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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ANA CAROLINA BOTTO AUDI O ATUAL PAPEL DA CULPA NA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL MESTRADO EM DIREITO CIVIL Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Civil, sob a orientação do Professor Doutor Renan Lotufo. SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

ANA CAROLINA BOTTO AUDI

O ATUAL PAPEL DA CULPA NA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL

MESTRADO EM DIREITO CIVIL

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência parcial

para obtenção do título de Mestre em Direito

Civil, sob a orientação do Professor Doutor

Renan Lotufo.

SÃO PAULO 2008

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Banca Examinadora

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Eu não teria conseguido escrever uma linha sequer se não

tivesse sido abençoada por Deus, que me deu inspiração e me

guiou em todos os momentos, principalmente naqueles de aflição

e dúvidas.

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À minha mãe.

Obrigada por tornar possível a

realização desse sonho – como a de

todos os demais – e por ser o maior

exemplo de luta, perseverança,

superação e conquistas que uma filha

pode ter. Você é a personificação de ser

humano ideal, descrito no seu poema

mais querido, “Se”, de Rudyard Kipling.

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AGRADECIMENTOS

Ao me debruçar para escrever esse trabalho, eu tive consciência de que precisaria da ajuda de muitas pessoas para que pudesse concluí-lo. E, ao final, constatei que o auxílio necessário foi infinitamente maior do que eu imaginava que necessitaria. Eu nada teria feito sozinha. Por isso agradeço ao Dr. Renan Lotufo, meu mestre desde a graduação até o mestrado, por compartilhar comigo a sua impressionante sabedoria e por ter sido realmente meu orientador, guiando-me para caminhos corretos e encorajando-me a seguir em frente em todos os momentos. Ao Professor Doutor Giovanni Ettore Nanni, meu professor de direito civil ao longo dos cinco anos de faculdade, a quem devo também minha formação jurídica e meu ingresso na carreira acadêmica. Obrigada pelos conselhos que muito contribuíram para a elaboração da dissertação, e pela boa vontade de ouvir minhas idéias e discutir seus desdobramentos. Ao Flávio Pereira Lima e ao Paulo Bezerra de Menezes Reiff, pelo incentivo jurídico e pelas discussões doutrinárias que o mestrado gerou ao longo dos anos, bem como pela compreensão da necessidade de estudos. À Paula Miralles de Araújo, querida companheira de trabalho que não mediu esforços para me auxiliar nas extensas e detalhadas pesquisas, bem como pela participação nas discussões sobre o tema. À Ana Luísa Rovai Fagundes Hieaux, pela leitura dos textos em francês e explicação de cada um deles, parágrafo por parágrafo, e à Paula Aparecida Abi-Chahine, por toda a ajuda. Agradeço à minha mãe, por ter me ensinado os princípios e valores mais importantes que uma pessoa pode ter na vida, por todo o amor e por me ter feito chegar até aqui. Ao Nemo, a quem eu amo profundamente e para sempre, pelas palavras de compressão e por me fazer uma pessoa melhor.

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RESUMO

O objetivo do presente trabalho é verificar o papel da culpa na

responsabilidade extracontratual, e em que hipóteses estaria ela presente para

determinar a reparação de dano, concluindo-se, inclusive se o Código Civil é

subjetivista ou objetivista.

Inicialmente, são expostas as noções gerais sobre a

responsabilidade subjetiva e a culpa, discorrendo-se a respeito do caminhar da

responsabilidade civil ao longo do tempo e as razões que levaram a se repensar o

apego à culpa.

Verificam-se também as peculiaridades do sistema atual, que

possui como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, da qual decorre a

alteração da causa da responsabilidade civil - da culpa para o dano injusto – e a

conseqüente socialização do risco operacionalizado por meio do contrato de seguro,

concluindo-se, desta feita, que há hoje duas cláusulas gerais de responsabilidade civil

no ordenamento jurídico.

Posteriormente, cuida-se da responsabilidade objetiva e da

denominada indenização tarifada para danos decorrentes de atividades de risco que

estariam presentes em algumas leis específicas.

Finalmente, aborda-se o parágrafo único do artigo 944 do Código

Civil, ponderando-se a respeito de sua inserção no dispositivo que consagra a

quantificação da indenização para, então, apresentar as considerações sobre a

convivência entre a responsabilidade subjetiva e a responsabilidade objetiva no Código

Civil.

Todo o estudo foi feito à luz da dignidade da pessoa humana e da

necessidade de reparação do dano injusto, tendo-se valido, para tanto, dos princípios

constitucionais em consonância com os quais devem ser analisados todos os institutos

de direito, com vistas à constituição de uma sociedade igualitária e fraterna.

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ABSTRACT

The purpose of this paper is to verify the role of culpability in civil liability and to

verify in what hypotheses it would be present in order to determine the compensation of

damages, with a conclusion as to whether the Civil Code is subjective or objective.

Initially, the general concepts of about fault liability and culpability

are exposed, mentioning the development of civil liability over time and the reasons that

led to reconsideration of the attachment to culpability.

The peculiarities of the current system are also checked, since its

main principle is human dignity, which results in the alteration of the cause of civil

liability – from culpability to unjust damage – and the consequent socialization of the risk

represented by the insurance agreement, concluding that today there are two general

civil liability clauses within the legal system.

Subsequently, absolute liability and the so-called indemnity charged

for damages resulting from risk activities present in some specific laws are discussed.

Finally, the sole paragraph of article 944 of the Civil Code is

approached and considerations are made for its inclusion in the provision that upholds

the quantification of the indemnity to then make considerations about the co-existence

of fault liability and absolute liability within the Civil Code.

The whole study was made in the light of human dignity and the

need to compensate unjust damage for which it used the constitutional principles

according to which all legal doctrines must be analyzed in view of the constitution of an

equalitarian and fraternal society.

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SUMÁRIO

Introdução.......................................................................................................................01

Capítulo 1 Responsabilidade Subjetiva

1. Responsabilidade subjetiva e a culpa..................................................................05

2. Razões que levaram, no passado, ao apego à culpa como causa determinante

da responsabilidade de indenizar........................................................................06

3. O Caminhar da Responsabilidade Civil...............................................................09

4. Motivos que levaram a se repensar o apego à culpa para ensejar a reparação –

a necessária indenização do dano injusto...........................................................13

Capítulo 2 Peculiaridades do Sistema Atual

1. A dignidade da pessoa humana...........................................................................16

2. A metamorfose da causa da responsabilidade civil – da culpa do agente para a

reparação do dano injusto..............................................................................................23

3. Socialização do risco e o contrato de seguro......................................................29

4. Cláusulas gerais de responsabilidade civil presentes no sistema.......................37

4.1 O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil – cláusula geral de

responsabilidade objetiva...............................................................................................43

Capítulo 3 Responsabilidade Objetiva

1. A responsabilidade objetiva.................................................................................49

2. Responsabilidade objetiva lato sensu não é sinônimo de teoria do risco............51

3. A responsabilidade objetiva é gênero do qual o risco é espécie.........................54

4. Espécies que em nada se relacionam com o risco..............................................55

4.1 O abuso de direito.....................................................................................56

4.2 Responsabilidade pelo fato de outrem......................................................57

4.3 Coisas que caem ou são lançadas de prédio........................................... 58

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5. Discriminação e divisão das espécies de responsabilidade

objetiva...........................................................................................................................59

6 Responsabilidade objetiva pelo risco...................................................................61

6.1 Precursores...............................................................................................61

6.2 Definição....................................................................................................62

6.3 Modalidades de risco.................................................................................63

6.3.1 Teoria do risco proveito..................................................................64

6.3.2 Teoria do risco criado.....................................................................65

6.3.3 Teoria do risco profissional.............................................................66

6.3.4 Teoria do risco excepcional............................................................67

7. Algumas hipóteses de responsabilidade objetiva pelo risco presentes no

ordenamento jurídico brasileiro......................................................................................67

7.1 Danos advindos de acidentes em estradas de ferro.................................68

7.2 Danos advindos de acidentes de aeronaves.............................................69

7.3 Danos advindos de acidentes nucleares...................................................69

7.4 Danos ambientais......................................................................................69

7.5 A obrigação de reparar do Estado.............................................................70

7.6 O Código de Defesa do Consumidor.........................................................70

7.7 O artigo 931 do Código Civil......................................................................71

8. Substituição da expressão “culpa exclusiva da vítima” por “fato da vítima” – instituto

não relacionado à “culpa” ..............................................................................................72

Capítulo 4 Indenização denominada “tarifada”

1. Princípio da reparação integral do dano..............................................................76

2. Impossibilidade de criação apriorística de fixação reparatória............................80

3. Acidente do Trabalho...........................................................................................81

4 Premissa de inconstitucionalidade do artigo 52 da Lei 5.250/1967 utilizada pelo

Ministro Cezar Peluso.....................................................................................................87

5. Papel dos valores indenizatórios previstos em leis especiais que tratam sobre

atividade de risco............................................................................................................92

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Capítulo 5 Parágrafo único do artigo 944

1. Os avanços do sistema e o dispositivo................................................................98

2. O campo de incidência.......................................................................................100

2.1 Possibilidade de sua aplicação na responsabilidade subjetiva...............101

2.2 Impossibilidade de sua aplicação na responsabilidade objetiva.............104

3. Presença da culpa no dispositivo que consagra a quantificação da indenização

pela extensão do dano.................................................................................................106

Capítulo 6 A Convivência da Responsabilidade Objetiva e da Responsabilidade

Subjetiva no Sistema....................................................................................................110

Conclusões...................................................................................................................121

Bibliografia....................................................................................................................128

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“Não me perguntes por quem os sinos dobram: eles dobram por ti”.

Ernest Hemingway. Por quem os Sinos Dobram título retirado do excerto do Sermão de John Donne “A Meditação XVII” (1624).

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Por quem chora aquele sino? Aquele sino chora por todos nós.

Com isso quer o escritor nos transmitir a unidade do mundo, o conjunto indissociável

que todos nós formamos. Somos um todo, e tudo quanto afeta a qualquer das partes

afeta de um modo ou de outro todas as demais.

Refletindo muito sobre essa unidade que somos todos nós,

habitantes desse mundo globalizado, houve a decisão de escrever a respeito de uma

questão que transcendesse os limites puros e dogmáticos da ciência jurídica; que

fizesse parte de uma indagação social, de um momento que todos nós vivemos.

Porque o direito é, antes de tudo, uma ciência que existe para e por

causa das pessoas, cujo dinamismo das relações travadas é o sangue que lhe corre

nas veias. O direito é uma ciência viva, que respira, sente e se desenvolve em relação

direta com a sociedade.

Frente a isso, escrever a respeito da reparação de danos fez todo o

sentido dentro daquilo que se pretendia explorar, porque não há nada mais humano e

mais visceral do que o ofendido buscar a reparação do dano que sofreu, sendo certo

inclusive que a própria sociedade anseia que assim seja feito.

E por sua vez, é absolutamente atual e solidário estudar o papel

que a culpa ainda hoje desempenha na responsabilidade civil, levando-se em conta os

dois sistemas vigentes hoje entre nós – responsabilidade objetiva e responsabilidade

subjetiva - porque as novas situações vivenciadas pela sociedade moderna mostram a

necessidade de serem acomodados os interesses do desenvolvimento e da pessoa

humana individual e coletivamente considerada.

Coloca-se muito mais ênfase ao indivíduo danificado, considerado

dentro do contexto coletivo no qual se insere, porque dar suporte à vítima, reparando o

dano injusto como objetivo precípuo do instituto da reparação de dano, mostra a

preocupação com a unidade social cuja manutenção é função do direito.

Este trabalho é, portanto, o resultado de uma forma de pensar o

direito para a sociedade moderna, e de pensar a sociedade e as pessoas que a

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compõem de uma forma mais humana, sempre tendo em mente que todos nós somos

uma unidade, e que somos, cada um de nós e nossa plena integridade, muito

importantes, porque os sinos dobram por nós.

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INTRODUÇÃO

Nos primórdios da civilização humana a vítima de um dano era

tomada de um sentimento de vingança que a fazia investir contra o agressor da mesma

forma como ele a havia ofendido, causando-lhe um mal idêntico.

Em evolução a essa agressividade desmedida, após diversas

etapas de desenvolvimento - que serão mais bem explicadas, de forma breve, no

capítulo denominado “caminhar da responsabilidade civil” -, chegou-se à conclusão de

que seria mais justo e coerente que o dever de reparar o dano ficasse adstrito àquelas

pessoas que tivessem agido de forma imprudente, negligente ou desprovidas da

necessária perícia. Ou então, naquelas situações extremas e mais graves, nas quais se

verificasse que o dolo do agente, ou seja, a vontade intencional e maldosa de causar o

mal.

Em outras palavras, aprisionou-se a reparação de dano à

demonstração da culpa daquele que especificamente o causou.

A culpa era, desta feita, a causa 1da reparação do dano.

Essa fórmula restrita não funcionou adequadamente quando houve

mudança da estrutura social - que passou de artesanal e agrária onde as atividades

eram estáticas, para uma realidade dinâmica resultado da industrialização e

mecanização - tendo deixado um sem número de vítimas à deriva, desprovidas

injustamente da devida e necessária reparação do dano sofrido em virtude da

impossibilidade da produção da prova da culpa.

Frente a isso, a doutrina passou décadas debatendo-se a respeito

de qual seria a melhor forma de solucionar a questão, tendo adentrado o campo da

responsabilidade objetiva para melhor resolver - ou melhor, dizendo, para então tentar

finalmente começar resolver de um modo efetivo – os danos injustos verificados na

vida cotidiana das pessoas.

1 Fala-se aqui em ser a culpa causa da reparação do dano justamente porque se pressupõe que o nexo de causalidade está presente, dado que sem ele não há obrigação de reparar.

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E do gênero denominado responsabilidade objetiva nasceram

espécies, sendo a mais conhecida e de maior aplicação a teoria do risco, que na

verdade em seu seio abarca diversas espécies de danos que hoje são resolvidos de

forma mais eficaz.

Ao longo de todas essas mudanças ocorreu uma especificamente

que se mostra fundamental, qual seja a modificação da causa da responsabilidade civil.

Enquanto nos idos dos séculos XVIII, XIX e grande parte até

mesmo do século XX a causa geradora da responsabilidade civil era a culpa por

excelência, verifica-se que ao longo do tempo foram ocorrendo metamorfoses dessa

causa, passando a ser o dano injusto, desprovido no mais das vezes da culpa, a sua

energia criadora.

Diante dessas ponderações, surge um questionamento inquietante,

a respeito de qual seria no ordenamento jurídico o papel da culpa para determinar a

reparação do dano. Entrelaçada a essa pergunta, uma outra se coloca: O Código Civil

é subjetivista ou objetivista?

Encontrar essas respostas é o objetivo do presente trabalho, e para

tanto ele está dividido em seis capítulos.

O primeiro capítulo é dedicado à responsabilidade subjetiva,

explicando-se as razões que determinaram, no passado, ao apego apaixonado à culpa,

mostrando em seguida o caminhar da responsabilidade civil e os motivos que levaram

a se repensar o apego à culpa para ensejar a reparação do dano.

No segundo capítulo são estudadas as peculiaridades do sistema

atual, discorrendo-se a respeito da dignidade da pessoa humana e sua posição de

direito fundamental do sistema, sendo mola propulsora da metamorfose da causa da

responsabilidade civil, que passou da culpa do agente para a reparação do dano

injusto.

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Será também abordado o fenômeno de socialização dos danos,

que surge como conseqüência da necessidade de reparação do dano injusto e que é

operacionalizada por meio do contrato de seguro.

E para encerrar o segundo capítulo, será apontado que, como

decorrência de todas as transformações sociais que foram absorvidas pelo

ordenamento, o sistema hoje conta com duas cláusulas gerais de responsabilidade,

uma subjetiva e outra objetiva, esta última prevista no parágrafo único do artigo 927, a

respeito do qual serão tecidos comentários.

No capítulo três tratar-se-á da responsabilidade objetiva,

explicando-se, num primeiro momento, que responsabilidade objetiva não é sinônimo

de teoria do risco, dado que esta é espécie da qual aquela é gênero.

Para exemplificar tal diferença, serão abordadas espécies de

responsabilidade objetiva que em nada se relacionam com o risco – tal qual a teoria foi

concebida -, discriminando-se, ato contínuo, a divisão das espécies de

responsabilidade objetiva.

Após a demonstração da diferença entre o gênero

responsabilidade objetiva e a sua espécie “teoria do risco”, serão apontados os

precursores de tal teoria, sua definição e modalidades de risco que foram concebidas

para fundamentar a teoria.

Feito isso, serão apontadas hipóteses de responsabilidade objetiva

pelo risco presentes no ordenamento jurídico brasileiro.

E, para encerrar o capítulo que trata da responsabilidade sem

culpa, será exposta a opinião de que uma das excludentes de responsabilidade

objetiva, qual seja a “culpa da vítima”, melhor seria denominada de “fato da vítima”, na

medida em que não se relaciona com a culpa, mas sim com o nexo de causalidade.

O capítulo quatro tratará da “indenização tarifada”, traçando

analogia entre estes e o sistema de reparação nos casos de acidente de trabalho.

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Para tanto, será trazido à baila o princípio da reparação integral do

dano, e a conseqüente impossibilidade de criação de fixação reparatória.

Falar-se-á da forma como se dá a indenização por acidente do

trabalho, e serão também tecidas considerações a respeito de recente acórdão do

Supremo Tribunal Federal, da lavra do ministro Cezar Peluso, que decidiu pela

inconstitucionalidade do artigo 52 da Lei de Imprensa, por entendê-lo inconstitucional.

Diante desse entendimento do STF, serão feitos apontamentos a respeito do papel dos

valores indenizatórios previstos em leis especiais que tratam sobre atividade de risco.

O capítulo cinco estuda o parágrafo único do artigo 944 do Código

Civil, que dispõe sobre a possibilidade de o juiz reduzir equitativamente a indenização

da vítima quando houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.

Tal dispositivo será analisado à luz dos avanços verificados no

sistema atual, bem como será apontado o campo no qual se entende poder haver sua

aplicação. Falar-se-á também sobre o significado da presença desse dispositivo como

parágrafo único de um artigo que trata sobre a quantificação da indenização no sistema

brasileiro.

Outrossim, diante da existência de duas cláusulas gerais de

responsabilidade civil, o capítulo seis trata da convivência entre ambas no sistema.

E, finalmente, são expostas as conclusões a partir das principais

idéias concluídas da pesquisa.

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Capítulo 1

Responsabilidade subjetiva

1. Responsabilidade subjetiva e a culpa De acordo com o sistema da responsabilidade subjetiva, é sabido

que três são os pressupostos para a configuração do dever de indenizar: (i) conduta

culposa, (ii) nexo de causalidade e (iii) dano.

Com efeito, inspirado no Código de Napoleão, o Código Civil de

1916 adotou a responsabilidade civil alicerçada na culpa do agente como seu núcleo

fundamental, sendo a denominada faute - expressão extraída do direito francês - a

causa da obrigação de reparar – ao lado do nexo causal e do dano, é claro.

Ocorre que essa conduta culposa, cuja vontade caracteriza-se

como seu elemento subjetivo indissociável, deve ser devidamente comprovada para

ensejar a reparação do dano por ela ocasionado em se tratando da responsabilidade

subjetiva.

Ou seja, não basta a simples verificação do dano; é necessário que

haja a comprovação da culpa do seu agente causador. “A vítima de um dano só poderá

pleitear ressarcimento de alguém se conseguir provar que esse alguém agiu com

culpa; caso contrário terá que conformar-se com a sua má-sorte e sozinha suportar o

prejuízo. Vem daí a observação: ´a irresponsabilidade é a regra, a responsabilidade a

exceção’ (De Page).” 2

2 CAVALIERI, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7.ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 29.

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2. Razões que levaram, no passado, ao apego à culpa como causa determinante da responsabilidade de indenizar

É claro que o apego apaixonado à culpa não foi à toa.

Um exame do instituto ao longo dos séculos – que será feito

adiante em capítulo específico - mostra que, nos tempos antigos, não havia um critério

que determinasse quando e em quais situações uma pessoa deveria responder pelas

conseqüências de seus atos, o que gerava evidentemente atrocidades e situações

sobremaneira injustas.

Responsabilizava-se cegamente aquele que praticara determinado

ato, pouco importando efetivamente a reparação do mal sofrido, porquanto imperava

entre as pessoas o espírito de vingança.

Conforme ensina Jorge Bustamente Alsina, “La evolución del

fenómeno histórico considerado nos muestra cómo en las primeras épocas la venganza

se ejercía ciegamente contra el autor material del daño, sin importar la reparación del

perjuicio ni la culpa del ofensor. Así se tratara de lesiones corporales o de la

destrucción o deterioro de las cosas de otro, el autor del hecho, inocente o culpable,

debía sufrir la pena del Talión.” 3

Portanto, nesse cenário, obviamente a adoção da culpa como

fundamento da responsabilidade civil significou, para a época em que o conceito foi

concebido, significativo avanço em relação ao sistema que até então imperava.

A introdução da culpa foi em verdade uma evolução

comparativamente ao sistema anterior (“método casuístico” ou “princípio da

enumeração”), tendo vindo ao encontro às necessidades da sociedade da época – final

do século XVIII – que era predominantemente agrícola e artesanal; atividades estas

3 ALSINA, Jorge Bustamante. Teoria general de la responsabilidad civil. Ciudad de Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997, p. 42.

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estáticas e com potencial ínfimo de ocorrência de danos (comparado ao que temos

hoje).

Com efeito, coadunava-se com a realidade social de então um

sistema de reparação de danos baseado na culpa, pois a industrialização, a produção

em massa e a globalização não eram fenômenos verificados àqueles tempos.

Conforme assevera Lluis Pascual Estevill:

La actividad económica continuaba siendo de caráter agrícola,

ganadera y artesanal. Las relaciones de Derecho privado eran

generalmente interindividuales y se traban entre individuos muy

concretos y determinados. En los casos de producción de daños era un

litigio entre individuos concretos lo que había resolver.

Cuando habia que resolver este tipo de problema, si el daño producido

debe o no ser objeto de resarcimiento, el conflicto que se suscita

encuentra su vía de solución en una referencia implícita a deberes

preexistentes del autor frente a la victima. Lo cual se correspondía muy

bien com la tradición del derecho intermedio, en la que no se puede

desconocer la influencia de los canonistas y de los teóricos de la Iglesia

cristiana. 4

Sendo assim, era muito mais razoável identificar o autor do dano

sofrido pela vítima e verificar as razões pelas quais o agente teria adotado determinada

conduta, de forma a verificar-se se era “justo” que ele arcasse com as conseqüências

do ato praticado.

Caso a resposta para tal questão fosse positiva, efetivava-se a

reparação do dano sofrido pela vítima, ao invés de proceder-se unicamente a uma

4 ESTEVILL, Lluis Pascual. Tendências actuales del derecho de daños. In DURÀN, Luis Ribó. (Coord). Derecho de daños: Ponencias y colóquios em la Jornada sobre la Jornada sobre derecho de daños celebrada em Barcelona el 12 de diciembre de 1991. Barcelona: Bosch Casa Editorial S.A., 1992, p. 99.

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vingança cega, que nenhum benefício efetivo trouxesse para a vítima e que

desprezasse por completo as circunstâncias que levaram à prática do ato pelo ofensor.

Inclusive, além do critério de justiça, é importante também ressaltar

que, relacionar de forma indissociável a reparação de dano à existência comprovada

de culpa, permitiu grande expansão da atividade industrial.

Essa expansão de atividades industriais tornou possível

rapidamente a transformação de uma sociedade artesanal e agrícola em uma

sociedade industrializada.

Não há dúvida de que esse sistema de responsabilidade civil

individualista, centrado no causador do dano ao invés de focalizar a vítima, certamente

foi um dos catalisadores do crescimento industrial ao longo do século XIX, pois era

absolutamente consoante com as idéias surgidas na revolução francesa de 1789 –

laissez-faire – laissez-passer – que foram os embriões da revolução industrial que a

procedeu.

Em que pese ser possível entender as razões pelas quais a culpa

passou a ser requisito primordial da responsabilidade civil, consideração necessária se

faz para chamar a atenção ao fato de que ela - a culpa - teve papel tão fundamental no

sistema da responsabilidade civil em virtude também da forte influência da religião

cristã, notadamente a católica, na sociedade.

A esse respeito, Giselda Hironaka ensina que “A ética cristã – uma

ética identificada à moral – é impensável sem a idéia de culpa [...] faz parte da natureza

humana, portanto, a culpa, segundo a ética cristã: todo ser humano, concebido pela

moral cristã como imputável pelo pecado original, é considerado responsável, quer

dizer, é considerado como aquele que deve responder pela sua natureza decaída e,

por isso mesmo, é a ele que se atribui um dever específico de compensação, por meio

da expiação dos seus próprios pecados.” 5

5 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Evolução de Fundamentos e de Paradigmas da Responsabilidade Civil na Contemporaneidade 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 78-79.

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Nesse sentido é também o escólio de Lluis Pascual Estevill, ao ensinar

que “La obligación de reparar o de resarcir parece una consecuencia de la calificación

del hecho como algo reprobable. Idea em la cual no está ausente el concepto cristiano

de pecado. Se paga porque se ha pecado.” 6

Com efeito, a noção de culpa está intimamente ligada a pecado, à

infringência de um dever moral que arda na consciência do agente a ponto de torturá-lo

pelo ato praticado. Mas exatamente pelo fato de a culpa ser algo íntimo à consciência

do agente é que se faz tão difícil identificá-la, notadamente por conta das situações da

vida moderna.

3. O caminhar da responsabilidade civil

Analisando a responsabilidade civil ao longo dos séculos, vê-se

que nos primórdios da civilização humana o sistema era dominado pela vingança

coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta de um grupo contra o agressor pela

ofensa a um de seus componentes/integrantes.

Nessa fase, a reparação do dano através da idéia de vingança

coletiva escapava ao âmbito do direito. A represália dirigida contra o agressor era feita

da forma “mais primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e

natural contra o mal sofrido, solução comum a todos os povos nas suas origens, para a

reparação do mal pelo mal.” 7

Posteriormente, com chegada da Lei de Talião, a idéia de vingança

coletiva transformou-se em vingança individual. Sob a égide da Lei de Talião, à vítima

era facultado ofender o seu agressor na mesma proporção do mal que havia sofrido,

sem extrapolar os limites do seu agravo, sob a premissa do “olho por olho, dente por

dente”.

6 ESTEVILL, Luis Pascual. Tendências actuales del derecho de daños, cit., p. 99. 7 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. São Paulo: Renovar, 2006, p. 26. Cf LIMA, Alvino. Da culpa e risco. São Paulo, 1938, p. 10.

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10

Nas palavras de Ihering, “A dor governa soberanamente o

sentimento jurídico do homem primitivo. A injustiça é apreciada não segundo a sua

causa; mas sim levando-se em conta o seu efeito; segundo as circunstâncias relativas

à pessoa do autor sob o ângulo da vítima. A pedra o machucou , a vítima sente a dor e

a dor o empurra para a vingança. Quando a paixão é excitada não importa muito que

seja a intenção ou a negligência ou um azar que tenha conduzido a mão que lhe

causou o mal. A paixão impõe a retaliação mesmo que seja de um inocente.” 8

O Poder Público, nesse caso, intervinha apenas para “declarar

quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do

lesante dano idêntico ao que experimentou [...] A responsabilidade era objetiva, não dependia da culpa, apresentando-se apenas como uma reação do lesado contra a causa aparente do dano.” 9 (grifo nosso)

Mais tarde, pelo advento da Lei das XII Tábuas surgiu a

composição facultativa, uma vez que seria mais conveniente entrar em composição

com o autor do dano, pedindo a este que reparasse o mal sofrido através de

prestações pecuniárias, do que causar-lhe dano de igual proporção, porque a

retaliação, a bem da verdade, não repara dano algum, somente ocasiona um duplo

dano: o da vítima e de seu ofensor.

Esse novo sistema não excluiu a aplicação da Lei de Talião.

Formou-se, pois, um sistema no qual o valor da reparação era arbitrado

casuisticamente, como forma de apreciação econômica da vingança à qual o ofendido

teria direito.

Nesse sentido, afirma Jorge Bustamente Alsina, citando Mazeaud e

Tunc, que o direito romano nunca se livrou completamente da idéia de atribuição de

8 IHERING, Rudolf Von. Études complementaires de l´espirit de droit romain. De la faute em droit privé. Paris: A. Maresq, 1880, p. 10. 9 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – Responsabilidade civil. V. 7. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 11.

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11

preço à vingança, e portanto, nunca chegou à atual concepção da condenação civil

como indenização.10

La suma (poena) que constituye la composición legal sigue siendo em

la Ley de las Doce Tablas el precio de la venganza; es uma pena

privada. El derecho romano, tal como afirmam MAZEAUD y TUNC, no

llegará nunca a librarse completamente de esa idea; a hacer de la

condena civil lo que es em la actualidad: uma idemnizacíon.

Depois, a forma de composição recaiu sob a guarda do Estado,

tendo inclusive a “Lex Aquilia” fornecido os subsídios para a responsabilidade

extracontratual que se vislumbra nos dias atuais, na medida em que tratava de uma

forma pecuniária de indenização do prejuízo com base no estabelecimento do seu

valor.

Sobre a Lei Aquilia, discorre Marcelo Junqueira Calixto que:

De todos estes elementos do damnum iniuria datum, o mais discutido é

o elemento culpa. Em verdade, a primeira dúvida é se este elemento

realmente foi introduzido pela Lex Aquilia [...]

De fato, acredita-se que o significado originário da culpa estivesse mais

próximo de uma questão de imputação objetiva do dano ou de nexo de

causalidade entre a conduta e o resultado danoso, o que explicaria,

igualmente, a responsabilidade das crianças e dos loucos pelos danos

causados.11

10 ALSINA, Jorge Bustamante. Teoria general de la responsabilidad civil, cit., p. 32. Cf. MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Leon; TUNC, André. Tratado teórico y práctico de la responsabilidad civil delictual y contractual. 11 CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilidade civil. Estrutura e função. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 126-127.

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12

Com o advento da Lei Aquilia, o Estado passou a intervir nos

conflitos privados, fixando o valor dos prejuízos e obrigando a vítima a aceitar a

composição, renunciando, de todas as formas, à vingança individual.

Para Jorge Bustamante Alsina, nem a “Lei das XII Tábuas”,

tampouco a “Lex Aquilia”, tinham a culpa como elemento determinante da

responsabilidade do autor do dano e sequer era critério para graduar o alcance do

dever de reparação. 12 A noção de culpa surge com os romanos apenas

posteriormente:

Sin embargo, la primera manifestacíon de la idea de culpa va a

aparecer cuando el pretor no admita la acción del delito contra el menor

y el demente, incapaces ambos de comprender el alcance de sus

actos.

Recién a fines de la República, como hemos visto (supra nro. 16), los

jurisconsultos introdujeron el concepto de la culpa, aun la más leve,

como requisito para el ejercicio de las acciones nacidas de la Ley

Aquilia.13

Em evolução a esse sistema, aquele conceito de culpa que teve

sua gênese na Lei Aquília, teve sua propagação e consolidação com o surgimento do

Código de Napoleão, que prendia o dever de reparar à constatação de sua existência.

A partir daí, a definição de que a responsabilidade civil se fundava na culpa propagou-

se nas legislações de todo o mundo, exercendo grande influência, inclusive, no Código

Civil Brasileiro de 1916.

Com o Código de Napoleão houve também a separação da

responsabilidade pelo delito da responsabilidade pelo ato ilícito, tendo ocorrido naquele

momento segregação do caráter punitivo à esfera penal, deixando-se para a

12 “Ni em la Ley de las Doce Tablas ni em la Ley Aquilia, la culpa era um factor computable para determinar la responsabilidad del autor, o aun siquiera para graduar el alcance del deber de responsader, salvo em algún supuesto excepcional.” ALSINA, Jorge Bustamente. Teoria general de la responsabilidad civil, cit., p. 42. 13 ALSINA, Jorge Bustamante. Teoria general de la responsabilidad civil, cit., p. 43.

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13

responsabilidade civil a finalidade meramente ressarcitória, nos casos em que

estivesse presente a culpa.

Isso porque se entendeu que somente poderia haver pena para

aqueles agentes cujos danos causados abalassem a sociedade como um todo, e não

para a hipótese de mero interesse particular.

Mas sob a égide da teoria da culpa, verificou-se o colapso do

sistema diante da transformação da realidade social, que ao longo do tempo passou a

trazer mais freneticamente um sem número de situações que não podem ser reparadas

exclusivamente quando da existência comprovada conduta culposa do agente.

Essa situação levou os estudiosos do direito a repensarem a

responsabilidade civil e seus fundamentos, introduzindo paulatina, mas

constantemente, a idéia da objetivação da responsabilidade, sob a premissa de que

todo dano injusto deve ser reparado.

4. Motivos que levaram a se repensar o apego à culpa para ensejar a reparação – a necessária indenização do dano injusto

Conforme afirma Marcelo Benacchio, “a máxima nenhuma

responsabilidade sem culpa levou o individualismo jurídico a seus extremos em

conformidade com o pensamento liberal ditado pelos enciclopedistas e filósofos da

Revolução Francesa influenciando de forma direta todas as legislações do século XVIII

e da quase totalidade do século XIX, sendo o Código de Napoleão, no dizer de Wilson

Melo da Silva, seu filho dileto.” 14

Com o passar das décadas percebeu-se não ser mais possível

aprisionar a reparação à tradicional noção estrita de culpa, pois as novas realidades

14 BENNACCHIO, Marcelo. Pressupostos da responsabilidade civil objetiva extracontratual. São Paulo: Dissertação apresentada à banca da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em direito, 2000, p. 33.

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14

sociais trouxeram consigo situações, e conseqüentemente danos, que não

encontravam a devida reparação naquele antigo modelo baseado na culpa.

Na nova realidade social, completamente diferente de um sistema

puramente agrário e de produção artesanal, a reparação da vítima não poderia

depender da prova quase impossível que identificasse quem, de fato, agiu ou não com

culpa.

Assim, em casos de danos advindos de massificação da atividade,

perde importância saber se há ou não culpa comprovada.

O que se mostra importante é a reparação do dano injusto causado

à vítima, é torná-la indene, como se prejuízo nenhum tivesse sofrido.

Nesse sentido é a lição de Renan Lotufo:

Cabe aqui lembrar-se que a responsabilização visa reparar o dano,

tornar a vítima indene, ressarci-la.

O que é tornar indene? É tornar sem prejuízo, tornar sem mácula,

tornar sem dano. Por isso que se fala em indenizar, tornar indene,

tornar outra vez íntegro, por isso nós falamos em indenização cabal.

Não precisava, bastaria falar em indenização, que já deveria estar

pressuposto ser cabal. Mas somos levados à qualificação, porque

começaram a referir à indenização para hipóteses em que não há

reparação total.15 16

Para buscar tornar indene o maior número possível de vítimas,

verificou-se ser preciso decidir, em última análise, quem arcaria com os danos, na

15 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil. Parte Geral. V. 1. 2. ed. São Paulo, RT: 2002, p. 300. 16 Falaremos adiante, em capítulo específico, a respeito da confusão feita entre indenização dita tarifada e ressarcimento integral do dano, demonstrando como tem sido empregado equivocadamente o substantivo indenização para casos em que não há reparação integral.

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medida em que se verificou ser inviável, para não dizer sem sentido, em todos os

casos a demonstração e comprovação da culpa17.

Necessário, desta feita, em determinados casos deixar de lado a

exigência da comprovação da culpa para a configuração do dever de indenizar, que no

passado se adequava à estabilidade da atividade humana, para então passar-se a

diminuir paulatina e constantemente o número de hipóteses em que há tal

necessidade, permitindo-se assim a solução de danos advindos dessa nova realidade

social.

Nas palavras de Lluis Pascual Estevill, “El tradicional principio de la

culpa, que un día pudiera satisfacer las necesidades sociales del momento, ya no es

suficiente para hacer frente a las exigencias de restablecer, com prontitud y eficacia,

las numerosas situaciones de desequilibrio económico por los daños que se producen

em el ejercicio de actividades humanas peligrosas, o que se generen por los adelantos

técnicos o científicos de este momento. Em tales situaciones el elemento subjetivo es

insuficiente [...].” 18

O centro da responsabilidade deixou de ser o ofensor e passou a

ser o ofendido, que deve ser integralmente ressarcido pelo mal que sofreu.

Com efeito, as mais audaciosas empreitadas da doutrina do século

XX foram justamente no sentido de introduzir uma nova previsão, construindo-se um

sistema que melhor se amoldasse a situação de aumento de riscos de danos e

acidentes ocasionados pelas atividades econômicas.

Foi necessário, para tanto, deixar de lado em muitos casos quem

era efetivamente o responsável, para então verificar quem seria feito responsável,

priorizando-se assim a reparação da vítima do dano injusto.

Ensina Sergio Cavalieri o seguinte: “Observa o insigne Antônio

Montenegro que a teoria da indenização de danos só começou a ter uma colocação em 17 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Maria Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. (Arts. 421 a 965). V. II. São Paulo: Renovar, 2006, p. 805. 18 ESTEVILL, Lluis Pascual. Tendencias actuales del derecho de daños, cit., p. 107.

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16

bases racionais quando os juristas constataram, após quase um século de estéreis

discussões em torno da culpa, que o verdadeiro fundamento da responsabilidade civil

devia-se buscar na quebra do equilíbrio econômico-jurídico provocada pelo dano. A

partir daí, conclui, a tese de Ihering de que a obrigação de reparar nascia da culpa, e

não do dano, foi-se desmoronando paulatinamente (Ressarcimento de danos, 4ª ed., p.

11).” 19

Capítulo 2

Peculiaridades do Sistema Atual

1. A dignidade da pessoa humana

O Direito Privado, no final do século XX passou a se desenvolver

de acordo com os princípios constitucionais que norteiam o ordenamento jurídico,

tendo vivenciado uma renovação de premissas e vetores que lhe são essenciais.

Nas palavras de Renan Lotufo “[...] a retomada da dignidade do ser

humano veio com o resultado da Segunda Grande Guerra, e a instalação da

denominada ‘Era dos Direitos”, por NORBERTO BOBBIO, com a Declaração Universal

dos direitos fundamentais passando a ser introduzida em nível constitucional hoje por

157 países, até o final do ano 2000.” 20

Sob essa ótica, foram revitalizados institutos presentes entre nós,

que passaram a ter aplicabilidade no ordenamento jurídico não só com vistas ao fim

próprio que lhes é pertinente se considerados de forma isolada, mas também como

mecanismos viabilizadores dos programas previstos na Carta Magna.

Conforme ensina Giovanni Ettore Nanni:

19 CAVALIERI, Sergio. Programa de responsabilidade civil, cit., p. 13. 20 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, cit., p. 266.

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17

O estudo baseado em um sistema positivo de normas de um Estado

Democrático de Direito deve ter como pressuposto básico as diretrizes

estruturantes emandas das Constituição, pois esta forma um feixe de

regras fundamentais supremas na ordem jurídica.

É a constituição Federal que dá coerência e unidade ao sistema,

traçando seus fundamentos e irradiando seus efeitos não apenas ao

âmbito legal, mas perante toda a sociedade, pois constitui-se também

como meio formal de garantia dos direitos fundamentais do ser

humano. 21

E a nossa Constituição Federal, dentre suas diretrizes mais caras a

serem observadas, traz já em seu Preâmbulo22, em consonância com o qual todas

suas normas deverão ser analisadas e interpretadas, a instituição do Estado

Democrático de Direito com o intuito de assegurar o exercício dos direitos sociais e

individuais, da igualdade e justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna.

E subseqüentemente, como princípio normativo, tem-se a

dignidade da pessoa humana alçada à categoria de direito fundamental (artigo 1º inciso

III), que traz consigo, como sua conseqüência direta e imediata, a solidariedade social,

até mesmo como decorrência lógica de uma sociedade fraterna, apregoada no

Preâmbulo da Carta Magna, pois numa sociedade que entrelaça todos os seus

componentes em virtude da dinâmica das relações travadas, a dignidade da pessoa

humana só pode ser garantida se todos respeitarem uns aos outros.

Fica claro, portanto, que os princípios fundamentais, dentre os

quais se destaca a dignidade da pessoa humana – logicamente incluídos aí todos os

valores que a compõem – devem ser sempre colocados em primeiro lugar quando

21 NANNI, Giovanni Ettore. A reponsabilidade civil do juiz. São Paulo: Editora Max Limonad, 1999. p. 23. 22 Preâmbulo – “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgaremos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.

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sopesados não só com outras normas infraconstitucionais, mas também com outras

regras constitucionais.

Com efeito, a preservação da dignidade da pessoa humana ser

alicerce da República Federativa do Brasil significa que todo o raciocínio jurídico deve

levar em conta a tutela do ser humano.23

E nesse cenário o estudo da reparação de danos deve se

aproximar cada vez mais dos aspectos civis constitucionais, sendo necessário ter

sempre em mente que o fim almejado pelo direito é a proteção de cada uma das

pessoas em suas dimensões fundamentais, aí considerados seus direitos materiais e

imateriais, suas relações familiares, sociais e também sua individualidade.

Ghersi destaca que:

Los derechos personalísimos así entendidos aseguran un mínimo de

dignidad en el hombre – ya no es sus fases de productor-obrero o de

mero consumidor, sino como ser humano -, tales como el derecho a la

vida y la integridad física, el derecho al propio cuerpo, a la integridad

espiritual, a los datos personales, a la intimidad, etc.; todos ellos van

conformando una especie de halo protector e irreductible.24

Sob essa ótica civil constitucional, que traduz os anseios da

sociedade moderna, mostra-se importante a proteção da integralidade pessoal do

indivíduo, a sua dimensão intangível do “ser” em virtude de cuja preocupação foram

repensadas as bases do direito civil contemporâneo. 23 Sobre o assunto, Anderson Schreiber pondera que é necessário ter cuidado com a amplitude do princípio da dignidade da pessoa humana e a indústria de indenizações que daí poderiam advir, causando uma superexpasnsão da responsabilidade civil. Segue trecho destacado de sua obra nesse sentido: “De outra parte, também os interesses lesados se expandiram consideravelmente. O reconhecimento da normatividade dos princípios constitucionais e a definitiva consagração da tutela de interesses existências e coletivos, conquistas da ciência jurídica contemporânea, ampliaram imensamente o objeto protegido pelo direito em face da atuação lesiva. (...) E, na esteira do inevitavelmente aberto da dignidade humana, novos danos vêm sendo invocados, suscitando acesas controvérsias no que tange à sua ressarcibilidade. Fala-se, assim, em dano à vida sexual, dano de nascimento indesejado, dano de férias arruinadas, dano de mobbing, dano de processo lento, dano à tranqüilidade pessoal e em uma série de novas espécies de dano que despertam o temos de uma superexpansão da responsabilidade civil”. SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, cit. p. 4. 24 GHERSI, Carlos A. Teoria general de la reparación de daños. Ciudad de Buenos Aires: Editorial Astrea, 1997, p. 55-56.

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Sobre o assunto, afirma Anderson Schreiber, “A consagração da

dignidade humana como valor fundamental nas constituições do último século,

associada à aplicação direta das normas constitucionais às relações privadas, veio

exigir com força irresistível a ressarcibilidade [...].” 25

O primeiro plano não é mais ocupado por concepções

eminentemente patrimonialistas, mas sim pelo resguardo da pessoa humana,

considerados os planos espirituais e psíquicos de cada um.

E sabe-se bem que o espírito e o psicológico estão entrelaçados de

um modo indissociável à integralidade física e pessoal do ser humano, que é composta

por bens materiais e imateriais a serem preservados pelo direito como forma de

resguardo e respeito à pessoa e manutenção do equilíbrio social dentro do qual estão

todos inseridos.

A esse respeito, Maria Celina Bodin de Moraes pontua que:

Por essa via, o Direito converte-se em arena privilegiada – e

seguramente mais legítima – para o debate entre as diversas

concepções acerca do modo como a pessoa e o grupo social devem

interagir, equilibrando-se mutuamente. As bases ético filosóficas dessa

interação e desse equilíbrio vêm sendo dadas pela noção de

responsabilidade, nos termos em que a ela se referiu um filósofo do

nosso tempo:’ Com a instituição social da pessoa nasce o conceito

eticamente básico de responsabilidade, que é tanto a vocação de

responder ante os outros, quanto ser responsável pelos outros’ [F.

Savater, Ética como amor próprio (1988), São Paulo: Martins Fontes,

2000, p. 149]. 26

25 SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007, p. 85. 26 BODIN, Maria Celina. Danos à pessoa humana – Uma leitura civil constitucional dos danos morais. 1. ed. São Paulo: Renovar, 2003.

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À luz do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana vê-

se que a reparação de dano lhe tem ínsita uma carga de solidariedade, porque aquele

que prejudica outrem causa mal não somente à vítima direta do seu ato, mas a todos,

pois perturba a ordem social com o malefício causado.

Sob essa ótica, a responsabilidade civil tem papel fundamental nos

dias atuais, sendo mecanismo importantíssimo para o equilíbrio entre a pessoa e o

meio social.

Se a vítima teve lesado seu interesse que é legítimo e conexo a um

direito subjetivo – e por legítimo entenda-se aquele que desestabilize a pacífica

coexistência das liberdades – que é fim último do direito – e que avilte o princípio

normativo da dignidade da pessoa humana, então deverá ela ser indenizada, sendo o

infrator obrigado a torná-la integralmente indene.

Nessa esteira de idéias, Massimo Cesare Bianca27 leciona que

deve haver o formal reconhecimento do ressarcimento geral dos danos provenientes de

lesão aos interesses legítimos, considerando-se ressarcíveis danos injustos enquanto

lesivos aos interesses protegidos pelos princípios basilares do ordenamento.

El abandono seria ya realizado em el passado, continúa la sentencia,

com la adimisión de la resarcibilidad de varias posiciones jurídicas que

del derecho subjetivo no tienen la consistencia, las cuales están en el

así llamado derecho a la integridad del patrimonio, la libre

determinación negocial, la chance, las legítimas expectativas de

naturaleza patrimonial en las relaciones familiares. Y todavía, se

admite, no cualquier daño que seria resarcible, sino aquel consistente

en la lesión de “interesses a los cuales el ordenamiento atribuye

importancia.” 28

27 BIANCA, Massimo Ceasare. Realtá sociale ed effettività della norma – Obblogazioni e contratti responsabilitá. Vol. II, Tomo II. Milão: Ed. Giuffré, 2002, p. 977-983. 28 BIANCA, Massimo Ceasare. Se regressa a hablar de dano injusto. In MOZOS, José Luis de los; COAGUILA, Carlos A. Soto. Responsabilidad civil – Derecho de daños. Vol 05. Lima: Editora Jurídica Grijley, 2006, p. 255.

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Para o autor deve, assim, haver a garantia dos interesses legítimos

conexos ao direito subjetivo, estando aí abrangidos, evidentemente, todos aqueles

direitos que compõem o patrimônio da pessoa (aí considerados os bens materiais e os

imateriais), ainda que não haja na lei descriminação específica da conduta lesiva.

Nas palavras do autor:

La tesi secondo la quale il danno è ingiusto se arrecato in difetto di una

causa di giustificazione é stata da tempo formulata in doctrina

(Schlesinger). Essa incontra peró un’ oblezione difficilmente superabile,

Che cioè nel nostro ordinamento é lecito tutto ciò che non é vietato.

La causa giustificativa piò rilevare come esimente personale di

responsabilià o causa di esclusione dell’antigiuridicità, ma sempre sul

pressuposto che il comportamento del soggetto integri una fattispecie di

{antigiuridicità obiettiva}, ossia una fattispecie di condotta vietata.

Se il fatto non è obiettivamente antigiurídico, la sua illiceità non

puòdipendere dalla mancanza di un {autorizzazione} legale. 29

No direito civil italiano a sistemática é diferente da nossa, pois os

direitos subjetivos que ensejam a reparação estão todos identificados na lei, surgindo

responsabilidade de reparar apenas quando da lesão de um direito previsto por uma

norma (tipicidade de atos ilícitos). Daí porque houve grande construção jurisprudencial

e doutrinária a respeito do nascimento da responsabilidade civil advinda da lesão de

um interesse juridicamente protegido, com o fim de ampliar a tutela aquiliana a

hipóteses diferentes dos direitos subjetivos estritamente tipificados, principalmente a

expectativas consideradas pelos juízes como legítimas.

Discorrendo sobre a tutela aquiliana no direito civil italiano,

Giovanna Visintini faz um paralelismo com o direito civil francês, aduzindo que, a

despeito de ambos os sistemas serem regidos pela tipicidade dos atos ilícitos, essa

fórmula tradicional foi se transformando com o tempo, para dar lugar à necessidade de

29 BIANCA, Massimo Ceasare. Realtá sociale ed effettività della norma – Obblogazioni e contratti responsabilitá, cit., p. 979.

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reparação de interesses legitimamente protegidos, à luz da necessidade da reparação

do dano injusto.

Desde el punto de vista del elemento objetivo, se puede añadir que la

fórmula tradicional – que identificaba este elemento en la lesión de un

derecho previsto por una norma – se ha transformado, con el tiempo,

en la lesión de un intérêt légitime juridiquement protégé, con el fin de

ampliar la tutela aquiliana a hipótesis diferentes de los derechos

subjetivos; principalmente, a las expectativas consideradas por los

jueces como legítimas (por ejemplo, el caso de los daños producidos

por la muerte de uno de los miembros de la pareja de hecho).

Por lo tanto, aunque la fórmula adoptada por el art. 1382 del Code

(“cualquier hecho del hombre que ocasiona un daño a los demàs”) es

muy general, con el tiempo, en el uso que de ella han hecho los jueces,

ha sido explicitada mediante un processo de tipificación de uma serie

de interesses que se han considerado dignos de protección y de tutela

por vía aquiliana.30

Sob a ótica do sistema italiano, isso não significa dizer que todo

interesse relevante é ressarcível. Significa, sim, que os interesses legítimos

merecedores de tutela como situações de direito subjetivo são aqueles qualificáveis

como direitos subjetivos, ou seja, que lhe sejam conexos.

Esse é o entendimento de Pietro Perlingieri sobre o assunto:

A tutela da pessoa não pode ser fracionada em fattispecie concretas,

em autônomas hipóteses não comunicáveis entre si, mas deve ser

apresentada como problema unitário, dado o seu fundamento

representado pela unidade do valor da pessoa.

[...]

30 VISINTINI, Giovanna. Tratado de la responsabilidad civil – El daño. Otros criterios de imputación. Ciudad de Buenos Aires: Editorial Astrea, 1999, p. 5.

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23

A personalidade é, portanto, não um direito, mas um valor (o valor

fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de

situações existenciais, nas quais se traduz incessantemente mutável

exigência de tutela.

[...]

Não existe um número fechado de hipóteses tuteladas: tutelado é o

valor da pessoa [...] A elasticidade torna-se instrumento para realizar

formas de proteção também atípicas, fundadas no interesse à

existência e no livre exercício da vida de relações. 31

Aplicando os princípios que informam essa transformação da

fórmula ressarcitória no direito italiano ao nosso ordenamento, parece-nos que a

particularidade desses interesses legítimos é dar respeito acessório a situações

jurídicas subjetivas principais, aqui podendo ser entendidas como todas aquelas que

decorrem do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

2. A metamorfose da causa da responsabilidade civil – da culpa do agente para a reparação do dano injusto

Conforme é sabido, o direito francês, fonte na qual o nosso Código de

1916 se alimentou, estabeleceu o princípio de que a única causa verdadeira da

responsabilidade civil seria a faute, entre nós a chamada “culpa”.

É claro que, mesmo antigamente, sempre foi necessário haver

também o dano32 e o necessário nexo causal, ao lado da culpa, para que surgisse o

dever de indenizar, porque não seria possível – como ainda não o é – falar em

indenização se dano não tivesse sucedido.

31 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 155-156. 32 Sobre o tema é pertinente trazer ensinamento de Agostinho Alvim: “[...] o resultado é que bem se pode dar a hipótese de indenização sem dano algum. O Código Civil não fala em ressarcimento, independentemente de prejuízo, quando trata da cláusula penal (art. 927) e, sim, em exigência de pena, independentemente da alegação de prejuízo, adotando técnica muito exata. [...] Todavia, ainda mesmo que, falando sem rigor técnico, se diga haver naqueles casos indenização sem dano, o certo é que constituem eles exceções [...]”. (ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980)

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Nesse sentido é a lição de Agostinho Alvim:

Como regra geral, devemos ter presente que a inexistência de dano é

óbice à pretensão de uma reparação, aliás sem objeto.

Ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico que tenha

existido culpa e até mesmo dolo do infrator, nenhuma indenização será

devida, uma vez que não se tenha verificado o prejuízo. 33

Acontece que a verificação do dano e do nexo causal não eram por

si só suficientes para a configuração da obrigação de reparar em nenhuma situação. O

fundamental para a reparação de dano era presença da culpa, sem a qual dano

nenhum, por mais atroz e maléfico que fosse, seria reparado sequer minimamente.

Evidentemente começou-se a perceber a insuficiência dessa teoria

da culpa para resolver as diversas situações de danos, verificadas como decorrência

da sociedade tecnológica e industrializada.

E percebeu-se também, como já foi dito anteriormente, que os

danos sofridos pelas vítimas não poderiam ficar desprovidos de reparação, passando-

se a se entender, nesta esteira, que a reparação é um direito.

Era necessário, então, conceber mecanismos que alargassem e

tornassem maior as acanhadas vestimentas usadas pela teoria antiga, para que se

pudesse então trajar a nova mulher que se transformou ao longo dos anos e que não

mais se adequava àquele pequenino vestuário.

Sobre o assunto Giselda Hironaka cita Patrice Joudain, para quem:

33 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 181.

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Os hábitos de proteção e de assistência os quais a sociedade mantém

[escreve o autor francês] aumentam a necessidade de segurança do

indivíduo e os encorajam a serem mais exigentes: a reparação dos

danos torna-se um direito. Nesse contexto, a compaixão social que até

então favorecia, sobretudo, os responsáveis de suas próprias culpas,

volta-se, repentinamente, ao lado das vítimas. A culpa, como

fundamento único da responsabilidade civil, parece ser, então, um

vestuário bem apertado para indenizar todas as vítimas. Quando a

função indenizatória do instituto se afirma, os fundamentos

espiritualista e individualista que o Código Civil havia lhe dado parecem

cada vez mais inadequados. A partir de 1870, alguns autores,

preparando a evolução seguinte, recomendaram ‘deixar a culpa à

margem’ e substituí-la pela idéia de risco. Em seguida, as pessoas não

seriam mais somente responsáveis por suas culpas, mas também pela

realização dos riscos que criaram. Em vez de se ligar ao

comportamento do sujeito responsável, o direito se orientava com o

objeto da responsabilidade civil: a reparação de danos [Lês príncipes

de la responsabilité civile, cit., passim [tradução livre]. 34

Diante disso, a doutrina francesa e todos aqueles ordenamentos

que nela haviam se pautado começaram a voltar suas atenções para sistemas que, há

muito tempo, estabeleceram a responsabilidade com base no dano, no prejuízo, no tort,

que é no direito anglo saxão apresentado como a causa primordial da reparação.

Nesses sistemas o comportamento do sujeito sempre foi tido como

elemento secundário que não é levado em consideração em todas as situações.

É o que ensina Geneviève Viney:

34 HORINAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta – Evolução de fundamentos e de paradigmas da responsabilidade civil na contemporaneidade. In Questões controvertias – Responsabilidade civil – Série grandes temas de direito privado. Vol. 5. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 210.

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Certains ont nettement, et depuis longtemps, fait prévaloir la notion de

dommage, de préjudice, de « tort » qui est présentée comme la cause

première du droit à réparation, le comportement du sujet n’étant qu’un

élément secondaire qui intervient parfoid, mais non pas toujours, pour

provoquer la naissance de ce droit : c’est la position de principe de la

Commom Law anglaise et de tous les droits qu’elle a influencés 35.

E justamente nessa linha tem caminhado a doutrina a respeito da

reparação de dano, dando ênfase ao danificado, que deve ser integralmente reparado

pelo mal que sofreu.

Sobre a definição de dano injusto, pertinente trazer o escólio de

Orlando Gomes:

Que será dano injusto? Na definição de Tucci, tantas vezes citado, o

dano injusto é a alteração in concreto de qualquer bem jurídico do qual

o sujeito é titular. 36

Ou seja, vê-se cada vez mais que a tônica da matéria está

justamente em pautar a responsabilidade pelo dano, que deve a toda evidência ser

reparado, sendo de rigor tornar a vítima indene com relação aos prejuízos que

injustamente sofreu.

Essa é a lição de Graciela N. Messina de Estrella Gutiérrez:

Digamos de una vez que se haga cierta la frase acuñada con tanta

precisión de que los ojos de la justicia hoy se posan en la víctima, y

haciéndonos eco de tan elogiada propuesta, afirmar que el único

35 VINEY, Geneviève. Les métamorphoses de la responsabilité – Sixièmes Junnées René Savatier – Poitiers, 15 et 16 mai 1997 – Presses Universitaires de France, 1997, p. 323. 36 GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil. In Estudos em homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Editora Saraiva, 1989, p. 299.

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fundamento válido de la responsabilidad, sea contractual o

extracontractual, es la reparación del daño injusto que sufre aquélla.

Qué mejor y más equitativa razón del responder civil que se construya

no como una teoría del acto ilícito, sino como un supuesto del acto

dañoso y de la repartición de los daños! 37

Sobre a metamorfose da causa da reparação de dano, Ragner

Limongeli Vianna cita trecho de Canotilho, que pela pertinência ao tema trazemos à

baila:

Tendo o instituto da responsabilidade civil como função primordial a

transferência de um sujeito para outro da incidência do dano, essa

função não será realizada considerando as modalidades de conduta do

lesante, mas dando preliminarmente relevo à situação da vítima’. E

conclui ‘ o escopo da responsabilidade é a transferência do dano do

sujeito lesado para o agente lesante [José Joaquim Gomes Canotilho –

O Problema da Responsabilidade do Estado por Aços Lícitos,

Almedina, 1974, pág. 98/99]. 38

Com efeito, como resultado de um longo repensar do instituto da

responsabilidade civil e de todas as metamorfoses de sua causa ao longo do tempo,

tem-se que hoje sua principal causa é a ocorrência do dano injusto e a conseqüente

situação lamentável da vítima.

Esse é o entendimento de Luis O. Andorno:

El daño jurídico como elemento esencial de la reparabilidad (art. 1067,

C. Civ.) se ha convertido en el epicentro del sistema de responsabilidad

37 GUTIÉRREZ, Graciela N. Messina de Estrella. La responsabilidad civil em la era tecnológica – Tendências y prospectiva. 2 ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997. p. 269. 38 VIANNNA. Ragner Limongeli. Excludentes da obrigação de reparação de danos. São Paulo: Dissertação apresentada à banca da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em direito: 2001, p. 28

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civil y a ampliado su espectro en tres sentidos: admitiendo como tal a la

simple lesión a un interés serio no contrario a derecho; aumentando el

número de hipótesis de daños patrimoniales y extramatrimoniales; y

ampliando el espectro de los que pueden reclamarlo (LEGITIMADOS

activos) y de quienes deben resarcilo (obligados pasivos). De este

modo, se han modificado los presupuestos esenciales de la

responsabilidad civil, pues hoy interesan fundamentalmente el daño y

la injusticia del daño. 39

Para isso, é obviamente necessário deixar de lado a preocupação

com a conduta culposa do agente causador do dano em muitos casos.

Justamente nessa vereda é que foi desenvolvida com tanto êxito a

teoria da responsabilidade objetiva, que prescinde da culpa para possibilitar o

ressarcimento da vítima, tendo como sua preocupação primordial de tornar indene

aquele que sofreu um mal injusto.

Mas frise-se que não basta o dano, é necessário que tenha havido

nexo de causalidade entre a conduta do ofensor e esse dano, existindo entre ambos

uma necessária relação de causa e efeito. E essa necessidade da existência de nexo

causal emana não simplesmente da dogmática jurídica, mas antes advém de leis

naturais, de uma noção básica de causa e efeito.

Vê-se, assim, que a tendência da responsabilidade civil

contemporânea é eliminar do mundo fático a situação de pessoas danificadas sem a

devida reparação, tendo havido, para tanto, significativa metamorfose na causa da

responsabilidade dos sistemas romano-germânicos, que passaram a se preocupar

mais com a reparação do dano injusto sofrido pela vítima, deixando paulatinamente de

lado o apego à culpa como causa primordial da responsabilidade.

39 ANDORNO, Luis O. Dano (e injusticia del dano). In MOZOS, José Luis de los; COAGUILA, Carlos A. Soto. Responsabilidad civil – Derecho de daños. Vol 04. Lima: Editora Jurídica Grijley, 2006, p. 224.

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3. Socialização do risco e o contrato de seguro

Sabe-se que a moderna doutrina da reparação de danos - cuja atriz

principal é a teoria de risco como espécie de responsabilidade objetiva - tem como

alguns de seus fundamentos ético-jurídicos a solidariedade social e a justiça

distributiva.

Intrinsecamente ligada a esses princípios, há também a relevante

influência da economia e de seus preceitos de lucratividade e eficiência que têm

permeado a ciência jurídica.

Esse fenômeno é verificado de forma mais marcante a partir da

revolução francesa, mas que, de certa forma, sempre foi levado em consideração pelo

direito, até porque, fazendo a economia parte indissociável da sociedade, não poderia

ter sido posta de lado pelo ordenamento jurídico sem exercer sobre ele nenhuma

influência, pois o direito é ciência social que emana da sociedade e que em virtude dela

é concebido.

A esse respeito, Carlos Eduardo Pianovski afirma que:

A análise econômica, tal como preconizada por seus defensores,

acaba por transformar o direito em mero instrumento para a realização

dos fins da economia: o jurídico é utilizado e direcionado para produzir

a eficiência econômica. Vale dizer: não são os valores jurídicos que

pautam a atividade econômica, mas, ao contrário, a racionalidade de

mercado ‘coloniza’ o direito, com vistas ao incremento da eficiência e

da competitividade.

Se, de fato, em determinadas situações, a atuação do direito para

incremento da eficiência da atividade econômica pode ser positiva, isso

não pode ser elevado à condição de regra universal a pautar a atuação

do jurídica. Ao contrário, o direito deve contribuir para promover a

eficiência econômica apenas quando esta atender – ou, ao menos, não

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prejudicar – a concretização dos objetivos do ordenamento jurídico,

consubstanciados nos princípios e valores constitucionais. Sem

embargo, quando a eficiência econômica vem em detrimento de tais

princípios e valores, o direito não deve, Por evidente, contribuir para

sua promoção. Ao contrário, deve oferecer instrumentos para que seis

valores fundamentais se sobreponham à eficiência. 40

Evidentemente não se pode deixar de lado o critério econômico.

Mas também não se pode esquecer que ele, sozinho, em virtude de seus estreitos

territórios, não tem o condão efetuar a composição de todos os interesses que o direito

acomoda.

Sobre o tema Pietro Perlingieri doutrina que:

Não se nega que possa ser útil o emprego de esquemas e critérios

microeconômicos para ‘escrutinar o direito’ e para avaliar a

congruidade de seus institutos. Todavia, necessário ter consciência

que, se é verdade que a análise custo-benefício contribui para realizar

a eficiência, ela sozinha não consegue representar a especificação e a

complexidade da ciência jurídica.41

Ora, numa sociedade em que a atividade econômica industrializada

e multinacional lhe é fundamental, mas ao mesmo tempo insere no mercado uma

variada sorte de riscos, e conseqüentemente danos que não podem ficar sem

reparação, exsurge a necessidade de conceber um mecanismo que, levando em

consideração solidariedade social e a justiça distributiva, seja apto a acomodar esses

dois interesses aparentemente antagônicos sem engessar demasiadamente a atividade

econômica.

40 PIANOVSKI, Carlos Eduardo. A responsabilidade civil por danos produzidos no curso de atividade econômica e a tutela da dignidade da pessoa humana: O critério do dano eficiente, In Questões controvertidas – Responsabilidade civil – Série grandes temas de direito privado. Vol. 5. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 73. 41 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil constitucional, cit., p. 64.

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Sabe-se que a intenção dos fabricantes é a de repassar todo o

risco de sua atividade para os consumidores, e esses, por sua vez, não querem

suportar nenhuma situação desconfortável, clamando pela paz absoluta conjugada com

a ressarcibilidade de todo e qualquer dano de forma rápida e eficaz,

independentemente da análise da conduta do ofensor, ou seja, descartando-se a culpa

por completo.

Diante dessa realidade, conforme nos ensina Ghersi42, trata-se da

necessidade de inferir quais são os riscos – e danos – que a sociedade tolera suportar,

pois é consensual que já não é mais possível conceber a realidade sem os benefícios

que a industrialização trouxe.

Ao lado do principio da dignidade da pessoa humana, alçado no

sistema como norma fundamental, está a atividade econômica e seu objetivo final, que

é a maximização dos lucros. No meio destes dois princípios é que deve ser fincada a

solução.

Diante disso, foi sendo concebida a idéia de que a coletividade

(nela considerados inclusive os empresários), justamente por se abalar com o dano

sofrido pelo danificado, em razão da inexorável ligação de todos os indivíduos entre si

numa sociedade globalizada e interligada como a nossa, deve absorver a

responsabilidade de reparação dos malefícios causados a seus membros, repartindo-a

entre todos os seus integrantes.

Com efeito, na quarta era dos direitos, ou era técnica – na qual

nos encontramos -, conforme denomina Norberto Bobbio, a tendência da coletivização

ou seguro dos riscos é uma realidade, sendo ínsita à atividade ligada à tecnologia o

dever de indenizar os lesados, bastando para tanto a prova do dano e do nexo causal,

prescindindo da culpa a obrigação de indenizar.

Viu-se, então, a necessidade de criar um mecanismo que

possibilitasse o ressarcimento daqueles que fossem lesados em virtude dos riscos

colocados na sociedade, mas que ao mesmo tempo garantisse a continuidade das

42 GHERSI, Carlos A. Teoria general de la reparación de daños, cit., p. 50-51.

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atividades industriais - sem a qual o ser humano não pode mais viver porquanto

indissociavelmente ligadas à sociedade contemporânea.

Ou seja, mostrou-se imperiosa a concepção de uma aparelhagem

que não culminasse com a ruína da atividade empresarial, mas que também não

acarretasse o desrespeito inadmissível à dignidade da pessoa humana.

O meio utilizado para operacionalizar esse anseio foi o contrato de

seguro.

Com efeito, o contrato de seguro é aquele pelo qual o segurador se

obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado

relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados (artigo 757 do Código

Civil).

Espécie desse gênero é o seguro de responsabilidade civil,

previsto no artigo 787 da novel legislação, que dispõe garantir o segurador o

pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.

Efetuando o seguro das atividades introdutórias do risco no seio da

sociedade, o empresário repassa a um terceiro o ônus de indenizar as pessoas que

venham a sofrer eventuais danos advindos de seu oficio, pagando a este terceiro um

valor denominado prêmio, que tem o condão de operar a transferência pecuniária da

responsabilidade de reparação a este que assume o encargo de indenizar.

Desta forma, reduz-se ao mínimo o risco de empobrecer o

responsável, senão também o de deixar insuficientemente reparado o dano sofrido pela

vítima. 43

A socialização do risco ocorre na medida em que o empresário

repassa para seus produtos o valor do prêmio que teve que pagar ao terceiro para

“segurar” sua atividade, pois são os consumidores que os adquirem, os reais

pagadores do valor desembolsado pelo risco da atividade do empreendedor.

43 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, cit., p. 1128.

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Sobre o assunto doutrina Luiz Roldão de Freitas Gomes:

Dissemina-se, deste modo, seu ônus sobre todo o corpo social, ao qual

ele é repassado no preço dos produtos vendidos e serviços prestados.

Sobre acarretar sua majoração, condiz a que arque também o menos

favorecido com o encargo. 44

No mesmo sentido Sérgio Cavalieri:

O dano, por esse novo enfoque, deixa de ser apenas contra a vítima

para ser contra a própria coletividade, passando a ser um problema de

toda a sociedade. E o seguro é um das técnicas utilizadas no sentido

de alcançar a socialização do dano, porquanto se consegue, através

dele, distribuir os riscos entre todos os segurados. 45

Por meio do seguro confere-se às pessoas uma garantia mais

robusta da reparação de males que sobrevenham, acomodando-se melhor os

interesses dos empresários e dos membros da sociedade que estão expostos aos

riscos das atividades industriais que tanto lhes beneficiam, mas que ao mesmo tempo

tantas agruras lhes trazem.

É necessário ressaltar, contudo, que tal opinião não é partilhada

por Luis Díez-Picazo Y Ponce de Leon, que tecem considerações sobre os

inconvenientes da responsabilidade objetiva inspirada unicamente pelo dano injusto,

sustando, dentre outras idéias, a crise do seguro e a crise da idéia de socialização de

danos em virtude das seguintes razões:

44 GOMES, Luis Roldão de Freitas. Tendências atuais da responsabilidade civil. In Revista brasileira de direito comparado, – Publicação semestral do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro. Rio de Janeiro: Dinigraf, 2001, p. 101. 45 CAVALIERI, Sergio. Programa de responsabilidade civil, cit., p. 138.

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[...] las elevadas cuantías de las indemnizaciones provocan una notoria

elevación de las primas, que, em algún tipo de actividades terminan

haciendo prohibitivo el contrato de seguro y em otros incluso imposible

por no aceptarlo las compañías.

Por otra parte, si la idea de socialización de los daños a través del

juego de los seguros termina entrando en crisis, en crisis hay que

colocar también la idea misma de socialización, pues como hemos

indicado anteriormente no es posible adoptar este tipo de solución sin

conocer con exactitud el alcance redistributivo que a través de él puede

realizarse, lo que no puede dejarse en manos de decisiones

particularizadas de los tribunales de justicia. 46

Não concordamos com o quanto sustentado pelos autores, pois, se

a indenização a ser paga ao eventual danificado for muito alta e, consequentemente o

prêmio para efetuar o seguro do risco for demasiadamente elevado, então, nesses

casos as empresas estariam dando azo a riscos exorbitantes e causando danos em

freqüência intolerável para a sociedade, de modo que é necessário repensar a forma

pela qual a atividade está sendo desenvolvida e reformulá-la.

O seguro do risco não se presta para que o empresário se

acomode a ponto de permitir a ocorrência de escabrosos e recorrentes danos, até

porque o segurado deve ser diligente para evitar a ocorrência de malefícios, que se

pressupõe sejam em número pequeno em comparação ao universo em que a atividade

está inserida.

Se nem mesmo a companhia aceita efetuar o seguro, então

realmente é porque a atividade, naquele segmento e daquela forma específica como se

desenvolve, está em total desacordo com aquilo que é socialmente tolerável.

Nesse cenário, o problema não é o elevado patamar das

indenizações, e tampouco a renúncia das companhias seguradoras, mas sim a

46 DÍEZ-PICAZO, Luis; LEÓN, Ponce de. Derecho de daños. Madrid: Civitas, 1999, p. 240-241.

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inviabilidade da atividade nos moldes em que se apresenta, a demonstrar a

necessidade premente de alteração, para então se enquadrar aos parâmetros

socialmente aceitos e, consequentemente, ser elegível ao seguro.

O seguro é precisamente o instrumento que se apresenta como

complementar da responsabilidade objetiva por risco criado, porque transforma o risco

em custo e permite ao empresário calculá-lo.

Conforme preleciona Giovanna Visintini47, pode-se dizer que a

técnica da responsabilidade civil, se examinada em nível de reconstrução das grandes

correntes jurisprudenciais, registra um bom índice de eficácia na tutela dos interesses

do cidadão ao permitir recorrer a uma multiplicidade de critérios de imputação.

Sobre as tendências modernas da responsabilidade civil e do giro

conceitual de ato ilícito ao dano injusto, ensina Orlando Gomes que:

Hoje, mudou o ângulo visual dessa teoria no tratamento dos

problemas. O regime da responsabilidade está passando por uma

revisão importante, e menifestam-se tendências que o renovam

significativamente.

A mais interessante mudança de ângulo visual é o giro conceitual do

ato ilícito para o dano injusto. Acompanham-na:

a) a substituição pelo mecanismo do seguro b) a monetarização dos riscos 48 (grifos nossos)

Mas é importante destacar que, justamente pelo fato de que o

empresário pagará um preço determinado ao segurador - prêmio – a fim de assegurar

aos que porventura se acidentarem o recebimento de indenização, é que essa

indenização é limitada aos valores previamente pactuados entre as partes.

47 VISINTINI, Giovanna. Tratado de la responsabilidad civil – El daño. Otros criterios de imputación, cit., p. 201 48 GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil. In Estudos em homenagem ao Professor Silvio Rodrigues, cit., p. 296.

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Com efeito, não poderia o segurador assumir uma obrigação

pecuniária de valor que não pudesse estimar, nem mesmo por aproximação.

Daí porque o empresário deve, com base nos riscos que sua

atividade produz, mensurar quais são os danos que normalmente podem dela advir,

para então repassar esses dados ao segurador.

De posse desses dados, o segurador procede a uma estimativa

dos valores máximos que poderá ter que desembolsar em razão da atividade a ser

segurada, delimitando então uma álea, encaixando dentro dela as indenizações a

serem deixadas sob sua responsabilidade.

Os riscos objeto de seguro tratam-se, então, daqueles que

previsivelmente podem decorrer da atividade desenvolvida.

E são eles justamente objeto de um seguro para que as pessoas

tenham maior conforto psicológico, por saberem que os danos normalmente advindos

das atividades de risco são “cobertos” de forma mais célere e efetiva.

Além disso, as pessoas têm também uma garantia financeira de

recebimento do prejuízo que sofrerem, desde que esse prejuízo esteja embutido na

previsibilidade (que é o norte para o estabelecimento da relação de seguro com o

segurador).

A lição de Renan Lotufo sobre o assunto merece ser aqui

destacada:

[...] um sistema de garantias, através de contratos de seguro [...] Portanto, uma forma de garantia, mas ao mesmo tempo de socialização da indenização, decorrente da crescente forma de socialização do prejuízo consistente nos contratos de seguro coletivos, onde todos os aderentes contribuem, para a hipótese eventual da ocorrência o dano a um deles, a quem será devida a indenização, só que esta efetivamente limitada previamente, pelo valor pactuado

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decorrente da socialização pactuada entre os estipulantes do seguro. Então cada vez mais nós vamos encontrar o aspecto dessa responsabilidade de risco sendo coberta por seguradoras, que desenvolvem seu mercado de seguro para querer cobrir as hipóteses de responsabilidade objetiva e subjetiva, alterando profundamente a visão clássica que nós temos, de que quem causa o dano deve reparar. Cada vez que nós temos o seguro e esse seguro diz ser total, o que vamos encontrar é que quem vai reparar não seremos nós que causamos o dano, mas quem contratou conosco, assumindo a responsabilidade decorrente de estipulação em favor de terceiro, como nos casos de seguros feitos pelos empregadores em favor de seus empregados. 49

4. As cláusulas gerais da responsabilidade civil presentes no sistema

O atual Código Civil trouxe consigo dispositivos que refletem a

mudança principiológica do sistema em correspondência aos anseios e os movimentos

sociais em direção à constitucionalização de todas as relações de direito privado.

Para Luiz Edson Fachin, é imperioso o reconhecimento de que “a

codificação, ao espelhar o sistema nas relações de família, no patrimônio e no contrato,

fundou, a seu tempo, a ‘Constituição do homem privado’. Essa é a expressão para

analisar qual é a tradição desse sistema, e o que ele pretendeu apresentar de moderno

ao tempo de sua formulação. A hermenêutica construtiva a ser aplicada sobre o Código

Civil de 2002 pode alterar essa compreensão ao se assentar numa principiológica

axiológica de índole constitucional.” 50

Nessa linha, a novel legislação trouxe dispositivos que demonstram

a preocupação com a conformidade das regras de direito privado aos princípios de

direito constitucional, daí surgindo o chamado direito civil constitucional.

49 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, cit., p. 300-301. 50 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil à luz do novo Código Civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 286-287.

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No que tange à reparação de danos, o foco do sistema se volta

efetivamente à reparação integral da vítima, desapegando-se, para tanto, em muitos

casos, daqueles estreitos limites da comprovação da culpa, ampliando-se os casos de

responsabilidade objetiva.

É o caso dos artigos 932 e 933, que disciplinam a responsabilidade

objetiva dos pais, tutores, empregadores e donos de hotéis, facilitando a reparação das

vítimas.

Inclusive, a preocupação com a reparação do dano não está

somente nos casos de ampliação da responsabilidade objetiva, mas também no

aumento da liberdade concedida ao magistrado para apontar situações potencialmente

causadoras de risco.

Impende destacar, todavia, que muito embora o sistema tenha

dado passos largos em direção à ampliação dos casos de responsabilidade objetiva,

conforme é sabido o Código Civil traz em seu bojo cláusula geral de responsabilidade

subjetiva, esculpida no conjunto das redações do caput do artigo 927 e do artigo 186

do diploma civil.

Com efeito, o caput do artigo 927 dispõe que “aquele que, por ato

ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Por sua vez, o artigo 186 enuncia o seguinte: “aquele que, por ação

ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Da redação desses dois artigos constata-se que a responsabilidade

subjetiva é ainda cláusula geral do sistema quando o assunto é a reparação de danos

que não tenham o seu arquétipo previsto em lei específica que consagre a reparação

do dano por meio da responsabilidade objetiva.

Ou seja, de acordo com a cláusula geral de responsabilidade

subjetiva, que se aplica ainda a um grande número de casos, ainda há a necessidade

de comprovação da culpa do agente para o surgimento de dever de indenizar.

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39

Mas é importante também notar que há um novo dispositivo na lei

civil que trouxe grande mudança no panorama da reparação de dano que permite a

afirmação de que o sistema, paralelamente às situações de obrigação subjetiva,

caminha rumo à objetivação em muitos casos.

Trata-se do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, que

entendemos tratar-se de cláusula geral de responsabilidade objetiva presente no

sistema por conter disposição inovadora ao estabelecer genericamente o dever de

indenizar quando a atividade normalmente desenvolvida que implica risco, causa dano.

Nesse sentido é o entendimento de Carlos Alberto Menezes Direito

e Sérgio Cavalieri Filho, para os quais:

O dispositivo não tem correspondência no Código de 1916, porque

aquele diploma, como já ressaltado, era essencialmente subjetivista.

Não continha nenhuma regra geral sobre a responsabilidade objetiva,

posto que a admitisse topicamente. A expressão independentemente

de culpa revela que este parágrafo contém uma cláusula geral de

responsabilidade objetiva. Por sua extensão e importância e, ainda, por

não guardar relação de subordinação com o caput, a matéria deveria

ter sido disciplinada em artigo autônomo. 51

Esse é também o escólio de Venosa:

Portanto, o âmbito da responsabilidade sem culpa aumenta

significativamente em vários segmentos dos fatos sociais. Tanto assim

é que culmina com a amplitude permitida pelo acima transcrito art. 927,

parágrafo único, do atual Código. [...] Como vimos, o presente Código

apresenta norma aberta para a responsabilidade objetiva (art. 927,

parágrafo único). Nas chamadas normas abertas, realça-se a 51DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, Vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de janeiro: Forense, 2004, pg. 144.

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discricionariedade do juiz, pontilhada amplamente no Código de 2002. 52

Na mesma esteira é o entendimento de Marcelo Junqueira Calixto,

para quem:

[...] o vigente Código Civil traz uma cláusula geral de responsabilidade

civil independente do ato ilícito, a qual se encontra no artigo 927,

parágrafo único [...]

Censura-se o fato de tal norma constituir um simples parágrafo único,

em especial quando alicerça a responsabilidade civil em fundamento

diverso do caput. 53

E, finalmente, a mesma posição sustenta Anderson Schreiber:

Foi somente em um momento posterior que a responsabilidade objetiva

veio a ser incorporada como cláusula geral aplicável às atividades de

risco, a exemplo do que se vê do art. 927, parágrafo único, do Código

Civil Brasileiro. Com isso, a responsabilidade objetiva perdeu, a um só

tempo, a conotação excepcional e o caráter ex lege que lhe vinham

tradicionalmente atribuídos. 54

Em que pese entendermos tratar-se o parágrafo único de cláusula

geral de responsabilidade objetiva presente no sistema, essa opinião não é unânime na

doutrina.

52 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 6. ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Atlas, 2006, p. 10. 53 CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilidade civil. Estrutura e função., cit., p. 168-169. 54 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, cit., p. 237-238.

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Carlos Roberto Gonçalves sustenta que a regra é a

responsabilidade subjetiva, e que a responsabilidade objetiva seria adotada apenas em

casos específicos.

A responsabilidade subjetiva subsiste como regra necessária, sem

prejuízo da adoção da responsabilidade objetiva, em dispositivos vários

e esparsos. Poderiam ser lembrados, como de responsabilidade

objetiva, em nosso diploma civil, os arts. 936, 937 e 938, que tratam,

respectivamente, de responsabilidade do dono do animal, do dono do

prédio em ruína e do habitante da casa da qual caírem coisas. 55

Essa era também a posição de Silvio Rodrigues, para quem:

Já vimos que a regra básica da responsabilidade civil, consagrada em

nosso Código Civil, implica a existência do elemento culpa para que o

mister de reparar possa surgir. Todavia, excepcionalmente, e em

hipóteses específicas, nosso direito positivo admite alguns casos de

responsabilidade sem culpa, ou de culpa irrefragavelmente presumida.

Elas serão examinadas logo mais, bem como a regra contida no

parágrafo único do art. 427 [sic, 927] do novo Código Civil,

consignadora, talvez, de uma tendência aparentemente audaz, no

sentido de admitir em caráter genérico, mas com importantes

restrições, responsabilidade sem culpa e informada da idéia de risco. 56

Rui Stocco também entende que a responsabilidade subjetiva é a

regra na sistemática vigente:

55 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8. ed. rev. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406 de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 23. 56 RODRIGUES, Silvio. Responsabilidade civil. Vol. 4. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 17.

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Ao longo dos estudos desenvolvidos nesta obra ficou assentado que

tanto o Código civil de 1916, agora revogado (art. 159), como o atual,

posto em vigor em 2002 (art. 186) adotaram, como regra, a

responsabilidade civil com culpa em sentido genérico (dolo e culpa). De

sorte que a culpabilidade é o elemento nuclear da responsabilidade.

Mas também restou demonstrado que o Código Civil em vigor avançou

sobremaneira com relação ao anterior, criando e ampliando no seu

interior hipóteses de responsabilidade objetiva ou sem culpa,

significando que estamos caminhando a passos largos para adoção de

um sistema de responsabilidade civil que melhor proteja a vítima e

consiga o ideal de socializar os encargos. 57

Muito embora haja divergência na doutrina a respeito de ser o

parágrafo único do artigo 927 cláusula geral de responsabilidade - pois há aqueles que

entendem tratar-se referido dispositivo apenas de norma aberta de responsabilidade

objetiva - fato é que a redação da norma em tela nos é ainda pouco palpável.

Com efeito, do texto legal não se verifica um norte bem delineado a

respeito do que viria a ser exatamente essa atividade normalmente desenvolvida que

implicaria risco e que, por via de conseqüência, traria consigo a obrigação de indenizar,

denotando ser bastante amplo o espectro do dispositivo em comento.

Esse nova norma presente no ordenamento traduz o bom senso do

legislador, pois permite que determinadas situações possam ser resolvidas de forma

mais justa sem que para isso deva haver um arquétipo exaustivamente definido em lei

da situação causadora do dano, bastando certas diretrizes para que o magistrado, no

caso concreto, proceda a subsunção do fato à norma.

E exatamente por isso nos parece que o parágrafo único do artigo

927 do Código Civil vem ao encontro do princípio da dignidade da pessoa humana,

57 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.159.

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buscando assegurar a reparação de um maior número de vítimas em seu arcabouço ao

trazer para o ordenamento jurídico cláusula geral de responsabilidade objetiva58.

Em que pese, portanto, seja necessário ter em mente que a

responsabilidade subjetiva é cláusula geral do sistema, entendemos que o

ordenamento jurídico conta também, hoje, com outra cláusula geral de

responsabilidade objetiva que se coloca ao lado daquela - mas cuja aplicação ainda

deverá ser melhor delineada pela doutrina e pela jurisprudência - convivendo ambas no

sistema de forma pacífica e por vezes interdependente.

4.1. O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil – cláusula geral de responsabilidade objetiva

O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil dispõe de forma

inovadora e sem precedentes na doutrina estrangeira, que haverá obrigação de reparar

o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a

atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,

risco para os direitos de outrem.

Sobre referido dispositivo Aguiar Dias assevera o seguinte:

O parágrafo único, do art. 929 (atual 927 do CC de 2002), do Projeto

concede espaço à responsabilidade civil baseada no risco. Só merece

louvores, pois baseado no princípio romano neminem laedere. As

confusões que a respeito se estabelecem não levam em conta o

verdadeiro sentido desse mandamento, que não estabelece a

obrigação de indenizar para todo e qualquer dano, mas exige que ele

seja injusto e que tenha certa relevância [...]. 59

58 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Maria Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. (Arts. 421 a 965), cit., pág. 807. 59 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, cit., 2006, p. 40.

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Note-se, em primeiro lugar, que o dispositivo não adjetiva a

atividade a que se refere, não tendo sido dito em nenhum momento que a atividade

nele referida deva ser aquela tida como “perigosa”, diferentemente do quanto dispõe o

Código Civil italiano, que em seu artigo 2050 restringe a responsabilidade à atividade

perigosa (quer por sua natureza quer pelos meios adotados para a sua operação). In

verbis:

Art. 2050 Responsabilità per l'esercizio di attività pericolose

Chiunque cagiona danno ad altri nello svolgimento di un'attività

pericolosa, per sua natura o per la natura dei mezzi adoperati, e tenuto

al risarcimento, se non prova di avere adottato tutte le misure idonee a

evitare il danno.

No que tange ao parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, é

bem verdade que, ao consignar dever a “natureza” da atividade implicar risco, poderia

parecer que a intenção do legislador teria sido a de restringir o alcance da norma

àqueles casos de perigo, mesmo sem tê-lo dito.

E é esse o posicionamento de Erik Frederico Gramstrup, para

quem:

Foi acolhida pelo Código a teoria do risco-criado. Isso significa que o

fundamento ético da hipótese mais geral de responsabilidade objetiva

em nosso direito não é o ganho que o agente retira da atividade

perigosa (como seria na teoria do risco-proveito). A prova disso é que o

pressuposto é uma ‘atividade’, expressão que aparece sem nenhuma

qualificação especial, a não ser o da periculosidade. Não se exigiu que

seja lucrativa, nem ao menos remunerada.

[...]

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A periculosidade do Código Civil foi deixada ao alvedrio da

jurisprudência, que poderá levar em consideração dois critérios: a)

semelhança com as situações tratadas pela legislação extravagante; b)

o que o homem médio entenda por particularmente arriscado. 60

No mesmo sentido Anderson Schreiber:

[...] a conclusão mais razoável parece ser a de que a cláusula geral de

responsabilidade objetiva dirige-se simplesmente às atividades

perigosas, ou seja, às atividades que apresentam grau de risco elevado

seja porque se centram em sobre bens intrinsecamente danosos (como

material radioativo, explosivos, armas de fogo etc.), seja porque

empregam métodos de alto potencial lesivo (como o controle de

recursos hídricos, manipulação de energia nuclear etc). 61

Todavia, em que pese a opinião a respeito da periculosidade estar

implícita na norma, não se pode deixar de levar em conta um sem número de

atividades que implicam risco mesmo sem trazerem ínsitas consigo o embrião do

perigo.

Nesse ponto, pedimos vênia para lembrar exposição feita pelo Prof.

Dr. Renan Lotufo, em aula ministrada na pós-graduação stricto sensu da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, em que o mestre destacou, de forma

exemplificativa, aquele caso do ambulante que vende gêneros alimentícios.

Essencialmente sua atividade não envolve risco. Todavia, caso o

ambulante, a fim de fomentar a quantidade de vendas, se instale em local de

passagem de maior número de pessoas, dificultando a circulação dos pedestres – tais

60 GRAMSTRUP, Erik Frederico. Responsabilidade objetiva na cláusula geral codificada e nos microssistemas. In Questões controvertidas – Responsabilidade civil – Série grandes temas de direito privado – Vol. 5. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 130-131. 61 SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, cit., p. 25.

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como as proximidades das escadas que dão acesso ao metrô – a atividade gerará uma

situação potencialmente causadora de dano, que trará consigo um risco.

Isso significa que, da forma como redigido o parágrafo único do

artigo 927, o dano causado por esse ambulante se encaixa em seu “tipo” legal, muito

embora sua atividade, em essência, não seja perigosa.

Nessa esteira, parece-nos que a periculosidade não seria requisito

para a configuração da responsabilidade nos termos do parágrafo único do artigo 927

do Código Civil.

Sobre as atividades que poderiam ser consideradas como de risco

à subsumirem-se ao parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, Carlos Roberto

Gonçalves destaca o seguinte:

Pode-se antever, verbi gratia, a direção de veículos motorizados ser

considerada atividade que envolve grande risco para os direitos de

outrem. E que maior será o risco da atividade conforme o proveito

visado. 62

Com efeito, para nós somente poderia ser aceito que no parágrafo

único do artigo 927 haveria implícita na atividade ali descrita a sua periculosidade, no

caso de se entender “perigo” em seu sentido lato sensu, ou seja, para designar um

potencial causador de resultados maléficos.

No dicionário, a palavra perigo tem o seguinte significado

semântico:

Perigo – 1. situação em que a existência ou a integridade de pessoa,

animal, objeto etc. encontra-se ameaçada; risco, segurança. 2. o que

provoca essa situação 3. conseqüência desastrosa; inconveniente. 63 62 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, cit., p. 25. 63 HOUAISS. Minidicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2004, p. 564.

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Nesse sentido, seria possível admitir que a atividade descrita no

parágrafo único do artigo 927 do Código Civil seria aquela disseminadora de perigo,

pois este seria aqui entendido como potencial causadora de dano, e não como aquelas

atividades que são perigosas pela sua própria natureza, tais como as atividades

nucleares, ou aquelas que envolvem o manuseio de produtos químicos e tóxicos.

Essas estão também, obviamente, incluídas no arcabouço jurídico

do texto em comento, mas este àquelas não se limita, abrangendo toda a sorte de

atividade que, quando desenvolvida com regularidade, traga consigo o potencial de

gerar danos.

Com efeito, o dispositivo é extremamente aberto, deixando ao

magistrado que exerça seu poder / dever discricionário na tarefa de classificar, no caso

concreto, o que virá a ser essa atividade normalmente desenvolvida que por sua

natureza implique risco.

Esse é o entendimento esposado por Carlos Roberto Gonçalves:

A inovação constante do parágrafo único do art. 927 do Código Civil

será significativa e representará, sem dúvida, um avanço, entre nós,

em matéria de responsabilidade civil. Pois a admissão da

responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que, por sua

natureza, representa risco para os direitos de outrem, da forma

genérica como consta do texto, possibilitará ao Judiciário uma

ampliação dos casos de dano indenizável.64

Isso significa dizer que, para haver a reparação com base no

dispositivo em tela, será necessário que o juiz, no caso colocado sob seu exame,

64 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, cit., p. 25.

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reconheça determinada atividade como sendo de risco e, desta feita, imponha o dever

de reparar.

Mas é importante ressaltar que o risco pressupõe uma experiência

empírica, através da qual haja a constatação de que determinada atividade

sabidamente causa dano. Ou seja, o risco pressupõe práticas reiteradas e

conseqüências danosas também em número capaz de demonstrar o nexo de

causalidade repetidas vezes.

Diante disso, entendemos que, para haver reparação com fulcro no

dispositivo ora analisado, deverá haver o reconhecimento de que determinada

atividade envolve risco. Esse reconhecimento pode ser feito, inclusive, no corpo da

própria sentença que determine a obrigação de reparar o dano.

A respeito do assunto, Gustavo Tepedino, Heloiza Helena Barboza

e Maria Celina Bodin asseveram que “a falta de adequada delimitação legislativa sobre

o significado da expressão utilizada pelo legislador ‘possibilitará ao Judiciário uma

ampliação dos casos de dano indenizável’ (Carlos Roberto Gonçalves,

Responsabilidade Civil, p. 25), embora haja também quem entenda que o parágrafo

único do art. 927 ‘ não será usado com muita largueza, pois a maioria das atividades de

risco em nosso ordenamento já é regulada pela responsabilidade objetiva (Silvio

Venosa, Direito Civil, p. 20).” 65

É claro que a existência desse dispositivo representa avanço sem

igual em termos de reparação de dano, pois permite que a responsabilidade objetiva

seja estendida a um número indeterminado de casos, tratando-se ela, portanto, de

cláusula geral do sistema.

Mas as formas de aplicação desse artigo serão sinalizadas pela

doutrina e pela jurisprudência à medida que as situações concretas assim reclamarem.

De qualquer forma, em que pese a aplicação do parágrafo único do

artigo 927 ainda nos seja pouco palpável, a nosso ver a sua colocação no ordenamento

65 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. cit., p. 808.

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jurídico significa indubitável sinalização de que nenhuma atividade geradora de risco

deixará de acarretar para seu causador o dever de indenizar, e de fazê-lo

independentemente de culpa, em atenção e observância ao princípio normativo

constitucional da dignidade da pessoa humana.

Capítulo 3

Responsabilidade Objetiva 1. A responsabilidade objetiva

Conforme já foi dito anteriormente, ao longo do tempo iniciou-se a

tentativa de superação da identificação do culpado – o responsável - partindo-se para a

responsabilidade objetiva em muitos casos, considerada como verdadeira

solidariedade social.

A partir da nova conotação dada à noção de ‘acidente’, não mais um

evento sempre atribuído ao acaso ou à fatalidade, foi preciso

abandonar a idéia, até então axiomática, de que a responsabilidade só

poderia ser invocada como sanção a uma falta cometida. 66

Estamos todos muito próximos uns dos outros. Tudo que afeta ao

outro nos afeta por via reflexa, pois em um mundo globalizado em que as relações se

multiplicam a cada minuto e são estabelecidas de forma concatenada, as pessoas se

ligam muitas vezes sem nem mesmo se conhecerem, tudo de forma frenética e

dinâmica.

66 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Maria Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. (Arts. 421 a 965), cit., p. 805.

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Ao mesmo tempo em que o homem do século XXI é alguém

individualista e egocêntrico do ponto de vista sentimental e intimista, enclausurando-se

em si mesmo no que diz respeito à sua vida emocional por conta dos ideais ínsitos à

globalização, profissionalização e especialização, esse mesmo homem é

absolutamente coletivo e social no seu dia a dia, estando inexoravelmente ligado a

centenas de pessoas, aumentando esse número de forma vertiginosa a cada nova

ação que empreende.

Basta pensar que, ao sairmos de casa pela manhã, quando

dirigimos o carro interferimos potencialmente na vida de centenas de pessoas que

trafegam ao nosso lado, aumentando ainda mais o número de relações travadas se

considerarmos todos os demais atos praticados ao longo do dia (tais como a escolha

do restaurante para o almoço e o trato com as pessoas lá presentes, a forma de

pagamento para as compras diárias e os contatos profissionais mantidos, entre tantos

outros).

Ou seja, a mesma pessoa que é hoje absolutamente solitária e

limitada a si mesma no que diz respeito à sua intimidade, é ao mesmo tempo social e

coletiva no tocante à sua rotina, pois diariamente trava um sem número de relações

superficiais que, por via de conseqüência, lhe impingem um comportamento zeloso,

diligente e preocupado com o seu próximo.

Os princípios informadores do ordenamento - eticidade, socialidade

e operabilidade – lograram imprimir às normas do Código Civil um perfil diametralmente

oposto ao individualismo e ao egocentrismo antes verificados, transmitindo essa noção

às pessoas que do direito são destinatárias, de forma a modificar a essência do agir em

sociedade no que diz respeito às relações juridicamente relevantes.

Diante de tudo isso, foi concebido o sistema da responsabilidade

objetiva, que prescinde do elemento culpa para a configuração do dever de indenizar,

viabilizando assim a indenização em muitos casos que ficariam à deriva de uma

solução pelo sistema de responsabilidade subjetiva.

Isso harmoniza as relações sociais na medida em que pacifica a

coexistência das liberdades, pois um sistema que garante a possibilidade de

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indenização a um maior número de pessoas traz mais conforto a seus membros, ao

mesmo tempo em que vai ao encontro da arquitetura de uma sociedade fraterna, no

centro da qual a dignidade da pessoa humana é o seu objetivo maior.

2. Responsabilidade objetiva lato sensu não é sinônimo de teoria do risco

O dinamismo da sociedade contemporânea lhe tem ínsito

frenéticas e intensas relações que, da forma como travadas, não permitiriam a

coexistência pacífica dos direitos e liberdades individuais caso a reparação de todos e

quaisquer danos fosse ainda aprisionada aos estritos domínios da comprovação da

culpa.

Dessa forma, foi necessário encontrar uma solução que não

engessasse de forma demasiada a atividade econômica, e tampouco as novas formas

de interação encontradas pelas pessoas para se relacionarem.

Com efeito, buscou-se uma solução que visasse a proporcionar aos

membros da sociedade convivência harmônica e a conseqüente garantia de

integridade patrimonial e pessoal de seus membros, distribuindo-se de forma solidária

os riscos entre todos, notadamente àquele que criou o risco advindo da atividade

econômica.

Prescindindo da culpa, a teoria da responsabilidade objetiva veio

integrar o sistema, num primeiro momento, justamente para suprir a necessidade de

reparação de vítimas de numerosos acidentes advindos de atividades que geram no

seio da sociedade riscos, e em cujo cenário a prova da culpa é dificílima e, por vezes,

impossível.

Com efeito, já ensinava Agostinho Alvim que “[...] a teoria da culpa,

durante muito tempo, informou as legislações e pareceu suficiente para resolver os

problemas relativos ao ressarcimento do dano. Todavia, o desenvolvimento das

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indústrias e dos meios de transporte veio a denunciar-lhe a insuficiência para a solução

de grande número de casos [...].” 67

Nas palavras de Ghersi, “La Idea base de estos factores objetivos

se funda en la incorporación a la sociedad de máquinas, herramientas, automotores,

calderas, computadoras e etc., lo que tornó insatisfactoria la responsabilidad subjetiva

para solucionar estos supuestos. La responsabilidad objetiva facilita al damnificado el

acceso a la reparación, como respuesta solidaria del derecho (la condición jurídica

justa).” 68

Diante dessa realidade, conforme afirma Giselda Hironaka, “[...] o

cerne da preocupação dos atuais dias desenvolve-se no sentido de não mais restar

‘irresarcido’ nenhum dano ao qual estejamos, todos nós, expostos, em conseqüência

da atividade por outrem desempenhada. Ou, pelo menos, que haja uma progressiva,

mas incessante e sensível diminuição das hipóteses de irresarcibilidade [...].” 69

Para diminuir a hipóteses de irresarcibilidade foi necessário pensar

num sistema que já de antemão identificasse as atividades causadoras desses

repetidos danos - valendo-se, para tanto, da evolução e racionalização dos homens

que criaram elas próprias o risco - de modo que se um prejuízo daí adviesse já fosse

pacífica a obrigação de sua reparação por aquele cuja atividade introduziu o risco no

seio da sociedade.

Essa noção efetivamente representa grande avanço do nosso

sistema, pois demonstra o cuidado do legislador e dos estudiosos do direito com a

integridade pessoal de cada um e com a estabilidade do sistema como um todo.

Isso porque, numa sociedade em que o dano afeta não somente o

ofendido, mas sim a sociedade como um todo, seus componentes se ressentem e se

abalam pela colocação de tantos e tamanhos riscos em seu meio.

67 ALVIM, Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências, p. 305. 68 GHERSI, Carlos A. Teoria general de la reparación de daños, cit., p. 141. 69 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta, cit., p. 106.

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Diante disso, é papel do direito regular de forma eficaz essas

situações causadoras de desequilíbrio social, restabelecendo a pacífica coexistência

das liberdades.

Mas é importante frisar que a responsabilidade objetiva

compreende não apenas aqueles danos causados em conformidade com as situações

que se encaixam na teoria do risco.

Há também hipóteses em que a obrigação de indenizar é objetiva,

prescindindo da culpa, mas relação nenhuma possuem com o risco.

Com efeito, muito embora a espécie mais conhecida e recorrente

de responsabilidade objetiva seja a teoria do risco – que será melhor explorada a

posteriori em capítulo que lhe foi dedicado – é importante destacar que

responsabilidade objetiva e teoria do risco não são sinônimas.

Sobre o assunto, Renan Lotufo pontua que: “Há, pois, muita

diferença entre responsabilidade sem culpa e a denominada responsabilidade objetiva,

e a por risco, mas, infelizmente, vê-se confusão quer doutrinária, quer

jurisprudencial”.70

Na esteira da maciça doutrina a respeito do assunto, a reparação

de danos é dividida em dois principais campos: responsabilidade subjetiva e

responsabilidade objetiva.

Dentro do gênero responsabilidade objetiva entendemos haver

espécies desse tipo de responsabilidade, tais como aquela que advém do risco.

O dever de reparar que, para sua configuração, prescinde da

aferição do comportamento culposo do agente que especificamente teria cometido o

ato ilícito, está englobado no campo da responsabilidade objetiva, não significando,

todavia, que toda a responsabilidade objetiva assim o é pelo risco.

70 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, cit., p. 303.

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54

3. A responsabilidade objetiva é gênero do qual o risco é espécie

Entendemos ser equivocado mencionar responsabilidade pelo

risco, quando a intenção é falar a respeito da responsabilidade objetiva em geral, dado

que as expressões não são sinônimas, pois a segunda é gênero da qual a primeira é

espécie.

Nessa linha, também entendemos não ser correto afirmar que o

único fundamento da responsabilidade objetiva de reparação é o risco, pois muito

embora tenha sido certamente uma forte inspiração para seus precursores e

conseqüentemente também para o legislador – até os dias atuais – não se trata o risco,

evidentemente, da única energia geradora da responsabilidade objetiva.

A respeito do tema, pertinente destacar aqui trecho da dissertação

de Marcelo Benacchio:

Desse modo, havendo hipótese de risco em que não se aplica a

responsabilidade objetiva e outras em que há responsabilidade objetiva

e não existe risco, é o que basta a demonstração de que a teoria do

risco presta-se a uma das inspirações do legislador, e não o único

princípio da responsabilidade objetiva. Portanto, fica superada a

identidade entre responsabilidade objetiva e responsabilidade por risco

na forma concebida pelos precursores da teria do risco, de forma que é

correta a utilização da expressão responsabilidade sem culpa e

equivocada a designação responsabilidade pelo risco quando se

pretende mencionar a responsabilidade objetiva em termos gerais. 71

Assim, assentada a premissa de que o campo da reparação de

danos é dividido em dois grandes ramos – responsabilidade subjetiva e

responsabilidade objetiva – e que a responsabilidade de indenizar em virtude do risco 71 BENNACCHIO, Marcelo. Pressupostos da responsabilidade civil objetiva extracontratual, cit., p. 68.

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da atividade é uma espécie da responsabilidade objetiva, demonstraremos espécies de

responsabilidade objetiva que não possuem o risco como sua fonte.

4. Espécies que em nada se relacionam com o risco

Para melhor ilustrar a diferença entre responsabilidade objetiva de

reparação de dano e a responsabilidade de reparar em virtude do risco, passa-se a

demonstrar que diversas são as hipóteses presentes no ordenamento jurídico em

virtude das quais o dever de ressarcir independe de culpa, muito embora relação

nenhuma exista com o risco.

4.1. O abuso de direito

A reparação de dano a que está obrigado o titular de um direito

que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim, é

determinada pela lei de forma objetiva, independentemente da análise da culpa,

conforme se verifica da leitura conjugada dos artigos 187 e 927 do Código Civil, não

sendo por isso, todavia, fundada no risco.

Esse dispositivo é decorrência lógica da transmudação

principiológica do sistema, que deixou de lado as concepções individuais e egoístas

que inspiraram o Código Civil de 1916 – retiradas do Código de Napoleão – justamente

por se amoldarem aos interesses de uma sociedade rural, agrária e patriarcal na qual

estavam ainda impregnadas as idéias da revolução francesa e da posterior revolução

industrial.

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Com efeito, a novel legislação afastou de si aquele regramento

voltado à proteção do exercício potestativo do direito subjetivo de forma emulativa,

imprimindo às normas que tutelam os direitos individuais um caráter dotado de perfil

social, que faz parte do próprio núcleo essencial do direito sustentado por seu titular.

Como assinala Hamid Charaf Bdine Júnior, “No novo Código Civil,

a boa fé foi definida como [...] modo de valorar a abusividade no exercício de direitos

subjetivos, no artigo 187”.72

Não se permite exercer o direito de modo a oprimir ou invadir a

esfera de direitos de terceiro, desviando o poder conferido da finalidade a que

teoricamente se destina e em virtude da qual foi concedida.

Nessa linha, muito embora haja aqueles que entendem equivocada

a nomenclatura “abuso de direito” sob a justificativa de que ninguém pode usar de um

direito conferido pela lei e ao mesmo tempo dele abusar – já que onde começa o abuso

termina o direito - fato é que a expressão não nos parece contraditória e tem por fim o

exercício do direito de modo consciente, dotado de boa-fé, ética e socialidade,

princípios basilares informadores do novo Código Civil.

Vê-se, então, que no abuso de direito prescinde-se da culpa para a

reparação do dano não por conta de fundar-se a reparação no “risco” de se ter direito,

e muito menos no “risco” de uma atividade, mas sim porque se exige boa-fé e

observância aos princípios informadores do sistema quando do exercício de um direito

subjetivo.

4.2. Responsabilidade pelo fato de outrem

Outro exemplo de responsabilidade objetiva dissociada do risco

está nos incisos I e II do artigo 932 da novel legislação, já que os pais, tutores e 72 BDINE JÚNIOR, Hamid Charaf. Cessão da Posição Contratual. São Paulo: Dissertação apresentada à banca da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em direito, 2004, p. 24.

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curadores respondem pelos atos cometidos pelos filhos, tutelados e curatelados,

respectivamente, em virtude de determinação legal.

Na sistemática anterior, de acordo com o artigo 1.521 do Código

Civil de 1916, os pais, os tutores, os curadores73, os empregadores e os donos de

hotéis também eram responsáveis pelos danos causados por aquelas pessoas cuja

vigilância lhes competia de acordo com o ordenamento jurídico.

Ocorre que esses responsáveis logravam desvencilhar-se do dever

de indenizar pelo fato de outrem, caso comprovassem que não agiram com culpa.

Com o advento do Código Civil de 2002, todavia, não há mais essa

possibilidade, sendo certo que as pessoas elencadas no artigo 932 respondem,

independentemente de culpa, pelos atos praticados por seus filhos, curatelados,

tutelados, empregados e pelos danos causados a hóspedes, moradores e educandos,

nos termos do artigo 933 do diploma em comento.

A mudança da responsabilidade subjetiva para a responsabilidade

objetiva das pessoas elencadas no artigo 932 do Código Civil representa sensível

mudança no sistema de reparação civil, denotando efetivamente que a preocupação do

legislador, traduzindo os anseios sociais ecoados pela doutrina, é a de que haja o

devido ressarcimento da vítima, deixando de lado amarras da comprovação da culpa,

que se mostrava pouco eficaz nesses casos.

Vê-se, portanto, que aqui a responsabilidade objetiva também não

se funda no “risco” da atividade, ou então no risco de ser pai, mas emana sim do

vínculo jurídico entre o responsável e aquele que está sob sua guarda, mostrando que

o foco do sistema é efetivamente a reparação do dano injusto.

4.3. Coisas que caem ou são lançadas do prédio 73 Os pais, tutores e curadores respondem objetivamente pelos atos de terceiros que estão sob seus cuidados não por conta da teoria do risco, mas sim porque a lei determinada desta forma. Essas hipóteses estão sendo aqui citadas em virtude de (i) fazerem parte do dispositivo que trata da responsabilidade dos empregadores e dos donos de hotéis, pois esses sim respondem em virtude do risco e (ii) a mudança da responsabilidade de subjetiva para objetiva corrobora as idéias defendidas ao longo do trabalho.

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Não bastassem os casos acima citados, quadra citar o artigo 938

do Código Civil (cuja redação já se encontrava no antigo art. 1.529 do Código de 1916),

que impõem ao habitante do prédio a obrigação de responder pelo dano proveniente

das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

Aqui também a responsabilidade não se verifica em virtude de risco

da atividade ou de risco de ser habitante de prédio, mas sim de imposição legal,

direcionando o foco da responsabilidade para o necessário ressarcimento da vítima, e

não para a conduta do ofensor.

5. Discriminação e divisão das espécies de responsabilidade objetiva

Os casos citados anteriormente tratam do dever de indenizar que

prescinde da análise da conduta íntima do agente em virtude de determinação legal,

casos aquele que em nada se relacionando com o risco.

Sobre o tema Sérgio Cavalieri entende que são espécies do gênero

responsabilidade objetiva as seguintes74:

(i) abuso do direito (art. 927 c/c art. 187)

(ii) atividade de risco – fato do serviço (art. 927, parágrafo único)

(iii) fato do produto (art. 931)

(iv) fato de outrem (art. 932 e 933)

(v) fato da coisa (art. 936-938)

(vi) do Estado e dos prestadores de serviços públicos (CF, art. 37,§ 6º)

(vii) nas relações de consumo (CDC, arts. 12 e 14)

74 CAVALIERI, Sergio. Programa de responsabilidade civil, cit., p 20.

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Muito embora concordemos com o desembargador carioca quanto

à pontuação feita a respeito de a responsabilidade objetiva ser gênero dentro do qual

existem diversas espécies, ousamos discordar da forma como as espécies foram

divididas.

Isso porque, entendemos que as relações de consumo estão

abarcadas na espécie “atividade de risco”, não configurando outra espécie autônoma,

de responsabilidade objetiva ao lado do risco.

É bastante claro que as relações de consumo são espécies de

responsabilidade objetiva.

E, por sua vez, o fato do produto está englobado na relação de

consumo.

Com efeito, o fundamento da responsabilidade pela reparação de

danos advindos do fato do produto está justamente pautado no risco do exercício da

atividade promovida.

Entendemos que o fato de o Código Civil ter trazido em seu bojo

disposição a respeito da responsabilidade objetiva de reparar dos empresários, por

danos causados pelos produtos postos em circulação, pois isso não faz com que o fato

da coisa consubstancie espécie autônoma de responsabilidade de reparar em relação

ao risco.

O artigo 931 do Código Civil apenas repisou aquilo que já era

cediço desde o advento da legislação consumeirista, ampliando seu espectro na

medida em que pode incidir inclusive em relações que não sejam necessariamente

travadas entre um consumidor e um fornecedor, assim conceituados na Lei 8.078/90.

O objetivo da inserção de referido artigo no corpo do Código Civil

foi justamente o de trazer também entre seus dispositivos norma geral tangente à

matéria.

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E frise-se que essa foi a tendência da novel legislação, qual seja a

de abarcar a quase integralidade das normas reguladoras das relações de direito

privado, de modo a consubstanciar efetivamente o centro irradiador de todas as

diretrizes civis.

Desta forma, o Código Civil traz normas - ao menos gerais – a

respeito de todos os assuntos que são pertinentes ao direito privado.

Sendo assim, não resta dúvida de que a responsabilidade de

reparar quando do fato do produto está justamente alicerçada na máxima de que

aquele que aufere os cômodos (lucros) deve suportar os incômodos (danos).

Daí porque, para nós, são espécies do gênero responsabilidade

objetiva os seguintes:

(i) abuso do direito

(ii) fato de outrem

(iii) fato da coisa

(iv) atividade de risco (v.1) relações de consumo (v.1.1) fato do serviço

(v.1.2) fato do produto

(v.2) fato de produto (artigo 931 do Código Civil)

(v.3) responsabilidade de reparar do Estado e dos

prestadores de serviços públicos

(v.4) todas as demais elencadas em lei específica ou

aquelas abstratas que acabem se subsumindo ao

arquétipo previsto no parágrafo único do artigo 927

do Código Civil

6. Responsabilidade objetiva pelo risco 6.1. Precursores

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Conforme ensina Aguiar Dias invocando as lições de G. Marton, os

precursores da doutrina do risco foram alguns partidários da escola do direito natural

no século XVIII, em particular Thomasius e Heineccius, que sustentavam a opinião de

que o autor de um dano deve ser responsabilizado independentemente da existência

de culpa de sua parte. 75

Na literatura germânica diversas foram as tentativas de sistematizar

a doutrina do risco, mas foram efetivamente os franceses os verdadeiros divulgadores

da teoria objetiva, ensinando o saudoso Aguiar Dias que o trabalho de sistematização

de Saleilles e Josserand foi o mais brilhante, tendo sido os precursores da teoria do

risco, nome com o qual se assentou na literatura francesa a ordem de idéias afins

defendidas pelos autores alemães. 76

Entre nós, o maior expoente da literatura jurídica a respeito do

tema foi Alvino Lima, com a sua clássica obra “Culpa e Risco”.

6.2. Definição

Em primeiro lugar, é importante deixar assentado de forma

bastante simples que a teoria do risco trata de atividades que criam e/ou potencializam

a possibilidade de produzir um dano, seja por sua própria natureza ou em razão da

maneira pela qual a atividade é desenvolvida.

Partindo da relação risco-criado que toda a atividade econômica

envolve, e diante da dificuldade – e até mesmo impossibilidade – de provar a culpa dos

responsáveis por esses eventos, foi efetivamente necessário conceber uma fórmula

capaz de eliminar – ou ao menos minorar - a desigualdade existente entre a vítima e o

causador do dano nessas situações.

75 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, cit., p. 65. 76 DIAS, op. cit., pag. 72.

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O fundamento da responsabilidade pelo risco está, então, na

justiça distributiva: aquele que, de forma lícita e permitida, criou os riscos, assume a

responsabilidade de indenizar as vítimas que sofrem danos, deixando de lado a

preocupação com o seu verdadeiro causador – ou seja, a preocupação de identificar

quem realmente teve culpa.

Conforme ensina Renan Lotufo “Um ponto importante a ser

destacado é que, embora o contido na idéia original de que ao autor do ato ilícito

danoso incumbe o pagamento da indenização, tendo em vista as relações

socioeconômicas entre as pessoas terem crescido vertiginosamente, com progressão

do volume de violações e danos, visando o equilíbrio dessa situação, o Direito, por

vezes, deixa de responsabilizar diretamente quem pratica o ato [...].” 77

Em consonancia, ensina Ghersi que “El legislador ha querido

estructurar un sistema que, sin prescindir de la culpa como otro factor atributivo más de

responsabilidad, otorgara mayor protección a quienes están expuestos a un riesgo,

frente a quienes han potenciado o aumentado la posibilidad de producción de daños.”78

Com efeito, coloca-se mais acento no danificado do que no autor

do dano, pois é aquele que está numa situação jurídica desfavorável que precisa da

proteção do direito para poder ser alavancado a uma condição de igualdade com o

causador ou potencializador da causação do dano, a fim de que possa alcançar a sua

meta, que é a indenização, conforme nos ensina João Casillo. 79

Desta forma, doutrina Alvino Lima, ter-se-ia materializado a função

da responsabilidade em face do dano, rebuscando somente o nexo de causalidade e o

risco criado, para não se deixar a vítima inocente sem a reparação do mal sofrido pelo

criador de uma atividade disseminadora de perigos. 80

77 LOTUFO, Renan. Código Civil comentado: parte geral (Arts. 1º a 232). V. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 497-498. 78 GHERSI, Carlos A. Teoria general de la reparación de daños, cit., p. 144. 79 CASILLO, João. Dano à pessoa e a sua indenização. 1. ed. São Paulo: RT, 1987, p. 9. 80 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. São Paulo: RT, 1998, p. 330.

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6.3. Modalidades do risco

Em torno da idéia central de risco surgiram várias teorias a

fundamentar qual seria a sua modalidade mais precisa.

Segundo a maioria da doutrina, podem ser destacadas as teorias

do risco-proveito, do risco criado, e ainda, para Sérgio Cavalieri, as teorias do risco

profissional e do risco excepcional. 81

6.3.1. Teoria do risco proveito

Por essa teoria, deve responder pelos danos causados aquele cuja

atividade os causou e dela se auferiu proveito.

Aí está a máxima de que “quem aufere os cômodos – lucros – deve

suportar também os incômodos – danos”.

Questão que aqui se coloca diz respeito à conceituação de

proveito.

Em outras palavras: Deve esse proveito ser econômico, ou basta

que o agente obtenha algum tipo de vantagem para que haja, então, a aplicação da

teoria e o conseqüente dever de indenizar?

Parece-nos que o proveito deve ser aí entendido em sentido lato,

ou seja, qualquer tipo de proveito basta para que haja a responsabilidade de indenizar,

até porque, em muitos casos, o que se busca não é necessária e imediatamente

81 CAVALIERI, Sergio. Programa de responsabilidade civil, cit., pág. 128-129.

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dinheiro, mas em muitos casos a obtenção de uma oportunidade, a divulgação de um

nome, uma ação que lhe traga algum proveito pessoal até mesmo desprovido de

conteúdo econômico.

Indagação que aqui se coloca, à vista dessa questão do proveito,

poderia ser a seguinte: já que deve haver um proveito para o surgimento do dever de

indenizar, haveria a necessidade de prova de sua verificação para tanto?

Entendemos que não, pois se assim fosse ter-se-ia o retorno aos

acanhados e insuficientes limites da culpa que se buscou transcender justamente com

a criação da teoria em análise.

Justamente por isso é que a teoria do risco proveito se aperfeiçoou

com sua junção à teoria do risco criado.

6.3.2. Teoria do risco criado

Essa teoria nos parece ser a que mais se aplica para fundamentar

a responsabilidade de reparar pelo risco, conforme já foi explorado acima ao narrar

quais seriam os fundamentos da teoria do risco.

Sergio Cavalieri destaca que, entre nós, o mais ardoroso adepto

dessa teoria teria sido Caio Mário, que afirmaria o seguinte:

Aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo,

está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver

adotado todas as medidas idôneas para evitá-lo’ (Responsabilidade

Civil, 3ª ed., Forense, 1992, p. 24). 82

82 CAVALIERI, Sergio. Programa de responsabilidade civil, cit., p. 154.

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Ousamos consignar, todavia, que muito embora Caio Mário

entendesse que poderia o empresário se desincumbir do dever de indenizar ao provar

que teria envidado seus melhores esforços para evitar o dano e que teria sido o mais

diligente possível, isso não o exime da reparação do dano, nos termos em que se

alicerça hoje a teoria do risco como um dos fundamentos da responsabilidade objetiva.

Com efeito, aquele que cria um risco no seio da sociedade,

efetivamente responde pelos danos aí advindos, mormente à vista do novel parágrafo

único do artigo 927 do Código Civil, que introduziu no sistema uma cláusula geral de

responsabilidade objetiva, conforme explorado nas linhas anteriores.

Se assim não fosse, estar-se-ia novamente rumando em direção

aos territórios da culpa, do qual se tentou – com êxito – tão fortemente se distanciar

quando se fala em risco, por ter se mostrado tal providência medida efetiva na

ampliação dos casos de reparação de danos.

É importante consignar, outrossim, que a teoria do risco criado

presume que na atividade há também um proveito para o empresário; mas

diferentemente da teoria do risco proveito, na teoria do risco criado não se mostra

condição sine qua non a existência desse proveito, pois ainda que não tenha havido –

e consubstanciaria situações excepcionais, à vista da realidade que temos hoje – há a

obrigação de indenizar pelo introdutor do risco na sociedade.

Conforme ensina Tepedino “as teorias do risco proveito e do risco

criado podem ser reconduzidas, respectivamente, a Raymond Saleilles e a Louis

Josserand. Para Salleilles, o risco deve ser suportado por quem ‘extrai proveito’ da

atividade danosa, já a teoria do risco criado, de Josserrand, pode ser equiparada ao

significado moral presente na teoria da culpa, justamente porque se imputa ao sujeito,

que com sua atividade expôs terceiros ao risco de serem lesados, a responsabilidade

derivante desta ‘culpa’.” 83

83 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Maria Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. (Arts. 421 a 965), cit., p. 808.

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6.3.3. Teoria do risco profissional

Essa teoria tem como base a obrigação de indenizar quando o

dano decorre do exercício da profissão da vítima.

Segundo assevera Sérgio Cavalieri, “Foi ela desenvolvida

especificamente para justificar a reparação dos acidentes ocorridos com os

empregados no trabalho ou por ocasião dele, independentemente de culpa do

empregador.” 84

Parece-nos que essa modalidade de risco está englobada no risco

criado, pois o empregador que aufere lucro em virtude da atividade desenvolvida por

seus empregados e assim insere riscos na sociedade, deve arcar com os danos daí

advindos.

6.3.4. Teoria do risco excepcional

Essa modalidade de risco parte da premissa de que toda atividade

que causa um dano que extrapola os limites da empreitada ordinária – ou seja, que

foge ao escopo da atividade – deve ser reparada em virtude de ser conseqüência de

um risco excepcional.

Sérgio Cavalieri cita, como exemplos “os casos de rede elétrica de

alta tensão, exploração de energia nuclear, materiais radioativos e etc. Em razão dos

riscos excepcionais a que essas atividades submetem os membros da coletividade de

modo geral, resulta para aqueles que as exploram o dever de indenizar,

independentemente da indagação de culpa.” 85

7. Algumas hipóteses de responsabilidade objetiva pelo risco presentes no ordenamento jurídico brasileiro

84 CAVALIERI, Sergio. Programa de responsabilidade civil, cit., p. 129. 85 CAVALIERI, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, cit., p. 130.

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Conforme ensina Alvino Lima, é possível verificar a aplicação da

teoria do risco com uma expansão significativa, que, dia a dia, se desenvolve, à medida

que se avolumam as necessidades de proteção às vítimas dos acidentes. 86

Uma análise das leis especiais mostra que, desde o início do

século passado percebeu-se a insuficiência do critério subjetivo para resolver as

questões oriundas do frenético e constante desenvolvimento industrial e tecnológico.

Diante disso, proliferaram na legislação esparsa hipóteses de

responsabilidade objetiva pelo risco, a qual está também presente de forma marcante

no Código Civil, conforme será demonstrado adiante.

7.1. Danos advindos de acidentes ocorridos em estradas de ferro

No direito pátrio, o regime da responsabilidade objetiva pelo risco é

encontrado, num primeiro momento, no artigo 17 do Decreto Lei n. 2.681, de 7 de

dezembro de 1912, que trata sobre os acidentes ocorridos nas estradas de ferro.

Conforme ensina Aguiar Dias, “[...] o artigo 17 é o mais famoso do

decreto n. 2.681, porque trata da responsabilidade das estradas de ferro por danos

pessoais aos viajantes, sendo completado pelos artigos 23 e 24, no tocante aos demais

casos de inexecução do transporte de passageiros [...].” 87

Mencionado diploma estabelece que a responsabilidade do

transportador era objetiva, excluindo-se somente nos casos de força maior, caso

fortuito ou culpa exclusiva da vítima.

86 LIMA, Alvino. Culpa e Risco, cit., p. 260. 87 DIAS, Aguiar. Da responsabilidade civil, cit. p. 267.

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Sobre a vigência ou não do mencionado no Decreto diante das

disposições do Código de Defesa do Consumidor, o Superior Tribunal de Justiça, pela

Ministra Fátima Nancy Andrighi, no Resp 293.292, julgado em 20 de agosto de 2001,

entendeu inequivocamente a respeito de sua sobrevivência. 88

De outro giro, para Sérgio Cavalieri o decreto em comento estaria

sim revogado.

Segundo o eminente professor, citado na obra de Aguiar Dias “[...]

ao entrar em vigor o novo Código Civil operou duas peculiaridades em relação ao

contrato de transporte. Revogou uma das leis brasileiras mais antigas – a Lei das

estradas de Ferro – e passou a disciplinar um contrato que não é novo – pelo contrário,

mais antigo que o próprio Código de 1916.” 89

7.2. Danos advindos de acidentes de aeronaves

No que tange ao transporte aéreo doméstico, o diploma vigente é o

Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565, de 19.12.1986).

Posteriormente, com o advento da Lei 8.078/90 (Código de Defesa

do Consumidor), tendo em vista certas incompatibilidades entre o diploma

consumeirista e o Código Brasileiro de Aeronáutica, argumentou-se a respeito da

revogação da Lei de 1986.

Mas não foi o que ocorreu, pois das várias discussões a respeito do

tema é cediço que permanece em vigor o Código Brasileiro de Aeronáutica, sendo

inaplicáveis as suas regras que mostrem incompatibilidade perante o Código de Defesa

do Consumidor. Nessa situação, haverá a preponderância deste último, sendo ele o

regramento adequado em virtude dos fundamentos calcados no critério cronológico,

hierárquico e da especialidade.

88 “Responsabilidade Civil. Contrato de Transporte. Acidente sofrido por passageiro. Vítima fatal. Código de Defesa do Consumidor. Decreto 2.681/1912. Fato de terceiro. Fator de exclusão de responsabilidade. Inevitabilidade e Imprevisibilidade. Reexame de Prova. Conflito aparentemente de normas. Dano Moral. [...] O Dec. 2.681/1912 não se encontra revogado pelo CDC no que tange à responsabilidade das estradas de ferro e, por analogia, das rodovias, e suas excludentes”. 89 DIAS, Aguiar, op. cit., p. 247.

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7.3. Danos advindos de acidentes nucleares

A Lei n. 6.453, de 17 de outubro de 1977 estabelece, em seu art.

4º, a responsabilidade civil do operador de instalação nuclear, independentemente da

existência de culpa.

7.4. Danos ambientais

A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de

31.08.1981) dispõe que o poluidor deve indenizar e/ou reparar os danos causados ao

meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade, independentemente da

existência de culpa (art. 14, § 1º).

7.5. A obrigação de reparar do Estado

A Constituição Federal de 1988 também adotou a responsabilidade

objetiva em seu art. 37, parágrafo 6º, quando trata da responsabilidade da

administração pública centralizada e descentralizada.

Conforme afirma Giovanni Ettore Nanni, “a responsabilidade civil do

Estado, decorrente de seu dever de reparar os danos causados, evoluiu ante a

concepção do Estado de Direito, como corolário do princípio da legalidade, uma vez

que também é sujeito de direito, sendo que atualmente vige o princípio da

responsabilidade objetiva do Estado.” 90

90 NANNI, Giovanni Ettore. O perfil da responsabilidade civil do juiz no Brasil. Revista de direito do Mercosul, ano 4, nº 5, outubro de 2000, p. 112.

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Em consonância com a Constituição Federal, o Código de Defesa

do Consumidor dispõe que as pessoas jurídicas de direito interno se enquadram no

regime da responsabilidade objetiva.

7.6. O Código de Defesa do Consumidor

Entre as leis cuja reparação do dano se dá pela adoção da teoria

do risco, encontra-se o Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078, de 11 de

novembro de 1990, que em vários dispositivos prevê a responsabilidade independente

de culpa do fabricante, produtor, construtor e importador.

Para o Código do Consumidor, a responsabilidade com a apuração da

culpa (negligência, imprudência ou imperícia) já não era mais suficiente

para salvaguardar os direitos do consumidor no mercado de consumo

atual. Se, toda a vez que sofresse algum dano, o consumidor tivesse

que alegar culpa do fabricante do produto ou do prestador do serviço,

suas chances de ser indenizado seriam mínimas, pois a apuração e

prova de culpa são muito difíceis [...]. 91

7.7. O artigo 931 do Código Civil O artigo 931 do Código Civil estabelece que, ressalvados outros

casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem

independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em

circulação.

Esse artigo contém disposição análoga àquela presente nos artigos

12, 13 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, porém com uma diferença

91 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Código de defesa do consumidor e sua interpretação jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

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substancial: está presente no corpo do Código Civil, que é o centro irradiador das

normas que regem a vida em sociedade, e que trata das relações travadas entre

particulares.

Isso significa dizer que a responsabilidade dos empresários e

empresas é objetiva em relação aos produtos colocados em circulação não só nas

relações de consumo, cuja configuração depende que o dano tenha sido causado a

uma pessoa que sustente a qualidade de consumidor, nos termos do artigo 2º da

legislação consumeirista.

Com o advento da novel legislação, mesmo nas relações travadas

entre partes que possuam a mesma capacidade negocial – ou seja, ainda que não se

esteja diante de um fornecedor e de um consumidor conforme a classificação contida

na Lei 8.078/90 - o empresário responde objetivamente pelos danos causados.

O que nos parece, ao analisar referido dispositivo, é que a

atividade comercial como um todo passou a ser entendida como detentora de um poder

tamanho, a ponto de que seu desempenho deva ser responsável e cuidadoso em todas

as esferas de atuação.

Ou seja, considerando que a sociedade contemporânea está ligada

de forma visceral à atividade econômica, e justamente por essa razão o empresário

aufere lucros por vezes astronômicos pelo desempenho de sua atividade, é necessário

que ele arque também com os danos verificados na sociedade pela sua atividade,

danos estes que não estão limitados às relações de consumo.

8. Substituição da expressão “culpa exclusiva da vítima” por “fato da vítima” – instituto concernente ao nexo causal e não à culpa

Em que pese não seja objeto do presente trabalho tratar das

excludentes de responsabilidade, consideração necessária se faz a respeito da

denominação que se tem dado a uma delas, qual seja “culpa exclusiva da vítima”, pois,

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em que pese o instituto traga menção à culpa em seu nome, a nosso ver ele não se

relaciona com a culpa, mas, sim, com o nexo de causalidade.

E justamente por entendemos não ter tal instituto relação com a

culpa é que inserimos tal consideração no capítulo que trata da responsabilidade

objetiva, para a qual prescinde-se da análise da conduta do agente.

Com efeito, no que diz respeito à “culpa exclusiva da vítima”, como

prefere parte da doutrina denominar - entendemos que a nomenclatura dada ao

instituto não é a mais adequada, pois se trata de excludente que atua sobre o nexo

causal, excluindo a responsabilidade de reparar em virtude disso, e não por conta de

que a culpa da vítima “absolve” o infrator.

Muito embora sustentemos essa posição, é de nosso conhecimento

doutrina de Renan Lotufo em sentido diverso, que ensina o seguinte a respeito do

tema: O que temos nos arts. 1.521, 1.527, 1.528 e na súmula 341 do STF,

tanto quanto nos arts. 932, 936 e 937 do novo Código, são hipóteses

de presunção de culpa, sob a denominação de responsabilidade

objetiva. Mesmo assim, muitos autores referem como sendo hipóteses

de responsabilidade objetiva, as que não têm que referir à culpa,

porque o autor da ação de reparação de dano não tem que provar a

culpa do imputado na responsabilidade. É bom verificar que tais

autores esquecem que, em diversas hipóteses, o imputado pode ficar

isento da responsabilidade se conseguir provar que o fato se deu por

culpa exclusiva da vítima. Assim, o que se tem, nas hipóteses de mera

presunção, não é que inexista qualquer relação com a culpa, mas a

presunção que pode ser desfeita se o imputado conseguir provar que a

culpa foi exclusiva da que se põe como vítima. 92

Em que pese a opinião de doutrinador da envergadura de Renan

Lotufo, pedimos vênia para discordar justamente sob o argumento de que, nos

dispositivos de lei citados pelo eminente Professor (artigos 932, 936 e 937 do Código

92 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, cit., p. 292.

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Civil, que tratam respectivamente do dever de indenizar pelo fato de outrem, por ato do

animal e por coisa de sua propriedade), quando o ofensor logra desvencilhar-se

comprovando a culpa exclusiva da vítima, essa excludente opera sobre o nexo causal,

elidindo-o.

A “culpa exclusiva” da vítima é fator que atua sobre o nexo de

causalidade, fazendo-o desaparecer, de modo a não mais haver ligação entre o dano

verificado e o ato que se lhe imputava como fato gerador, porquanto este, em verdade,

foi a própria conduta da vítima.

Esse é o entendimento de Aguiar Dias:

Admite-se como causa de isenção de responsabilidade o que se

chama de culpa exclusiva da vítima. Com isso, na realidade, se alude a

ato ou fato exclusivo da vítima, pela qual fica eliminada a causalidade

em relação ao terceiro interveniente no ato danoso. 93

No mesmo sentido expõe Marcelo Junqueira Calixto que:

Em verdade, diz-se que em tal caso o dano terá decorrido de fato da

própria vítima [...].

Assim, o problema resolve-se por uma questão de mera causalidade,

sendo, neste caso, todo o dano atribuído à própria vítima que o

reclama, uma vez que sua conduta é que foi, integralmente, a causa

eficaz do próprio dano sofrido. 94

Há nexo de causalidade, então, entre o ato da própria vítima e o

dano que sobre ela recaiu, inexistindo, portanto, nexo entre a conduta do suposto

agente e o dano.

93 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, cit., p. 944. 94 CALIXTO, Marcelo Junqueira. A Culpa na Responsabilidade Civil. Estrutura e Função, cit., p. 337-339.

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O alegado infrator desobriga-se não em virtude de comprovação de

ausência de culpa sua – já que na responsabilidade objetiva não se leva em

consideração o elemento culpa – mas sim em virtude de uma das excludentes da

obrigação de indenizar que tem o condão de romper o nexo causal.

Sobre o assunto entende Ragner Limongeli Vianna que:

Não é a culpa da vítima que ‘absolve’ o agente. Ocorre que os danos

são integral e exclusivamente atribuíveis à própria vítima. O exemplo

do louco ou do menor absolutamente incapaz que se atira à frente do

carro demonstra bem que não se há cogitar de culpa, mas os danos

decorrem de fato exclusivo da vítima, e, pois, não se forma a obrigação

reparatória de danos. 95

Justamente por isso é que, nos casos de responsabilidade objetiva,

dentre eles os artigos 932, 936 e 937 do Código Civil, não há culpa presumida, mas

sim responsabilidade objetiva, em cuja seara efetivamente não há relevância a conduta

culposa do agente.

E também por isso preferimos denominar a “culpa exclusiva da

vítima” como “fato da vítima”.

Para nós essa nomenclatura é mais adequada ao instituto que

pretende denominar, pois na medida em que sua configuração não se relaciona com

culpa, mas sim com nexo causal, melhor nos parece retirar a expressão “culpa” da

nomenclatura do instituto, para evitar confusões.

A esse respeito citamos novamente o que sustenta Ragner

Limongeli Vianna:

95 VIANNA. Ragner Limongeli. Excludentes da obrigação de reparação de danos, cit., p. 83/84.

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Preferimos, uma vez mais, a expressão fato da vítima à culpa da

vítima. É que a não formação da obrigação reparatória ou a repartição

dos danos decorrem do fato da inexistência ou fragilidade do nexo

entre os danos e a atividade do agente ou devedor, pois que este, o

nexo, verifica-se exclusiva ou concretamente com o fato da vítima. 96

Capítulo 4

Indenização denominada tarifada

1. Princípio da reparação integral do dano

O artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal dispõem,

respectivamente, que é assegurado direito de resposta, proporcional ao agravo, além

da indenização por dano material, moral ou à imagem, bem como que são invioláveis a

intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de

indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua indenização.

Não há nenhuma restrição prévia ao valor reparatório de dano em

qualquer de suas modalidades, porque a norma garantidora do direito à integridade

patrimonial, pessoal e psíquica, que consubstancia objeto final da tutela, não é

diminuída por nenhum limite apriorístico e abstrato.

Carlos Affonso Pereira de Souza, discorrendo sobre a dicção do

dispositivo constitucional em comento, adere a essa posição: “À vista dos citados

96 VIANNA. Ragner Limongeli. Excludentes da obrigação de reparação de danos, cit., p. 83.

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incisos, ao ofendido é assegurado o direito à indenização pelos danos materiais e

morais sofridos na sua totalidade. Embora o termo ‘totalidade’ não esteja

expressamente referido no texto legal, na ausência de um comando restritivo, há de se

interpretar tais regras de forma a assegurar da forma mais ampla a tutela da dignidade

da pessoa humana, principalmente no que se refere aos danos morais”.97

Nessa senda, Antônio Junqueira de Azevedo pondera o seguinte:

“O advento da Constituição, ‘terceira dimensão do ordenamento jurídico’, no dizer de

De los Mozos, ‘acima dos macro-sistemas de direito público e de direito privado’, tornou

evidente o quanto é necessária a articulação da verdadeira cláusula geral de

responsabilidade civil, que é o art. 159 do Código Civil, com o restante das normas

sobre o mesmo assunto (...) através dos incisos V e X, do art. 5º, da Carta Magna, deu-

se a constitucionalização do art. 159, do Código Civil. Trata-se do fenômeno conhecido

como ‘direito civil constitucional”.98

Em estrita consonância com as normas constitucionais, o caput do

artigo 927 do Código Civil, ao dispor sobre a reparação de dano, determina de forma

bastante clara que seu causador é obrigado a repará-lo, seja em virtude de culpa, seja

independentemente desta nos casos previstos em lei ou quando a atividade

normalmente desenvolvida implicar risco para outrem.

Em outras palavras, se a lei dispõe que o causador do dano “fica

obrigado a repará-lo”, é evidente que fica obrigado a indenizar integralmente a vítima, e

não apenas repará-la “pela metade” ou apenas quanto a uma parcela do mal sofrido.

E quanto a isso não há dúvida, já que o caput do artigo 944 do

Código Civil é cristalino ao dispor que a indenização se mede pela extensão do dano,

na linha do comando constitucional trazido à baila.

Portanto, no ordenamento jurídico vige o princípio da reparação

integral do dano, consubstanciado na ampla proteção ao danificado, que deve ser

inteiramente ressarcido do malefício que sofreu.

97 SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. In Comentários à Lei de Imprensa. Coord. José Cretella Neto. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 278. 98 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Algumas considerações sobre a atual Lei de Imprensa e a indenização por dano moral. In Revista Justitia, vol. 177/1997, p. 68.

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Essa é a lição de Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e

Maria Celina Bodin de Moraes:

A nova codificação vem, assim, consagrar a idéia que a doutrina e

jurisprudência brasileiras já imputavam à responsabilidade civil por

meio do chamado princípio da reparação integral do dano. A idéia

consiste em atribuir ampla proteção à vítima, empregando-se todos os

esforços para fazê-la retornar ao status quo anterior ao prejuízo.99

A esse respeito impende destacar trecho de voto da lavra do

Ministro Cezar Peluso, em acórdão proferido nos autos de recurso extraordinário cujo

objeto é a discussão sobre a eventual limitação de valores indenizatórios aos

patamares mencionados em leis específicas, tais como a lei de imprensa.

Nesse desiderato, discorre o Ministro especificamente sobre a

questão do valor do dano moral, mas valendo-se dos princípios da reparação de danos

lato sensu.

Na fisionomia normativa da proteção do direito à integridade moral, ao qual serve o preceito da reparabilidade pecuniária da ofensa, a

vigente Constituição da República não contém de modo expresso,

como o exigiria a natureza da matéria, nem implícito, como se concede

para argumentar, nenhuma disposição restritiva que, limitando o valor

da indenização e o grau conseqüente da responsabilidade civil do

ofensor, caracterizasse redução do alcance teórico da tutela. A norma

garantidora, que nasce da conjugação dos textos constitucionais (art.

5º, V e X), é, antes, nesse aspecto, de cunho irrestrito. 100 (grifo nosso)

99 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República (Arts. 421 a 965), cit., p.859. 100 Recurso Extraordinário 447.584-7, Rio de Janeiro, STJ, 2ª Turma, julgado em 28/11/2006.

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Continuando o raciocínio iniciado em seu voto, o Ministro Cezar

Peluso indaga se, considerando que a reparabilidade integral deve ser tomada como

premissa dogmática do sistema, superada a questão a respeito de eventual limitação à

reparabilidade do dano, permitiria a Constituição Federal a obtenção do mesmo

resultado prático por via reflexa?

Ou seja, poderia uma lei inferior estabelecer limites à indenização

a ser concedida à vítima de um dano, recebendo o danificado prestação menor em

relação à extensão do dano sofrido?

Para responder a essa pergunta – assevera o Ministro –

necessário se faz a observação dos requisitos constitucionais da restringibilidade

legítima, levando-se sempre em consideração o necessário resguardo ao conteúdo

essencial do direito fundamental tutelado.

Noutras palavras, abrigaria a Constituição, ainda quando por modo

indireto, cláusula da chamada reserva de lei restritiva, à qual

autorizasse, por esse artifício, reduzir o âmbito teórico da tutela?

E continuando seu raciocínio, assevera o Ministro que a resposta é

evidentemente negativa, porque “o princípio por observar é que, se lho não autoriza a

Constituição expressis verbis, não pode lei alguma restringir direitos, liberdades e

garantias constitucionais. Tal como no direito português e pelas mesmíssimas e

irrespondíveis razões, a Constituição brasileira ‘ individualizou expressamente os

direitos sujeitos a reserva de lei restritiva’”.

Fazemos coro às palavras expostas no voto do Ministro Peluso que

foram citadas nas linhas pregressas.

Não se admite que lei infraconstitucional tenha a pretensão de criar

uma ficção reparatória, estipulando limites prévios e aleatórios à indenização, porque

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esta sempre dependerá da casuística, de modo a apurar-se devidamente a extensão

do dano sofrido pela vítima.

É de clareza solar, portanto, que a indenização não pode ter como

limite uma criação abstrata e previamente estabelecida, dado que a indenização se

mede pela extensão do dano, com vistas a repará-lo integralmente, tornando indene a

vítima.

2. Impossibilidade de criação apriorística de fixação reparatória

Das diversas espécies de danos cuja reparação é alicerçada na

teoria do risco, depreende-se que o legislador acabou por identificar inúmeras

hipóteses de risco presentes no ordenamento jurídico.

Em muitas dessas leis, tais como a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67),

verifica-se haver menção a um valor de indenização a ser pago à vítima.

Esse sistema acabou sendo comumente denominado tarifado.101

Diante disso, queremos identificar, à luz do princípio da reparação

integral do dano, qual das seguintes posições seria correta sobre a função das quantias

mencionadas nas respectivas leis:

(i) prefixação do valor máximo da indenização,

101 SOUZA, Carlos Affonso Pereira de Souza. In Comentários à Lei de Imprensa, cit., p. 276.

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(ii) referência de valor de indenização a ser paga quando da verificação de

danos, com base naquilo que normalmente ocorre;

(iii) valor mínimo - um “piso” – a ser recebido invariavelmente por todas as

vítimas de danos sucedidos, devendo o danificado comprovar a culpa e

a extensão do dano somente no caso de seu prejuízo ter sido superior

àquele estabelecido na lei, para receber então a complementação da

indenização. Existiriam, portanto, duas indenizações autônomas e

cumuláveis entre si (uma, que consubstancia uma espécie de seguro

previsto em lei, e a segunda, adstrita às responsabilidade subjetiva).

Para respondermos a essa questão, trataremos abaixo do sistema

verificado no pagamento do seguro e da indenização nos casos de acidente do

trabalho, porquanto entendemos que seu mecanismo poderia ser aplicado, por

analogia, para o ressarcimento dos danos cuja atividade que lhes deu causa consta de

lei específica, que traz em seu corpo ficção reparatória.

3. O Acidente do trabalho O inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal dispõe o

seguinte:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros

que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador,

sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer

em dolo ou culpa.

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O acidente de trabalho objeto do texto constitucional acima

invocado é conceituado na Lei 8.213/1991, que em seu artigo 19 dispõe:

Art. 19 Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a

serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados

referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal

ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução,

permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Quando um empregado sofre um dano em virtude da relação de

trabalho, cuja situação em que foi ocasionado se subsuma à hipótese prevista no artigo

19 da Lei 8.213/91, passa ele a fazer jus aos direitos previstos no inciso XVIII do artigo

7º da Constituição Federal, quais sejam (i) seguro de acidente do trabalho e (ii)

indenização a ser paga pelo empregador caso haja a prova de que este agiu com dolo

ou culpa.102

Com efeito, a norma constitucional disciplinadora da matéria prevê

que o empregado faz jus ao a dois tipos de indenização (denominando-se

genericamente também de indenização o seguro previsto na norma constitucional),

autônomas e cumuláveis entre si. Uma trata-se do seguro mencionado na lei, e a outra

é a indenização cabal que tem o condão de tornar indene a vítima.

Com efeito, o seguro (a primeira indenização) é de natureza

acidentária, sendo certo que para seu recebimento não se exige a demonstração de

culpa do empregador. Basta que o empregado prove a relação de emprego, o dano daí

advindo, e a subsunção ao tipo previsto no artigo 19 da Lei 8.213/91, conforme dito

acima.

É o Instituto Nacional de Previdência Social (INSS) que arca com o

pagamento desse benefício, que é fruto de um seguro coletivo feito pelo empregador.

102 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, cit., p. 463.

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Procedendo desta forma, por determinação legal, o empregador

transfere para o segurador – INSS – o encargo de indenizar o empregado

independentemente de culpa.

Carlos Roberto Gonçalves preleciona que “No seguro contra

acidentes do trabalho a responsabilidade é ‘objetiva’, sendo suficiente apenas a

ocorrência do acidente para exsurgir ao acidentado o direito de socorrer-se da

legislação acidentária, cabendo ao órgão securitário (INSS) a obrigação de indenizar a

incapacidade para o trabalho”.103

A respeito do assunto, na obra de Alvino Lima, atualizada por

Ovídio Rocha Barros Sandoval, há citação de lição de Caio Mario:

(Nota do atualizador)

A legislação especial brasileira sobre acidentes do trabalho é

subordinada à teoria do risco. Conforme ensina o Prof. Caio Mário da

Silva Pereira, “em ocorrendo o acidente, o empregado tem direito a ser

indenizado por qualquer dano à sua pessoa ocorrido no trabalho ou por

ocasião dele. O empregado terá de provar, simplesmente, a ocorrência

do acidente e a relação de emprego. A lei assegura o direito à

indenização, salvo se o evento teve como causa o dolo do próprio

acidentado ou sua desobediência às ordens expressas do empregador,

naturais determinados ou agravados pelas instalações do

estabelecimento ou pela natureza do serviço” (ob. Cit., n. 221, p. 294)

Na conformidade da legislação especial, “o empregado será indenizado com fundamento na teoria do risco, estabelecido contudo um parâmetro indenizatório que consta da tabela instituída na própria lei, tendo em vista a lesão e o seu efeito, em

função da incapacidade total ou parcial para o trabalho” (idem). 104

(Grifos nossos)

103 GONÇALVES, Carlos Roberto, op.cit., p. 461. 104 LIMA, Alvino. Culpa e risco, cit., p. 263-264.

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Essa indenização decorrente do seguro de acidente de trabalho é

evidentemente tarifada, ou seja, sujeita aos limites previstos em lei.

E assim não poderia deixar de ser, porque para viabilizar o seguro

não caberia outra forma de indenização a ser paga ao segurado, já que o segurador

deve poder mensurar de antemão o dispêndio que eventualmente lhe sobrevenha, para

poder calcular corretamente o risco a que estará sujeito e assim desenvolver a sua

atividade.

É importante mencionar que esse seguro a que faz alusão a Carta

Magna, no caso de acidente do trabalho, é diferente daquele previsto nos artigos 757 e

seguintes do Código Civil, pois este nasce de acordo livre e espontâneo entre

segurador e segurado, e aquele decorre de determinação legal, pois ao empregador

não é facultado deixar de cumprir as regras de natureza trabalhista, dentre elas efetuar

as necessárias contribuições ao INSS.

Todavia, em que pese o seguro contra acidentes do trabalho

possuir natureza jurídica distinta do contrato de seguro previsto no Código Civil, adiante

nos referiremos a “seguro”, considerado como “(...) garantia de reparação previamente

fixada (...) garantia de que alguma indenização será obtida pelo lesado”.105

Com efeito, para receber a indenização decorrente do seguro

contra acidentes de trabalho não se cogita a discussão da culpa, frise-se.

Todos os empregados acidentados (nos termos do artigo 19 da Lei

8.213/91) têm direito ao recebimento da indenização consubstanciada no seguro contra

acidentes.

Mas o pagamento da indenização tarifada não exonera o

empregador da responsabilidade de reparar integralmente a vítima – in casu, o

empregado – caso a extensão do dano sucedido ultrapasse o perímetro do seguro

acidentário e tenha o senhorio agido com culpa.

105 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, cit., p. 300.

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É imperioso repisar que a segunda parte do inciso XXVIII do artigo

7º da Carta Magna diz respeito à indenização a ser paga pelo empregador caso haja a

prova de que este agiu com dolo ou culpa.

Essa segunda parte da possível indenização a ser recebida pelo

empregado, na dicção literal da lei, está situada na seara da responsabilidade

subjetiva, conforme já dito, porquanto depende da prova da culpa para sua

configuração.

A respeito do tema, Sérgio Cavalieri doutrina que:

Temos, assim, por força de expresso dispositivo constitucional, duas

indenizações por acidente do trabalho, autônomas e cumuláveis. A

acidentária, fundada no risco integral, coberta por seguro social e que

deve ser exigida do INSS. Mas, se o acidente do trabalho (ou doença

profissional) ocorrer por dolo ou culpa do empregador, o empregado

faz jus à indenização comum ilimitada. Noutras palavras, o seguro

contra acidente do trabalho só afasta a responsabilidade do

empregador em relação aos acidentes de trabalho que ocorrerem sem

qualquer parcela de culpa; se houver culpa, ainda que leve (e esta

deve ser provada), o empregador terá a obrigação de indenizar. 106

Ocorre que, muito embora o inciso XXVIII do artigo 7º da

Constituição Federal disponha que a complementação da indenização ao empregado

pelo empregador só se verifica quando da comprovação de culpa deste, entendemos

que essa culpa poderia ser entendida como a inobserância do princípio de não lesar

ninguém (neminem laedere), a partir de uma interpretação sistemática notadamente à

luz das normas da própria Constituição Federal e do Código Civil, a fim de que essa

complementação seja recebida pelo empregado através do sistema da

responsabilidade objetiva, deixando-se de lado a culpa.

Sobre o assunto doutrina Carlos Roberto Gonçalves: 106 CAVALIERI, Sergio. Programa de responsabilidade civil, cit., p. 134.

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Nota-se um grande avanço em termos de legislação, pois admitiu-se a

possibilidade de ser pleiteada a indenização pelo direito comum,

cumulável com a acidentária, no caso de dolo ou culpa do empregador,

sem fazer qualquer distinção quanto aos graus de culpa.

O avanço, no entanto, não foi completo, adotada apenas a

responsabilidade subjetiva, que condiciona o pagamento da

indenização à prova de culpa ou dolo do empregador, enquanto a

indenização acidentária e securitária é objetiva. Os novos rumos da

responsabilidade civil, no entanto, caminham no sentido de considerar objetiva a responsabilidade das empresas pelos danos causados aos empregados, com base na teoria do risco-criado,

cabendo a estes somente a prova do dano e do nexo causal.107 (grifos

nossos).

Se os danos causados pelo empregador a terceiros são

indenizados de forma objetiva, não seria razoável que os danos sofridos pelo

empregado no exercício do mesmo trabalho que enseja ao terceiro a reparação

objetiva, sejam reparados mediante processo diferente e mais gravoso.

Ora, a atividade de risco que dá causa a ambos os danos – de

terceiros e do empregado – é a mesma. Portanto, a mesma deve ser a forma de

recebimento da indenização.

Com relação ao assunto também se posicionam Pablo Stolze

Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

Todavia, parece-nos inexplicável admitir a situação de um sujeito que:

- por força de lei, assume os riscos da atividade econômica;

107 GONÇALVES, Carlos Roberto, cit., p. 461.

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- por exercer uma determinada atividade (que implica, por sua própria

natureza, risco para os direitos de outrem), responde objetivamente

pelos danos causados;

- ainda assim, em relação aos seus empregados, tenha o direito

subjetivo de somente responder, pelos seus atos, se os

hipossuficientes provarem culpa...

A aceitar tal posicionamento, vemo-nos obrigados a reconhecer o

seguinte paradoxo: o empregador, pela atividade exercida, responderia

objetivamente pelos danos por si causados, mas, em relação a seus

empregados, por causa de danos causados justamente pelo exercício

da mesma atividade que atraiu a responsabilização objetiva, teria um

direito a responder subjetivamente...

A questão não é, porém, definitivamente simples, devendo ser

devidamente dirimida pela nossa jurisprudência.108

Outrossim, é de se ressaltar que a presença do parágrafo único do

artigo 927 do Código Civil determina que o dano advindo de atividade normalmente

desenvolvida, que implique risco, deve ser reparado de forma objetiva.

E o dano sofrido pelo empregado evidentemente se encaixa nessa

definição, de forma que não nos parece razoável que sua indenização integral esteja

adstrita à dificílima comprovação da culpa.

De qualquer forma, como o requisito da culpa do empregador para

a indenização integral do empregado está insculpido em norma constitucional, parece-

nos que deverá haver interferência jurisprudencial para resolver essa questão, a fim de

tornar mais justo e equalizado o sistema, para se admitir que o empregado, da mesma

forma que o terceiro, se valha da responsabilidade objetiva para ser ressarcido

integralmente, em observância principalmente ao parágrafo único do artigo 927 do

Código Civil.

108GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol. III: responsabilidade civil. 4. ed. revista, atualizada e reformada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 246-247.

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4. Premissa de inconstitucionalidade do artigo 52 da Lei 5.250/1967 utilizada pelo Ministro Cezar Peluso

O Ministro Cezar Peluso, no voto trazido à baila nas linhas

pregressas109, entendeu que seria inconstitucional o artigo 52 da Lei de imprensa – e

por via reflexa achamos que também todos os demais dispositivos de outras leis a

respeito de atividades de risco – que fixassem limites à reparação do dano por meio

da criação de uma fixação reparatória.

Isso porque, conforme sustentado no voto, a Constituição Federal

assegura a reparabilidade integral da ofensa, não contendo em seu arcabouço a

permissão de disposição restritiva a limitar o valor da indenização e o grau

conseqüente da responsabilidade civil do ofensor, caracterizando redução do alcance

teórico da tutela.

Calcado nessas premissas conclui o Ministro que o artigo 52 da Lei

nº 5.250 de 1967 tratar-se-ia de intervenção legislativa superveniente na disciplina

dos direitos fundamentais de forma contrária à Constituição Federal, porque, como lei

restritiva, poria em risco o substrato do direito fundamental à honra, à boa fama e à

intimidade das pessoas.

E por todas essas razões deixou o STF de dar provimento ao

recurso extraordinário, mantendo a indenização por dano moral no valor estabelecido

em primeiro lugar pelo Juízo de primeira instância, consignando na ementa do

acórdão que a indenização não seria mais tarifada.

Muito embora concordemos com a fundamentação lá expendida,

com a devida vênia não partilhamos especificamente do fundamento da

inconstitucionalidade do artigo 52 da Lei 5.250, que, segundo o Ministro, assim o

seria por limitar inaceitavelmente a reparação do dano.

109 Recurso Extraordinário 447.584-7, Rio de Janeiro, STJ, 2ª Turma, julgado em 28/11/2006.

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Em primeiro lugar, porque em nosso entender, essa justificação

não se coaduna com as regras de hermenêutica do sistema jurídico, porquanto a

interpretação dos dispositivos da Constituição Federal deve buscar, em primeiro

lugar, acomodar todos os princípios de forma a alcançar a sua validade e

constitucionalidade.

No que tange a esse mister, Renan Lotufo ensina que:

Este engano causou muitas injustiças e situações vexatórias. A par de

soluções que buscam inquinar a Lei de Imprensa de inconstitucional,

para dizer incidente tão-só a indenização pela responsabilidade

subjetiva.

Tal raciocínio, todavia, não atende nem aos ditames da hermenêutica

constitucional, como a do sistema em si.

Primeiro porque na interpretação constitucional, como na

hermenêutica em geral, não se deve buscar a inconstitucionalidade, a invalidade, mas, sim a constitucionalidade e a validade.110 (grifos

nossos)

Em segundo lugar porque, diante do sistema atual de

responsabilidade civil, entender que o artigo 52 da Lei 5.250/1967 traria em seu corpo

uma ficção reparatória limitativa da reparação dos danos sofridos parece incoerente

com o sistema, notadamente com seu princípio normativo da dignidade da pessoa

humana e da reparação integral do dano daí decorrente.

Entendemos que essa questão pode ser dirimida aplicando-se por

analogia – e até mesmo por razoabilidade e em atenção ao princípio normativo-

constitucional da dignidade da pessoa humana – o sistema verificado no pagamento

das indenizações de acidentes do trabalho.

Ou seja, os valores previstos em leis especiais que tratam de

atividades de risco consubstanciam tão-somente uma espécie de seguro contra os 110 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, cit., p. 299.

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acidentes advindos daquela atividade específica, tal como ocorre nos casos de

acidente do trabalho, fazendo jus a tal seguro todos aqueles que comprovarem o dano

e o nexo de causalidade.

Caso haja, todavia, uma extensão maior do dano que extrapole os

limites dos valores prefixados na lei, caberá ao danificado a prova da extensão de seu

malefício com a conexa demonstração de culpa do causador do dano111, a fim de ser

ressarcido integralmente do mal que lhe foi causado.

Parece-nos que essa seria a interpretação que melhor acomodaria

no sistema os dispositivos que trazem valores determinados de indenização, pois um

caminhar em sentido diverso feriria de morte todos os princípios basilares do

ordenamento jurídico, bem como as normas constitucionais e infraconstitucionais a

respeito do tema.

Sob essa ótica – dignidade da pessoa humana - o valor

estabelecido na lei sob análise diz respeito a um “seguro” contra acidente causado pela

atividade de imprensa.

Essa é a lição de Renan Lotufo:

Houve um erro grave na aplicação de tal sistema, foi o de que esta

forma de indenização foi tomada como abrangente de responsabilidade

civil subjetiva, ou seja, a que deve levar à reparação integral do dano.

Tal equívoco é visível em certas decisões relativas à lei de imprensa, e

que a mídia busca divulgar para preservar a forma atual da lei, como se

a interpretação fosse essa de criar um limite indenizatório a favor do

causador do dano.112

111 Somente não será necessário perseguir a indenização integral através do sistema da responsabilidade subjetiva – no qual é necessária a prova da culpa – caso a reparação integral do dano se dê através do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, ou seja, pelo sistema da responsabilidade objetiva. É o que acontece, por exemplo, nos casos de reparação de danos advindos das relações de consumo, pois o Código de Defesa do Consumidor determina que a obrigação de indenizar dos fornecedores qualificados no artigo 3º daquele diploma é objetiva. 112 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, cit., p. 299.

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O valor contido na Lei de Imprensa não se trata de indenização

integral a ser paga à vítima, mas apenas uma espécie de seguro contra a atividade

potencialmente nociva, um valor pré-quantificado que deve ser pago à vítima de forma

teoricamente veloz.

Ainda sobre o assunto, Renan Lotufo:

Parece que se deu preço à velocidade, ou seja, as indenizações

previstas em leis especiais são pré-quantificadas, ficam minimizadas as

indenizações, porque não se suscita discussão imediata quanto à culpa

e à extensão do dano. 113

Muito embora o texto da Lei de Imprensa contenha a redação que

“a responsabilidade civil da empresa que explora o meio de informação ou divulgação é

limitada a dez vezes as importâncias referidas no artigo anterior, se resulta de ato

culposo de algumas pessoas referidas no art. 50”, a interpretação a ser dada a esse

dispositivo deve ser consentânea com toda a reformulação da teoria da

responsabilidade civil à luz dos princípios constitucionais, notadamente com os

fundamentos da teoria do risco e sua ligação indissociável com o contrato de seguro

para a conseqüente socialização desse risco.

Em que pese em seu texto haver menção a ato culposo, essa culpa

lá mencionada deve ser entendida como conduta antijurídica de não lesar o outro,

como a inobservância ao princípio de não lesar ninguém, informador de todo o

ordenamento jurídico.

Com efeito, analisando o artigo 52 ora em discussão à luz da

Constituição Federal e dos princípios e direitos fundamentais por ela introduzidos e

prevalentes no sistema desde 1988, bem como levando em consideração a mudança

principiológica do Código Civil em resposta aos anseios da sociedade com relação à

pacificação dos problemas verificados nas relações de direito privado, vê-se que a

113 LOTUFO, Renan, op. cit., p. 298.

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menção a “ato culposo” do texto legal deve ser interpretada como inobservância a um

princípio geral.

Ou seja, é como se houvesse a transferência da culpa para o

campo fático, deslocando-a especificamente para a verificação do dano. Graciela N.

Messina de Estrella Gutiérrez ensina que “Uma vez ocasionado el daño se configura

um ‘daño objetivamente ilícito’ [...].” 114

Interpretar o dispositivo dessa forma – fazendo operação idêntica

no que tange às demais previsões presentes em leis disciplinadoras de atividade de

risco – parece-nos mais condizente com os princípios vigentes no ordenamento

jurídico, já tão mencionados nesse trabalho.

Essa hermenêutica nos parece interpretar correta e

adequadamente a previsão legal de valores indenizatórios nas leis especiais que

tratam desse tipo de atividade, ao mesmo tempo que deixa de lado a inaceitável idéia

de tarifação de indenização – seja de danos patrimoniais, seja de danos morais –

dando voz ativa ao princípio da ressarcibilidade integral do dano.

5. Papel dos valores indenizatórios previstos nas leis especiais que tratam sobre atividades de risco

Com base na Constituição Federal, tomando como premissa

irrefutável do sistema a obrigação da reparação integral do dano, exsurge, a nosso ver,

o papel dos montantes de indenização previstos em lei especial.

Levando-se em consideração tudo o que foi exposto, em analogia

ao sistema verificado para a reparação dos acidentes do trabalho, entendemos que

essa fixação é apenas uma espécie de seguro contra acidentes estabelecido pela lei

114 GUTIÉRREZ, Graciela N. Messina de Estrella. La responsabilidad civil em la era tecnológica – Tendências y prospectiva, cit., p. 55.

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com base na experiência no que tange ao risco da atividade e dos danos que dela

normalmente advêm.

Essa é a lição de Renan Lotufo:

Cada vez que nós temos o seguro e esse seguro se diz ser total, o que

vamos encontrar é que quem vai reparar não seremos nós que

causamos o dano, mas quem contratou conosco, assumindo a

responsabilidade, ou teve tal responsabilidade decorrente de

estipulação em favor de terceiro, como nos casos de seguros feitos pelos empregadores em favor de seus empregados.

Essas modificações de sistema são modificações que a princípio

assustam um pouco, mas que na verdade tendem a permitir algo que

nós não tínhamos antigamente, ou seja, a possibilidade efetiva de que

quem sofre o dano alcance reparação, ainda que não integral.115

(grifos nossos).

Esse valor deveria ser pago de forma bastante célere116, pois se

exige apenas a comprovação do dano e do nexo de causalidade.

Durante algum tempo cometeu-se o equívoco de entender que

esse valor estabelecido na legislação significaria o total possível de indenização a ser

recebida pela vítima.

Ou seja, entendeu-se que a indenização seria tarifada e limitada

aos estreitos e acanhados valores que a lei especificamente lhe concedia.

Ocorre que, ao contrário, entendemos que essa quantia é apenas

um valor estimado pela legislação levando em conta os danos ordinários, à qual têm

direito objetivamente todos aqueles que sofreram danos advindos daquela determinada

115 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, cit., p. 301. 116 Diz-se que tais valores “deveriam” ser pagos de forma bastante célere, pois, em virtude da conhecida morosidade do Poder Judiciário decorrente do altíssimo número de processos, o recebimento pela vítima é lento, e na prática não atinge o fim de remediar-lhe prontamente, ainda que de forma parcial.

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atividade classificada pela sua respectiva lei especial como de risco, não

circunscrevendo a reparação aos limites ali previstos.

Os valores estabelecidos na lei funcionam tão-somente como uma

espécie de seguro contra o acidente da atividade de risco, que é recebido pela vítima

através da responsabilidade objetiva, consubstanciando apenas uma das indenizações

às quais o danificado tem direito.

Conforme ensina Renan Lotufo, por meio desse sistema:

Alcançou-se acelerar o processo de responsabilização, só que para

este ganho de tempo se deu uma compensação, a meu ver, negativa:

não são satisfatórias do dano, pois geralmente nem de longe cobrem o

dano causado, por serem tarifadas, implicando em necessidade de

outra forma de ressarcimento para a reparação do lesado. A título de

exemplo vemos que a Constituição (art. 7º, XXVIII) dissipou a dúvida

de que o obreiro acidentado tem direito a ser indenizado civilmente, à

par da indenização tarifada do acidente do trabalho, desde que haja

culpa, pelo menos, do empregador. 117 (grifos nossos)

Com efeito, o valor estabelecido na lei é uma espécie seguro contra

o acidente, tratando-se da primeira parte da indenização da vítima.

A segunda parte de sua indenização, autônoma e cumulável com

essa primeira, exsurge quando há prova da culpa do causador do dano, devendo então

haver a reparação integral do ofendido através da responsabilidade subjetiva prevista

no artigo 186 c/c artigo 927 do Código Civil.

Ao tratar das atividades de risco e para exemplificar sua exposição

sobre a indenização tarifada com hipóteses de direito aéreo, Aguiar Dias, em obra

atualizada por Rui Berford Dias, doutrina exatamente nesse sentido:

117 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, cit., p. 299.

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Registre-se que nos termos da Convenção de Montreal, assinada em

1999, a responsabilidade objetiva será exigível apenas até determinado

montante, a partir do qual se opera a culpa presumida. 118

Seria injusto, para não dizer obviamente antijurídico, que a vítima

de um prejuízo maior do que o quantum fixado na lei ficasse limitada àquele montante.

Ora, tal raciocínio viria frontalmente de encontro com os princípios

norteadores do ordenamento jurídico e inspiradores dos jurisconsultos que

repaginaram, com os tijolos já existentes outrora, as bases da reparação de dano,

utilizando na construção empreendida nova argamassa que assentou essas bases já

verificadas antigamente.

Essa novidade que logrou acomodar de forma diferente a matéria

prima que foi anteriormente utilizada no Código de 1916 nada mais é do que a cartela

de princípios que norteou a novel legislação (eticidade, socialidade e operabilidade),

fundamentados que foram nos princípios normativos da Constituição da República do

Brasil, notadamente o da dignidade da pessoa humana e a correlata solidariedade que

deve ser impressa às atitudes de todos.

A esse respeito, Carlos Eduardo Pianovski pontua que:

Não apenas os direitos fundamentais são limites à atividade dos

sujeitos privados, mas, também, a efetividade desses direitos nas

relações interprivadas é tarefa recíproca dos integrantes de qualquer

situação jurídica em virtude do princípio constitucional da solidariedade. 119

118 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, cit., p. 97. 119 PIANOVSKI, Carlos Eduardo. A responsabilidade civil por danos produzidos no curso de atividade econômica e a tutela da dignidade da pessoa humana: O critério do dano eficiente, cit., p. 70.

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Realmente, estando a atividade dos sujeitos adstrita ao princípio

constitucional da solidariedade – que é decorrência da dignidade da pessoa humana –

é mais condizente interpretar a indenização tarifada como seguro, ao invés de limitar a

um valor predeterminado a restituição da vítima de um dano.

É um total desrespeito, para não dizer menosprezo para com a

vítima de um dano, entender que seja qual for o dano por ela sofrido a reparação tem

um limite, pouco importando que a extensão de seu prejuízo tenha sido maior.

Logo, esse raciocínio fere de morte o princípio da dignidade da

pessoa humana e da solidariedade, razão pela qual não pode ser adotado pelo

sistema.

Nessa mesma linha, concluir, então, que os valores de indenização

constantes das leis que versam sobre atividade de risco consubstanciam seguros

contra os acidentes, ou seja, um valor mínimo a ser recebido pela vítima através do

sistema da responsabilidade objetiva nos parece consoante com todos os aspectos

constitucionais do direito privado.

Consagra-se, desta feita, de forma notável, a dignidade da pessoa

humana, na medida em que há a garantia a um valor mínimo de reparação a ser

recebido imediatamente, objetivando confortar de forma mais rápida a vítima do

malefício.

Sendo assim, quando se fala em indenização tarifada, entendemos

que, em algumas atividades de risco disciplinadas em lei especial, há a possibilidade

de recebimento, pela vitima, de duas indenizações autônomas e cumuláveis, cada qual

respeitante de um sistema de responsabilidade de reparar.

A primeira delas fundada no risco, coberta por um presumível

seguro efetuado pelo seu causador, que é tarifada justamente em virtude desse seguro

e à qual têm direito todos aqueles que sofrerem dano advindo da atividade,

independentemente da prova de culpa, perseguindo o recebimento do valor através do

sistema da responsabilidade objetiva.

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A segunda indenização decorre de culpa do agente gerador do

risco, que se materializa quando o dano ocorrido é superior ao valor geral e ordinário

estabelecido na lei. Essa indenização segue evidentemente o princípio da

ressarcibilidade integral e está, em princípio, adstrita aos limites da responsabilidade

subjetiva.

Outra não é a doutrina de Renan Lotufo:

Por outro lado a existência de uma forma de responsabilização

objetiva, no sentido de que não se precisa comprovar a culpa, mas

somente a existência do dano e do nexo causal, levando à tarifação da

indenização, não deve ser entendido como limite da pretensão. Assim

como desde remoto passado sempre se admitiu ao lado da

responsabilidade civil se tivesse a responsabilidade previdenciária, não

se pode pretender de forma diversa nos casos relativos à Lei de

Imprensa. O valor tarifado só deve ser excluído da indenização cabal,

objeto da indenização civil, mas não que haja impossibilidade do uso

das duas vias, que têm fundamento diverso, e, portanto, não se

excluem. 120

Essa imediata indenização tarifada – muitas vezes parcial em

relação ao dano sofrido - a ser recebida pelo danificado deveria significar para ele um

remédio paliativo suficientemente apto a lhe devolver o fôlego retirado pelo impacto

causado pelo dano injusto que lhe sobreveio, permitindo inclusive o custeio de um

sabidamente longo e custoso processo que tenha por objetivo a reparação integral do

mal sofrido, pois para alcançar esse objetivo sabe-se que será necessária a produção

da dificílima e complexa prova da culpa – não à toa chamada de diabólica. 121

120 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, cit., p. 299. 121 GHERSI, Carlos A. Teoria General de la reparación de daños, cit., p. 144 e GUTIÉRREZ, Graciela N. Messina de Estrella. La responsabilidad civil em la era tecnológica – Tendências y prospectiva, cit., p. 270.

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Por último, quanto ao sistema de responsabilidade subjetiva ser

utilizado para que o danificado persiga a sua indenização integral, à luz do parágrafo

único do artigo 927 da novel legislação, que introduziu cláusula geral de

responsabilidade objetiva no sistema, parece-nos que poderia haver a possibilidade de

que, nas atividades que se subsumam ao arquétipo legal, a indenização integral seja

perseguida por meio da responsabilidade objetiva, dispensando-se a comprovação da

culpa.

Isso porque, se são de risco as atividades cujas leis específicas

trazem prefixação do seguro a ser pago à vítima, então essas atividades se subsumem

ao parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, por ser normalmente desenvolvida e

ter causado dano.

E esse dispositivo não traz nenhuma limitação à indenização a ser

paga mediante a aplicação da norma nele contida, permitindo sua redação a reparação

integral da vítima.

Daí porque a reparação plena poderia também se dar de forma

objetiva, desapegando-se da comprovação da culpa - responsabilidade subjetiva – para

tanto.

Mas essa possibilidade, muito embora se nos afigure possível,

deverá ser objeto de maiores debates doutrinários e especialmente de atividade

jurisprudencial, de modo a melhor nortear a aplicação do parágrafo único do artigo 927

do Código Civil, já que, como já dissemos anteriormente, ainda nos são pouco

palpáveis as diretrizes e as formas de utilização desse dispositivo.

Capítulo 5

Parágrafo único do artigo 944 1. Os avanços do sistema e o dispositivo

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Dispõe o artigo 944 e seu parágrafo único, respectivamente, que a

indenização se mede pela extensão do dano; mas, se houver excessiva desproporção

entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a

indenização.

Esse parágrafo único causa certa perplexidade122 a respeito do

alcance de seu espectro, bem como da razão que levou o legislador a inseri-lo em um

sistema que, segundo se assevera, “caminha, aliás, rumo à superação da intenção

maliciosa do agente” conclusão essa que se poderia extrair “da crescente expansão de

hipóteses de responsabilidade civil objetiva.” 123

Ora, ao mesmo tempo em que andou bem o legislador ao inserir o

caput do artigo 944 da novel legislação, consignando que a indenização se mede pela

extensão do dano – representando avanço significativo no que tange à normatização

da matéria – fica a impressão de que titubeou nesse progresso.

E justamente por titubear acabou achando melhor temperar com

um pouco dos ingredientes da antiga receita da responsabilidade civil as modificações

empreendidas com relação à reparação de dano, a fim de tentar evitar eventual erro

consistente em mudança radical do novo cardápio.

A esse respeito, Rui Stocco afirma que:

Também o parágrafo único desse artigo, segundo nos parece, rompe

com a teoria da restitutio in integrum ao facultar ao juiz reduzir,

eqüitativamente, a indenização se houver ‘excessiva desproporção

entre a gravidade da culpa e o dano’. Ao adotar e fazer retornar os

critérios de graus da culpa obrou mal, pois o dano material não pode

sofrer influência dessa gradação se comprovado que o agente agiu 122Opinião diversa sustenta Anderson Schreiber, para quem: “Deve-se ter em mente, contudo, que a norma vem proteger o responsável de um ônus excessivo, em conformidade com o espírito de equidade, que exige a temperância da solução jurídica com as circunstâncias do caso concreto”. SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, cit., p. 43. 123TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República (arts. 421 a 965), cit., p. 859.

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culposamente ou que há nexo de causa e efeito entre a conduta e o

resultado danoso, nos casos de responsabilidade objetiva ou sem

culpa. Aliás, como conciliar a contradição entre indenizar por inteiro

quando se tratar de responsabilidade objetiva e impor indenização

reduzida ou parcial porque o agente atuou com culpa leve, se na

primeira hipótese sequer se exige culpa? 124

Teria o Código Civil trazido para dentro de seu seio as antigas

noções romanas de culpa, divididas àquela época em grave, leve e levíssima?

Ante isso, é necessário verificar qual seria o campo de atuação

desse dispositivo, e qual a sua função no ordenamento.

2. O campo de incidência

Num primeiro momento já se percebe que o dispositivo sob análise

cuida de exceção à regra disposta no caput, ao permitir que sejam retiradas dos

ombros do causador do dano a integralidade das conseqüências advindas de seu agir

descuidado, quando sua falta de diligência for infinitamente menor do que o dano por

ele ocasionado.

Ocorre que, ao serem criados meios para que esse mecanismo se

efetive, não se pode deixar de notar que a parcela do ônus retirada do infrator é

transferida automaticamente para a pessoa da vítima, que seja por culpa leve,

levíssima e grave daquele, sofreu injustamente um dano, sem que tenha feito nada que

contribuísse para o resultado verificado.

124 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p.13.

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Ora, “se não é justo onerar excessivamente o agente que agiu com

culpa leve, menos justo ainda seria onerar a vítima, que não agiu com culpa

alguma”.125

Assim sendo, queremos crer que a interpretação desse texto deve

ser feita sob a ótica dos princípios informadores da reparação de danos que inspiraram

as alterações verificadas no instituto com o advento do Código Civil de 2002.

Pois bem.

Sabe-se que existem duas cláusulas gerais de responsabilidade

civil: uma cláusula geral de responsabilidade subjetiva, obtida através da conjugação

dos artigos 186 e 927 do Código Civil, e outra cláusula geral de responsabilidade

objetiva presente no parágrafo único do artigo 927 também do Código Civil (e os

demais casos de responsabilidade objetiva encontram-se em dispositivos específicos

dentro do Código e também fora dele – legislação esparsa).

Esses dois sistemas convivem de forma harmônica na novel

legislação justamente porque possuem campos de atuação diferenciados, embora

interdependentes entre si.

Fala-se em interdependência porque, em muitos casos, a

reparação integral do dano somente pode se dar através da conjugação dos dois

sistemas, tal como se dá nos casos de responsabilidade advinda de atividade de risco,

prevista em legislação especial e em cujo bojo há previsão de valor que consubstancia

seguro contra os acidentes normalmente verificados. 126

2.1. Possibilidade de sua aplicação na responsabilidade subjetiva

125TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República (Arts. 421 a 965), cit., p. 860. 126 Muito embora seja importante lembrar que, para nós, nos casos de atividade de risco a reparação integral poderia quiçá se dar de forma objetiva, mediante aplicação do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil.

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Conforme é sabido, pela cláusula geral de responsabilidade

subjetiva, a vítima deve adentrar os domínios da culpa a fim de comprová-la para

pleitear a indenização que entende lhe ser cabível.

Dessa forma, a nosso ver poderia haver aí morada para o

parágrafo único do artigo 944 do Código Civil.

Mas esse abrigo no território da responsabilidade subjetiva, que

parece poder ter a norma em tela, trata-se de uma acomodação singela e talvez um

pouco hostil, tal como aquela oferecida pela madrasta que se vê às voltas com os filhos

do novo marido os quais acreditava já terem tomado outros rumos na vida.

Isso porque, por mais que a responsabilidade subjetiva lhe tenha

ínsita a comprovação da conduta moral do agente, a verdade é que distinção entre

culpa grave, leve e levíssima - como parece propor o parágrafo único do artigo 944 - é

matéria que há muito não se verifica no direito civil.

É o que afirmam Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e

Maria Celina Bodin de Moraes: “Daí o direito civil ter, há muito, abandonado a distinção

entre a culpa grave, leve e levíssima para fins de responsabilização”.127

Com efeito, se a reparação de danos passou décadas sofrendo

dificuldades já com a prova limitada à existência da culpa para ensejar a reparação do

dano, o que dirá se agora se houver a introdução de mais um agente complicador,

como o da gradação dos níveis da culpa e sua conseqüente possibilidade de diminuir a

indenização.

Seja como for, para nós o único ambiente capaz de acolher o

parágrafo único do artigo 944 do Código Civil é mesmo a responsabilidade subjetiva, e

ainda assim em casos pontuais, a serem identificados especificamente pelo magistrado

através de seu poder-dever discricionário - que em muito foi ampliado pela legislação

nova, verificando-se aqui mais um desses casos.

127 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República (Arts. 421 a 965), cit., p. 859.

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102

A esse respeito, Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e

Maria Celina Bodin de Moraes, entendem que:

O dispositivo, contudo, deve ser visto com cautela e interpretado em

estrita conformidade com sua inspiração, sendo recomendável

restringir-se sua aplicação àqueles casos em que a própria situação da

vítima gera um risco de dano superior ao risco médio que vem

embutido no convívio social. 128

Ocorre que essa justificativa e aparente solução encontrada pelos

doutrinadores não se mostra muito elucidativa e prática, pois a concorrência da vítima

para o evento danoso - e a conseqüente redução da indenização - já se trata de

situação constante de norma autônoma a ser observada pelo magistrado, conforme se

verifica do artigo 945 do Código Civil.

É bem verdade que Gustavo Tepedino e os demais autores do livro

se valeram da hipótese em que a vítima potencializasse o risco da ocorrência do dano,

para tentar diferenciar a solução sugerida do texto do artigo 945 do Código Civil, o qual

fala em concorrência da vítima para o dano.

De qualquer forma, muito embora tenham sido utilizadas

expressões diferentes – “potencializar” e “concorrer” - entendemos que a solução que

se tentou imprimir ao parágrafo único do artigo 944 já está, na verdade, inserida no

texto do artigo 945.

Sendo assim, continuamos sem uma definição a respeito da

aplicação prática do parágrafo único do artigo 944.

E essa indagação consistente na forma como será realmente

aplicado o parágrafo único do artigo 944 nos dá a impressão de continuar ecoando 128 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República (Arts. 421 a 965), cit., p. 860.

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103

ainda por algum tempo, até que a jurisprudência lhe desenhe mais nitidamente os

traçados, à medida que os casos concretos que a ela possam se subsumir vão sendo

submetidos ao Poder Judiciário.

Caso haja realmente a introdução da gradação de culpa entre nós,

os juízes terão que adotar, no caso concreto, tal procedimento, que é explicado por

Fabrizio Cafaggi da seguinte forma:

La gravitá della colpa misura l’entità della violazione commessa, cioé la

distanza che separa il comportamento effetivamente tenuto daquello

esigibile. Pertanto l’intensitá della ciolazione non viene correlata a

quella dell’impegno richiesto dalla regola di diligenza ma al livello di

osservanza con la regola richiesta. In caso di uno sforzo limitato

corripondente al grado minimo do diligenza potrá aversi colpa lieve se il

comportamento tenuto si distacchi solo lievemente da quello prescritto

ovvero colpa grave se la distanza tra comportamento tenuto e

comportamento dovuto sia rilevante. Simmetricamente nell’ipotesi di un

ompegno gravoso richiesto al potenziale danneggiante potrá aversi

colpa lieve nell’ipotesi in cui la condotta effettivamente tenuta abbia

solo lievemente deviato da quella esigibile oppure colpa grave quando

vi sia rilevante distanza.129

Vê-se com clareza, do texto acima transcrito, a dificuldade

consistente na identificação da gravidade da culpa do agente, introduzida pelo

parágrafo único do artigo 944 do Código Civil.

2.2. Impossibilidade de sua aplicação na responsabilidade objetiva

129 CAFAGGI, Fabrizio. Profili di relazionalitá della colpa. Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1996, p. 399.

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104

De qualquer forma, ainda que não saibamos ao certo como será

aplicado o dispositivo em foco nos âmbitos da responsabilidade subjetiva, entendemos

que a esse campo fica adstrito o parágrafo único do artigo 944 do Código Civil.

Para nós, não há por onde cogitar de sua aplicação na seara da

responsabilidade objetiva.

Conforme doutrinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona

Filho:

Como então explicar que, para o reconhecimento da responsabilidade

seja dispensada a indagação da culpa, e para a fixação do valor

indenizatório ela seja invocada para beneficiar o réu?

Parece-nos que o legislador não andou bem nesse ponto,

estabelecendo regra anacrônica diante do sistema consagrado. A não

ser que tal dispositivo somente seja aplicado em situações de

responsabilidade subjetiva, ou seja, amparada na culpa, o que

colocaria de fora os agentes empreendedores de atividade de risco 130.

Essa é mesmo, pelo que vemos, a melhor solução para o caso,

evitando assim antagonismos, pois se na responsabilidade objetiva não se discute a

culpa para determinar o dever de indenizar, não se pode admitir a sua discussão para a

limitação da indenização da vítima.

De fato, o texto legal fala expressamente em “gravidade da culpa”

para a redução da indenização, e a responsabilidade objetiva é independente da

comprovação de culpa.

130GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol. III: responsabilidade civil., p. 143.

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Esse é o entendimento de Gustavo Tepedino, Heloisa Helena

Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, cujo trecho a esse respeito segue abaixo

transcrito:

[...] o parágrafo único do artigo 944 vem tutelar justamente as

excepcionais hipóteses em que se recomenda a divisão do risco social

entre o autor do dano e a vítima.

Ora, a responsabilidade objetiva é reservada pelo ordenamento

brasileiro às atividades que geram, por si só, risco social excessivo,

como a atividade nuclear, a circulação de produtos e serviços e etc.

Seria contraditório permitir que, naquelas hipóteses em que o legislador

considerou que a atividade gerava risco excessivo e por isto dispensou

a prova de culpa do agente, o juiz levasse em conta a baixa

intensidade da culpa para reduzir a indenização, relançando parte do

risco sobre a vítima do dano. Tal entendimento, evita, ademais, que se

insira na liquidação do dano o prolongado debate acerca da culpa do

agente, prejudicando a efetividade que caracteriza a responsabilidade

objetiva e a proteção da parte mais vulnerável que tal responsabilidade

visa assegurar. 131

Sendo assim, muito embora discordemos da justificativa criada

pelos autores para a aplicação do parágrafo único do artigo 944 – potencialização, pela

vítima, do risco da ocorrência do dano – fazemos coro às justificativas lançadas para a

inaplicabilidade do dispositivo na seara da responsabilidade objetiva.

3. Da presença da culpa no dispositivo que consagra a quantificação da indenização pela extensão do dano

131TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República (Arts. 421 a 965), cit., p. 861.

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Muito embora seja ainda pouco palpável como será a forma de

aplicação do parágrafo único do artigo 944 do Código Civil aos casos de reparação de

danos, um ponto pudemos verificar com clareza: esse dispositivo mostra ainda o apego

à culpa e sua ligação simbiótica com a reparação de danos.

O elemento subjetivo aqui pode, nas mãos do poder discricionário

do juiz, ter papel fundamental na diminuição do valor da indenização.

Nessa situação, a figura central da obrigação de reparar deixa de

ser a vítima e o dano injusto por ela sofrido, para voltar a ser o agente causador do

dano e sua conduta.

E as metamorfoses da causa da responsabilidade civil, que teriam

chegado ao estágio atual de verificação do dano como a principal causa da obrigação

de reparar, parecem voltar aos séculos XVIII e grande parte do século XIX para

entrelaçar-se de forma indissociável novamente com a culpa.

O que nos chama a atenção é que essa disposição de diminuição

da indenização à vista da gravidade da culpa vem justamente como o parágrafo único

do artigo que teria significado uma das maiores conquistas da matéria de reparação de

dano, ao dispor explicitamente, de forma clara e quase irrespondível, que a

indenização se mede pela extensão do dano.

E diz-se que o texto do artigo 944 seria quase irrespondível porque

é justamente o seu parágrafo único que o torna um possível alvo de discussões e

especulações nos casos em que interesse ao infrator aliviar o peso que lhe pende

sobre os ombros em virtude do dano causado.

Como já dissemos anteriormente, a sensação que fica é a de que o

legislador temeu deixar tão robusta e incontestável a obrigação de reparar o dano na

medida integral e plena de sua extensão, dissociando sua gradação por completo da

culpa do agente.

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Por isso lhe impingiu o parágrafo único, para funcionar como um

sistema de freios e contrapesos, lembrando a todos constantemente que o

esquecimento total da culpa poderia causar situações injustas.

Ou então, talvez, não tenha o legislador sido acometido por temor

algum. Talvez tenha ele efetivamente mostrado, como faz em outros dispositivos, que a

culpa ainda é preponderante no sistema, e que ela e sua conseqüente perquirição

devem continuar convivendo de forma harmônica dentro da seara da reparação de

danos.

Com efeito, parece-nos que o legislador colocou o parágrafo único

no artigo 944 do Código Civil para deixar a lembrança de que a culpa está sempre

presente na reparação do dano.

Mas se esse foi realmente o intuito, desnecessário que tivesse

havido a inserção do parágrafo único no artigo 944 no Código Civil.

Isso porque essa inserção acabou tumultuando a sistemática

construída ao trazer de volta classificação romana vetusta, e necessidade de esforço

hercúleo de interpretação sistemática para acomodação do parágrafo único com o seu

caput.

Com efeito, outros dispositivos do Código Civil já enunciam a

necessária convivência com a culpa na responsabilidade civil.

Conforme já dissemos diversas vezes ao longo desse trabalho, há

no ordenamento duas cláusulas gerais de responsabilidade civil; uma subjetiva, e outra

objetiva.

A conjugação dos artigos 186 e 927 caput é suficiente para

demonstrar que a responsabilidade subjetiva é também regra, e que a culpa e sua

conseqüente comprovação ainda se fazem presentes de forma marcante no sistema,

não sendo possível apregoar a objetivação integral da responsabilidade diante dos

dispositivos normativos que temos hoje.

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Sobre o tema, Marcelo Junqueira Calixto entende que:

Desta forma, é possível afirmar que a regra constante do parágrafo

único do art. 944 do Código Civil viola flagrantemente cada uma destas

características doutrinária ou jurisprudencialmente conhecidas à

reparação civil.

De fato, o dispositivo, tal como redigido, destina-se, unicamente, a

admitir a redução da reparação, violando, assim, o princípio da

reparação integral do dano sofrido pela vítima. Esta redução somente

pode ser feita, equitativamente, com fundamento no grau de culpa do

ofensor, o que importa no desprezo de qualquer outro critério de

ponderação, e não se coaduna com os critérios da dimensão do dano e

das condições pessoais da vítima, prestando uma póstuma

homenagem ao dano causado em detrimento do dano sofrido.

Acrescente-se que a norma pode ser indiferentemente aplicada, quer à

reparação do dano material, quer à reparação do dano

extrapatrimonial, o que, em qualquer circunstância, acarreta a violação

do princípio da reparação integral do dano.

Além disso, viola a segurança jurídica, uma vez que acaba por remeter

à razoabilidade ou ao bom senso a definição do grau de culpa então

verificado, reduzindo a reparação devida com fundamento em uma

possível culpa leve ou culpa levíssima do causador do dano.

Não se observa, assim, qualquer vantagem na sua adoção, mas, ao

contrário, acredita-se que possa haver um retrocesso do direito

nacional, o que induziria a inconstitucionalidade do dispositivo, ao

menos se adotada em sua interpretação literal. Em verdade, violado

está o princípio da reparação integral dos danos sofridos, que se afirma

ser um corolário da cláusula geral de tutela da pessoa humana,

constitucionalmente prevista (art. 1º, III), e que deve ser o grande norte

do julgador ao fixar o montante da reparação. 132

132 CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilidade civil. Estrutura e função, cit., p. 318-323.

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Seja como for, a conclusão a que chegamos é que o parágrafo

único do artigo 944 pode não ser claro quanto ao seu alcance, mas é bastante claro

quanto à sinalização de que a culpa está ali, de forma bem presente.

Capítulo 6

A convivência da responsabilidade objetiva e da responsabilidade

subjetiva no sistema

Examinando o caminho percorrido pelo instituto da

responsabilidade civil, o que nos parece é que se andou muito para chegar, em alguns

casos, a um local próximo àquele de onde se partiu, porém agora de forma mais

lapidada.

Tendo em vista a possibilidade de aplicação da responsabilidade

objetiva em diversas áreas da vida, porquanto não se circunscrevem apenas a

situações pormenorizadamente descritas (em virtude do artigo 927 parágrafo único do

Código Civil), parece-nos que o sistema efetivamente busca o desapego à culpa em

muitos casos, para caminhar em direção a uma reparação mais célere e efetiva da

vítima através da responsabilidade objetiva, notadamente na sua modalidade pelo

risco.

Graciela N. Messina de Estrella Gutiérrez ensina que:

Esta tendencia de objetivizar la reparación de daños se encuentra

estrechamente relacionada com las otras modalidades expuestas em

este trabajo: la visión global de los nuevos perfiles indica el crecimiento

y la dirección del sistema. 133

133GUTIÉRREZ, Graciela N. Messina de Estrella. La responsabilidad civil em la era tecnológica – Tendências y prospectiva, cit., p. 276.

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110

Conforme lição de Agostinho Alvim, “[...] primitivamente a

responsabilidade era objetiva mas sem que por isso se fundasse no risco, tal como o

concebemos hoje [...] atualmente, volta ela ao objetivismo[...].” 134

Com efeito, no passado a reparação do dano sofrido se dava

através da vingança, pois pouco importava a apuração da culpa do ofensor, já que a

ênfase era dada à satisfação da vítima em causar ao outro um mal igual àquele que lhe

sobreveio.

Hoje, após longa jornada de importância à culpa como requisito

essencial do dever de indenizar vê-se que seus acanhados limites não são suficientes

à resolução de todas as questões da vida contemporânea.

Passa-se, então, em muitos casos, ao campo da responsabilidade

objetiva, no qual pouco importa a conduta do agente, pois ainda que o ofensor não seja

o seu autor material, ele responde em virtude de determinação legal.

Guardadas as devidas proporções, hoje, ao falar-se em

responsabilidade objetiva, estamos muito mais próximos da responsabilidade em

tempos primitivos do que quando nos encontrávamos tão somente presos aos estreitos

e insuficientes territórios da culpa para todos os casos.

Nesse sentido importante trazer doutrina de Agostinho Alvim:

Porém, é certo que, em tempos primitivos, dispensava-se a culpa para

fundamentar a responsabilidade; e a exigência desse requisito foi uma

conquista, galvanizada na lei aquiliana.

Por isso é que, dissertando acerca da evolução da teoria da culpa,

Josserand assinala esse movimento do vaivém.

134 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações, cit., p. 244.

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111

No antigo Direito Romano – observa ele – a responsabilidade era

objetiva; não dependia de culpa, antes se apresentava como uma

reação das vítimas contra a causa aparente do dano.

[...]

Só mais tarde o amadurecimento veio a impedir se considerasse a

responsabilidade como mero reflexo do dano, introduzindo-se, então, a

idéia de imputabilidade. E concluiu Josserrand ser a culpa aquiliana

uma espécie de pecado jurídico, quem não o cometeu não é

responsável.

[...]

Examinando a teoria do risco, Planiol, Ripert et Esmein acentuam que

ela, baseando-se unicamente no nexo causal, se apresenta como regra

primitiva, pois a idéia de culpa é fruto de muito tempo e longo trabalho

de análise dos jurisconsultos.

[...]

E Ripert, em La Règle Morale dans les Obligations Civiles, criticando a

teoria do risco, pondera que ‘uma responsabilidade objetiva constitui

regresso à regra bárbara da vingança exercida sobre o instrumento do

dano [...]’.

Primitivamente, portanto, a responsabilidade era objetiva, como

acentuam os autores, referindo-se aos primeiros tempos do Direito

Romano, mas sem que por isso se fundasse no risco, tal como o

concebemos hoje.

Mais tarde, e representando essa mudança uma verdadeira evolução

ou progresso, abandonou-se a idéia de vingança e passou-se à

pesquisa da culpa do autor do dano.

Atualmente, volta ela ao objetivismo.

Não por abraçar, de novo, a déia de vingança, mas por se entender

que a culpa é insuficiente para regular todos os casos de

responsabilidade, como adiante teremos oportunidade de examinar

melhor e, mesmo, quanto aos extremados, por entenderem que o

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112

verdadeiro fundamento da responsabilidade é o risco que cada um

corre, como reflexo de seus atos. 135 (grifo nosso)

Mas, diferentemente da vingança, não se busca causar um mal

idêntico àquele que foi sofrido, e sim proporcionar o ressarcimento da vítima.

Atualmente, o que se busca é tornar indene a vítima; é aplacar seu

sofrimento e dela retirar aquele sentimento de injustiça experimentado pelo dano

injusto.

Essa volta ao objetivismo nas situações determinadas pela lei nos

mostra que a responsabilidade objetiva não é uma grande novidade, mas sim uma

concepção antiga adaptada às novas realidades sociais.

Mais uma vez importante destacar lição de Agostinho Alvim:

Cumpre acrescentar, na mesma ordem de idéias, que o direito das

obrigações, em sua parte estrutural, não é achacado a súbitas

mudanças; e, muitas vezes, o que se enfeita como novidade outra coisa não é que o ressurgir de velhas concepções adaptadas à atualidade.

Nem por isso se dirá que o direito civil não caminha; e nós falamos

especialmente do direito obrigacional.

Como prova aí está o alargamento da noção de ordem pública dentro

no direito privado; o risco, em matéria de responsabilidade civil; a

expansão do seguro; assuntos e estes e outros do âmbito do direito

das obrigações a lhe atestarem a transformação, embora tardia e

morosa.

[...]

135 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações, cit. p. 243-244.

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113

A revisão do Código Civil, que ora se processa, certamente dará tento

dos progressos do direito, em seus vários setores, como

oportunamente se verá, quando os trabalhos forem publicados. 136

(grifos nossos)

O advento do Código Civil de 2002 consagrou todo o repensar

jurídico à luz da Carta Magna, tornando-se clara a tentativa de superação de diversos

dogmas outrora presentes no ordenamento, que engessavam sobremaneira o

desenvolvimento da ciência do direito com vistas à efetiva e justa pacificação social137.

Com efeito, sob a ótica civil constitucional, a reparação de danos

vai, ainda mais, além dos confins da conduta culposa dos infratores, pois os princípios

fundamentais da República Federativa do Brasil, consubstanciados na dignidade da

pessoa humana e na solidariedade social e justiça distributiva daí advindas, fizeram

transcender os acanhados limites da culpa em um maior número de casos, imprimindo

então contornos constitucionais à responsabilidade civil.

Concluímos que a solidariedade não se afigura apenas como uma

ideologia abstrata, mas, sim, como um princípio com forma normativa e prática, que

está impresso em diversos dispositivos cogentes de lei, alterando de forma significativa

a forma de compreensão, interpretação e aplicação das normas do ordenamento

jurídico.

E nessa linha a legislação atual contém dispositivos determinantes

de que a reparação do dano deva ser feita de forma objetiva, dispositivos esses

bastante abrangentes, que podem se aplicar a muitas as áreas da vida social,

principalmente considerando-se que há hoje no sistema uma cláusula geral de

responsabilidade objetiva presente no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil.

136 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, cit., prefácio da 4ª Edição. 137 Sobre o assunto importante destacar lição de Luiz Edson Fachin. “Para captar transformações pelas quais perpassa o Direito Civil contemporâneo, há lugar (especialmente agora com o Código Civil de 2002) para uma nova introdução que se proponha a reconhecer a travessia em curso e que se destine a um olhar diferenciado sobre as matérias que compõem o objeto de análise. Clara premissa que instiga a possibilidade de reconhecer que o reinado secular de dogmas, que engrossaram as páginas de manuais e que engessaram parcela significativa do Direito Civil, começa a ruir. Trata-se de captar os sons dessa primavera em curso, com os efeitos da nova codificação civil”. FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil, p. 1-2.

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114

Essa sistemática permite que muitas situações que não estejam

especificamente contempladas no texto legal possam ser abarcadas pela norma e

facilitar a reparação da vítima, o que soluciona muitas daquelas situações perversas,

em que se sabe que ocorreu o dano, mas a reparação fica impossibilitada em virtude

da impossibilidade da prova da culpa.

Isso não nos parece significar, contudo, que “Após o exame dessas

hipóteses todas, haverá uma única conclusão: muito pouco sobrou para a

responsabilidade subjetiva.” 138

Realmente, houve significativa expansão dos casos de

responsabilidade objetiva presentes no ordenamento jurídico, e nesses casos, repita-se

a responsabilidade volta ao objetivismo.

Mas as conclusões advindas dessa constatação devem ser

formuladas com cautela, pois poderiam ensejar a conclusão de que o sistema voltou-se

ao objetivismo como um todo.

E foi justamente essa linha de raciocínio adotada por Carlos Alberto

Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho que, pautados nessa ampliação dos casos de

responsabilidade objetiva, notadamente em virtude da inserção do parágrafo único do

artigo 927 na novel legislação, concluiram que o Código é objetivista, tendo restado

pouco espaço para a culpa no sistema.

Este parágrafo e o artigo 931 evidenciam que o novo Código é

objetivista uma vez que as cláusulas gerais de responsabilidade neles

estabelecidas são tão abrangentes que pouco espaço para a

responsabilidade subjetiva disciplinada no caput do artigo 927 c.c.

186.139

138 CAVALIERI, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, cit., p. 141. 139DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. In TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Comentários ao novo Código Civil, Vol. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios, cit. 144-145.

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115

Concepção ainda mais extremada sustenta Anderson Schreiber, que

entende ter havido o “ocaso” da culpa, conforme trecho abaixo colacionado:

Partindo-se desta imagem, o estágio atual da responsabilidade civil

pode justamente ser descrito como um momento de erosão dos filtros

tradicionais da reparação, isto é, de relativa perda de importância da

prova da culpa (...) Tome-se, de início, o caso – ou ocaso – da culpa.140

Mas essas posições não nos parecem razoáveis ante uma análise

cuidadosa do sistema.

Com efeito, em que pese a tônica do sistema ser a reparação do

dano injusto, e esse fato ter acarretado o aumento das situações em que o dever de

indenizar se dá de forma objetiva, isso não significa que o Código seja eminentemente

objetivista e que a culpa tenha ficado alocada num espaço claustrofóbico dentro do

sistema.

Embora estejamos hoje mais próximos ao objetivismo em muitas

situações, a verdade é que a responsabilidade subjetiva possui ainda papel

fundamental entre nós, pois é aplicada a todos os casos que não estejam

especificamente regulados pela responsabilidade objetiva.

Conforme já pontuado anteriormente, a responsabilidade subjetiva

é ainda cláusula geral do sistema, sendo obtida através da conjugação dos artigos 186

e caput do 927, ambos do Código Civil.

Outro não é o entendimento de Marcelo Junqueira Calixto:

140 SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, cit., p. 11.

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116

Por tudo que até aqui se estudou, tem-se a certeza de não ser possível

afirmar já ter sido escrito o capítulo final do instituto da culpa, bastando,

para tanto, recordar os termos do artigo 186 do Código Civil Brasileiro.

Com efeito, este dispositivo é a afirmação de uma cláusula geral de

responsabilidade civil subjetiva, o que demonstra a atualidade do

mesmo instituto. 141

Ademais, o parágrafo único do artigo 944 do Código Civil mostra

novamente a presença da culpa no sistema, dispondo a seu respeito no artigo que

consagra a extensão da indenização em matéria de responsabilidade civil, permitindo

ao magistrado a redução da indenização nos casos em que houver excessiva

desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.

Assim, não se pode negar que a culpa está presente de forma

marcante no sistema; daí porque não nos parece possível afirmar que o Código seja

objetivista.

Mas isso não significa dizer, todavia, que a culpa ocupa o primeiro

lugar no sistema da reparação de dano.

Significa dizer, apenas, que há duas cláusulas gerais de

responsabilidade civil, e que elas convivem lado a lado no sistema.

Com efeito, o sistema conta hoje com duas cláusulas gerais de

responsabilidade: (i) uma de responsabilidade subjetiva, obtida através da conjugação

dos artigos 186 e 927 do Código Civil, e (ii) outra de responsabilidade objetiva,

presente no parágrafo único do artigo 927 [sem prejuízo, é claro, de todas as demais

hipóteses de responsabilidade objetiva presentes no ordenamento].

A esse respeito Giselda Hironaka afirma que:

141 CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilidade civil. Estrutura e função, cit., p. 177.

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117

A ampliação do campo de abrangência da responsabilidade acabou,

então, por provocar certo declínio da culpa enquanto elemento

imprescindível à sua configuração; no entanto, não desapareceu

completamente a culpa, nem desaparecerá, já que a evolução não

equivale à substituição de um sistema pelo outro. Esta advertência já

houvera sido considerada por Savatier que preveniu que, se uma

responsabilidade fundada no risco não se justifica plenamente em

nosso direito moderno é preciso não lhe atribuir nem função única, nem

mesmo o primeiro lugar. Culpa e risco, anunciou o renomado jurista,

devem deixar de ser considerados fundamentos da responsabilidade

civil, para ocuparem o lugar que efetivamente ocupam, isto é, a posição

de fontes da responsabilidade civil, sem importar se uma delas tem

primazia sobre a outra, sem importar que uma aniquila a outra, mas

importando saber que, embora tão mais freqüentes os casos de

responsabilidade subjetiva, embasada na culpa, persistem existindo os

casos em que se registrará a insuficiência desta fonte, quando, então,

abrir-se-á oportunidade de reparação do dano pelo viés da nova fonte,

a do risco.

Convivem, portanto, as duas teorias, e conviverão provavelmente por longo tempo. Tem razão absoluta Caio Mário da Silva Pereira quando afirma que, em nosso sistema jurídico, convivem as duas teorias: subjetiva como norma geral e objetiva como preceituação especial. 142 (grifos nossos)

Nossas reflexões sobre o tema também encontram respaldo em

Alvino Lima, cujos ensinamentos já sob a égide do Código Civil de 1916 eram de que

“[...] a teoria da responsabilidade sem culpa, sob seus vários aspectos, corre

paralelamente ao princípio da teoria subjetiva [...].” 143

Por isso, ao mesmo tempo em que não nos parece correto afirmar

sobre a objetividade do Código, também na nova sistemática não nos parece mais

142 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta – Evolução de Fundamentos e de Paradigmas da Responsabilidade Civil na Contemporaneidade, cit., p. 209-210. 143 LIMA, Alvino. Culpa e risco, cit., p. 259.

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adequado sustentar que “[...] não obstante o avançar do risco, a culpa continua a

ocupar o primeiro lugar, como fundamento da responsabilidade [...].” 144

Essa afirmação poderia se adequar à antiga sistemática instituída

pelo Código Civil de 1916, sob a luz do qual as palavras acima transcritas foram

proferidas por Agostinho Alvim.

Mas com o advento do Código Civil em 2002, por tudo o que já foi

exposto, essa afirmação parece merecer abrandamento, porquanto alguns dispositivos

constantes da novel legislação, bem como de legislações esparsas, parecem sinalizar

para uma tendência diferente, no sentido de buscar a responsabilidade objetiva em

muitas situações - embora ainda exista entre nós campo pertencente à

responsabilidade subjetiva, repita-se.

Deverá pensar-se que a extensão deste novo regime de

responsabilidade implicaria o “fim da culpa”? De modo algum. Em

primeiro lugar, porque as duas categorias de culpa e do risco, uma vez

que não se situam no mesmo nível, não são exclusivas. Em seguida,

porque, como François Gény notavelmente o tinha posto em evidência,

do ponto de vista do risco, a responsabilidade por culpa só aparece

como caso particular, e relativamente limitado, da maneira como, numa

sociedade, se pode decidir corrigir a repartição natural da

responsabilidade por danos. Melhor, porque um regime de

responsabilidade por risco, ao permitir distinguir protecção das vítimas

e sanção das condutas, oferece a possibilidade de uma reformulação

da política da culpa no quadro das práticas seguradoras que,

doravante, fazem parte integrante da administração da

responsabilidade. Mas é verdade que isso é inseparável do facto de a

culpa perder um pouco do seu caráter moral para adquirir um

significado mais resolutamente social. 145

144 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, cit., p. 244. 145 EWALD, François. Foucault, a norma e o direito. Tradução de António Fernando Cascais. 2. ed. São Paulo: Vega, 2000. p. 172-173.

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E, finalmente, como conclusão de todo o estudo, analisando os

dois grandes sistemas de reparação de danos hoje existentes – responsabilidade

objetiva e responsabilidade subjetiva – entendemos que o dever de reparar o dano

recai, no final das contas, sobre quem tem poder.

Recai sobre quem tem o poder de controle sobre se seus atos,

quando se fala em responsabilidade subjetiva – caso contrário não há imputabilidade e

por via de conseqüência não há culpa, faltando assim um dos requisitos essenciais da

reparação de dano sob essa modalidade.

E recai sobre quem tem poder de controle da atividade que exerce,

das coisas que estão em seu poder e das pessoas por cujos atos se é responsável, na

seara da responsabilidade objetiva.

Sobre o assunto Ragner Limongeli Vianna cita trecho de Carvalho

Santos, que pela pertinência ao tema trazemos à baila:

Os partidários da nova teoria da culpa [...] Partindo do pressuposto de

que o direito, longe de ser uma causa de exoneração é uma fonte de

responsabilidade [...] o direito supõe a ação e a ação cria o risco.

Donde a conclusão: nós seremos tanto mais responsáveis quanto maiores e mais efetivos direito tivermos; pois é o poder jurídico que cria a responsabilidade. 146 (grifos nossos)

Com efeito, o titular de direitos no ordenamento jurídico deve ter

poder para exercer os atos da vida civil, bem como poder para desempenhar as

atividades que desenvolva assumindo os riscos daí advindos, e controlar as coisas que

lhe pertencem e as pessoas que estão sob seus cuidados. Tudo isso para não lesar

ninguém.

146 VIANNA. Ragner Limongeli. Excludentes da obrigação de reparação de danos, cit., p. 27.

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Desta forma o sistema zela pela dignidade da pessoa humana e

todos os demais princípios normativos a ela correlatos.

Entendemos, então, que se caminha para a construção de uma

sociedade fraterna e igualitária nos termos do conteúdo programático da Constituição

Federal.

Esse sistema, portanto, nos dias de hoje, nos remete a uma

sensação de sociabilidade, eticidade e operabilidade – princípios esses que foram

alçados a pilares do Código Civil de 2002 – que são as bases da manutenção da

ordem social e estão intimamente ligados a cada uma das pessoas coletiva e

individualmente consideradas.

Esse sistema foi feito para cada um dos homens, para zelar por uma única pessoa, e ao mesmo tempo por todas. Esse sistema foi feito, em suma, para zelar pela humanidade. Nenhum homem é uma ilha, um ser inteiro em si mesmo; todo homem é uma partícula do Continente, uma parte da terra. Se um Pequeno Torrão carregado pelo Mar deixa menor a Europa, como se todo um Promontório fosse, ou a Herdade de um amigo seu, ou até mesmo a sua própria, também a morte de um único homem me diminui, porque Eu pertenço à Humanidade. Portanto, nunca procures saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti. 147

CONCLUSÕES

São expostas sinteticamente abaixo as conclusões alcançadas a

partir das principais idéias constantes desse trabalho.

1.) O sistema de responsabilidade civil consagrado pelas grandes codificações era

fundamentado na culpa, no dano e no nexo causal, sendo, nesse cenário, a 147 John Donne (1572-1631), poeta e padre anglicano, nasceu em Londres.

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demonstração da culpa absolutamente necessária para a configuração do dever de

indenizar.

2.) O sistema de reparação baseado na culpa correspondia às necessidades de uma

estrutura social agrícola e artesanal (tendo papel fundamental em virtude também da

forte influência da religião cristã), e permitiu, inclusive, o crescimento industrial ao longo

do século XIX, pois era absolutamente consoante com as idéias surgidas na revolução

francesa de 1789 – laissez-faire – laissez-passer – que foram os embriões da

revolução industrial que a procedeu.

3.) Verificou-se o colapso do sistema diante da transformação da realidade social, que

ao longo do tempo passou a trazer mais freneticamente um sem número de situações

que não podem ser reparadas exclusivamente quando da existência comprovada de

culpa.

4.) Dado o novo cenário, completamente diferente de um sistema puramente agrário e

de produção artesanal, a reparação da vítima não poderia depender da prova quase

impossível que identificasse quem, de fato, agiu ou não com culpa.

5.) A retomada da dignidade do ser humano e sua introdução em nível constitucional

alçou-lhe à categoria de direito fundamental, implicando a releitura de todos os

institutos de direito privado, notadamente a reparação de danos, sendo necessário ter

sempre em mente que o fim almejado pelo direito é a proteção de cada uma das

pessoas em suas dimensões fundamentais, aí considerados seus direitos materiais e

imateriais, suas relações familiares, sociais e também sua individualidade.

6.) À luz do princípio normativo da dignidade da pessoa humana e da

constitucionalização do direito como um todo, verificou-se a metamorfose da causa da

responsabilidade civil, deixando de ser a culpa e passando a ser o dano injusto.

7.) O dano injusto é a alteração in concreto de qualquer bem jurídico do qual o sujeito é

titular.

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8.) Sendo ínsita à atividade ligada à tecnologia o dever de indenizar os lesados –

reparação do dano injusto – há a tendência de socialização dos danos,

operacionalizada por meio do contrato de seguro, cujo prêmio é pago pelo empresário

na medida em que dissemina seu ônus sobre todo o corpo social, por meio do repasse

no preço dos produtos vendidos e serviços prestados.

9.) Pelo fato de que o empresário pagará um preço determinado ao segurador (prêmio)

a fim de assegurar aos que porventura se acidentarem o recebimento de indenização,

que é limitada aos valores previamente pactuados entre as partes.

10.) Tendo assimilado as mudanças e os fenômenos ocorridos na sociedade, o Código

Civil traz consigo duas cláusulas gerais de responsabilidade: uma cláusula geral de

responsabilidade subjetiva, obtida pela conjugação do artigo 186 com o caput do artigo

927 de referido diploma, e outra cláusula geral de responsabilidade objetiva,

encontrada no parágrafo único do artigo 927 da novel legislação.

11.) A periculosidade não é requisito para a configuração da responsabilidade nos

termos do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, que não a traz em sua dicção,

ao contrário do semelhante artigo 2.050 do Código Civil italiano.

12.) O parágrafo único do artigo 927 possui espectro bastante amplo, deixando a cargo

do exercício discricionário da atividade jurisdicional sua aplicação, que deverá ser

melhor balizada pela jurisprudência

13.) Para que determinada atividade seja considerada como de risco, é necessária a

verificação de práticas reiteradas e conseqüências danosas também em número capaz

de demonstrar o nexo de causalidade repetidas vezes.

14) Responsabilidade objetiva não é sinônimo de teoria do risco, pois esta é espécie da

qual aquela é gênero.

15.) O dever de reparar que, para sua configuração, prescinde da aferição do

comportamento culposo do agente que especificamente teria cometido o ato ilícito, está

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englobado no campo da responsabilidade objetiva, não significando, todavia, que toda

a responsabilidade objetiva assim o é pelo risco.

16.) São espécies de responsabilidade objetiva que em nada se relacionam com o

risco, as seguintes: (i) o abuso de direito – artigo 187 do Código Civil; (ii)

responsabilidade pelo fato de outrem – artigo 932 incisos I e II do Código Civil e, (iii)

responsabilidade do dono do edifício por objetos que dele caiam – artigo 938 do Código

Civil.

17.) A teoria do risco trata de atividades que criam e/ou potencializam a possibilidade

de produzir danos, seja por sua própria natureza ou em razão da maneira pela qual a

atividade é desenvolvida.

18.) O fundamento da responsabilidade pelo risco está, então, na justiça distributiva:

aquele que, de forma lícita e permitida, criou os riscos, assume a responsabilidade de

indenizar as vítimas que sofrem danos, deixando de lado a preocupação com o seu

verdadeiro causador – ou seja, a preocupação de identificar quem realmente teve

culpa.

19.) Segundo a maioria da doutrina, podem ser destacadas as teorias do risco-proveito

e do risco criado, tendo sido esta última incorporada pelo sistema, por considerar como

relevante para o dever de indenizar a inserção de riscos na sociedade, e não

necessariamente o efetivo proveito econômico para o empresário.

20.) São hipóteses de responsabilidade objetiva pelo risco os danos advindos de: (i)

acidentes em estradas de ferro; (ii) acidentes de aeronaves; (iii) acidentes nucleares;

(iv) acidentes ambientais; (v) atividade do Estado; (vi) relações de consumo - CDC e

(vii) hipótese prevista no artigo 931 do Código Civil.

21.) À luz do artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal, não se admite que lei

infraconstitucional tenha a pretensão de criar uma ficção reparatória, estipulando limites

prévios e aleatórios à indenização, porque esta sempre dependerá da casuística, de

modo a apurar-se devidamente a extensão do dano sofrido pela vítima.

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22.) No ordenamento jurídico vige o princípio da reparação integral do dano,

consubstanciado na ampla proteção ao danificado, que deve ser inteiramente

ressarcido do malefício que sofreu.

23.) Á luz do princípio do ressarcimento integral da vítima e dos demais princípios

constitucionais informadores do sistema (tais como a dignidade da pessoa humana), os

valores de indenização previsto em leis que tratam de responsabilidade pelo risco,

como a Lei de Imprensa (sistema tarifário) podem ser analisados aplicando-se

analogamente o mecanismo verificado para o ressarcimento do empregado nos casos

de acidente do trabalho.

24.) De acordo com o inciso XXVIII do artigo 7º da Carta Magna, o empregado

acidentado faz jus ao a dois tipos de indenização (denominando-se genericamente

também de indenização o seguro previsto na norma constitucional), autônomas e

cumuláveis entre si. Uma trata-se do seguro mencionado na lei, e a outra é a

indenização cabal que tem o condão de tornar indene a vítima.

25.) O seguro (a primeira indenização a que faz jus o empregado) é de natureza

acidentária, sendo certo que para seu recebimento não se exige a demonstração de

culpa do empregador. Basta que o empregado prove a relação de emprego, o dano daí

advindo, e a subsunção ao tipo previsto no artigo 19 da Lei 8.213/91, sendo o Instituto

Nacional de Previdência Social (INSS) que arca com o pagamento desse benefício.

26.) A indenização decorrente do seguro de acidente de trabalho é tarifada, ou seja,

sujeita aos limites previstos em lei.

27.) O inciso XXVIII do artigo 7º da Carta Magna também dispõe sobre a segunda

indenização que pode se recebida pelo empregado, a ser pleiteada caso haja a prova

de que o empregador agiu com dolo ou culpa (de acordo com a dicção literal do texto

constitucional).

28.) Muito embora o inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal disponha que a complementação da indenização ao empregado pelo empregador só se verifica quando da comprovação de culpa deste, entende-se que isso deveria ser alterado a partir de

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uma interpretação sistemática, notadamente à luz das normas da própria Constituição Federal e do Código Civil. Desta forma, essa complementação poderia ser recebida pelo empregado através do sistema da responsabilidade objetiva, nos termos do parágrafo único do artigo 927 da novel legislação, deixando-se de lado a culpa, tal como ocorre nos casos em que o empregador tem o dever de indenizar a terceiros pelos danos decorrentes de sua atividade, cujo fundamento é o risco. 29.) Analogamente aos casos de responsabilidade pelos acidentes do trabalho, entendemos que o quantum indenizatório previsto em determinadas leis que tratam de casos de responsabilidade objetiva pelos risco (por exemplo, lei de imprensa), trata-se apenas de uma espécie de seguro contra acidentes estabelecido pela lei com base nos danos que normalmente advêm da atividade. 30.) A segunda parte da indenização, autônoma e cumulável com aquela que consubstancia seguro, exsurge quando há prova da culpa do causador do dano, devendo então haver a reparação integral do ofendido através da responsabilidade subjetiva prevista no artigo 186 c/c artigo 927 do Código Civil. 31.) À luz do parágrafo único do artigo 927 da novel legislação, que introduziu cláusula geral de responsabilidade objetiva no sistema, parece haver a possibilidade de que, nas atividades de risco, a indenização integral seja perseguida por meio da responsabilidade objetiva, dispensando-se a comprovação da culpa. 32.) Diante da analogia feita em relação à reparação de danos nos casos de acidente do trabalho, bem como utilizando-se hermenêutica que busque acomodar todos os princípios de forma a alcançar a sua validade e constitucionalidade, entende-se que o valor estabelecido no artigo 52 da Lei 5.250/1967 diz respeito a uma espécie de seguro contra acidente causado pela atividade de imprensa, e não à totalidade da indenização a que o danificado faz jus. Daí porque não se entende que tal dispositivo seja inconstitucional. 33.) Muito embora o artigo 52 da Lei 5.250/1967 contenha menção a ato culposo, essa culpa poderia ser entendida como conduta antijurídica de não lesar o outro, como a inobservância ao princípio de não lesar ninguém, informador de todo o ordenamento jurídico.

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34.) O único ambiente capaz de acolher o parágrafo único do artigo 944 do Código Civil é a responsabilidade subjetiva, e ainda assim em casos pontuais, a serem identificados especificamente pelo magistrado no exercício da atividade jurisdicional. 35.) O parágrafo único do artigo 944 não parece poder ser utilizado na responsabilidade objetiva, pois se nela não se discute a culpa para determinar o dever de indenizar, não se pode admitir a sua discussão para a redução da indenização da vítima. 36.) Entende-se mais correta a denominação “fato da vítima”, ao invés de “culpa exclusiva da vítima”. Isso porque, a “culpa exclusiva” da vítima é fator que atua sobre o nexo de causalidade, fazendo-o desaparecer, de modo a não mais haver ligação entre o dano verificado e o ato que se lhe imputava como fato gerador, porquanto este, em verdade, foi a própria conduta da vítima. 37.) Atualmente, ao falar-se em responsabilidade objetiva, está-se muito mais próximo da responsabilidade em tempos primitivos do que quando do domínio da culpa. Mas, diferentemente da vingança, não se busca causar um mal idêntico àquele que foi sofrido, e sim proporcionar o ressarcimento da vítima. 38.) O sistema não voltou ao objetivismo como um todo, e tampouco a culpa foi descartada ou teria sido limitada a um espaço claustrofóbico no Código. 39.) A responsabilidade subjetiva possui ainda papel fundamental, consubstanciando cláusula geral do sistema e sendo aplicada a todos os casos que não estejam especificamente regulados pela responsabilidade objetiva, além de estar a culpa prevista no parágrafo único do artigo 944 da novel legislação, permitindo ao magistrado a redução da indenização nos casos em que houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. 40) O dever de indenizar recai sobre quem tem poder. Poder de controle sobre se seus atos, quando se fala em responsabilidade subjetiva, e poder de controle da atividade que exerce, das coisas que estão em seu poder e das pessoas por cujos atos se é responsável, na seara da responsabilidade objetiva. 41.) O sistema conta hoje com duas cláusulas gerais de responsabilidade, que convivem pacificamente entre si.

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