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1 O QUE É PATOLOGIA? O termo patologia * , etimologicamente, significa o estudo das doenças. Entretanto, limitar a patologia a uma definição tão simplista é empobrecer a sua amplitude. O campo de abrangência da patologia exige uma conceituação mais elaborada, como: PATOLOGIA é a ciência biológica que estuda as alterações funcionais e estruturais capazes de provocar modificações do estado de saúde dos seres vivos, as causas que provocam essas alterações, o mecanismo de ação dessas causas, as respostas do organismo a essas agressões e as manifestações clínicas decorrentes dessas alterações. 13 A patologia é uma ciência biológica? Toda ciência que se propõe a estudar características dos seres vivos está amarrada, de algum modo, ao campo da biologia. Como a patologia estuda, fundamentalmente, os desvios da normalidade do funcionamento dos organismos vivos e as modificações estruturais dos mesmos, podemos considerá-la como um ramo da biologia. Nesse contexto, a patologia faz parte do grupo das ciências biológicas que estuda a estrutura e o funcionamento dos organismos vivos. Elas são classificadas como ciências fisiológicas e ciências patológicas. As ciências fisiológicas englobam tanto aquelas que estudam os aspectos estruturais normais dos organismos, como aquelas que estudam os aspectos funcionais normais dos mesmos, embora o radical phýsis seja habitualmente utilizado para caracterizar funcionamento normal, como vimos anteriormente neste capítulo. Já foram consideradas as ciências fisiológicas que fazem parte dos currículos mínimos das principais profissões da área biológica. Para se adquirir um bom domínio em patologia é necessário possuir uma base sólida de conhecimentos nas ciências fisiológicas. A patologia engloba todas as ciências anteriormente discutidas, a começar pela embriologia. Qualquer modificação no desenvolvimento normal do embrião pode provocar alterações estruturais, denominadas malformações ou más-formações embrionárias que são estudadas na embriopatologia ou também chamadas de alterações do desenvolvimento. Enquanto a anatomia estuda a estrutura normal dos órgãos, aparelhos e sistemas do organismo, a anatomopatologia se ocupa das alterações estruturais que são observadas macroscopicamente. *do grego, páthos: sofrimento ou doença 1 , e lógos: palavra, tratado, estudo, ciência, 1, ou linguagem, proposição, definição, razão 2 .

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O QUE É PATOLOGIA?

O termo patologia*, etimologicamente, significa o estudo das doenças. Entretanto, limitar a patologia a uma definição tão simplista é empobrecer a sua amplitude. O campo de abrangência da patologia exige uma conceituação mais elaborada, como:

PATOLOGIA é a ciência biológica que estuda as alterações funcionais e estruturais capazes de provocar modificações do estado de saúde dos seres vivos, as causas que provocam essas alterações, o mecanismo de ação dessas causas, as respostas do organismo a essas agressões e as manifestações clínicas decorrentes dessas alterações.13

A patologia é uma ciência biológica?

Toda ciência que se propõe a estudar características dos seres vivos está amarrada, de algum modo, ao campo da biologia. Como a patologia estuda, fundamentalmente, os desvios da normalidade do funcionamento dos organismos vivos e as modificações estruturais dos mesmos, podemos considerá-la como um ramo da biologia.

Nesse contexto, a patologia faz parte do grupo das ciências biológicas que estuda a estrutura e o funcionamento dos organismos vivos. Elas são classificadas como ciências fisiológicas e ciências patológicas.

As ciências fisiológicas englobam tanto aquelas que estudam os aspectos estruturais normais dos organismos, como aquelas que estudam os aspectos funcionais normais dos mesmos, embora o radical phýsis seja habitualmente utilizado para caracterizar funcionamento normal, como vimos anteriormente neste capítulo. Já foram consideradas as ciências fisiológicas que fazem parte dos currículos mínimos das principais profissões da área biológica.

Para se adquirir um bom domínio em patologia é necessário possuir uma base sólida de conhecimentos nas ciências fisiológicas.

A patologia engloba todas as ciências anteriormente discutidas, a começar pela embriologia. Qualquer modificação no desenvolvimento normal do embrião pode provocar alterações estruturais, denominadas malformações ou más-formações embrionárias que são estudadas na embriopatologia ou também chamadas de alterações do desenvolvimento.

Enquanto a anatomia estuda a estrutura normal dos órgãos, aparelhos e sistemas do organismo, a anatomopatologia se ocupa das alterações estruturais que são observadas macroscopicamente.

*do grego, páthos: sofrimento ou doença1, e lógos: palavra, tratado, estudo, ciência,1,ou linguagem, proposição, definição, razão2.

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No campo da microscopia, onde a citologia e a histologia estudam a normalidade, a citopatologia e a histopatologia estudam as lesões encontradas nas células e tecidos. A maior atividade do médico especialista em patologia que se dedica a atividade laboratorial extra-universitária é nesse campo de trabalho.

Já a biologia celular vai buscar as características moleculares dos constituintes celulares que, quando alteradas, são estudadas na patologia molecular. Grande parte das pesquisas atuais na área da patologia é dedicada aos fundamentos da patologia molecular.

No campo da genética, quando ocorrem alterações gênicas, aparece a patologia genética.

Quanto à imunologia, quando os mecanismos imunológicos sofrem modificações entram no campo da imunopatologia.

Assim também, as reações químicas, que ocorrem no organismo e são estudadas na bioquímica, podem sofrer alterações nos estados patológicos, sendo estudadas particularmente na patologia clínica.

Já as alterações encontradas na biofísica entram no campo da patologia fisiátrica.

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A manutenção do estado fisiológico do organismo é estudada na fisiologia. Qualquer desvio funcional, com comprometimento da homeostase, leva ao campo da fisiopatologia.

As ciências patológicas estudam as correlações entre os aspectos normais e as alterações conseqüentes aos desvios da normalidade. Entre elas, além da patologia, temos a parasitologia e a microbiologia, que pode ser subdividida em bacteriologia, virologia e micologia.13

A microbiologia* é o estudo dos micróbios ou microrganismos. A microbiologia pode ser subdividida em bacteriologia** que estuda as características das bactérias, virologia*** que estuda os vírus e a micologia****

que estuda os agentes micóticos ou fungos. Na área microbiológica estão os agentes biológicos mais comuns

causadores de doenças. A suscetibilidade dos organismos a esses agentes é altamente dependente de nutrição inadequada.

A parasitologia***** é o estudo dos parasitas. Estes são muito comuns como agentes causais de processos patológicos denominados parasitoses, os quais também estão relacionados com a nutrição inadequada, particularmente em populações de baixo poder econômico.

Enquanto a microbiologia estuda as características diferenciais dos múltiplos agentes agressivos ao organismo, particularmente as bactérias, vírus e fungos, a patologia inflamatória estuda as reações de defesa do organismo a essas agressões.

Também em relação aos agentes patogênicos parasitários cujos ciclos são estudados na parasitologia, cabe à patologia inflamatória estudar as lesões que são causadas por esses parasitas.

*do grego, mycrós: pequeno, curto1, bíos:vida,1,2 e do grego: lógos: palavra, tratado, estudo, ciência 1,, ou linguagem, proposição, definição, razão 2

**do grego, bakteria: bastão1, e lógos: palavra, tratado, estudo, ciência 1,, ou linguagem, proposição, definição, razão 2

***do grego, vírus: vírus1,2, e lógos: palavra, tratado, estudo, ciência 1,, ou linguagem, proposição, definição, razão 2

****do grego, mykes: cogumelo, e lógos: palavra, tratado, estudo, ciência 1,, ou linguagem, proposição, definição, razão 2

*****do grego, parasitos, e do latim, parasitu: animal que se alimenta do sangue do outro ou vegetal que se alimenta da seiva do outro1, e do grego, lógos: palavra, tratado, estudo, ciência 1,, ou linguagem, proposição, definição, razão 2

A ação da patologia pode atingir as áreas das ciências humanas e exatas?

O envolvimento da patologia com as ciências humanas é amplo. É só lembrar que a psicologia faz parte das ciências humanas e tem entre suas disciplinas a psicopatologia, que estuda particularmente lesões cerebrais capazes de provocar reações psíquicas. O inverso também ocorre quando fenômenos psíquicos como estresse e depressão influenciam na estrutura e função orgânica, conforme é estudado na medicina psicossomática. Também é de grande importância a influência de fatores sociais como nutrição e educação na etiologia de múltiplas doenças.

A patologia também está envolvida com as ciências exatas. Sempre que se quer fazer um estudo epidemiológico sobre alguma doença é inevitável o uso de procedimentos estatísticos. A análise estatística também está presente em grande parte das pesquisas no campo da patologia tanto com seres humanos como com animais de experimentação. Essa análise possibilita, na maioria

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das vezes, as conclusões bem elaboradas dos trabalhos científicos realizados pelos patologistas.

A patologia estuda as alterações funcionais dos seres vivos?

O equilíbrio do ser vivo com o meio ambiente é mantido principalmente por sistemas reguladores, como o sistema neuroendócrino nos organismos superiores. A homeostasia ou estado fisiológico do organismo ocorre pela busca constante do organismo em manter seu funcionamento normal. Freqüentemente, os seres vivos são submetidos a estímulos ou agressões ambientais – fatores agressivos ambientais – capazes de alterar os mecanismos homeostáticos e, portanto, modificando o funcionamento do organismo.

Alteração funcional orgânica é qualquer desvio no funcionamento normal – estado fisiológico – de células, tecidos ou órgãos de um ser vivo, seja por excesso ou por deficiência de funcionamento. Podemos usar como exemplos de hiperfunções:

1.Hipertireoidismo: hiperfunção da glândula tireóide causada geralmente por proliferação difusa de células foliculares da tireóide – hiperplasia tóxica difusa da tireóide associada à doença de Graves – com aumento da liberação de hormônio tireóideo na circulação sanguínea ocasionando estado hipermetabólico importante – aumento na taxa do metabolismo basal – que se expressa pelos aspectos clínicos característicos do hipertireoidismo como taquicardia, palpitações, arritmia cardíaca, tremores, hiperatividade, ansiedade, insônia, labilidade emocional, hipermotilidade intestinal com má absorção e diarréia.

2. Hipertensão arterial secundária: causada, por exemplo, pelo aumento de catecolaminas decorrente da proliferação de células da camada medular adrenal na neoplasia de células cromafins denominada feocromocitoma. As células dessa neoplasia são capazes de produzir catecolaminas. O aumento destas substâncias na circulação sanguínea irá provocar aumento da pressão arterial, podendo levar o indivíduo a óbito.

3. Gigantismo: causado por hiperfunção do hormônio de crescimento pela proliferação de células produtoras de somatotrofina (GH – growth hormone), o que ocorre principalmente quando o indivíduo é portador de adenoma hipofisário produtor de GH. Quando essa hiperfunção acontece durante a fase de crescimento do indivíduo, ocorrerá o gigantismo.

Como exemplos de hipofunções podemos citar:1. Insuficiência renal aguda: causada por necrose tubular aguda –

destruição de células epiteliais tubulares renais – que pode ser conseqüente, por exemplo, a intoxicação por metais pesados como o mercúrio ou por solventes orgânicos como o tetracloreto de carbono.

2. Insuficiência cardíaca: causada, por exemplo, por miocardite aguda que pode ser provocada por vírus Coxsackie. Geralmente há inflamação da musculatura cardíaca, enfraquecendo o coração e provocando sua insuficiência funcional, com quadro clínico de febre, palpitações, dor pré-cordial, dispnéia e cansaço.

3. Insuficiência respiratória: causada por obstrução bronquial – broncoconstrição ou broncoespasmo – conseqüente a asma brônquica, com quadro clínico de dispnéia, tosse e sibilos.

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A patologia estuda as alterações estruturais dos seres vivos?

Para que um organismo vivo seja íntegro e saudável é necessário, primeiramente, que ele tenha recebido todas as informações genéticas necessárias ao desenvolvimento perfeito de suas células, tecidos ou órgãos, pela transmissão hereditária. Além disso, seu desenvolvimento embrionário deve ter sido perfeito. Assim, o organismo estará apto a se defender melhor das agressões do meio ambiente pelos seus mecanismos homeostáticos.

Alteração estrutural orgânica ou lesão é qualquer dano na constituição das células, tecidos ou órgãos de um ser vivo. Esse dano pode ocorrer em conseqüência a defeito na transmissão hereditária, a defeito durante a embriogênese ou pela ação de agentes agressivos durante ou após o desenvolvimento embrionário. Essa lesão pode ser extensa, tornando-se visível ao exame macroscópico, ou seja, a olho nu. Quando ela é mais discreta, pode ser visível apenas ao exame microscópico. Quando o dano atinge apenas organelas subcelulares, sua visualização será possível somente ao microscópio eletrônico. Em quaisquer desses casos podemos dizer que houve alteração da morfologia, seja celular, tissular ou orgânica, recebendo a denominação de alteração morfológica. Quando a lesão atinge apenas o nível molecular, como por exemplo, a destruição de sistemas enzimáticos das células, caracterizando dano bioquímico sem mostrar lesão morfológica, recebe a denominação de alteração bioquímica.

Tanto as alterações morfológicas como as bioquímicas são alterações estruturais, pois alteram a constituição normal das estruturas envolvidas, podendo modificar a capacidade funcional dessas estruturas. Como exemplos, temos:

1. Glomerulonefrite membranosa: patologia renal que pode ser causada por drogas anti-inflamatórias não-esteroidais, provocando espessamento da parede capilar glomerular com acúmulo de depósitos de imunoglobulina na membrana basal glomerular, lesando a mesma, podendo levar a perda da capacidade de filtração glomerular. Essas alterações estruturais citadas podem evoluir para insuficiência renal, uma alteração funcional.

2. Cirrose hepática alcoólica: causada pela ação tóxica do etanol no fígado, provocando destruição de hepatócitos. Os hepatócitos remanescentes formam nódulos de regeneração acompanhados de áreas de fibrose. Essas alterações estruturais geralmente provocam evolução gradativa para insuficiência hepática, que é uma alteração funcional decorrente da alteração estrutural prévia.

3. Enfisema pulmonar: provocado na maioria dos casos pelo uso do fumo, com destruição de septos alveolares, geralmente evoluindo para uma alteração funcional caracterizada pela insuficiência respiratória.

4. Diabetes mellitus tipo 2: distúrbio crônico no metabolismo protéico, lipídico e glicídico por resposta irregular à secreção de insulina, bloqueando o uso de carboidratos, provocando, funcionalmente, a hiperglicemia. Na maioria dos casos, a alteração estrutural é somente bioquímica, sem componente morfológico.

Nos exemplos citados acima, o enfisema e a cirrose podem ser caracterizados como alterações estruturais morfológicas macroscópicas, a glomerulonefrite membranosa só poderá ser definida microscopicamente e o diabetes mellitus tipo 2 é essencialmente uma alteração estrutural bioquímica.

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A patologia estuda as modificações do estado de saúde dos seres vivos?

A saúde é um estado subjetivo do indivíduo, caracterizado pela sensação de bem-estar, apetite, alegria de viver, disposição nas atividades profissionais e pessoais, com bom relacionamento social, possibilitando a integração do indivíduo com as outras pessoas com as quais ele se relaciona e com o meio ambiente, mantendo-o em aparente estado de normalidade. Qualquer desvio nesse estado de saúde é denominado doença, conforme discutimos anteriormente.

Portanto, a doença é qualquer desvio da normalidade – do estado fisiológico – caracterizado geralmente por alterações estruturais e/ou funcionais. O campo da patologia geral que estuda as características gerais das doenças pelo reconhecimento de suas alterações estruturais e funcionais é denominado nosologia* (Fig. 1.1).

A maioria das doenças apresenta substrato morfológico provocando alteração funcional. Por exemplo, a hepatite viral é caracterizada por lesão das células hepáticas, causando insuficiência funcional do fígado com repercussão no estado geral do indivíduo, como perda de apetite, indisposição, icterícia, tornando o organismo estrutural e funcionalmente doente.

Por outro lado, há alterações funcionais capazes de provocar alterações estruturais. Por exemplo, os executivos de grandes empresas são indivíduos submetidos socialmente a constantes situações de estresse. Estas situações podem provocar hipersecreção de ácido clorídrico pela mucosa gástrica, independente dos períodos normais de digestão. Esse excesso de ácido pode causar agressões constantes à mucosa duodenal chegando a provocar a formação de úlcera duodenal. Neste caso, o estresse – alteração funcional – provocou a hipercloridria – alteração bioquímica – que causou a úlcera duodenal – alteração morfológica.

Às vezes, podemos ter alterações funcionais sem se conseguir detectar modificações na estrutura, como por exemplo, em certas doenças mentais – neuroses e psicoses – sem substrato morfológico conhecido.

Também pode ocorrer alteração apenas estrutural sem causar dano funcional. Por exemplo, um pequeno lipoma – tumor benigno de células adiposas – situado no tecido sub-cutâneo do braço, não relacionado com articulações ou planos musculares, geralmente não tem repercussão na função normal do membro, embora seja uma lesão morfológica bem estabelecida.

*do grego, nosos: doença1 e do grego, logos: palavra, tratado, estudo, ciência 1,, ou linguagem, proposição, definição, razão 2

Portanto, podemos afirmar neste caso que existe um processo patológico, ou seja, uma lesão, porém, não está caracterizada a doença, pois não deve ter havido modificação do estado subjetivo de saúde.

Para deixar mais claro essa questão da subjetividade do estado de saúde, podemos tomar como exemplo uma alteração estrutural bastante comum, denominada nevus. Cada lesão névica é representada morfologicamente pela presença de pintas escuras, elevadas ou não, comuns na superfície da pele. As lesões névicas são, portanto, alterações estruturais que ocorrem em várias regiões da pele normal dos indivíduos e, como tais, são processos

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patológicos. Porém, a presença dessas lesões não altera o estado de saúde dos indivíduos portadores das mesmas. Entretanto, se informarmos a uma pessoa emocionalmente lábil que a presença de uma pinta enegrecida na pele situada na região plantar do pé pode significar uma lesão cancerosa altamente maligna, denominada melanocarcinoma, capaz de matá-la em poucos meses, essa pessoa poderá ficar nervosa, prostrada, indisposta, portanto doente, mesmo que a lesão em questão continue a ser um simples nevus e não um melanocarcinoma.13

Figura 1.1 Esquema geral de nosologia

A patologia estuda as causas que provocaram as alterações?

A etiologia*é a área da patologia geral que estuda as causas das doenças. Os fatores capazes de causar ou colaborar com a instalação das doenças são chamados de fatores etiológicos.

*do grego, etios: causa e do grego, logos: tratado, estudo 1, 2

Do ponto de vista didático, esses fatores podem ser divididos em dois grupos principais: os fatores intrínsecos – que fazem parte da constituição do organismo – e os fatores extrínsecos – que são estímulos agressivos do meio ambiente13 (Fig. 1.2).

Fatores etiológicos intrínsecos:

Podemos considerar como intrínsecos os seguintes fatores: genéticos – dependentes de transmissão hereditária defeituosa –, imunológicos – conseqüentes à reação defeituosa de defesa a estímulos –, hormonais –

NOSOLOGIA

Alterações funcionais

Alterações estruturais

Alterações bioquímicas

Alterações morfológicas

LESÃO

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relacionados com modificações endócrinas intrínsecas – psíquicos – dependentes de falhas na atividade mental normal – e regressivos – pela diminuição gradativa da capacidade funcional no envelhecimento.13

Fatores genéticos:

São considerados como fatores genéticos os defeitos transmitidos ao indivíduo pelos gametas materno – óvulo – e paterno – espermatozóide –, geralmente por anormalidades cromossômicas herdadas dos pais.

Esta transmissão hereditária defeituosa pode causar desde manifestações sutis até más-formações congênitas grosseiras, como a ausência de um órgão – agenesia – ou desenvolvimento deficiente desse órgão – hipoplasia – com repercussão na sua capacidade funcional. Por exemplo, a hipoplasia cerebral é uma microencefalia cuja alteração funcional principal é a oligofrenia*, que é uma deficiência no desenvolvimento mental com diminuição da capacidade intelectual.

Outro exemplo é a polipose adenomatosa familial, que é uma alteração hereditária, na qual os indivíduos portadores dessa patologia herdaram uma mutação autossômica dominante do gene supressor dessa patologia. Isso faz com que haja o desenvolvimento de centenas ou milhares dessas lesões polipóides principalmente no cólon, muitas delas com potencial de transformação maligna.

Também são consideradas decorrentes de fatores genéticos as alterações de desenvolvimento embrionário conseqüentes à mutações na gametogênese e na embriogênese.

Na gametogênese, por divisões meióticas, os cromossomos são distribuídos igualmente às células filhas, haplóides, que constituirão os gametas. Se não houver separação de um par de cromossomos, os dois cromossomos irão para uma mesma célula filha. Haverá então um gameta com 24 cromossomos e outro com 22 cromossomos. Se o gameta com 24 cromossomos for fecundado com um gameta normal, o zigoto resultante terá 47 cromossomos, constituindo a trissomia – um locus cromossômico possuirá três cromossomos em lugar de dois. Se o gameta com 22 cromossomos for fecundado com um gameta normal, o zigoto terá 45 cromossomos, constituindo a monossomia – um locus com apenas um cromossomo.

Essa gametogênese irregular é denominada não-disjunção cromossômica, fazendo parte das aneuploidias – anormalidades cromossômicas por aumento ou diminuição do número de cromossomos.

A mais freqüente dessas anomalias é a trissomia do cromossomo autossômico 21 – trissomia 21 – conhecida como síndrome de Down ou mongolismo. Ela é caracterizada por retardo mental, epicanto, fendas palpebrais oblíquas, prega simiesca nas mãos, língua protrusa etc.

*do grego, olígos: pouco e do grego, phrenós: intelecto, diafragma, coração, alma, inteligência, pensamento, vontade

As aneuploidias também podem ser dependentes de anormalidades dos cromossomos sexuais. As mais conhecidas são a síndrome de Klinefelter e a síndrome de Turner.

A síndrome de Klinefelter é constituída, geralmente, pela trissomia XXY, caracterizando um indivíduo fenotipicamente do sexo masculino que recebeu um cromossomo X a mais na transmissão genética. O indivíduo apresenta

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testículos pequenos, pênis pequeno, ginecomastia, infertilidade, redução da inteligência etc.

A síndrome de Turner apresenta, geralmente, a monossomia X0, ou seja, o indivíduo é fenotipicamente do sexo feminino, porém falta um cromossomo X. As mulheres portadoras dessa síndrome apresentam infantilismo sexual, gônadas hipodesenvolvidas, mamas pequenas, amenorréia etc.

Quando a não-disjunção cromossômica ocorre após a formação do zigoto – na embriogênese –, o embrião irá apresentar células normais ao lado de células trissômicas e monossômicas, caracterizando o mosaicismo. Pode haver, ainda, fragmentação das cromátides com perda de material genético dos cromossomos – deleção – podendo ocasionar malformação no embrião. Além disso, o material fragmentado de um cromossomo pode ligar-se a outro cromossomo – translocação –, o que pode ser causa de alteração de desenvolvimento.

É importante saber se essas anomalias cromossômicas podem ser conseqüentes à transmissão hereditária defeituosa ou a fatores ambientais agindo sobre as células sexuais – gametas – ou sobre as células em multiplicação no desenvolvimento embrionário. Se houve a influência de fatores ambientais, as más-formações decorrentes não serão dependentes de fatores intrínsecos. Muitas vezes não se descobre qual foi a causa determinante.

Fatores imunológicos:

Os fatores imunológicos intrínsecos causadores de doenças ocorrem quando há reação do sistema imune contra constituintes do organismo. Esse processo é conhecido como reação auto-imune. Neste caso, o antígeno é um componente do próprio organismo. Por exemplo, há um processo inflamatório da glândula tireóide – tireoidite crônica de Hashimoto – no qual há formação de anticorpos – autoanticorpos – contra a tireoglobulina – precursor do hormônio tireóideo – e comprometimento da glândula por infiltrado inflamatório constituído predominantemente por linfócitos, alterando a capacidade funcional da glândula, geralmente provocando quadro clínico de hipotireoidismo.

Convém citar que há outros mecanismos imunes capazes de causar lesão orgânica, os quais são ativados por agentes externos e, portanto, não servem como exemplos de fatores intrínsecos, embora sejam fatores imunológicos de doenças, como por exemplo, a glomerulonefrite pós-estreptocócica. Neste caso, o agente etiológico principal da doença é a bactéria Streptococcus β-hemoliticus. A infecção estreptocócica provoca a formação de complexos imunológicos se depositam na membrana basal glomerular, lesando os glomérulos, causando uma nefrite. Há, neste caso, um fator biológico determinante – o estreptococo – e um fator imunológico – complexo antígeno-anticorpo – desencadeante da lesão. Portanto, não é uma etiologia intrínseca.

Há ainda outros envolvimentos do sistema imune que não são considerados intrínsecos. É o caso da síndrome da imunodeficiência adquirida – a AIDS – onde há comprometimento do sistema imunológico, predispondo o organismo a numerosas doenças secundárias, sendo que o fator etiológico determinante é um vírus, portanto, um fator extrínseco.

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Fatores hormonais:

O organismo sofre, muitas vezes, modificações na produção de hormônios pelo sistema endócrino, sem nenhuma causa extrínseca conhecida. Por exemplo, pode haver alteração geral no crescimento do organismo, como é o caso do gigantismo por hiperfunção hipofisária e do nanismo por hipofunção hipofisária. Em alguns casos a ação hormonal compromete órgãos isolados, como ocorre no hiperestrogenismo que pode induzir alterações no crescimento endometrial – hiperplasia e câncer endometrial – ou no crescimento de ácinos mamários – câncer de mama.

Fatores psíquicos:

Os fatores psíquicos são decorrentes de qualquer atividade cerebral alterada capaz de causar perturbações mentais, habitualmente sem substrato morfológico conhecido. Essas perturbações mentais vão desde pequenas modificações no estado de saúde por labilidade emocional, chegando a quadros bem estabelecidos de neuroses e psicoses. Sabemos que situações estressantes e sentimentos de mágoa, ódio e inveja, entre outros sentimentos negativos, predispõem o organismo a sair do estado de homeostasia, abrindo a possibilidade de instalação de doenças, que são catalogadas atualmente como doenças psico-somáticas.

Fatores regressivos:

O envelhecimento do organismo é um processo natural. A deficiência progressiva dos sistemas cardiocirculatório e respiratório causa diminuição gradativa da oxigenação celular. Em conseqüência, há diminuição da síntese protéica pelas células, havendo menor atividade enzimática e hormonal, tornando o organismo mais frágil e susceptível às doenças. Na prática, os fatores regressivos, considerando seus aspectos intrínsecos, estão diretamente ligados aos aspectos étnicos. Há grupos étnicos com maior longevidade, como os japoneses, do que outros grupos, como os esquimós. Parte dessa longevidade pode estar diretamente relacionada com a hereditariedade, sendo este o aspecto intrínseco dos fatores regressivos. Entretanto, o aspecto comportamental relacionado com a conduta social do grupo étnico e hábitos saudáveis de exercício e nutrição contribuem para a maior sobrevivência dos membros do grupo, sendo estes aspectos de origem extrínseca.

Fatores etiológicos extrínsecos:

Desde o início da vida – na embriogênese – até a sua morte o organismo está exposto ao meio ambiente e a manutenção de sua saúde é dependente da interação com o meio. Didaticamente os fatores ambientais capazes de provocar doenças foram classificados em: sociais, físicos, químicos e biológicos.13

Fatores ambientais sociais:

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Os fatores ambientais sociais são aqueles dependentes das condições econômicas, educacionais e políticas dos indivíduos. Lembramos que esses três itens estão diretamente inter-relacionados.

A conseqüência mais grave da condição sócio-econômica deficiente de grande parte da população mundial é a desnutrição. Além de causar queda do rendimento global do organismo, inclusive com deficiência intelectual, a desnutrição é um fator predisponente a outras doenças que podem ser fatais. Por exemplo, o sarampo em criança bem nutrida geralmente é uma doença viral passageira, benigna, de cura espontânea. Na criança desnutrida, devido à queda de resistência do organismo, o sarampo pode evoluir para uma pneumonia grave, ocasionando a morte da criança.

A nutrição inadequada também está ligada a fatores sócio-educacionais. Mesmo em condições econônicas ideais, pode haver uma alimentação mal orientada com deficiência protéica, levando à desnutrição ou com excesso de lipídios, levando à obesidade, predispondo o indivíduo a doenças graves.

A educação adequada torna o indivíduo mais consciente da situação política da sociedade na qual está inserido e mais participante dos processos de modificações dos padrões dessa sociedade. A consciência sócio-política do indivíduo interfere na escolha de governantes e na sua responsabilidade como cidadão, participando mais ativamente na defesa da dignidade humana e na qualidade de vida da população.

Fatores ambientais físicos:

Entre os fatores presentes no meio ambiente capazes de causar modificações no estado de saúde dos organismos, os fatores físicos estão se tornando cada dia mais importantes. Os fatores mecânicos, por exemplo, particularmente aqueles relacionados com traumatismos por acidentes automobilísticos, são responsáveis pelo aumento da mortalidade entre jovens nos últimos anos.

As modificações climáticas, ocasionadas atualmente por preservação ambiental inadequada no planeta, têm provocado variações extremas de temperatura, tanto o frio como o calor excessivos. Elas têm sido também, fatores físicos importantes capazes de procovar um número significativo de mortes principalmente entre pessoas idosas nos países europeus.

Fatores ambientais químicos

Há uma infinidade de fatores químicos responsáveis pela instalação de doenças, a começar dos efeitos tóxicos secundários das drogas terapêuticas. Entretanto, na sociedade atual, os fatores químicos mais prejudiciais são o álcool e o fumo.

O alcoolismo é causa de doenças crônicas debilitantes como a cirrose alcoólica e doenças agudas fatais como a pancreatite aguda necro-hemorrágica e a hemorragia digestiva alta, pelos efeitos do etanol. Além disso, o alcoólatra é um dos principais causadores de acidentes de trânsito, aumentando os índices estatísticos da mortalidade por esses acidentes.

O tabagismo é, seguramente, a principal causa extríseca de doenças. O fumo está envolvido na instalação de cânceres de várias regiões do organismo como pulmões, boca, laringe, esôfago, bexiga urinária, entre outros. Ele também tem participação comprovada na formação de placas de

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aterosclerose nos vasos sanguíneos predispondo a doenças fatais ou debilitantes como o infarto do miocárdio e o derrame cerebral.

Fatores ambientais biológicos

O meio ambiente está abarrotado de agentes biológicos capazes de provocar doenças, a maioria deles microscópicos. A instalação e a ação desses agentes no organismo geralmente estão condicionadas à capacidade de defesa do sistema imunológico. Os agentes ambientais biológicos mais comuns são as bactérias, os vírus, os vermes e os fungos, capazes de provocar doenças inflamatórias, muitas delas fatais aos organismos.

Figura 1.2 Esquema geral da etiologia

A patologia estuda o mecanismo de ação das causas das doenças? 13

Os mecanismos pelos quais as causas agem para determinar as doenças são estudados na área da patologia geral denominada patogenia* (Fig. 1.3).

Costuma-se usar também o termo fisiopatologia para explicar os mecanismos de instalação e desenvolvimento das lesões provocadas por agentes agressivos.

Para o estabelecimento de uma lesão é necessária a interação entre fatores dependentes do agente agressor com fatores dependentes do hospedeiro.

São fatores dependentes do agente etiológico a concentração e a duração de exposição do agressor e a agressividade, toxicidade ou virulência do mesmo.

Quanto mais concentrado estiver o agente, mais grave poderá ser a lesão. Por exemplo, se derramarmos soda cáustica – hidróxido de sódio - concentrada na pele, ela provocará lesão mais grave do que se a soda estiver diluída. Porém, se demorarmos mais tempo para lavar a área agredida com soda diluída a lesão assumirá maior gravidade.

Fatores intrínsecos

Fatores extrínsecos

GenéticosImunológicos

PsíquicosRegressivos

Ambientais sociais

Ambientais físicosHormonais

ETIOLOGIA

Ambientais químicosAmbientais biológicos

EconômicasEducacionaisPolíticas

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*do grego, páthos: sofrimento ou doença1, e do grego, gígnomai: gerar, ou do grego, gen: raiz, ou do grego, génesis, ou do latim, gênese: geração, criação. 1, 2

Quanto à agressividade, por exemplo, a agressão do colo uterino pelo papiloma vírus – HPV: Human pappiloma virus – pode provocar mutação celular com desenvolvimento de câncer de colo se o subtipo do HPV for mais agressivo do que um subtipo menos agressivo, o qual poderá provocar apenas uma lesão verrucosa benigna.

São fatores dependentes do hospedeiro a sua vulnerabilidade e a sua resistência à instalação das doenças.

A transmissão hereditária dá ao organismo um conjunto de características estruturais e funcionais que recebe o nome de constituição. Embora seja determinada pela hereditariedade, a constituição é modificada por fatores ambientais tanto durante como após o desenvolvimento embrionário, formando o tipo constitucional do indivíduo.

Dependendo do tipo constitucional, o organismo pode ser mais vulnerável ou mais resistente à instalação de uma doença.

A vulnerabilidade do organismo a determinada doença, quando sofre a ação de estímulos agressivos ambientais, é denominada predisposição.

A resistência do organismo aos estímulos agressivos ambientais, impedindo a instalação da doença, é denominada refratariedade.

Figura 1.3 Esquema geral da patogenia

Por exemplo, o indivíduo do tipo constitucional leptossômico – alto e magro – é mais vulnerável a adquirir tuberculose quando em contato com o bacilo dessa moléstia do que o indivíduo de tipo constitucional pícnico –

Hereditariedade

Constituição

Predisposição Refratariedade

PATOGENIA

Ambiente

Fatores dependentes do hospedeiro

Agressividade,Toxicidade ouVirulenciaTipo constitucional

Fatores dependentes do agente agressor

Concentração do agente

Duração da esposiçao

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baixo e obeso. Por outro lado, os pícnicos têm maior predisposição à aterosclerose – com tendência ao infarto do miocárdio e ao derrame cerebral –, ao diabetes mellitus e à hipertensão arterial, do que os leptossômicos. Isso não significa que os indivíduos baixos e obesos nunca terão tuberculose e os altos e magros nunca apresentarão quadro de derrame cerebral. Há apenas maior refratariedade, necessitando de outros fatores para a instalação da doença, como por exemplo, maior virulência do agente agressor, no caso da tuberculose, ou a associação com tabagismo e nutrição inadequada, no caso da aterosclerose.

Convém lembrar que ninguém adquire tuberculose sem a presença do bacilo de Koch (BK), assim como, não há lesão herpética bucal sem a presença de Herpes vírus. Entretanto, a simples presença de BK e de Herpes vírus no organismo não garante o desenvolvimento das doenças relacionadas com esses agentes agressivos. Outros fatores são importantes na instalação dessas doenças, assim como na maioria das doenças.

A patologia estuda as respostas do organismo às agressões? 12

A partir de seu ponto inicial representado pela união dos gametas paterno e materno na formação da célula ovo, o organismo herda características, fornecidas pela sua constituição genômica, que irão acompanhá-lo até a morte. Muitas dessas características herdadas são danosas ao organismo, assim como algumas alterações que podem ocorrer na gametogênese ou na embriogênese, herdadas ou não. Elas podem ocasionar respostas inadequadas ao funcionamento normal do organismo em desenvolvimento ou já integralmente formado. Pode haver desde malformações congênitas, como alterações que podem surgir após o desenvolvimento, como diabetes mellitus, assim como maior susceptibilidade às infecções, maior predisposição aos cânceres etc.

Por outro lado, o meio ambiente também pode oferecer numerosos agentes agressores capazes de provocar respostas inadequadas do organismo levando às alterações estruturais e funcionais já discutidas.

Quando o organismo é submetido a estímulos capazes de modificar sua estabilidade, ele reage, a princípio, com mecanismos defensivos que procuram manter o estado fisiológico – mecanismos homeostáticos – mesmo que essa reação provoque certas modificações estruturais na tentativa de manter a atividade funcional de suas células, tecidos ou órgãos. Essa capacidade de responder a agressões com modificações funcionais dentro dos limites da normalidade, com ou sem alterações estruturais, sem caracterizar a doença, é chamada adaptação. Ela é um mecanismo natural de defesa do organismo. Por exemplo, um individuo que pratica levantamento de halteres necessita do aumento da potência dos músculos dos braços para se adaptar à maior exigência funcional. Essa adaptação é realizada pela hipertrofia muscular, ou seja, pelo aumento de volume das células musculares, aumentando sua capacidade funcional.

Quando a agressão consegue sobrepujar os mecanismos homeostáticos a reação do organismo é representada morfologicamente pela lesão. Esta também depende da interação dos agentes agressivos com a reação dos mecanismos defensivos. Existem numerosos agentes capazes de lesar o organismo e uma quantidade limitada de respostas deste às agressões (Fig. 1.4).

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Estas respostas podem ser catalogadas como: alterações de desenvolvimento, alterações de crescimento, alterações metabólicas, alterações inflamatórias e alterações circulatórias.

Figura 1.4 Esquema geral de agressão x defesa

Alterações de desenvolvimento:

As alterações de desenvolvimento são modificações patológicas que se instalam geralmente durante o desenvolvimento intra-uterino do organismo – más-formações congênitas – conseqüentes a transmissão hereditária defeituosa pelos gametas paterno e materno, a anomalias cromossômicas com ou sem caráter hereditário ou a anomalias adquiridas durante a vida intra-uterina pela ação de estímulos agressivos ambientais.

As más-formações congênitas são alterações estruturais que se instalam durante o desenvolvimento intra-uterino, seja por causa hereditária, por anomalias cromossômicas não-hereditárias ou por ação de fatores ambientais. Elas geralmente se manifestam logo após o nascimento do indivíduo ou podem permanecer ocultas, principalmente quando não causam alterações funcionais, como é o caso da hipoplasia renal unilateral que pode ser encontrada em exames necroscópicos de indivíduos que nunca manifestaram problemas renais.

Os fatores ambientais capazes de provocar alterações de desenvolvimento, principalmente na embriogênese, podem ser físicos, químicos ou biológicos. A irradiação é um fator físico importante na determinação de más-formações. Entre os fatores químicos, é muito conhecido o efeito da talidomida em mulheres grávidas, provocando a focomelia, ou seja, membros mais curtos que o normal. Quanto aos fatores biológicos, podemos citar como exemplo as más-formações fetais conseqüentes a infecção materna pela rubéola, pelo sarampo ou pela toxoplasmose, principalmente no primeiro trimestre gestacional – embriogênese – provocando modificações importantes, às vezes incompatíveis com a vida.

As alterações de desenvolvimento também podem se instalar após o nascimento do indivíduo, mesmo sendo de caráter hereditário, habitualmente sem alteração morfológica, aparecendo o dano apenas em nível bioquímico como é o caso de distúrbios metabólicos como o diabetes mellitus e a

DOENÇAADAPTAÇÃOSAÚDE

Agressão

DefesaLesãoHomeostasia

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fenilcetonúria. Mesmo certas aberrações cromossômicas podem ter manifestações tardias, como é o caso da síndrome de Klinefelter e da síndrome de Turner. Então, embora genéticas, essas alterações não podem ser consideradas congênitas Fig. 1.5).

Há várias formas de expressão morfológica das alterações de desenvolvimento com características congênitas, tais como: 14

Agenesia*: é a ausência absoluta de um órgão pela falta total na formação do mesmo. Ela pode ser compatível com a vida desde que o órgão ausente não seja indipensável, como por exemplo a agenesia esplênica ou faça parte de órgãos duplos, como a agenesia renal unilateral.

Aplasia**: é a ausência do desenvolvimento de um órgão que se limita à formação de seu esboço embrionário. Funcionalmente, o órgão aplásico age como se estivesse ausente.

Hipoplasia***: é a parada de desenvolvimento de um órgão em determinado ponto antes de sua maturação, tornando esse órgão funcionalmente deficiente.

Ectopia****: é o desenvolvimento de um órgão fora do seu local original. Como exemplo, pode-se citar a tireóide ectópica situada na região mediastinal, ou o coração invertido para o lado direito do tórax, caracterizando a dextrocardia. Há um padrão especial de ectopia onde tanto os órgãos torácicos como os abdominais aparecem no lado oposto ao encontrado regularmente. Essa alteração é chamada situs inversus totalis.

Duplicação: é a presença de órgãos supranumerários, como por exemplo, um terceiro rim – rim supranumerário – ou a presença de dois ou mais baços – baços supranumerários – geralmente encontrados ao exame necroscópico, sem nenhuma repercussão funcional.

Sínfise*****: é a fusão dos órgãos durante o desenvolvimento, ou ausência de separação dos mesmos durante a migração na vida intra-uterina. Como exemplo, há a fusão dos rins por um dos pólos, formando o rim em ferradura.

Estenose******: é o estreitamento ou constrição congênito de um órgão geralmente tubular. Por exemplo, a estenose do arco aórtico é uma má-formação congênita conhecida como coarctação da aorta. Outro exemplo é a estenose esofágica, com estreitamento segmentar da luz desse órgão, o qual pode ser congênito, mas freqüentemente é adquirido, geralmente por ingestão de soda cáustica – estenose cáustica do esôfago.

Atresia*******: é a oclusão completa da passagem natural de um órgão. Como exemplo, a oclusão completa da válvula tricúspide, entre o átrio e o ventrículo direito no coração é chamada atresia tricúspide, geralmente associada com hipoplasia do ventrículo direito e presença de comunicações interatriais e interventriculares.

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*do grego, a: privação, negação e do grego, gígnomai: gerar, ou do grego, gen: raiz, ou do grego, génesis, ou do latim, gênese: geração, criação. 1, 2

**do grego, a: privação, negação e do grego plásis: ação de modelar, dar feição, formador de, multiplicação, proliferação 1, 2

***do grego, hipo sob, debaixo de, embaixo, e do grego plásis:ação de modelar, dar feição, formador de, multiplicação, proliferação 1, 2

****do grego, ektós: fora de, e do grego, topos: lugar. 1, 2

*****do grego, súmphusis: ação de nascer ou crescer junto, união, coesão.1

******do grego, sténos: estreito, apertado.1

*******do francês, atrésie: esteritamento de canal, imperfuração; do grego, a: privação, negação e do grego, trêsis: ação de fazer orifício.1

Outro exemplo é a atresia esofágica com a porção proximal do esôfago, ligada à faringe, terminando em fundo cego, com segmento esofágico representado por cordão fibroso não canalizado ligando-se com a porção distal do esôfago que chega ao cárdia. Geralmente a atresia esofágica é associada com fístula conectando o fundo cego proximal com a traquéia ou o fundo cego distal com a traquéia ou com um brônquio principal. Há necessidade de correção cirúrgica para a manutenção da vida do indivíduo.

Figura 1.5 Esquema geral das alterações de desenvolvimento

Alterações de crescimento:

O desenvolvimento do organismo ocorre a partir do zigoto com a multiplicação e diferenciação de suas células. A multiplicação celular se realiza pela síntese e duplicação do DNA nuclear, seguidas da divisão celular.

Alterações do desenvolvimento

Nosologia

Etiologia

HereditáriasNão-disjunção cromossomica

Ambientais

Alterações cromossômicas não hereditárias

DeleçãoTranslocação

QuímicasFísicas

BiológicasAgenesiaAplasiaHipoplasiaEctopiaDuplicaçãoSínfiseEstenoseAtresia

aneuploidiamosaicismo

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Na fase de crescimento do organismo a multiplicação celular acontece por influência direta do hormônio somatotrófico – hormônio do crescimento – elaborado na hipófise.

Além de se multiplicar, as células possuem a capacidade de se diferenciar, ou seja, cada grupo celular específico adquire funções próprias do órgão por elas constituído.

Essa diferenciação depende da seqüência de aminoácidos de suas moléculas protéicas, a qual é determinada pelos genes e modificada por fatores ambientais.

Embora toda célula do organismo receba os mesmos genes dos gametas paternos, a diferenciação celular é caracterizada pela manifestação dos genes específicos para as funções que a célula irá exercer e pela inibição dos demais genes.

Quando há modificações na capacidade de multiplicação e de diferenciação celular por múltiplos fatores teremos as alterações de crescimento, caracterizadas por diminuição ou por aumento estrutural sistêmico – gigantismo, acromegalia, nanismo, progéria – ou localizado – atrofia ou hipotrofia, hipertrofia, hiperplasia, metaplasia, displasia, neoplasia.14

Gigantismo*: conseqüente à hiperfunção hipofisária – hiperpituitarismo – por produção exagerada do hormônio de crescimento, durante a fase de crescimento do organismo. Pode ocorrer em conseqüência a um problema genético ou por hiperplasia ou neoplasia hipofisária, com proliferação de células eosinófilas produtoras de hormônio somatotrófico.

Acromegalia**: crescimento exagerado das extremidades – mãos longas, pés grandes, maxilar e molar proeminentes – quando o aumento da produção do hormônio somatotrófico ocorre após o desenvolvimento normal, portanto, na idade adulta, quando as epífises ósseas já se fecharam.

Nanismo***: conseqüente a hipofunção da adeno-hipófise com diminuição na produção do hormônio de crescimento durante o desenvolvimento do organismo, causando retardo no crescimento.

Progéria****: conseqüente a diminuição de células eosinófilas da hipófise anterior, ocasionando retardo no crescimento do organismo – nanismo – e envelhecimento precoce das células – senilidade precoce – em poucos anos de vida. Nanismo congênito em que o indivíduo apresenta aspectos externos e faciais de velhice precoce, com queda dos cabelos, pele enrugada, magreza etc. É denominado nanismo senil. A causa é desconhecida.

Atrofia***** ou hipotrofia******: é a diminuição sistêmica ou localizada do volume e do número de células, compromentendo os tecidos e órgãos do organismo. Sistemicamente, a hipotrofia ocorre na fase de envelhecimento, quando há menor nutrição celular principalmente por comprometimento do sistema cárdio-vascular. As células têm seu volume diminuído, com degradação de organelas citoplasmáticas, formando pequenos grumos intracitoplasmáticos de um pigmento marrom-amarelado denominado lipofuscina. Este pigmento provoca a modificação de cor da pele

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do idoso, que além do enrugamento pela perda do trofismo, fica mais escura, acastanhada.

Os órgãos internos também sofrem hipotrofia, como o fígado e o coração, que ficam menores e de cor acastanhada, aspecto denominado de atrofia parda.

*do grego, gígas,gígantos, e do latim, gigas,antis: gigante**do grego ákron: cume, ponta, extremidade, e do grego, megalo: grande***do grego, nánnos: anão****do latim, progeria e do grego, progêrós: prematuramente velho; do grego, pro: antes e do grego, geras: velhice. *****do grego, a, e do latim, ab: privação, negação, afstamento, separação e do grego, trophé: nutrição; do grego e do latim, atrophia: insuficiência de nutrição******do grego: hypó: posição inferior, escassez, diminuição e do grego, trophé: nutrição

A diminuição estrutural localizada também ocorre por diminuição nutricional das células. É bastante conhecida a atrofia ou hipotrofia conseqüente ao desuso. Por exemplo, quando acidentalmente quebramos um membro, no processo de recuperação da estrutura óssea lesada, para formação do calo ósseo, há necessidade de imobilizar esse membro por um período de tempo. Quando o processo de recuperação da fratura se estabelece, permitindo a volta do membro às suas funções normais, notamos que esse membro está afilado em relação ao membro contralateral.

Se examinarmos algumas células musculares do membro comprometido e do membro contralateral à miscroscopia eletrônica, notaremos que o membro que ficou imobilizado apresenta células musculares menores, com menor quantidade de mitocôndrias, pois necessitou de menor quantidade de ATP por ter usado menos energia. Também notamos menor quantidade de retículo endoplasmático, pois as células musculares precisaram de menor quantidade de proteínas, particularmente de actina e miosina, visto que durante a imobilização elas não estavam sendo contraídas com a mesma freqüência e intensidade que aquelas do membro contralateral. Então, o próprio organismo provocou a hipotrofia no membro em desuso, aproveitando os constituintes celulares em desuso para outras funções em outros locais do organismo que estavam necessitando de maior demanda. Este é um belo recado para os ociosos: o que não se usa, atrofia.

A hipotrofia também pode ocorrer por deficiência nutricional pelo menor aporte de sangue a determinadas regiões, com diminuição de oxigênio e nutrientes. É o caso da atrofia isquêmica renal causada por redução da luz arterial na trombose mural na artéria renal. Também merece ser citada a atrofia cerebral em consequência da diminuição da luz das artérias cerebrais pela aterosclerose.

Hipertrofia*: é o aumento do volume celular, em resposta a um estímulo, geralmente de forma ordenada e simétrica, aumentando, conseqüentemente, o volume do tecido ou do órgão comprometido.

A hipertrofia pode ser considerada fisiológica quando ela ocorre em resposta a estímulos normais, como um fenômeno adaptativo. É o que ocorre com a musculatura uterina durante a gravidez ou com a musculatura esquelética nos exercícios de musculação. Nesses casos, a hipertrofia é uma adaptação.

A hipertrofia ocorre, geralmente, em células permanentes, habitualmente incapazes de divisão celular após o desenvolvimento do organismo, como é o

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caso das células musculares estriadas. Estas respondem a uma maior solicitação de trabalho com maior diferenciação celular.

A hipertrofia é patológica quando em resposta a um estímulo anormal, como por exemplo, a hipertrofia cardíaca, particularmente a hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo, nos indivíduos portadores de hipertensão arterial sistêmica. Neste caso, a hipertrofia é uma lesão, fazendo parte de um processo patológico, mesmo se considerando que é uma resposta adaptativa dentro das características morfológicas da doença em questão.

*do grego: hypér: posição superior, além, excesso e do grego, trophé: nutrição 1, 2

Hiperplasia*: é o aumento numérico das células, geralmente ordenado e simétrico, em resposta a um estímulo. A hiperplasia só ocorre nas células que mantém a capacidade de divisão celular após o desenvolvimento normal do organismo – células lábeis e estáveis – e, desde que cessado o estímulo, cessa a multiplicação celular.

A hiperplasia pode ser fisiológica, como é o caso da multiplicação das células acinares nos lóbulos mamários no período da lactação.

A hiperplasia é considerada patológica quando responde a um estímulo anormal. É o que ocorre na hiperplasia prostática, considerada como uma resposta a um estímulo hormonal, particularmente a ação da diidrotestosterona, um metabólito da testosterona, principalmente na senilidade.

Habitualmente, quando cessam os estímulos desencadeantes da hiperplasia, a tendência é o retorno à normalidade;

Metaplasia**: é um fenômeno que ocorre quando em resposta a um estímulo agressivo um tecido modifica o padrão normal de suas células, que são substituídas por outro padrão tecidual ainda ordenado e simétrico, geralmente tendo como objetivo uma função de defesa. Neste caso, além da multiplicação celular há modificação na diferenciação celular.

Por exemplo, o epitélio bronquial normalmente cilíndrico ciliado, produtor de muco, em conseqüência da agressão por substâncias nocivas presentes no cigarro, é transformado em epitélio pavimentoso estratificado, semelhante ao da pele, mais adaptado para se defender dessa agressão. Também no colo uterino, o epitélio cilíndrico simples endocervical, por estímulos agressivos, pode sofrer transformação metaplásica para epitélio pavimentoso estratificado – metaplasia escamosa cervical. Após cessado o estímulo, o epitélio metaplásico pode retornar ao padrão epitelial original.

Displasia***: é o fenômeno que ocorre quando um tecido submetido a estímulo agressivo sofre crescimento algo desordenado, com certa despolarização e atipias celulares, podendo ou não regredir essa modificação tissular após cessado o estímulo. Frequentemente a displasia ocorre em áreas já modificadas em metaplasia, principalmente na endocérvice e no epitélio bronquial já citados.

A maior importância da displasia é a sua capacidade de evoluir para crescimento desordenado, autônomo, com atipias celulares às vezes

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aberrantes, independente da manutenção do estímulo inicial. Nessas condições, há alteração das propriedades biológicas, passando a ter existência autônoma, evoluindo para processo neoplásico.

* do grego: hypér: posição superior, além, excesso e do grego, plásis:ação de modelar, dar feição, formador de, multiplicação, proliferação 1, 2

**do grego, meta: mudança, posterioridade, além de, transcendência, e do grego, plásis:ação de modelar, dar feição, formador de, multiplicação, proliferação 1, 2

***do latim, dis: separação, disjunção, dispersão, negação ou do grego, dys: mau estado, dificuldade, perturbação, oposição e do grego, plásis:ação de modelar, dar feição, formador de, multiplicação, proliferação 1, 2

Neoplasia*: é o processo patológico que ocorre quando a lesão é caracterizada por proliferação celular anormal, não-coordenada com o tecido do qual ela se originou, geralmente formando uma massa tumoral – neoplasma – cujo crescimento persiste de modo autônomo após cessado o estímulo que o provocou, dependendo apenas do suprimento sanguíneo do hospedeiro, sem finalidades úteis, sendo predatório para o hospedeiro e podendo provocar reações de defesa deste, geralmente de caráter imunológico.

Embora a neoplasia esteja representada habitualmente por uma massa tumoral, nem todo tumor é neoplásico. Uma área localizada de inchaço – edema – fazendo parte de uma resposta inflamatória do organismo é morfologicamente um tumor, mas não é neoplasia. Um sangramento localizado formando um hematoma também é uma lesão tumoral sem ser neoplásica.

Por outro lado, há neoplasias que não formam neoplasmas. Na maioria dos processos cancerosos leucêmicos as células neoplásicas predominam circulando no sangue periférico, sem formar tumores.

As neoplasias tanto em seus aspectos patológicos, clínicos ou cirúrgicos são estudadas na área médica denominada oncologia**. Os serviços de oncologia costumam limitar sua ação ao diagnóstico e tratamento de cânceres, deixando os tumores benignos sob a responsabilidade dos clínicos e cirurgiões gerais.

No entanto, as neoplasias são classificadas em malignas – cânceres – e benignas.

A neoplasia benigna é bem diferenciada, ou seja, apresenta células geralmente semelhantes às células do tecido do qual essa neoplasia se originou. Habitualmente ela cresce lentamente – geralmente anos – e em função disso, há poucas mitoses sem atipias no tecido neoplásico. A neoplasia benigna, embora não freqüentemente, pode até parar seu crescimento temporariamente – latência – ou mesmo definitivamente chegando a atrofiar e até calcificar.

Geralmente apresenta crescimento expansivo, comprimindo o tecido normal em torno, sem invadí-lo, podendo formar uma cápsula ou pseudo-cápsula de tecido conjuntivo em torno, apresentando limites nítidos. Essa

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característica torna essa neoplasia de fácil enucleação quando é retirada cirurgicamente.

A neoplasia benigna geralmente não põe em risco a vida do indivíduo, exceto quando está localizada em área vital – exemplo: astrocitoma benigno do tronco cerebral – ou quando elabora algum produto capaz de interferir com a homeostasia – exemplo: adenoma de ilhotas de Langerhans produtor de insulina, causando hipoglicemia fatal. As neoplasias benignas nunca se disseminam pelo organismo.

Quanto à nomenclatura, as neoplasias benignas geralmente recebem o sufixo oma, tanto nas neoplasias de origem epitelial como as de outras origens, particularmente de origem mesenquimal. Temos como exemplos:

Neoplasias benignas epiteliais: adenoma – neoplasia benigna de células glandulares; papiloma – de células epiteliais pavimentosas, cilíndricas ou transicionais.

Neoplasias benignas mesenquimais: fibroma – de fibroblastos; lipoma – de adipócitos; condroma – de condrócitos; osteoma – de osteócitos; leiomioma – de células musculares lisas; rabdomioma – de células musculares estriadas.

Neoplasias benignas endoteliais e correlatas: linfangioma – de vasos linfáticos; hemangioma – de vasos sanguíneos; meningioma – de células meníngeas.

* do grego: néos: novo e do grego, plásis:ação de modelar, dar feição, formador de, multiplicação, proliferação 1, 2

** do grego: ógkos: volume, massa, inchaço do grego, e lógos: tratado, estudo 1, 2

A neoplasia maligna costuma ter maior grau de indiferenciação. As células geralmente têm pouca semelhança com as células do tecido original, havendo, então, pleomorfismo celular, com núcleos celulares grandes – relação núcleo/citoplasmática aumentada – hipercromáticos – com cromatina grosseira –, aberrantes – anaplasia* –, chegando a formar células gigantes tumorais. O crescimento é rápido – aumenta muito seu tamanho em semanas ou meses – e, em razão disso, apresenta numerosas mitoses, muitas delas atípicas, no corte histológico. Como o crescimento às vezes é muito rápido, o estroma vascular do tecido de origem da neoplasia não consegue acompanhar a multiplicação celular e muitas células neoplásicas morrem – necrose – e há lesão de vasos sanguíneos – hemorragia – sendo comum a presença de focos de necrose e hemorragia nos cânceres mais agressivos. O crescimento é invasivo aos tecidos vizinhos à neoplasia, tornando-a sem limites precisos e sem encapsulamento, sendo difícil sua enucleação no procedimento cirúrgico de retirada da neoplasia. As neoplasias malignas podem invadir vasos sanguíneos e linfáticos e disseminar pelo organismo, instalando-se em lugares diferentes de seus locais de origem – metástases**

Quanto à nomenclatura dos cânceres, os tumores malignos mesenquimais, endoteliais e correlatos recebem o nome genérico de sarcoma*** pelo aspecto semelhante à carne de peixe, enquanto que os tumores malignos de origem epitelial recebem o nome genérico de carcinoma**** pelo aspecto infiltrativo como patas de caranguejo. Como exemplos, podemos citar:

Neoplasias malignas epiteliais: carcinoma epidermóide, escamoso ou espino-celular – do epitélio pavimentoso da pele, esôfago, bronquial etc.; carcinoma basocelular – das células da camada basal da epiderme; carcinoma folicular – de células epiteliais foliculares da tireóide; adenocarcinoma – de células glandulares das mucosas gástrica e intestinal, de glândulas salivares,

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do pâncreas exócrino etc.; carcinoma papilífero – de células epiteliais transicionais da bexiga urinária; carcinoma de células claras – do epitélio tubular renal.

Neoplasias malignas mesenquimais e correlatas: osteossarcoma – de osteoblastos; fibrossarcoma – de fibroblastos; hemangiossarcoma – de vasos sanguíneos; condrossarcoma – de condroblastos; lipossarcoma – de adipócitos; rabdomiossarcoma – de células musculares estriadas; linfangiossarcoma – de vasos linfáticos; leiomiossarcoma – de células musculares lisas.

Algumas neoplasias malignas são conhecidas com nomenclatura inadequada, como é o caso do hepatoma, neoplasia maligna de hepatócitos, cujo nome correto é hepatocarcinoma e do melanoma, neoplasia maligna de melanócitos, que é corretamente chamado de melanocarcinoma. O mesmo acontece com os linfomas que são neoplasias malignas mesenquimais que antigamente, em sua classificação, aparecia um tipo denominado linfossarcoma, cujo nome foi abandonado nas classificações mais atualizadas dos linfomas. Então, é comum encontrar na literatura a presença do termo linfoma maligno. Outra neoplasia mesenquimal maligna, a leucemia, não usa o sufixo oma pelo fato de habitualmente não formar neoplasmas, ou seja, tumores.

* do grego: anaplásis: remodelação, nova formação; do grego, aná: em ascensão, invertido, contrário, de novo, reiterado, ação contrária, duas vêzes e do grego, plásis:ação de modelar, dar feição, formador de, multiplicação, proliferação 1, 2

**do grego, metástasis: deslocamanto, afastamento, mudança de lugar; do grego, meta: mudança, posterioridade, além de, transcendência, e do grego, stásis: estabilidade, fixidez 1, 2

***do grego, sárks: carne e do grego, ogköma: inchaço, tumor****do grego, karkinos: caranguejo, câncer e do grego, ogköma: inchaço, tumor

Convém lembrar que as características gerais que diferenciam as neoplasias benignas e malignas não são absolutas. Há neoplasias benignas de comportamento infiltrativo como os astrocitomas cerebrais e os linfangiomas, neoplasias benignas com células aberrantes, pleomórficas, como o adenoma atípico da tireóide e o leiomioma bizarro uterino e neoplasias malignas com células sem atipias e encapsuladas como o carcinoma folicular da tireóide. A única característica absoluta na diferenciação de benignidade e malignidade é a metástase. As neoplasias benignas nunca formam metástases. (Fig. 1.6)

Fatores intrínsecos

RegressivosGenéticos

Hormonais

QuímicosFísicos

Biológicos

Fatores extrínsecos

Nosologia

Etiologia

Alterações do crescimento

Sistêmicas

Localizadas

AcromegaliaGigantismo

Nanismo

HipotrofiaAtrofia /

Metaplasia

Hipertrofia

DisplasiaNeoplasia

MalígnaBenígna

Câncer

Progéria

Hiperplasia

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Figura 1.6 Esquema geral das alterações do crescimento

Alterações metabólicas:15

As alterações metabólicas são modificações da homeostasia orgânica, caracterizadas por alterações celulares ou intersticiais – degenerações e infiltrações – dos tecidos e órgãos, conseqüentes a múltiplas causas, com modificação quantitativa de substâncias endógenas ou exógenas, iniciando a nível bioquímico, freqüentemente evidenciadas por alterações morfológicas geralmente reversíveis, podendo evoluir para a morte celular – necrose.

Na alteração metabólica reversível pode haver restituição integral da estrutura e função das células, com cura completa, quando cessa a ação do agente agressor. Entretanto, nas lesões irreversíveis, quando há morte celular, a conseqüência para o organismo depende de vários fatores. Se o arcabouço geral do tecido envolvido não foi comprometido e este tecido possui células lábeis ou estáveis, ou seja, células capazes de proliferar, as células mortas poderão ser substituídas, fazendo o órgão atingido retornar ao seu funcionamento normal com restituição integral da estrutura – resolução. Quando a agressão é muito extensa, comprometendo o arcabouço do tecido, pode haver regeneração apenas parcial das células, sendo que as áreas não regeneradas geralmente são substituídas por cicatrização, portanto, com cura incompleta. Quando o tecido lesado possui células permanentes – que habitualmente não proliferam após o nascimento do indivíduo – não haverá regeneração, podendo haver cicatrização em substituição ao tecido lesado. Portanto, neste caso, se houver cura, ela será incompleta.

Tanto nos tecidos de células lábeis e etáveis, como naqueles de células permanentes, se a morte celular envolver células indispensáveis a manutenção da vida do organismo, haverá morte orgânica.

Como exemplo podemos citar a comparação entre áreas de isquemia – falta de oxigênio causando morte celular – comprometendo órgãos diferentes como o baço e o coração, ocasionando infartos – áreas localizadas de morte tecidual – nesses órgãos. O infarto do baço geralmente evolui para cicatrização, em substituição às células mortas. Porém, o infarto do miocárdio com certa freqüência é fatal, causando a morte do organismo – morte somática – pois o funcionamento normal do músculo cardíaco é essencial para a manutenção da vida, enquanto esta pode se manter muito bem sem a presença do baço.

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Alterações metabólicas reversíveis:Por mecanismos homeostáticos as células são capazes de se adaptar a

certas variações ambientais e à ação de agentes agressivos, no intuito de manter as funções metabólicas normais. Em essência, há preservação do núcleo – manutenção da integridade gênica – da membrana celular – preservação da homeostasia iônica e osmótica – e das organelas citoplasmáticas – manutenção da fosforilação oxidativa pelas mitocôndrias com produção de ATP e conservação do sistema reticular com preservação da síntese protéica estrutural, hormonal e enzimática.

Quando a agressão consegue superar a capacidade de manutenção da homeostasia pela célula, ocorre a lesão. Então, a capacidade adaptativa celular é vencida pela agressão, ocorrendo a alteração metabólica.

As alterações metabólicas são evidenciadas morfologicamente pelo acúmulo de substâncias tanto intracelular como extracelular ou intersticial. Esse acúmulo pode ocorrer por defeito celular na metabolização de suas próprias substâncias, demonstrando uma lesão celular propriamente dita – degeneração. O acúmulo pode também ocorrer simplesmente pelo armazenamento de substâncias produzidas pelas próprias células ou captadas do meio e acumuladas nas células ou nos espaços intersticiais, sem significar necessariamente doença específica do tecido comprometido – infiltração.

O acúmulo de uma substância nas células, tecidos e órgãos, a ponto de ser visível morfologicamente, pode depender de muitos fatores. Entre esses fatores causais, podemos considerar:

1. deficiência na metabolização de substâncias normais: A célula não consegue metabolizar a substância e esta fica acumulada dentro da célula. Como exemplo, na doença de Von Gierke – uma glicogenose – há deficiência enzimática de glicose 6-fosfatase, que é uma enzima envolvida na degradação de glicogênio em glicose. Então, há prejuízo na metabolização do glicogênio que se acumula nos núcleos e citoplasmas dos hepatócitos – degeneração hepatocítica – com hepatomegalia e se acumula no citoplasma de células tubulares corticais renais – infiltração tubular renal – com renomegalia.

2. excesso de produção de substâncias normais: A célula produz excesso de substância que, se não for excretada, irá permanecer como acúmulo, geralmente no citoplasma celular. Na maioria dos casos esse processo é considerado mais como infiltração do que degeneração, visto que a célula está produzindo a substância que ela normalmente produz, porém, em maior quantidade. Isso ocorre, por exemplo, em inflamações crônicas com predomínio de plasmócitos. Estes são células linfóides produtoras de imunoglobulinas. O excesso de produção destas proteínas provoca acúmulo das mesmas no citoplasma do plasmócito tornando a célula globosa, hialina, com núcleo deslocado para a margem da célula – corpo ou corpúsculo de Russel. Há uma neoplasia plasmocitária – mieloma múltiplo – onde o acúmulo de imunoglobulinas ocorre tanto no citoplasma do plasmócito – corpo de Russel – como no núcleo do mesmo – corpo de Dutcher.

3. excesso de captação de substâncias normais: A célula recebe maior oferta da substância em questão, havendo acúmulo da mesma. Por exemplo, a causa mais comum de síndrome nefrótica em crianças é a doença glomerular de lesão mínima ou nefrose lipóide. Nela há destruição difusa dos pedículos das células epiteliais dos glomérulos, lesão esta que só é vista ao microscópio

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eletrônico. Há perda da capacidade de filtração de proteínas pelos glomérulos, particularmente a albumina e também de lipídios sob a forma de lipoproteínas. Essas substâncias são reabsorvidas pelas células tubulares proximais, acumulando-se sob a forma de gotículas hialinas. Portanto, não se trata de uma degeneração celular tubular e sim de infiltração, pois a lesão é glomerular, embora a alteração morfológica evidenciável seja tubular. As células tubulares estão apenas cumprindo a sua função de captação de substâncias filtradas pelos glomérulos.

4. Excesso de captação de substâncias estranhas: A célula é capaz de capturar substâncias metabolizadas previamente, as quais devem ser eliminadas. Por exemplo, em hemorragias localizadas a degradação de hemoglobina produz um pigmento castanho – hemossiderina – que é fagocitado pelos macrófagos para sofrer degradação.

5. Deficiência na excreção de substâncias normais metabolizadas: A célula metaboliza normalmente a substância, mas não consegue excretá-la com eficiência, causando acúmulo. É o caso da síndrome de Dubin-Johnson, doença hereditária com defeito genético na capacidade do hepatócito em excretar o pigmento biliar – bilirrubina – com acúmulo desta substância no citoplasma do hepatócito sob a forma de pigmento esverdeado.

Tanto as substâncias próprias do organismo – endógenas – como aquelas obtidas do meio ambiente – exógenas – podem acumular nas células e no interstício dos tecidos e órgãos com características degenerativas ou infiltrativas.

A primeira modificação celular após a agressão é a nível bioquímico, com alterações metabólicas sem modificação morfológica aparente. As alterações morfológicas só ocorrem quando começa a haver modificação estrutural nas organelas celulares.

A agressão geralmente começa atingindo um sistema específico das células, porém freqüentemente há efeitos mais amplos com comprometimento de outros componentes celulares. Por exemplo, se a agressão for mitocondrial haverá depressão da fosforilação oxidativa com diminuição da síntese de ATP, podendo acarretar alteração na permeabilidade seletiva da membrana celular que é ATP-dependente, podendo levar a desequilíbrio hidroeletrolítico.

Quando há comprometimento do metabolismo aeróbico e conseqüente queda da fosforilação oxidativa ocorrerá glicólise anaeróbica com aumento da produção de ácido lático. Em conseqüência, cairá o pH provocando distúrbios nas reações bioquímicas celulares, principalmente nos sistemas enzimáticos. Haverá diminuição da síntese protéica comprometendo a integridade celular.

A intensidade da lesão depende da concentração e da agressividade – toxicidade – do agente agressor, da duração da agressão e da capacidade adaptativa da célula agredida. Muitas das agressões celulares provocam lesões estruturais apenas no nível bioquímico, sem se expressar morfologicamente.

Quando há alteração morfológica visível, é importante descobrir se ela é reversível, com capacidade de retornar ao normal, ou irreversível, com evolução invariável para a morte celular. Nem sempre é possível fazer essa descoberta pelos métodos morfológicos e bioquímicos atuais.

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Também é necessário diferenciar a alteração metabólica lesiva à célula – degeneração – de um processo adaptativo ou um simples fenômeno de hiperfunção.

Dependendo do tipo de substância acumulada, as alterações metabólicas podem ser classificadas em: hidrópica, glicídica, lipídica, protéica, glicoprotéica, pigmentar e mineral.

Alteração hidrópica: é o acúmulo de água e eletrólitos no citoplasma celular, podendo formar vacúolos de água em conseqüência de alterações no transporte ativo da membrana celular. Ocorre principalmente por distúrbio no mecanismo da bomba de sódio, a qual é capaz de manter o equilíbrio hidroeletrolítico, mantendo o meio intracelular pobre em sódio e rico em potássio. A ineficácia da bomba de sódio fará com que o sódio penetre facilmente na célula e, por osmose, ocorrerá a entrada de água em excesso no citoplasma, inchando a célula.

Esse distúrbio pode decorrer da agressão direta na membrana celular ou por diminuição na produção de ATP, quer pela deficiência de oxigênio, quer por lesão direta mitocondrial. As mitocôndrias são responsáveis diretas pelo fornecimento de energia ao transporte ativo da membrana.

Essa alteração costuma ocorrer em infecções graves, em intoxicações – por mercúrio, clorofórmio etc. –, na hipopotassemia – depleção de potássio nas diarréias crônica, vômitos freqüentes etc. –, na administração endovenosa de soluções glicosadas hipertônicas – etc. As células mais atingidas pela alteração hidrópica são as células tubulares renais. É uma alteração geralmente reversível, pois cessada a causa, a célula volta ao normal.

Alteração glicídica: é o acúmulo de polissacarídios, principalmente glicogênio, por deficiência na metabolização dessa substância. O exemplo mais clássico é o diabetes mellitus. A deficiência de insulina nessa doença causa distúrbio na utilização da glicose, com conseqüente acúmulo de glicogênio, principalmente nos núcleos dos hepatócitos e nos citoplasmas das células tubulares renais. A doença diabetes mellitus merecerá mais detalhes em outro capítulo deste livro. Outro exemplo importante é a alteração glicídica nas glicogenoses – doenças nas quais há defeito genético no metabolismo de glicogênio – como a doença de Von Gierke, já citada, onde há acúmulo de glicogênio principalmente no fígado por deficiência da glicose 6-fosfatase.

Alteração lipídica: Alterações lipídicas são acúmulos citoplasmáticos de lipídios neutros – lipidose – ou complexos – lipoidose – em células parenquimatosas principalmente do fígado.

A lipidose, lipose ou esteatose é o acúmulo anormal de lipídios neutros originados da dieta ou de depósitos gordurosos, particularmente triglicerídios, ésteres de glicerol e ácidos graxos, no interior de células parenquimatosas dos órgãos. Ocorre principalmente no alcoolismo crônico e na desnutrição protéica.

A lipoidose é o acúmulo de lipídios complexos – lipóides – particularmente o colesterol, os fosfatídios e os cerebrosídios. Geralmente ela ocorre por acúmulo de lipóides decorrente de erros metabólicos hereditários.

Tanto a lipidose como a lipoidose serão consideradas com mais detalhes em outro capítulo deste livro.

Alteração protéica: é geralmente caracterizada por depósito protéico róseo, vítreo e hialino no citoplasma celular, no interstício, nas paredes vasculares e membranas basais, recebendo o nome de alteração hialina.

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Essa alteração hialina pode ser conseqüente à hiperfunção celular, como por exemplo, o corpúsculo de Russel, que é um plasmócito balonizado, róseo, hialino, carregado de imunoglobulinas, que aparece nos processos inflamatórios crônicos, como vimos anteriormente.

A alteração hialina também pode ser simplesmente uma infiltração, como no caso da alteração hialino-goticular das células tubulares renais por reabsorção protéica excessiva, na síndrome nefrótica, também já citada.

Por outro lado, a alteração hialina pode ser uma verdadeira degeneração, com lesão dos constituintes celulares, como por exemplo, a degeneração hialina do alcoolismo crônico, formando grumos hialinos perinucleares nos hepatócitos – corpos ou corpúsculos de Mallory – que aparecem na hepatite alcoólica. Esses corpos de Mallory – corpúsculos hialinos alcoólicos – são inclusões citoplasmáticas eosinofílicas compostas predominantemente de filamentos intermediários de citoceratina em matriz amorfa com outras proteínas. Eles são característicos do alcoolismo crônico, mas também aparecem nos hepatócitos em outras doenças como na cirrose biliar primária, nas síndromes colestáticas crônicas, na doença de Wilson – doença ressessiva autossômica com acúmulo de concentrações tóxicas de cobre causando principalmente hepatopatia, atrofia de núcleos basais cerebrais e alterações oculares – e nos hepatocarcinomas.

A alteração hialina celular pode ser ainda mais intensa a ponto de causar a morte celular com hialinização total da célula, como acontece no corpúsculo de Councilman, que aparece na febre amarela. Na evolução da febre amarela há esteatose e tumefação dos hepatócitos, formando grânulos eosinófilos, hialinos, que vão tomando toda a célula até sua morte – necrose hepatocítica. Neste caso, esse acúmulo deixa de ser uma alteração reversível.

Quanto à alteração hialina que envolve o tecido conjuntivo, parede vascular e membranas basais, a mais comum é aquela relacionada com a hipertensão arterial sistêmica. Nesta patologia há principalmente hialinização arteriolar renal – arteriolosclerose – acompanhada de espessamento da membrana basal dos capilares glomerulares, evoluindo com envolvimento de todo o tufo glomerular, chegando a hialinizar todo o glomérulo.

Alteração glicoprotéica: é a alteração que envolve vários tipos de glicoproteínas produzidas fora dos padrões normais e acumuladas.

Embora classificada geralmente como alteração protéica por apresentar aspecto hialino, o depóstio de substância amilóide é principalmente glicoprotéico. É uma hialinização semelhante à hialinização glomerular da hipertensão com deposição de substância proteinácea – amiloidose – que pode ocorrer sem causa conhecida de forma primária com depósito amilóide principalmente entre células de vários tecidos e órgãos, principalmente no interstício ou em paredes vasculares. A amiloidose também pode ser secundária a doenças de longa duração, consuptivas, como certas doenças inflamatórias crônicas, sendo os melhores exemplos a tuberculose e a hanseníase. A substância amilóide é formada por proteínas fibrilares, particularmente glicoproteínas, diferentes daquelas constituintes da substância fundamental do tecido conjuntivo.

A alteração glicoprotéica da substância fundamental do tecido conjuntivo é denominada alteração mucóide ou mixóide. Ela aparece, por exemplo, em neoplasias mesenquimais produtoras de substância mucóide, como os mixomas. Ela também ocorre no prolapso da valva mitral – degeneração mixomatosa da valva mitral.

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Outra alteração glicoprotéica, a alteração mucinosa, aparece quando há hiperprodução de mucinas por células epiteliais mucosas, como ocorre nas inflamações muco-catarrais, como por exemplo, no resfriado comum.

Alteração pigmentar: é o acúmulo nas células e interstício de pigmentos, substâncias coloridas, originados no meio ambiente – pigmentos exógenos – ou formados pelas próprias células do organismo – pigmentos endógenos.

A inalação de pigmentos exógenos pode comprometer o parênquima pulmonar, caracterizando um grupo de doenças – pneumoconioses – produzidas pela inalação de poeiras geralmente minerais. As mais comuns são: inalação da poeira de carvão, de sílica e de fibras de asbesto. Elas estão relacionadas principalmente com ambientes de trabalho – exposições ocupacionais. Também têm efeito na população geral dos centros urbanos por ação danosa das partículas da poluição aérea.

A alteração pigmentar exógena mais comum é a inalação de pó de carvão – antracose – em conseqüência principalmente da poluição ambiental. A maioria da população urbana apresenta pulmões enegrecidos em maior ou menor grau pela antracose decorrente de contaminação ambiental de poeira de carvão originada de fábricas, veículos automotivos e tabagismo. Os tabagistas apresentam antracose pulmonar de maior grau. Entetanto, essa antracose não costuma apresentar gravidade para o parênquima pulmonar – antracose assintomática. Já a pneumoconiose dos trabalhadores com carvão, embora possa ser assintomática, geralmente provoca disfunção pulmonar e até pode complicar com fibrose maciça progressiva. Neste caso há quantidade consideravelmente maior de poeira de carvão e a associação com poeira de sílica, caracterizando a antracossilicose.

Embora não se trate efetivamente de uma substância pigmentada, a pigmentação exógena mais grave é a inalação de dióxido de sílica cristalino, o pó de sílica – silicose - que é a doença ocupacional crônica mais comum no mundo. Ela ocorre principalmente em trabalhadores de minas e em jateadores de areia, que trabalham em pedreiras e cerâmicas. A silicose evolui como pneumoconiose fibrosante, nodular, lentamente progressiva, provocada por resposta inflamatória com a ação de macrófagos que liberam mediadores químicos – interleucina, fibronectina, citocinas etc. – capazes de provocar a proliferação de fibroblastos e deposição de colágeno, chegando a formar cicatrizes colagenosas, restringindo a função pulmonar.

Também importante como pneumoconiose, embora não seja propriamente um pigmento é a exposição ocupacional ao asbesto – asbestose - constituído por fibras de silicatoscristalinos hidratados. Essa exposição ocorre, por exemplo, em tapeceiros e em trabalhadores em indústrias de fabricação de produtos do amianto, como caixas d’água. A asbestose provoca fibrose intersticial parenquimatosa pulmonar, placas fibrosas pleurais, derrame pleural e predispõe ao carcinoma broncogênico e ao mesotelioma.

Entre os pigmentos endógenos, os mais comuns são a lipofuscina, a melanina, a hemossiderina e a bilirrubina.

A lipofuscina é um pigmento marrom-amarelado que aparece principalmente nas células hepáticas e miocárdicas de indivíduos idosos, resultando da atrofia desses órgãos, provavelmente resultante de restos lipoprotéicos provenientes da degradação das organelas dessas células atrofiadas, como visto anteriormente neste capítulo.

A melanina é um pigmento normal, formado pelos melanoblastos e depositado geralmente nas células da camada basal da epiderme, com

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depósito mais intenso nos indivíduos de etnia negra. Ela funciona como proteção aos raios solares. Nas exposições prolongadas aos raios solares há aumento deste pigmento, como mecanismo protetor.

A melanina é produzida a partir da tirosina que é transformada em diidrofenilalanina – DOPA – pela ação da tirosinase. A polimerização da diidrofenilalanina forma o pigmento melânico. A deficiência hereditária da tirosinase causa diminuição na produção do pigmento melânico, ficando o indivíduo com pele, olhos e cabelos claros, caracterizando o albinismo.

Na insuficiência adrencortical crônica primária, geralmente auto-imune ou conseqüente a infecções – doença de Addison –, há aumento da produção de ACTH – hormônio adrenocorticotrófico – pela hipófise e conseqüente aumento da produção de melanina por provável ação melanotrófica do ACTH. Uma das características clínicas dessa doença é a hiperpigmentação da pele.

A hemossiderina é um pigmento derivado da hemoglobina na destruição normal das hemácias ou em áreas de hemorragia tecidual. Na degradação da hemoglobina o núcleo heme libera ferro que é armazenado nas células associado a uma proteína – apoferrritina – sob a forma de ferritina. A união de micelas de ferritina forma a hemossiderina, um pigmento castanho-amarelado, cor de ferrugem. Em condições normais, pequenas quantidades de hemossiderina são vistas em células fagocitárias mononucleares de órgãos que provocam a degradação de hemácias, como medula óssea, baço e fígado. O excesso de ferro provoca acúmulo localizado ou sistêmico de hemossiderina nas células.

Como exemplo de acúmulo localizado, podemos considerar uma área de sangramento – hematoma – onde há degradação de hemoglobina e formação de hemossiderina que é fagocitada por macrófagos, encarregados de limpar a área da lesão, e dá cor de ferrugem para a área, quando está ocorrendo a reabsorção do hematoma. Também é comum o encontro de macrófagos carregados de hemossiderina nos pulmões, na congestão passiva crônica pulmonar, freqüente na insuficiência cardíaca.

Como exemplo de pigmentação sistêmica, nas anemias hemolíticas há destruição anormal de hemácias com liberação de ferro e acúmulo de hemossiderina – hemossiderose – que é depositada em vários órgãos.

A bilirrubina também é um pigmento derivado da destruição da hemoglobina. O anel porfirínico do núcleo heme dá origem à biliverdina, que é precursora da bilirrubina indireta – reação de Van den Bergh indireta. Esta é conjugada ao ácido glicurônico no fígado, por ação da glicuronil transferase, formando a bilirrubina direta – reação de Van den Bergh direta – ou conjugada. Esta é transportada pelos canalículos biliares, fazendo parte da constituição da bile.

Quando há destruição intensa de hemácias – anemias hemolíticas, por exemplo – há aumento de bilirrubina indireta. Quando há obstrução das vias biliares – obstrução calculosa do colédoco, por exemplo – impedindo a passagem de bilirrubina direta para a luz intestinal, esta aumenta na circulação sanguínea. Quando há lesão dos hepatócitos – hepatite viral, por exemplo –, alterando a metabolização normal da bilirrubina e dificultando a saída de bilirrubina pelos canalículos, também haverá acúmulo de bilirrubina. Na hepatite viral a agressão do vírus ao hepatócito provoca degeneração celular caracterizada geralmente por hialinização citoplasmática, já discutida neste capítulo. Se a agressão é intensa ou persistente, pode envolver todas as

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estruturas celulares, inclusive o núcleo, provocando a morte celular, ou seja, a necrose do hepatócito, ainda a ser discutida.

Em todas as situaçõe citadas, o acúmulo de bilirrubina nos tecidos pode se exteriorizar por pigmentação amarelo-esverdeada da pele e mucosas – icterícia.

Alteração mineral: é a deposição anormal de minerais nos tecidos. A mais comum é a deposição de sais de cálcio, com pequenas quantidades de outros minerais envolvidos.

Há duas formas de deposição patológica de sais de cálcio nos tecidos: pela deposição focal de cálcio em tecidos mortos ou em involução, com níveis séricos normais de cálcio – calcificação distrófica – e a deposição de cálcio em tecidos normais, por distúrbio no metabolismo do cálcio – calcificação metastática.

A calcificação distrófica é encontrada em áreas de necrose, em placas de ateroma na parede de grandes artérias e em valvas cardíacas lesadas ou de idosos.

A calcificação metastática ocorre principalmente quando há hipercalcemia, levando ao depósito de cálcio no tecido conjuntivo de alguns órgãos como pulmões, rins e estômago. A hipercalcemia pode ocorrer por aumento de secreção do paratormônio levando à reabsorção óssea, o que acontece no hiperparatireoidismo principalmente devido a neoplasias da paratireóide.

Como vimos, as alterações metabólicas reversíveis, quando intracelulares, são freqüentemente caracterizadas por lesões intracitoplasmáticas (Fig. 1.7).

Alterações metabólicas irreversíveis:As alterações metabólicas, quando atingem a estrutura nuclear, costumam

ser mais graves, irreversíveis, causando morte celular (Fig. 1.8).

Figura 1.7 Esquema geral das alterações metabólicas reversíveis

Corpúsculo de CouncilmanAlteração hialino-goticular

Alteração hidrópica

Alteração glicídica

Alteração lipídica

Alteração protéica (alteração hialina)

Corpúsculo de RusselCorpúsculo de Mallory

Arteriolosclerose

AmiloidoseAlteração glicoprotéica

MucóideMucinosa

Alteração pigmentar

Exógena

Endógena

AntracoseSilicose

LipofuscinaMelaninaHemosiderinaBilirrubina

Alteração mineral

CalcificaçãoDistróficaMetastática

Alterações metabolicas reversíveis

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Inicialmente pode haver condensação grumosa da cromatina, intercalada por espaços claros no núcleo, podendo ser acompanhada de deformações na membrana nuclear. Quando a lesão evolui para irreversibilidade pode haver coagulação da cromatina formando massa hipercorada e retraída – picnose – com possibilidade de fragmentação dessa cromatina condensada – cariorrexe – que pode ser seguida de diminuição da quantidade de cromatina – cromatólise – podendo culminar com o desaparecimento total do material cromatínico e, portanto, do núcleo – cariolise.15

Mesmo que a célula não se desintegre, permanecendo com seus constituintes limitados pela membrana celular, desde que haja desagregação da cromatina nuclear pela picnose, cariorrexe, cromatólise e cariolise, não necessariamente nessa seqüência, nem obedecendo a presença de todas as fases, teremos a evidência de morte celular – necrose.

A necrose é a morte de uma célula ou de um grupo de células no organismo vivo, geralmente caracterizada por alterações nucleares irreversíveis em conseqüência a fatores agressivos – anóxia, por exemplo – capazes de impedir o funcionamento normal das células.

A morte celular pode ser fisiológica. É o que ocorre com a descamação contínua da pele – ceratinização. Também acontece com as hemácias que chegam na circulação sanguínea já sem núcleos, com tempo limitado para exercerem suas funções e serem degradadas. Essa morte fisiológica é chamada de necrobiose.

Quando o organismo morre – morte somática – ele perde a capacidade de nutrição de suas células, causando alterações metabólicas regressivas com prejuízo total das funções celulares. Todas as células tendem a se desintegrar lentamente, em momentos diferentes, dependendo da capacidade que cada tipo de tecido tem para resistir à anóxia. Gradativamente ocorre liberação das enzimas hidrolíticas dos lisossomos, provocando a auto-destruição celular. A esse fenômeno de auto-destruição após a morte orgânica denominamos autólise. O corpo morto apodrece.

Se retirarmos cirurgicamente um fragmento de tecido ou um órgão de um organismo vivo, esse material também deixará de receber nutrição e suas células sofrerão autólise. O uso de substâncias fixadoras – como a formalina – nos fragmentos de tecidos retirados do organismo impede a autólise. A fixação provoca precipitação e desnaturação das proteíns celulares, interrompendo a atividade funcional das células, impedindo a ação de enzimas líticas. Esse processo permite a preservação da estrutura celular, embora a fixação cause a morte funcional da célula irreversivelmente.

O conhecimento dessas particularidades é útil quando se quer examinar microscopicamente um fragmento de tecido, ou mesmo um órgão, retirado cirurgicamente de um organismo vivo para esclarecimento de um diagnóstico. Este é um exame anatomopatológico e histopatológico denominado biópsia ou exame de patologia cirúrgica. Por exemplo, se realizarmos uma biópsia hepática de um indivíduo com suspeita clínica de hepatite e fixarmos o fragmento de fígado imediatamente após sua retirada cirúrgica, teremos um bom material para exame histopatológico. Poderemos evidenciar, ao exame microscópico, a presença de células inflamatórias caracterizando a hepatite e a presença de células mortas – necrose celular ou morte celular no organismo vivo – evidenciando a maior gravidade do processo inflamatório. Se não houver fixação imediata, o encontro de células mortas ao exame não nos permite caracterizar se aquelas células já estavam

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morfologicamente destruídas no organismo vivo – necrose – ou se elas se autodestruiram após a retirada do fragmento – autólise.

A principal causa de necrose celular é a anóxia ou hipóxia. Quando a célula deixa de receber uma concentração adequada de oxigênio, ela pode sofrer alterações metabólicas graves que, na persistência da anóxia, podem se tornar irreversíveis, causando a morte celular.

A hipóxia ou anóxia pode ser sistêmica ou localizada. A hipóxia sistêmica pode ser resultado da troca gasosa deficiente nos pulmões – por exemplo, por asma brônquica, enfisema pulmonar etc. – ou devido ao transporte insuficiente de oxigênio pela corrente sanguínea – por exemplo, por anemias, intoxicação por monóxido de carbono etc. A anóxia localizada geralmente ocorre por interrupção da circulação sanguínea, freqüentemente por obstrução vascular – trombose, por exemplo – afetando o tecido irrigado pelo vaso comprometido. Essa anóxia por bloqueio regional da circulação sanguínea é denominada isquemia e a área localizada de necrose isquêmica é denominada infarto.

A necrose celular apresenta vários padrões morfológicos, entre os quais, temos:

Necrose coagulativa: é uma necrose sólida, geralmente causada pela isquemia, provocando coagulação protéica dos constituintes intracelulares, inativando as enzimas hidrolíticas e, com isso, mantendo os contornos celulares, preservando, assim, a arquitetura do tecido. À microscopia nota-se ausência dos núcleos – cariolise – ou destruição parcial do mesmo – picnose, cariorrexe ou cromatólise – e, aparentemente, preservação do citoplasma, embora suas organelas estejam inativadas. A necrose coagulativa é a mais comum, aparecendo em quase todos os órgãos afetados por anóxia localizada – infarto do miocárdio, infarto esplênico, infarto renal etc.

Necrose liquefativa: é uma necrose amolecida, com perda da arquitetura do tecido por destruição total das células pela ação de enzimas intracelulares, semelhante aos fenômenos que ocorrem post-mortem – autólise. Além disso, essa área de necrose amolecida é freqüentemente invadida por células inflamatórias, principalmente neutrófilos, os quais liberam suas enzimas e aumentam a lise celular. Então, há lise resultante da ação das próprias enzimas das células mortas – autólise – e lise resultante das enzimas de células estranhas, como os neutrófilos – heterólise. Esse tipo de necrose ocorre na isquemia do tecido nervoso – infarto ou derrame cerebral – e em processos inflamatórios localizados, como os abscessos.

Necrose caseosa: é uma necrose sólida, porém friável, geralmente com perda dos contornos celulares, porém, mantendo algumas estruturas no interior do tecido necrótico. Essa necrose freqüentemente é circundada por processo inflamatório granulomatoso e aparece geralmente em inflamações específicas como a tuberculose e infecções micóticas como a paracoccidioidomicose.

Necrose gordurosa: é uma necrose que pode ocorrer em áreas focais de tecido adiposo geralmente conseqüente a traumatismos, como é o caso da necrose gordurosa da mama. Há um tipo especial de necrose gordurosa – esteatonecrose – conseqüente a destruição enzimática de gorduras por enzimas pancreáticas, as quais digerem o tecido adiposo provocando esterificação de lipídios, formando pequenos nódulos opacos, amarelados, duros e friáveis, disseminados pelo pâncreas e pelo tecido adiposo

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abdominal. Ela é comum na pancreatite aguda habitualmente de origem alcoólica e em traumatismos pancreáticos;

Necrose gangrenosa: é a necrose que ocorre freqüentemente em extremidades, geralmente causada por isquemia e invadida secundariamente por bactérias anaeróbicas – gangrena. Quando a área necrótica sofre dessecação, ficando enegrecida e desidratada, de aspecto mumificado, com características microscópicas de necrose coagulativa, denomina-se gangrena seca. Por exemplo, no diabetes mellitus é comum o infarto de um membro por obstrução vascular, causando gangrena seca. Se as bactérias anaeróbias – clostrídios, por exemplo – liberam toxinas provocando destruição liquefativa do tecido, com disseminação da infecção haverá gangrena úmida. Se as bactérias anaeróbias produzem gás em seu metabolismo, tornam o tecido necrótico de aspecto bolhoso, constiuindo a gangrena gasosa. Portanto, dependendo do modo de evolução, a gangrena pode ser caracterizada como necrose coagulativa ou como necrose liquefativa.

Há um tipo de gangrena considerada fisiológica. É a necrose do coto do cordão umbilical no recém-nascido, assumindo aspecto mumificado e destacando-se do umbigo em poucos dias. É uma necrose fisiológica.

Ainda entre as alterações metabólicas irreversíveis há um tipo diferente de morte celular no organismo vivo denominado apoptose.*

Ela ocorre por um processo ativo no qual a célula sofre contração e condensação de suas estruturas, fragmenta-se e é fagocitada por células vizinhas ou por macrófagos. É conhecida como morte celular programada, onde a célula é estimulada a acionar mecanismos que levam à sua morte.16

Ela pode ser um fenômeno fisiológico como a apoptose de células epiteliais ductais mamárias após o término da lactação. Ela também pode ser um fenômeno patológico como a apoptose celular em tecidos que sofrem diminuição de aporte de oxigênio.

Fig. 1.8 Esquema geral das alterações metabólicas irreversíveis

Necrose

Necrobiose

Autólise

CoagulativaLiquefativa

Gangrenosa

CaseosaEsteatonecrose

Alteração metabolicas irreversíveis

Apoptose

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*do grego: apó: afastamento, separação, e do grego, ptósis: queda 1. 2

Alterações inflamatórias:17

As alterações inflamatórias são respostas do organismo caracterizadas por fenômenos vasculares e celulares do organismo contra o agente agressor.

Os agentes inflamatórios podem ser endógenos ou exógenos. Estes últimos são agentes ambientais classificados como físicos – frio, calor, traumatismos, radiações etc. –, químicos – ácidos, álcalis, álcool, fumo etc. – e biológicos – bactérias, fungos, parasitas, vírus etc. Os agentes endógenos ou intrínsecos do organismo podem ser produtos de degradação de células necróticas ou mecanismos imunitários – auto-imunidade, deposição de complexos antígeno-anticorpo –, por exemplo.

A inflamação é caracterizada por fenômenos vasculares e celulares nos tecidos comprometidos. A inflamação pode iniciar com vasoconstrição transitória, principalmente se a causa é traumática.

No entanto, na maioria das vezes, o agente agressor causa lesão e morte celular no local agredido, seguidas da liberação de mediadores químicos e substâncias ácidas no local lesado. Os mediadores químicos – bradicinina, prostaglandinas, cininas etc. e principalmente a histamina liberada por mastócitos – produzem vasodilatação arteriolar, como também de capilares e vênulas – aumento local do volume sanguíneo provocando calor e rubor – e aumentam a permeabilidade vascular, possibilitando a passagem de proteínas plasmáticas – principalmente fibrinogênio – para o interstício. A exsudação de líquidos e proteínas para o interstício forma edema local – inchaço, tumefação ou tumor. Esses são, didaticamente, os fenômenos vasculares iniciais da maioria dos processos inflamatórios agudos.

A seguir, ocorrem os fenômenos celulares com estravasamento de células sanguíneas, auxiliados pelo efeito da lentidão – estase – do fluxo sanguíneo capilar local e concentração de hemácias. Com o fluxo lento, os leucócitos sanguíneos – particularmente os neutrófilos e os monócitos – movimentam-se do centro para a periferia da luz vascular – marginação leucocitária –, aderindo à parede vascular pela pavimentação ou aderência leucocitária seguida da emigração ou diapedese leucocitária – emissão de pseudópodes pelos neutrófilos, entre as células endoteliais dos vasos, atravessando-os, movimentando-se até a sede da lesão – migração leucocitária – e aglomerando-se na área lesionada – acúmulo leucocitário.

A migração é o processo pelo qual os leucócitos se movimentam entre as estruturas celulares e intersticiais até atingir a sede da lesão, por efeito quimiotático – atração dos leucócitos para o agente agressor e para as células por ele lesadas. Essa quimiotaxia pode ser induzida pelo próprio agente agressor – estrutura estranha ao organismo – e por produtos liberados pelas células lesadas e células fagocitárias, tais como produtos do sistema complemento ou outros mediadores químicos como prostaglandinas, capazes de atrair leucócitos. Ao acumular na área da lesão, os leucócitos exercem a função de fagocitose, tanto do agente agressor como de restos celulares,

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seguida da digestão enzimática desse material fagocitado, o que ocorre dentro dos fagócitos.

Recapitulando, os fenômenos iniciais de um processo inflamatório geralmente são caracterizados por dois tipos de respostas: a resposta vascular – dilatação vascular, aumento de volume sanguíneo e aumento da permeabilidade vascular, seguida de exsudação – e a resposta celular – marginação, aderência, diapedese, migração, acúmulo, fagocitose e digestão enzimática. Essa resposta celular tem função de defesa – ingestão e imobilização ou destruição do agente agressor – e função de limpeza – remoção dos restos celulares no local da lesão. A remoção dos restos celulares é necessária para a resolução do processo inflamatório, com recuperação total da área lesada (Fig. 1.9).

Figura 1.9 Fenômenos vasculares e celulares da inflamação

Assim, esta reação pode evoluir para uma restituição integral dos tecidos envolvidos no processo inflamatório – resolução –, caracterizando a cura completa.

Pode haver uma reparação da área envolvida pelo processo de regeneração e/ou cicatrização, caracterizando a cura incompleta.

A reparação é por regeneração quando há substituição parcial do tecido lesado por novas células parenquimatosas, geralmente desobedecendo a arquitetura normal do órgão lesado. Outra maneira de reparação é por cicatrização. Esta se inicia com infiltrado de células mononucleares – linfócitos, plasmócitos e macrófagos – acompanhado de migração de

Célula normal

Libertação de mediadores químicos e substâncias ácidas

Resposta vascular

vaso dilatação

Aumento do volume sanguíneo

Rubor Calor

Aumento da permeabilidade capilar

Exudação Tumefação

Irritação nervosa

Limitação da função

Dor

Resposta celular Marginação Pavimentação Diapedese Migração Acúmulo

Lesão e morte celular

Agente agressor

Tumor

FagocitoseDigestão enzimática

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fibroblastos e formação de novos capilares na periferia da lesão – neoformação vascular – formando o chamado tecido de granulação. Os fibroblastos produzem fibras colágenas, formando um tecido fibroso denso e retrátil – cicatriz – que pode permanecer após a cura do processo inflamatório, ou seja, uma cura incompleta.

Em ambas as situações citadas – cura completa ou incompleta – o organismo vence o agente agressor. Porém, se o agente agressor consegue vencer a resistência do organismo pode haver a morte deste, denominada morte somática ou morte orgânica.

A evolução do processo inflamatório, quanto aos aspectos morfológicos, duração e intensidade da inflamação, depende de fatores relacionados ao hospedeiro e fatores relacionados ao agente agressor, embora, como vimos, na fase inicial o processo inflamatório agudo apresente uma seqüência de eventos constantes, geralmente independentes do agente causal (Fig.1.10).

Figura 1.10 Evolução do processo inflamatório

O poder de destruição do agente inflamatório está relacionado com a concentração do mesmo, com a duração da exposição do tecido lesado a esse agente e com a patogenicidade – agressividade, toxicidade ou virulência – do agente, ou seja, a sua capacidade de disseminar e causar lesão tecidual.

Por exemplo, a exposição de uma área da pele à ação de um certo volume de ácido sulfúrico concentrado e de uma outra área à ação do mesmo volume, porém, com ácido sulfúrico diluído, haverá ação lesiva maior na região comprometida pela solução concentrada. Porém, se a área agredida com ácido concentrado for imediatamente lavada após a exposição, enquanto que a área exposta ao ácido diluído continuar a ser agredida, esta última apresentará lesão mais grave pela duração maior da exposição ao agente agressor.

Quanto à patogenicidade, ela é intrínseca ao agente agressor. Por exemplo, a exposição à mesma quantidade, pelo mesmo tempo e nas mesmas condições ambientais e defensivas – imunológicas – do organismo à bactéria Staphylococcus aureus e à bactéria Streptococcus pneumoniae, é mais provável a instalação de broncopneumonia com maior gravidade, se o agente agressor for o estafilococo do que se for o estreptococo, embora este último também seja agente causal de pneumonia.

Quanto aos fatores relacionados ao hospedeiro, temos que considerar: idade, estado nutricional, estado anterior de saúde, capacidade imunológica e tipo de tecido envolvido. Os processos inflamatórios costumam ser mais graves e mais freqüentes nos indivíduos idosos. No envelhecimento há queda natural na capacidade de resposta imunológica, com diminuição na capacidade de formação de anticorpos. Os indivíduos idosos freqüentemente

Evolução

Morte somática

Cronificação

Cura incompleta

Cura completa Resolução

Reparação RegeneraçãoCicatrização

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são portadores de doenças crônicas, nutrem-se de maneira inadequada e têm diminuição do fluxo sanguíneo, principalmente pelo desenvolvimento da aterosclerose, provocando alterações estruturais nos tecidos que atrofiam, se tornam mais frouxos com perda do tônus fisiológico. Os tecidos frouxos e as cavidades naturais – pleural, peritonial e pericárdica – são mais suscetíveis a instalação de processos inflamatórios.

Dependendo do tipo de agente etiológico e do tipo de tecido atingido pela inflamação, o processo inflamatório tende a desenvolver diversos padrões morfológicos, tais como: (Fig. 1.11)

1. Quanto aos tipos de respostas celulares predominantes:Inflamação aguda: é um processo inflamatório frequentemente de curta

duração – algumas horas ou poucos dias – que tende a apresentar predomínio de leucócitos polimorfonucleares neutrófilos no local da lesão. É um tipo de inflamação muito freqüente nas infecções bacterianas. Como exemplos, temos a meningite aguda purulenta, geralmente causada por meningococos – Neisseria meningitidis –, a broncopneumonia, geralmente causada por pneumococos – Streptococcus pneumoniae – e a enterocolite aguda que pode ser causada por Shigella.

Inflamação crônica inespecífica: é um processo inflamatório de longa duração – meses ou anos – com predomínio de leucócitos mononucleares como os linfócitos, os plasmócitos – linfócitos modificados – e os macrófagos – tanto teciduais como derivados dos monócitos sanguíneos – na sede da lesão. Freqüentemente, os leucócitos são acompanhados da proliferação de fibroblastos formando tecido conjuntivo fibroso sob a forma de cicatrizes em substituição ao tecido parenquimatoso destruído. Como exemplos, temos a pielonefrite crônica causada por bacilos coliformes – Escherichia coli – e a gastrite crônica e úlcera péptica gástrica causadas pelo Helicobacter pylori.

Tanto a inflamação aguda como a crônica, nos exemplos acima, são causadas por agentes etiológicos inespecíficos – meningococos, bacilos coliformes, shiguelas, pneumococos etc. – e por isso são classificadas como inflamações inespecíficas.

Inflamação crônica específica ou granulomatosa: é um processo inflamatório de longa duração – meses ou anos – causada por agente etiológico considerado específico, pois provoca quadro morfológico diferente, onde o macrófago é a célula predominante. Nesse caso, os macrófagos assumem disposição nodular em torno do foco inflamatório, sofrendo modificações celulares, tornando-se maiores e alongados, semelhantes às células epiteliais, daí receberem o nome de células epitelióides. Freqüentemente há fusão de vários macrófagos, formando células multinucleadas – células gigantes. Esses nódulos de células epitelióides e células gigantes são denominados granulomas. Geralmente, constituindo esses granulomas, há alguns linfócitos e, mais raramente, plasmócitos. Ás vezes, o centro do granuloma sofre necrose com características de necrose caseosa, já vista neste capítulo. Como exemplos de inflamação granulomatosa, temos a tuberculose, causada pelo bacilo de Koch – Mycobacterium tuberculosis – a paracoccidioidomicose, causada pelo Paracoccidioides brasiliensis, a esquistossomose, causada pelo Schistosoma mansoni e a hanseníase – lepra – causada pelo Mycobacterium leprae.

O granuloma também pode ser formado em reação a substâncias estranhas, inertes, de tamanho suficientemente grande para impedir sua

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fagocitose por um macrófago isolado, sendo necessária a formação de processo granulomatoso em torno dessas substâncias. É o que ocorre, por exemplo, nos granulomas a fios de sutura e nos granulomas circundando uma farpa de madeira no tecido subcutâneo. É o chamado processo inflamatório granulomatoso tipo corpo estranho.

2. Quanto aos tipos de exsudatos formados nos focos inflamatórios:Inflamação serosa: é aquela na qual o exsudato inflamatório é fluido,

seroso. Como exemplo, temos o resfriado comum, que é uma rinite serosa. As cavidades serosas do corpo também sofrem inflamações serosas – pleurites, pericardites e peritonites serosas – geralmente em resposta a processos irritativos inflamatórios ou neoplásicos nos órgãos a elas correspondentes. Uma bolha sub-epidérmica conseqüente a queimadura ou uma vesícula sub-epidérmica conseqüente a infecção viral também são acúmulos de secreção serosa.

Inflamação fibrinosa: é aquela na qual o exsudato inflamatório é mais denso, com predomínio de fibrina. A pericardite fibrinosa, por exemplo, ocorre freqüentemente em indivíduos com insuficiência renal com quadro clínico de uremia. Esta ocorre quando há alterações bioquímicas – aumento dos níveis de uréia plasmática e creatinina pela diminuição da filtração glomerular, caracterizando a azotemia – acompanhadas de alterações clínicas e laboratoriais, como a gastroenterite urêmica, anemia, neuropatia periférica, hipocalcemia, desidratação, edema, hipercalemia, pericardite urêmica etc.

Inflamação purulenta ou supurativa: é aquela em que há predomínio de neutrófilos íntegros e degenerados acumulados no foco da lesão ou nas cavidades serosas, formando pus. Os macrófagos, eosinófilos e restos celulares dos tecidos destruídos também participam do exsudato purulento. Freqüentemente o agente causal é de origem bacteriana. Um dos exemplos mais comuns é o da apendicite supurativa. Geralmente ela inicia com obstrução do apêndice por fecalito, comprimindo a drenagem venosa e causando isquemia. Então, as bactérias invadem o apêndice cecal e causam inflamação purulenta. Habitualmente, se há demora na realização da apendicectomia, o processo inflamatório passa para a cavidade peritonial causando peritonite aguda purulenta.

Inflamação hemorrágica: é aquela em que o exsudato tem predomínio de hemácias. O exemplo clássico é o exsudato agudo hemorrágico – congestão aguda, hemorragia e efusão de líquido sanguinolento – característico do antraz ou anthrax. É uma doença enzoótica bacteriana – Bacillus anthracis – principalmente entre carneiros e porcos, passando para pessoas que manuseiam pele e pelos de animais infectados, causando infecção na pele – pústula maligna –, nos pulmões – broncopneumonia hemorrágica – e até nas meninges – meningite hemorrágica. 18, 19

3. Quanto aos padrões morfológicos das lesões inflamatórias:Inflamação exsudativa: é aquela onde há formação de exsudatos cujos

tipos foram discutidos no item anterior.Inflamação flegmonosa, flegmão ou celulite: é aquela onde o infiltrado

inflamatório não tem limites nítidos, infiltrando-se pela parede do órgão ou tecido, comprometendo-o difusamente. É o que acontece geralmente nas inflamações do apêndice cecal – apendicite flegmonosa.

Inflamação gangrenosa: é aquela que ocorre em associação com necrose de extremidades – gangrenas. Habitualmente, a contaminação do tecido necrosado por bactérias, principalmente anaeróbicas, como é o caso de

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bactérias do gênero Clostridium, pode levar a quadro de gangrena úmida ou gasosa pelo processo inflamatório. Também é comum a inflamação gangrenosa no apêndice cecal – apendicite gangrenosa.

Inflamação abscedida ou abscesso: é aquela na qual o tecido inflamado é rodeado por tecido fibroso, formando uma cápsula que limita a evolução do processo inflamatório, mantendo geralmente um exsudato purulento no interior da cápsula – inflamação purulenta circunscrita. Como exemplo, podemos citar uma área circunscrita de exsudato purulento no parênquima pulmonar, podendo formar cápsula – abscesso pulmonar –, em quadro evolutivo de broncopneumonia estafilocócica. Nem sempre as áreas circunscritas abscedidas formam cápsulas. É comum a presença de microabscessos no parênquima renal em quadro de pielonefrite aguda, assim como no cérebro quando há embolia séptica, como veremos ainda neste capítulo.

Inflamação pseudomembranosa: é aquela na qual o exsudato inflamatório recobre a superfície mucosa de um órgão sob a forma de uma pseudomembrana. Pode ser causada por agentes necrotizantes como a toxina diftérica – difteria ou crupe – ou gases irritantes, formando uma falsa membrana constituída por epitélio necrótico, coágulos sanguíneos e depósito de fibrina. Outro exemplo importante é a colite pseudomembranosa associada a antibióticos. A antibioticoterapia altera a flora intestinal normal, provocando a multiplicação de bactérias que produzem toxinas, particularmente o Clostridium difficile, provocando reação inflamatória com lesão da mucosa e depósito de muco, exsudato necrótico e fibrinopurulento formando uma membrana que adere à mucosa.

Inflamação ulcerada ou úlcera: é aquela onde o processo inflamatório abre-se para a superfície do órgão atingido, formando uma cavidade por onde o material necrótico é drenado. Há uma perda de continuidade, geralmente com perda de substância, ocorrendo na pele ou em superfície mucosa. A superfície ulcerada geralmente é recoberta por crosta fibrino-leucocitária e tecido necrótico. É o que ocorre na úlcera péptica gástrica, por exemplo.

A inflamação geralmente provoca manifestações locais e sistêmicas no organismo. As manifestações locais da inflamação são: rubor, calor, tumor, dor e limitação da função, consideradas como os sinais cardinais da inflamação. O rubor e o calor são conseqüentes à dilatação de vasos sanguíneos, aumentando o volume sanguíneo no local da lesão. O tumor – tumefação, inchaço ou edema – ocorre pelo aumento da permeabilidade vascular, provocando exsudação de líquidos e proteínas sanguíneas. A dor é provocada pela liberação de mediadores químicos e substâncias ácidas, além da compressão pelo exsudato, provocando irritação nervosa local. A limitação da função é conseqüente à dificuldade de movimentação pelo edema e pela dor provocada na tentativa de mobilização.

As manifestações sistêmicas mais comuns no processo inflamatório são a febre e a leucocitose. A febre – pirexia – é a elevação anormal da temperatura corporal por perturbação do centro termo-regulador hipotalâmico por substâncias pirogênicas, por exemplo, produzidas pelos neutrófilos. A leucocitose é o aumento do número de leucócitos na circulação sanguínea, provavelmente devido a um fator promotor da leucocitose.

ExudativaFlegmonosaGagrenosaAbscedidaPseudomembranosaUlcerada

AgudaCrônica inespecíficaCrônica granulomatosa

Serosa FibrinosaPurulentaHemorrágica

Tipos celulares

Tipos de exsudatos

Padrões morfológicos

Classificação

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Figura 1.11 Classificação dos processos inflamatórios

Alterações circulatórias:20

As alterações circulatórias estão relacionadas tanto com a distribuição de água e eletrólitos – modificações hidrodinâmicas – nos compartimentos intra e extracelulares – edema e desidratação – como as modificações locais ou sistêmicas na circulação sanguínea – modificações hemodinâmicas – e suas conseqüências – hiperemia, hemorragia, trombose, embolia, infarto e choque.

Edema:O acúmulo hídrico anormal, localizado ou generalizado, nos espaços

intersticiais dos tecidos ou nas cavidades serosas é denominado edema.Quando o edema é acentuado e generalizado denomina-se anasarca.

Quando ele se localiza nas cavidades serosas recebe os nomes de ascite ou hidroperitônio – edema da cavidade peritonial –, derrame pleural hídrico ou hidrotórax – edema da cavidade pleural –, derrame pericárdico hídrico ou hidropericárdio – edema da cavidade pericárdica e hidrocele – edema da túnica vaginal. Todas essas condições citadas podem aparecer tanto na insuficiência cardíaca como na insuficiência renal.

Quando o edema é de baixa densidade – geralmente menor que 1020g/ml –, com pouca proteína, é denominado transudato. É o que ocorre, por exemplo, nas insuficiências renal e cardíaca. Quando o edema é de alta densidade – geralmente maior que 1020g/ml –, com muita proteína e, inclusive, elementos celulares, é denominado exsudato. É o que ocorre, por exemplo, em quadros de broncopneumonia, com envolvimento da cavidade pleural pelo exsudato purulento – derrame pleural purulento ou piotórax.

Os principais distúrbios dinâmicos causadores de edema são:1. aumento da pressão hidrostática sanguínea:Exemplo: a insuficiência das câmaras cardíacas direitas com deficiência

da musculatura cardíaca em bombear sangue para os pulmões, provoca aumento da pressão venosa no ventrículo e no átrio direitos. Em conseqüência há aumento da pressão hidrostática nas veias cavas e seus ramos, provocando extravasamento de líquido plasmático para o interstício, causando edema principalmente dos membros inferiores, onde a pressão hidrostática venosa é mais acentuada.

2. diminuição da pressão osmótica sanguínea:

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Exemplo: na insuficiência renal por síndrome nefrótica, o aumento da permeabilidade da membrana basal glomerular permite a passagem de grande quantidade de proteínas, particularmente a albumina, para a urina – proteinúria – diminuindo assim a osmolaridade sanguínea. Na tentativa de equilibrar a osmolaridade entre o sangue e o interstício, há passagem de líquido plasmático do sangue para o interstício, provocando edema generalizado.

3. aumento da pressão osmótica intersticial:Exemplos: na insuficiência cardíaca, por deficiência no bombeamento do

músculo cardíaco, há diminuição da pressão sanguínea arterial. Conseqüentemente há diminuição da pressão arteriolar renal, provocando ativação do aparelho justa-glomerular, o qual põe em funcionamento o sistema renina-angiotensina. Este promove a constrição das arteríolas aferentes glomerulares com diminuição da filtração glomerular – na tentativa de aumentar o volume sanguíneo e, com isso, aumentar a pressão arterial. Isso provoca a secreção compensatória de aldosterona, a qual promove a retenção de sódio e, conseqüentemente, água, causando edema. Além disso, a diminuição da pressão arterial é detectada pelos barorreceptores do organismo, os quais informam o núcleo supra-óptico hipotalâmico, aumentando a secreção do hormônio anti-diurético, retendo água, provocando aumento do volume sanguíneo – hipervolemia – e, conseqüentemente, edema. Na insuficiência renal também ocorre o mesmo fenômeno de ativação do mecanismo renina-angiotensina pela diminuição do fluxo urinário por hipovolemia, com as mesmas conseqüências. Também no hiperaldosteronismo primário – causado geralmente por tumores corticais da adrenal, produtores de excesso de aldosterona – a retenção de sódio pelo excesso de aldosterona provoca o mesmo efeito.

4.aumento da permeabilidade vascular:Exemplo: nas lesões inflamatórias, a liberação de mediadores químicos da

inflamação – histamina, cininas plasmáticas etc. – provoca aumento da permeabilidade vascular com extravasamento de líquido plasmático para o interstício, causando edema – tumefação – local.

5. obstrução linfática:Exemplos: na filariose, causada pela Wuchereria bancrofti, que penetra

nos vasos linfáticos provocando inflamação e obstrução dos mesmos, dificultando a drenagem linfática, há aparecimento do linfedema principalmente nas pernas – elefantíase –, como também na túnica vaginal - quilocele. Também em casos de cirurgia mamária por câncer, com mastectomia radical acompanhada da retirada da cadeia linfática axilar, há obstrução da drenagem linfática no braço correspondente, com conseqüente linfedema do membro superior envolvido.

Desidratação:É a perda de água corpórea com diminuição da mesma nos tecidos. A

desidratação pode ocorrer por diminuição da ingestão, como por exemplo, nos indivíduos que estão em estado de coma sem reposição hídrica adequada via parenteral.

Ela também ocorre por aumento de perdas pela pele – como ocorre nas queimaduras e na sudorese intensa por calor excessivo –, por via intestinal – nas diarréias crônicas e vômitos freqüentes – ou pelos rins – na poliúria do diabete insípido e nas doenças renais.

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A desidratação, principalmente na criança, pode provocar choque circulatório, por alteração significativa das funções metabólicas. Neste caso, há diminuição do líquido extracelular e, por osmose, parte do líquido intracelular passa para o compartimento intersticial, carreando também eletrólitos, provocando distúrbio hidroeletrolítico capaz de ocasionar morte somática Fig. 1.12).

Figura 1.12 Esquema geral das alterações circulatórias hidrodinâmicas

Hiperemia ou congestão vascular:É a dilatação vascular com aumento do volume sanguíneo intravascular na

região comprometida. A hiperemia ou congestão pode ser ativa ou passiva.A hiperemia ativa pode ser localizada ou generalizada. É localizada, por

exemplo, nas fases iniciais do processo inflamatório, quando há dilatação vascular na área da lesão causando rubor e calor. Ela é generalizada, por exemplo, quando se realizam exercícios para aquecimento muscular, provocando vasodilatação sistêmica.

A hiperemia passiva também pode ser sistêmica ou localizada. Ela é localizada, por exemplo, quando há fragilidade em áreas irregulares das paredes de vasos venosos, provocando a formação de varizes, com congestão passiva nessas áreas. Um exemplo de hiperemia passiva sistêmica é aquela que ocorre na insuficiência cardíaca. O enfraquecimento das câmaras cardíacas direitas causa dificuldade na manutenção do débito cardíaco ventricular direito, com conseqüente aumento da pressão nessas câmaras e aumento da pressão hidrostática nos vasos venosos de retorno ao coração – veias cavas e seus ramos – com aumento do volume sanguíneo e dilatação desses vasos. Isso pode causar extravasamento do líquido plasmático para o interstício, provocando edema, como já foi visto neste capítulo. Por outro lado há congestão passiva, com acúmulo de sangue represado, principalmente no fígado e baço, aumentando o volume desses órgãos. A congestão passiva hepática assume aspecto rendilhado lembrando a superfície de corte de uma noz moscada. É o fígado da congestão passiva crônica ou fígado em noz moscada. Por outro lado, a insuficiência das câmaras esquerdas do coração, com redução do débito ventricular esquerdo causa aumento da pressão hidrostática nas veias pulmonares e, conseqüentemente, haverá congestão passiva crônica dos pulmões, que é uma das complicações comuns da insuficiência cardíaca, provocando insuficiência respiratória, caracterizada clinicamente por dispnéia.

AnasarcaAsciteHidrotóraxHidropericárdioTransudatoExsudato

Etiologia

Aumento da pressão hidrostática sanguíneaDiminuição da pressão osmótica sanguíneaAumento da pressão osmótica intersticialAumento da permeabilidade vascularObstrução linfática

EdemaAcumulo hídrico

Hidrodinâmicas

Perda hídrica Desidratação

Nosologia

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Hemorragia:É a liberação dos elementos sanguíneos, principalmente hemácias, para

fora da parede vascular, geralmente conseqüente à ruptura do vaso sanguíneo, ou pode ocorrer devido a passagem de hemácias pela parede vscular íntegra – diapedese ou discrasia sanguínea. A ruptura vascular pode causar acúmulo localizado de sangue no tecido ou órgão – hematoma – ou acúmulo localizado nas cavidades serosas como na pleural – hemotórax –, na peritonial - hemoperitônio –, na pericárdica – hemopericárdio – ou na túnica vaginal peri-testicular – hematocele.

As conseqüências da hemorragia dependem da quantidade de sangue perdido, da velocidade com que ocorre o extravasamento sanguíneo e do local atingido pela hemorragia. Por exemplo, a perda súbita de vinte por cento do volume sanguíneo total é grave, podendo causar choque hipovolêmico. Por outro lado, perdas maiores em períodos mais prolongados, como em certas parasitoses – ancilostomíase, por exemplo – podem causar apenas anemia. Quanto à localização, uma pequena hemorragia no tronco cerebral pode comprometer os centros vitais, causando a morte orgânica.

Trombose:Quando o organismo sofre lesão vascular, ele possui um mecanismo de

coagulação capaz de permitir a correção da área lesada, evitando perda sanguínea importante. Com a ação da tromboplastina – existente nas plaquetas e nos tecidos – há ativação da protrombina – formada no fígado com o auxílio da vitamina K – que, sob a ação de sais de cálcio e fatores plasmáticos, é ativada e forma trombina. Esta atua sobre o fibrinogênio plasmático – proteína solúvel – transformando-o em fibrina – proteína insolúvel – capaz de aderir à parede dos vasos, juntamente com as plaquetas e as hemácias, formando um coágulo, evitando o sangramento. A medida que a lesão vascular é corrigida pelo organismo, mecanismos fibrinolíticos dissolvem o coágulo e desobstruem novamente a luz vascular. Porém, se essa obstrução permanecer como uma massa sólida intravascular ou mesmo intracardíaca, formada de elementos sanguíneos – hemácias, fibrina e plaquetas – obliterando totalmente – trombo oclusivo – ou parcialmente – trombo mural – a luz vascular, saímos do estado fisiológico para o patológico, estabelecendo-se a trombose. Esta é, portanto, o processo de formação de um trombo. O trombo pode ser vermelho – geralmente venoso, formado principalmente por hemácias –, branco – geralmente arterial, formado principalmente por fibrina e plaquetas – ou misto – mais freqüente.

Há vários fatores responsáveis pela instalação de um trombo, sendo considerados os principais:

1. lesão endotelial: a lesão de células endoteliais dos vasos torna irregular a camada íntima dos mesmos, facilitando a adesividade das plaquetas. É o que ocorre nos processos inflamatórios das veias – flebites – e artérias – arterites e na formação de placas ateromatosas na parde interna de vasos arteriais – aterosclerose.

2. estase sanguínea: os vasos venosos apresentam velocidade da corrente sanguínea menor que os vasos arteriais, sendo que o fluxo sanguíneo desses vasos depende inclusive do movimento dos músculos comprimindo as paredes venosas e ajudando a impulsão sanguínea. O indivíduo com insuficiência cardíaca das câmaras direitas apresenta estase venosa importante, com represamento do sangue na circulação de retorno,

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caracterizando a congestão passiva, já discutida neste capítulo. Se esse indivíduo apresentar fraqueza muscular das paredes venosas poderá haver a instalação de varizes nessas veias, aumentando a estase, propiciando a instalação da trombose. A estase venosa também é importante em indivíduos acamados, havendo compressão de vasos venosos, diminuindo o fluxo e propiciando a formação de trombos.

3. turbulência sanguínea: ocorre em vasos arteriais de grande calibre, onde o fluxo sanguíneo é mais rápido. Qualquer irregularidade na parede vascular, que modifique o fluxo sanguíneo, pode provocar turbulência, facilitando a instalação de trombos murais. É o que ocorre quando há formação de aneurismas, que são dilatações irregulares nas paredes dos vasos sanguíneos.

4. hemoconcentração: Quando há maior concentração de elementos celulares em relação ao plasma na corrente sanguínea, esse fenômeno tenderá a facilitar a adesividade na parede vascular. É o que ocorre na desidratação e em doenças com aumento de elementos figurados do sangue como a policitemia.

Quanto à evolução da trombose, pode haver remoção do trombo pela ação fibrinolítica já citada. Se o trombo recém-formado – trombo recente – não é removido, ele irá sofrer organização, com substituição da massa trombótica por tecido conjuntivo e vasos neoformados no interior da massa trombótica, podendo restabelecer a circulação vascular – trombo organizado e recanalizado. Também pode haver fragmentação do trombo ou destacamento dele integralmente, sendo os fragmentos ou o trombo inteiro carregados pela circulação sanguínea para um ponto distante do local de origem do trombo, alojando-se em vaso de calibre menor que não permita sua passagem. É a tromboembolia, vista a seguir.

Embolia: é a oclusão vascular por qualquer tipo de substância intra-vascular – sólida, líquida ou gasosa – que se desloca em bloco na circulação sanguínea. A grande maioria dos êmbolos são originários de trombos pré-existentes. Quando um trombo ou um fragmento de trombo se destaca do local de origem para a circulação sanguínea, alojando-se em vaso de calibre menor que o trombo, recebe o nome de êmbolo. A oclusão vascular por um trombo é chamada de tromboembolia.

Além dos trombos destacados, os êmbolos podem ser representados por gotículas de gordura – embolia gordurosa. Ocorre, por exemplo, em traumatismos ósseos, com liberação de fragmentos de medula óssea gordurosa para a corrente sanguínea. Também pode ocorrer a embolia por substâncias gasosas – embolia gasosa. Esta ocorre, por exemplo, na descompressão brusca dos mergulhadores. Também pode ocorrer embolia por corpos estranhos que penetram na circulação sanguínea como parasitas ou mesmo massas de bactérias como aquelas que se destacam das válvulas cardíacas em caso de endocardite bacteriana, sob a forma de êmbolos sépticos.

A principal conseqüência do trombo ou do êmbolo é a oxigenação deficiente dos tecidos irrigados pelo vaso obstruído. Se o trombo é mural, obstruindo parcialmente a luz vascular, pode haver diminuição parcial da luz vascular, diminuindo a oxigenação dos tecidos – hipóxia – podendo causar atrofia isquêmica no tecido irrigado pelo vaso trombosado. Se o trombo for oclusivo ou se ocorrer a instalação de um êmbolo, haverá obstrução total da

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luz vascular, com falta de oxigenação do tecido irrigado por aquele vaso – anóxia – podendo ocorrer necrose isquêmica do tecido envolvido.

Infarto: é uma área localizada de necrose que pode ocorrer por obstrução localizada da irrigação arterial ou mesmo por obstrução da drenagem venosa do tecido atingido.

O infarto é denominado isquêmico ou anêmico quando resulta, geralmente, da oclusão embólica ou trombótica de um ramo arterial terminal de um tecido parenquimatoso. Habitualmente o infarto anêmico é representado por área de necrose coagulativa, como por exemplo, o infarto do miocárdio, o infarto renal e o infarto esplênico. Em circunstâncias especiais, a área do infarto é representada por necrose liquefativa, como é o caso do infarto ou derrame cerebral.

O infarto é denominado hemorrágico quando há extravasamento de hemácias na área de necrose. Isso acontece, por exemplo, quando há obstrução da circulação venosa de retorno ou em órgãos com dupla circulação arterial, como os pulmões, ou com múltiplas anastomoses, como os intestinos.

Colapso circulatório ou choque: é um estado patológico provocado por insuficiência circulatória aguda sistêmica capaz de provocar diminuição da perfusão tecidual com deficiência na oxigenação celular sistêmica. A diminuição da perfusão é uma deficiência aguda e persistente no fornecimento de sangue aos tecidos. Com a deficiência de oxigênio, as células realizam principalmente glicólise anaeróbica, com formação de ácido lático, provocando acidose que causa liberação de enzimas lisossomais e, em conseqüência, lesão celular.

Há vários tipos de choque ou colapso circulatório, a saber:Choque hipovolêmico: resulta da diminuição brusca do volume sanguíneo.

Pode ser causado por hemorragias – traumatismos, por exemplo –, por perdas significativas de líquido plasmático – como nas queimaduras graves – ou por perdas de líquido intersticial – como nas desidratações.

Choque cardiogênico: é causado por insuficiência aguda no bombeamento cardíaco, com diminuição brusca do débito cardíaco, sendo o exemplo mais freqüente o infarto do miocárdio.

Choque anafilático: nas reações de hipersensibilidade ocorre insuficiência vascular na microcirculação caracterizada por vasodilatação acentuada e persistente.

Choque neurogênico: a vasodilatação acentuada e persistente também pode ocorrer em casos de traumatismos violentos, emoções e dores intensas, levando ao colapso circulatório neurogênico.

Choque tóxico: em casos de intoxicações por drogas vasodilatadoras, também pode ocorrer colapso circulatório, caracterizando o choque tóxico.

Choque séptico: a vasoconstrição persistente ocorre principalmente em infecções graves sistêmicas – septicemias – particularmente por bactérias Gram-negativas.

Muitas vezes, os estados de colapso circulatório podem apresentar padrões mistos entre os tipos citados (Fig. 1.13).

Alterações hemodinâmicas

HiperemiaAtivaPassiva

Infarto AnêmicoHemorrágico

Hemorragia

Choque

HematomaHemotóraxHemopericardioHemoperitônio

Hipovolêmico

Cardiogênico

Insuficiência vascular

AnafiláticoTóxicoNeurogênicoSéptico

NosologiaTrombose

Lesão endotelialEstaseTurbulênciaHemoconcentração

OclusivaMural

Evolução

Remoção do trombo

Recanalização

Embolia GasosaTromboembolia

GordurosaOutras

Etiologia

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Figura 1.13 Esquema geral das alterações circulatórias hemodinâmicas

A patologia estuda as manifestações clínicas decorrentes das alterações estruturais e funcionais?13

As manifestações clínicas que surgem em conseqüência às alterações estruturais e funcionais de um organismo são as evidências perceptíveis do processo patológico ou da doença. Às vezes elas são inaparentes – não-evidenciáveis ou assintomáticas –, porém, na maioria das vezes elas são evidenciadas no indivíduo doente pelos sintomas, sinais e exames paraclínicos.

Os sintomas – sintomas subjetivos – são as sensações subjetivas referidas pelo doente durante o interrogatório clínico – por exemplo, dor de cabeça, náusea, falta de ar etc. Esses sintomas são obtidos pelo examinador em interrogatório inicial – anamnese*. Os sinais – sintomas objetivos – são as alterações observadas pelo examinador com as manobras semiológicas – inspeção, palpação, peercussão e ausculta. Esse conjunto de manobras realizadas para a obtenção dos sinais é o exame físico do doente. O estudo dos sinais obtidos pelo exame físico é denominado semiologia.** O estudo da anamnese com a semiologia, completando a observação clínica do paciente, é estudado na disciplina médica denominada propedêutica. Os

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exames paraclínicos são métodos auxiliares na obtenção de informações capazes de caracterizar a presença de alterações nas estruturas examinadas. Entre eles, temos: radiológicos, eletroencefalográficos, bioquímicos, anatomopatológicos, parasitológicos, eletrocardiográficos, citológicos, hematológicos, microbiológicos etc.

Com o conjunto da anamnese, exame físico e exames paraclínicos, interpretando os sintomas e sinais obtidos por esses meios, chega-se ao diagnóstico***.

O quadro patológico caracterizado pelo conjunto de sintomas e sinais apresentados é denominado síndrome (Fig. 1.14).

Figura 1.14 Esquema geral das manifestações clinicas

O examinador que possui conhecimentos sólidos de patologia estará apto a diagnosticar a grande maioria das moléstias.

Moléstia é um conjunto de alterações estruturais e funcionais de um organismo que sofre a ação de agentes causais, contra os quais ele reage, caracterizando um quadro evolutivo que pode ser reconhecido pelas manifestações clínicas apresentadas pelo indivíduo.

* do grego, aná: em ascensão, invertido, contrário, de novo, reiterado, ação contrária, duas vezes e do grego, mimnésko: lembrar, recordar** do grego, semeion: sinal e do grego, lógos: tratado, estudo*** do grego, diá: reconhecer, separação, através de, e do grego, gnósis: conhecimento, sabedoria

Esse conceito elimina a possibilidade de considerar doença como sinônimo de moléstia. A doença, como vimos, pode ser reconhecida pelas alterações estruturais e funcionais acompanhadas de modificações do estado de saúde do indivíduo. A moléstia tem um quadro mais definido, com etiologia, patogenia, quadro morfológico e funcional caracterizado por um conjunto de sintomas e sinais e apresentando caráter evolutivo.

Por exemplo, quando se fala em moléstia de Chagas entende-se uma moléstia causada pelo T. cruzi – agente etiológico – transmitido pelo “barbeiro” e comprometendo principalmente o músculo cardíaco, podendo comprometer outros órgãos – patogenia – determinando um quadro anatomopatológico – geralmente miocardiopatia – com quadro sindrômico bem definido – dispnéia, edema, palpitações etc. – que costuma evoluir para insuficiência cardíaca descompensada, levando ao óbito

Às vezes, em sua evolução, a moléstia é curada mas deixa alterações estruturais ou funcionais que permanecem no indivíduo após a cura. São as seqüelas. Quando a seqüela é funcional – cegueira, surdez etc. – denomina-se enfermidade. Quando a seqüela é estrutual – lesão da válvula mitral

Manifestações clinicas

Sintomas (anamnese)

Sinais (semiologia)

Síndrome

DiagnósticoExames paraclínicos

Observação clínica

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conseqüente a uma febre reumática prévia – denomina-se afecção. Freqüentemente esses conceitos são vistos na literatura como sinônimos.

Fig. 1.15 Esquema geral da evolução das molestias

Regeneração

Cicatrização

Resolução

Reparação

Morte somática Cronificação Seqüela

Enfermidade Afecção

MOLÉSTIA: Evolução

Cura completa

Cura incompleta