sobre prÁticas pedagÓgicas de ensino e avaliaÇÃo em escolas cicladas - o que dizem os pedagogos

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SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO EM ESCOLAS CICLADAS: O QUE DIZEM OS PEDAGOGOS Deize Vicente da Silva Arosa [email protected] – UNIRIO - SEMED Queimados Este trabalho busca apresentar algumas representações acerca do processo pedagógico realizado em instituições de ensino, a partir das narrativas de pedagogos que realizam a articulação administrativo-pedagógica entre o órgão gestor dos sistemas educacionais e as equipes escolares. Para tanto, coloca-se como necessário discorrer sobre a que sujeitos e que representações estamos nos referindo, bem como o que aqui se focaliza como fatores relacionados à qualidade pedagógica. As narrativas dizem respeito ao acompanhamento do processo educativo de escolas públicas em redes de ensino de municípios do Rio de Janeiro. A escolha dos sujeitos que colaboraram diretamente com seu depoimento, baseou-se no que Foucault considera como característica do intelectual que tem um papel específico de empenho e enfrentamento de questões relacionadas ao “dispositivo de verdade [...] Ele funciona ou luta [...] “pela verdade” ou, ao menos “em torno da verdade” 1 [...] em torno do estatuto da verdade e do papel econômico-político que ela desempenha”. (FOUCAULT, 1989, p. 13). As questões abordadas na entrevista e no 1 Entendendo-se por verdade “um conjunto procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados.” (FOUCAULT, 1989, p.14). 1

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Page 1: SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO EM ESCOLAS CICLADAS - O QUE DIZEM OS PEDAGOGOS

SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO EM

ESCOLAS CICLADAS: O QUE DIZEM OS PEDAGOGOS

Deize Vicente da Silva Arosa

[email protected] – UNIRIO - SEMED Queimados

Este trabalho busca apresentar algumas representações acerca do processo

pedagógico realizado em instituições de ensino, a partir das narrativas de pedagogos que

realizam a articulação administrativo-pedagógica entre o órgão gestor dos sistemas

educacionais e as equipes escolares. Para tanto, coloca-se como necessário discorrer

sobre a que sujeitos e que representações estamos nos referindo, bem como o que aqui

se focaliza como fatores relacionados à qualidade pedagógica.

As narrativas dizem respeito ao acompanhamento do processo educativo de

escolas públicas em redes de ensino de municípios do Rio de Janeiro. A escolha dos

sujeitos que colaboraram diretamente com seu depoimento, baseou-se no que Foucault

considera como característica do intelectual que tem um papel específico de empenho e

enfrentamento de questões relacionadas ao “dispositivo de verdade [...] Ele funciona ou

luta [...] “pela verdade” ou, ao menos “em torno da verdade”1 [...] em torno do estatuto

da verdade e do papel econômico-político que ela desempenha”. (FOUCAULT, 1989, p.

13). As questões abordadas na entrevista e no questionário foram as seguintes: a) o que

considera como um processo pedagógico de qualidade; b) como compreende o lugar

que ocupa na articulação administrativo-pedagógica entre a gestão central e as equipes

escolares, pressupondo ser o elo de ligação, "voz", interpretação e interlocução entre

essas instâncias, no que se refere às práticas pedagógicas; c) o que considera como

práticas de ensino e de avaliação que indicam sucesso no processo educativo; d) o que

considera como práticas de ensino e de avaliação que indicam fracasso no processo

educativo; e) se pensa haver articulação entre estes dois fazeres: práticas de ensino e

práticas avaliativas.

Os educadores atuam no acompanhamento do processo educacional em escolas,

a eles designadas, pela Secretaria Municipal de Educação. Foram escolhidos como

campo de investigação os municípios de Niterói e Duque de Caxias, por terem sistemas

de ensino que possuem, ao menos, os três primeiros anos do Ensino Fundamental sob

1 Entendendo-se por verdade “um conjunto procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados.” (FOUCAULT, 1989, p.14).

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Page 2: SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO EM ESCOLAS CICLADAS - O QUE DIZEM OS PEDAGOGOS

regime ciclado. Quanto à organização geral dos nove anos referentes ao Ensino

Fundamental, Niterói tem sua organização constituída por quatro ciclos e Duque de

Caxias possui um ciclo composto pelos três primeiros anos de escolaridade sendo

seguido de seriação até o nono ano.

Este texto parte do pressuposto de que o conhecimento de algumas

representações2 de pedagogos inseridos em um contexto relacional de acompanhamento,

diagnose, orientação e avaliação dos fazeres das Unidades Escolares, podem significar

um subsídio para melhor compreensão tanto dos significados atribuídos quanto das

articulações entre as práticas consideradas como favorecedoras da qualidade pedagógica

em escolas cicladas. Representações são aqui consideradas como uma forma de

conhecimento, que indicam o processo de elaboração e apropriação da realidade, sendo

construídas e partilhadas socialmente. De acordo com Mello, a importância das

representações no cotidiano se revela no modo de interpretar os diferentes aspectos da

realidade diária, “tomar decisões e posicionar-se frente a eles”. (MELLO, 2007, p. 43).

Segundo Jodelet (2005), as representações sociais constituem-se como

conhecimento que expressam a compreensão do contexto social, material e ideativo, das

funções dessas representações e suas formas comunicativas. Estão vinculadas a suportes

que podem se apresentar na forma dos discursos, das práticas sociais, bem como de

documentos instituintes desses discursos, comportamentos e práticas. Para apreender

seu sentido, as articulações que lhe dão sustentação nas relações de um determinado

contexto social precisam ser consideradas.

A teoria das Representações Sociais nasce do olhar psicossocial de Moscovici

(2005). Para ele, os conhecimentos concebidos no dia-a-dia que têm como função a

comunicação, o estabelecimento de relações e sentidos, configuram as representações

sociais que se referenciam em modos particulares de compreender e comunicar.

Educação da criança e regimes de verdade

Pode-se encontrar em variados momentos da história, em sociedades diversas,

concepções bastante diferenciadas sobre o que vem a ser a infância. A partir do século

XIX algumas teorias, sobretudo no âmbito da filosofia e da psicologia, apresentaram

idéias sobre a infância e os processos relativos à vida das crianças, que fundamentaram

muitos dos saberes e fazeres contemporâneos vinculados às práticas educacional,

2 Representações que são tomadas pelo órgão gestor do sistema de ensino como interpretação das realidades das Unidades Escolares.

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Page 3: SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO EM ESCOLAS CICLADAS - O QUE DIZEM OS PEDAGOGOS

psicológica, de saúde, moral, ética, política, legal, religiosa, etc. No Brasil,

considerando-se, em especial, as experiências na educação pública a partir da década de

90, as produções acadêmicas sobre a infância, os discursos legais e de setores

organizados da sociedade, entre outros3, têm produzido e também se apresentado como

elementos de produção sobre o que é ser “criança”, atuando como referencial na

elaboração dos projetos pedagógicos.

Diante de uma complexa rede de sentidos e concepções sobre a infância, é de se

esperar que as proposições educativas sejam diversas e por vezes antagônicas, sobretudo

ao expressarem o modo de conceber o sujeito, a sociedade e o conhecimento. Ter em

conta que esses diferenciados campos teóricos estabelecidos4 possibilitam múltiplas

leituras e compreensões sobre os fundamentos da prática pedagógica, torna evidente a

necessidade de se refletir sobre as maneiras como os regimes de verdade5 se

estabelecem nos contextos de atuação pedagógica. E constatar que nos dias atuais que a

educação da criança, supostamente, necessita de um grupo de especialistas que atuem na

regulação da produção e funcionamento das práticas pedagógicas é ratificar que a noção

de infância se articula dentro de uma política de verdades, amparada pela autoridade do

saber de seus porta-vozes.

Isto põe em destaque o papel fundamental da linguagem na atribuição dos

sentidos dados à realidade. E entendendo que esses sentidos não são permanentes, mas

estão em constante mudança pelos conhecimentos que se dão cotidianamente, vê-se que

a linguagem é mediadora nesse processo, pois é através dela que algo é descrito,

explicado, tomado como realidade. Desse modo, a linguagem tem uma forte implicação

na produção e instituição das práticas e identidades. Como afirma Bujes (2003), é

necessária uma reflexão sobre os regimes de verdade que se estabeleceram, os discursos

que são hegemonicamente aceitos e os modos cotidianos e naturalizados de se referir a

3 Bujes (2003, p. 2) considera o poder de outras narrativas que se configuram como constitutivas dos modos de pensar a infância. Cita os discursos religioso, médico, legal e destaca que eles competem entre si pela formulação de um sentido que se torne hegemônico.4 Podemos citar como alguns dos discursos que abordam a infância e que têm sido bastante influentes na pedagogia, os pensamentos pedagógicos proveniente das teorias elaboradas por Rousseau, Freinet, Montessori; a epistemologia genética de Piaget e de Wallon; a abordagem sócio-interacionista de Vygotsky; a pedagogia dos centros de interesse de Decroly; as propostas pedagógicas da “Escola Nova”; o construtivismo de Emília Ferreiro; as proposições contidas nos Referenciais Curriculares e Parâmetros Curriculares Nacionais.5 Foucault considera que “cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.” (FOUCAULT, 1989, p.12).

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determinados objetos, procurando problematizar a linguagem (sobre a concepção de

criança e de conhecimento, os projetos curriculares, as práticas pedagógicas, as relações

entre ensino/ aprendizagem, etc.), buscando uma compreensão dos modos e sentidos

que ganharam estatuto de verdade.

Escolas cicladas e práticas pedagógicas

A idéia de que os alunos não sejam sempre retidos de um ano para o outro e

tenham mais tempo para aprender não é original do Brasil, nem nova. A idéia básica de

ciclos perpassa a história da educação no país e pode ser encontrada desde as primeiras

regulamentações da estrutura escolar brasileira. Respaldados pela legislação atual6, que

oportuniza uma diversidade de organização no ensino, alguns sistemas públicos

implementaram diferenciadas experiências de desseriação, entre elas a adoção de ciclos

(de formação e de aprendizagem), como propostas que buscam outra alternativa para a

organização escolar.

Sabendo-se ser a escola uma construção histórica, que atende a fins sociais

específicos, é provável que não encontremos neutralidade neste espaço, pois desde seu

aparecimento, observa-se uma adequação de seus tempos e espaços a uma finalidade

social estabelecida, em conformidade com os paradigmas vigentes na sociedade. Como

exemplos de espaço e tempo mais usualmente conhecidos na escola, podem ser citados

a sala de aula e a organização seriada dos anos escolares, respectivamente.

Esta tradição de organização escolar seriada na educação brasileira é uma

construção histórica herdada do modelo europeu, já que a corte portuguesa adotou no

Brasil o modelo jesuítico de educação. Este modelo era estabelecido na Ratio

Studiorum, um manual para orientação do cotidiano da escola que continha um conjunto

de regras e modos de atuação relacionados à direção, à formação e distribuição dos

professores. Em relação às práticas de ensino e avaliação, privilegiavam-se aulas

expositivas em que o ensino e a avaliação dos alunos pelos professores eram,

comumente, realizados de forma oral.

Corrêa (2001), num estudo sobre a inserção do modelo seriado na educação

brasileira, relata que durante 210 anos do percurso histórico após 1550, a pedagogia

jesuítica ficou estabelecida e, mesmo após a expulsão dos jesuítas em 1759, ainda era 6 LDBEN 9394/96 Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.

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Page 5: SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO EM ESCOLAS CICLADAS - O QUE DIZEM OS PEDAGOGOS

possível identificar suas práticas nos colégios. Diversas reformas tiveram lugar no

ensino do país7 até a Reforma de Benjamin Constant (1890) que, além de procurar

romper com a tradição do ensino jesuítico, demarcou o estabelecimento do modelo

seriado de ensino. Outras reformas se seguiram8 e é na Reforma Rocha Vaz, em 1925,

que o modo seriado de ensino é posto como única forma de organização escolar.

Afirma a autora que, por volta de 1930, o Brasil enfrentou intensos conflitos de

ordem política e o campo educacional foi alvo de confrontos ideológicos expressos

pelas linhas pedagógicas da Pedagogia Tradicional, Pedagogia Nova e Pedagogia

Libertária. Essas tendências e concepções sobre a educação estão presentes, a partir de

então, nas legislações de diretrizes e bases nacionais da educação, refletindo também

seu caráter de mudança nas reformas seguintes9, à exceção da reforma Capanema

(1942), pois quanto ao “ensino seriado, não foi identificada nenhuma recomendação

com relação à obrigatoriedade de sua realização dentro das instituições escolares”.

Porém, ainda fica evidente que apesar das Leis 4.024/61, 5692/71 e 9394/9610

apontarem a possibilidade de uma organização não seriada no ensino, “as características

do modo de ensino seriado implantado a partir da Reforma Benjamim Constant (1890)

se fazem presentes” (CORRÊA, 2001. p. 14). Percebe-se então, que nas diversas formas

e critérios para a ordenação das relações entre os sujeitos e o conhecimento, no percurso

da educação brasileira, as mudanças nas concepções que fundamentam o tempo e a

avaliação escolar não foram profundas, ou de ruptura, pois ainda é possível identificar

estratégias e mecanismos de classificação, hierarquização e ordenação nas práticas

pedagógicas.

Conforme salienta Fernandes (2004), por trás das nomeações dadas às formas de

organização do ensino (ciclos, níveis, etapas, séries, etc.) e formas organizativas do

sistema de avaliação (progressão continuada, avanços progressivos, promoção

automática), encontra-se uma rede de relações, práticas e concepções, geralmente não

reveladas. A autora afirma que o debate sobre a organização da escolaridade em ciclos e

a temática da não reprovação dos alunos, não pode prescindir de uma compreensão

histórica, política e conceitual, uma vez que estas questões “embora se encontrem, são

7 A reforma de ensino de Pombal, implantada em 1772; o Ato Adicional de 1834; a Reforma Leôncio de Carvalho (1878); o Parecer de Rui Barbosa (1883); e a Reforma Benjamin Constant (1890).8 Reforma de Epitácio Pessoa (1901); Reforma Rivadávia (1911); Reforma Maximiliano (1915); Reforma Rocha Vaz (1925).9 Reforma Francisco Campos (1930) e Reforma Capanema (1942).10 Lei 4.024/61 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional; Lei 5.692/71 - Diretrizes e Bases para o Ensino de 1° e 2º graus; Lei 9394/96 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

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Page 6: SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO EM ESCOLAS CICLADAS - O QUE DIZEM OS PEDAGOGOS

distintas”. (Idem, p. 1). Procurando então, estabelecer essa diferenciação11, identifica os

ciclos como uma forma de organização temporal da escolaridade que traz implicações

não apenas para as práticas avaliativas da aprendizagem, mas também influencia a

forma de organização do conhecimento escolar, as relações professor/aluno,

família/escola, e a cultura escolar. Fundamentam-se em teorias que concebem a

aprendizagem dos sujeitos como não linear, com ritmos e tempos diferenciados e não

decorrente apenas de estímulos externos. Quanto à progressão continuada, Fernandes

diz tratar-se da forma como os alunos são promovidos (aprovados/reprovados), e que se

fundamenta no pressuposto de que todos os alunos têm capacidade de aprender, não

devendo haver rupturas e interrupções anuais no seu processo educativo.

Assim, pensar na historicidade dos ciclos, além de trazer a debate a reordenação

dos tempos, espaços e relações na escola, revela também uma diversidade de

entendimentos sobre o que sejam ciclos. Barreto e Mitrulis (2004) destacam os

movimentos ocorridos no país a partir da década de 50 que, baseados em argumentos

sociais, políticos e econômicos, discutiram a “retenção” e suas relações tanto com o

orçamento público, quanto com as necessidades sociais, interesses e características das

crianças. Identificam o início dos anos 80, como o período de ampliação do debate

sobre avaliação que, deslocando-se da dimensão isolada no rendimento do aluno,

assume uma visão que integrava as análises de vários campos do conhecimento sobre as

condições de oferta do ensino. Ressaltam também que durante o período de transição

democrática, naquela década, os motivos de ordem política colocaram em destaque a

função social da escola, muito mais do que uma nova formulação do conceito de ciclo.

Assim, medidas de reestruturação dos sistemas de ensino12, que propunham o Ciclo

Básico de Alfabetização, visavam à redemocratização do ensino, procurando atender à

demanda da clientela que apresentava grande diferenciação do ponto de vista social,

cultural e econômico.

Fernandes (2003) afirma que se pode entender como concepções teóricas

comuns aos Ciclos Básicos de Alfabetização implantados naquela década, a

compreensão do processo de alfabetização como uma construção gradual dos

conhecimentos, própria a cada indivíduo. Ressalta que a partir destas experiências,

começam a ser implantados, com maior freqüência, os sistemas de avaliação baseados

em propostas de “não-reprovação” (Idem, 1997, p.88).

11 A diferenciação focalizará o “ciclo” e a “progressão continuada”.12 Introduzidas principalmente por governos estaduais das regiões Sudeste e Sul.

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Segundo Barreto e Sousa (2005), a idéia de ciclos em diversos sistemas

educativos esteve bastante associada a propostas de progressão continuada, avanços

progressivos e promoção automática, na busca de uma outra organização escolar que

não fosse seriada13. Muitos dos ciclos implementados no Brasil tenderam a ser uma

medida intermediária entre a seriação e a promoção automática, por não abrigarem em

sua concepção a possibilidade de aceitar que os alunos apresentassem desempenhos

diferenciados, esperando-se, portanto, que ao final do período compreendido pelo ciclo

todos apresentassem o mesmo nível de conhecimentos. Acrescentam como

conseqüência a esta concepção, muitas das propostas de ciclos implementadas até a

década de 90 (e que ainda vigoram até os dias de hoje) adotaram a possibilidade de

retenção dos alunos ao final de cada ciclo por partirem do “pressuposto de que se trata

de dar mais tempo a certos alunos para que logrem aprender”. (Idem, p. 8). Cabe

destacar que diante desses estudos e rediscussões, outras propostas político-

pedagógicas autodenominadas radicais, nos anos de 199014, implementaram os ciclos

de formação, que abrangeram o ensino fundamental completo, reafirmando uma

compreensão sobre os ciclos redefinida face o momento histórico-social, o ideário

pedagógico e o contexto educacional daqueles sistemas de ensino.

Barreto e Sousa (Idem) indicam como representantes de concepções

conservadoras de organização escolar, as séries e os ciclos de aprendizagem, por não se

não se alterarem as bases do trabalho escolar, mantendo-se a reprovação, no interior do

ciclo (pela infreqüência) ou ao final do ciclo (pelo não alcance dos objetivos e

competências traçados). Há uma menção explícita à seriação como referente básica da

estrutura curricular, mesmo que o período de tempo considerado não tenha vinculação

direta com o ano letivo. O currículo não sofre alterações nem na forma de organização,

nem nas práticas. Assim, a questão da centralidade da avaliação pode traduzir-se como

uma intenção de reorganizar a escola juntando séries, retirando da avaliação o poder de

reter o aluno entre uma série e outra de um mesmo “ciclo” e introduzindo inovações

pedagógicas como forma de compensar os efeitos das diferenças, numa tentativa de

permitir ritmos diferenciados em espaços maiores de tempo. (FREITAS, 2003).

13 Das experiências de ensino não-seriado, destacam-se, dentre outras: a organização do ensino primário em níveis na rede estadual do Estado de São Paulo (1968 a 1972); o Sistema de Avanços Progressivos na rede estadual do Estado de Santa Catarina (1970 a 1984); o Bloco Único na rede estadual do Estado do Rio de Janeiro (1979 a 1984); o Ciclo Básico de Alfabetização em São Paulo (englobando 1ª e 2ª séries entre 1984 e 1997), em Minas Gerais (a partir de 1985), Paraná e Goiás (a partir de 1988); a organização do ensino em ciclos na rede municipal da cidade de Niterói, abrangendo os nove anos do ensino fundamental (a partir de 1999). 14 São exemplos destas experiências, a Escola Plural (Belo Horizonte) e a Escola Cidadã (Porto Alegre).

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Como representantes de propostas consideradas inovadoras e progressistas,

como nomeou Mainardes (2006), estão os ciclos de desenvolvimento humano e ciclos

de formação15, entre outros, nos quais a concepção ultrapassa a preocupação com a

regularização do fluxo escolar, produzindo mudanças não só na organização do

trabalho pedagógico consolidando-se, especialmente, pelo propósito de oferecimento

de uma educação popular e democrática. São apontadas como características destas

propostas: a) postura radical de reversão das estruturas excludentes da escola e da

cultura que a legitima; b) ênfase no trabalho coletivo, envolvendo toda a comunidade

escolar na formulação e implementação do projeto político-pedagógico da escola; c)

nova relação com o conhecimento numa relação mais dialógica e integradora entre o

saber sistematizado e as vivências do aluno; d) empenho na superação do regime

seriado e suas conseqüências em relação à retenção e ao agravamento da seletividade

escolar. (Idem, 2006, p. 11).

Muito embora as bases legais, já citadas neste texto, apontem para

possibilidades de desseriação do ensino, percebe-se que seus pressupostos firmam-se

numa lógica seriada, com ênfase na avaliação. Porém, esse olhar para o processo

avaliativo, não tem alcançado um caráter transformador de sentidos em muitas

propostas de ciclo. Na medida em que há uma ruptura dessa progressão (ciclos de dois,

três, quatro ou cinco anos de escolaridade), para que o aluno continue a cursar o ensino

fundamental em regime seriado ou em outro(s) ciclo(s), a lógica que objetiva o alcance

de todos, de determinados objetivos traçados para o final do período estipulado em que

se pode “progredir” continuadamente, permanece.

Barreto (2001) enfatiza que os estudos também apontam, a partir dos anos 80, o

esforço de uma compreensão multidisciplinar sobre a temática, procurando dar conta da

concepção de homem, sociedade e educação, uma vez que dessas concepções decorrem

as de avaliação. Cita como freqüente a preocupação com um novo modelo de avaliação,

que se apresentasse como desejável e convergente com as diversas correntes teóricas,

possuindo um enfoque prioritariamente qualitativo e contextualizador. Questionamentos

acerca da função da avaliação passaram a ser mais constantes, sob uma vertente social,

redimensionando o papel da avaliação enquanto instrumento dialético e a serviço da

transformação social. Encontram-se, atualmente, diversos autores16 que têm lançado

15 Escola Plural de Belo Horizonte e Escola Cidadã de Porto Alegre, respectivamente.16 Afonso (2005), Esteban (2001), Fernandes (2003, 2007, 2008), Hadji (2001), Hoffmann (2001), Luckesi (2001), Perrenoud (1999), Saul (2000), Vasconcellos (1998), Sacristàn (2000) e Zabala (1998), entre outros.

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Page 9: SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO EM ESCOLAS CICLADAS - O QUE DIZEM OS PEDAGOGOS

diferenciados olhares sobre a prática avaliativa, colaborando assim para que se amplie a

discussão sobre os sentidos e funções da avaliação escolar. Como afirma Luckesi (2001,

p.41) “considerando-se então a avaliação como prática pedagógica representativa de um

modelo social, repensar e sua função tornou-se fundamental”.

Assim, considera-se neste texto que a seriação e os ciclos, enquanto propostas

de organização escolar correspondem a visões diferenciadas de mundo. Os usos que a

escola tem feito dos seus tempos e espaços são marcados pela contradição e, ao optar

pela organização escolar em ciclos, seriação (ou outra qualquer), e ainda por sistemas

de avaliação que comportem a desseriação, as concepções e finalidades educacionais

estão aí refletidas, reveladas. Possivelmente, não de maneira clara, consciente a todos

os sujeitos envolvidos, mas, marcado pela complexidade, o caminho escolhido/imposto

à escola vai se construindo pelas interações, articulações e recontextualizações do saber

e fazer pedagógico.

Ao se colocar em contraposição os ciclos, seriação e formas de organização do

sistema avaliativo frente à lógica de tempo escolar, outras lógicas e rede de relações,

práticas e concepções se impõem como determinantes daquilo que se pretende por

qualidade pedagógica em escolas cicladas: a função social da escola, o currículo

praticado, as relações de poder estabelecidas, a formação do educador, a função da

avaliação e as condições de implementação das propostas.

Sobre um processo pedagógico de qualidade

Sobre essa questão, a pedagoga de Duque de Caxias (DC) traz uma fala em que

a qualidade é considerada como um processo de garantia da aprendizagem de conteúdos

favorecedores do desenvolvimento dos alunos de uma forma integral. A palavra

conteúdo foi colocada em destaque, como merecedora de uma discussão mais ampla.

A pedagoga de Niterói (NT) afirma que uma proposta curricular afinada com a

demanda, expectativa da comunidade, desvinculada da categoria “retenção” e que

trabalhe as necessidades do grupo durante o processo (para não precisar ter uma

intervenção pontual ao final do ciclo) são fatores que qualificam o trabalho pedagógico.

Sobre a articulação administrativo-pedagógica realizada entre a gestão de sistemas

educacionais e as equipes escolares.

A pedagoga de DC coloca que o lugar que ocupa, posição exige postura de

parceria com as Unidades Escolares. Na adoção deste posicionamento crê que há um

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Page 10: SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO EM ESCOLAS CICLADAS - O QUE DIZEM OS PEDAGOGOS

favorecimento da possibilidade de discussão, planejamento e avaliação junto à equipe

técnico-pedagógica da escola (pedagogos e diretor) dos encaminhamentos necessários.

As dificuldades que são encontradas, “constatadas”, devem ser analisadas na Unidade

Escolar e levadas, quando a situação exigir, a outras equipes da SME e/ou outros

profissionais que ocupam cargos de chefia.

Para a pedagoga de NT cita que este lugar de intermediação está firmado na

criação de vínculo com a Unidade Escolar por um grupo constituído por professores e

pedagogo que, lotados na FME, fazem semanalmente um acompanhamento: do

mapeamento, organização e gestão de pessoal; da prática pedagógica; do trabalho

cotidiano de professores e da equipe de articulação pedagógica (pedagogos); e formação

em serviço. Sendo anteriormente, pedagoga (Orientadora pedagógica) de uma escola,

quando não havia sido implementada na rede a integração dos fazeres da Supervisão e

Orientação Educacionais para a “Equipe de Articulação Pedagógica”, relata que sua

prática era segmentada, ligada à especificidade e a uma lógica de atribuições pré-

estabelecidas. Atuando atualmente na Equipe de Articulação Pedagógica, do órgão

gestor, tem colaborado para que o trabalho do pedagogo nas escolas seja articulado.

Comenta que novos pedagogos foram convocados para a rede de ensino, provocando

uma renovação no corpo de profissionais tornando-o bem diferenciado quanto à

formação. O convívio e trabalho conjunto entre Pedagogos multihabilitados e

pedagogos formados anteriormente para a especificidade, tem contribuído para que a

exposição e o confronto dessas concepções sejam revelados e trabalhados pelo grupo.

Práticas pedagógicas favorecedoras do sucesso ou fracasso no ensino e na avaliação

da aprendizagem da criança.

Como práticas que contribuem para o sucesso no processo educativo, a

pedagoga de DC considera que estas devam ser práticas reflexivas, que revelem uma

preocupação com os “modos” de ensinar aos “modos” de aprender dos alunos. Cita

como importante, a definição de objetivos claros para as práticas realizadas e um

planejamento para o acompanhamento do processo de aprendizagem dos alunos. Os

avanços e dificuldades verificados devem ser discutidos para que sejam planejados os

encaminhamentos necessários para superar essas dificuldades. Diz ainda, que a

alfabetização, considerada o objetivo primeiro do ciclo, tem relação com a adequação

do ensino à aprendizagem. Coloca que os estudos sobre a construção e apropriação do

conhecimento que embasam a investigação sobre o que aluno sabe, especialmente em

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Page 11: SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO EM ESCOLAS CICLADAS - O QUE DIZEM OS PEDAGOGOS

leitura e escrita, é primordial para que as atividades propostas sejam adequadas às suas

reais necessidades. Levanta ainda o questionamento sobre quais instrumentos oficiais

seriam os mais adequados para realizar esse acompanhamento. Ao apontar práticas que

favoreçam o fracasso pedagógico, menciona as que apenas constatam os problemas,

sem ter uma ação reflexiva sobre os mesmos.

A pedagoga de NT considera que as ações baseadas no coletivo são as que mais

contribuem para o sucesso pedagógico. Cita como exemplo a existência: de um plano de

trabalho para o ciclo bem consolidado, de acordo com a realidade da escola; de um

Projeto Político-Pedagógico instituído e em constante avaliação; de uma equipe de

Articulação Pedagógica (pedagogos da Unidade escolar) na articulação e liderança do

processo; de um movimento de agrupamento e reagrupamento de alunos articulado com

a reorganização curricular; realização de um trabalho coletivo, com responsabilidade, de

acordo com os grupos, professores e desenvolvimento alcançado pelos alunos.

Quanto às práticas favorecedoras do fracasso pedagógico, aponta primeiramente

as que denunciam a persistência de numa lógica seriada que, por mobilizar questões

histórico-pessoais, expõe as resistências dos sujeitos e a diferenciação do tempo

individual de apropriação cada professor. Outros entraves citados se relacionam à

dificuldade: em trabalhar no coletivo; em perceber um currículo não mais focalizado no

ano de escolaridade, tendo como pressuposto agora a mediação para todo o ciclo; do

pedagogo da Unidade Escolar abraçar/se perceber como articulador desse processo; no

comprometimento de alguns profissionais em estar no espaço, no processo e no grupo (a

infreqüência de professores é um dos fatores); a resistência e oposição de alguns

profissionais à proposta17.

Práticas de ensino e de avaliação: articulação entre estes fazeres.

A narrativa da pedagoga de DC é apresenta a visão de que a avaliação precisa

ser uma prática integrada a todo processo educacional, sendo compreendida como

principal fonte de informação e referência para o (re)planejamento de ações

pedagógicas que visem a formação global do aluno.

Já a pedagoga de NT reafirma a noção de que ambas as práticas integram um

mesmo processo. Coloca em destaque o fato de que a rede de ensino está passando por

17 Apesar de trabalhar com um regime ciclado em todo o Ensino Fundamental desde 1999, o processo de implantação da reformulação da proposta curricular de Niterói iniciou-se em 2006, nos 1º e 2º ciclos, através de um movimento de adesão das escolas. Em 2007. todas as escolas adotaram a reformulação curricular nestes ciclos.

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momento de reorganização destas práticas por força da reorganização curricular, e que

não é através da legislação que decorrerá a mudança. Acredita que é pelo do estudo e

pelo entendimento da realidade que se podem alterar estas práticas.

Significações apresentadas sobre o processo pedagógico, fazeres e saberes docentes.

Representações Significações

Qualidade pedagógica

Processo de garantia da aprendizagem de conteúdos

favorecedores do desenvolvimento dos alunos de

uma forma integral.

Proposta curricular afinada com a demanda e expectativa da comunidade, desvinculada da categoria “retenção” e que trabalhe as

necessidades do grupo durante o processo.

Articulação entre a gestão do sistema educacional e as equipes escolares

Postura de parceria com as Unidades Escolares na

discussão, planejamento e avaliação dos encaminhamentos necessários às dificuldades que são encontradas, “constatadas”.

Estas devem ser analisadas e levadas, quando a situação

exigir, a outras equipes da SME e/ou outros profissionais que

ocupam cargos de chefia.

Lugar de intermediação firmado na criação de vínculo com a Unidade Escolar por um

grupo constituído por professores e pedagogo que fazem semanalmente um

acompanhamento: do mapeamento, organização e gestão de pessoal; da prática

pedagógica; do trabalho cotidiano de professores e da equipe de articulação

pedagógica (pedagogos); e formação em serviço.

Práticas pedagógicas favorecedoras do

sucesso no ensino e na avaliação

Práticas reflexivas, preocupadas com os “modos” de ensinar e

“modos” de aprender. Definição de objetivos claros e um

planejamento para o acompanhamento do processo.

Os avanços e dificuldades verificados e discutidos.

Planejamento dos encaminhamentos necessários para superar as dificuldades. Estudos sobre a construção e

apropriação do conhecimento. Investigação sobre o que aluno

sabe, para propor atividades adequadas às suas necessidades.

Ações baseadas no coletivo. Existência: de um plano de trabalho para o ciclo bem

consolidado, de acordo com a realidade da escola; de um Projeto Político-Pedagógico instituído e em constante avaliação; de uma

equipe de Articulação Pedagógica (pedagogos da Unidade escolar) na

articulação e liderança do processo; de um movimento de agrupamento e

reagrupamento de alunos articulado com a reorganização curricular; realização de um trabalho coletivo, com responsabilidade, de

acordo com os grupos, professores e desenvolvimento alcançado pelos alunos.

Práticas pedagógicas favorecedoras do

fracasso no ensino e na avaliação

Práticas que apenas constatam os problemas.

As que denunciam a persistência de uma lógica seriada e que se relacionam à

dificuldade: em trabalhar no coletivo; em perceber um currículo focalizado na

mediação para todo o ciclo; do pedagogo se perceber como articulador desse processo;

no comprometimento de alguns profissionais;

Articulação entre práticas de ensino e

de avaliação

Avaliação como prática integrada a todo processo

educacional, e principal fonte de informação e referência para

o (re)planejamento de ações pedagógicas que visem a

Ambas as práticas integram um mesmo processo. É através do estudo e pelo

entendimento da realidade que se podem alterar estas práticas.

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Page 13: SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO EM ESCOLAS CICLADAS - O QUE DIZEM OS PEDAGOGOS

formação global do aluno.

Tabela 1 – Representações sobre processo pedagógico.

Partindo do pressuposto de que o poder pode ser exercido por meio de práticas

discursivas institucionalizadas, e que representações particulares de aspectos da

realidade podem favorecer projetos de dominação, procurou-se aqui trazer algumas

representações apresentadas pedagogas, em sua função de interlocutores com a gestão

central do Sistema de Ensino, sobre os fazeres e saberes docentes. Como sujeitos

inseridos no regime de verdade destes sistemas de ensino, as falas destas pedagogas

traduzem muito dos sentidos e discursos do órgão gestor, mas também apresentam o

contexto da prática cotidiana da escola, revelando suas contradições e dinamicidade.

Conforme já citado, as duas redes de ensino têm uma cultura escolar demarcada

por organizações de ensino bastante diferenciadas, embora seja possível encontrar

alguma aproximação pelo fato da organização dos três primeiros anos de escolaridade

ser em regime ciclado. Na rede de DC há uma opção pela continuidade de Ensino

Fundamental através da seriação, enquanto em NT essa organização desdobra-se em

outros três ciclos. Pode-se dizer então, que são diferenciados campos de significação

sustentados pelas bases históricas e epistemológicas das propostas. Percebe-se uma

diferenciação nas representações apresentadas pelas pedagogas que podem relacionar-se

também com as condições de produção e circulação dos sentidos relativos ao processo

pedagógico.

Considerações finais

Em nossa sociedade, credita-se uma direta relação entre sucesso/fracasso escolar

e determinação social, tendo a avaliação se configurado como um elemento importante

da dinâmica de inclusão e exclusão, escolar e social. Sendo referenciada pelos valores

da época, sociedade ou classe social, os padrões desejáveis são construídos a partir de

interesses, aspirações, projetos e ideais de grupos socialmente definidos. Ou seja, os

padrões reproduzem o caráter ideológico dos objetivos educacionais de determinado

sistema. Como Freire (2001, p. 42) aborda, a necessidade da reflexão crítica sobre a

prática implica num “movimento dialético entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. Diz

ainda que o conhecimento quase ingênuo advindo do saber pela experiência, tem a

mesma curiosidade que se necessita para uma postura crítica, ou seja, uma reflexão

crítica sobre a prática.

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Cada vez mais, as políticas globais têm vinculado ensino/aprendizagem e

avaliação a idéias de homogeneidade, linearidade e previsibilidade, ressaltando nas

práticas pedagógicas a classificação, o controle e a seleção. Tomar posição por outro

caminho político/teórico e conseqüentemente dar outro rumo a essas práticas, com

certeza, não é decorrência de determinações legais ou administrativas. Em uma

sociedade que considere como necessária a (re)construção de uma escola de qualidade,

é preciso concebê-la aberta aos diferentes discursos e lógicas sociais, com uma atitude

de reflexão sobre as práticas educativas. Esta mudança na práxis prenuncia uma

conscientização acerca da ação pedagógica que se realiza e as concepções que

embasam esta prática. Requer também a percepção e o enfrentamento sobre quais

paradigmas de aprendizagem, educação, homem e sociedade se adotam nestas práticas.

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