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    Os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN e

    PCN+) e a crise estrutural do capital

    a afirmao e a negao do trabalho

    17/04/2014

    Eddie Orsini

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    Dedicado a Maria Anglica Sobral Ferreira e Eddie Orsini Richard

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    Agradecimentos

    Em primeiro lugar, agradeo Maria Anglica, minha me, por ter me ensinado a importncia do

    conhecimento e ter oferecido tudo o que estava apta a oferecer para que eu construsse minha prpria re-

    lao com o mundo e o saber. Foste uma lio profunda de vida, mesmo quando a doena lhe retirou parte

    da nica riqueza que trazia: vosso sentido. Os marcos do seu nacionalismo burgus foram ultrapassados

    por mim no s por ela entender que Educao s pode ocorrer oferecendo-se escolhas, mas tambm por-

    que era preciso romper efetivamente, para alcanar sua prpria felicidade, com os dezoito anos de con-

    vento. Em segundo lugar, agradeo a meu pai, Eddie Orsini, por me ensinar como rica (omnilateral-

    mente, embora ele no estivesse consciente de que defendia este paradigma) a pessoa que trabalha. Ensi-

    nou-me ainda como os dilemas so questes prticas, nas quais estar decidido e mover-se apaixonada-

    mente so a nica maneira de no ser tragado pela fortuna. Que a vida cobra mais dos que se posicionam,

    mas lhes oferece muito mais a estes porque esta a riqueza da vida: nosso legado (nossa alma, que o

    sardenho Gramsci afirmava tambm eterna, mas sem a f de meu pai). Alis, como eram duros na queda!

    A ambos os reveses eram s partes a atitude dele, era exemplar dos dois, olhar as estrelas noite e ficar

    to feliz por fazer isso mesmo em meio a duras derrotas: tentar novamente amanh e sem qualquer tris-

    teza feia.

    Agradeo a meus tios maternos, Ana Maria e Geraldo, por ofertarem-me todo o suporte material e

    emocional, mesmo estando to longe de mim, durante a doena de minha me. Agradeo a Rose, Zana e

    Isabel por terem cuidado to bem de minha me, num quadro que demandava uma assistncia intensa

    ainda encontraram no s foras para cuidar de mim, mas tambm para se tornarem minhas amigas e par-

    te da famlia. Sem o tempo livre que tive, devido ao trabalho de vocs, jamais poderia me formar e con-

    cluir a presente especializao. E ainda ofereceram-me os seus saberes sobre o mundo, o esprito e a do-

    ena como funcionam o indivduo e a sociedade presentes tambm neste trabalho. Ali, o Caveiro

    Caveiro, como em nossas conversas interminveis, no , Rose?

    Agradeo a todos os amigos e amigas do mundo real e virtual estas duas maravilhas nas quais,

    claro, sob meu sentido, vossos ensinamentos foram to importantes para minha pesquisa. Em especial,

    o grande companheiro Oliva, to atencioso (mesmo com a agenda cheia), perspicaz, orientando tanto

    tambm as emoes que perpassam estas batalhas de ideias! Todos fundamentais! Aos companheiros

    mais prximos Hildebrando, Bruno, Tigo, Aldemar, Tcito, Srgio, Valria, Cristiano, Juliana, Tathi-

    any, Tiago e Welington todos formidveis na luta, pois so timos analistas de textos e relaes sociais.

    Last but not least, minha esposa, Tnia, no s pelo amor, mas por constituir comigo uma comuni-

    dade de troca de trabalho, ao lado da pequena Isabel, fundamental no meu trabalho. Ela ainda, como me

    e educadora de primeira linha, ou seja, profunda conhecedora da reproduo da fora de trabalho, fez uma

    contribuio permanente! E ainda foi capaz de fazer um trabalho de reviso e copidesque da monografia

    muito bom, mesmo em meio a uma misria absoluta de tempo livre. Assim, entre maro de 2012 e se-

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    tembro de 2013, pude pesquisar, conviver com todos os educadores do CESPEB e ainda tive a sorte de

    amar uma educadora e poder conviver com todas estas personificaes de trabalho, do trabalho sobre si

    (Educao) que expressavam, em minha frente, inequivocamente, a crise do trabalho e a crise da educa-

    o; mas tambm eram uma fonte inesgotvel, pois criadora, de possibilidades de ultrapassarmos a rela-

    o-capital.

    H outros que cometo a injustia de no citar, mas esto quase todos em meu perfil no Facebook

    (ou possivelmente estaro devido revoluo informacional) e continuamos trocando trabalho para a

    emancipao humana. A todos, muito obrigado.

  • 6

    No mercado mundial desenvolveu-se em tal nvel o nexo do indivduo singular com to-

    dos, mas ao mesmo tempo tambm a independncia desse nexo em relao aos prprios

    indivduos singulares, que sua formao j contm simultaneamente a condio de tran-

    sio para fora dele mesmo.) A equiparao em lugar da comunalidade e da universalida-

    de efetivas. [...]

    igualmente certo que os indivduos no podem subordinar suas prprias conexes so-

    ciais antes de t-las criado (Marx, 2011, p.109).

    Resumo

    Partimos da crise estrutural do capital. Uma vez que identificamos a crise estrutural do capital cuja

    efetivao objetivada como crise do trabalho e da Educao, buscamos apreender se o currculo atual de

    Sociologia oferece condies para que a comunidade escolar seja uma contratendncia crise. Evidente-

    mente, nossa fundamentao terica o Materialismo histrico-dialtico e o mtodo criado por esta teo-

    ria. Logo, fizemos uso de anlise dos documentos referidos e de estudos acerca do Ensino de Sociologia,

    cotejando estes dados com o instrumental terico-metodolgico, visando descobrir se o currculo oferece

    uma anlise e proposta politico-pedaggica realista frente aos desafios do mundo contemporneo.

    Como no poderia deixar de ser diferente, nesta pesquisa somos obrigados a definir a Educao e a

    natureza do sociometabolismo do modo de produo do capital, pois, do contrrio, no poderamos de-

    terminar se as propostas oficiais so realistas, ou apenas reflexos ideolgicos.

    Com isto j temos um resultado, uma definio realista da Educao: trata-se de trabalho sobre si.

    Os PCNs consideram a Educao essencialmente uma linguagem, embora afirmem estruturar o currculo

    por meio da categoria trabalho e, por no a tomarem como um trabalho direcionado sobre si mesmo, o

    que defendido, nesta proposta curricular, dificilmente encontrar bases materiais para ser realizado. Se o

    padro uma linguagem, trata-se de transmisso de um cdigo, e no da automediao (na qual a lingua-

    gem est pressuposta). Logo, os educadores cometem o erro crasso (comum a todos que se identificam

    em alguma medida com a relao-capital) de apreender o capital cultural como coisa no caso, um cdi-

    go quando o capital cultural um capital, isto , uma relao de produo. Assim, outro resultado da

    pesquisa a restituio, ao menos, terica, do trabalho na pedagogia e no sociometabolismo para alm da

    reificao operada aqui por esta relao de produo.

    Palavras-Chave:

    Crise da educao, Crise estrutural do capital, PCN, Pedagogia da competncia, Ensino de Sociologia no

    Ensino Mdio.

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    Sumrio Introduo......7

    A Educao no sociometabolismo do capital.............................................................................................................9

    Trabalho, Educao e crise estrutural do Capital ................................................................................................18

    Cincia: parte de si ou instrumento de trabalho (tripalium)? .........................................................................21

    A revoluo informacional chega Escola: Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino Mdio (PCN e PCN+)................................................................................................................................................................................35 A categoria Trabalho, as Cincias Sociais e os PCNs.............................................................................................40 Sistema dual de Ensino e a tentativa de superar a dualidade com as teses ps-industriais..........................................................................................................................................................................40 As trs reas do currculo e a oportunidade perdida de concaten-las com a Filosofia, a Histria e a Sociologia............................................................................................................................................................................51

    O carter acrtico da anlise das mediaes do capital: estratificao, antinomias e eternizao do

    dualismo da sociedade e da globalizao.............................................................................................................58

    Parmetros Curriculares Nacionais+: o fim do ciclo neoliberal?

    ................................................................................................................................................................................................79

    Concluso: os PCNs, a crise estrutural e uma contenda ainda em aberto.....................................................90

  • 8

    Introduo

    O objetivo deste estudo : analisar o currculo atual (composto pelos Parmetros Curriculares Na-

    cionais PCN e Parmetros Curriculares Nacionais +, PCN+), frente ao que denominamos crise estru-

    tural do capital. Na caracterizao do momento histrico atual, nosso posicionamento terico-poltico se

    centra no materialismo histrico-dialtico. Assim, pretendemos saber se o currculo e o Ensino de Socio-

    logia podem ser uma contratendncia crise do capital, que se desdobra em crise do trabalho e crise da

    Educao, ou se, ao contrrio, no podero responder, sempre junto comunidade, s contradies pro-

    venientes da crise estrutural do capital. Sendo a crise estrutural do capital uma realidade objetiva, alm de

    entendermos que o conhecimento deve tratar dos problemas e contradies vivas de maneira realista, as-

    sim, entender e superar esta crise uma condio no apenas terico-metodolgica (e jamais uma questo

    escolstica), mas tambm da prtica:

    A questo de saber se ao pensamento humano cabe alguma verdade objetiva no uma questo da

    teoria, mas uma questo prtica. Na prtica tem o homem de provar a verdade, isto , a realidade e

    o poder, a natureza citerior de seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou no-realidade de

    um pensamento que se isola da prtica uma questo puramente escolstica. (Marx & Engels,

    2007, p.537)

    Pelo fato de a crise estrutural do capital trazer uma quantidade grande de problemas e contradies

    como tambm de diferentes qualidades, o instrumental que o Estado buscar para munir os educadores

    frente a estes desafios muito ecltico. E o problema est: 1) em achar que o ecletismo, a escolstica

    pode oferecer meios para superar o problema e 2) em no entender que esta crise uma questo essenci-

    almente prtica.

    Naturalmente outras questes subsidirias surgem a partir deste questionamento inicial: o que o

    processo educacional? Qual a filiao terica e poltica s quais os dois Documentos estudados se ali-

    nham? O que , exatamente, a crise estrutural do capital? Por fim, de que maneira esta crise se efetiva na

    Educao e no que achamos que uma realidade que a Educao no deve jamais se furtar: o trabalho.

    Abrimos o presente estudo com uma parte terica a respeito da Educao. Em seguida, ao se pen-

    sar a Educao e o ser social, somos obrigados a investigar a situao atual da Educao e do trabalho.

    Apesar de o contexto brasileiro ser o centro de nossa anlise, no nos restringimos a ele: tanto para a crise

    estrutural como para a crise do trabalho, pois buscamos apreender as tendncias gerais destes movimentos

    histricos.

    A opo pelo currculo como objeto de estudos se deu em virtude de imaginar-se que possa estar

    acima das foras sociais que recortam a sociedade que tratar-se-ia algo completamente objetivo e redu-

    zvel tcnica. Ainda, os PCNs constituem no s uma referncia para os educadores, como tambm suas

  • 9

    concepes esto muito mais difundidas do que a rea que influenciam diretamente.1 H uma resultante

    no prprio currculo e no Ensino desta suposta neutralidade: neste amlgama encontramos tanto ideias

    progressistas como reacionrias, tornando o Ensino de Sociologia insuficiente frente s contradies con-

    temporneas. Os documentos analisados so constitudos por um amlgama de teses reacionrias com

    teses (tomadas em si) aparentemente progressistas, mas este ecletismo do Ensino de Sociologia

    efetivado na sociedade do capital na qual temos o ciclo vicioso de mediaes de segunda ordem do ca-

    pital assim, a parte progressista dos documentos tende a ser completamente tragada, porque o Ensino de

    Sociologia no ocorre em uma sociedade neutra de maneira que pouco ou nada restar das teses pro-

    gressistas. Isto constitui-se em um problema para o Ensino de Sociologia na Educao em crise. Assim,

    com este currculo ecltico temos uma situao na qual as contradies que fazem parte da Escola e da

    sociedade tendem a dominar o Ensino-aprendizagem, a formao dos indivduos sociais e a vida. Por sua

    vez, o ecletismo comum trata de inviabilizar projetos com maior consistncia terica e que contemplem

    mais o carter contraditrio da sociedade e Educao sob o capital:

    A hierarquia dos objetos legtimos, legitimveis ou indignos uma das mediaes atravs das

    quais se impe a censura especfica de um campo determinado que, no caso de um campo cuja in-

    dependncia est mal afirmada com relao s demandas da classe dominante, pode ser ela prpria

    a mscara de uma censura puramente poltica. A definio dominante das coisas boas de se dizer e

    dos temas dignos de interesse um dos mecanismos ideolgicos que fazem com que coisas tam-

    bm muito boas de se dizer no sejam ditas e com que temas no menos dignos de interesse no

    interessem a ningum, ou s possam ser tratados de modo envergonhado ou vicioso. isso o que

    faz com que 1472 livros sobre Alexandre, o Grande tenham sido escritos, dos quais apenas dois se-

    riam necessrios, caso se acredite no autor do 1473 que, a despeito de seu furor iconoclasta, est

    mal situado para se perguntar se um livro sobre Alexandre ou no necessrio, e se a redundncia

    observada nos domnios mais consagrados no o preo do silncio que paira sobre outros obje-

    tos. A hierarquia dos domnios e dos objetos orienta os investimentos intelectuais pela mediao da

    estrutura das oportunidades (mdias) de lucro material e simblico que ela contribui para definir.

    O pesquisador participa sempre da importncia e do valor que so comumente atribudos ao seu

    objeto e pouco provvel que ele no leve em conta, consciente ou inconscientemente, na aloca-

    o de seus interesses intelectuais, o fato de que os trabalhos (cientificamente) mais importantes

    sobre os objetos mais insignificantes tm poucas oportunidades de ter, aos olhos daqueles que in-

    teriorizam o sistema de classificao em vigor, tanto valor quanto os trabalhos mais insignificantes

    (cientificamente) sobre os objetos mais importantes que, com frequncia, so igualmente os mais

    insignificantes, isto , os mais andinos. (Bourdieu, 2002, p.35-6)

    Desta forma o ecletismo faz com que as investidas tericas e prticas significativas para alm do capital

    tornem-se ainda mais vedadas. Poderemos ver como os intelectuais compartilham uma posio ambgua e contradi-

    tria, que alimenta este ecletismo que prefere constituir-se de elementos heteroclticos, e se isso ocorre na acade-

    1 Eles [os Parmetros] tm um embasamento terico invejvel, crticos. S que os problemas so muito ambguos, eles so planejados verti-

    calmente. At eles chegarem a acontecer... agora, eles no precisam ter toda essa riqueza que eles tm como referencial bibliogrfico, eles

    podiam ser simples e humilde mas ter surgido a partir da discusso da comunidade escolar, das bases. (Mota, p.95.).

  • 10

    mia, na escola efetiva-se de maneira ainda mais marcante. Logo, embora a educao tenha uma relao profunda

    com a categoria trabalho, esta no pode ser totalmente explicitada teoricamente e tampouco objetivada em um

    projeto poltico-pedaggico que reinstitua a importncia do trabalho na Educao e na vida social.

    Ento, os PCNs, que afirmam estruturar-se pela categoria trabalho, na verdade, estruturam-se por outros

    meios. Desta maneira, temos a ausncia de uma base material slida para que o Ensino-aprendizagem controle e

    no seja controlado por tais contradies. Logo, o currculo opta por um projeto que reproduz o ciclo vicioso de

    mediaes de segunda ordem e, portanto, a crise da Educao e no a nica sada para tais contradies: a opo

    radical pela autodeterminao a nica meta que consideramos legtima na Educao.

  • 11

    A Educao no sociometabolismo do capital

    Pelo fato de as Cincias Sociais reconhecerem o ser social como uma construo, mas postula-

    rem o social como uma esfera autnoma em relao materialidade,2 obrigamo-nos a comear reinsti-

    tuindo o lugar da categoria trabalho nas Cincias Sociais. Falar em construo (como uma categoria

    exclusivamente do social) aceitar a diviso sociotcnica do trabalho (entre a economia, que no mais

    poltica, e as Cincias Sociais) de forma que a mesma diviso do trabalho (reparem: que perpassa a totali-

    dade da prtica e da teoria) seja tratada como categoria meramente funcional, tcnica3 (no que j se est

    aceitando a diviso do trabalho acriticamente, i.e., a-historicamente) processo terico que tem como

    resultado necessrio um Karl Marx que seria um economista poltico, a despeito de a expresso crtica

    economia poltica estar em muitas de suas obras. Assim, temos um paradigma de Cincias Sociais que

    reproduz de maneira totalmente acrtica na teoria o que produto de uma relao de produo do ca-

    pital, e no um dado universal da histria.

    O professor Carlos Nelson Coutinho, comentando a contribuio de Gramsci para as Cincias So-

    ciais,4 diz o quanto este ambiente dominado pela diviso horizontal do trabalho, ou, se preferirmos os

    termos de Iamamoto, diviso sociotcnica do trabalho5 resultou na formao de um paradigma de

    Cincias Sociais hegemnico, no qual se imagina que Antropologia, Cincia Poltica e Sociologia teriam

    um recorte claro e seguro, sem implicar srios problemas tericos e metodolgicos para estas mesmas

    Cincias. Na verdade, numa volta Marx, jamais poderamos considerar que esta diviso disciplinar

    poderia ser dissociada do seu conceito de trabalho alienado e estranhamento, que, veremos, est presente

    em suas ltimas obras produzidas por este autor. Claro, a menos que consideremos a produo simblica

    no imbricada com a produo material. Assim, as teses de Mszros j tendo demonstrado (embora mui-

    to poucos tenham lido), que estes fenmenos da Histria do Pensamento Social, Filosofia, Teoria Soci-

    al e Cincias Sociais esto intimamente correlacionados com as mediaes de segunda ordem do capital

    propriedade privada, diviso do trabalho, troca etc. que perpassar toda a Histria do capital, tanto na

    2 ... elas reproduzem a diviso institucional entre o social (esta inveno do sculo XIX) e o econmico (ou o econmico-poltico)

    (Lojkine, 1995, p.301-2). muito esclarecedora a pesquisa de Jos Paulo Netto: Marcuse resume plasticamente como a aquiescncia com o

    dado em relao ordem estabelecida (...) do que na considerao do social como equalizado natureza. (...) o social, como tal, aparece

    como uma realidade ontologicamente alheia a esses [sujeitos sociais]. (...) No entanto, o decisivo a contraface desta naturalizao do social:

    ao naturalizar a sociedade, a tradio em tela compelida a buscar uma especificao do ser social que s pode ser encontrada na esfera

    moral. (...) Ele consiste basicamente em dois movimentos: um, que deseconomiza (e, portanto, desistoriciza) a questo social; outro, que

    situa o alvo da ao tendente a intervir nela no mbito de algumas expresses anmicas (1992, p.44-51). Esta referida teorizao do ser

    social, evidentemente, tem em vista a questo da coeso social e da ordem.

    3 Advinda da tcnica entendida como domnio neutro e dissociada das relaes de produo e demais estruturas. Mszros trabalha melhor

    do que ningum esta ideia de que a tcnica no pode ser dissociada de o capital, mas preferimos trazer as reflexes de Walter Benjamin sobre

    o tema, pois retratam este fenmeno de maneira mais clara: De fato, atendendo sua natureza econmica, a sociedade burguesa, no pode

    fazer outra coisa que no seja separar o mais possvel a esfera tcnica da chamada esfera do esprito, no pode deixar de excluir decidida-

    mente a ideia da tcnica de qualquer participao na ordem social. (2012, p.111-112). 4 Gramsci, o marxismo e as cincias sociais; In: Coutinho, C. N.; A dualidade de poderes e outros ensaios; 1994; Cortez Editora; So

    Paulo; p.91-120.

    5Iamamoto, M. V.; Renovao e conservadorismo no Servio Social Ensaios crticos; So Paulo; Cortez Editora; 1992; p.54

    112.

  • 12

    prxis quanto na Teori, basta que observemos os debates que envolvem as trs revolues industriais:

    desde os primrdios do capitalismo industrial, passando por taylorismo e fordismo, desaguando no debate

    especializao x interdisciplinaridade, sintetizada no toyotismo e acumulao flexvel alm, evidente-

    mente, no debate entre a pedagogia tradicional/moderna e a ps-moderna pedagogia das competncias,

    como poderemos ver neste presente estudo que a chamada por Marx autoalieno se encontra mais que

    presente e ativa nesta forma histrica de sociometabolismo. Coutinho demonstra de maneira incontestvel

    como o Materialismo Histrico-dialtico ultrapassa as divises estanques das Cincias Sociais, como es-

    tas preferem aceitar a instituio da Economia/Filosofia e as fronteiras internas das primeiras. O autor no

    tem dvida em atribuir isto a um movimento da burguesia em deslocar o seu eixo de esforos tericos

    para a legitimao da relao-capital, deslocando-se da Economia Poltica, j transformada em Economia,

    para as Cincias Sociais. De maneira mediada, estas questes tambm se fazem presentes no Ensino de

    Sociologia no Ensino Mdio. preciso ser muito ingnuo para no associar estes fenmenos todos cita-

    dos: a base produtiva do modo de produo (propriedade privada, diviso do trabalho, troca etc.), as fron-

    teiras entre Filosofia, Economia Poltica e as Cincias Sociais, tanto a Sociologia no Ensino Mdio (que

    toma as trs reas das Cincias Sociais para sua prtica e teoria) como os debates pedaggicos sobre o

    processo de trabalho docente. E o pior, no so associados no debate terico. Sem dvida, o Materialismo

    Histrico-dialtico no naturaliza estas questes como questes tcnicas. Evidentemente, poderemos

    ver no decorrer deste estudo, como isto uma ideia muito comum, sobre a prxis e a Teoria, cuja sntese

    a expresso meszariana tecnologizao da cincia. Nesta diviso estanque e no-orgnica dos saberes,

    est implcita a concordncia (consciente ou no) com o ponto de vista da Economia Poltica, e est

    totalmente encarnada em capital cultural nas suas trs formas, nos habitus de classe, nos indivduos

    sociais a subsuno real do trabalho ao capital. Pode parecer um exagero trazer estes temas para o ob-

    jeto de estudos Ensino de Sociologia e os PCNs mas poderemos ver como eles podero nos orientar

    em muito nas teses sobre disciplinaridade, competncia, interdisciplinaridade. O documento do governo

    chega a citar a alienao e at mesmo prope a desalienao, mas podemos ver como ele no entende

    estes termos que toma convenientemente, devido aos problemas que a terceira revoluo industrial

    traz para o trabalho e o Ensino-aprendizagem e, portanto, dificilmente ter sucesso em suas prprias

    propostas curriculares. De maneira que as questes ontolgicas, polticas e pedaggicas acerca da catego-

    ria trabalho, dos trabalhadores e a Pedagogia dificilmente podero ser suficientes para este cenrio em

    que a Educao e trabalho se encontram em crise.

    O que transpassa esta polmica a diferena entre o nvel da ideologia e o nvel do processo de au-

    toalienao (do trabalho alienado). Ao contrrio de ideologia, fenmeno subjetivo em sua essncia (que

    s se objetiva nos indivduos sociais e em instituies que so as suas bases materiais), a alienao um

    fenmeno preponderantemente objetivo e com cadeias materiais no modo de produzir distintas das ca-

    deias propriamente ideolgicas; a ruptura da alienao a grande fonte causal da ruptura ideolgica. O

  • 13

    trabalho alienado, enquanto segredo da relao-capital, a existncia qual Marx faz referncia

    como invertida e causa primria da ideologia.6

    Observemos este esquema:

    No s pelo fato de os Ma-

    nuscritos Econmico-Filosficos

    serem (dentre uma srie de proble-

    mas) fragmentados, como pelo livro

    de Mszros a seu respeito, A teoria

    da alienao em Marx, ser muito

    pouco conhecido, e tambm pela

    prpria realidade condicionada pelo

    trabalho alienado, que uma autoa-

    lienao, como poderemos ver, no

    se entende que a autoalienao a

    existncia contraditria qual

    Marx faz referncia em vrias pas-

    sagens de sua obra, que objetiva e d materialidade ao fenmeno da ideologia, este sim com o momento

    predominante na conscincia.

    6 Poucos textos poderiam ser mais didticos e inequvocos que este que trazemos nesta nota, mas este escrito no lido em condies con-

    troladas de um laboratrio; assim, permanece um mistrio, confirmando que a autoalienao compromete at mesmo sua autoapreenso.

    Logo, as noes que adentraram largamente o senso comum, graas s hordas crticas que atuavam (e ainda atuam) ideologicamente na

    academia e sobre os chamados movimentos populares e seus partidos, so condizentes ou bem prximas ao sentido dominante em filosofia,

    que identifica o termo [alienao] a um fenmeno de conscincia. (...) Neste processo haveria a atuao central de um poder igualmente

    imaterial, a ideologia, cuja forma de operao teria sido tambm desvendada por Marx.(...) Entretanto, essa a tese imputada a Marx [a

    alienao como fenmeno da conscincia e a suposta preocupao do autor apenas com o fenmeno propriamente ideolgico], ainda quando

    o que ele afirma se refere produo material e a condio do indivduo nesta produo (pois o ser determina a conscincia (...), portanto o

    problema se enraza no primeiro). (...) O cerne do problema est na produo material capitalista, que reduz o trabalhador mercadoria for-

    a de trabalho, posta venda no mercado de trabalho para produzir outras mercadorias, que so produtos que visam, antes de seu uso, a

    troca. Ou seja, o trabalhador transfere a outro aliena a deciso acerca da finalidade, da durao, da intensidade do empenho de sua prpria

    capacidade de trabalho, que no outra seno a capacidade por meio da qual o indivduo se humaniza. Que isso, naturalmente, incida sobre

    sua conscincia depois, um efeito da alienao, e no a alienao mesma. (...) Se o fenmeno da alienao se reduzisse questo do conhe-

    cimento, ento deveramos pressupor que o trabalhador de uma manufatura, que conhecia todo o processo de fabricao de seus produtos,

    no seria um trabalhador alienado, apesar de depender de um mercado onde conseguisse vender sua mercadoria para poder, em troca, com-

    prar seu po com manteiga (...). O mesmo acontece no caso de um cientista que faz a crtica e desvenda todo o modo de funcionamento do

    sistema. Basta ver o quo desgraada foi a vida de Marx, que tinha problemas em conseguir at mesmo subempregos. Ele disse: nunca

    ningum escreveu tanto sobre o dinheiro no tendo nenhum. Em poucas palavras, alienao isso: dependncia de dinheiro (...). Esse o

    sentido da expresso que Marx usa depois, o fetichismo da mercadoria (...). Fetiche o objeto dotado de fora sobre os homens, uma fora

    estranhada e autnoma. Trata-se da relao social entre os indivduos tornada uma relao automtica entre mercadorias (na qual os homens

    se encontram como seus meros portadores) que se trocam por si mesmas. Tomar conscincia de tudo isso condio necessria, mas nunca

    suficiente, para superar tal estado de coisas. Aos que entendem isto como uma interpretao de Marx, deixamos a citao de Marx com a

    qual Gontijo conclui este artigo: Hodgskin concebe isso como iluso puramente subjetiva, atrs da qual se esconde a impostura e o interes-

    se das classes exploradoras. No v que o modo de representao surge da prpria relao real; esta no expressa aquela, mas ao contr-

    rio. No mesmo sentido dizem os socialistas ingleses: Precisamos do capital, no dos capitalistas. Mas, suprimindo-se o capitalista, as

    condies de trabalho deixam de ser capital.. Disponvel em: http://blog.onhas.com/arquivo/5646. Acessado em 1/05/2013.

    Momento Predominante

    Momento Secundrio

    Autoalienao:

    a) Ser humano alienado da natu-reza

    b) Alienado de si mesmo (sua atividade e singularidade)

    c) Alienado do aspecto coletivo de sua personalidade

    d) Alienado dos demais seres

    sociais

    Tendncia ideolgica do saber e fazer

    efetivada em opor antagonicamente:

    a) Diferentes tendncias filos-ficas (no tempo-espao)

    b) Filosofia x Cincia c) Filosofia x Economia d) Esfera terica x esfera prtica

  • 14

    Este equvoco bastante devastador quando o objeto a educao. Seu resultado a postulao da

    educao como um campo autnomo da produo em geral, a apreenso da ideologia fechada em si (sem

    relao com a substantividade da alienao). Isto tende a fechar o caminho crtico na educao, porque

    no compreende a natureza de ser objetivo e automediador. A crtica a tal estado de coisas antiga,

    mas a dificuldade de sua apreenso por parte dos indivduos pode ser vista na incompreenso particular

    dos prprios filiados ao materialismo histrico-dialtico quanto aos Manuscritos Econmico-Filosficos

    e, mesmo, totalidade da obra de Marx. Os mais observadores podem, incontestavelmente, ver nisso um

    produto da prpria relao de produo fundada na autoalienao/autoestranhamento, que como cons-

    truo internalizada pelos sujeitos impede que ela prpria seja apreendida distncia, pois a aliena-

    o, para Marx, no um processo do qual podemos excluir o prprio sujeito, pois ele participa enquanto

    ser e processo (trabalho) reduzido a fator de produo. Assim, a alienao ativa e envolve a totalidade

    dos indivduos sociais, sendo, portanto, autoalienao. Tambm seu resultado (em relao formao do

    indivduo social) no pode ser caracterizado como uma no-formao dos sentidos humanos; mas, sim,

    uma formao estranhada dos sentidos humanos de maneira que, ao invs de sentidos humanos e teorti-

    cos, vm a ser faculdades humanas estranhadas pelo sentido [fetichista] do ter.7

    Ento, que peso tem o trabalho? O pensamento liberal pesa-o nas coisas objetivadas. No entanto,

    mesmo um liberal como Marshall (1967, p.59-60), teve uma apreenso menos estranhada da ontologia de

    Marx que o stalinismo: o que est em questo aqui no s o efeito til do trabalho, mas o efeito omnila-

    teral do trabalho sobre o indivduo, sobre sua ao e conscincia. Portanto, a postulao da educao e

    da economia de bens simblicos como campos autnomos s pode ser relativa, pois os sentidos huma-

    nos so construdos no e pelo trabalho.

    O ser social emerge como um complexo de complexos 8 um complexo de trabalho, linguagem

    e pensamento abstrato, que surge como um todo e, simultaneamente, se desenvolve ao longo dos scu-

    los, suprindo e criando as necessidades do ser objetivo. O trabalho momento predominante deste

    complexo de complexos, por ser momento de sntese, quando a linguagem e o pensamento abstrato po-

    dem tanto ganhar a materialidade como a espiritualidade caractersticas do ser humano.9

    Observemos:

    7 Ao contrrio, elas agora pertencem a um ser estranho reificado que confronta os produtores com suas prprias demandas e os subjuga

    aos imperativos materiais de sua prpria constituio [reificada]. Assim, a relao original entre o sujeito e o objeto da atividade produtiva

    completamente subvertida, reduzindo o ser humano ao status desumanizado de uma mera condio material de produo. O ter domina o

    ser em todas as esferas da vida. Ao mesmo tempo, o eu real dos sujeitos produtivos destrudo por meio da fragmentao e da degradao

    do trabalho medida que eles so subjugados s exigncias brutalizantes do processo de trabalho capitalista. Eles so reconhecidos como

    sujeitos legitimamente existentes apenas como consumidores manipulados de mercadorias. Na verdade, eles se tornam tanto mais cinicamen-

    te manipulados como fictcios consumidores soberanos' quanto maior a presso da taxa decrescente de utilizao. (Mszros, 2006b,

    p.611)

    8 Terminologia que remete ao fato de que mesmo somente uma das partes deste complexo uma unidade complexa, a qual no pode ser

    reduzvel a uma unidade simples, pois no seu carter universal-concreto formada por particularidades (Lessa, 2006). 9 No trabalho sempre postulada uma teleologia, uma prvia-ideao (Lessa, 2006), por meio de linguagem e pensamento, que se objetiva

    e se subjetiva, como veremos melhor.

  • 15

    O animal imediatamente um com a sua atividade vital. No se distingue dela. ela. O homem

    faz da sua atividade vital mesma um objeto de sua vontade e de sua conscincia. Ele tem atividade

    vital consciente. Esta no uma determinidade com a qual ele coincide imediatamente. A ativida-

    de vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital animal. Justamente, [e] s

    por isso, ele um ser genrico. Ou ele somente um ser consciente, i. e., a sua prpria vida lhe

    objeto, precisamente porque um ser genrico. (...) verdade que tambm o animal produz. Cons-

    tri para si um ninho, habitaes, como a abelha, castor, formiga etc. No entanto, produz apenas

    aquilo de que necessita imediatamente para si ou sua cria; produz unilateral[mente], enquanto o

    homem produz universal[mente]; o animal produz apenas sob o domnio da carncia fsica imedia-

    ta, enquanto o homem produz mesmo livre da carncia fsica, e s produz, primeira e verdadeira-

    mente, na [sua] liberdade [com relao] a ela; o animal s produz a si mesmo, enquanto o homem

    reproduz a natureza inteira; [no animal], o seu produto pertence imediatamente ao seu corpo fsico,

    enquanto o homem se defronta livre[mente] com o seu produto. O animal forma apenas segundo a

    medida e a carncia da species qual pertence, enquanto o homem sabe produzir segundo a medi-

    da de qualquer specie, e sabe considerar, por toda a parte, a medida inerente ao objeto; o homem

    tambm forma, por isso, segundo as leis da beleza. (Marx, 2004, p.84-5)

    Assim, o trabalho a categoria fundante do ser social. Este tem os objetos de sua carncia fora de

    seu corpo orgnico (pois um ser objetivo), e tambm, ao mesmo tempo, sujeito e objeto para si e

    para outros (igualmente devido a seu carter de ser objetivo), tanto do conhecimento como do fazer.

    Assim, com a escolha da pedra inicial comea a cincia (Lukcs, 1969, p.14). a sociedade de classes

    que vai interpor, entre produtor e necessidade, uma srie de estruturas. Vejamos um tratamento histrico

    da diviso do trabalho:

    Enquanto o processo de trabalho puramente individual, um nico trabalhador exerce todas as funes que

    mais tarde se dissociam. Ao apropriar-se individualmente de objetos naturais para prover sua vida, ele quem

    controla a si mesmo; mais tarde, ficar sob o controle de outrem. O homem isolado no pode atuar sobre a na-

    tureza, sem pr em ao seus msculos sob o controle de seu crebro. Fisiologicamente, a cabea e mos so

    partes de um sistema; do mesmo modo, o processo de trabalho conjuga o trabalho do crebro e o das mos.

    Mais tarde se separam e acabam por se tornar hostilmente contrrios. O produto deixa de ser o resultado ime-

    diato da atividade do produtor individual para tornar-se produto social, comum, de um trabalhador coletivo,

    isto , de uma combinao de trabalhadores, podendo ser direta ou indireta a participao de cada um deles na

    manipulao do objeto sobre que incide o trabalho (Marx, 1994, p.584).

    Isto no anula o trabalho como categoria central, tampouco o fato de os valores (de uso e simbli-

    cos e mesmo os estticos) nascerem da atividade vital. A revoluo industrial vai criar no s a produ-

    tividade do trabalho pela qual a sociedade vir a se impregnar da sociabilidade ou seja, do trabalho

    mas tambm uma nova diviso sociotcnica da reproduo da fora de trabalho, a escola instituio

    especializada em realizar a formao da fora de trabalho. O papel do trabalho neste universo, aparente-

    mente reduzvel linguagem, claro:

    O objeto do trabalho , portanto, a objetivao da vida genrica do homem: quando o homem se duplica no

    apenas na conscincia, intelectual[mente], mas operativa, efetiva[mente], contemplando-se, por isso, a si

    mesmo num mundo criado por ele. (Marx, 2004, p.84-5).

  • 16

    Mas a produo da fora de trabalho a produo de uma mercadoria muito particular. Sabemos

    que o capital, o qual devm o capitalismo, criou uma realidade em que o processo de trabalho , de ma-

    neira simultnea, processo de dominao a cincia como fora do capital contraposta ao trabalho vivo

    ou seja, o trabalho dominando o trabalho; ou trabalho alienado. A isto, Marx chamar subsuno re-

    al.10

    Bourdieu caracteriza o professor como uma mquina de transformar classificaes sociais em

    classificaes escolares (2002, p.198), mas a subsuno real no para em classificaes. Os educadores,

    mesmo que neguem ou no assumam conscientemente, realizam a reproduo da fora de trabalho segun-

    do as determinaes essenciais da produo de mercadorias. Quais determinaes essenciais da produo

    em geral esto na reproduo da fora de trabalho na instituio escola?

    Aqui, mais uma vez, a autoalienao, da qual a diviso do trabalho apenas uma das mediaes do

    capital (mediao de segunda ordem) e no apenas a estrutura objetiva da autoalienao mas deve-

    mos adendar aqui tambm todas as rupturas ideolgicas, o pensamento burgus opera sem (especialmente

    nas Cincias Sociais) considerar que no podemos isolar a categoria trabalho esfera da produo uni-

    camente. Ser preciso um retorno a Marx para que se resgate o carter dialtico da produo: 1) Na

    produo a pessoa se objetiva; no [consumo], a coisa se subjetiva (Netto, 2012, p.243); 2) o indivduo,

    que ao produzir desenvolve suas faculdades, tambm as gasta (Idem, p.244); e 3) O consumo tam-

    bm imediatamente produo, do mesmo modo que na natureza o consumo dos elementos e das substn-

    cias qumicas produo da planta (Ibidem). E, seja produo, distribuio ou consumo, cada um deles

    s pode ser pensado em suas relaes recprocas que formam um todo:

    A produo mediadora do consumo, cujos materiais cria e sem os quais no teria objeto. Mas o

    consumo tambm mediador da produo ao criar para os produtos o sujeito, para o qual so pro-

    dutos. [No h estradas sem viajantes...] (...) Ao dissolver o produto, o consumo lhe d seu retoque

    final (finishing stroke), pois o produto no apenas a produo enquanto atividade coisificada,

    mas [tambm] enquanto objeto para o sujeito em atividade. (...) mas no somente o objeto que a

    produo cria para o consumo. Determina tambm seu carter, d-lhe seu acabamento (finish). Do

    mesmo modo que o consumo dava ao produto seu acabamento, agora a produo que d o aca-

    bamento do consumo. (...) um objeto determinado, que deve ser consumido de uma certa maneira,

    10 Se, portanto a direo capitalista , pelo seu contedo, dplice, ela , quanto sua forma, desptica; isso ocorre em virtude da duplicidade

    do prprio processo de produo que dirige, o qual, por um lado, processo social de trabalho para a elaborao de um produto e, por outro,

    processo de valorizao de capital. Com o desenvolvimento da cooperao em maior escala, esse despotismo desenvolve formas peculiares.

    Como o capitalista, de incio, libertado do trabalho manual, to logo seu capital tenha atingido alguma grandeza mnima, com a qual a

    produo verdadeiramente capitalista apenas comea, assim ele transfere agora a funo de superviso direta contnua do trabalhador indivi-

    dual ou de grupos de trabalhadores a uma espcie particular de assalariados. [Aos seus oficiais e suboficiais.] Comparando o modo de produ-

    o de camponeses independentes ou de artfices autnomos com a economia das plantaes, um dos faux frais [custos falsos ou gastos

    inteis] de produo. Ao considerar o modo de produo capitalista, ele identifica em contraposio funo de direo, na medida em que

    deriva da natureza do processo de trabalho coletivo, com a mesma funo em que condicionada pelo carter capitalista e, por isso, antag-

    nico, desse processo. O capitalista no capitalista porque ele dirigente industrial, ele torna-se comandante industrial porque capitalista.

    O comando supremo na indstria torna-se atributo do capital, como no tempo feudal o comando supremo na guerra e do tribunal era atributo

    da propriedade fundiria. Portanto, Auguste Comte e sua escola poderiam ter mostrado que os senhores feudais so uma necessidade eterna,

    tanto quanto o fizeram no caso dos senhores do capital. (Mszros, 2006b, p.617-8)

  • 17

    esta por sua vez mediada pela prpria produo. (...) A produo no produz, pois, unicamente o

    objeto do consumo, mas tambm o modo de consumo, ou seja, no s objetiva, como subjetiva-

    mente. (Netto, 2012, p.245)11

    O que est posto o fato de o trabalho ser a matriz humana mas no reconhecido e tratado des-

    ta maneira, pois o trabalho alienado subverte as relaes entre sujeitos e objetos. De outra maneira po-

    demos montar a imagem realista de que acabada a jornada de trabalho (tempo de trabalho socialmente

    necessrio); contudo, o ser social continua a operar com a mesma estrutura de complexo de complexos

    cuja base o trabalho, logo e Marx confirma com a assertiva acerca da planta em seu consumo, estamos

    falando de uma esfera tambm essencial reproduo da fora de trabalho; embora, determinados pelo

    capital, ainda precisemos cham-la de tempo disponvel. E esta a dificuldade de se pensar a educao

    dissociada da totalidade da vida social, da subjetivao objetivao, por meio das interaes recprocas

    e da totalizao do sistema de sociometabolismo, pois o trabalho alienado no apenas um destruidor de

    sentidos humanos, mas algo muito mais perigoso um construtor de sentidos reificados e fetichistas.

    Pensar a escola como preparao para o trabalho enquanto se dissocia produo e distribuio devasta-

    dor, pois:

    A articulao da distribuio inteiramente determinada pela articulao da produo. A prpria

    distribuio um produto da produo, no s no que diz respeito ao objeto, podendo apenas ser

    distribudo o resultado da produo, mas tambm no que diz respeito forma, pois o modo preciso

    de participao na produo determina as formas particulares da distribuio, isto , determina de

    que forma o produtor participar na distribuio. (Netto, 2012, p.249)

    assim que, embora no seja um materialista clssico, Bourdieu quase que apenas combate deses-

    peradamente um mito muito comum na Escola e na Educao: o de que estas seriam reduzveis a estas

    duas esferas da produo, no caso, da fora de trabalho; sem considerar que a construo do sentido hu-

    mano ocorre por todo o sociometabolismo. Bourdieu vai demonstrar como os pais, por menos que te-

    nham conscincia e inteno de esforo, de maneira assistemtica e inconsciente, realizam uma boa parte

    da socializao por meio da qual uma criana se torna um adulto educado. Evidentemente, o trabalho en-

    tra aqui nesta formao da mercadoria fora de trabalho no apenas enquanto um dado quantum de

    saberes e fazeres que o educando, pais e todos retiram de uma dada atividade produtiva; mas mesmo nas

    horas, em teoria improdutivas, durante as quais o organismo humano busca repouso (em seu tempo

    livre); contudo, este no pode ser reduzido a uma atividade na qual encontramos somente a esfera do

    consumo (dissociada de maneira no dialtica da produo e distribuio) e uma suposta inatividade; mas,

    sim, este lapso de tempo de nosso dia a dia, enquanto consumo produo do corpo e mente. Comea o

    tempo livre, mas o ser social continua a operar com o complexo do trabalho como base, e em interao

    11 Marx confirma a hiptese de Bourdieu de que os bens simblicos demandam uma postura incorporada pelo sujeito para serem consumi-

    dos, um dado capital cultural. Marx vai apenas afirmar que tambm os bens materiais igualmente possuem uma forma de consumo apropria-

    da. Todos os bens esto dentro desta fenomenologia, agora, gostaramos que atentassem para os bens mais modernos, especialmente os pro-

    duzidos pela 3 revoluo industrial, os quais incluem extensos manuais quanto ao seu uso correto, mas no apenas isto: so bens que de-

    mandam mais ainda uma dada postura e capital cultural do sujeito para que possam ser corretamente utilizados.

  • 18

    orgnica com a linguagem e o pensamento abstrato, isto no deixa de ser produo do corpo como

    produo na planta na verdade, os psiclogos sabem que nem ao adormecer um dos complexos deixa

    de operar, linguagem e pensamento vo adiante nos sonhos e os restos diurnos do trabalho12 esto l, ao

    menos, de maneira virtual.

    E, confirmando tais determinaes da subsuno real do trabalho ao capital, a educao vai repro-

    duzir o dualismo que perpassa o tecido social: a formao para o trabalho abstrato (Marx, 1985), for-

    mador das personificaes de fazer; e a formao para a cincia abstratamente material (Mszros,

    2006), formadores das personificaes de saber. Mas, no nos percamos na agenda da hegemonia. J

    h uma slida definio de educao condizente com o ser social a educao o trabalho sobre si:

    A acumulao de capital cultural exige uma incorporao que, enquanto pressupe um trabalho de

    inculcao e de assimilao, custa tempo que deve ser investido pessoalmente pelo investidor (...).

    Sendo pessoal, o trabalho de aquisio um trabalho do sujeito sobre si mesmo (fala-se em

    cultivar-se). O capital cultural um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e

    tornou-se parte integrante da pessoa, um habitus. Aquele que o possui pagou com sua prpria

    pessoa e com aquilo que tem de mais pessoal: seu tempo. (Bourdieu, 2002, p.74-5, grifo nosso)

    Logo, a Educao um trabalho, no qual, embora seja essencial um coordenador (educador), s

    se objetiva como realidade quando o indivduo social em questo encontra foras e vontade para cultivar-

    se. Obviamente, isto tudo pode ser potencialmente apreendido; mas devido ao modus operandi do capi-

    tal sequer apreendido. Pela sina do ser social em ser atormentado pela matria e a Pr-Histria como

    se fez, s suas costas, no qual a categoria trabalho e os trabalhadores so somente suportes do trabalho

    morto, no encontramos condies socioeconmicas (sobretudo ontolgicas) para que a Educao seja

    definida como essencialmente um processo de trabalho. Logo, embora o modo de produo objetive as

    condies tcnicas no s de definio do que seria a Educao e de mensurao desta, no pode fazer

    ambas porque no comporta definies racionais e uma prxis justa e racional em relao ao ser humano

    e seus objetos. Registramos, aqui, a especial incapacidade em construir parmetros qualitativos e os ope-

    rar por parte do modo de produo do capital. O necessrio se faz sempre no suficiente! O fato de mes-

    mo a Educao terica ser mensurvel e passvel de apreenso significar justo devido diviso do tra-

    balho e demais mediaes de segunda ordem, na qual cada esfera do saber e do fazer circunscrevem cr-

    culos particulares para expressar seu autoestranhamento e unilateralidades , no plano emprico (do qual

    no se pode anular as determinaes, sobretudo, as polticas), precisamente o contrrio: uma dificuldade

    indita em definir e realizar a avaliao dos educandos.

    12 Considerando esse mais amplo e mais profundo significado da educao, que inclui de forma proeminente todos os momentos da nossa

    vida ativa, podemos concordar com Paracelso em que muita coisa (praticamente tudo) decidida, para o bem e para o mal no apenas para

    ns prprios como indivduos, mas simultaneamente tambm para a humanidade , em todas aquelas inevitveis horas que no podemos

    passar sem aprender. Isso porque a aprendizagem , verdadeiramente, a nossa prpria vida. E como tanta coisa decidida dessa forma,

    para o bem e para o mal, o xito depende de se tornar consciente esse processo de aprendizagem, no sentido amplo e paracelsiano do termo,

    de forma a maximizar o melhor e a minimizar o pior (Mszros, 2007, p.208).

  • 19

    Pouco importa que as cincias naturais estejam descobrindo, no organismo humano, a existncia

    fsica de capital cultural e habitus de classe como marcas profundas na mente e corpo, porque, de um

    lado, as cincias humanas se circunscrevem ao reino da cultura; por outro, as cincias naturais limitam

    igualmente seu campo, assim, ambas as cincias podem expressar seus estranhamentos e unilateralidades.

    Vejamos a seguinte pesquisa, que embora trouxesse dados nicos, no causou qualquer reposicionamento

    por parte da pedagogia. Em reportagem da BBC somos informados de que Aprender segunda lngua pode

    aumentar poder do crebro, dizem cientistas; como a sociedade baseada nas mediaes de segunda or-

    dem dentre as quais destacamos a diviso do trabalho descobertas, mesmo com este grau de importn-

    cia, no podem ser alavancas para o processo de Ensino-aprendizagem porque assim como no pode

    estabelecer limites para si mesmo, o sistema do capital tambm no consegue diferenciar o crescimento

    de uma criana do crescimento de um cncer (Mszros, 2006b, p.658-9), tornando-se completamente

    incapaz de definir mesmo o trabalho produtivo. Logo, descobertas como esta, no oferecem efeitos sequer

    para a Educao. Assim como modo de produo inquo e irracional fatos relevantes como este, so

    completamente ausentes seja da pedagogia tradicional seja da ps-moderna pedagogia da competncia;

    muito embora, qualquer professor do Ensino fundamental saiba apreender os resultados relevantes desta

    referida pesquisa para a Educao. Vejamos:

    Os cientistas [...] dizem que o bilinguismo uma forma de treinamento do crebro uma ginsti-

    ca mental que apura a mente. [...] Especialistas dizem que o estudo [...] fornece evidncias bio-

    lgicas para isso. [...] Sob condies laboratoriais silenciosas, os dois grupos o bilngue e o de

    alunos que somente falavam ingls responderam da mesma forma. Mas em um contexto de con-

    versa barulhenta, o grupo bilngue foi muito superior em processar os sons. [O que demonstra que

    a questo disciplinar no pode ser reduzida a si mesma!] Eles eram mais capazes de sintonizar in-

    formaes importantes a voz do orador e bloquear outros rudos que distraem as conversas

    de fundo. [O que confirma que meu interesse vai to longe quanto meu sentido!] [...] As diferen-

    as de resposta dos dois grupos foram visveis no crebro. As reaes do tronco cerebral dos que

    falam duas lnguas foram intensificadas. [...] Parece que os benefcios do bilinguismo so particu-

    larmente poderosos e amplos, e incluem a ateno, seleo e codificao de som, completou. M-

    sicos parecem ganhar um benefcio semelhante quando ensaiando, dizem os pesquisadores.13

    Sem dvida, descobertas como esta esto em completa contradio com o axioma da pedagogia da

    competncia que afirma que no h dficits de cognio,14 de capital cultural (conceito que ela classifica

    como falso), capital social, habitus de classe porque tal pedagogia prefere o idealismo que afirma a

    igualdade das inteligncias. Sendo que estes dois ltimos fatos trazidos na reportagem da BBC con-

    firmam a natureza omnilateral do ser social cuja capacidade esttica no pode ser apartada das demais

    faculdades. Evidentemente a lngua, como sistema de cdigos, ao contrrio do que postula a pedagogia da

    13 In: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120502_cerebro-lingua_rp.shtml, acessado em 11/05/2013. 14 Assim, a recontextualizao da noo de competncia a partir da lingustica, psicologia, antropologia social, sociologia e sociolingustica,

    atendia aos imperativos da organizao democrtica ou da possibilidade de se instituir uma democracia universal da aquisio, em que todos

    os sujeitos so intrinsecamente competentes e todos possuem procedimentos em comum, no existindo dficits. (Silva, 2006, p.263-264)

  • 20

    competncia, no pode ser apreendida pelo meu sentido sem um processo de trabalho que integre o

    complexo de complexo do ser social; sendo objetivada no indivduo social por meio deste processo so-

    mente quando ele conforma um todo. Claro, isto tudo sinaliza tambm que o habitus de classe no se

    reduz a um dado imaterial e independente da dimenso fsica.

    Mesmo a Educao Fsica, na qual o produto do trabalho sobre si pode sempre ser no apenas vis-

    to sem aparelhos como igualmente torna-se palpvel, completamente ignorado e tratado com indife-

    rena por aqueles que ainda acreditam estar administrando o capital. Claro, as infinitas e infinitesimais

    desigualdades, no apenas socioeconmicas, dificultam ainda mais os educadores em estabelecer parme-

    tros e, sobretudo, aplic-los, no processo de Ensino-aprendizagem; sem fazer com que o julgamento (em

    alguma medida duro) de que em um caso o educando no tenha atingido o nvel mnimo, no signifique

    minar por completo a vontade sem a qual no existe saber ou fazer. Logo, partido da teoria do capital

    humano, imaginou-se que a progresso continuada poderia resolver o problema educacional; quando,

    na verdade, ela s mais um complicador para os trabalhadores, mas procede-se desta maneira pois esta-

    mos na crise estrutural do capital da qual o dficit fiscal do Estado apenas uma parte.

    H um relato aqui que muito ilustrativo do que estamos tentando comprovar:

    O episdio relatado por Brbara Freitag, em um livro em que discute a apropriao exclusivamen-

    te pedaggica da obra de Piaget no Brasil, demonstra o tipo de problema que estou tentando escla-

    recer. [...] Se o congresso Piagetiano no Rio em julho de 1984 foi um encontro entre educado-

    res brasileiros e epistemlogos estrangeiros, fadado ao desencontro, isso se deveu ausncia de

    pontes ou cdigos que permitissem intercmbios reais entre os tericos da epistemologia ge-

    ntica e os prticos da educao que buscavam extrair da psicologia Piagetiana os paradigmas para

    a sua atividade didtico-educativa. Havendo a traduo adequada, possivelmente ambas as frentes

    poderiam passar por um processo de assimilao e acomodao mtuas, que permitisse um

    entendimento autntico [...] Os pedagogos convencidos de que Piaget era um educador, queriam

    obter dos estrangeiros receitas imediatamente aplicveis ao ensino da matemtica, da leitura, da

    escrita, etc. Os estrangeiros, um tanto perplexos, no sabiam dar essas receitas, e no encontravam

    pares com os quais pudessem debater seus trabalhos de pesquisa, suas ideias, seus problemas

    tericos. O que dava a esse dilogo de surdos o seu carter surrealista, era que os dois grupos ti-

    nham razo. (Silva, 2006, p.257-258)

    Este ocorrido a materializao do que Marx afirma em sua sntese in status nascendi quando postula

    que:

    Est fundado na essncia do estranhamento que cada esfera me imputa um critrio distinto e opos-

    to: um, a moral; outro, a economia nacional, porque cada uma um estranhamento determinado do

    homem e cada uma fixa um crculo particular da atividade essencial estranhada; cada uma se com-

    porta estranhadamente com relao outra. (Marx, 2004, p.143)

    Isto , a diviso do trabalho, de rgo que permite a alavancagem da produtividade do trabalho, realizando

    o recuo de barreiras naturais e possibilitando escolhas substantivas, deixa de assim o ser, num dado momento, para

    se tornar um bice frente necessidade de controle social por parte da totalidade do ser social, tornando-se um

    elemento pelo qual os indivduos sociais, embora sejam ativos em sua construo, perdem o controle enquanto uma

  • 21

    capacidade de racionalizar progressivamente a produo passando, ento, a serem controlados por tais mediaes

    de segunda ordem. E estas no so estruturas cuja caracterstica serem equvocos terico-metodolgicos ou qual-

    quer outra dimenso subjetiva do modo de produo, so, assim, estruturas objetivas e s podem ser superadas por

    uma estrutura igualmente objetiva, pois uma nova modalidade de experincia do pensamento pode apenas desfazer

    o que a base do modo de produo trata de fazer todos os dias nos microcosmos ao fazer com que a existncia au-

    tocontraditria subsuma a conscincia destes mesmos indivduos. Ou seja, a ideologia no possui a fora mstica

    que poderia manipular o ser social independente da objetividade. Na verdade, Mszros acerta em cheio ao afirmar

    que a ideologia prega aos convertidos. Vimos, no relato sobre o Congresso sobre Piaget, como cada esfera do traba-

    lho autoalienado (que materializado na prpria proposta da sociedade, que aceita acrtica e a-historicamente a

    diviso do trabalho, a comear pelo antagonismo de trabalho manual e intelectual) isola um pedao da prxis para

    suas teses unilaterais que representam, antes tudo, o fato de que cada indivduo social no produz um nico valor

    de uso para si e, logo, no possui o controle sobre a produo de valores materiais e simblicos , mas sim pro-

    duz valor, valor de uso para outrem, e tanto a orientao do processo de trabalho quanto a distribuio do produto

    ocorrem por meio do mecanismo espontneo do mercado. o mercado que estabelecer a realidade; ou irrealidade

    de um valor simblico. Por trocarem mercadorias e no trocarem trabalhos com o que teriam que realizar a con-

    catenao deste processo societrio de maneira simultnea produo e no post festum: como ocorre por meio do

    mercado; ou da poltica. Logo, pela ausncia de ligaes orgnicas entre as diferentes mediaes especficas (cin-

    cias de referncia), temos apenas um aglomerado de teses unilaterais a divises artificiais do ser social que, eviden-

    temente, so passveis de maior manipulao pelas personificaes de saber e de capital interessadas em reproduzir

    a subsuno real do trabalho ao capital que objetivada na prpria estrutura da Educao dual, que no pode signi-

    ficar outra coisa que a reproduo da estratificao da sociedade.15

    No h dvida de que a educao formal por ser sistematizadora e disciplinadora fundamental na re-

    produo de trabalho; mas, como vimos, a formao da mercadoria-ser-social no se realiza somente no tempo de

    trabalho socialmente necessrio (na produo apenas), mas tambm no consumo como produo do corpo. Ou

    seja, A aprendizagem a nossa prpria vida, desde a juventude at a velhice, de fato at quase a morte; ningum

    passa dez horas sem nada aprender (Mszros, 2006, p.267).

    Uma vez perguntado sobre a diferena essencial entre o pensamento materialista e o pensamento burgus,

    Lukcs afirmou que o primeiro se distinguia do segundo por se centrar na totalidade. J passou, tanto para o ser

    social quanto para a Educao, o momento em que focar neste aspecto (totalidade) se tornou questo de vida ou

    morte. Agora, precisamos de uma totalidade que contemple o carter dialtico do ser social, pois assentar a Educa-

    o sobre o trabalho nada significar ao apagar-se da Histria humana (com o mximo do voluntarismo!) o fato de

    que s conhecemos, at o presente momento, a efetivao autoalienada do trabalho que, de maneira indiferente no

    seu discurso e prtica , confirma que a objetivao do ser social (que, mesmo no caso da Educao, como vimos,

    no ocorre sem acionar a categoria trabalho) sempre ser uma externao alienada. O que no pode ser entendido

    15 A diviso entre os nveis de ensino, entre a educao superior e a educao bsica, sentida h muito tempo pelos intelectuais e educado-

    res que observaram como isso dificulta a comunicao entre professores e cientistas. Fernando de Azevedo afirmava em 1932: De fato, o

    divrcio entre as entidades que mantm o ensino primrio e profissional e as que mantm o ensino secundrio e superior vai concorrendo

    insensivelmente, como j observou um dos signatrios deste manifesto, para que se estabeleam no Brasil dois sistemas escolares paralelos,

    fechados em compartimentos estanques e incomunicveis, diferentes nos seus objetivos culturais e sociais e, por isso mesmo, instrumentos

    de estratificao social. (Silva, 2006, p.257).

  • 22

    de outra maneira de maneira a-histrica , postula-se uma dada natureza humana autodestrutiva que no pode-

    ramos superar.

  • 23

    Trabalho, Educao e crise estrutural do Capital

    mais difcil escrever quando os acontecimentos esto ainda recm-sados do forno. Quando as

    leis tendenciais que os formaram no foram ainda analisadas at serem esgotadas e o furor do momento j

    se foi, de maneira que sabemos qual tendncia se efetivar como momento predominante.

    J lugar-comum afirmar que o sistema de ensino brasileiro possui um dficit. As crticas j exis-

    tiam quando a escola era destinada a uma elite e estratos mdios; e, ao se universalizar a escola incluin-

    do estratos antes ausentes e com uma relao distante do universo intelectual , o gosto de fracasso

    nos agentes envolvidos foi inevitvel. O fato que a excluso [praticada pelo prprio sistema de ensi-

    no] atualmente deixou de ser qualitativa e quantitativa para ser somente qualitativa: todos esto na escola,

    mas esses alunos no aprendem nem a metade do que esperado. (Souza, 2009, p.298). Poderamos per-

    guntar: a distncia entre o universo intelectual e estes estratos recm-incorporados explica tudo? Se

    dissermos que sim, no estaramos retirando da escola sua prpria funo a capacidade de formar? Ou

    no estaramos cometendo certa injustia com estes estratos, ao atribuir-lhes toda a responsabilidade

    pelo dficit? Os mais atentos ao que ocorre fora do Brasil podero ver como o referido fracasso no pode

    ser circunscrito ao nosso pas. E se incluirmos a observao do que se passa no mundo do trabalho,

    perceberemos a real extenso da crise atual.

    O presente captulo tem como objetivo mensurar a crise do trabalho e da educao e a periodiza-

    o que emerge dela, de uma era das promessas para uma era das incertezas (Canrio, 2008). Contu-

    do, discordamos da caracterizao de Canrio segundo a qual a crise aqui seria reduzvel a uma dificulda-

    de de crescimento econmico. Compartilhamos da viso de Mszros (2006b, p.605-786): a crise atual

    tem limites maiores que o das vrias crises pelas quais o capital passou, mesmo a crise do capitalismo dos

    anos 1929-1932. Por que podemos falar em uma crise estrutural do capital? De incio, devido ao fato de

    que na obra de Marx distinguimos claramente capital de capitalismo.16 Em segundo lugar, pre-

    ciso considerar o sociometabolismo do capital historicamente da formao original do capital sua glo-

    balizao h uma srie de mudanas qualitativas e quantitativas de larga escala. Aqui, a leitura de Marx

    16 Para tomar um importante exemplo, sua crtica iluso de realizar o socialismo expulsando os capitalistas enquanto se mantm o capital

    como tal explcita em muitos lugares de seus escritos, embora o problema no seja examinado na direo em que poderia indicar as formas

    alternativas viveis ao domnio do capital e as modalidades correspondentes de personificao, sob circunstncias histricas muito diferentes.

    Assim, nos Grundrisse, Marx sublinha que a ideia sustentada por alguns socialistas de que precisamos do capital mas no dos capitalistas

    completamente errada. Est posto, dentro do conceito de capital, que as condies objetivas de trabalho sendo estas seus prprios produtos

    assumem uma personalidade em relao a ele. (...) Ento o capital aparece como uma coisa pura, no como uma relao de produo que,

    refletida em si mesma, precisamente o capitalista. Posso muito bem separar o capital de um dado indivduo capitalista, e transferi-lo para

    outro. Mas, ao perder o capital, ele perde a qualidade de capitalista. Portanto, o capital de fato separvel de um indivduo capitalista, mas

    no do capitalista que, como tal, controla o trabalhador. (Mszros, 2006b, p.719-720). Os detalhes desta distino so discutido por toda

    esta obra citada. Na obra de Marx inquestionvel a diferena entre capital e capitalismo contudo, muitos dos materialistas que deram

    prosseguimento ao seu legado no tiveram acesso a textos fundamentais, o que implicou certa mudana terico-metodolgica e alguma

    unilateralizao das suas teses, o que o professor Jos Paulo Netto classifica corretamente como a infelicidade editorial de Marx (2002). J

    tempo de corrigir tal equvoco, pois na fonte marxiana h apenas passagens claras como: No conceito do capital est contido o capitalis-

    ta. (Marx, 2011, p.422).

  • 24

    sob a tica do desenvolvimento desigual e combinado j implcita em sua obra, mas que viria a se de-

    senvolver ainda mais em outros autores e na relao-capital real conditio sine qua non.

    Podemos ainda falar de crise estrutural porque a superao da relao-capital s ocorre com mu-

    danas radicais no sociometabolismo, desde a sua produo, passando pela distribuio e chegando ao

    consumo. As naes que fizeram a revoluo, ainda que ultrapassassem o momento capitalista por no

    alterarem substantivamente sua base e sua superestrutura , reduziram-se a revolues polticas. Nestas, a

    revoluo social regrediu porque se entendeu que somente a alterao de algumas mediaes do capital

    seria suficiente por exemplo, expropriao dos expropriadores, sem tentar superar a diviso hierrqui-

    ca do trabalho. Logo, destas negaes da relao-capital conseguimos apenas a instituio de um socio-

    metabolismo, que pode ser caracterizado como capital politicamente mediado, mas jamais como nova

    forma histrica que superou o capital. Por ser, de longe, o modo de produo que mais suscitou a produ-

    tividade do trabalho, e por funcionar baseado no autoestranhamento da personificao de saber, distante

    do complexo-trabalho, e no autoestranhamento do trabalhador com o qual o trabalho efetiva-se abstrado

    dos demais complexo de complexos, tal relao de produo responsvel por criar a iluso de que o

    modo de produo do capital no s universal portanto, permanente como tambm estaria livre de

    limites absolutos. Nada pode ser mais alheio ao ser social! Seja sob o capital economicamente mediado

    (capitalismo), ou sob o capital politicamente mediado, Mszros analisa, em sua obra,17 como o capital

    violentando casualidade, temporalidade e valores faz com que os seus limites estruturais absolutos se-

    jam tomados como relativos. Mesmo que o referido autor s analise dois elementos da crise estrutural,

    no se pode negar a total incapacidade do capital de oferecer uma soluo racional (para alm da mnada-

    indivduo e unidade produtiva privada)18 para as questes do desemprego estrutural e da destruio do

    meio ambiente. Na estratgia do capital de atacar a linha de menor resistncia (uma srie de estratgias

    para fazer com que as contradies do capital sejam deslocadas, sem superar suas causas), ele s pode

    instaurar a relao entre ser social e matria mais perdulria e destrutiva da rica individualidade (no

    apenas por ter convertido, parte das foras produtivas em foras destrutivas, mas igualmente por ter inter-

    nalizado estas foras como valores, como necessidades dos indivduos e, sobretudo, por, no lugar dos

    sentidos teorticos humanos ter instaurado o mais autoestranhado sentido do ter com o qual a riqueza

    deixa de ser uma potncia e ato humanos para ser uma coisa destituda de relao substantiva entre sujeito

    e objeto). Este padro de operaes devastador para o tecido societrio do trabalho e da educao, mas o

    fato que ele no pode se reproduzir ampliadamente sem provocar uma elevao exponencial da autoali-

    17 Mszros, 2006; p.94-132; p.175-344; p.517-895.

    18 Na mesma obra de Mszros pode-se ver como a propriedade estatal est longe de ser uma alternativa relao-capital de produo, em-

    bora Marx antevisse (j nos Manuscritos econmico-filosficos) que a revoluo poltica criadora de uma comunidade nacional de trabalha-

    dores e instituidora do capital universal da comunidade estivesse longe de resolver o problema do sociometabolismo do capital.

  • 25

    enao/autoestranhamento e a destruio de terra e ser social; em poucas palavras, brinca de roleta russa

    com o futuro da humanidade.19

    Antes que continuemos necessria uma explicao sobre a relao capital. Muito se falou sobre o

    fim do trabalho; e s se falou! Pode parecer um exagero identificar as suprarreferidas personificaes de

    saber como indivduos sociais que esto sob a determinao do trabalho. E foi esta a grande jogada da

    hegemonia, enquanto simultaneamente jogava ainda mais os que possuem algum capital cultural e social

    na concorrncia do mercado de trabalho! Mas, evidentemente isto tudo no impossibilita o capital em

    manter esta dualidade na prxis social e na Educao, como vimos e poderemos continuar a ver neste

    estudo. Mas, o fato que sob o mito da propriedade privada como produto do trabalho do indivduo

    apenas mesmo as personificaes de saber se encontram dentro da relao com o capital, ou seja, sob o

    primado absoluto do trabalho assalariado, ento, nada mais distante de Marx que postular estas personi-

    ficaes como completamente apartadas do trabalho; todavia, veremos, no decorrer do estudo, que as me-

    diaes do capital fazem sempre com que as personificaes de saber por seu capital cultural e social

    ser tomado pela objetividade e representao terica como uma coisa; jamais uma relao podemos ter

    a certeza de que estas personificaes tendem a se identificar com o ponto de vista da Economia poltica.

    Logo, uma aberrao identificar o trabalho social apenas com o operariado quando o trabalho apenas

    vinculado ao capital pode se reproduzir, ou seja, apenas por meio do assalariamento; isto tudo est no

    prximo do domnio da riqueza sobre a sociedade que Marx descreveu, pois, na verdade, est muito para

    alm, isto , na parte descendente da curva histrica que o capital quanto a elevao das foras produti-

    vas. Esta transformao est toda retratada, ainda que idealizada, em livros como o de Robert Castel.20

    Analisemos tais mudanas no que importa para o trabalho e a Educao. Desde a forma pura do

    capital (que temos no sculo XIX), na qual as mediaes de segunda ordem podem se efetivar sem muitas

    perturbaes, at o contemporneo e intrincado sistema internacional financeiro, com grandes interven-

    es do Estado, h uma distncia imensa. E qual o motivo da mudana? Para comear, o capital j havia

    no s sido questionado pela primeira revoluo social do proletariado do Leste, mas tambm encontrava

    grande resistncia em seu bero (Europa). Tambm no podemos deixar de observar que o capital era

    questionado em cada crise de superproduo, em cada guerra imperialista para no falar de movimentos

    anticoloniais radicais e at mesmo socialistas. E a relao-capital no havia surgido isolada, mas anco-

    19 O que como assinalam todos os tericos da economia poltica do trabalho completamente diferente de afirmar que o capital e capi-

    talismo ruiro sozinhos por suas prprias contradies. A superao de um modo to dinmico de sociedade de classes s pode ser produto

    da ao poltica organizada de massas. Assim, tanto os efeitos da crise estrutural como tambm da autoalienao sobre a conscincia social e

    da totalidade do trabalho, na verdade agravam ainda mais o problema do pressuposto subjetivo da conscincia de classe, necessrio revolu-

    o. Podemos at ver como ambas dificultam e desviam os esforos construtores da conscincia de classe. Mas a alienao no homognea

    ( antes, como assinalava Marx, unidade de conscincia alienada e conscincia da alienao). No entanto, para que a segunda seja o

    momento predominante, precisamos no s resgatar a teoria da alienao como atentar para os limites da crise estrutural. Do contrrio, at as

    crises de trabalho e educao nos passaro despercebidos, o que significa que o capital no encontrar como relao de produo que bane

    os sujeitos verdadeiros das decises importantes do sociometabolismo obstculos a sua roleta russa. 20 Castel, Robert; As metamorfoses da questo social uma crnica do salrio; Petrpolis, Editora Vozes, 2001.

  • 26

    rando-se nos momentos pr-capitalistas. Da, o capital retirou uma estratificao do mundo, tal como ha-

    via produzido uma estratificao reificada de sua prpria sociedade: pases centrais e perifricos. Mas a

    resultante no para a: concatena-se como uma reorientao da totalidade do organismo sociometablico

    do capital o que Mszros chamou de linha de menor resistncia. Uma ideia muito simples: frente aos

    desafios das crises de superproduo e ao revolucionria do trabalho, qual a atitude do capital? H

    duas alternativas: 1) ampliar a esfera da circulao e expandir a rica individualidade (mesmo que sob o

    enviesamento caracterstico do capital) podendo reproduzir-se ampliadamente; ou 2) produzir um equiva-

    lente do consumo e produo da individualidade rica pelo qual possa manter sua dominao sobre o

    trabalho e ampliar suas operaes. O capital, evidentemente, tem preferido a segunda opo; mas ela se

    tornou praticamente sistmica a partir da crise estrutural do capital (iniciada no fim da dcada de 1960), a

    saber:

    A razo pela qual tal mudana absolutamente vivel, nos parmetros do sistema de produo es-

    tabelecido, que consumo e destruio vm a ser equivalentes funcionais do ponto de vista per-

    verso do processo de realizao capitalista. Desse modo, questo de saber se prevalecer o

    consumo normal isto , o consumo humano de valores de uso correspondentes s necessidades

    ou o consumo por meio da destruio decidida como base na maior adequao de um ou de

    outro para satisfazer os requisitos globais da autorreproduo do capital sob circunstncias vari-

    veis. (Mszros, 2006b, p.679)21

    Portanto, do desenvolvimento extensivo do capital (em que ele ainda uma revoluo) como os

    socialistas acompanharam nos primeiros anos do sculo XIX, at o seu desenvolvimento intensivo (no

    qual as foras produtivas so no s produtivas, mas, ao mesmo tempo, destrutivas), h, tambm, uma

    reverso nos valores.22 Demonstramos j a maneira pela qual os valores nascem na produo.23 E a ques-

    to exatamente esta: falamos de meios, de uma suposta neutralidade tcnica?

    Assim sendo, no que diz respeito sua lgica imanente, os meios de produo j no so meios

    genunos, mas uma parte determinada do capital que se autoimpe. Como meios de produo,

    eles representam uma forma especfica de capital. Entretanto, por constiturem apenas uma parte

    21 A verdade realista que a cincia e a tecnologia existentes esto profundamente incrustradas nas determinaes que hoje prevalecem na

    produo, por meio das quais o capital impe sociedade as condies necessrias de sua existncia instvel. Em outras palavras, a cincia e

    a tecnologia no so jogadores bem treinados e em boa forma que, sentados no banco de reservas, ficam espera do chamado dos treinadores

    socialistas esclarecidos para virar o jogo. Em seu modo real de articulao e funcionamento, esto inteiramente implicadas num tipo de

    progresso simultaneamente produtivo e destrutivo. Esta condio no pode ser conservada separando-se o lado produtivo do lado destrutivo

    para seguir apenas o primeiro. A cincia e a tecnologia no sairo de sua situao extremamente problemtica por qualquer experincia do

    pensamento, (...) mas somente se forem radicalmente reconstitudas como formas de prtica social. (Mszros, 2006b, p.265) O autor

    comenta que no h justificativas para achar que se pode continuar a produo sob as determinaes do capital cuja caracterstica principal

    a ruptura entre necessidade e produo-de-riqueza, tal ruptura no pode continuar frente aos dilemas ambientais e do desemprego crnico. E

    o mais importante sobre a impossibilidade da continuidade de tal relao de produo: porque a crena segundo a qual no pode haver

    nenhuma alternativa s prticas produtivas dominantes se baseia na falsa teorizao da relao entre produo, cincia e teconologia, conce-

    bida e caracteristicamente distorcida do ponto de vista do capital que ela eterniza. Tal viso absolutamente insustentvel, pois o domnio do

    modo de produo do capital possui apenas alguns poucos sculos na histria humana, e estabelecer sua permanncia absoluta requer muito

    mais do que as asseres, que se confundem com desejo, de seus defensores. (Id., p.605). 22 Mszros, 2006b, p.84-93.

    23 Valores que no podem ser dissociados da base do modo de produo. Pressupostos terico-metodolgicos, p. 13-29.

  • 27

    do capital em si, esto sujeitos s determinaes intrnsecas desse sistema produtivo como um to-

    do.

    Assim sendo, no que diz respeito sua lgica imanente, os meios de produo j no so meios

    genunos, mas uma parte determinada do capital que se autoimpe. Como meios de produo,

    eles representam uma forma especfica de capital. Entretanto, por constiturem apenas uma parte

    do capital em si, esto sujeitos s determinaes intrnsecas desse sistema produtivo como um todo

    (Id., p.664).

    Este o drama do trabalho e da Educao, reproduzir um mundo que em matria e objetivamen-

    te como nos coraes e mentes no contempla o lampejo divino que a racionalidade humana. A repro-

    duo de um mundo na qual a Educao, que j cumprira, passa a cumprir um papel ainda mais importan-

    te; mas, que dados os limites do capital no pode oferecer as escolhas substantivas sem a qual o

    processo pedaggico perde no apenas seu apelo como tambm, o que, pelo menos, em palavra defen-

    dido como seu objetivo central: a produo de um indivduo autnomo. Porque como trabalho e Educa-

    o tm de ser no apenas uma reproduo dos sujeitos e objetos, mas, antes tudo, garantirem a repro-

    duo da dominao da riqueza abstrata, encarnada por personificaes de capital e de saber, sobre a

    totalidade da sociedade e seu metabolismo. Logo, todo o processo de reproduo pode-se dar apenas se

    imaginemos que os indivduos sociais internalizem objetos humanos e valores autocontraditrios e auto-

    destrutivos. Como processo de dominao par excellence, o capital no pode deixar livre o campo para a

    crtica a tal processo produtivo, menos ainda a crtica materialista (!); assim, o processo de trabalho e de

    Ensino-aprendizagem pode ocorrer apenas sob a condio de que no se denuncie estas relaes s quais

    fazemos referncia. Mas, evidentemente, quanto mais o capital trata de internalizar esta estrutura produti-

    va e seus valores, mais ele reproduz ampliadamente o autoestranhamento e autoalienao que tratam de

    minar as prprias bases da produo de mercadorias em sua crise estrutural. Desta maneira, a crtica radi-

    cal que poderia ser o antdoto a tal forma de relao de produo e propriedade pouco pode fazer alm

    de assombrar uma sociedade e escolas que no precisariam de assombraes pois produzem sua prpria

    dissoluo, ao menos, nos termos omnilaterais dos quais, acreditamos, os indivduos no podem ser dis-

    sociados.

    Cincia: parte de si ou instrumento de trabalho (tripalium)?

    A crise estrutural do capital marcada, em boa parte, como a crise do taylorismo-fordismo, mas no pode

    ser reduzida crise de um paradigma de produo do capital. Com as possibilidades abertas pela introduo da

    microeletrnica na produo, vemos grandes mudanas: a nova gerao de meios de produo que exigem um

    reposicionamento de toda a atividade vital por parte do sujeito. Todavia, as mudanas so to grandes que at se

    iniciou um debate sobre a centralidade do trabalho na dcada de 1990.

    A produo da vida material foi modificada de tal forma que vemos um rearranjo que aproxima trabalho

    produtivo e improdutivo, aumentando a interdependncia entre os dois. Emerge assim um novo patamar do traba-

    lhador coletivo e da indstria socialmente combinada. E o carter disto tudo no poderia ser mais contraditrio!

    Poderamos sintetiz-lo: 1) como o drama, para o ser social, de continuar a produzir com foras produtivas que

    qualitativamente j no s demonstram a utopia que o capital, pois no pode continuar sua existncia instvel sem

    converter parte das foras produtivas em destrutivas imediatamente, 2) como, simultaneamente, parte destas foras

    produtivas e destes meios j anuncia, pelo menos, a ultrapassagem da relao-capital. O segundo aspecto, em parti-

  • 28

    cular, dado o fetichismo e reificao pelo qual nossa existncia est subsumida, passa quase completamente des-

    percebido. A questo :

    A revoluo informacional de que trata este livro est em seus primrdios. Ela , primeiramente,

    uma revoluo tecnolgica de conjunto, que se segue revoluo industrial em vias de terminar.

    Mas muito mais que isto: constitui o anncio e a potencialidade de uma nova civilizao, ps-

    mercantil, emergente da ultrapassagem de uma diviso que ope os homens desde que existem as

    sociedades de classe: diviso entre os que produzem e os que dirigem a sociedade, diviso j dada

    entre os que rezavam, os escribas-sacerdotes administradores dos templos, e os que trabalham para

    eles. A diviso social entre os que tm o monoplio do pensamento e aqueles que so excludos

    deste exerccio est agora posta em questo ou mais exatamente, seu questionamento torna-se

    hoje um problema social real na escala de toda a humanidade. (...) Ora, o que atualmente

    emerge, em todas as instncias das nossas sociedades, so enormes potencialidades de ultrapassar

    essas divises, apesar das presses sempre dominantes (socioeconmicas, polticas, ideolgi-

    cas) para conserv-las. Sem resumir a revoluo informacional especialmente as novas coope-

    raes entre servios e produo , o instrumento informtico pode permitir, conectado a outra

    tcnicas de telecomunicao, a criao, a circulao e a estocagem de uma imensa massa de in-

    formaes outrora monopolizadas, e em parte esterilizadas, por uma pequena elite de trabalhadores

    intelectuais. (Lojkine, 1992, p.11-12, p.15, negrito nosso)24

    Este o carter devastador das foras produtivas atuais: a ambivalncia, a contradio, o enviesa-

    mento, pois, por ser uma relao produtora de estranhamento/alienao, encontram uma grande dificulda-

    de de serem apreendidos (estranhamento/alienao) pela conscincia dos agentes envolvidos. Visando

    superar isto, podemos analisar a forma de operar do capital para que o carter contraditrio das foras

    produtivas e dos meios de produo seja apreendido em sua significao ontolgica e histrica. O capital

    um modo de produo incorrigivelmente (incorrigvel em seus prprios termos) hierrquico. Vimos a

    relao bsica do sujeito e objeto segundo uma ontologia histrica, e como trata esta relao o modo de

    produo do capital: Neste processo de alienao, o capital degrada o trabalho, sujeito real da reprodu-

    o social, condio de objetividade reificada mero fator material de produo e com isso derruba,

    no somente na teoria, mas na prtica social palpvel, o verdadeiro relacionamento entre sujeito e objeto

    (Mszros, 2006b, p.126). Baseando sua produo nas personificaes de saber e de fazer, cuja efetivao

    no pode ocorrer sem opor trabalho manual e intelectual, na qual o estranhamento/alienao se do tanto

    do complexo do trabalho encarnados no trabalhador em relao aos bens simblicos, como a mesma rela-

    o estranhada quando tomamos como ponto de vista a personificao de saber, distanciada do complexo

    trabalho com a crise estrutural do capital e as contradies e ambivalncias da revoluo informacional;

    mesmo que o capital altere seus paradigmas produtivos (do taylorismo ao toyotismo) estas contradies e

    ambivalncia no deixam de afetar a reproduo do tecido societrio do trabalho, famlia e escola. E no

    se reduz ao novo (e precrio) mundo do trabalho ter chegado ao ofcio de professor, dificultando as

    condies de trabalho na escola. Estas condies, que perpassam a totalidade da sociedade, adentram a

    24 Lojkine, A revoluo informacional, So Paulo, 1995, Cortez Editora.

  • 29

    escola de maneira violenta, pois, como vimos, o capital cultural, capital social e ethos de classe so pro-

    duto, no apenas da escola, mas, em boa parte, da vida prtica que at se inicia antes da escola para o in-

    divduo social, a famlia e seu capital simblico que pode ser incorporado pelo educando; no caso da fa-

    mlia, sua ocupao (no nos termos da economia poltica; mas nos termos realistas que entendem os efei-

    tos omnilaterais do processo de trabalho sobre o ser social) afeta as condies objetivas e subjetivas nas

    quais o Ensino-aprendizagem ser realizado.

    Desta maneira, so estruturas da produo do capital, cuja necessidade lhe objetiva e no pode

    ser alterada dentro de tal relao: 1) Despotismo de fbrica, ou trabalho alienado e a diviso do traba-

    lho;25 2) A tirania do mercado; 3) Diviso sociotcnica do trabalho (cada um produz uma parte do or-

    ganismo sociometablico, pois um produtor de mercadorias e do trabalho como mercadoria26); 4) A

    educao reduzida educao formal; 5) Ciclo vicioso de mediaes de segunda ordem do capital;27 6)

    A tendncia do capital cultural de retornar fonte.28 Estas estruturas so formadoras da subsuno real do

    trabalho ao capital, na qual a cincia e meios de produo s se efetivam em oposio ao trabalho vivo,

    que no deixa de internalizar estas determinaes preponderantemente objetivas.29