potencial pedagÓgico do ensino multidisciplinar...
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POTENCIAL PEDAGÓGICO DO ENSINO MULTIDISCIPLINAR NA
PERSPECTIVA CTSA POR MEIO DO EXPERIMENTO DA
FERMENTAÇÃO E DESTILAÇÃO DO CALDO DE CANA
Rúbia C. Pereira – [email protected] Instituto Federal do Espírito Santo –
Ifes Mestrado Profissional em Educação em Ciências e Matemática - EDUCIMAT
Vitória – Espírito Santo
Nardely S. Gomes – [email protected]
Fernando Lopes – [email protected]
Resumo: O trabalho apresenta o potencial pedagógico do ensino multidisciplinar por meio
da metodologia de investigação na perspectiva CTSA. Apresentamos uma atividade prática
que experimenta o processo de fermentação do caldo de cana e destilação para a produção
do etanol. Esta situação se apresenta como problemática inicial a fim de desenvolvermos as
hipóteses e fomentar o debate para a sistematização do conhecimento interdisciplinar.
Posteriormente ampliamos e fundamentamos a discussão na perspectiva do movimento CTSA
abordando temas como o histórico da produção de cana no ES, o etanol como combustível e
o destino dado aos resíduos da cana após o processo de moagem e extração do caldo.
Palavras Chave: Interdisciplinar, CTSA, Atividade prática, Cana de açúcar
1 INTRODUÇÃO
A humanidade está inserida em uma sociedade em que os efeitos da ciência e da
tecnologia estão constantemente mudando as formas de convivência com o meio ambiente,
com os semelhantes e com a interpretação de mundo.
A formação cidadã dos alunos, nesse contexto,se torna muito relevante. Assim, o ensino
de conteúdos específicos e pragmáticos deve enfatizar a formação crítica, capaz de aliar o
conhecimento científico ensinado no cotidiano da escola com o desenvolvimento humano e as
relações sociais, dessa forma, a escola é vista como um agente do pensamento crítico aplicado
à realidade e que permita o aluno participar da vida social presente.
Segundo Freire (2002), para a humanização e libertação do homem, não se deve
prescindir da ciência nem da tecnologia, e sim, usá-las para instrumentar melhor essa
transformação.
Esse reconhecimento mais ampliado da educação e formação critico-cidadã tem refletido
algumas, mesmo que poucas, mudanças nas metodologias de ensino da educação básica. É
possível constatar uma tendência que transcende o ensino tradicional para uma metodologia
mais dinâmica e interdisciplinar, acrescentando uma nova perspectiva de ensino e integrando
no dia-a-dia da sala de aula, práticas que trabalham desenvolvimento do caráter e a formação
social.
O Movimento Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA) compartilha do
pensamento de que o ensino não deve priorizar somente os conteúdos de cada disciplina
separadamente, de forma a preterir os acontecimentos da atualidade, propondo um projeto de
educação científica que possibilite a compreensão da realidade, o enfrentamento dos
problemas sociais e o entendimento dos conhecimentos de teor científico (HAZEN; TREFIL,
1995).
Estudos sobre CTSA aponta uma direção para que o conhecimento seja explorado
refletindo o pensamento crítico e por assumir uma identidade integradora no meio em que se
atua, Assim, na concepção do movimento CTSA o objetivo é formar pessoas de direitos e
deveres que possuam senso crítico e que saibam costurar o saber científico, aprendido na
escola, com o seu cotidiano, se interessando mais pela ciência e que saibam dialogar com a
ciência. Segundo Chassot:
A mudança de paradigma ocorre com o abandono de uma tradição centrada na
transmissão de conhecimentos científicos prontos e verdadeiros para alunos
considerados tabulas rasas, cujas mentes vazias precisariam ser preenchidas com as
informações, para adotarem orientações construtivistas, cuja postura reside na
construção e reconstrução ativa do conhecimento por parte dos envolvidos no
processo de ensino-aprendizagem das disciplinas científicas [...]. (CHASSOT, 2004,
p. 63)
Este trabalho é uma proposta de ensino que apresenta o potencial pedagógico de uma
experiência investigativa na perspectiva do movimento CTSA. A temática a que exploramos é
a fermentação do caldo-de-cana, formulando a seguinte hipótese a partir de uma situação
problemática real: Como promover um aprendizado crítico, significativo e contextualizado na
perspectiva CTSA por meio de uma atividade prática de investigação da fermentação e
destilação do caldo da cana-de-açúcar?
A discussão sobre as possibilidades de ensino interdisciplinar na perspectiva CTSA não
se esgotam na experiência prática, ela se amplia para além dos conteúdos específicos de
química,biologia, matemática e história, buscando discutir temáticas econômicas, políticas e
sociais durante o desenvolvimento da proposta.
2 METODOLOGIA
A metodologia do trabalho está voltada para o diálogo entre a experiência de investigação
numa perspectiva colaborativa desenvolvida pelos professores pesquisadores e seu potencial
de ensino multidisciplinar.
Realizamos a experiência da fermentação na residência de um dos pesquisadores e
anotamos o passo a passo (descrito no item 3.2) no diário de bordo. Após obtermos a
fermentação, fotografamos e anotamos os resultados e levamos o caldo de cana já fermentado
para o laboratório de Química do IFES (Instituto Federal do Espírito Santo) para realizarmos o
processo de destilação. Posteriormente a realização da experiência prática buscamos
referências bibliográficas na área do ensino de ciências e matemática que fundamentassem a
importância deste trabalho de investigação e problematização para o ensino dos conteúdos
ministrados por nós, professores e pesquisadores de ciências biológicas e matemática. Para
atender a esta necessidade trazemos Paulo Freire que fala da construção, instrumentação e
ampliação do conhecimento orientando as pessoas na conquista de autonomia. Chassot
embasa a alfabetização científica no ensino de Ciências para subsidiar a construção do saber
pelos estudantes sobre as varias dimensões do conhecimento científico com o objetivo de
desvelar a ciência e a tecnologia como atividades humanas históricas e sociais estabelecidas.
Skovsmose fundamenta o ensino da matemática crítica, de forma que o conhecimento e seu
potencial transformador possam ser compreendidos e aplicados pelos estudantes.
A metodologia de ensino por investigação científica com propostas multidisciplinares que
apresentem situações problemas fundamentadas na ação visa habituar alunos e professores
com a pesquisa científica, conduzindo- os para indagações de temas que envolva o seu bem-
estar individual e social. Para que ele seja capaz de formular e testar hipóteses, refletir e
debater. Atividades práticas e científicas que despertem a curiosidade, o desejo de
experimentar e duvidar. Azevedo (2006) reafirma a importância da problematização e
investigação no processo de ensino aprendizagem.
Utilizar atividades investigativas como ponto de partida para a compreensão de
conceitos é uma forma de levar o aluno a participar de seu processo de ensino
aprendizagem, sair de uma postura passiva e começar a perceber e agir sobre seu
objeto de estudo, relacionando o objeto com acontecimentos e buscando as causas
desta relação, procurando, portanto, uma explicação causal para o estudo de suas
ações e/ou interações. (AZEVEDO,2006, p.22)
Esta metodologia demonstra que alunos e professores são capazes de desenvolver a
criticidade no uso das múltiplas linguagens e tecnologias para construção coletiva do
conhecimento, participação dos processos sociais e interferência na realidade como fator de
cidadania.
3 POTENCIAL PEDAGÓGICO DA ATIVIDADE INVESTIGATIVA PARA O
ENSINO MULTIDISCIPLINAR
A matemática pode ser explorada a partir de cálculo entre a proporção da quantidade de
fermento e do caldo de cana, mas principalmente, refletir sobre a geração de bagaço de cana
produzido e vinhaço na produção do etanol.
Para esse experimento, usamos 1 litro de cana-de-açúcar retirados de 3 canas de
aproximadamente 90 cm cada, do qual conseguimos destilar 53 ml de Etanol. A proposta para
o ensino de matemática é em torno da problemática: Qual a área plantada de cana-de-açúcar
necessária para produzir um cilindro de raio r e altura h de Etanol? Para isso, os alunos teriam
que investigar sobre o plantio da cana (processo de preparação da terra, espaçamento entre
mudas, etc) e calcular a partir da quantidade usada no experimento. Essa sequência conduzirá
os alunos a uma reflexão crítica sobre a relação entre o consumo e o impacto nas terras de
plantio de alimentos e sobre os conteúdos especificamente matemáticos que serão abordados,
proporção entre grandezas, cálculo de áreas e de volume de sólidos.
O ensino-aprendizagem da matemática nesse contexto abre as portas da sala de aula para
o mundo e para a vida ao redor da escola, motivando os alunos a participar e construir, com
base no conhecimento científico, suas decisões e como elas podem influenciar no meio
ambiente. A escola não pode ser um mundo à parte, e ao discutirmos as relações entre
pessoas, meio ambiente e conhecimento, devemos lembrar que o desafio é pôr o
desenvolvimento humano como referencial estratégico para as decisões e atitudes.
Skovsmose em seu livro Educação Matemática Crítica: A questão da democracia,
enfatiza Henry Giroux (1989):
[...] a escola precisa ser defendida como um serviço que educa estudantes a serem
cidadãos críticos que podem desafiar e acreditar que suas ações poderão fazer
diferença na sociedade. Portanto, os estudantes devem ser apresentados às formas de
conhecimento que lhes deem a convicção e a oportunidade de lutar por uma
qualidade de vida com todos os benefícios do ser humano. (SKOVSMOSE, 2001, p.
65)
Toda metodologia objetiva estimular os estudantes a pensar, discutir e buscar respostas
para justificar suas ideias na construção do conhecimento apoiados pela metodologia
científica. Superando a ideia do professor como transmissor do conhecimento, conduzindo a
autonomia e participação ativa do aluno em seu processo de ensino-aprendizagem.
Já sobre a abordagem histórica pode ser trabalhada com o histórico da produção de cana
de açúcar e etanol no Brasil e no estado do Espírito Santo buscando, por meio de reflexões,
discussões e novas problematizações, compreender como as condições de trabalho e de vida
dos escravos no Brasil colônia são importantes para explicar a constituição e concepções da
sociedade brasileira na atualidade.
Segundo De Abreu et al (2011), o complexo agroindustrial canavieiro constitui-se na
mais antiga atividade econômica do Brasil. De grande importância para a economia brasileira,
a cana-de-açúcar é explorada em todo o território nacional, embora os principais pólos
produtores estejam situados nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul. As regiões do país que
historicamente cultivam a cana em larga escala são o Nordeste e o estado de São Paulo.
Recentemente, a indústria se expandiu ao norte do estado do Rio de Janeiro, em Minas Gerais,
Espírito Santo, norte do Paraná e Estados do Centro-oeste afirmam que a atividade canavieira
gera 14% dos empregos totais do país, e apenas ela reúne 6% dos empregos agroindustriais
brasileiros, além de responder por 35% do PIB e do emprego rural do Estado de São Paulo.
(BRAGATO et al 2008) No Brasil, emprega cerca de um milhão de pessoas de forma direta,
e aproximadamente quatro milhões indiretamente.
A importante história do cultivo e exploração da cana no Brasil dura mais de 400 anos e,
ao mesmo tempo em que gera riqueza e progresso, promove grandes problemas sociais e
ambientais, que ainda estão longe de serem solucionados.
3.1 A fermentação alcoólica do caldo da cana-de-açúcar
A produção do etanol através da cana-de-açúcar é permeada por técnicas em todas as suas
etapas desde a plantação e cultivo, colheita, moagem, produção do caldo, fermentação e
destilação. Desenvolvemos esta parte do trabalho descrevendo o potencial pedagógico do
experimento da fermentação alcoólica, onde obteremos o etanol como produto final.
A fermentação alcoólica do caldo da cana-de-açúcar acontece por meio dos micro-
organismos da espécie Saccharomyces cerevisiae, levedura conhecida como fermento de pão.
A sacarose(C12H22O11) presente no caldo da cana é convertida em glicose(C6H12O6) e
frutose(C6H12O6) pelas enzimas invertase das leveduras e, posteriormente, transformadas em
etanol(C2H5OH) e dióxido de carbono (CO2) (FERREIRA e MONTES, 1999 et al. apud
BRAIBANTE et al 2013). A reação completa está expressa na “Equação (1)”
C12H22O11 + H2O → C6H12O6 + C6H12O6 (1)
C6H12O6 →2 C2H5OH + 2 CO2
Após a fermentação, a etapa para obtenção do etanol é a destilação – método de
separação de misturas em diferentes pontos de ebulição. A destilação simples é feita em
aparelhos pouco sofisticados como, por exemplo, os alambiques, utilizados na produção de
cachaça artesanal. Nesse processo, obtém-se uma mistura aquosa contendo, principalmente,
etanol e outras substâncias em menor quantidade (SILVA, 2010). Já a destilação fracionada, é
realizada com aparelhos mais específicos, como o destilador, para a obtenção de compostos
com um grau de pureza maior como, por exemplo, na produção de etanol em escala industrial.
(BRAIBANTE et al, 2013). Em nosso experimento realizamos a destilação fracionada.
Ainda hoje, a produção da cana-de-açúcar é uma das principais culturas agrícolas
brasileiras. Dependente dessa produção, o setor de álcool combustível é essencial para
consolidar a presença brasileira no mercado energético mundial. (BRAIBANTE et al, 2013).
3. 2 Produção do fermentado de caldo de cana e destilação
O objetivo desse trabalho é problematizar a partir da experiência da fermentação e
destilação do caldo-de-cana o potencial pedagógico de ensino multidisciplinar. Realizamos
todas as etapas do experimento no laboratório de Química do Instituto Federal do Espírito
Santo, campus Vitória.
Esse processo foi muito importante para nós, professores-pesquisadores das áreas de
matemática e biologia, pois ao realizarmos o experimento, criamos uma atmosfera de
formação colaborativa e interdisciplinar, de formulação de hipóteses, pesquisa e diálogo.
Aqui descrevemos as etapas do experimento realizado e fotografado por nós.
Etapa 1- Preparação do caldo de cana para fermentação.
Foto 1: Início do Experimento – Mistura do Fermento e do Caldo-de-Cana
Às 20 horas e 48 minutos do dia 03 de março de 2014 iniciamos o experimento da
fermentação da cana de açúcar. Inicialmente derretemos 30g de fermento biológico em 70ml
de água morna.Despejamos esse fermento em 1,2 litros de caldo de cana e misturamos bem. (
Foto 1)
Em seguida acrescentamos duas colheres de sopa de açúcar do tipo cristal e misturamos
até a completa dissolução. A mistura adquiriu a coloração “marrom madeira”, e um odor
característico de “fermento de pão” (foto 1).
Etapa 2– Ao fim do período 12 horas de repouso da mistura, a coloração tornou-se mais
amarelada e o odor característico de fermento permaneceu o mesmo. Notou-se um acúmulo
bolhas na lateral do recipiente (foto 2).
Foto 2 e 3: Fermentação da Mistura
Às 12 horas e 40 minutos a mistura tornou-se ainda mais amarelada. Houve o acúmulo de
bolhas na superfície, que foi dissipada após revolvermos a solução. O aroma permaneceu
inalterado (foto 2 e 3).
Etapa 3 – O local de armazenamento foi modificado. A mistura foi transferida para um
ambiente um pouco mais quente. Após a mudança, o caldo começou a apresentar sinais de
fermentação com a formação de uma fina espuma que se movimentava espontaneamente.
Nesta etapa o caldo é denominado mostro, um suco em processo de fermentação.
Após 48 horas, a aparência da mistura se modificou. Surgiram bolhas e um odor
característico de cerveja (foto 4).
Foto 4: Fermentação da Mistura
No dia 06 de março de 2014, às 10 horas, iniciamos o processo de destilação fracionada
da cana de açúcar fermentada no laboratório de química do Instituto Federal do Espírito
Santo, em Jucutuquara, Vitória.
Etapa 4 – Para o fermentado do caldo de cana foi montado um sistema de destilação
fracionada, que pode ser observado na foto 5 a seguir.
Foto 5: Destilação.
Adicionamos cerca de 600mL do caldo fermentado em um balão de fundo redondo,
contendo pérolas de vidro para promover um aquecimento uniforme do líquido.O balão foi
acoplado ao sistema de destilação e a temperatura inicial foi de 25°C (foto 6).
Foto 6: Preparação para destilação
O caldo fermentado foi aquecido até atingir aproximadamente a temperatura de ebulição
do etanol - 78ºC. (Foto 7)
Foto 7: Destilação
A temperatura foi controlada por meio da observação do termômetro do sistema de
destilação. Após uma hora de destilação sobre temperatura constante em 79° C, foi possível
destilar 53 ml de etanol. (Foto 8)
Foto 8: Produção do Etanol
A sobra, ou vinhaça,apresentava forte odor de cachaça e tinha coloração caramelo. Ela foi
descartada logo após o término do experimento.
3.3 Explicações do fenômeno
A experiência desenvolvida tem o objetivo de demonstrar a fermentação das leveduras,
fungos da espécie saccharomyses sp., no caldo de cana para a produção do etanol. Os fungos
realizam este processo com o objetivo de obterem energia por meio da quebra na molécula de
glicose, representada pela fórmula C6H12O6, advinda da cana-de-açúcar.
A quebra da molécula de glicose acontece por meio de um processo denominado
glicólise, esta reação, feita pelas leveduras (fungos), transforma a glicose em ácido pirúvico
(ou piruvato). Durante esta fase de glicólise acontece a produção e o transporte de elétrons de
hidrogênio (H+), a produção de energia (ATP) e a liberação de dióxido de carbono (CO2).
Após a quebra da glicose o ácido pirúvico vai sofrer a descarboxilação, liberação de duas
moléculas de gás carbônico (CO2) e a fermentação resultará na produção do etanol. O
processo, denominado fermentação alcoólica, está esquematizado na figura 1 abaixo.
Figura1(disponívelem<http://www.colegiovascodagama.pt/ciencias3c/decimo/unidade312.ht
ml> acesso em 11/03/2014)
No caso do nosso experimento, a fermentação ocorreu após dois dias por meio da mistura
de 1 litro de caldo da cana-de-açúcar (glicose), 30 gramas de fermento biológico (leveduras
saccharomyses sp.) e duas colheres de açúcar do tipo cristal. Todo o processo foi
detalhadamente relatado no diário de bordo.
É importante lembrar que o produto final irá variar de acordo com o tipo de fungo ou
bactéria e substrato fermentado. A figura 2, abaixo, explica o tipo de micro-organismo para
cada produto. No caso de outros tipos de fungos e substratos fermentados, não acontece a
descarboxilação, como no caso dos lactobacilos do processo de fermentação láctica.
Figura 2 ( Disponível em <http://essaseoutras.xpg.uol.com.br/fermentacao-alcoolica-latica-e-
acetica-tipos-de-respiracao-anaerobia/> acesso em 10/03/2014)
4 HISTÓRICO DA PRODUÇÃO DE ÁLCOOL NO ESTADO DO ES
Segundo informações do Instituto Capixaba de Pesquisa Assistência Técnica e Extensão
Rural (disponível em: http://migre.me/jbB3L), a cana-de-açúcar, originária da Nova Guiné,
foi introduzida na América por Cristóvão Colombo e no Brasil por Martin Afonso de Souza
no ano de 1532. No Espírito Santo, os primeiros engenhos de cana surgiram em São Mateus.
Em 1605, a cultura da cana já era importante também em Vitória, onde se produzia açúcar e
aguardente.
O setor sucro-alcooleiro iniciou-se no Espírito Santo no início do século passado, com a
implantação da Usina Paineiras no sul do Estado (instalada em 1911/12 – obra do governo
Jerônimo Monteiro) buscando dinamizar a região, onde predominava a pecuária e a
monocultura do café.
Em 1977/1978 foi criado o PROÁLCOOL, um programa ambicioso que, além de
substituir grande parte da importação de petróleo, tornou-se um marco na cadeia ambiental,
pois a queima do álcool – sendo um oxigenado – emite menos de 10% de poluentes que os
carbonados derivados de fóssil. O Espírito Santo se fez presente em resposta ao anseio
nacional: com a Usina Paineiras se adaptando para produzir mais álcool e sendo implantadas
no Estado 6 usinas autônomas para produzir somente álcool (ALBESA – Boa Esperança,
ALCON – Conceição da Barra, ALMASA – São Mateus, já desativada, CRIDASA – Pedro
Canário, DISA – Conceição da Barra e LASA – Linhares).
A cana-de-açúcar sobreviveu para contar sua própria história e testemunhou impassível
nestes quase cinco séculos de existência em solo brasileiro, a resistência indígena, a luta dos
negros africanos e brasileiros por liberdade nas senzalas, a opulência dos senhores de engenho
nas casas-grandes, o período colonial, o Império, a República, o Estado Novo, as tentativas de
democratização, o golpe militar de 64, a redemocratização e a Constituição de 1988.
5 O ETANOL COMO COMBUSTÍVEL
Inicialmente usada para a produção de açúcar, a cana-de-açúcar, também é a matéria
prima para a produção de etanol, combustível que substitui a gasolina e reduz em até 90% a
emissão de gases poluentes para a atmosfera. Ainda hoje, a produção da cana-de-açúcar é uma
das principais culturas agrícolas brasileiras. Dependente dessa produção, o setor de álcool
combustível é essencial para consolidar a presença brasileira no mercado energético mundial.
Segundo dados na Companhina Nacional de Abastecimento (Conab) a produção de etanol
total fechou em 23,64 bilhões de litros na safra 2012/13 e é estimada em 27,66 bilhões de
litros para safra 2013/14, um incremento de 4,02 bilhões de litros, alta de 16,98%. Deste total,
11,73 bilhões de litros deverão ser de etanol anidro e 15,93 bilhões de litros de etanol
hidratado. Assim, o etanol anidro deverá ter um acréscimo de 19,04% na produção e o etanol
hidratado terá aumento de 15,51%, quando comparados com a produção de etanol da safra
anterior. O etanol hidratado é o etanol comum vendido nos postos, enquanto o etanol anidro é
aquele misturado à gasolina.
De acordo com o site Nova Cana (2014), o etanol é o combustível veicular de mais de 40
países, que o utilizam principalmente misturando o líquido à gasolina. A maior proporção do
combustível no exterior ocorre na Suécia, que usa 95% de etanol (E95) nos tanques de alguns
ônibus do transporte público. O Brasil até hoje é o único país que utiliza etanol hidratado puro
(E100) como combustível. Ainda segundo o site, em quase 35 anos de utilização como
combustível puro, o etanol oscilou entre a quase exclusividade em relação à gasolina e à
completa extinção. Surgindo em 1979, bastou apenas 4 anos para ele igualar a gasolina na
preferência dos veículos novos. Em 1985, o etanol atingiu seu pico, com cerca de 90% dos
carros novos sendo movido por ele. Porém, no fim da década, o preço do petróleo diminuiu, e
a gasolina ultrapassou o álcool em 1990. Entre 1996 e 2002, foi praticamente 0% a
quantidade de veículos novos movidos a etanol. O combustível só ressurgiu em 2003, com a
chegada dos motores bicombustível. Desde 2005, a venda de automóveis total flex
predomina, com cerca de 85% dos carros saídos de fábrica possuindo esse sistema.
6 APROVEITAMENTO DOS RESÍDUOS
A crescente preocupação por fontes de energia renováveis, e menos poluentes que o
petróleo, tem levado a um investimento na produção de cana-de-açúcar. A cana-de-açúcar
(Saccharum sp) é, atualmente, uma das principais e mais importantes culturas no Brasil sendo
o agronegócio sucroalcooleiro, segundo informações do PROCANA (Programa da Cana-de-
açúcar), responsável por aproximadamente 1,76% do PIB nacional, de acordo com dados da
safra 2008/2009.( RODRIGUES, 2010)
A cultura da cana de açúcar, assim como qualquer outra atividade agrícola, é responsável
por impactos ao meio ambiente, na medida em que explora recursos naturais como água e
solo, utiliza fertilizantes e pesticidas, além de gerar resíduos. Os impactos do setor
sucroalcooleiro no meio ambiente incluem os efeitos na qualidade do ar e no clima global, no
uso do solo e biodiversidade, na conservação do solo, nos recursos hídricos e no uso de
defensivos e fertilizantes. (LIBONI e CEZARINO, 2012)
Com a necessidade de tornar a atividade sucroalcooleira mais sustentável algumas
medidas podem ser tomadas, como exemplo, o aproveitamento de resíduos provenientes da
produção do açúcar e álcool como o vinhoto e o bagaço. Aproveitado como fertilizante
biológico nas lavouras, o vinhoto, um produto ácido, rico em nutrientes, deixa de ser lançado
nos corpos d’água evitando a eutrofização e a morte de organismos. Isto é positivo do ponto
de vista ambiental, pois diminui o uso de fertilizantes químicos a base de petróleo e contribui
para a diminuição da emissão de gases causadores do Efeito Estufa. ( RODRIGUES, 2010)
A utilização do bagaço da cana para a geração de energia elétrica (bioeletricidade)
também traz grandes oportunidades ao País, pois ajuda a suprir o fornecimento interno de
energia, além de posicionar a nação como grande produtora de energias limpas não
provenientes dos recursos fósseis e hídricos tradicionais. (SANTINI et al 2011)
De acordo com reportagem do Jornal A Gazeta (disponível em: http://migre.me/ie8Zj), no
Espírito Santo há casos bem sucedidos de empresas que já realizam o aproveitamento de
materiais que seriam destinados ao lixo para a geração de energia. É o que ocorre com grupos
como a Alcon, que produz açúcar e álcool e a usina Paineiras, localizada em Itapemirim, no
Sul do Estado. Ambas já utilizam bagaço de cana para produzir energia elétrica.
Além do aproveitamento do bagaço para a produção de energia, outras possibilidades
estão sendo estudadas como é o caso do “Tijolo sustentável”, produto da pesquisa de duas
jovens de Palmeira dos Índios, município de pouco mais de 75 mil habitantes no Agreste
alagoano, que utilizam as cinzas do bagaço na produção de um tijolo com um custo bem
menor e que pode mudar a realidade de muitas comunidades da própria cidade onde elas
nasceram. Outro caso, segundo matéria do eCycle (disponível em: http://migre.me/ieaFp),
vem de Pindoretama, cidade da região metropolitana de Fortaleza, a empresa Pecém
Agroindustrial, começou a reciclar de uma forma diferente, utilizando papel e bagaço de cana
de açúcar para fazer papelão. A iniciativa conta com a colaboração de catadores de papel e de
engenhos da região.
Apesar dos estudos apresentados demonstrarem a importância do uso sustentável dos
resíduos orgânicos da cana e da necessidade de outra opção de energia associada, existem
desvantagens nesse tipo de produção de combustível alternativo. Seguem enumerados alguns
prejuízos decorrentes do processo de cultivo, produção, mão de obra e distribuição.
1-Necessidade de grandes extensões de terras para o plantio de matérias-primas, que podem
contribuir para o aumento da fome no mundo e do desmatamento das florestas;
2-Degradação ambiental causada pelo uso de fertilizantes e pesticidas na lavoura da cana e
pelo manejo de dejetos gerados na produção, como o vinhoto;
3-No Brasil, a mão-de-obra empregada na cultura da cana-de-açúcar é profundamente
explorada pela falta de oferta de condições seguras de trabalho, exploração além dos limites
da capacidade física dos trabalhadores e por pagamento de salários muito baixos;
4- Atualmente, a movimentação de etanol é pelo transporte rodoviário (custo superior aos
outros meios de transporte).Os altos custos logísticos contribuem para o encarecimento do
preço do etanol, diminuindo a sua competitividade;
5- Realização de investimentos na produção: renovação dos canaviais, na ampliação de
capacidade das usinas atuais ou investimentos em novas usinas.
6-Ampliação da capacidade produtiva para fora do estado de SP, que concentra 55% dos
canaviais e 58% do volume de etanol produzido.
7-Confrontar economicamente avaliando qual a alternativa de maior retorno financeiro –
investimentos em infraestrutura ou em tecnologias.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos demonstrar o potencial pedagógico para o ensino multidisciplinar da atividade
de experimentação e investigação e suas inter-relações com o movimento CTSA dialogando
sobre os fatores ambientais, econômicos e implicações sociais que envolvem o tema da Cana
de açúcar no contexto do Espírito Santo e do Brasil. Conhecer os desdobramentos das
aplicações tecnocientíficas que envolve este tema é imprescindível para refletirmos sobre as
políticas científicas, que atualmente se limita ao direcionamento de financiamento das
pesquisas em algumas áreas em detrimento de outras. Esta questão impede o desenvolvimento
da cultura científica na formação das pessoas, privilegiando a formação disciplinar
fragmentada de especialistas com prejuízos para a formação humana e social como parte
integrante da cidadania democrática.
O trabalho realizado defende a idéia do ensino multidisciplinar com uma abordagem e
metodologia experimental de investigação associadas aos impactos sociais, econômicos e
éticos que conduzam a alfabetização científica, na qual entendemos como processo de
construção do conhecimento epistemológico, político e crítico, onde os atores sociais sejam
capazes de elaborar, expor suas idéias, bem como argumentar e analisar qualquer outra
situação vivenciada pela sociedade em que ele ou ela sejam partícipes.
Para chegarmos, no futuro, a uma sociedade igualitária e ecologicamente mais justa
precisamos seguir um modelo de educação científica que possibilite as pessoas uma melhor
compreensão dos problemas sociais e suas relações com o desenvolvimento científico e
tecnológico.
Todo o progresso da ciência e da tecnologia é construído pelas ações dos homens e
mulheres com a finalidade de melhorar a qualidade de vida da humanidade, esta é a função e
o objetivo social do conhecimento científico. Porém, os resultados destes avanços
tecnocientíficos não são oportunizados e acessados igualitariamente por todas as pessoas.
Acreditamos e propomos neste trabalho que o desenvolvimento sociocientífico chegue
igualitariamente aos cidadãos por intermédio de uma educação que promova a compreensão
das causas dos problemas que eles vivem, o respeito pelos recursos naturais e o acesso aos
bens necessários a uma vida justa e saudável que caracteriza as sociedades democráticas.
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LEARNING IN INTERDISCIPLINARY PERSPECTIVE CTS
THROUGH THE EXPERIMENT OF PRODUCTION OF SUGAR CANE
JUICE UNFERMENTED
Abstract: The paper presents the methodology of teaching mathematics and science for
research in perspective CTSA through a practical activity that experiences the process of
fermentation and distillation of sugarcane juice for ethanol production. This situation
presents itself as an initial problem in order to develop hypotheses and stimulating debate for
the systematization of interdisciplinary knowledge. Later we will extend the discussion from
the perspective of the CTSA movement addressing topics such as the history of sugarcane
production in ES, ethanol fuel and the destination of the waste of the cane after the milling
process and extract the juice.
Key Words: Interdisciplinary, CTSA, practical activity, Sugarcane