deveria ser tratado com nor-malidade”, ressalta Vitória, que tem outros três filhos. “Ele brinca-va, cursava a escola regular com as outras crianças e conseguia acompanhar o ritmo dos exercí-cios”, complementa.

Apesar da perda severa da audição, Carlos comu-nica-se normalmente. “O Carlos parece um gringo”, diverte-se Vitória ao revelar histórias da adolescên-cia do filho. “Ele é um pouco malandro... muito bo-nitão. Ele ia para as baladas com o irmão e mais uns colegas e dançava só com as meninas mais bonitas. Os amigos perguntavam: ‘como você faz isso?’. Ele dizia: ‘eu falei que sou americano’. Ele fazia isso, porque entendia o que falavam com ele e não per-guntavam se ele era deficiente”, conta a mãe. A particularidade da fala de Carlos, que se parece a um sotaque, permite a brincadeira.

“Não subestime a inteligência de um deficiente, pois eles sempre têm algo a ensinar”, ressalta a fonoaudióloga. “A sociedade, muitas vezes, vira as costas. Quantas vezes eu já escutei em aniversários, na hora dos parabéns, ‘vamos esperar o surdinho da Vitória’. Eu contava até dez e entrava no local da festa”, desabafa a mãe de Carlos.

O menino Carlos cresceu. Formou-se em Química

e hoje ocupa um cargo de chefia em uma empresa pública municipal, em Goiás.

Já Vitória, além de fonoaudióloga, participa ativa-mente de conselhos e fóruns relacionados à pes-soa com deficiência. “Hoje, se eu sou o que sou, eu agradeço ao meu filho Carlos”, diz, orgulhosa, a mãe que se especializou em Fonoaudiologia para conhecer melhor o universo do filho.

A atitude de Vitória permitiu a alfabetização de Carlos e seu pleno desenvolvimento ao longo da vida. Para a professora-doutora do Departamento de Psicologia Social e Desenvolvimento da UFES, Kely de Paula, posturas como as de Vitória são fun-damentais para uma criança com deficiência audi-tiva. “A criança com deficiência auditiva não pode ser desprovida dos recursos que a comunidade normalmente oferece para as outras crianças. Se isso acontece, aí sim ela terá uma série de limita-ções geradas pela falta de estímulo e de interações

sociais”.

Para a evolução da criança, no entanto, é preciso acompanhar também os pais. Ao descobrir o diagnóstico de surdez em seus filhos, nem todos apresentam a mesma obstinação de Vitória.Muitos, com o sentimento de pena, tendem ensinar ao filho uma postura dependente em que ele jamais é sujeito de sua própria vida. Outros isolam suas crianças

e as retiram do convívio com a comunidade para protegê-las da reprovação social – ainda presente em setores da sociedade que reproduzem velada-mente o discurso de que a pessoa com deficiência deve, de fato, viver em uma esfera separada – ou de comentários maldosos e bullying dos colegas de escola. Kely ressalta que é importante que os pais deem às crianças com deficiência a oportunidade de se relacionar com o mundo e com o olhar dos outros, para que ela possa aprender a lidar com essas variáveis e desenvolver sua autoestima. “Os pais precisam ser importantes mediadores, porque dependendo da crença deles de que seu filho tem potencialidade para se desenvolver, a criança vai estabelecendo sua autoestima. Depende primeira-mente dos pais não excluir a criança, não protegê--la excessivamente do olhar do outro, do receio que o outro tenha ou do preconceito”.

“É preciso ajudar a criança a desenvolver seu senso de competência”, prossegue Kely. “Ela precisa ad-ministrar situações e não sucumbir a cada olhar de reprovação ou de dó”, finaliza.

“Quando me disseram ‘seu filho não escuta’,

eu fiquei apavorada. Na hora, eu disse que queria ir embora. O pai também ficou apavorado. Chorei

uma noite inteira”

Page 10: Primeira Mão 132

10 Primeira Mão | Maio de 2013

Vai ficar chorando como uma garotinha? Isso o que você está fazendo é coisa de mulher”. São expressões desse tipo que o estudante

de História da Ufes e militante do Movimento Es-tudantil, Vinícius Machado, lembra ter ouvido ao longo da infância. A exigência de determinados comportamentos impostos ao gênero masculino

traz como consequências, para os homens, a tenta-tiva de autoafirmação por meio da virilidade, o medo da feminização e a escolha da violência como forma de demonstração de poder.

A coordenadora do Fórum de Mulheres do Espírito Santo, Karina Moura, expli-ca que a organização da so-ciedade pauta-se sobre um sistema patriarcal, na qual os papeis ocupados por ho-mens e mulheres são defini-dos desde a infância. Com pequenos gestos, como o

hábito de presentear as meninas com fogões e ou-tros utensílios domésticos de brinquedo, delimita--se a sua atuação a um espaço privado. Enquanto os meninos ganham carros, que simbolizam a liber-dade e o domínio do espaço público. “É justamente essa forma de rebaixamento de um sexo em rela-

SOCIEDADE ESTHER RADAELLI, MAÍRA MENDONÇA e THAIANA GOMES

As limitações historicamente impostas a homens e mulheres acerca de seu papel social prejudicam ambos os gêneros. No final das contas, quem perde é o ser humano

Poder ser humano

Page 11: Primeira Mão 132

11Primeira Mão | Maio de 2013

ção ao outro o elemento psicológico fundamental desse sexismo, que acompanhará o sujeito para toda a sua vida”, completa o universitário Vinícius.

Karina enfatiza que, embora o histórico de opres-são contra as mulheres seja inegável do ponto de vista cultural - uma vez que, por muito tempo, fo-ram e continuam sendo subjugadas –, os homens também se tornam reféns desse sistema, cujo prin-cípio é a sobreposição de um gênero ao outro. O militante do grupo feminista Maçãs Podres, Gabriel Brito, elenca os resultados da busca dos homens por cumprir tais exigências, que representam male-fícios para ambos os sexos. Ele destaca a “coisifica-ção da sexualidade”, em que a mulher se torna um objeto sexual, além da violência contra mulheres, filhos, parceiros e outros.

Mas continua a batalha para que os limites histori-camente estabelecidos na sociedade sobre o papel do homem e da mulher sejam superados. A psicó-loga e mestre em Desenvolvimento Humano, Vânia Prata, diz que alguns sinais mostram que esses li-mites têm sido transpassados em alguma instância.

Ao homem, tem se permitido entrar em um espaço que antes era visto como um espaço feminino. “Um cara que cozinhasse, ah, esse cara não é homem. Claro que isso tem uma caminhada grande, mas entre os jovens a gente vê isso acontecendo com bastante nitidez”, afirma. Ainda assim, ela identifica aspectos que estão longe de ser eliminados, como a abertura para o sexo masculino demonstrar seus sentimentos e sua fragilidade. “Raros são os que mostram sentimentos entre amigos. O amigo se-gura, abraça e depois dá um tapa nas costas e fala ‘sai pra lá, desgraçado, vamos tomar um chopp’”, exemplifica.

Sobre isso, Gabriel completa: “o sujeito se força a enquadrar-se em modelos de comportamento que lhe inibe formas de ethos mais prazerosas, como toque, abraço, carinhos e afagos entre ho-mens. Além da própria tentativa de enquadramen-to, como de heterossexualidade compulsória, em que mutilam a sexualidade não heteronormativa, impedindo que o sujeito supostamente masculino, realize desejos com outros sujeitos do mesmo sexo e cujo resultado são as frustrações”, afirma.

Para a coordenadora do Fórum de Mulheres do Es-pírito Santo, Karina Moura, há a necessidade de se desconstruir a visão de que o feminismo é o con-trário do machismo e de que, portanto, homens e mulheres protagonizam uma guerra entre os sexos. Para ela, a luta feminista não se trata apenas da luta pela libertação das mulheres, mas sim para a liberta-ção de toda a sociedade, incluindo os homens, que vivem sob preceitos discriminatórios e de opres-são. “O feminismo luta por direitos iguais. Quando falamos que a luta feminista é uma luta de toda a sociedade, é justamente porque achamos que os homens também são reféns desse sistema. Acham que nós queremos trocar de lugar com os homens, quando na verdade o que queremos é que mulheres e homens convivam de forma respeitosa”, lembra a feminista.

O universitário Vinícius Machado acredita que os homens devem ser aliados desse movimento e des-taca: “O feminismo é o único meio pelo qual pode se dar a libertação dos homens. Isso por uma questão muito simples: o feminismo quebra estereótipos de gênero. Ele ousa questionar sincera e radicalmente nossa própria condição, mostrando que não existe uma ‘natureza masculina’ responsável por nos con-ceder qualquer tipo de atributo essencial ou quali-dade necessária; muito menos qualquer lugar privi-legiado dentro da sociedade”, conclui.

A luta por direitos iguais

|Foto: Thaiana Gomes

Page 12: Primeira Mão 132

12 Primeira Mão | Maio de 2013

Mercado de trabalhoPara Vania Prata, o homem está um pouco perdido em torno de uma pergunta: “quem sou eu?”. Segun-do a psicóloga, a sociedade em que vivemos insti-ga o homem a resolver os conflitos usando força e agressividade. Isso é incentivado dentro da própria criação familiar, quando uma mãe, por exemplo, diz ao seu filho: “vai deixar sua mulher mandar em você?”. Caso ele não brigue ou fique em dúvida, é visto como um homem fraco. Para Vania, o “proces-so é um conflito sem fim. Esse cara é munido por amigos, colegas, bares, boteco, futebol, por todo o espaço masculino fora da em-presa, a ser o machão”.

Mas, dentro do seu espaço de trabalho, a situação é diferen-te. Hoje, as organizações não querem um funcio-nário intransigente, querem um perfil mais flexível e dinâmico. A mulher se enquadrou neste espaço de maneira bastante confortável devido a sua ca-racterística de mediadora. “Ela tem essa questão do enfrentamento de forma mais plural”, afirma Vania. Por isso, o mercado tem reconhecido essa maneira de lidar com o poder, numa época em que a com-plexidade das empresas pede esse tipo de percep-ção.

Para a advogada e vice-presidente da Sociedade Latino-Americana de Feministas Juristas, Ivone Vi-lanova, as transformações advindas do pós-guer-ra, que impulsionaram a entrada das mulheres no mercado de trabalho, fizeram com que a socieda-de passasse por várias etapas de desenvolvimento sócio-político. Mas algumas culturas e estereóti-pos continuaram a condicionar os comportamentos: "Hoje o homem sofre a pressão dessas mudanças, exatamente porque o papel da mulher mudou. As mulheres bra-sileiras, por exemplo, já são 28% chefes de famí-lia; elas têm poder financeiro, demandando aí um comportamento diferenciado do homem”, afirma.

O homem na famíliaDona Neide e seu Walace se conheceram há mais de 50 anos em uma festa junina, mais precisamente, em 10 de junho de 1960. Em um ano e meio, entre namoro e noivado, veio o casamento. Dona Neide tinha 16 anos e Walace, 23. O namoro era muito regulado pelos pais da moça, que eram severos. "Namoro tinha hora e local", fala Dona Neide. Na casa dela, o pai mandava "o que ele falava, estava falado. Minha mãe sempre estava de acordo com o meu pai. Ele era muito afetuoso", afirma a senhora. Ela também conta que o fato de o homem ter que ser o forte, quem manda na casa, fazia com que seu pai tivesse atitudes machistas. "Acho que cada um tem que ter seu lugar, manter o respeito. O casal tem que saber o lugar de cada um", diz Walace.

"Sempre quem mandou na casa foi meu marido, por ser o homem, o chefe. Mas quando chegava na hora de tomar as decisões, havia uma conversa,

pois eu gostava de ser ouvida", diz a senhora. Wala-ce sempre trabalhou fora. Já Dona Neide sempre foi do lar. A educação dos filhos ficava, na maioria das vezes, a cargo da esposa. Walace diz que o tempo dele era pouco. Dona Neide sente que o marido perdeu muito na convivência com os filhos. Nas fé-rias e folgas, ele ajudava nos afazeres da casa, mas fora desse período, ela nem pedia ajuda, pois sabia que Walace estava cansado. Ela se sentia sobrecar-regada. Foram sete gestações: 3 abortos espontâ-neos e 4 filhos. Os filhos já chegaram a questionar “Mãe, eu não tenho pai, não? Eu não vejo meu pai!”.

Walace fala que, por chegar tarde, não via e nem conver-sava com os filhos: "Eu sentia muita falta de estar com eles".

Todos os filhos do casal têm esposas e todas traba-lham fora. A mãe conversa e pede sempre aos filhos que eles compreendam suas esposas. Aconselha, ainda, que todos eles sempre estejam disponíveis a ajudar nas atividades do lar e nos cuidados com os filhos.

A história de Dona Neide e Walace é o reflexo de uma mentalidade que sofre influências de mais de uma geração. Ao mesmo tempo em que refor-ça o estigma do papel do homem, Dona Neide já reconhece essa nova dinâmica social, em que, por exemplo, o direito da mulher trabalhar fora é acei-to. Demonstra também que as consequências dos discursos machistas, naturalizados socialmente, es-tendem-se até a paternidade.

Muitas vezes engajados no dever de sustentar fi-nanceiramente o lar e de pro-porcionar conforto a sua famí-lia, o papel de ser pai limita-se a pagar as contas de seus fi-lhos. “É como se não fosse

papel do homem participar da escola, levar o filho para passear, trocar sua fralda. Não são somente as mulheres perdem com isso. O homem também perde muito do ponto de vista humano, de não po-der vivenciar relações de carinho e de afeto com seus filhos. Então, na luta por direitos iguais, tudo se trata de uma defesa para que os seres humanos exerçam seus direitos enquanto seres humanos”, argumenta Karina.

Ela afirma ainda que a forma como se dão as re-lações pessoais, incluindo, o relacionamento entre casais e a própria dinâmica familiar, são um refle-xo do comportamento social dos indivíduos, assim como contribuem para a perpetuação de certos preceitos e comportamentos sociais. Nesse sentido, a mudança de comportamento deve ocorrer, pri-meiramente, nesses ambientes. “Eu acho que a fa-mília tem um papel muito importante no processo de transformação. São pequenos gestos dentro da família, que se tornam cada vez maiores à medida que a pessoa ocupa novos espaços sociais. A mu-dança começa nas relações pessoais. É preciso lutar por isso”, conclui.

“Mãe, eu não tenho pai, não? Eu não vejo meu pai!”

“Eu sentia muita falta de estar com eles”

Page 13: Primeira Mão 132

13Primeira Mão | Maio de 2013

SOCIEDADE ASTRID MALACARNE, IZABELLY POSSATTO e LÍVIA CORBELLARI

Cidadãos iguais aos

outros

Cansados de serem estereotipados e de terem seus direitos violados, pessoas em situação de rua na Grande Vitória resolveram se organizar e integrar o Movimento Nacional

de População de Rua

Rosângela Cândido Nascimento, 38 anos, é uma sobrevivente. Vítima de violência doméstica, só encontrava conforto no álcool e, mais tar-

de, nas drogas. Logo viu sua vida desmoronando: perdeu o emprego de enfermeira e o apoio da mãe e das filhas; não viu outra alternativa a não ser viver nas ruas. Durante um ano, Rosângela sofreu todas as privações e violências da cidade. “Independente de ser mulher ou homem, a primeira vez que você se vê na rua é desesperador, você tem medo de dormir, não tem o que comer, não tem um lugar para tomar banho e fazer suas necessidades. Você não tem nada”, revela.

Rosângela só começou a entender a vida na rua quando se enturmou com algumas crianças com quem reaprendeu a viver. “Muita gente diz que o morador de rua é violento, mas essa é única forma que temos de nos defender e de nos impor. Tem muita maldade na rua”, afirma. No meio de toda essa readaptação, se tornava cada vez mais viciada em crack.

Ela conta que nessa época tentou várias vezes vol-tar para casa, mas sempre tinha recaídas e se volta-va para a droga nos momentos de depressão. “Até que um dia eu acordei e me vi num colchão velho todo esburacado. Do lado, um resto de comida to-talmente azedo e mais nada. Percebi que eu tinha virado um lixo e decidi que não queria isso para mim”. Foi nesse momento que resolveu procurar um tratamento e se livrar do vício.

Hoje Rosângela está há três anos longe das drogas. Conseguiu se erguer e voltar a ter uma casa e um emprego, agora trabalha em um albergue. Entre-tanto, ela não esquece o tempo que passou na rua, sozinha, com frio e com fome de comida e de afeto. “Sempre que eu via alguém na rua passando mal eu levava para a minha casa. Eu queria ajudar, mas sentia que isso era muito pouco, eu queria fazer mais”.

Foi quando conheceu o Movimento de População de Rua, por meio da assistente social e psicóloga Gilderlandia Dilva Kunz. Rosângela participou de uma das reuniões e se identificou tanto com o mo-vimento que se tornou uma das coordenadoras da comissão estadual do Espírito Santo. O Movimento

de População de Rua é nacional e está presente em nove estados. Começou em São Paulo, logo após o Massacre da Sé, crime que ocorreu em 2004, no qual sete moradores de rua foram assassinados com golpes na cabeça, enquanto dormiam na Praça da Sé, no centro de São Paulo.

No Espírito Santo, o movimento começou em 2010, por meio de Gilderlandia, que incentivou um grupo em situação de rua para aderirem à causa e reivin-dicarem seus direitos. A psicóloga é assessora téc-nica do movimento e também estudiosa das ques-tões que envolvem a população de rua.

“O tempo do morador de rua é diferente do nosso, eles têm uma forma própria de se movimentar. Eles estão muitos vulneráveis nas ruas, além do proble-ma das drogas, que não acomete a todos, mas é bastante presente”, explica Gilderlandia. Ela conta que seu trabalho dentro do movimento é sempre de apoio, nunca de liderança, “nós da equipe téc-nica, estamos sempre apontando caminhos, mas nada é imposto. A população de rua tem total pro-tagonismo nas decisões e nas reuniões”.

Hoje o grupo conta com cinco coordenadores e diversas instituições como apoiadores. No final de março, os membros do movimento estavam em Curitiba, durante o Encontro Nacional do Movi-mento Popular e, em setembro, já está marcado, em Foz do Iguaçu, o Encontro Interamericano do Movimento de População de Rua. Apesar das es-pecificidades de cada estado, o movimento tem um regimento nacional único e sua principal proposta é garantir que os direitos das pessoas que estão em situação de rua sejam garantidos.

Politizados e unidosEm 2010, o movimento começou a dialogar com o poder público de Vitória para pôr em pauta suas reivindicações. “Tanto a sociedade quanto o poder público acham que as questões da população de

“... a questão da violência contra o morador é muito pessoal e acaba restrita à consciência individual”

Page 14: Primeira Mão 132

14 Primeira Mão | Maio de 2013

“Passei por muita dificuldade, mas foi na rua que aprendi a não ter medo e nem preconceito de

ninguém”

A Praça Costa Pereira é um dos pontos em que mais se concentram moradores de rua em Vitória.|Foto: Izabelly Possatto

rua são resolvidas só com assistencialismo e carida-de, mas não. Nós queremos mais vagas em alber-gues, políticas para conseguirmos emprego, uma política de saúde apropriada”, relata Rosângela.

Havia um diálogo mais aprofundado com a antiga gestão da Prefeitura de Vitória. No entanto, em ja-neiro, “o atual prefeito voltou com a guarda munici-pal para o Centro. Essa guarda aborda os moradores de rua com muita violência e muitos colegas meus estavam sendo machucados. Quando nós fomos à delegacia dar queixa, o delegado não queria fazer boletim de ocorrência por nós sermos moradores de rua”, conta. Só em fevereiro deste ano, houve 13 mortes devido à violência, segundo a coordenação do movimento.

Em março, o movimento promoveu uma vigília na Praça Costa Pereira em resposta à repressão policial que expulsa de forma violenta os moradores de rua, além das mortes ocorridas na capital. A manifes-tação reuniu mais de 200 pessoas e agregou em torno de 20 instituições, entre elas o MST, o movi-mento LGBT e a ONG de advogados, Coletivos Fa-zem Direito.

O decreto 7.053/2009 criou a Política Nacional para a População em Situação de Rua que prevê ações para garantir os direitos dessa população. Para isso, há o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional, formado por nove ministérios do Governo Federal. Ele atua pro-pondo medidas que assegurem a articulação inter-

setorial das políticas públicas federais para o aten-dimento da população de rua, acompanhando a implementação do decreto e organizando eventos nacionais para avaliar e formular ações para a con-solidação dessa política.

Em instância municipal, as prefeituras de Vitória e de Vila Velha desenvolvem ações para atender pes-soas em situação de rua, por meio das secretarias de Assistência Social e dos Centros de Referência Especializados em Assistência Social (Creas). Nas duas prefeituras, há os serviços de atendimento à população de rua, como o Centro Pop e a aborda-gem social.

A população de rua que busca a prefeitura é enca-minhada para o Centro Pop, onde é atendida por uma equipe de assistência social e pode realizar ofi-cinas motivacionais, guardar pertences, se alimen-tar, tomar banho. “Os assistentes sociais trabalham a autonomia deles para que possam retornar à so-ciedade e se sentirem cidadãos novamente”, con-ta Zilane Ferreira, coordenadora do Centro Pop da Prefeitura de Vila Velha. As pessoas são convidadas a participar de todas as atividades, porém não são obrigadas a se envolver.

Já o serviço de abordagem social tenta estabelecer uma confiança com o morador de rua, por meio de um processo de convencimento. Eles começam um diálogo com a pessoa e, vendo a vontade dela, rea-lizam o atendimento e a encaminham para algum dos serviços oferecidos pela prefeitura.

Page 15: Primeira Mão 132

15Primeira Mão | Maio de 2013

Rosângela Nascimento, ex-moradora de rua e atualmente coordenado-ra do Movimento de Po-pulação de Rua.

|Foto: Izabelly Possatto

Em Vila Velha, de acordo com Zilane, há a estima-tiva de que 15% das pessoas que buscam atendi-mento no Centro Pop são moradores de rua; 69% são migrantes; 14% são munícipes (só passam um período na rua, mas tem residência); 1% é egresso da Justiça e outro 1% não declarou.

Palestras e conversas de conscientização da socie-dade já foram desenvolvidas pela Prefeitura de Vi-tória, principalmente nas regiões que abrigam mui-tos moradores, como o Centro – com 60% deles. “No entanto, a questão da violência contra o mora-dor é muito pessoal e acaba restrita à consciência individual”, afirma Luciana Gatti, coordenadora do Serviço Especializado em Abordagem Social da Pre-feitura de Vitória.

Visão da sociedadeO enfoque negativo da mídia em relação à pobre-za leva a uma criminalização e criação de um es-tereótipo que não necessariamente é aplicado ao morador de rua. A maior barreira que existe entre a sociedade e a população de rua é o preconceito, porque, segundo Rosângela, as comunidades e o poder público tratam todos que estão na rua como se fossem drogados e criminosos.

Estar em situação de rua não significa deixar de acreditar em um futuro melhor. A prova disso é o estudante Emerson de Souza Honório, 20 anos. Morador de um abrigo público no Centro da Ca-pital, acaba de ser aprovado no curso Técnico em Segurança do Trabalho do Instituto Federal do Es-pírito Santo (Ifes), em Vitória.

“A experiência que tive na rua não foi nada boa. Passei por muita dificuldade, mas foi na rua que aprendi a não ter medo e nem preconceito de nin-guém. Me tornei uma pessoa melhor, busco meu canto e o conhecimento; o materialismo de muitos

não me pertence”. E foi com essa visão que Emer-son resolveu começar a estudar, de quatro a cinco vezes por semana durante quatro horas na Biblio-teca da Ufes. Agora ele pretende terminar o Ensino Médio integrado e prestar vestibular para o curso de Psicologia da Ufes.

Assim como Rosângela, Emerson também frisa que a assistência oferecida pelas prefeituras não é a ideal, pois os direitos básicos como formação e educação não são oferecidos. Além da demanda da educação, há uma necessidade de conscientizar a sociedade sobre essa população. Luciana Gatti revelou que a prefeitura procura estabelecer um diálogo de modo mais direto e específico com as comunidades que convivem com os moradores de rua, mas “essa é uma questão individual e depende da visão e educação de cada um”, afirma.

Grande parte dessa população não gostaria de estar na rua. Eles compõem um grupo heterogê-neo que acaba sem moradia devido a problemas como transtornos mentais, abuso sexual, violência familiar, desemprego, drogas ou mesmo após sair do sistema prisional. Cada um possui a sua histó-ria. A Rosângela tem a dela, assim como o Emer-son, a dele. O que os “une” é a mudança radical de vida que ambos agora desfrutam – e por iniciativas próprias, pois somente a partir do momento que o morador entende que precisa sair daquela situação, ele aceita ajuda de especialistas. Por isso é preciso entender a pessoa em situação de rua e encontrar medidas efetivas e que funcionem a longo prazo para que a Constituição Federal seja seguida e to-dos tenham os mesmos direitos, assim interpre-tando o Artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Page 16: Primeira Mão 132

16 Primeira Mão | Maio de 2013

ESPORTE EDUARDO DIAS e NAIARA GOMES

Não é novidade para quase ninguém que o futebol profissional do Espírito Santo en-frenta diversas dificuldades. Um exemplo

do mau momento foi a recente atualização do ran-king nacional das federações estaduais, divulgado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Com os novos critérios que a entidade passou a adotar em dezembro de 2012, a Federação Capixaba caiu da 15ª para 23ª colocação. A queda foi ainda mais acentuada entre os clubes. Antes, a Desportiva Fer-roviária, de Cariacica, ocupava a 42ª posição. Agora, o melhor time do Estado, pelo menos no número de pontos, é o São Mateus, que é 94º colocado.

É certo que o mau momento é causado pela jun-ção de diversos fatores, como a desorganização das equipes e o baixo incentivo financeiro de boa parte da iniciativa privada. No entanto, para alguns espe-cialistas, um dos principais vilões do futebol capixa-ba é a dependência que vários clubes têm de verbas das prefeituras municipais. Os exemplos são muitos.

Nascido no Norte do estado, em 2001, o Jaguaré Esporte Clube chegou à Série A do Campeonato Capixaba em 2005 e em 2007 foi vice-campeão - sua melhor colocação. Apesar disso, a cidade teve eleições extemporâneas em 2010, e a mudança de prefeito implicou na troca da equipe que a repre-senta. O Jaguaré desistiu de disputar o Campeonato Capixaba de 2011. Apoiado pelo novo prefeito, foi a vez do Botafogo de Jaguaré, com o “nome fanta-sia” de Conilon, entrar em cena. A equipe foi vice do Capixabão em 2012, mas quase não entrou na dis-puta em 2013, pois as eleições de 2012 elegeram o prefeito de “oposição” do clube da Terra do Café. A participação na disputa só foi confirmada dias antes da bola rolar.

Também no Norte, o Linhares Futebol Clube foi ou-tro time que pensou em não disputar o Estadual de 2013, já que não recebeu dinheiro da prefeitura local. O presidente do Linhares, Adauto Menegussi, diz que o investimento público é fundamental. “A maioria dos clubes brasileiros, exceto os que jogam a série A do Campeonato Brasileiro, depende de iniciativa pública. É muito caro fazer futebol. Sem o patrocínio, os times não teriam condições de arcar com os gastos sozinhos. Aqui no Estado, pratica-mente todas as equipes do interior têm patrocínio da prefeitura. É quase uma obrigação da prefeitura, pois o time acaba levando o nome do município, dando visibilidade à cidade”, defende o dirigente.

PrefeituraFutebol

A carência de apoio financeiro da iniciativa privada faz com que a ajuda das prefeituras seja fundamental para os clubes do estado

Clube

Page 17: Primeira Mão 132

17Primeira Mão | Maio de 2013

Sul do estado tem time “nômade” e homenagem a prefeito

Se até agora vimos equipes que recebem apoio de um município, um novato do futebol capixaba tem feito valor ao seu apelido de “time de prefeitura”. Criado em 2006, o Espírito Santo Futebol Clu-be tinha sua sede em Anchieta, no litoral sul capixaba, e chegou a jogar na Serra, em Cachoeiro, em Vitória, em Guarapari e até em São Mateus. Depois de tanto rodar, o clube deixou sua sede em Anchieta e desde janeiro deste ano recebe apoio para atuar na cidade de Vargem Alta, também no sul do estado. Mesmo com o incentivo financeiro, o time não venceu os 15 primeiros jogos que fez pelo Capixabão 2013 e foi rebaixado com três rodadas de antecedência.

Ainda no sul do estado: se o Estrela do Norte não tem um apoio direto da prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim, há pelo menos um fato curioso ligando o clube à administração municipal. Con-tratado para ser o craque do time no Capixabão, o meio-campo Ronicley, tradicional camisa 10 do futebol capixaba, joga com a camisa 13 no Estrela, em homenagem declarada ao prefeito da cidade, que é do Partido dos Trabalhadores (PT).

O Aracruz, campeão capixaba de 2012, ficou sem receber R$ 300 mil reais da prefeitura, atrasou sa-lários e cogitou abrir mão de disputar o Capixa-bão. O repasse não veio porque a nova gestão da prefeitura, iniciada neste ano, não aprovou o inves-timento no time local. Diante disso,a diretoria do clube precisou pegar empréstimos e procurar no-vos patrocinadores para arcar com suas despesas.

Amante do futebol capixaba, o jornalista e escri-tor Bruno Marques, de 31 anos, teme pelo impacto negativo que essas equipes podem causar na his-tória do futebol estadual. “A questão mais falada sobre os clubes dependentes de verbas públicas é o risco de ‘desaparecerem’ a cada eleição. Não há garantia de continuidade dos projetos, o que deixa o futebol vulnerável”. Um dos exemplos do temor de Bruno Marques é o Alegrense, time do sul do estado, que com apoio maciço da prefeitura do seu município foi campeão capixaba em 2001 e 2002, mas hoje em dia não disputa mais o campeonato.

Outro insatisfeito com a dependência que alguns times têm das prefeituras é Pedro Soares, geren-te de futebol da Desportiva Ferroviária, uma das principais equipes do estado e que tem sua sede em Cariacica, na Grande Vitória. Soares conta que

as prefeituras investem um bom dinheiro somente pelos 4 meses que dura o Capixabão. “Às vezes as equipes até conseguem um bom resultado, o que acaba fortalecendo o lado político das prefeituras, mas que, por sua vez, não investem mais”.

Mesmo com o apoio pontual, as equipes que tra-balham o ano todo, como é o caso da Desportiva, são prejudicadas. “Os times que têm esse apoio podem pagar salários maiores e têm mais poder para negociar. Mesmo com um contrato mais cur-to, os jogadores vão para lá porque sabem que vão ter mais dinheiro”, afirma o gerente.

Com os contratos de curta duração, raras são as vezes em que os jogadores que defendem os “ti-mes de prefeituras” têm seus direitos assegurados. Tal prática fez o presidente Maurício Duque, do Rio Branco-ES, outra tradicional equipe da Grande Vi-tória e maior vencedor do Capixabão, com 36 ta-ças, criticar os jogadores que aceitam as propostas. “Os atletas precisam parar com essa conta ‘burra’ de receber por partidas ou até mesmo receber par-te dos salários por fora. No final, eles são os maio-res prejudicados. A disputa por atletas para os Clu-bes que recolhem todos os encargos fica desigual”, disse em comunicado no site oficial da equipe.

Page 18: Primeira Mão 132

18 Primeira Mão | Maio de 2013

CAPA DAIANE DELPUPO e JÉSSICA ROMANHA

Vai casarCom o passar das décadas, o casamento deixou de ser uma cerimônia familiar e se tornou um megaevento. Casar ficou mais caro e o leque de opções oferecido pela indústria do casamento pode fazer os noivos perderem a cabeça

Prepare o bolso

? Duas irmãs, um sonho e um desejo: casar na igreja e fazer do casamento uma noite inesque-

cível para elas, seus noivos e os 1200 convidados. Em março de 2004, a advogada Hiolanda e a empresaria Kelly Vieira promoveram uma festa de casamento glamorosa e incalculável

para ficar na memória. “Fizemos um super evento, para ser comentado por muito tempo”, con-tou Hiolanda.

Com uma quantidade menor de convidados, mas com o mesmo ideal de um casamento perfeito, a cerimônia da jornalista Thama Boldrini começou a ser organizada com um ano de antecedên-cia. Thama contou com a ajuda de uma cerimonialista para acertar tudo e agradar as 750 pessoas presentes, em fevereiro de 2012. “O motivo de planejar todo o evento é o fato de o casamento ser um momento único, festivo e alegre”, explicou.

Com fama de boa organizadora de eventos, a assessora Vanessa Mergár não deixou a desejar quando planejou seu grande dia de subir ao altar. Ela organizou a festa para 250 convidados unindo suas ideias criativas à competência de uma boa cerimonialista, em junho de 2007. “É uma celebração de felicidade e de uma nova etapa da vida, todo o esforço e investimento valem a pena”,diz.

O casamento de Diva Simões também foi encantador e correspondeu às expectativas da noiva. Diva reuniu todos os familiares e muitos amigos, lotou a igreja e fez festa até de madrugada. Mas a história de Diva se difere das outras, em alguns aspectos. Não pelo número de convida-dos, porque, foi de perder as contas. Não pela dedicação, porque, segundo ela, foi o segredo para que tudo saísse como no sonho. As diferenças da cerimônia de Diva para os casamentos de Hiolanda, Kelly, Thama e Vanessa, ultrapassam décadas. Diva se casou em 1959.

Mas a distinção não para por aí. Enquanto as noivas do século XXI tiveram a ajuda de cerimo-nialistas e não economizaram em seus eventos de casamento, Diva contou com a família e os amigos para acertar detalhes, como decoração da igreja e preparação dos “comes e bebes”.

|Fot

o: A

rqui

vo P

esso

al

Page 19: Primeira Mão 132

19Primeira Mão | Maio de 2013

A aposentada, hoje com 82 anos de idade, lembra com sorriso no rosto o quanto aquele dia foi espe-cial. “Eu fiz uma promessa: se tudo desse certo, eu doaria meu vestido para a igreja, para que outras moças pudessem utilizá-lo em seus casamentos. E assim, eu fiz”, revela orgulhosa. Diva conta que logo depois pôde assistir a casamentos de outras noivas que pegavam seu vestido emprestado na igreja.

Comparando todas essas histórias dá para perceber a transformação histórica que acompanhou o casa-mento, desde a década de 50 até os dias de hoje. O grande dia, que antes tinha um espírito de comu-nhão, era mais simbólico e simplista, hoje chega a ser comparado a um evento. Enquanto as cerimô-nias antigas eram realizadas com apoio e colabora-ção de amigos e familiares, os matrimônios atuais são promovidos com milhares de reais e mantêm a todo vapor uma indústria lucrativa, a indústria do casamento.

A historiadora, doutora em História Social e profes-sora de pós-graduação em História da Ufes, Ma-ria Beatriz Nader, explica que essa transformação acompanhou outras mudanças da sociedade. “No Brasil, mais precisamente em Vitória, o fenômeno social ‘indústria do casamento’ começou a crescer a partir da década de 80. Foi quando as mulheres se inseriram no mercado de trabalho e puderam gerir seu próprio dinheiro”, conta. Segundo Beatriz, nessa época as mulheres começaram a organizar suas próprias agências de serviços, em suas casas, para realizar festas na cidade. “Hoje, a tal ‘indús-tria’ assume proporções gigantescas e leva muitas pessoas a se endividarem para realizar uma festa inesquecível”, afirma.

Outra transformação nesse processo de “transição” entre casamentos de antigamente e os atuais é a personalização de cada cerimônia e festa. O que no século passado seguia um padrão, hoje se supera a cada dia por vias da individualidade de cada ca-sal. “Os proprietários das agências contribuem para que o fenômeno de personalização aconteça. Aí, se estabelece a ‘indústria’, pois a produção de cada evento é encarecida pela diferenciação do que é proporcionado aos convidados e ao próprio casal”, explica.

A historiadora reforça que, nos dias de hoje, vá-rios setores se unem na empreitada de realizar o casamento dos sonhos. “Floristas, cerimonialistas, a própria Igreja (que cobra uma fortuna para rea-lizar uma cerimônia), costureira ou loja de roupas especializadas, buffet, empresa de aluguel de car-ros, gráficas e outras empresas contribuem com a indústria do casamento e vivem do sonho da festa perfeita”, diz.

Os detalhesÉ nesse momento, em que as cerimônias ficam mais personalizadas e são diversos os “mimos” para agradar aos convidados, que a Associação Brasilei-ra dos Profissionais, Serviços para Casamentos e

Evento de referênciaNo Espírito Santo, o Evento Casar oferece novidades e clássicas indicações para o seu público. “A feira é uma vitrine, você pode encontrar serviços e produtos de A-Z sobre casamento”, diz a organizadora do even-to, Flávia Firmino. A feira reuniu, em 2012, 7 mil pessoas e 60 expositores. Para o mês de maio de 2013 a expectativa é de 10 mil visitantes e o número de expositores, já confirmados, subiu para 90. “O Evento Casar lança as novidades que o mercado capixaba tem para oferecer, desde planos odontológicos a sugestões estéticas”, diz Flávia, que conta que todo expositor da feira precisa receber indicação de uma ce-rimonialista para participar do evento.

A história pela fotografiaAo mesmo tempo em que há empresas surgindo para explorar essa pujante indús-tria do casamento, há empresas tradicio-nais se repaginando. Thiago Sarnaglia vive a 4ª geração da fotografia e conta que o estúdio Foto Alonso, em Vila Velha, que antes fazia os noivos saírem do seu con-forto em busca de um registro, hoje vai até eles. “Fotografamos em estúdio, em cerimônias e também fazemos fotos exter-nas. A tradição que criamos já nos levou até para a Áustria para fotografar um casa-mento”, relata Thiago, com satisfação.

Atualmente, a tecnologia e a exigência das noivas levam os fotógrafos e cinegrafistas a criar superproduções. “Elas estão exi-gentes, é primordial a qualidade”, afirma. Mas, se hoje o estúdio completa 50 anos, é graças ao seu João Sarnaglia que come-çou a fotografar, aleatoriamente, crianças e casamentos no interior da Itarana, região Centro-Serrana do estado. Deu certo. Seu Jõao foi trabalhar em Minas Gerais como fotógrafo na década de 50 para empresa Usiminas e voltou para o Espírito Santo para montar seu estúdio em Vila Velha, em 1963. Aqui, seu filho, Alonso, consolidou e fundamentou a fotografia trazendo inova-ção com o filme de 35mm. Hoje, a fotogra-fia é sustento da família e orgulho do bis-neto de João, Thiago Sarnaglia, que conta “aparecem netos de pessoas que meu avô registrou o casamento e que hoje eu tenho a oportunidade de fotografar”.

Page 20: Primeira Mão 132

20 Primeira Mão | Maio de 2013

Orçamentos da Grande Vitória “Considerando o número de convidados, o tempo de festa e os detalhes desejados pelos noivos, é possível realizar um ótimo casamento a partir de R$ 60 mil na Grande Vitória, hoje. Mas os grandes eventos partem de R$ 200 mil a valores ilimitados”, diz Danielly.

Bem casadosLouise Lacourt: R$ 2,70 médio. R$ 2,90 grande; Fatia bolo de casamento R$ 7,30.Atelier Regina Meynard: R$ 2,40.

MúsicaAlegretto produções: R$ 370, por músico.Francês Serpa Harmonic Orquestra: 6 músicos: R$ 2.100. 8 músicos: R$ 2.800. Orquestra 12 músicos: R$ 4.200.

Imagem (Foto e vídeo)Araceli Silva – album 30x30 (120 imagens): R$ 2.870. Filmagem com 1 câme-ra: R$ 950,00. 2 câmeras: R$ 1.400.Romero Estudio- álbum 30x50 (150 fotos): R$ 4.190. Pacote especial 30x60 R$ 6.790.Karla Gonçalves – pacote básico: R$3.800.Vídeo e arte – filmagem 1 câmera R$ 1.400. 2 câmeras R$ 2.200.

Eventos Sociais (Abrafesta) revela que o segmento movimenta R$ 14 bilhões, ao ano, no Brasil e em-prega 45 mil profissionais. “Um detalhe a mais que o decorador propõe, uma dica do assessor encare-ce a conta, mas não tem como dizer ‘não’. É tudo magnífico, dá para enlouquecer qualquer pai”, con-ta Hiolanda.

E opções não faltam. Banda ou solista, piano ou fagote. O traslado da noiva pode ser feito em um clássico Cadicallac Limousine, assim como é possível ter forminhas de doce de R$ 15,00 a unidade e nelas encontrar tampas de vidro e detalhes de strass. “Não há limite para os detalhes, tudo varia conforme o quanto os noivos es-tão dispostos a investir”, diz a cerimo-nialista Danielly Simmer.

As flores em tons de rosa, a renda nos bem-casados e o convite foram traços que deixaram o casamento de Thama como “uma casa de boneca”, onde to-dos os convidados puderam se divertir e apreciar os detalhes que caracterizavam os noivos.

Hiolanda também se lembra da riqueza nos deta-lhes da sua festa, em que o bolo de cinco andares tinha cascata de florzinhas e, como lembrança, CDs personalizados foram distribuídos pelo DJ da festa. Joadir Vieira, pai de Hiolanda e Kelly, também in-crementou o casamento das filhas contratando Wesley Sathler e sua equipe de TV para colocar na mídia todos que ali estavam. Além disso, fotos em jornais e sites foram sustentados por meses. “Não há limites para os detalhes. O mercado oferece vários artifícios para que o grande dia se perdure,

desde ações midiáticas a lembranças personaliza-das”, conta Danielly.

Quem paga a conta?A grande quantidade de apaixonados interessa-dos em formalizar a união é um dos motivos que aquece o mercado do casamento. Segundo o IBGE, em 2011 foram realizados 1.026.736 casamentos no Brasil. O Espírito Santo registrou mais de 23 mil casamentos civis. Mas, concretizar o sonho de um

“grande” casamento, hoje, no país, tem um preço.

“Não tive coragem de contabilizar todos os gastos, pois até aonde con-segui chegar os cifrões já somavam R$ 110 mil”, diz Hiolanda. Já Thama confessa que esperava gastar R$ 40 mil e acabou abrindo mão de mais do dobro dessa quantia, mesmo com muita pesquisa. Diva, por sua vez, contou com as economias do pai. “Naquela época, o pai da noi-

va era o responsável pela festa, mas era tudo bem mais simples, não tinha gastos absurdos”, revela.

Mas, às vezes, o desejo de realizar o sonho do casa-mento é tão grande, que supera as condições finan-ceiras. E alternativas para “solucionar” esse proble-ma não faltam. No Banco do Brasil, por exemplo, os noivos podem pagar a cerimônia e a festa em até 30 meses, segundo o gerente da agência da Ufes, Hugo Luiz Ribeiro Gaspar. “Através do consórcio de serviços, o cliente tem a possibilidade de adquirir uma carta de crédito com taxa de administração de 0,611% ao mês em planos de 18 meses, e 0,533% ao mês em planos de 30 meses”, afirma.

“Não tive coragem de contabilizar todos os gastos, pois até aonde

consegui chegar os cifrões já somavam

R$ 110 mil”

Page 21: Primeira Mão 132

21Primeira Mão | Maio de 2013

SOCIEDADE INGLYDY RODRIGUES, LEONARDO RIBEIRO e RAFAEL SILVA

Com 28 anos, nascido em Colatina, Heleno [nome fictício] começou a usar drogas aos quinze anos, por curiosidade. Maconha, cocaína, crack e álcool. Com o uso frequente, o convívio com a família ficou atri-bulado e a vida do jovem, conturbada. Há três anos, Heleno foi preso por latrocínio e condenado a 27

anos de cadeia. Hoje, é interno da Penitenciária de Segurança Máxima I (PSMA I), do Complexo de Presídios de Viana, conhecido pela abreviação “Máxima I”. Lá, ele vem se tratando da dependência química no grupo de Alcoólicos Anônimos.

Em 2006, o presidente Lula sancionou a lei 11.343/2006 que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, o SISNAD. Essas novas políticas definiram dentre outras medidas, a reinserção social de usuários e dependentes de drogas, soltos ou que estiverem incluídos em qualquer regime penal, colocando a questão do usuário remetida à saúde pública. Dessa forma, o tratamento dos dependentes químicos é de responsabili-dade dos governos federal, estadual e municipal, que de acordo com a Constituição Brasileira devem assegu-rar aos cidadãos o acesso à saúde.

Além de projetos de trabalho, como padaria, e de educação, como supletivo, no Máxima I há também gruposque trabalham com dependência química de detentos. As atividades são previstas por lei para garantir ao preso sua reinserção social. Em seis presídios capixabas, essas atividades são basicamente feitas por duas em-presas terceirizadas: o Instituto Nacional de Administração Prisional (Inap) que é responsável pelo Máxima I e aMontesinos.

No Máxima I, não há nenhum tratamento específico para viciados em drogas custeado pelo governo. O trata-mento para dependência química cabe à parceria que o presídio mantém com os grupos de Alcoólicos Anôni-mos (A.A.) e de Narcóticos Anônimos (N.A.), nos quais os coordenadores das reuniões, que ocorrem uma vez por semana, são voluntários. Os internos não são obrigados a participar dos grupos. E quando participam, não recebem benefícios sobre a pena, nem salário.

Um momento livre de algemas

Como funciona o tratamento para dependentes químicos em presídios do estado

|Fot

o: In

glyd

y Ro

drig

ues

Page 22: Primeira Mão 132

22 Primeira Mão | Maio de 2013

|Fot

o: In

glyd

y Ro

drig

ues

“Os medicamentos receitados aos dependentes geralmente são antidepressivos e antipsicóticos.

São remédios que ajudam a diminuir a fissura pela droga, a

ansiedade, além de contribuir na regulação do sono”

Page 23: Primeira Mão 132

23Primeira Mão | Maio de 2013

Daniel Lira Martins é psiquiatra na unidade prisional e afirma que a maioria dos internos tem dependên-cia química, embora os participantes do A.A. e do N.A. não somam 100 detentos. “Os medicamentos receitados aos dependentes geralmente são anti-depressivos e antipsicóticos. São remédios que aju-dam a diminuir a fissura pela droga, a ansiedade, além de contribuir na regulação do sono”, explica Daniel.

O perfil de quem participa dos grupos oscila entre mais jovens e mais velhos. Os mais jovens relutam em participar, já os mais velhos aceitam com mais facilidade. “Geralmente, os internos mais velhos são mais preocupados com a família e com sua reinser-ção social”, argumenta o psiquiatra. Ele acrescenta que o principal motivo pela procura dos grupos é a abstinência. “Muitos entram no grupo para di-minuir a ansiedade e para poder voltar a dormir à noite, por exemplo”. No entanto, segundo Daniel, há também aqueles que entram no grupo a fim de fugir da rotina.

Para entrar no A.A. ou no N.A., o detento passa por uma triagem psicológica. Luis Roberto, psicólogo do Máxima I, é responsável por essa etapa, além de ajudar a coordenar o grupos durante as reuniões. “Esse é o primeiro atendimento que eles recebem, onde vemos a qual grupo o interno se adequa me-lhor”, diz. Luis explica que o tratamento com os de-pendentes químicos é majoritariamente de caráter humano. Primeiramente, o psicólogo trata com eles os possíveis motivos que os levaram ao vício, como problemas na infância, com a família, entre outros.

Além disso, o psicólogo ensina aos presos técnicas de relaxamento que ajudam a atenuar os sinais da abstinência. Mas ele garante que a participação nos grupos é a principal ajuda contra o vício de entor-pecentes. “A troca de experiências com os outros presos incentiva ainda mais cada um, pois eles veem que não são os únicos que estão tentando largar a dependência. Isso porque a negação é a primeira e grande dificuldade que eles encontram. Em grupo, no entanto, fica mais fácil ajudá-los”, conta Luis.

As reuniões ocorrem dentro do presídio, entre as celas, em uma sala com parede, chão e teto bran-cos. Os internos ficam com seus uniformes laranja e chinelos preto sentados em círculo. Para a boca seca de tanto falar, uma garrafa de água é disposta no canto da sala, para todos. Durante a reunião, os internos prestam depoimentos sobre as dificulda-des de largar o vício e escutam conselhos dos coor-denadores do grupo. Todos os ouvem em silêncio.

O psiquiatra Daniel não elimina a possibilidade de drogas no presídio - ainda que, ao entrar, to-dos passem por, no mínimo, três revistas rigoro-sas - mas ele garante que o ambiente é um dos principais fatores positivos na luta contra o vício. “Um lugar como um presídio influi na reabilitação

dos detentos. Isso dá uma maior chance do suces-so terapêutico porque eles estão menos vulnerá-veis às drogas”, conta. Entretanto, uma dificuldade encontrada no tratamento dentro de uma unidade é a distância da família. As visitas do Máxima I são permitidas duas vezes ao mês.

O promotor de justiça e mestre em direito público André Luiz de Melo não acha suficientemente eficaz o tratamento de reabilitação em presídios como o Máxima I, em que são baseados quase unicamente no trabalho de ONGs . E em presídios onde o trata-mento é dado fora da unidade, geralmente Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS), ele vê como perigoso, devido ao risco de fuga do interno. “As visitas de voluntários como os Narcó-ticos Anônimos contribuem, mas quando o preso fica livre tem dificuldade para manter a disciplina”, argumenta.

Wilker Kaizer Freitas é vice-presidente do Sindica-to dos Agentes Penitenciários e de Escoltas e Vi-gilância do Espírito Santo (SINDAPEV-ES) e endos-sa a crítica feita por André Luis. E ele é ainda mais enfático. “O tratamento de dependentes químicos praticamente não existe dentro dos presídios capi-xabas”. Wilker confirma o que o Máxima I ilustra, di-zendo que quando tem, o serviço é feito por ONGs e outras instituições filantrópicas. Um problema disso, na visão de Wilker, é que, para participar, o preso precisa se voluntariar para receber o trata-mento e essa procura é quase inexistente. “Quando existe esse trabalho oferecido por pessoas de fora, poucos detentos se propõem a se tratar. Se um fos-se salvo, já era um grande avanço, mas a realidade é bem maior que um dependente só”.

Depois da pena cumprida, os presos dificilmente le-vam o tratamento adiante. O tratamento particular em clínicas especializadas passam de 30 mil reais, valor inacessível à maioria dos internos viciados e as entidades civis ou religiosas que prestam este serviço gratuito são em número insuficientes e pre-cisam de doações e voluntariado para manter suas atividades.

Luan [nome fictício], como Heleno, também tem 28 anos. Veio da Bahia e cresceu no Espírito Santo vendendo picolé e trabalhando de flanelinha. Aos treze anos, começou a usar maconha, cola e beber álcool, escondido dos pais. Mais tarde, já usava co-caína e crack. Hoje, está no Máxima I condenado há 22 anos por homicídio. Luan também participa do A.A. e diz que o tratamento tem ajudado muito sua recuperação. “Se não fosse o grupo, eu não te-ria como mudar ou enxergar que poderia mudar”, conta. Luan já vê avanços desde que entrou para o A.A. Sua saúde melhorou, está menos ansioso e a esposa o visita mais vezes. Mas, ele sabe que o tratamento ainda está no começo. “Na verdade, só vou ter certeza de que estarei curado do vício quando sair daqui”.

Page 24: Primeira Mão 132

ENTRETENIMENTO HENRIQUE MONTOVANELLI e KAROLINA LOPES

A Rua da Lama é o triângulo formado pelas ruas Anísio Fernandes Coelho, Alziro Zarur e Carijós, em um ponto privilegiado do bairro

Jardim da Penha. O local reúne histórias da Capi-tal e da boemia capixaba desde os anos 80, sendo um dos pontos de concentração de bares já tra-dicionais na cidade. É também o principal destino de lazer para universitários da região, que não dis-pensam um bom tira-gosto para acompanhar uma cervejinha gelada e o bate-papo entre amigos. A

Primeira Mão fez um levantamento dos petiscos mais famosos e mais pedidos da região.

O menu é bem variado, assim como o público da Lama. Salgados, porções e receitas exclusivas preenchem o cardápio, que agrada a todos os gos-tos. O bar Cochicho da Penha, por exemplo, é fa-moso pela receita de uma coxinha bem especial, como conta a proprietária Maria Conceição Rezen-de. “Em julho completamos 30 anos de Cochicho

Bons motivos para pisar na Lama

Reduto universitário desde a década de 80, os bares da Rua da Lama oferecem opções variadas de petiscos para acompanhar uma cerveja

gelada e uma boa conversa entre amigos

Buana Tricolor- Petisco: Bolinho de carne- Preço: R$ 3,00- Horário de funcionamento: todos os dias, de 12h até o último cliente- Diferencial: Roda de samba nos fins de semana e temática esportiva.

Chochicho da Penha- Petisco: Coxinha

(servida com maionese especial)- Preço: R$ 4,00

- Horário de funcionamento:De segunda a quinta, das 17h até o último cliente /

sexta e sábado, das 16h até o último cliente- Diferencial:

Repertório musical (jazz, MPB, blues e rock ‘n’ roll)

....................

....................................................

.....................................

| Foto: Henrique Montovanelli

| Foto: Henrique Montovanelli

Page 25: Primeira Mão 132

e a receita, criada por Manolo (antigo dono), acompanha o bar desde o primeiro dia de fun-cionamento”. Outro bar famoso pelo cardápio é o Abertura, que oferece o Kieber (frango empa-nado e recheado com queijo e presunto) desde 1996. Já o Buana Tricolor aposta em opções mais simples, com receitas exclusivas. O “bar do Flu-minense”, como é também conhecido, oferece salgados na estufa e tira-gosto de panela. Mas o bolinho de carne é o que mais vende. “Se eu te contar cada detalhe dos ingredientes desse bolinho... São muitos temperos e há uma forma especial de fazer”, conta a atendente e cozinheira Betânia Almeida dos antos.

Para o estudante de medicina, Pedro Henrique Brotas, 25, além do atendimento e da cerveja que, segundo ele, sempre está bem gelada, o maior diferencial da Rua da Lama é o ambiente. “A Lama é totalmente diferente de outros locais, como o Triângulo das Bermudas. Aqui você en-contra pessoas de vários estilos e o clima é muito mais informal e descontraído. Você pode vir de chinelo de dedo e bermuda, mas também pode se arrumar melhor, se quiser. Ninguém fica te re-parando. As pessoas só querem se divertir. Aqui você é só mais um”, comenta.

Já a jornalista Cíntia Vargas, 26, ficou um tempo sem frequentar a Rua da Lama, por conta da proi-bição de atrações musicais nos bares. Agora, após a liberação da música ao vivo, ela voltou a curtir a noite na Lama, mas prefere estabelecimentos que atraem um público mais velho. “Quando eu era estudante não saía daqui e mesmo hoje ainda venho muito porque não tem jeito: o perfil da Lama é único. Não tem outro lugar assim, des-pojado e que você possa ficar tão à vontade em Vitória. Voltaram as atrações musicais, então eu também voltei!”, brinca.

De fato não é só a gastronomia a responsável pelo sucesso da Rua da Lama. Bares como Belisco e Cochicho investem em música como diferen-cial. De acordo com Ronie Petterson, proprie-tário do Belisco, a maioria dos clientes do esta-belecimento tem entre 28 e 35 anos e é preciso investir em entretenimento para atraí-los. “É um bar mais maduro, frequentado, em geral, por ex--estudantes. Música ao vivo e roda de samba são coisas que agradam esta faixa etária, mas o pes-soal mais novo, por exemplo, não está disposto a ter um custo a mais por isso (pagar cover)”. Além do samba tradicional, o Belisco, como sugere o nome do bar, possui um cardápio recheado de opções de petiscos.

O Belisco, do bar Belisco | Foto: Divulgação

.......................................

“É um bar mais maduro, frequentado, em geral, por ex-estudantes. Música ao vivo e roda de samba são coisas que agradam esta

faixa etária, mas o pessoal mais novo, por exemplo,

não está disposto a ter um custo a mais por isso”

.......................................

Page 26: Primeira Mão 132

26 Primeira Mão | Maio de 2013

Do outro lado da rua, a dona do Cochicho, Ma-ria Rezende, conta que seu esposo, Geraldo, faz uma seleção especial de musicas para tocar no rá-dio mesmo. “O Geraldo não aceita ouvir qualquer porcaria. Temos, sem dúvida, o melhor repertório musical da Lama. Chega com um sertanejo univer-sitário daqueles e pede para tocar aqui pra ver... Aqui só toca jazz, MPB, blues e rock”. No Cochicho também é possível encontrar exposições de artistas independentes, muitas vezes universitários.

Um bar recentemente aberto, e que chama aten-ção, é conhecido como “Sofá da Hebe”. O esta-belecimento oficialmente não tem nome, mas foi apelidado assim pelos frequentadores, por ficar

próximo a um banco de concreto que parece um grande sofá, como os que decoravam o estúdio da falecida apresentadora. Para o proprietário Adilson Ballã, o diferencial do bar são os preços acessíveis. “Como tudo é mais em conta, acaba sendo um lu-gar direcionado aos estudantes. Para comer, por exemplo, optamos por comprar um carrinho e fa-zer churrasquinho, que não deixa de ser um ótimo petisco. Aqui todos se conhecem e ficam super à vontade”, conta.

Independentemente de estilo e preferências, no que diz respeito a lazer e comida de qualidade, as opções da Rua da Lama são variadas e democráti-cas!

“Sofá da Hebe” - Petisco: churrasquinho (carne, frango, coração

e calabresa, acompanhado de farinha e molho)- Preço: R$ 3,00

- Horário de funcionamento:todos os dias, das 19h às 02h

- Diferencial: Preço

.........................

- Petiscos: Frango à passarinho e “O Belisco” (Filé mingnon ao molho de gengibre, acompanhando de batata, polenta e aipim fritos, coberto por queijo parmesão)- Preço: Frango à passarinho R$ 28,90 e “O Belisco” R$ 65,50 - Serve: 2 pessoas (Frango à passarinho) e 4 pessoas (O Belisco)- Horário de funcionamento: todos os dias, das 17h às 03h - Diferencial: Música ao vivo e roda de samba, localização e par-ticipação em eventos do segmento, como o Roda de Boteco.

Belisco

| Foto: Henrique Montovanelli

| Foto: Henrique Montovanelli

Abertura

- Petisco: Kieber de frango (frango empanado com queijo e presunto, servido com maionese especial)- Preço: Porção inteira R$ 33,95 – Meia porção R$ 22,00- Serve: 4 pessoas- Horário de funcionamento: De Segunda a Quinta de 16h às 01h30 / De Sexta a Domingo das 15haté o último cliente- Diferencial: Atendimento

............................

...............................

| Foto: Henrique Montovanelli

Page 27: Primeira Mão 132

27Primeira Mão | Maio de 2013

| Foto: Michelle Terra

Estágios são uma ótima maneira de se ganhar experiência antes de, realmente, entrar no mer-cado de trabalho. Segundo o artigo 1º da Lei

11.788/08, estágio é o “ato educativo escolar super-visionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos”. Portanto, o estágio deve ser, antes de tudo, um local onde o estudante possa aplicar seus conhecimentos teóricos, aprender e crescer profis-sionalmente e como cidadão.

Porém, muitas vezes os estudantes são utilizados como mão de obra barata, substituindo profissio-nais formados na área. Ou, por outro lado, exercem apenas funções pouco especializadas, que não ge-ram nenhum aprendizado relativo a seus estudos.

Ana Carolina Eller está no último ano do curso de Engenharia de Computação da Ufes e estagia na Vale. Ela acredita que os universitários poderiam ser melhor aproveitados na empresa. “A maioria faz muito mais trabalhos administrativos do que qual-quer outra coisa. Os gestores têm muitas responsa-bilidades, passam muito tempo em reunião e não têm tempo para nos dar atenção e ensinar coisas realmente úteis para nosso futuro profissional”.

A jornalista Ana Luiza Calmon, formada pela UVV, foi estagiária na Rede Gazeta – considerada em-presa referência no jornalismo capixaba – pouco tempo antes de se graduar. Ela era uma das res-ponsáveis pela produção do conteúdo das rádios, juntamente com outro estagiário e a coordenadora

Prática e aprendizado nem sempre são as prioridades

O estágio, apesar de ser um atividade educativa voltada para o aprendizado do estudante, muitas vezes é utilizado pelas grandes empresas como um recurso para mão de obra barata

Para algumas empresas, estágios são um substituto barato da contratação de profissionais da área.

MICHELLE TERRA e PATRÍCIA GARCIAEDUCAÇÃO

Page 28: Primeira Mão 132

28 Primeira Mão | Maio de 2013

de produção. De acordo com ela, os estagiários de jornalismo tinham muitas responsabilidades, pois não havia uma orientação específica dos superio-res.

Além disso, Ana Luiza chegou a trabalhar como pro-dutora-chefe, mas sem ser oficialmente contratada e recebendo apenas a bolsa-auxílio de estagiária. Entretanto, apesar das dificuldades, Ana Luiza apro-veitou boas oportunidades para seu crescimento profissional. “Aprendi mais, conheci profissionais maravilhosos, conquistei confiança do chefe, fui dona das minhas pautas, fiz entrevistas diferentes”.

De acordo com o levantamento feito pela Asso-ciação Brasileira de Estágios (Abres), existem cerca de um milhão de estagiários espalhados pelo país. Destes, 740 mil são de ensino superior. Para a fu-tura engenheira Ana Carolina, algumas áreas den-tro de grandes empresas não deveriam contratar estagiários, pois eles acabam sendo subutilizados. Curiosamente, a Engenharia é uma das áreas em que faltam estagiários no país e, por isso, está entre as bolsas-auxílio mais altas. O mesmo ocorre nos cursos de Estatística, Matemática, Biblioteconomia, Economia, Secretariado-Executivo e Ciências Con-tábeis. Em compensação, faltam vagas para estu-

dantes de Administração, Comunicação Social e Informática que, consequentemente, recebem va-lores menores.

Segundo levantamento do Núcleo Brasileiro de Es-tágios (Nube), a bolsa-auxílio média no país é de R$ 772,82. Os cursos mais bem pagos são os supe-riores em Economia, Engenharia e Estatística, além do superior tecnológico em Secretariado, com bol-sas que ultrapassam os mil reais mensais. Mesmo com o novo valor de R$ 678, o salário mínimo está abaixo dessa faixa e, muitas vezes, os alunos que deveriam fazer estágio como uma forma de apren-dizado, acabam fazendo apenas pelo retorno finan-ceiro.

A lei 11.788, em vigor desde setembro de 2008, define e regula as atividades de estágio no Brasil. Conheça melhor os prin-cipais pontos da Lei do Estágio para não abrir mão de seus direitos.

Quem pode estagiar?Estudantes, regularmente matriculados, do ensino superior, médio (técnico e regular), da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental (na modalidade pro-fissional da educação de jovens e adultos).

Qual a carga-horária permitida?Ensino superior e médio (técnico e regu-lar): 6 horas diárias/ 30h semanais.Educação especial e anos finais do ensino fundamental da Educação de Jovens e Adultos (Eja): 4 horas diárias/ 20h sema-nais.

Qual o período máximo que o estagiá-rio pode permanecer na mesma empre-sa?Dois anos, exceto para pessoas com defi-ciência.

A que o estagiário tem direito?Bolsa-auxílio, assim como auxílio-trans-porte, em caso de estágio não obrigatório.Recesso remunerado. São assegurados 30 dias por ano.Redução da carga-horária à metade em época de provas.Seguro contra acidentes pessoais.

Fonte: Inep/MEC e Abres.

Page 29: Primeira Mão 132

29Primeira Mão | Maio de 2013

SOCIEDADE RHAYAN LEMES e VIVIANE MACHADO

Vou fazer uma fezinha”. Certamente você já ouviu essa expressão, dita quando as pessoas pretendem fazer uma aposta em determina-

do jogo. O problema é quando a única esperança para vencê-lo é, de fato, a fé. Ou melhor, a sorte. Isso porque o jogo de azar é considerado contra-venção penal – e não crime – pela legislação vigen-te desde 1941 no Brasil.

O professor de Direito e Processo Penal e Direito Constitucional da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ricardo Gueiros, explica que o “fator sorte” é decisivo para que um jogo seja considera-do “de azar”. “A infração só será praticada quan-do se tratar de jogo em que o ganho/perda seja proveniente exclusiva ou principalmente da sorte. A rigor, todos os jogos dependem em certa medida de sorte. Mas, para configurar-se a contravenção, é necessário que a sorte seja exclusiva ou significati-vamente prevalente, como é o caso, por exemplo, do jogo de roleta”, exemplifica, com base no arti-go 50 do Decreto-Lei 3.688/41 que institui a Lei de Contravenções Penais.

No entanto, as apostas nos jogos de loteria, como a Mega-Sena, são permitidas em todo o país. Se-gundo o professor, há dois motivos para essas jo-gatinas serem legais, do ponto de vista jurídico. O artigo 51, da Lei de Contravenções Penais, diz que é infração “promover ou fazer extrair loteria, sem autorização legal”. Ou seja, não há ilícito quando há autorização legal.

“Em segundo lugar, mesmo que não tivéssemos o artigo 51, a Teoria Geral do Direito Penal já nos res-ponderia essa questão, pois as loterias que costu-meiramente conhecemos são regulamentadas por lei. Ou seja, é a própria norma que permite o jogo. É o que chamamos em Direito Penal de exercício regular do direito”. É como em uma luta de boxe, que mesmo sendo previsto em lei o crime de lesão corporal, quando um lutador toma um soco não é considerado crime, pois faz parte das “regras do jogo”. É a própria norma jurídica (que regulamenta

o esporte) que cria a exceção e permite a lesão cor-poral na luta. Por isso, os jogos em loterias legaliza-das são permitidos e o jogo do bicho, não. Ambos contam exclusivamente com o fator sorte, mas o primeiro é legalizado e administrado pelo Governo Federal, por meio da Caixa Econômica Federal.

“A Caixa detém o monopólio da exploração do jogo no Brasil e o brasileiro só aposta através e da forma que o banco oferece”, afirma o sociólogo Rodrigo Cesar Moura, que criou uma página na internet para debater sobre o tema. De acordo com a Caixa, a exploração da Loteria Federal pela instituição é exceção aos demais jogos de azar, pois está auto-rizada pela legislação, tendo quase metade dos lu-cros direcionados a programas e projetos sociais de âmbito nacional. “Em média, 48% da arrecadação é destinada aos programas sociais do governo fede-ral para investimentos nas áreas de seguridade so-cial, esporte, cultura, segurança pública, educação e saúde, além do imposto de renda sobre os prêmios distribuídos”, informa a Caixa, por meio de nota.

Para o bacharel em Direito, Ivanilo Alves da Silva, “é preciso que o legislador busque outras formas de por um ponto final na questão, pois de um lado o Estado reprime e de outro usa nosso sistema lega-lista para explorar sozinho o que ele mesmo conde-na”. No trabalho para a conclusão do curso de Di-reito, ele aponta que, mesmo sendo legal, a prática cria “uma insegurança nos princípios básicos que norteiam toda estrutura do sistema jurídico-penal”, prejudicando a coerência da lei.

Sorte ou azar no jogo?O jogo de azar é contravenção penal e pode se tornar crime. Na categoria, o mais conhecido é o jogo do bicho. Mas o que determina que um jogo é ilegal?

“De um lado o Estado reprime e de outro usa nosso sistema legalista para explorar sozinho

o que ele mesmo condena”

Page 30: Primeira Mão 132

Existem diversos projetos de lei tramitando - a pas-sos lentos - no Congresso Nacional, relacionados à legalização dos jogos de azar e de cassinos. A co-missão de juristas do Senado, que discute a reforma do Código Penal, aprovou, no final de março deste ano, a proposta de criminalização da exploração dos jogos de azar realizados sem autorização legal.

Atualmente, tanto o explorador quanto o jogador podem ser enquadrados pela Justiça como contra-ventores, e não como criminosos, com penas que chegam a um ano de prisão ou serviços sociais. O jogo do bicho e a exploração de máquinas caça-ní-queis, também, são considerados crimes caso seja constatada lavagem de dinheiro. As penas ficam entre três e dez anos de reclusão ou multa.

O texto, que será enviado pela comissão de juristas ao presidente do Senado e depois votado nas duas Casas do Congresso, sugere ainda a extinção da Lei de Contravenções Penais.

Para o professor de Direito e Processo Penal da Ufes, criar novos crimes ou aumentar penas “é uma péssima ferramenta contra a criminalidade”. “Mui-tas vezes esses crimes não serão combatidos e, com isso, vemos a banalização da norma jurídica e a sensação de impunidade acarretada pela falta de credibilidade do Estado. Essa falta de combate é gerada por vários motivos. Às vezes, porque há uma certa aceitação social daquela conduta; outras vezes, porque, em razão da falta de estrutura (tanto da polícia como do judiciário) para enfrentar todos os crimes, dá-se prevalência às condutas mais gra-ves”, explica Gueiros.

Por outro lado, ele defende a revogação da Lei de Contravenções Penais, pois acredita que ela não pune com eficiência e “banaliza o Direito Penal”.

Ainda assim, Gueiros diz que o trâmite para aprovar um novo código de leis no Brasil é demorado, tendo algumas aprovações fracassado ao longo da histó-ria. “É dificílimo aprovar um novo código no Brasil. O último foi o Código Civil, aprovado em 2002, que teve uma tramitação de aproximadamente 25 anos! Por isso, nos últimos anos, as reformas têm sido efe-tuadas de forma pontual”, acrescenta.

Jogos eletrônicos Os jogos de azar também podem ser praticados por meios eletrônicos, através de máquinas caça--níqueis e até mesmo por meio de apostas em sites da internet. De acordo com o titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Eletrônicos (DRCE), Leandro Piquet, a falta de legislação nacional específica para internet pode prejudicar a investigação de casos em que, mesmo sendo praticados no Brasil, os jogos tem seus softwares instalados em servidores dos Es-tados Unidos, onde não há proibição legal.

Nesse caso, o professor Gueiros acredita que não há necessidade de criar novos tipos penais para os cha-mados crimes cibernéticos. “O que muda é apenas o meio pelo qual o crime é cometido. O que preci-samos é de uma melhor estrutura para investigar os crimes praticados por meio da internet”, justifica.

Cassinos flutuantes

Ligados historicamente ao luxo e ao poder, os cassinos estão presentes nos cruzeiros marítimos em navios internacionais. Mas, quando eles estão a 12 milhas da costa brasileira, a jogatina fica proibida, pois o espaço já é considerado território nacional, onde a prática é irregular. “Quando os navios transcendem o mar territorial e estão em mar aberto, não existe lei que inibe a prática, por isso não há crime”, afirma o delegado Leandro Piquet.

“Para configurar-se a contravenção, é necessário que

a sorte seja exclusiva ou significativamente prevalente no

jogo”

Page 31: Primeira Mão 132

Jéssica Romanha

feito à mãoNoite Fria

Composição: Jéssica Romanha e Alex MeloRevisão: Andréa Silva

Page 32: Primeira Mão 132

Já temos nossos três pontos de vista. Agora queremos o seu.

para debater diversos temas relacionados à Comunicação.

O 3em1 é um Projeto de Extensão da Ufes

que tem o objetivo de aproximar estudantes de Comunicação Social

da realidade mercadológica.

Por isso, convidamos profissionais atuantes no mercado

Já temos nossos três pontos de vista. Agora queremos o seu.

para debater diversos temas relacionados à Comunicação.

O 3em1 é um Projeto de Extensão da Ufes

que tem o objetivo de aproximar estudantes de Comunicação Social

da realidade mercadológica.

Por isso, convidamos profissionais atuantes no mercado