pedagogia e pedagogos

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    Educar, Curitiba, n. 17, p. 153-176. 2001. Editora da UFPR 3

    Pedagogia e pedagogos:

    inquietaes e buscas

    Jos Carlos Libneo*

    RESUMO

    Um dos fenmenos mais significativos dos processos sociais contempo-rneos a ampliao do conceito de educao e a diversificao das ativi-

    dades educativas, levando, por conseqncia, a uma diversificao da aopedaggica na sociedade. Em vrias esferas da prtica social, mediante asmodalidades de educao informais, no-formais e formais, amplia-se aproduo e disseminao de saberes e modos de ao (conhecimentos,conceitos, habilidades, hbitos, procedimentos, crenas, atitudes), levan-do a prticas pedaggicas. Estamos diante de uma sociedade genuina-mente pedaggica, conforme expresso de Beillerot. Nesses termos, mi-nhas consideraes neste artigo procuraram mostrar que a Pedagogia temum papel fundamental na discusso dos rumos da educao brasileira,particularmente nesse momento de implantao da nova LDB.Palavras-chave: Pedagogia, prtica social, formao de professores, LDB.

    Introduo: a sociedade pedaggica

    Um dos fenmenos mais significativos dos processos sociais contem-porneos a ampliao do conceito de educao e a diversificao das ativi-dades educativas, levando, por conseqncia, a uma diversificao da aopedaggica na sociedade. Em vrias esferas da prtica social, mediante asmodalidades de educao informais, no-formais e formais, ampliada a pro-duo e disseminao de saberes e modos de ao (conhecimentos, concei-tos, habilidades, hbitos, procedimentos, crenas, atitudes), levando a prti-cas pedaggicas. Estamos diante de uma sociedade genuinamente pedaggi-

    * Universidade Catlica de Gois.

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    ca, conforme expresso de BEILLEROT (1985).Apesar disso, a Pedagogia como campo de estudos especficos vive,

    hoje, no Brasil, um grande paradoxo. Por um lado, est em alta na sociedade.

    Nos meios profissionais, polticos, universitrios, sindicais, empresariais, nosmeios de comunicao, nos movimentos da sociedade civil, verificamos umaredescoberta da Pedagogia. Observamos uma movimentao na sociedademostrando uma ampliao do campo do educativo com a conseqente reper-cusso no campo do pedaggico. Enquanto isso, essa mesma Pedagogia estem baixa entre intelectuais e profissionais do meio educacional, com umaforte tendncia em identific-la apenas com a docncia, quando no paradesqualific-la como campo de saberes especficos. Os prprios pedagogos falo especificamente dos que lidam com a educao escolar parecem estar

    se escondendo de sua profisso ao no fazerem frente s investidas contra aPedagogia e ao exerccio profissional dos pedagogos especialistas, adotandouma atitude desinteressada frente especificidade dos estudos pedaggicos eaos prprios contedos e processos que eles representam. Por razes aindamuito pouco esclarecidas, boa parte dos socilogos da educao, psiclogosda educao, filsofos da educao, que tm seus empregos e suas pesquisasem faculdades de educao, vm se mobilizando pela desativao dos estu-dos especficos da Pedagogia.

    Entretanto, a sociedade atual eminentemente pedaggica, ao ponto deser chamada de sociedade do conhecimento. Vejamos alguns exemplos. Estse acentuando o poder pedaggico dos meios de comunicao: TV, imprensa,escrita, rdio, revistas, quadrinhos. A mdia se especializa em fazer cabeas,no apenas no campo econmico, poltico; especialmente no campo moral,vemos diariamente a veiculao de mensagens educativas, a disseminao desaberes e modos de agir atravs de programas, vinhetas e chamadas sobreeducao ambiental, AIDS, drogas, sade. H prticas pedaggicas nos jor-nais, nas rdios, na produo de material informativo, tais como livros did-

    ticos e paradidticos, enciclopdias, guias de turismo, mapas, vdeos, revis-tas; na criao e elaborao de jogos, brinquedos; nas empresas, h atividadesde superviso do trabalho, orientao de estagirios, formao profissionalem servio. H uma prtica pedaggica nas academias de educao fsica,nos consultrios clnicos. Na esfera dos servios pblicos estatais, so disse-minadas vrias prticas pedaggicas de assistentes sociais, agentes de sade,agentes de promoo social nas comunidades etc. So prticas tipicamentepedaggicas. Os programas sociais de medicina preventiva, informao sani-tria, orientao sexual, recreao, cultivo do corpo, assim como prticas pe-

    daggicas em presdios, hospitais, projetos culturais so ampliados. Ano a

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    ano aumenta o nmero de congressos, simpsios, seminrios. So desenvol-vidas, em todo o lugar, iniciativas de formao continuada nas escolas, nasindstrias. As empresas reconhecem a necessidade de formao geral como

    requisito para enfrentamento da intelectualizao do processo produtivo.Considerando, ainda, os vnculos entre educao e economia, as mu-danas recentes no capitalismo internacional colocam novas questes para aPedagogia. O mundo assiste hoje 3.a Revoluo Industrial, caracterizadapela internacionalizao da economia, por inovaes tecnolgicas em vrioscampos, como a informtica, a microeletrnica, a bioenergtica. Essas trans-formaes tecnolgicas e cientficas levam introduo, no processo produ-tivo, de novos sistemas de organizao do trabalho, mudana no perfil profis-sional e novas exigncias de qualificao dos trabalhadores, o que acaba afe-

    tando o sistema de ensino. No casual que parcela do empresariado, surpre-endentemente, esteja redescobrindo o papel da escola na formao geral,para alm do interesse pela requalificao profissional. De fato, com aintelectualizao do processo produtivo, o trabalhador no pode mais serimprovisado. So requeridas novas habilidades, mais capacidade de abstra-o, de ateno, um comportamento profissional mais flexvel. Para tanto, anecessidade de formao geral se repe, implicando reavaliao dos proces-sos de aprendizagem, familiarizao com os meios de comunicao e com ainformtica, desenvolvimento de competncias comunicativas, de capacida-

    des criativas para anlise de situaes novas e cambiantes, capacidade depensar e agir com horizontes mais amplos. Estamos frente a exigncias deformao de um novo educador.

    Verificamos, assim, uma ao pedaggica mltipla na sociedade, emque o pedaggico perpassa toda a sociedade, extrapolando o mbito escolarformal, abrangendo esferas mais amplas da educao informal e no-formal,criando formas de educao paralela, desfazendo praticamente todos os nsque separavam escola e sociedade.

    Natureza e identidade da Pedagogia. O que a Pedagogia, quem opedagogo?

    A idia de senso comum, inclusive de muitos pedagogos, a de que Peda-gogia ensino, ou melhor, o modo de ensinar. Uma pessoa estuda Pedagogiapara ensinar crianas. O pedaggico seria o metodolgico, o modo de fazer, o

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    modo de ensinar a matria. Trabalho pedaggico seria o trabalho de ensinar, demodo que o termopedagogia estaria associado exclusivamente a ensino.

    H, de fato, uma tradio na histria da formao de professores no

    Brasil segundo a qual pedagogo algum que ensina algo. Essa tradio teriase firmado no incio da dcada de 30, com a influncia tcita dos chamadospioneiros da educao nova, tomando o entendimento de que o curso dePedagogia seria um curso de formao de professores para as sries iniciaisda escolarizao obrigatria. O raciocnio simples: educao e ensino di-zem respeito a crianas (inclusive porque peda, do termo pedagogia, dogrego paids, que significa criana). Ora, ensino se dirige a crianas, entoquem ensina para crianas pedagogo. E para ser pedagogo, ensinador decrianas, preciso fazer um curso de Pedagogia. Foi essa idia que permane-

    ceu e continua viva na experincia brasileira de formao de professores.Alis, a aceitar esse raciocnio, no sabemos porque os cursos de licenciaturatambm no receberam a denominao de cursos de Pedagogia.

    A idia de conceber o curso de Pedagogia como formao de professo-res, a meu ver, muito simplista e reducionista, , digamos, uma idia desenso comum. A Pedagogia se ocupa, de fato, com a formao escolar decrianas, com processos educativos, mtodos, maneiras de ensinar, mas, an-tes disso, ela tem um significado bem mais amplo, bem mais globalizante.Ela um campo de conhecimentos sobre a problemtica educativa na sua

    totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora daao educativa. O didata alemo SCHIMIED-KOWARZIK (1983) chama aPedagogia de cincia da epara a educao, portanto a teoria e a prtica daeducao. Ela tem um carter ao mesmo tempo explicativo, praxiolgico enormativo da realidade educativa, pois investiga teoricamente o fenmenoeducativo, formula orientaes para a prtica a partir da prpria ao prticae prope princpios e normas relacionados aos fins e meios da educao.

    Pedagogia , ento, o campo do conhecimento que se ocupa do estudosistemtico da educao do ato educativo, da prtica educativa como com-ponente integrante da atividade humana, como fato da vida social, inerenteao conjunto dos processos sociais. No h sociedade sem prticas educativas.Pedagogia diz respeito a uma reflexo sistemtica sobre o fenmeno educativo,sobre as prticas educativas, para poder ser uma instncia orientadora do tra-balho educativo. Ou seja, ela no se refere apenas s prticas escolares, mas aum imenso conjunto de outras prticas. O campo do educativo bastantevasto, uma vez que a educao ocorre em muitos lugares e sob variadas mo-dalidades: na famlia, no trabalho, na rua, na fbrica, nos meios de comunica-

    o, na poltica, na escola. De modo que no podemos reduzir a educao ao

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    ensino e nem a Pedagogia aos mtodos de ensino. Por conseqncia, se huma diversidade de prticas educativas, h tambm vrias pedagogias: a pe-dagogia familiar, a pedagogia sindical, a pedagogia dos meios de comunica-

    o etc., alm, claro, da pedagogia escolar.Podemos dizer, ento, que a toda educao corresponde uma pedago-gia. Mas o que entendemos sobre esse termo que denominamos educaoou prtica educativa? Educao compreende o conjunto dos processos, in-fluncias, estruturas e aes que intervm no desenvolvimento humano deindivduos e grupos na sua relao ativa com o meio natural e social, numdeterminado contexto de relaes entre grupos e classes sociais, visando aformao do ser humano. A educao , assim, uma prtica humana, umaprtica social, que modifica os seres humanos nos seus estados fsicos, men-

    tais, espirituais, culturais, que d uma configurao nossa existncia hu-mana individual e grupal. Escreve a esse respeito o pedagogo alemoSCHMIED-KOWARZIK (1983):

    A educao uma funo parcial integrante da produo e reproduoda vida social, que determinada por meio da tarefa natural e, ao mesmotempo, cunhada socialmente da regenerao de sujeitos humanos, semos quais no existiria nenhuma prxis social. A histria do progresso

    social simultaneamente tambm um desenvolvimento dos indivduosem suas capacidades espirituais e corporais e em suas relaes mtuas.A sociedade depende tanto da formao e da evoluo dos indivduosque a constituem, quanto estes no podem se desenvolver fora dasrelaes sociais.

    So esses processos formativos que constituem o objeto de estudoda Pedagogia. Mas esse conjunto de processos intervem atravs de qu?

    Basicamente atravs da comunicao e intercmbio da experincia huma-na acumulada, isto , dos saberes e modos de agir construdos pela huma-nidade. A educao est ligada a processos de comunicao e interaopelos quais os membros de uma sociedade assimilam saberes, habilida-des, tcnicas, atitudes, valores existentes no meio culturalmente organi-zado e, com isso, ganham o patamar necessrio para produzir outros sabe-res, tcnicas, valores etc. intrnseco ao ato educativo seu carter demediao, mediante o qual favorece o desenvolvimento dos indivduos na

    dinmica sociocultural de seu grupo, sendo que o contedo dessa media-

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    o so os saberes e modos de ao, isto , a cultura que vai se conver-tendo em patrimnio do ser humano.1

    uma questo, pois, de entender a pedagogia como prtica cultural,

    forma de trabalho cultural, que envolve uma prtica intencional de produ-o e internalizao de significados. esse carter de mediao cultural queexplica as vrias educaes, suas modalidades e instituies, entre elas a edu-cao escolar. Tambm da decorrem as vrias projees do educativo emprojetos nacionais, regionais, locais, que expressam intenes e aes logomaterializadas nos currculos.

    Mas h, ainda, um elemento importante do conceito de educao a serdestacado. A educao uma prtica social que busca realizar nos sujeitoshumanos as caractersticas de humanizao plena. Todavia, toda educao se

    d em meio a relaes sociais. Numa sociedade em que essas relaes se doentre grupos sociais antagnicos, com diferentes interesses, em relaes deexplorao de uns sobre outros, a educao s pode ser crtica, pois ahumanizao plena implica a transformao dessas relaes. Isso significaque a Pedagogia lida com o fenmeno educativo enquanto expresso de in-teresses sociais em conflito na sociedade em que vivemos. por isso que aPedagogia expressa finalidades sociopolticas, ou seja, uma direo explcitada ao educativa relacionada com um projeto de gesto social e poltica dasociedade. Dizer do carter pedaggico, da prtica educativa, dizer que a

    1 inevitvel o reconhecimento de que a Pedagogia est associada transmisso-apro-priao de conhecimentos, mas preciso dar a essa expresso um sentido bastante amplo. Da aconvenincia de entender os termos conhecimentos e contedos no sentido de saberes, saberes-conhecimentos, saberes-experincias, saberes-habilidades, saberes-valores. LERNER eSKATKIN (1984) destacam quatro elementos da cultura que precisam ser apropriados por todas

    as pessoas: 1) os conhecimentos sobre a natureza, a sociedade, o pensamento, a tcnica e osmodos (ou mtodos) de atuao; 2) a experincia prtica de colocar esses mtodos em aoexpressa em habilidades e hbitos intelectuais e prticos; 3) a experincia da atividade humanacriadora na busca de solues para novos problemas; 4) os conhecimentos avaliativos referentess normas de relao com o mundo, de uns com os outros, expressos num sistema de valoresmorais, estticos e emocionais; BEILLEROT (1985) escreve que a pedagogia e sobretudo aao pedaggica , por um lado, a imposio [...] de um sentido cultural arbitrrio e, por outrolado, uma prtica, ou seja, um conjunto de comportamentos e aes conscientes e voluntrias detransmisso de saberes [...], por explicaes que apelam razo de uma ou mais pessoas, com afinalidade de (a) modificar os comportamentos, os afetos, as representaes dos ensinados [...];(b) fazer e adquirir mtodos e regras fixas que permitam fazer face a situaes conhecidas quese reproduzem com regularidade; (c) fazer agir.

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    Pedagogia, a par de sua caracterstica de cuidar dos objetivos e formasmetodolgicas e organizativas de transmisso de saberes e modos de ao emfuno da construo humana, implica, explicitamente, em objetivos ticos e

    em projetos polticos de gesto social.H, pois, duas caractersticas fundamentais do ato educativo intencio-nal: primeiro, a de ser uma atividade humana intencional; segundo, a de seruma prtica social. No primeiro caso, sendo a educao uma relao de influ-ncias entre pessoas, h sempre uma interveno voltada para fins desejveisdo processo de formao, conforme opes do educador quanto concepode homem e sociedade, ou seja, h sempre uma intencionalidade educativa,implicando escolhas, valores, compromissos ticos. No segundo caso, a edu-cao um fenmeno social, ou melhor, uma prtica social que s pode ser

    compreendida no quadro do funcionamento geral da sociedade da qual fazparte. Isso quer dizer que as prticas educativas no se do de forma isoladadas relaes sociais que caracterizam a estrutura econmica e poltica de umasociedade, estando subordinadas a interesses sociais, econmicos, polticos eideolgicos de grupos e classes sociais. Sendo assim, ao investigar questesatinentes formao humana e prticas educativas correspondentes, a Peda-gogia comea perguntando que interesses esto por detrs das propostas edu-cacionais. Precisamente por isso, a ao pedaggica d uma direo, um rumo,

    s praticas educativas conforme esses interesses. O processo educativo seviabiliza, portanto, como prtica social precisamente por ser dirigido peda-gogicamente.

    Em outras palavras, o carter pedaggico que introduz o elementodiferencial nos processos educativos que se manifestam em situaes histri-cas e sociais concretas. Precisamente pelo fato de a prtica educativa se de-senvolver no seio de relaes entre grupos e classes sociais que ressaltadaa mediao pedaggica para determinar finalidades sociopolticas e formasde interveno organizativa e metodolgica do ato educativo.

    E o campo do didtico? Na linguagem comum, freqente a identifi-cao entre o pedaggico e o didtico, ou seja, falamos indistintamente deaes pedaggicas e aes didticas. A meu ver, esses termos esto inter-relacionados, mas no so sinnimos. O didtico se refere especificamente teoria e prtica do ensino e aprendizagem, considerando o ensino comoum tipo de prtica educativa, vale dizer, uma modalidade de trabalho peda-ggico. Dessa forma, o trabalho docente pedaggico porque uma ativi-dade intencional, implicando uma direo (embora nem todo trabalho pe-daggico seja trabalho docente). O que significa dizer que todo ensino su-pe uma pedagogizao, isto , supe uma direo pedaggica (intencio-

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    nal, consciente, organizada), de modo a converter as bases da cincia emmatria de ensino.2

    Em resumo, a Pedagogia, mediante conhecimentos cientficos, filosfi-

    cos e tcnico-profissionais, investiga a realidade educacional em transforma-o, para explicitar objetivos e processos de interveno metodolgica eorganizativa referentes transmisso/assimilao de saberes e modos de ao.Ela visa o entendimento, global e intencionalmente dirigido, dos problemaseducativos e, para isso, recorre aos aportes tericos providos pelas demaiscincias da educao.

    A Pedagogia e as demais cincias da educao

    A Pedagogia no , certamente, a nica rea cientfica que tem a edu-cao como objeto de estudo. Tambm a Sociologia, a Psicologia, a Econo-mia e a Lingstica podem se ocupar de problemas educativos para alm deseus prprios objetos de investigao e, nessa medida, os resultados de seusestudos so imprescindveis para a compreenso do educativo. Entretanto,cada uma dessas cincias aborda o fenmeno educativo sob a perspectiva deseus prprios conceitos e mtodos de investigao. a Pedagogia que podepostular o educativo propriamente dito e ser cincia integradora dos aportesdas demais reas. O que no quer dizer, todavia, que ela, por isso, possa ocu-

    par lugar hierarquicamente superior s demais.A pedagogia, com isso, um campo de estudos com identidade e pro-blemticas prprias. Seu campo compreende os elementos da ao educativa

    2 Pedagogizar a cincia a ser ensinada significa submeter os contedos cientficos aobjetivos explcitos de cunho tico, filosfico, poltico, que daro uma determinada direo(intencionalidade) ao trabalho com a disciplina e a formas organizadas do ensino. Nesse senti-

    do, converter a cincia em matria de ensino, colocar parmetros pedaggico-didticos nadocncia da disciplina, ou seja, juntar os elementos 1gico-cientficos da disciplina com ospoltico-ideolgicos, ticos, psicopedaggicos e os propriamente didticos. Isso quer dizer quepara ensinar Matemtica no basta ser um bom especialista em Matemtica, preciso que oprofessor agregue o pedaggico-didtico, ou seja, que tenha em mente as seguintes indagaes:que contedos da Matemtica-cincia devem se constituir na Matemtica-matria de ensino,visando a formao dos alunos? A que objetivos sociopolticos serve o conhecimento escolar daMatemtica? Que representaes, atitudes e convices so formadas em cima do conhecimen-to matemtico? Que habilidades, hbitos, mtodos, modos de agir, ligados a essa matria, po-dem auxiliar os alunos a agirem praticamente frente a situaes concretas da vida? Que seqn-cia de contedos mais adequada aprendizagem dos alunos, considerando sua idade, nvel deescolarizao, conceitos j disponveis dos alunos etc.?

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    e sua contextualizao, tais como o aluno enquanto sujeito do processo desocializao e aprendizagem, os agentes de formao (inclusive a escola e oprofessor), as situaes concretas em que se do os processos formativos (in-

    clusive o ensino), o saber como objeto de transmisso/assimilao, o contex-to socioinstitucional das instituies (inclusive as escolas e salas de aula).Resumidamente, o objetivo do pedaggico se configura na relao entre oselementos da prtica educativa: o sujeito que se educa, o educador, o saber eos contextos em que ocorrem.

    Essa problemtica nenhuma das demais cincias trata especificamen-te. Quando um psiclogo investiga ou atua no campo educacional, ele aplicaa os conceitos e mtodos da Psicologia e os resultados que obtm so deordem psicolgica (ESTRELA, 1992). O mesmo ocorre com a Sociologia,

    Economia etc. Pedagogia cabe integrar os enfoques parciais dessas diver-sas cincias em funo de uma aproximao global e intencionalmente dirigidaaos problemas educativos.

    O exerccio profissional do pedagogo: somos muitos pedagogos

    Quem, ento, pode ser chamado de pedagogo? O pedagogo o profissi-onal que atua em vrias instncias da prtica educativa, direta ou indireta-mente ligadas organizao e aos processos de transmisso e assimilao desaberes e modos de ao, tendo em vista objetivos de formao humana pre-viamente definidos em sua contextualizao histrica.

    Esse entendimento permite falar de trs tipos de pedagogos: 1) pedagogoslato sensu, j que todos os profissionais se ocupam de domnios e problemasda prtica educativa em suas vrias manifestaes e modalidades, so, genu-

    inamente, pedagogos. So includos, aqui, os professores de todos os nveis emodalidades de ensino; 2) pedagogos stricto sensu, como aqueles especialis-tas que, sempre com a contribuio das demais cincias da educao e semrestringir sua atividade profissional ao ensino, trabalham com atividades depesquisa, documentao, formao profissional, educao especial, gestode sistemas escolares e escolas, coordenao pedaggica, animaosociocultural, formao continuada em empresas, escolas e outras institui-es; 3) pedagogos ocasionais, que dedicam parte de seu tempo em ativida-

    des conexas assimilao e reconstruo de uma diversidade de saberes.

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    O curso de Pedagogia se destina a formar o pedagogo-especialista,isto , um profissional qualificado para atuar em vrios campos educativos,para atender demandas socioeducativas (de tipo formal, no-formal e in-

    formal) decorrentes de novas realidades, tais como novas tecnologias, no-vos atores sociais, ampliao do lazer, mudanas nos ritmos de vida, so-fisticao dos meios de comunicao. Alm disso, informar as mudanasprofissionais, desenvolvimento sustentado, preservao ambiental, nos ser-vios de lazer e animao cultural, nos movimentos sociais, nos serviospara a terceira idade, nas empresas, nas vrias instncias de educao deadultos, nos servios de psicopedagogia, nos programas sociais, na televi-so e na produo de vdeos e filmes, nas editoras, na educao especial,na requalificao profissional etc.

    A caracterizao de pedagogo-especialista necessria para distingui-lo do profissional docente. Importa formalizar uma distino entre trabalhopedaggico (atuao profissional em um amplo leque de prticas educativas)e trabalho docente (forma peculiar que o trabalho pedaggico assume na es-cola). Caberia, tambm, entender que todo trabalho docente trabalho peda-ggico, mas que nem todo trabalho pedaggico trabalho docente.

    Fica claro, portanto, que h uma diversidade de prticas educativas nasociedade e, em todas elas, desde que se configurem como intencionais, estpresente a ao pedaggica. A contemporaneidade mostra uma sociedade

    pedaggica, revelando amplos campos de atuao pedaggica. A partir deindicaes de BEILLEROT (1985), podemos definir para o pedagogo duasesferas de ao educativa: escolar e extra-escolar.

    No campo da ao pedaggica escolar, h trs tipos de atividades que sedistinguem:

    a) a de professores do ensino pblico e privado, de todos os nveis deensino e dos que exercem atividades correlatas fora da escola con-vencional;

    b) a de especialistas da ao educativa escolar operando nos nveis cen-

    trais, intermedirios e locais dos sistemas de ensino (supervisorespedaggicos, gestores, administradores escolares, planejadores, co-ordenadores, orientadores educacionais etc.);

    c) especialistas em atividades pedaggicas paraescolares atuando emrgos pblicos, privados e pblicos no-estatais, envolvendo asso-ciaes populares, educao de adultos, clnicas de orientao pe-daggica/psicolgica, entidades de recuperao de portadores denecessidades especiais etc. (instrutores, tcnicos, animadores, con-sultores, orientadores, clnicos, psicopedagogos etc.).No campo da ao pedaggica extra-escolar, h profissionais que exer-

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    cem sistematicamente atividades pedaggicas e os que ocupam ape-nas parte de seu tempo nessas atividades:

    a) formadores, animadores, instrutores, organizadores, tcnicos, con-

    sultores, orientadores, que desenvolvem atividades pedaggicas (no-escolares), em rgos pblicos, privados e pblicos no-estatais, li-gadas s empresas, cultura, aos servios de sade, alimentao, pro-moo social etc.;

    b) formadores ocasionais, que ocupam parte de seu tempo em ativida-des pedaggicas, em rgos pblicos estatais, no-estatais e empre-sas, referentes transmisso de saberes e tcnicas ligados a outraatividade profissional especializada. Falo, por exemplo, de engenhei-ros, supervisores de trabalho, tcnicos etc., que dedicam boa parte de

    seu tempo a supervisionar ou ensinar trabalhadores no local de traba-lho, orientar estagirios etc. Nessa categoria, so includos trabalha-dores sociais, monitores e instrutores de recreao e educao fsica,bem como profissionais das mais diversas reas, nas quais ocorrealgum tipo de atividade pedaggica, tais como: administradores depessoal, redatores de jornais e revistas, comunicadores sociais e apre-sentadores de programas de rdio e TV, criadores de programas deTV, de vdeos educativos, de jogos e brinquedos, elaboradores deguias urbanos e tursticos, mapas, folhetos informativos, agentes de

    difuso cultural e cientfica etc.O campo da atividade pedaggica extra-escolar extenso. Podera-

    mos incluir no item da educao extra-escolar toda a gama de agentes peda-ggicos que atuam no mbito da vida privada e social: pais, parentes, traba-lhadores voluntrios em partidos polticos, sindicatos, associaes, centrosde lazer etc.

    Obviamente, no cabe imaginar que um curso de Pedagogia venha aincluir a formao de todos os profissionais mencionados. Por exemplo, vri-as categorias de profissionais do segundo grupo so pedagogos apenas em

    sentido amplo (podemos dizer que realizam uma atividade de cunho pedag-gico). Em todo caso, poderamos prever para esses formadores ocasionaisformas tambm ocasionais de suprimento de capacitao profissional, taiscomo cursos de aperfeioamento ou atualizao dentro, talvez, de atividadesde extenso universitria. O mesmo pode ser dito em relao formao deagentes pedaggicos que atuam na vida privada e social (cursos para pais,cursos de costura, culinria, lnguas etc.).

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    A formao dos pedagogos

    Tudo o que vimos dizendo at aqui nos leva a afirmar que os legtimosprofissionais da educao so pedagogos, uns especialistas outros docentes.Esses profissionais da educao devem ser formados, predominantemente,nas atuais Faculdades de Educao, que oferecero curso de Pedagogia paraatividades escolares e extra-escolares, cursos de formao de professores paratoda a Educao Bsica, programa especial de formao pedaggica e pro-gramas de educao continuada.

    O curso de Pedagogia ser destinado formao de profissionais inte-

    ressados em estudos do campo terico-investigativo da educao e no exerc-cio tcnico-profissional, como pedagogos no sistema de ensino, nas escolas eem outras instituies educacionais, inclusive as no-escolares.

    Os cursos de formao de professores e os programas mencionados,abrangendo todos os nveis da Educao Bsica, sero realizados num Centrode Formao, Pesquisa e Desenvolvimento Profissional de Professores CFPD, que integrar a estrutura organizacional das Faculdades de Educaoe se destinar formao de professores para a Educao Bsica, da Educa-o Infantil ao Ensino Mdio.

    O curso de Pedagogia e a formao de pedagogos.

    O termopedagogia se aplica ao campo terico-investigativo da educa-o (em conexo com as demais cincias da educao) e ao campo tcnico-profissional de formao do profissional no diretamente docente e, o depedagogo, ao profissional formado nesse curso. dissolvida, assim, a de-signaopedagogia para identificar o curso de formao de professores paraas sries iniciais do ensino fundamental, postulando a regulamentao do curso

    de Pedagogia destinado a oferecer formao terica, cientfica e tcnica parainteressados em aprofundamento na teoria pedaggica, na pesquisa pedag-gica e no exerccio de atividades pedaggicas especficas planejamento depolticas educacionais, gesto do sistema de ensino e das escolas.

    Proponho que os profissionais da educao formados pelo curso de Pe-dagogia venham a atuar em vrios campos sociais da educao, decorrentesde novas necessidades e demandas sociais a serem regulados profissional-mente. Tais campos so: as escolas e os sistemas escolares; os movimentossociais; as diversas mdias, incluindo o campo editorial; a reas da sade; asempresas; os sindicatos e outros que se fizerem necessrios. Em todos esses

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    campos de exerccio profissional, desenvolver funes de formulao e ges-to de polticas educacionais; organizao e gesto de sistemas de ensino e deescolas; planejamento, coordenao, execuo e avaliao de programas e

    projetos educacionais, relativos s diferentes faixas etrias (criana, jovens,adultos, terceira idade); formao de professores; assistncia pedaggico-di-dtica a professores e alunos; avaliao educacional; pedagogia empresarial;animao cultural; produo e comunicao nas mdias; produo e difusodo conhecimento cientfico e tecnolgico do campo educacional e outros cam-pos de atividade educacional, inclusive os no-escolares.

    Portanto, a formao dos profissionais da educao deve contemplar apreparao daqueles profissionais da rea educacional demandados pela so-ciedade brasileira, em sua configurao atual, para atuarem na organizao e

    na gesto de todos os segmentos do sistema nacional de ensino. Com igualinsistncia, tambm necessria a formao de estudiosos que se dediquem construo do conhecimento cientfico na rea, uma vez que a educao tam-bm considerada como um campo terico-investigativo e que a produodesse conhecimento requisito fundante de toda formao tcnica e docente.Assim, a formao do profissional da educao vista sob uma trplice pers-pectiva: visa formar um profissional que possa atuar como docente(atual li-cenciado), como especialista (detentor das atuais habilitaes) e como pes-quisador (o atual bacharel, como essa modalidade tem sido mantida).

    destacada, nesse quadro, a formao de profissionais da educaopara atuar em contextos no-escolares. acentuada a conscincia atual daimportncia e da necessidade da interveno participante e eficaz desses pro-fissionais no mbito das prticas socioculturais desenvolvidas, tendo em vis-ta que processos pedaggicos informais esto sempre implcitos nas prticas,efetivadas no plano coletivo e comunitrio. Assim, desde as iniciativas deprogramas de educao popular, dirigidos aos mais heterogneos segmentosda populao no formalmente escolarizada, at as propostas de interveno

    pedaggica nas atividades de cunho cultural, desenvolvidas pelos novos esofisticados meios de comunicao de massa, passando pela necessria lide-rana nos diversos movimentos sociais, a presena e a participao de profis-sionais da educao se fazem relevantes e imprescindveis. At hoje, a prepa-rao formal e sistematizada de agentes e lideranas culturais que se especi-alizassem no exerccio de funes pedaggicas nesses ambientes no-escola-res no recebeu a devida ateno, levando em conta sua importncia comomediadores da educabilidade, necessria e capilarmente presente mesmo noprocesso informal de consolidao de uma cultura que seja articulada com

    uma proposta de construo da cidadania. Assim, reivindicada, com toda a

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    legitimidade, a presena atuante de profissionais dotados de capacitao pe-daggica para atuarem nas mais diversas instituies e ambientes da comuni-dade: nos movimentos sociais, nos meios de comunicao de massa, nas em-

    presas, nos hospitais, nos presdios, nos projetos culturais e nos programascomunitrios de melhoria da qualidade de vida. Essa participao pedaggicatambm exige preparao prvia, sistemtica e qualificada.

    O Centro de Formao de Professores nas Faculdades de Educao

    O Centro de Formao, Pesquisa e Desenvolvimento Profissional deProfessores ter quatro objetivos: a) formao e preparao profissional deprofessores para atuarem na Educao Bsica: Educao Infantil, Ensino Fun-damental (1.a a 8.a sries) e Ensino Mdio; b) desenvolver, em colaboraocom outras instituies (Estado, Sindicatos etc.), a formao contnua e odesenvolvimento profissional dos professores; c) realizar pesquisas na reade formao e desenvolvimento profissional de professores; d) preparaoprofissional de professores que atuam no Ensino Superior. Esses objetivosconfiguram um projeto pedaggico prprio para a formao e o desenvolvi-mento profissional de professores.

    A insero na estrutura das Faculdades de Educao do CFPD pretendeser uma virada de rumo na formao de professores. preciso uma mudana

    radical nas formas institucionais e curriculares de formao de professores,superando o atual esquema do bacharelado e da licenciatura, que no respon-dem mais s necessidades prementes de qualificao profissional para umtempo novo. Centrar a formao de professores numa instituio modelarcomo as Faculdades de Educao e atribuir-lhe a responsabilidade deconcatenar, no mbito das universidades, as polticas e planos de formao deprofessores em estreita articulao com os institutos, faculdades ou departa-mentos das reas especficas pode ser a garantia no apenas de melhoria daqualidade da formao, mas de assegurar a profissionalidade do professora-

    do, de modo a que se configure sua identidade e estatuto profissional.A institucionalizao do CFPD possibilita a incorporao dos princpi-os que os educadores construram ao longo dos ltimos anos em seus movi-mentos, encontros, pesquisas e debates , tais como:

    a) instituio de uma escola especfica para a formao de professores,voltada para a profissionalidade docente, o desenvolvimento profis-sional e construo da identidade de professor;

    b) reconhecimento de que a identidade profissional do professor se cons-titui da dimenso epistemolgica e profissional. A epistemolgica

    compreende a docncia como confluncia de quatro campos de co-

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    nhecimentos especficos (contedos das diversas reas do saber e doensino, contedos pedaggico-didticos, contedos de saberes peda-ggicos mais amplos, contedos relacionados com o sentido da exis-

    tncia humana). A profissional compreende um campo especfico deinterveno profissional na prtica social;c) indissociabilidade entre teoria e prtica, entendendo que o curso de

    formao e as escolas so espaos de formao terica e prtica, ob-servando um regime pelo qual os estudantes alternam perodos depermanncia nas escolas e na universidade;

    d) compreenso da pesquisa como componente essencial da/na forma-o, de modo que a pesquisa da prtica se constitua como princpioformativo e princpio cognitivo, alm de objeto de reflexo/forma-o;

    e) permanncia dos graduandos nas escolas, em atividades de estgio,com a finalidade de promover a observao, experimentos e anlisesdas situaes de ensino e aprendizagem, o desenvolvimento de ativi-dades que propiciem a reflexo, a discusso terica e a elaborao dehipteses, o exerccio da docncia;

    f) instituio de formas de trabalho coletivo e interdisciplinar;g) viso de totalidade do processo escolar/educacional, compromisso

    social e tico (trabalho docente como profisso pblica).

    Os desafios contemporneos da Pedagogia: inquietaes e buscas

    A discusso sobre a Pedagogia, a formao do pedagogo, da mesma for-

    ma que os cursos de formao de professores para o ensino fundamental e m-dio, persiste em impasse. Como eu dizia no inicio, a Pedagogia, no Brasil, viveum grande paradoxo: enquanto verificada uma intensa pedagogizao da so-ciedade com o impacto das inovaes tecnolgicas, da informtica, dos meiosde comunicao, da difuso cultural e cientfica e da propaganda; no meio edu-cacional, ela se encontra no descrdito, assim como a atividade docente.

    Conforme mencionado anteriormente, a Pedagogia como campo cient-fico foi perdendo prestgio e espao acadmico com o movimento da educa-o nova a partir dos anos 20 e, mais tarde, com o tecnicismo educacional,

    depois com a onda crtico-reprodutivista dos anos 70-80. Mais recentemente,

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    a carga de contestao vem do chamado pensamento ps-moderno, uma vezque a Pedagogia se constituiu dentro do mundo moderno e representa aindao iderio iluminista. nosso entendimento que, de fato, a condio ps-mo-

    derna pe educao desafios bastante concretos. Ao mesmo tempo, pensa-mos que a Pedagogia, herdeira dos ideais da modernidade, precisa continuarpostulando seus ideais numa perspectiva crtica, todavia no interior das con-dies de existncia do mundo ps-moderno e no em oposio a elas(GIROUX, 1993).

    Nessa perspectiva, quais so os desafios e buscas postos presentemente Pedagogia? Destaco, em seguida, alguns pontos que precisam se constituirem projetos de investigao:

    1) Reafirmar a educao como capacitao para a autodeterminaoracional, pela formao da razo crtica.

    A Pedagogia precisa reafirmar seu compromisso com a razo, com abusca da emancipao, da autonomia, da liberdade intelectual e poltica. Opensamento ps-moderno critica a possibilidade dessa busca de autonomiano mundo contemporneo. H restries autonomia do sujeito face s rela-es de poder, vigilncia das aes individuais, burocratizao, racionalidade instrumental, subjugao da subjetividade. Todavia, uma Pe-

    dagogia para a emancipao precisa continuar apostando na possibilidade dedesenvolvimento de uma razo crtica precisamente como condio para des-velar as restries autonomia no contexto do mundo moderno.

    A essa idia de sujeito que pode se autodeterminar, necessrio susten-tar a exigncia de uma cultura geral para todos. Ou seja, racionalidade, auto-determinao e liberdade intelectual e poltica no procedem do sujeito indi-vidual, mas so objetivaes de uma atividade cultural humana prvia, ex-pressa em conhecimentos, modos de ao e numa prtica educativa vlidapara todos os homens. Vem da a fora do termo educao geral ou formao

    geral para todos. Em sntese: diz respeito a de uma educao para todos, paradesenvolvimento da capacidade de autodeterminao, com base nasobjetivaes histricas da humanidade e das possibilidades de progresso.

    2) Redefinir o conceito de qualidade democrtica numa pedagogiaemancipatria

    Na tica neoliberal, qualidade da educao tem significado o provimen-to das condies para que os indivduos sejam preparados para o enfrentamento

    da competitividade internacional. Para isso, h o investimento nos processos

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    de gesto do sistema e das escolas atravs de novos padres de gerenciamento(novas prticas administrativas, uso da informtica, aferio de resultados daaprendizagem, compatibilidade entre o processo de trabalho na escola e os

    novos padres de produo e consumo (mercado), autonomia das unidadesescolares etc.).Na busca da qualidade democrtica, o paradigma economicista-empre-

    sarial resolve pouco. A escola no uma empresa, o aluno no um cliente enem meramente um consumidor. A qualidade um conceito implcito aosprocessos formativos e ao ensino, implica educao geral onilateral, voltadapara a cidadania, para a formao de valores, para a valorizao da vida hu-mana em toda as suas dimenses. Isso no leva a educao escolar a se eximirdo seu contexto poltico e econmico, nem sequer de suas responsabilidadesde preparao para o trabalho, mas, tambm, no pode estar subordinada e aservio exclusivo do modelo econmico.

    Educao de qualidade aquela em que a escola promovepara todos odomnio de conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades cognitivas eafetivas necessrios ao atendimento de necessidades individuais e sociais dosalunos, insero no mundo do trabalho, constituio da cidadania (inclu-sive como poder de participao), tendo em vista a construo de uma socie-dade mais justa e igualitria. A articulao da escola com o mundo do traba-

    lho se torna a possibilidade de realizao da cidadania, por meio dainternalizao de conhecimentos, habilidades tcnicas, novas formas de soli-dariedade social, vinculao entre trabalho pedaggico e lutas sociais pelademocratizao da sociedade.

    Para isso, preciso que os sistemas de ensino e as escolas prestem maisateno qualidade cognitiva das aprendizagens, colocando essa exignciacomo foco central da gesto escolar e do projeto pedaggico. No adiantadefender a gesto democrtica das escolas, eleies para diretor, aquisio denovas tecnologias etc. se os alunos continuam sendo reprovados, tendo um

    baixssimo rendimento escolar ou nveis insatisfatrios de aprendizagem. Seo aluno no aprendeu bem, se as crianas continuam repetindo, a escola novem servindo para nada. A democratizao da sociedade e a insero dosalunos no mundo da produo supem um ensino fundamental como necessi-dade imperativa de proporcionar s crianas e jovens os meios cognitivos eoperacionais que atendam tanto s necessidades pessoais como s econmi-cas e sociais.

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    3) Articular a vida da escola com o mundo social, mundo informacionale mundo comunicacional, tornando a escola um espao de sntese

    No mundo das novas tecnologias da comunicao e informao, a esco-la continua cumprindo funes que no so providas por nenhuma outra ins-tncia. Como j disse algum, o que est errado com a educao no poss-vel ser corrigido pela tecnologia. Alm de suas funes de provimento daformao geral, capacidade de ler, escrever e formao cientifica bsica eesttica, preciso pensar a escola se convertendo num espao de sntese,configurando-se como espao de espaos (Cf. COLOM CAELLAS, 1994).

    Quero propor uma escola como lugar de sntese entre a culturaexperienciada, que acontece numa cidade, nos meios de comunicao e mui-tos outros aportes culturais, e a cultura formal. Em parte, a escola de hoje j um espao de sntese, mesmo que muitos professores mal se dem conta dis-so. Em muitos lugares e escolas, o impacto de uma sociedade culturalizadapela informao das multimdias, especialmente a TV, j fortemente senti-do. visvel a presena das NTCI nas residncias e nos afazeres cotidianos,como tambm a multiplicao de instituies cvicas e sociais, polticas eculturais, que pem em prtica planos e programas de cultura participativaem nvel comunitrio, nos quais as ruas e praas, museus, teatros etc. vosendo utilizados para desenvolver estratgias de interveno educativa e ob-ter uma culturalizao ativa, no determinada, livre, experienciada, que tam-bm aporta toda uma srie de valores muito positivos.

    Ver a escola como espao de sntese consider-la como lugar onde osalunos aprendem a razo crtica para poderem atribuir significados s mensa-gens e informaes recebidas das mdias e formas de interveno educativaurbana. A escola deve ir se tornando uma estrutura possibilitadora de atribuiode significados informao, propiciando aos alunos os meios de busc-la,analis-la, para lhe darem significado pessoal.Vrias pesquisas tm mostrado afragmentao dos programas de TV e propaganda que propiciam uma culturaem mosaico. escola que cabe prover as condies cognitivas e afetivas parao aluno poder reordenar e reestruturar essa cultura (COLOM CAELLAS, 1994),atravs de mediaes relacionais e cognitivas em que se destaca o lugar doprofessor. O valor da aprendizagem escolar est, precisamente, em introduziros alunos nos significados da cultura e da cincia, atravs de mediaes cognitivase inter-relacionais que supem a relao docente.

    Convm destacar tambm que a escola ainda a chance de acesso aomundo do conhecimento, para fazer frente ao mundo da informao. Infor-mao e conhecimento so termos que andam juntos, mas no se eqivalem.O avano tecnolgico criou as novas tecnologias da comunicao e da in-formao, provocando uma reviravolta nos modos mais convencionais de

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    educar e ensinar. Entretanto, a informao um caminho de acesso ao conhe-cimento, um instrumento de aquisio de conhecimento, mas, por si s, nopropicia o saber. Ela precisa ser analisada, interpretada, retrabalhada, e isso

    tarefa do trabalho com o conhecimento. a apropriao do conhecimento,dos conceitos, das categorias que possibilita a leitura crtica da informao,caminho para a liberdade intelectual e poltica.

    4) Repensar os processos de ensino e aprendizagem na sociedade doconhecimento e da informao

    H uma efetiva transformao na concepo de conhecimento , em decor-rncia da crise de paradigmas das cincias, das inovaes tecnolgicas ecomunicacionais. Para essa nova racionalidade, preciso reavaliar a investi-gao sobre ensino e aprendizagem. Ante o paradigma tecnicista do aprendera fazer, aprender a usar (conhecimento como operacionalizao) e aprender acomunicar, necessrio de fortalecer a investigao sobre os processoscognitivos, em que seja destacado o movimento do ensinar a pensar. Das es-colas e dos professores, est sendo requerida a ajuda aos alunos no desenvol-vimento da qualidade do pensar, de habilidades e estratgias de pensamentoautnomo, crtico e criativo.

    5) Repensar os processos de gesto da escola, construir coletivamentea autonomia da escola e o projeto pedaggico

    A autonomia da escola o contraponto da centralizao da gesto dosistema escolar, que retira das escolas, dos professores, pais e especialistas opoder de iniciativa e deciso. Implica uma organizao escolar que supera aviso verticalizada do sistema de ensino, de modo que as escolas possamtraar seu prprio caminho. Essa a idia de suporte do projeto pedaggico.

    A autonomia das escolas depende de uma reconfigurao das prticasde gesto e dos processos de tomada de decises. As formas de administra-o esto, ainda, carregadas de prticas autoritrias, centralizadoras. Mas, aoserem criticadas essas prticas, foi perdido o entendimento de que a gestoimplicava modos de fazer e agir e no apenas aes polticas. Ou seja, foiperdido o equilbrio entre o lado poltico e o lado tcnico das prticas degesto. A participao de todos os membros da escola nos processos decisriosno exclui a necessidade de planejar, de administrar, de coordenar o trabalhodas pessoas, de fazer o acompanhamento e a avaliao sistemtica do traba-lho escolar. Autonomia e participao no podem servir para deixar as esco-las ao abandono, funcionando s cegas. Por essa razo, fundamental que ainvestigao pedaggica se dedique a estudos sobre o tema da gesto dasescolas.

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    6) Formao e profissionalizao dos professores

    A atividade essencial de uma escola assegurar a relao cognitiva doaluno com a matria, ou seja, a aprendizagem dos alunos, com a ajuda peda-ggica do professor. O professor o mediador desse encontro do aluno comos objetos de conhecimento. O professor introduz os alunos no mundo dacincia, da linguagem, para ajudar o aluno a desenvolver seu pensamento,suas habilidades, suas atitudes. Sem professor competente no domnio dasmatrias que ensina, nos mtodos, nos procedimentos de ensino, no poss-vel a existncia de aprendizagens duradouras. Se preciso que o aluno domi-ne solidamente os contedos, o professor precisa ter, ele prprio, esse dom-nio. Se os alunos precisam desenvolver o hbito do raciocnio cientfico, quetenham autonomia de pensamento, o mesmo se requer do professor. Se quere-mos alunos capazes de fazer uma leitura crtica da realidade, o mesmo seexige do professor. Se quisermos lutar pela qualidade da oferta dos serviosescolares e pela qualidade dos resultados do ensino, preciso investir mais napesquisa sobre formao de professores.

    7) Assegurar uma vinculao mais estreita da Pedagogia com a tica

    certo que as prticas educativas no suportam mais certezasabsolutizadas, mas impossvel Pedagogia ceder ao relativismo tico. No

    mbito da atividade pedaggica, marcos tericos e morais so cruciais, pois,a todo momento, so requeridas opes sobre o destino humano, tipo de su-jeitos a formar, o futuro da sociedade humana. A Pedagogia, do mesmo modoque outras cincias prticas como a tica e a Poltica, realiza atividades en-volvendo relaes entre pessoas e grupos sociais, de modo que carrega consi-go uma intencionalidade voltada para finalidades formativas, implicando umcomprometimento moral de seus agentes. Se verdade que os caminhos daformao humana so hoje mais espinhosos, entre outras razes porque nodispomos de tantas certezas como em outros tempos, por outro lado, no h

    motivos slidos para renunciar necessidade de formar sujeitos racionaismediante a valorizao da razo crtica, o resgate do sentido da busca da au-tonomia e a afirmao de uma cincia no absolutizada conectada ao contex-to social e cultural.

    8) Um reforo da formao terica dos pedagogos, num Curso de Pe-dagogia

    O mundo contemporneo no apenas se apresenta como sociedade pe-daggica como pede aes pedaggicas mais definidas, implicando umacapacitao terica e profissional de pedagogos e professores muito alm

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    daquela que apresentam hoje. Diferentemente de filsofos, socilogos, histo-riadores da educao (que hoje, alis, so maioria nas faculdades de educa-o), pedagogos e professores exercem uma atividade genuinamente prtica,

    implicando capacidade de deciso, conhecimentos operativos e compromis-sos ticos. A insero do pedagogo na condio ps-moderna os obriga a umaabertura cientfica e tecnolgica, de modo a desenvolver uma prticainvestigativa e profissional interdisciplinar. Precisamente porque a Pedago-gia envolve trabalho com uma realidade complexa, necessrio que invistana explicitao da natureza do seu objeto, no refinamento de seus instrumen-tos de investigao, na incorporao dos desenvolvimentos cientficos etecnolgicos e que se insira na gama de prticas e movimentos sociais decunho intercultural e transnacional, referentes luta pela justia, pela solida-

    riedade, pela paz e pela vida.Para o enfrentamento de exigncias colocadas pelo mundo contempo-rneo, so requeridos dos educadores novos objetivos, novas habilidadescognitivas, mais capacidade de pensamento abstrato e flexibilidade de racio-cnio, capacidade de percepo de mudanas. Portanto, clara a necessidadede formao geral e profissional implicando o repensar dos processos de apren-dizagem e das formas do aprender a aprender, a familiarizao com os meiosde comunicao e o domnio da linguagem informacional, o desenvolvimen-to de competncias comunicativas e capacidades criativas para anlise de si-

    tuaes novas e cambiantes.9) A afirmao da especificidade do campo terico-prtico da Pedagogia

    A sntese interdisciplinar, mencionada anteriormente, apenas um pas-so prvio para definir o que prprio da Pedagogia, ou seja, investigao darealidade educativa, visando, mediante conhecimentos cientficos, filosfi-cos e tcnico-profissionais, a explicitao de objetivos e formas de interven-o metodolgica e organizativa relacionados com a transmisso/assimilaoativa de saberes. Est ressaltada a a intencionalidade educativa prpria detoda prtica social, pois a Pedagogia envolve interveno humana e, portanto,um comprometimento moral de quem a realiza. mediante esse carter ti-co-normativo que ela pode formular princpios e diretrizes que do coerncia contribuio das cincias da educao quando estas colocam a ao educativacomo referncia para suas investigaes. Esse papel no pode ser atribudo aqualquer uma das cincias da educao indiscriminadamente, embora todaspossam dar sua contribuio no limite de suas peculiaridades. Alm disso, aintencionalidade da prtica educativa tem implicaes diretas no posiciona-mento crtico do educador, que representa o elo fundamental no processo deformao cultural e cientfica das novas geraes.

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    O esclarecimento cada vez mais buscado do campo prprio da Pedago-gia requerido, tambm, por causa da amplitude e complexidade que voassumindo as prticas educativas na sociedade globalizada, pelo que vo sur-

    gindo outras instncias e agentes do processo educativo. Com isso, vo seabrindo campos de atuao profissional do pedagogo, nos mbitos escolar eextra-escolar, antes impensveis.

    Portanto, essencialmente necessria a reconstruo da Pedagogia e aampliao do campo de ao profissional do pedagogo (especialista em edu-cao), paralelamente a um expressivo esforo de organizao de um sistemanacional de formao inicial e continuada de professores para o Ensino Fun-damental e Mdio, tal como vem sendo pensado em pases europeus e algunslatino-americanos. O desenvolvimento da cincia pedaggica e a reflexo te-

    rica sobre a problemtica educativa na sua multidimensionalidade, entre-tanto, seria o pressuposto para a reconfigurao da identidade profissionaldos professores, para alm de sua especializao na cincia/matria de ensinoem que deve ser formado. H, assim, evidncias de que a Pedagogia, junta-mente com o curso de formao profissional que lhe corresponde, no s noesgotou suas possibilidades de investigao terica como tem pela frente gran-des tarefas sociopolticas.

    CONCLUSO

    Minhas consideraes procuraram mostrar que a Pedagogia, tal como aentendo, passa por muitas inquietaes. Eu penso que estamos numa encruzi-lhada. Ou deixamos tudo como est ou aproveitamos a oportunidade de im-plantao da nova LDB para dar um salto de qualidade na formao profissi-

    onal dos educadores. Estamos frente a novas realidades sociais desafiadoras.A sociedade contempornea, ao mesmo tempo que se globaliza, que cria no-vos patamares de progresso material, amplia tambm a excluso social. Nos-so desafio uma escola includente. Mas tambm uma escola atual, ligada nomundo econmico, poltico, cultural. A luta contra a excluso social e poruma sociedade justa, uma sociedade que inclua todos, passa fundamental-mente pela escola, passa pelo nosso trabalho de professores.

    Para isso, so necessrios pedagogos. Pedagogos para vrios camposeducacionais. Mas principalmente pedagogos escolares, com competncia paracoordenar e fazer funcionar uma escola interdisciplinar, coletiva, propondo e

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    gerindo o projeto pedaggico, articulando o trabalho de vrios profissionais,liderando a inovao. Um pedagogo escolar que saiba fazer essa produo dateoria e da prtica atravs da prpria ao pedaggica. Um pedagogo que

    torne a organizao escolar um ambiente de aprendizagem, um espao deformao contnua, no qual os professores refletem, pensam, analisam, criamnovas prticas, como pensadores e no como meros executores de decisesburocrticas.

    Tambm precisamos imensamente de professores bem preparados, eti-camente comprometidos, que tenham um envolvimento no projeto da escolae na execuo e avaliao desse projeto. Isso depende, em boa parte, de umarecuperao da significao social da atividade do professor, ou seja, daidentidade profissional do professor. O nosso dia de trabalho como professo-

    res ser um sofrimento, um tormento, uma frustrao se ns perdermos, paraa sociedade e para ns mesmos, o significado do nosso trabalho, nosso papelsocial, nossa identidade. Se o professor perder o significado do seu trabalho,ele perde a identidade da sua profisso e, perdendo isso, ele perde um pedaoimportante da sua existncia, que o trabalho cotidiano e, mais que isso, asua dignidade de pessoa.

    Considero que um passo positivo para o desenvolvimento profissional ea conquista da identidade profissional a assuno da gesto do cotidiano daescola por professores e pedagogos, ligando o projeto pedaggico, o sistemade gesto, o processo de ensino e aprendizagem e a avaliao. Com isso, tere-mos uma organizao preocupada com a formao continuada, com a discus-so conjunta dos problemas da escola, discusso que de naturezaorganizacional, mas principalmente pedaggica, psicopedaggica e didtica.

    No vamos esmorecer. O capitalismo no morreu, continua sendo umsistema econmico que mantm privilgios, desigualdades, que aumenta osexcludos. Ao menos na nossa parte, no vamos permitir que, nas nossas mos,crianas e jovens sejam excludos. Para isso, preciso nos concretizarmos da

    importncia de dar mais qualidade ao nosso trabalho, de estudar mais e per-manentemente, de garantir uma slida aprendizagem dos conhecimentos portodos os nossos alunos.

    Ser professor, ser professora um privilgio. cuidar da humanizaoe da dignidade das pessoas. Vamos lutar por melhores salrios, melhorescondies de trabalho, bibliotecas, prdios mais bonitos e mais adequados.Mas, juntamente com isso, vamos assumir nossa misso pedaggica, vamosinvestir no nosso ambiente de trabalho, vamos transformar nossas escolas emespaos de aprendizagem, de formao continuada, aprendendo, dentro da

    escola, as novas exigncias da nossa profisso.

  • 8/2/2019 Pedagogia e Pedagogos

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