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Rede e-Tec Brasil Educação, sociedade e trabalho: abordagem sociológica da educação Ricardo Gonçalves Pacheco Erasto Fortes Mendonça Cuiabá - MT 2012 UFMT Revisão e Diagramação Impressão e Distribuição

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  • Rede e-Tec Brasil

    Educao, sociedade e trabalho: abordagem

    sociolgica da educao

    Ricardo Gonalves PachecoErasto Fortes Mendona

    Cuiab - MT2012

    UFMT

    Reviso e DiagramaoImpresso e Distribuio

  • Brasil. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica.B823 Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educao / Ricardo Gonalves Pacheco e Erasto Fortes Mendona, 4. ed. atualizada e revisada Cuiab: Universidade Federal de Mato Grosso / Rede e-Tec Brasil, 2012. 96 p. : il. (Curso tcnico de formao para os funcionrios da educao. Profuncionrio; 5)

    ISBN 85-86290-56-4

    1. Educao. 2. Sociedade. 3. Trabalho. 4. Formao profissional. I. Pacheco, Ricardo Gonalves. II. Mendona, Erasto Fortes. III Ttulo. IV. Srie.

    2012 CDU 377

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

  • Presidncia da Repblica Federativa do Brasil

    Ministrio da Educao

    Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica

    Diretoria de Integrao das Redes EPT

    Este caderno foi elaborado em parceria entre o Ministrio da Educao e a Universidade Federal de Mato Grosso para a Rede e-Tec Brasil.

    EqUIPE DE ElaBoRao

    Universidade Federal de Mato Grosso UFMT

    Coordenao InstitucionalCarlos Rinaldi

    Coordenao de Produo de Material Didtico ImpressoPedro Roberto Piloni

    Designer EducacionalGelice Maria Lemos do Prado

    Designer MasterMarta Magnusson Solyszko

    IlustraoTati Rivoire

    DiagramaoVernica Hirata

    Reviso de lngua PortuguesaLivia de Sousa Lima Pulchrio Monteiro

    IMPREsso E DIsTRIBUIoInstituto Federal de Educao do Paran

    PRojETo GRFICoRede e-Tec Brasil/UFMT

  • Rede e-Tec Brasil

    apresentao Rede e-Tec Brasil

    Prezado estudante,

    Bem-vindo Rede e-Tec Brasil!

    Voc faz parte de uma rede nacional pblica de ensino, a Rede e-Tec Brasil, institu-da pelo Decreto n 7.589/2011, com o objetivo de democratizar o acesso ao ensino tcnico pblico, na modalidade a distncia. O programa resultado de uma parceria entre o Ministrio da Educao, por meio da Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica (Setec), as universidades e escolas tcnicas estaduais e federais.

    A educao a distncia no nosso pas, de dimenses continentais e grande diversida-de regional e cultural, longe de distanciar, aproxima as pessoas ao garantir acesso educao de qualidade, e promover o fortalecimento da formao de jovens morado-res de regies distantes, geograficamente ou economicamente, dos grandes centros.

    A Rede e-Tec Brasil leva os cursos tcnicos a locais distantes das instituies de ensi-no e para a periferia das grandes cidades, incentivando os jovens a concluir o ensino mdio. Os cursos so ofertados pelas instituies pblicas de ensino e o atendimento ao estudante realizado em escolas-polo integrantes das redes pblicas municipais e estaduais.

    O Ministrio da Educao, as instituies pblicas de ensino tcnico, seus servidores tcnicos e professores acreditam que uma educao profissional qualificada inte-gradora do ensino mdio e educao tcnica capaz de promover o cidado com capacidades para produzir, mas tambm com autonomia diante das diferentes di-menses da realidade: cultural, social, familiar, esportiva, poltica e tica.

    Ns acreditamos em voc!Desejamos sucesso na sua formao profissional!

    Ministrio da EducaoMaro de 2012

    Nosso [email protected]

  • Rede e-Tec Brasil

    Prezado estudante:

    Voc, funcionrio de escola pblica, est cursando o Profuncionrio, um curso profi ssionalizante de ensino mdio a distncia que vai habilit-lo a exercer, como tc-nico, umas das profi sses da educao escolar bsica. Esta a quinta de seis disciplinas da Formao Pedaggica. Nes-ta quinta disciplina, dedicada compreenso das relaes entre sociedade, educao e o mundo do trabalho, voc encontrar o texto-base, as gravuras, os atalhos para a internet, as informaes complementares e as atividades para a refl exo e para o registro em seu memorial.

    Ao fi m de cada unidade, h uma lista de referncias que pode complementar os seus estudos sobre as conquistas e as lutas dos tra-balhadores em defesa da educao pblica, gratuita, obrigatria e democrtica.

    Vamos relembrar o que voc sabe e j estudou e acrescentar uma refl exo sobre as inovaes tecnolgicas, as mudanas econmicas ocorridas nas ltimas dcadas, as infl uncias no trabalho humano, na sociedade e o papel da educao em todo esse processo. Este curso pretende oferecer subsdios para que voc possa participar e qualifi car-se melhor para o desempenho de tarefas educativas no local de trabalho e discutir o signifi cado do fazer profi ssional dentro da escola, contribuin-do, assim, para a formao de nossas crianas, adolescentes e adultos.

    Ricardo Gonalves Pacheco

    Erasto Fortes Mendona

    Mensagem dos professores-autores

    Ricard

    o

    Erasto

  • Rede e-Tec Brasil

    apresentao da Disciplina

    O mundo passa por um processo de transformaes muito rpidas que foram inauguradas h poucas dcadas. A revoluo tecnolgica, com a introduo, em escala crescente, da informtica, da robtica, das experimentaes genticas, das telecomunicaes, tem mudado bastante a vida das pessoas.

    Essas mudanas tambm afetam a forma como o homem produz os bens necessrios sua sobrevivncia. As conquistas cientficas, infeliz-mente, no so apropriadas por toda a humanidade. Essas inovaes so aplicadas no processo produtivo e esto substituindo boa parte da mo de obra que era utilizada na fabricao de produtos indus-trializados, na agricultura, na prestao de servios e em uma srie de atividades cuja presena do trabalho humano antes era imprescindvel e agora se torna descartvel.

    Isso tem causado o aumento das desigualdades sociais. O nmero de desempregados aumenta e soma-se a milhes de seres humanos que passam fome, so vitimados por doenas que poderiam ser con-troladas, no tm habitao, so analfabetos, no tm acesso a uma assistncia mdica de qualidade, sofrem com a devastao ambiental e passam por uma srie de privaes, enquanto alguns poucos afortu-nados gozam dos benefcios da modernidade.

    O Brasil um bom exemplo dessas contradies. O nosso pas, por um lado, detm tecnologias de ponta na fabricao de avies, na produ-o do ao, no desenvolvimento de tecnologias agrcolas, e, por ou-tro, ainda no conseguiu sanar problemas elementares como a fome, a misria, a falta de educao e sade de qualidade para a maioria.

    O propsito da presente disciplina justamente este: fazer com que voc compreenda como se formou a sociedade em que vive e instig--lo a tomar partido, seja pela conservao dessa sociedade, seja pela sua transformao.

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil

    Para isso, estruturamos a disciplina em cinco unidades. Na primeira, retrocedemos aos sculos XVIII e XIX para compreender as revolues Industrial e Francesa, analisando suas contribuies para transformar a sociedade em um grupo mais complexo. Tambm veremos como surgiu a Sociologia, cincia que busca estudar a organizao social.

    Na segunda unidade, apresentamos duas formas de analisar essa so-ciedade construda no rastro das revolues Francesa e Industrial. A primeira delas o funcionalismo que visa sua conservao; a segun-da, o materialismo dialtico, que busca a sua transformao.

    Na terceira unidade, demonstramos como a viso conservadora da sociedade se expressou em diversas maneiras de interpretar a rela-o entre a educao e a sociedade. Assim, voc conhecer a viso conservadora de educao em Durkheim, a Escola Nova e a Teoria do Capital Humano.

    Na quarta unidade, apresentamos as vises transformadoras que bus-cam superar a sociedade capitalista e suas manifestaes na educa-o. As contribuies de Althusser e Gramsci sero estudadas nesta unidade.

    Por fim, na quinta unidade, buscamos um melhor entendimento da conjuntura atual. Vamos estudar a reestruturao capitalista, as refor-mas do Estado e do ambiente do trabalho, no mundo e no Brasil, bem como seu papel, de funcionrio de escola, em todo esse processo.

    Bons estudos!

  • Rede e-Tec Brasil

    Indicao de cones

    Os cones so elementos grficos utilizados para ampliar as formas de linguagem e facilitar a organizao e a leitura hipertextual.

    ateno: indica pontos de maior relevncia no texto.

    saiba mais: remete o tema para outras fontes: livro, revista, jornal, artigos, noticirio, internet, msica etc.

    Dicionrio: indica a definio de um termo, palavra ou expresso utilizada no texto.

    Em outras palavras: apresenta uma expresso de forma mais simples.

    Pratique: so sugestes de: a) atividades para reforar a compreen-so do texto da Disciplina e envolver o estudante em sua prtica; b) atividades para compor as 300 horas de Prtica Profissional Supervi-sionada (PPS), a critrio de planejamento conjunto entre estudante e tutor.

    Reflita: momento de uma pausa na leitura para refletir/escre-ver/conversar/observar sobre pontos importantes e/ou questio-namentos.

  • Unidade 1 - Construo da lente sociolgica 151.1 A Revoluo Industrial 17

    1.2 A Revoluo Francesa 21

    1.3 O surgimento da Sociologia 24

    Unidade 2 - Duas Tendncias tericas no estudo da sociedade: elementos e caractersticas do Funcionalismo e do Materialis-mo Dialtico 27

    2.1 O Funcionalismo 28

    2.2 O Materialismo Dialtico 31

    Unidade 3 - Educao na perspectiva conservadora: o registro conservador de mile Durkheim e a influncia do pensamento liberal de john Dewey e da teoria do Capital Humano 37

    3.1 Durkheim - a educao como socializadora das novas gera-es 39

    3.2 Os ideais liberais e a educao 40

    3.3 Dewey e a Escola Nova 45

    3.4 A Teoria do Capital Humano 47

    Unidade 4 - Educao na perspectiva crtica: educao como reprodutora da estrutura de classes ou como espao de trans-formao social 53

    4.1 Althusser e a escola como aparelho ideolgico do Estado 56

    4.2 Gramsci e a escola como espao da contraideologia 62

    Unidade 5 - Reestruturao capitalista, reformas do Estado e o mundo do trabalho 69

    5.1 O mundo do trabalho 70

    5.2 As relaes sociais no modo de produo capitalista 74

    5.3 A reestruturao capitalista 80

    5.4 O papel e o compromisso social dos trabalhadores da edu-cao 81

    5.5 Sociedade e educao no Brasil: o papel da escola e dos profissionais de educao 84

    Rede e-Tec Brasil

    sumrio

  • Palavras Finais 89

    Guia de solues 90

    Referncias 93

    Currculo dos professores-autores 95

    Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil

  • Rede e-Tec BrasilUnidade 1 - Construo da Lente Sociolgica 15

    Unidade 1

    Construo da lente sociolgica

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 16

    Caro/a estudante

    Inicialmente, vamos entender como funciona a sociedade hoje,

    verificando de que maneira ela foi construda. Qual foi o proces-

    so que levou a sociedade em que vivemos a ser como ela ?

    Para tanto, convidamos voc a fazer uma viagem pelo passado.

    Voltemos ao sculo XIX, que comea em 1801, poca em que quase tudo se explicava pela religio, e algumas coisas, pela inteligncia hu-mana. Nesse mesmo perodo, intensifica-se a razo em contraposio explicao mstica da realidade. A partir da, o homem procura a soluo de suas dvidas, problemas e mistrios por meio da cincia.

    assim, com o objetivo de aprofundar o conhecimento da reali-dade, surgiram dois grandes campos de investigao:

    1. as cincias naturais - destinavam-se a pesquisar os fenme-nos da natureza: Matemtica, Fsica, astronomia, qumica, Biologia e outras.

    2. as cincias sociais - estudavam o homem na sociedade, em suas diversas dimenses: Filosofia, Histria, Geografia, An-tropologia, Pedagogia e a nossa sociologia, entre outras.

    Voc sabia que a maior parte de nossos conhecimentos provm da Eu-ropa? No sculo XIX, parte dos pases da Europa passava por grandes mudanas.

    Depois de centenas de anos de dominao dos nobres e do clero, entravam em cena novos personagens que mudaram o eixo do poder, como, por exemplo, a burguesia.

    Antes deles, quem trabalhava eram os servos agricultores, em proveito dos nobres e do clero. Surgiram pequenas e grandes cidades, chamadas de burgos. Aos poucos, seus habitantes - artesos, pequenos comercian-tes, funcionrios dos reinos - organizaram-se e rebelaram-se contra os nobres, chefiados pelos monarcas em reinos como Inglaterra e Frana.

    Burguesia - classe dos grandes capitalistas, dona

    dos bancos, indstrias,grandes comrcios,

    imveis. A burguesia a classe proprietria

  • Rede e-Tec BrasilUnidade 1 - Construo da Lente Sociolgica 17

    A burguesia tentava se afirmar como classe dirigente, liderando aes revolucionrias para retirar o poder do clero e da nobreza, segmentos dominantes no regime monrquico. No sculo XIX, em meio dimi-nuio do poder eclesistico e monrquico e consolidao do Capita-lismo com suas fbricas e indstrias, tambm emergia o movimento operrio. Era uma nova classe que via suas condies de vida e tra-balho piorarem com o crescimento da industrializao, enquanto a burguesia concentrava cada vez mais riqueza e poder.

    Para facilitar o seu aprendizado, fundamental que voc saiba como ocorreu a formao da sociedade atual e as transformaes pelas quais ela vem passando, desde o seu nascedouro. Por isso, resgata-mos, de forma resumida, um breve histrico das revolues Industrial e Francesa, que foram as responsveis pelas grandes transformaes vividas no sculo XIX e presentes at hoje.

    Esperamos que ao final desta unidade voc consiga compreender as transformaes provocadas pela Revoluo Industrial, identificar per-manncias e rupturas nas relaes de trabalho desde a Revoluo Industrial at atualidade, compreender o processo de ascenso da burguesia ao poder, identificar diferenas entre o Estado Absolutista e Estado Republicano e tambm compreender o contexto histrico de surgimento da Sociologia.

    Vamos entrar novamente no tnel do tempo. Nossa viagem retrocede-r mais algumas dcadas. Nosso destino agora o sculo XVIII.

    1.1 A Revoluo Industrial

    Voc j parou para pensar como so produzidos os artigos que consumimos ou utilizamos diariamente? A roupa que vestimos, o sapato que calamos, a comida que nos alimen-ta, o nibus ou o automvel que nos conduz ao trabalho ou escola, o caderno e a caneta que nos auxiliam na aprendi-zagem, os mveis de casa e tantos outros objetos que fazem parte do nosso dia a dia?

    Clero - classe de padres e sacerdotes. Representava a Igreja e recebia muitos privilgios no regime monrquico.Nobreza - classe que detinha o poder nas idades Mdia e Moderna. Possua muitas terras e no pagava impostos.Classe privilegiada durante a monarquia.Regime monrquico - Forma de governo em que o poder exercido por um monarca, um rei que herdou o trono dos seus antepassados e o repassar a seu descendente, geralmente o filho mais velho. Portanto, no sistema monrquico o povo no escolhe seus governantes.Capitalismo - Modo de produo de bens em que o capital o principal meio de produo. Classe operria - classe de trabalhadores que surgiu com o desenvolvimento da indstria no capitalismo.

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 18

    Pois bem, a matria-prima foi tirada da natureza e transformada por meio de mquinas nos produtos que consumimos. A esse processo damos o nome de industrializao. Mas os artigos que consumimos sempre foram produzidos assim?

    At o sculo XVI, a produo de bens para consumo se dava de for-ma artesanal. Um arteso independente que produzisse sapatos, por exemplo, era proprietrio da oficina e dos instrumentos de trabalho, como o martelo, a forma, os pregos etc. Sua produo tornava-se pequena porque era individual, a mquina inexistia e era muito baixo o capital aplicado ao seu negcio.

    Aos poucos, o trabalho artesanal foi substitudo pelo trabalho manu-faturado. Surge o capitalista, proprietrio da oficina de trabalho e da matria-prima que ser transformada. Esse capitalista explora o traba-lho de vrios artesos, que executam, cooperativamente, uma srie de operaes que dar forma final mercadoria.

    Nas ltimas dcadas do sculo XVIII, na Inglaterra, intensificou-se o processo de industrializao. Na fbrica, os trabalhadores no possu-am mais os instrumentos de trabalho, substitudos pelas mquinas, manejadas pelos operrios. A industrializao possibilitou uma pro-duo gigantesca de mercadorias e o consumo em larga em escala, situao que seria impensvel sem a utilizao das mquinas. O cresci-mento desse processo de produo de bens materiais foi chamado de Revoluo Industrial e provocou muitas transformaes na sociedade. Que mudanas foram essas?

    Uma primeira mudana deu-se com a intensificao da explorao do trabalho pelo capital. Antes, possuidor dos instrumentos de traba-lho, agora, privado deles, o trabalhador torna-se apenas possuidor da fora de trabalho, que vende ao capitalista, tornando-se dependente para a sua sobrevivncia.

    Manufaturado - forma de trabalho em

    que vrias pessoas cooperam umas com

    as outras na produo de bens. Embora

    algumas mquinas sejam empregadas na

    produo, sua base o trabalho artesanal.

  • Rede e-Tec BrasilUnidade 1 - Construo da Lente Sociolgica 19

    A indstria moderna, ao produzir mercadorias em grande quantidade e baixo preo, fez quase desaparecer a produo artesanal. Os antigos artesos foram obrigados a se sujeitar aos capitalistas que sistema-ticamente os exploravam. Submetidos a uma disciplina severa para intensificar a produtividade, sua jornada de trabalho se estendia a at dezesseis horas dirias. O salrio mal dava para a sua subsistncia.

    Em virtude das pssimas condies de trabalho nas fbricas, eram co-muns os acidentes que mutilavam e tiravam a vida de muitos oper-rios - homens, mulheres e crianas. Frias, descanso semanal remune-rado, licena-maternidade e licena-sade eram direitos inexistentes naquela poca. A enorme explorao do trabalho foi uma das causas do expressivo aumento do lucro dos empresrios e uma das condies para o fortalecimento do modo de produo capitalista.

    Outra mudana importante foi a introduo de relaes capitalistas de produo no campo. A servido d lugar ao trabalho assalariado. As mquinas tambm foram introduzidas na agricultura, juntamente com produtos qumicos industrializados.

    A agricultura volta-se para atender as necessidades do mercado. Ela d suporte ao processo de industrializao, aumentando a produo e a produtividade, visando abastecer populao urbana que cresce rapidamente.

    Da mesma forma que os artesos foram arruinados pelo sistema fa-bril, pequenos agricultores e camponeses no resistiram concorrn-cia da empresa agrcola que mecanizou a lavoura e tirou o emprego de muitos trabalhadores rurais.

    Uma segunda mudana significativa foi o crescimento das cidades acelerado pelo processo de industrializao. A populao foi atra-da para os centros urbanos, provocando o xodo rural. Nos centros urbanos, ela vivia em pssimas condies. Em 1850, na Inglaterra, o nmero de pessoas que moravam nas cidades j era superior ao das que viviam no campo.

    Como voc observou na disciplina 2 - Educadores e Educandos: tempos histricos, a economia brasileira esteve voltada, at as primeiras dcadas do sculo XX, para a exportao agrcola.

    Servido - forma deexplorao do trabalho em que o campons, preso propriedade rural, era obrigado a produzir mais do que o necessrio para o seu consumo. As sobras eram apropriadas pelo senhor feudal, o proprietrio das terras. xodo Rural - migrao da populao rural para as cidades.

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 20

    Vendamos matria-prima e comprvamos produtos industriali-zados. Da nossa dependncia em relao aos pases industriali-zados. Isso retardou o processo de desenvolvimento industrial. Para voc ter uma ideia, a populao urbana no Brasil s ultra-passou a rural na dcada de 1960. ou seja, mais de cem anos depois que esse mesmo fenmeno ocorreu na Inglaterra.

    A terceira mudana foi a transformao do estilo de vida. No cam-po, embora explorado pelo senhor feudal, o campons possua seu pedacinho de cho no qual criava animais e cultivava a terra para sua subsistncia. Possua sua habitao e no tinha um horrio de trabalho rigoroso.

    Imaginem o choque desse indivduo quando, na cidade, passou a ter somente sua fora de trabalho para vender ao capitalista. Sem um local decente onde morar, era submetido a jornadas de trabalhos de-sumanas e a uma disciplina rgida no interior da fbrica onde eram corriqueiros os castigos corporais. A adaptao ao ambiente urbano e ao trabalho nas fbricas no foi fcil. Tanto que os capitalistas empre-gavam em grande nmero mulheres e crianas, pois, em decorrncia das condies culturais da poca, aceitavam, com maior subservin-cia, as condies de trabalho impostas.

    A Inglaterra foi a pioneira da Revoluo Industrial. Isso s foi possvel graas ao rompimento do sistema feudal nesse pas, ainda no sculo XVII, por meio da Revoluo Gloriosa. Ela ento passou a ser gover-nada por uma monarquia constitucional que dava reais poderes ao Parlamento. Nesse regime poltico, o rei reina, mas no governa.

    Sintonizado com os interesses burgueses, o Parlamento tomou me-didas que facilitaram a transformao da estrutura agrria, a modi-ficao das relaes trabalhistas no campo e o aperfeioamento das tcnicas de produo que desenvolveram o Capitalismo e prepararam o terreno para a Revoluo Industrial.

    Nossa viagem continua ainda no sculo XVIII, pois precisamos conhecer a Revoluo Francesa.

    Leia mais sobre a Revoluo Gloriosa no endereo eletrnico

    http://www.historianet. com.br/conteudo/default.

    aspx?codigo=187

    http://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/a-populacao-mundial.htm

  • Rede e-Tec BrasilUnidade 1 - Construo da Lente Sociolgica 21

    1.2 A Revoluo FrancesaAo estudar a histria do Brasil, voc deve ter aprendido que a classe que detm o poder econmico geralmente exerce o poder poltico. Durante o perodo imperial, o Brasil tinha como principal atividade econmica a agricultura, voltada para a exportao. Destacavam-se as culturas da cana-de-acar, do algodo, do cacau e do caf.

    Os governos constitudos nesses perodos representavam os interesses da aristocracia agrria, isto , dos fazendeiros, em prejuzo dos demais segmentos sociais. Mais tarde, j no sculo XX, com a intensificao da industrializao e com o desenvolvimento do sistema financeiro, os industriais e os banqueiros passam a ter forte influncia na conduo poltica do pas, sendo secundados pelos fazendeiros. As classes popu-lares ficavam margem das decises polticas. Resumindo, os donos da economia sempre foram os donos do poder.

    Entretanto, na Frana do final do sculo XVIII, havia um descompas-so entre quem detinha o poder econmico e quem exercia o poder poltico. Os burgueses j exerciam o poder econmico, mas os nobres continuavam a deter o poder poltico, centralizado na monarquia ab-solutista. A mesma monarquia que em tempos passados produzira o Rei Sol, Lus XIV, que declarara O Estado sou eu.

    Podemos comparar a estrutura social francesa a uma pirmide. No seu topo, estava o monarca. Logo abaixo dele, estavam os estratos privilegiados no regime monrquico: o clero e a no-breza, que formavam, respectivamente, o primeiro e o segun-do Estado. O clero, composto por cerca de 120 mil eclesi-sticos, era formado pelo Alto Clero - bispos, abades e cnegos, provenientes de famlias nobres - e pelo Baixo Clero, composto por padres e monges, que cuidavam da vivncia religiosa das populaes ou viviam enclau-surados em mosteiros.

    A riqueza do Alto Clero originava-se do recebimento de dzimos e da renda de imveis urbanos e ru-rais. J o Baixo Clero, formado por sacerdotes mais humildes, dependia de doaes e das esmolas dos pobres.

    Lus XIV, o Rei Sol, exerceu seu reinado de 1661 a 1715. Seu governo, um dos mais importantes da histria da Frana, durou 56 anos e tornou-se conhecido pelo absolutismo monrquico, no qual o rei controlou totalmente o Estado.

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 22

    Cotrin (1997) afirma que o segundo Estado, composto pela nobre-za, contava com cerca de 350 mil pessoas e estava dividido em trs grupos: a nobreza cortes, que vivia na Corte e recebia penses do Estado; a nobreza provincial, um segmento decadente que sobrevivia da explorao do trabalho dos camponeses; e a nobreza de toga, for-mada pela burguesia rica que, para se tornar nobre, comprava ttulos de baro, conde, duque e marqus.

    A maioria da populao da Frana - cerca de 24 milhes de pessoas - com-punha o terceiro Estado. Este reunia diversos grupos: a grande burguesia, formada por poderosos banqueiros, empresrios e comerciantes; a mdia burguesia, composta de mdicos, advogados, professores e demais profis-sionais liberais; a pequena burguesia, representada por artesos e comer-ciantes; os camponeses, que se dividiam em trabalhadores livres e servos; e os sans-culottes, trabalhadores urbanos assalariados e desempregados.

    O Estado monrquico era um obstculo ao pleno desenvolvimento do capitalismo. Alm de intervir na economia, impedia a superao das relaes feudais de produo. No plano cultural, com o auxlio da Igre-ja, promovia a intolerncia religiosa e filosfica, influenciando a cons-cincia individual das pessoas. No plano social, restringia a mobilidade das pessoas por causa da imposio do fator hereditrio como critrio de acesso s classes privilegiadas e aos favores do Estado.

    A burguesia era a classe que se sentia mais prejudicada com essa es-trutura social. Era formada por grandes banqueiros, comerciantes, in-dustriais e empresrios, ou seja, pelos donos do dinheiro da poca, mas que tinham uma participao muito limitada na esfera poltica. Alm disso, revoltava-se com os altos impostos cobrados pela monar-quia, que eram destinados a manter os privilgios do clero e da no-breza, alm de custear as inmeras guerras que a Frana enfrentava.

    A burguesia estava convencida de que somente uma revoluo social mudaria esse estado de coisas. Seu plano era atrair para o projeto revolucionrio as demais classes que compunham o terceiro Estado e sentiam-se oprimidas pela monarquia. Os burgueses utilizaram a dou-trina liberal para unir os segmentos sociais descontentes. Tal doutrina apresentava cinco princpios gerais: o individualismo, a liberdade, a propriedade, a democracia e a igualdade. Estes princpios sero abor-dados na unidade III desta disciplina.

    Relaes feudais de produo - modo de

    produo caracterizado pela explorao do trabalho servil pelo

    senhor feudal, o proprietrio de terras.

  • Rede e-Tec BrasilUnidade 1 - Construo da Lente Sociolgica 23

    O confronto entre foras conservadoras e revolucionrias se deu em 1789. Endividado, o governo planejava criar novos impostos que se-riam pagos pelo terceiro Estado. A outra soluo seria obrigar o clero e a nobreza a pagar tributos, uma vez que eram isentos.

    Diante da ameaa de perderem seus privilgios, os integrantes do pri-meiro e segundo Estados convenceram o rei a convocar a Assembleia dos Estados Gerais, frum parlamentar que h quase duzentos anos no se reunia. Nesse frum, cada Estado tinha direito a um voto, inde-pendentemente do nmero de integrantes. Assim, embora represen-tasse a maioria da populao, como o voto no era individual, o tercei-ro Estado ficaria prejudicado, arcando com o peso dos novos impostos.

    a convocao da assembleia dos Estados Gerais revelou-se um suicdio poltico para a nobreza. a Frana passava por uma gra-ve crise econmica. a misria, a fome e o desemprego atingiam milhes de pessoas. Era um clima favorvel para a burguesia di-vulgar as idias liberais. os representantes eleitos pelo terceiro Estado estavam prontos para mostrar toda a sua insatisfao.

    Reunida em maio de 1789, a Assembleia dos Estados Gerais no chegou a um acordo quanto forma de votao. Os representantes do clero e da nobreza, apoiados pelo rei, desejavam a votao tradicional, baseada em um voto por Estado, que lhes garantiria a maioria. J os represen-tantes do terceiro Estado insistiam no voto individual, pois tinham uma maioria de representantes eleitos e conseguiriam vencer as votaes. O impasse levou paralisao dos trabalhos por mais de um ms.

    Em junho de 1789, revoltados, os representantes do terceiro Estado proclamaram a Assembleia Nacional Constituinte, pois desejavam elaborar uma nova constituio francesa. O rei reagiu e interditou a sala em que a assembleia se reunia no Palcio de Versalhes.

    Os representantes do terceiro Estado resistiram e se transferiram para outra sala do palcio decididos a permanecerem l at a for-mulao de uma nova constituio. As tropas reais foram deslocadas para combater o terceiro Estado.

    No entanto, a agitao popular comandada pelos revolucionrios j havia ganhado as ruas e fugido ao controle da monarquia. Embalada

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 24

    A Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1789,

    pode ser lida na ntegra no endereo eletrnico

    http://www.direitoshumanos.usp.br/ counter/Doc_Histo/

    texto/ Direitos_homem_cidad.html

    pelas palavras de ordem liberdade, igualdade e fraternidade, a populao derrubou a priso da Bastilha, smbolo do poder real, em 14 de julho.

    Fragilizado, Lus XVI reconheceu a legitimidade da Assembleia Nacio-nal Constituinte. Esta, em agosto de 1789, libertou os camponeses do controle senhorial e acabou com os privilgios da nobreza e do clero. Era o fim do regime feudal. No ms de agosto, foi proclamada a Declarao dos Direitos Humanos e do Cidado, que consagrou uma srie de princpios liberais.

    Aps a tomada da Bastilha, a Frana passou por um longo perodo de agitao poltica, encerrado s em 1799, com Napoleo Bonapar-te. Ele ps fim ao perodo revolucionrio, pois conseguiu impedir a subida ao poder de setores populares e consolidar as conquistas da burguesia.

    A Revoluo Francesa ficou conhecida como a Grande Revolu-o. seus efeitos se espalharam pelo mundo e suas ideias so ainda dominantes na sociedade contempornea.

    1.3 O surgimento da Sociologia O quadro de frustraes provocou uma srie de revoltas e aprofun-dou o caos social e o conflito aberto entre a burguesia e a classe operria. nesse ambiente de lutas pela direo da sociedade, entre a burguesia e o proletariado, que cresceu o interesse pelo estudo da vida social. Ento, surgiram dois grupos opostos de intelectuais.

    Nas reflexes sobre a sociedade contempornea, surgem dois gru-pos de intelectuais. Por um lado, os pioneiros da Sociologia e os adeptos dos ideais da nova classe dominante, a burguesia, dentre eles mile Durkheim e Augusto Comte, dirigiram seus estudos para preservar a nova ordem, reorganizar a sociedade e manter o controle social. No lhes interessavam novas revolues que ameaassem o poder burgus.

    Por outro lado, os pensadores socialistas, (Karl Marx, Friedrich En-gels) alinhados com a classe operria, buscavam, por meio da Socio-logia e de outras cincias humanas, entender o funcionamento da

    Declarao dos Direitos do Homem

    e do Cidado: o patriotismo revolucionrio

    toma emprestado a iconografia familiar dos

    Dez Mandamentos.

  • Rede e-Tec BrasilUnidade 1 - Construo da Lente Sociolgica 25

    sociedade capitalista para super-la e, conforme seus ideais, condu-zir a humanidade para uma sociedade justa, livre da explorao do homem pelo homem.

    A Sociologia tem como preocupao estudar a vida social. Fazem parte de suas anlises os diversos acontecimentos sociais que ocor-rem nas sociedades modernas, como, por exemplo, os estilos de vida urbana, os problemas sociais decorrentes da urbanizao acelerada, o comportamento dos indivduos nas grandes cidades, os movimen-tos sociais, etc. So tambm objeto de seu estudo as instituies que se modificaram ou surgiram com o desenvolvimento das sociedades industriais, como a famlia, a igreja, o sindicato, o partido poltico.

    REsUMoComo voc deve ter observado, as revolues Industrial e Francesa

    provocaram profundas mudanas na sociedade europeia. O regime

    feudal foi superado pelo sistema capitalista. Os trabalhadores deixa-

    ram a condio de servos e passaram a homens livres e assalariados.

    Houve um enorme crescimento das cidades. As monarquias deram

    lugar a repblicas ou foram subordinadas a parlamentos, dirigidos

    pela burguesia. Os valores liberais como a democracia, a liberdade, o

    direito propriedade, o individualismo e a igualdade passaram a ser

    cultivados.

    Entretanto, a esperada melhoria das condies de vida e trabalho

    das classes populares no aconteceu. Pelo contrrio, a expulso do

    campo, os baixos salrios, o desemprego, as longas jornadas de tra-

    balho, as pssimas condies de moradia pioraram a qualidade de

    vida dessa classe.

    esse contexto de profundas mudanas trazidas pelas revolues

    Industrial e Francesa que serviu de cenrio para o surgimento da

    Sociologia.

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 26

    1. Como voc estudou na disciplina 2, as conquistas trabalhistas que temos hoje so fruto das lutas dos trabalhadores. Em nosso pas, durante o governo Vargas, essas conquistas transformaram-

    -se em leis por meio da Consolidao das Leis do Trabalho, a CLT. Atual-mente, sob a alegao de que pagam muitos impostos, em razo de uma srie de garantias trabalhistas que oneram muito e impedem de empre-gar mais funcionrios, o empresariado tem pressionado o Congresso Na-cional e o governo a flexibilizar as leis trabalhistas, ou seja, acabar com alguns direitos. Faa uma pesquisa e investigue quais leis trabalhistas esto ameaadas pela chamada flexibilizao das leis trabalhistas.

    2. Em sua escola, o professor de Histria trabalha com os alunos a Re-voluo Industrial e a Francesa? Entreviste-o e registre no memorial os principais contedos da aprendizagem dos alunos.

    3. Voc estudou tambm na disciplina 2 que a escravido foi extinta no Brasil em 1888. No entanto, a imprensa denuncia constantemente a existncia de trabalho escravo em nosso pas. Faa uma pesquisa no Ministrio do Trabalho como o Governo Federal vem combatendo o tra-balho escravo. Investigue tambm em quais regies do pas ocorre uma maior incidncia desse tipo de explorao. Procure a Delegacia Regio-nal do Trabalho de sua cidade e entreviste um fiscal, procurando saber se em seu municpio existe esse tipo de ocorrncia. Voc tem notcia de trabalho escravo no Brasil nos dias de hoje? Se possvel, recorte algum texto de jornal ou revista e cole em seu memorial.

    4. Faa uma entrevista com uma pessoa que se mudou do interior para a cidade grande. Procure perceber quais as diferenas que ela notou entre a vida interiorana e a do centro urbano. Quais as dificuldades que ela encontrou para se adaptar nova realidade? Anote os resultados no seu memorial.

    Na prxima unidade, veremos o que defendiam o Funcio-

    nalismo e o Materialismo Dialtico. Nossa aventura pros-

    segue. hora de entrar novamente no tnel do tempo e

    retornar ao sculo XIX. Boa viagem!

  • Rede e-Tec Brasil

    Unidade 2 - Duas tendncias tericas no estudo da sociedade: elementos e caractersticas

    do Funcionalistmo e do Materialismo Dialtico 27

    Unidade 2

    Duas Tendncias tericas no estudo da sociedade:elementos e caractersticas

    do Funcionalismo e do

    Materialismo Dialtico

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 28

    Prezado/a estudante

    Estamos de volta ao sculo XIX, perodo de 1801 a 1900. Como

    observamos na unidade anterior, as revolues Industrial e Fran-

    cesa provocaram uma srie de transformaes que marcaram a

    sociedade. xodo rural, crescimento das cidades, afirmao de

    novos valores culturais, industrializao, concentrao de poder

    e dinheiro nas mos da burguesia, explorao do trabalho assa-

    lariado, misria da populao e revoltas sociais.

    nesse cenrio que a Sociologia surge como cincia, com a pre-

    ocupao de explicar os novos fatos sociais. Ao mesmo tempo,

    duas correntes de pensamento se desenvolviam e procuravam

    explicar toda a realidade. Apresentavam novas vises de mun-

    do, buscavam compreender os fenmenos naturais. Essas teorias

    eram o Funcionalismo e o Materialismo Dialtico. Estes so os

    temas que abordaremos nesta aula.

    Ao final desta unidade, esperamos que voc consiga compre-

    ender que a sociologia no uma cincia neutra; identificar as

    caractersticas e as finalidades do Funcionalismo e identificar as

    caractersticas e as finalidades do Materialismo Dialtico.

    2.1 O FuncionalismoEssa teoria teve como fundador o pensador francs mile Durkheim (1858 -1917), considerado um dos pais da Sociologia moderna. Durkheim via com otimismo as mudanas que sofriam as sociedades europeias do sculo XIX. Apontava como fatores causadores das crises sociais os aspectos morais e no os econmicos.

    Como a sociedade industrial ainda estava em expanso, acreditava que era necessrio mais tempo para que os diversos grupos sociais se ajustassem ao novo modelo de desenvolvimento econmico. Com essa adaptao aos novos tempos, as crises sociais passariam.

    Assim, como outros pioneiros da Sociologia, Durkheim buscou inves-tigar os problemas sociais da mesma maneira que se pesquisavam os fenmenos da natureza. Comparava a sociedade a um organismo com-posto de vrias partes (rgos) integradas que funcionam em harmonia.

    Teorias - conjunto deconhecimentos agrupados e organizados numa doutrina

    que visa explicar os fenmenos naturais e sociais.

    mile Durkheim

  • Rede e-Tec Brasil

    Unidade 2 - Duas tendncias tericas no estudo da sociedade: elementos e caractersticas

    do Funcionalistmo e do Materialismo Dialtico 29

    E como em qualquer ser vivo, cada parte do organismo tinha uma funo. Caso esse rgo estivesse bem integrado ao ser vivo e desempenhando o seu papel, estaria assegurada a sade do organismo. Caso contrrio, a parte que apresentasse problemas (disfuno) comprometeria o bom funcionamento de todo o organismo e o levaria a um estado doentio.

    O mesmo ocorreria com as sociedades humanas. Cada grupo, seg-mento ou classe social visto como se fosse um rgo do ser vivo chamado sociedade. Se todos estivessem unidos, bem integrados, em harmonia e equilbrio, a sociedade como um todo funcionaria bem. Caso contrrio, ocorreriam perturbaes que levariam s crises e s disfunes sociais. Era a doena social. Portanto, assim como num ser vivo, a sociedade apresentaria estados saudveis e doentios.

    E qual seria o papel da Sociologia para Durkheim em toda essa histria? Como tinha uma viso positiva da sociedade industrial, buscou o entendi-mento dos problemas sociais para corrigi-los. Sua preocupao era com o bom funcionamento da sociedade, com a ordem e o controle social. Para ele, a sociologia tinha por finalidade no s explicar a sociedade, como tambm encontrar remdios para a vida social (COSTA, 1987, p. 53).

    Os fatos sociais, segundo Durkheim, apresentavam trs caractersticas. A primeira delas era a coero social, ou seja, a capacidade de o fato social se fazer respeitar, se impor. O indivduo era frgil para contrariar alguns fatos sociais, como o idioma, as leis e a educao que recebe da famlia e da escola.

    Dessa forma, acabava obedecendo s regras da sociedade, sem se opor. Era como lutar contra a correnteza de um rio, voc j tentou? Para Durkheim, o fato social era essa correnteza po-derosa que arrastava a todos. O indivduo, inca-paz de venc-la, era levado por ela.

    A segunda caracterstica era a de que os fatos sociais so exteriores ao indivduo. Existem e atuam sobre ele independentemente de sua vontade ou de sua aceitao consciente. Os fatos sociais existem antes do nascimento das pessoas e so por elas assimilados por meio da educao e de outras formas de coero.

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 30

    Segui-los significa garantir o bom funcionamento da sociedade. O seu descumprimento poderia ocasionar as crises sociais, ou seja, a doena da sociedade.

    aquela histria: se o caminho j existe, o cho j batido, para que correr riscos e entrar no mato em busca de outras trilhas? O melhor seguir o que j est pronto. Era o que Durkheim defendia.

    A generalidade era a ltima caracterstica do fato social. Para ser um fato social, determinado acontecimento deve ocorrer para todas as pessoas ou para a maioria delas. Deve ser algo comum na vida das pessoas, como um emprego, a forma de se vestir, a habitao etc.

    Assim, um fato social seria normal quando se apre-sentasse de forma generalizada pela sociedade. Acontecendo para a maioria dos indivduos, repre-sentando a vontade geral, o fato social contribuiria para a sade do organismo social.

    Para Durkheim, ento, o que seria uma sociedade sadia? Uma socieda-de na qual a vida social fosse harmnica, em que reinasse o consenso, ou seja, onde a maioria pensasse e agisse de forma semelhante, levada pelos fatos sociais que so impostos por meio da educao e por outras formas de coero social. Uma sociedade em que os indivduos fossem impotentes para mudar o que estava posto, ou seja, uma sociedade es-tvel, pronta, toda organizada, que no permitisse grandes mudanas.

    Levando-se em considerao o que voc j aprendeu sobre a sociedade do sculo XIX na unidade anterior, voc acredi-ta que seria possvel construir uma sociedade sadia e livre de disfunes, como pregava o pensador francs? Por ltimo, a quem interessaria a teoria funcionalista?

    Se comparssemos a sociedade a uma casa, as disfunes sociais (as greves, as revoltas provocadas pela fome, o desemprego, a misria, etc.) demonstrariam que a construo estaria abalada.

    O remdio da teoria funcionalista eram algumas reformas (uma cesta bsica, um pequeno aumento salarial, a diminuio da jornada de

  • Rede e-Tec Brasil

    Unidade 2 - Duas tendncias tericas no estudo da sociedade: elementos e caractersticas

    do Funcionalistmo e do Materialismo Dialtico 31

    trabalho etc.), ou seja, uma pintura, um reboco nas rachaduras das paredes, uma troca de telhas, mas sem mexer na estrutura da obra (a propriedade privada que ocasionava o enriquecimento de poucos e a misria de muitos).

    TTais reformas superficiais interessariam aos privilegiados, que desfru-tavam da riqueza e das conquistas da modernizao da sociedade, que desejavam poucas mudanas para que as coisas ficassem como esta-vam. A teoria funcionalista interessava, principalmente, burguesia.

    E voc? Acredita que as pequenas reformas so suficientes ou necessria uma mexida nos pilares, nas fundaes, ou seja, na estrutura dessa casa chamada sociedade para acabar com os seus abalos?

    Veremos, a seguir, como a segunda teoria, o Materialismo Dialtico, observa esses mesmos fenmenos.

    2.2 O Materialismo Dialtico O Materialismo Dialtico foi concebido por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Esses dois pensadores preocupavam-se com os efeitos da Revoluo Industrial que aumentou a produo das riquezas de forma extraordinria e tambm acarretou a misria de milhes de trabalhadores.

    Eles desejavam encontrar uma alternativa para a humanidade, base-ada em relaes sociais de cooperao e distribuio igualitria da riqueza. Sugeriam uma sociedade socialista, livre da explorao do homem pelo homem.

    Ao conceberem suas teses socialistas, Marx e Engels utilizaram como referncia a teoria filosfica chamada Materialismo Dialtico. O pri-meiro desafio para ns compreendermos essa teoria entender o sig-nificado das palavras materialismo e dialtica.

    O materialismo afirma que tudo o que forma o mundo que est a nossa volta material. assim, a explicao da realidade, dos fenmenos, dos mistrios do mundo, antes resolvidos pelas re-ligies, deve ter como referncia a matria.

    Karl Marx

    Friedrich Engels

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 32

    a dialtica v a realidade material composta no por ajustes de harmonia, mas por contradies. Elas se expressam em con-flitos que levam a permanentes transformaes. Ou seja, pela viso materialista-dialtica, nada no mundo est acabado. as coisas, o mundo, as pessoas esto mudando sempre.

    Pare para pensar: nada est acabado, tudo muda sempre. Voc j notou como as coisas sua volta mudam sempre? Repare no seu bairro, na sua rua, na sua casa, na avenida onde fica a sua escola. Com o passar do tempo, eles se modificaram. uma pena que voc no tirou fotografias durante esses anos para comparar as transformaes que esses locais sofreram.

    E voc, por acaso a mesma pessoa de um ms, um ou dez anos atrs? Certamente no. O seu contato com as pessoas, com o mundo, com a sociedade fez com que voc ao mesmo tempo modificasse e fosse modificado. dessa forma que o materialismo dialtico tenta explicar a realidade. Nada est pronto, acabado. A realidade est em permanente transformao.

    Mas quais so os princpios do Materialismo Dialtico que explicam os fenmenos naturais e sociais? Um deles o Princpio da Tota-lidade. Segundo ele, tudo se relaciona dentro de um conjunto. A natureza um todo, onde os componentes esto ligados entre si, influenciando-se uns aos outros.

    Por exemplo, os cientistas esto prevendo que o aumento da tempe-ratura provocado pela ao das indstrias ocasionar enchentes que destruiro algumas cidades, principalmente as da Europa. O chamado efeito estufa faz subir a temperatura da Terra. Isso provoca o derreti-mento de gelo nos polos Norte e Sul. O gelo derretido causa o aumen-to do volume da gua nos mares. Estes, por sua vez, com mais gua, invadem os continentes e as cidades prximas do litoral. Voc percebe que todos esses elementos esto relacionados, influenciando-se?

    Um segundo princpio o da Mudana Qualitativa. Ele afirma que as mudanas no acontecem num mesmo ritmo. Pequenas mudanas quantitativas podem ocasionar uma mudana qualitativa, marcada por transformaes radicais.

  • Rede e-Tec Brasil

    Unidade 2 - Duas tendncias tericas no estudo da sociedade: elementos e caractersticas

    do Funcionalistmo e do Materialismo Dialtico 33

    Engels exemplificou esse princpio com a experincia da gua quando colocada para ferver. O aumento escalonado da temperatura em graus pode ser considerado como a mudana quantitativa. Num dado momen-to, quando a temperatura atinge 100 C, a gua ferve. Nesse momento, acontece a mudana mais profunda, a transformao qualitativa: a gua muda do estado slido para o gasoso, quando evapora. Ou seja, o acmu-lo das mudanas quantitativas - o aumento da temperatura da gua em graus - gera a mudana qualitativa - a fervura da gua e sua transforma-o em vapor. Esse princpio tambm conhecido como a Lei dos Saltos.

    Vejamos um outro exemplo da aplicao do Princpio da Mudana Qualitativa, agora na sociedade, que o que mais nos interessa. Ge-ralmente as revolues, que expressam a mudana qualitativa, so precedidas de mudanas quantitativas.

    Na Revoluo Francesa, por exemplo, a queda da Bastilha e seus des-dobramentos - o salto - foram precedidos da divulgao dos prin-cpios liberais, da organizao da burguesia, das greves operrias, das manifestaes populares, ou seja, de mudanas quantitativas que, gradativamente, levaram grande revoluo, a mudana qualitativa.

    Um terceiro princpio do Materialismo Dialtico o da Contradio Universal. Por ele, as mudanas acontecem porque a realidade for-mada por foras contrrias que ao mesmo tempo se unem e se opem.

    Na sociedade capitalista, por exemplo, temos duas classes sociais mais importantes: a burguesia e o proletariado. Elas se opem, tm interes-ses diferentes e antagnicos e, por isso, esto em constante choque.

    A burguesia quer cada vez mais lucro. Para isso, precisa pagar um salrio menor e exigir uma jornada maior de trabalho dos operrios. J estes lutam por melhores condies de vida e de trabalho que, para serem conquistadas, exigem arrancar da

    burguesia melhores salrios e uma jornada de trabalho menor. Esto em luta constante porque seus interesses so opostos, percebeu? Ao mesmo tempo, a burguesia e o proletariado se

    unem na organizao da produo. Voc entende que os traba-lhadores consideram o desemprego como sua maior ameaa? E que os patres vivem atrs de mo de obra qualificada?

    Portanto, unem-se e opem-se, simultaneamente.

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 34

    O ltimo princpio do Materialismo Dialtico o do Movimento. Ele afirma que nada est pronto, completo. Tudo se transforma constan-temente. E, se no est acabado, move-se. E o que faz a realidade se mover? justamente a existncia de foras contrrias que se chocam a todo momento.

    Peguemos o exemplo anterior dos interesses contrrios entre a bur-guesia e o proletariado. No incio da Revoluo Industrial, a bur-guesia impunha aos trabalhadores uma jornada de dezesseis horas dirias. Era muita explorao! Com greves e enfrentamentos contra a burguesia, os trabalhadores, no sculo XX, conseguiram uma jor-nada diria de oito horas. Ou seja, os interesses contrrios entre as duas classes fizeram com que a realidade se mexesse, criando uma nova situao, sempre inacabada.

    Acreditamos que voc percebeu que, diferentemente do que defen-de a teoria funcionalista, a sociedade vista pelo Materialismo Dial-tico no harmnica, nem tampouco equilibrada. Vale lembrar que a sociedade observada com o auxlio das duas teorias a mesma, entretanto sob duas diferentes vises e olhares. Ela contm perma-nentes choques de foras contrrias, os quais permitem mudanas constantes.

    Isso significa que a realidade presente pode ser modificada, que a estrutura da sociedade transitria. Tudo vai depender do resultado da luta entre as classes com interesses contr-rios. Por isso, o Materialismo Dialtico no aceita afirmaes como as coisas sempre foram assim e assim sempre sero ou sempre existiram ricos e pobres, e nada vai mudar isso. Com o Materialismo Dialtico, a sociologia ganhou uma viso crtica e a classe trabalhadora, a esperana de construir uma sociedade mais justa.

  • Rede e-Tec Brasil

    Unidade 2 - Duas tendncias tericas no estudo da sociedade: elementos e caractersticas

    do Funcionalistmo e do Materialismo Dialtico 35

    REsUMoComo voc observou, a Sociologia surgiu tendo como objeto de an-

    lise a sociedade contempornea marcada pelas profundas mudan-

    as advindas das Revolues Francesa e Industrial. Tais mudanas

    reforaram as desigualdades sociais, concentrando as riquezas nas

    mos da burguesia e empobrecendo os trabalhadores. Dessa forma,

    a burguesia e o proletariado, classes sociais com interesses diferen-

    tes, passam a disputar a hegemonia da sociedade por meio de ideias

    sistematizadas em teorias sociais.

    O Funcionalismo, concebido por mile Durkheim, pregava a estabili-

    dade da realidade natural, usando como paradigma a solidariedade

    que os diversos rgos de um ser vivo devem ter para que este fun-

    cione adequadamente. A disfuno de algum rgo comprometeria

    todo o organismo, provocando o seu adoecimento.

    Tal situao se aplicava tambm sociedade. Se no houvesse uma

    cooperao entre as diversas classes, o organismo social adoeceria,

    levando-o a um estado que Durkheim denominava de anomia. Assim,

    diante dos conflitos sociais, eram necessrias reformas para que o

    funcionamento da sociedade fosse harmnico. Como tais reformas

    no mexeriam na estrutura da sociedade, marcada pela explorao

    das classes proprietrias sobre os trabalhadores, a teoria funciona-

    lista defendia a estabilidade social que interessava burguesia.

    J o Materialismo dialtico, concebido por Marx e Engels, defendia

    que o mundo estava em constante mudana. Esses autores tinham

    uma viso crtica da sociedade contempornea, marcada pela explo-

    rao do trabalho e a propriedade privada. Dessa forma pregavam

    a revoluo socialista, condio indispensvel para profundas trans-

    formaes das relaes sociais e a construo de um mundo livre da

    explorao do homem pelo homem.

    O Materialismo Dialtico interessava classe trabalhadora e consti-

    tua-se na esperana de construo de uma sociedade justa.

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 36

    1. Faa uma pesquisa sobre as biografias de Durkheim e Marx. Procure verificar a trajetria dessas vidas, onde nasceram, a origem social, o que os motivou a construir suas ideias e obras,

    o que defendiam, como pensavam o mundo. Verifique na biblioteca de sua escola. A internet tambm uma boa opo de pesquisa.

    2. Diante dos conflitos presentes na sociedade brasileira, qual das te-orias voc pensa que poderia contribuir para a construo de um pas mais justo? Por qu? Faa um pequeno texto e reforce seus argumentos com caractersticas da teoria escolhida.

    Voc estudou, no decorrer dessa unidade, duas teorias

    que procuravam explicar a sociedade contempornea: o

    Funcionalismo e o Materialismo Dialtico. Nas unidades

    3 e 4 voc ter a oportunidade de verificar como essas

    teorias que pregam a conservao e transformao da so-

    ciedade se manifestaram na educao. Prossigamos nossa

    viagem, cuja prxima estao a unidade 3. Voc estuda-

    r como o Funcionalismo e o Liberalismo influenciaram

    teorias pedaggicas.

  • Rede e-Tec BrasilAula 1 - Nome da aula 37

    Unidade 3

    Educao na perspectiva conservadora: o registro conservador de mile

    Durkheim e a influncia do

    pensamento liberal de john

    Dewey e da teoria do

    Capital Humano

  • Caro/a estudante

    Como voc observou na unidade anterior, as transformaes so-

    ciais ocasionadas pelas revolues Industrial e Francesa provo-

    caram anlises diferentes da sociedade moderna.

    Por um lado, formou-se uma percepo conservadora que bus-

    cava manter a ordem e a estabilidade social, corrigindo algumas

    disfunes derivadas do progresso econmico em curso. Essa

    viso contribuiu para a formao de uma Sociologia conserva-

    dora, expressa em vrias teorias, como a funcionalista. Tal viso

    interessava, sobretudo, burguesia que no desejava profundas

    modificaes na sociedade capitalista.

    Por outro lado, surgiu uma viso crtica dos efeitos produzidos

    pelas revolues Industrial e Francesa. Tendo como base a filoso-

    fia materialista-dialtica, essa leitura da realidade considerava a

    sociedade capitalista transitria e apostava em novas revolues

    que conduzissem a humanidade a uma organizao social regida

    por relaes cooperativas e igualitrias. Tal teoria interessava,

    sobretudo, aos trabalhadores e aos partidrios do socialismo.

    Veremos nessa unidade como a viso conservadora da socieda-

    de se expressou em diversas maneiras de interpretar a relao

    entre a educao e a sociedade. Nossa viagem prossegue, assim,

    entrando no sculo XX.

    Inicialmente, estudaremos a contribuio de mile Durkheim e

    sua viso de educao como socializadora das novas geraes.

    Depois, o trabalho de John Dewey, influenciado pelos princpios

    liberais e defensor da educao democrtica. E, por ltimo, j

    na segunda metade do sculo XX, a contribuio de Theodore

    Schultz e sua Teoria do Capital Humano, que associa a educao

    ao desenvolvimento econmico da sociedade. As vises crticas

    da educao sero estudadas na unidade 4.

    Ao final desta unidade esperamos que voc consiga compreen-

    der as caractersticas de cada uma das teorias pedaggicas con-

    servadoras e identificar para que tipo de formao humana essas

    teorias contribuem.

    Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 38

  • 3.1 Durkheim - a educao como socializadora das novas geraesA educao, para Durkheim, um fato social. Assim sendo, ela co-ercitiva, ou seja, imposta s pessoas, independentemente de suas vontades, por serem incapazes de reagir diante da ao educativa. Voc se lembra da correnteza que tudo arrasta e da impotncia do indivduo em nadar contra ela? Pois , a educao tem esse poder da correnteza, segundo o pensador francs.

    Essa caracterstica coercitiva da educao fundamental para sociali-zar os indivduos. Na viso de Durkheim, as pessoas tm incorporadas em si dois seres. O primeiro o ser individual, que se caracteriza pelos estados mentais de cada um e pelos aspectos de sua vida pessoal. O segundo o ser social, voltado para os comportamentos relacionados sociedade em que vivemos.

    A sociedade, para Durkheim, composta dos seres socializados e in-tegrados s regras do seu grupo. Assim como cabe Biologia repassar a herana gentica que caracteriza os aspectos individuais de cada ser humano, cabe educao a tarefa da transmisso das tradies e de cdigos s pessoas para adapt-las convivncia social.

    Constituir esse ser social em cada um de ns - tal o fim da educao

    (DURKHEIM, 1975, p. 43).

    Durkheim aponta duas condies para que haja educao. A primeira que exista uma gerao de pessoas adultas e uma outra de jovens. A segunda condio que a ao educativa seja exercida pela gerao mais velha sobre a jovem. A gerao mais velha j est socializada e cabe a ela repassar os cdigos de convivncia social gerao mais jovem. Essa concepo de educao assemelha-se a uma estrada de mo nica.

    A ao educativa de cima para baixo, da gerao adulta para a gerao de crianas e adolescentes. Os mais novos s recebem o co-nhecimento. Parecem vazios, nada tm a repassar. J os mais velhos s transmitem. Parecem estar cheios, completos. Em boa parte das esco-las brasileiras, a relao entre professores e alunos se d dessa forma: o professor sabe tudo e o aluno nada tem a contribuir.

    Rede e-Tec Brasil

    Unidade 3 - Educao na perspectiva conservadora: o registro conservador de mile Durkheim

    e a influncia do pensamento liberal de John Dewey e da teoria do Capital Humano 39

  • Voc no acha que esse modelo de educao contraria aquele princpio da dialtica de que tudo se movimenta, se transfor-ma, e, portanto, nunca est completo? E que todos, adultos e jovens, professores, funcionrios e alunos, na relao que es-tabelecemos, aprendem e ensinam, apesar das diferenas de conhecimento, idade e responsabilidades de cada um?

    Para Durkheim, a educao deveria, ao mesmo tempo, ter uma base comum e diversificada. O que significa isso? Significa que, apesar das diferenas de classes sociais, todas as crianas devem receber ideias e prticas, que so valores do seu povo, da sua nao. Essa seria a base comum da educao, pois contm os conhecimentos que deveriam ser compartilhados por todos.

    Entretanto, num dado momento da vida, a educao deveria ser diferen-ciada. Isso porque os jovens devem ser preparados, a partir desse momen-to, para assumir os seus papis na sociedade (conforme a diviso social do trabalho e a especializao), dentro da classe social a qual pertencem.

    segundo Durkheim, h homens que devem ser preparados para refletir, para pensar, para serem os dirigentes do pas, seja nas empresas, seja no governo, enquanto outros devem ser educa-dos para a ao, para a execuo do trabalho manual e a obe-dincia. Essa uma funo importante da educao na viso de Durkheim: preparar os homens para desempenharem os diferen-tes e harmnicos papis sociais.

    3.2 Os ideais liberais e a educao O triunfo da Revoluo Francesa significou, tam-bm, a vitria dos ideais liberais na sociedade con-tempornea. Como vimos na unidade I, esses ide-ais foram utilizados para derrubar a monarquia e tornar a burguesia em classe dominante, tanto na direo do Estado como na direo da sociedade.

    Um dos aspectos centrais do liberalismo a vin-culao entre o desenvolvimento social e a edu-cao. O progresso da sociedade est ligado

    Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 40

  • liberdade de cada indivduo. Depende de ele poder, graas instruo garantida pelo Estado, desenvolver suas aptides e potencialidades.

    Vale lembrar que os pases desenvolvidos conseguiram garantir educao a todos os seus cidados h quase cem anos, enquanto no Brasil a cons-truo de um sistema pblico de ensino que oferte escolarizao gratuita, de qualidade e democrtica para toda a sociedade ainda um desafio.

    O respeito individualidade do aluno uma das marcas da educao liberal. E tambm de rompimento com a escola tradicional, que dava excessiva importncia, nos processos educativos, s geraes mais ve-lhas em detrimento das geraes jovens, como vimos no pensamento pedaggico de Durkheim.

    A escola vista como fator de desenvolvimento social e da democracia o centro do pensamento de John Dewey, professor americano fun-dador da chamada Escola Nova. As ideias de Dewey foram trazidas para o Brasil por Ansio Teixeira, um dos maiores educadores do nosso pas. J a educao como fator de progresso econmico materializa-da na Teoria do Capital Humano, desenvolvida por Theodore Schultz, entre outros.

    Antes de estudarmos as particularidades da Escola Nova e da Teoria do Capital Humano, consideramos muito importante que voc entenda que essas duas abordagens so baseadas nos princpios do liberalis-mo. Por essa razo, vamos descrever seus princpios bsicos, os valores mximos que sustentam o pensamento liberal.

    o primeiro princpio liberal o individualismo. o indivduo deve ser respeitado pela dignidade adquirida pelo nascimento, bem como por seus talentos prprios e aptides. ao governo cabe per-mitir e garantir a cada indivduo o desenvolvimento de seus talen-tos, em competio com os demais, ao mximo de sua capacidade.

    Assegurado o desenvolvimento mximo das potencialidades de cada indivduo, o sucesso ou o fracasso na vida responsabilidade de cada um e no da sociedade. Por meio do Individualismo, o liberalismo defende a sociedade dividida em classes e justifica que o acesso a po-sies sociais favorveis depende do esforo de cada sujeito, uma vez que as oportunidades so dadas a todos.

    Rede e-Tec Brasil

    Unidade 3 - Educao na perspectiva conservadora: o registro conservador de mile Durkheim

    e a influncia do pensamento liberal de John Dewey e da teoria do Capital Humano 41

  • o segundo princpio liberal o da liberdade. Este visto como condio necessria para a defesa da ao e das potencialida-des individuais. Trata-se de um princpio bsico e profundamen-te ligado ao individualismo: antes de qualquer coisa, o indiv-duo precisa ser livre. Prope-se liberdade entre os indivduos para obter sucesso e conquistar melhor posio na sociedade em funo de seus talentos.

    Esse princpio utilizado para combater aquelas pessoas que tinham privilgio de nascimento, como os nobres, durante a monarquia. Tal princpio defende tambm as liberdades coletivas, como, por exem-plo, a liberdade religiosa, a liberdade poltica etc. As liberdades cole-tivas so decorrentes da liberdade individual que assegurada pela sociedade democrtica.

    o terceiro princpio o da propriedade privada. Ela vista como um direito natural, livre de qualquer usurpao. Deve ser asse-gurada pelo Estado. a propriedade da terra e dos bens de pro-duo deixa de ser um privilgio da nobreza feudal para ser a condio de progresso individual e de desenvolvimento econ-mico. a propriedade uma continuao do corpo humano, uma forma de a pessoa se ligar natureza, de crescer e desenvolver suas potencialidades.

    Entretanto, o liberalismo celebra o direito propriedade indi-vidual e burguesa, sem se preocupar se todos os cidados, to-das as famlias, tm acesso propriedade de fato: moradia, aos bens materiais de consumo e produo. Como voc v a distribuio de terra, de moradia e de renda no Brasil e em sua cidade? O direito posse, ao uso e ao documento dos bens assegurado a todos?

    o quarto princpio o da igualdade, que, para o liberalismo, no significa igualdade de condies materiais, mas igualda-de perante a lei. segundo ele, como os homens tm diferentes potencialidades e se educam em diferentes condies, seria im-possvel uma pretensa igualdade social. Isso visto, portanto, como um mal, pois provocaria padronizao dos indivduos e o desrespeito individualidade de cada um. Dessa viso origina--se a igualdade de direito e desigualdade de fato.

    Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 42

  • Fica evidente que o governo no assegura, na esfera educacional, o pleno desenvolvimento das potencialidades de todos os cidados, principalmente daqueles de origem humilde. Mas imaginemos que o Estado assegurasse uma escola igualitria para todos. Ou seja, inde-pendentemente da origem social, todo indivduo teria uma escola de qualidade que garantisse o mximo aperfeioamento de seus talentos e aptides. Levando-se em considerao que vivemos numa sociedade capitalista, isso seria o suficiente para garantir a igualdade?

    As diferenas de talentos entre os indivduos so resolvidas pelo es-tabelecimento de regras jurdicas que regulamentam a competio entre os homens. Pelo princpio da igualdade, todos tm direito pro-priedade, liberdade, proteo da lei.

    Ou seja, garantida a igualdade jurdica a todos independentemente de sua classe social.

    Voc acredita que a igualdade jurdica assegurada no Brasil? Em nosso pas, 12% ainda so analfabetos e boa parte de nossas crianas e jovens no est matriculada na educao infantil e no ensino mdio. Isso j contraria o princpio liberal da igualdade, pois, se h igualdade jurdica, todos deveriam estudar. Aprofundando: daqueles que esto estudando, todos tm um ensino pblico de qualidade? A qualidade assegu-rada de forma igualitria nas escolas pblicas localizadas nos bairros ricos, de classe mdia e nos bairros pobres?

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    e a influncia do pensamento liberal de John Dewey e da teoria do Capital Humano 43

  • o quinto princpio liberal o da democracia. Uma vez que seria impossvel o povo reunir-se permanentemente, a democracia liberal consiste no direito de todos participao no governo por meio de representantes eleitos. segundo esse princpio, os representantes eleitos pelo povo deveriam defender os desejos da maioria e no interesses particulares que lesassem a nao.

    No caso do Brasil, nossos representantes so os vereadores na esfera municipal; os deputados estaduais, em cada Estado; e os deputados federais e os senadores, no plano federal.

    Em sua opinio, assim que funciona a nossa democracia? Na escola, o princpio da gesto democrtica nos chama parti-cipao para construirmos juntos os processos educacionais.

    Como tem sido essa prtica em seu ambiente de trabalho? Ao delegar a alguns o direito de decidir por ns, no estaramos repetindo me-canismos de representao? S isso basta? Ou existem mecanismos de participao direta de todos os envolvidos no processo educativo? Faa uma discusso com seus colegas de trabalho sobre essas questes e registre no seu memorial os resultados.

    A garantia da aplicao dos princpios liberais para todos seria a con-dio para a formao de uma sociedade aberta. A educao seria um instrumento importante para o desenvolvimento mximo das po-tencialidades e aptides de cada indivduo. A igualdade jurdica seria assegurada a todos, impedindo os privilgios de nascimento ou de credo. Livres, iguais constitucionalmente, todos os indivduos pode-riam desenvolver seus talentos e competir entre si.

    Os mritos de cada um determinariam o seu sucesso, sua po-sio mais favorvel na sociedade, seus privilgios. Voc v a nossa sociedade desta forma? Ser que a maioria dos indiv-

    duos usufrui da aplicao dos princpios liberais e tem a oportunidade de melhorar suas aptides, progredindo na vida? Faa uma discusso com seus colegas de trabalho sobre essas questes e registre no seu memorial os resultados.

    Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 44

  • 3.3 Dewey e a Escola Nova John Dewey foi um norte-americano, professor de Filosofia, que nas-ceu em 1859 e faleceu em 1952. Dedicou sua vida para a fundao de uma nova escola, voltada para a constituio de uma sociedade verdadeiramente democrtica.

    Dewey viveu numa poca em que o sistema capitalista passava por profundas transformaes. A cincia contribua para essas mudanas intensas. O avio e o automvel haviam sido inventados. O petrleo surgia como fonte de energia. A eletricidade era utilizada intensamen-te na melhoria do processo de produo de bens. Surgia o telefone, revolucionando as comunicaes.

    Embora vivendo crises econmicas e polticas (Primeira Guerra Mun-dial, Revoluo Russa, quebra da Bolsa de Nova York), o capitalismo seguia progredindo, alterando a realidade social em busca de lucro.

    Quem era o homem dessa sociedade moderna? Era ainda um ser tradicional, preso a valores antigos. Subordinado aos ditames da ci-ncia, a modelos j estabelecidos que ele deveria seguir. Vivia numa sociedade capitalista na qual nem todos os valores liberais estavam plenamente cultivados, principalmente os da democracia, e onde as mudanas polticas eram vistas com receio. Era, portanto, um indiv-duo dependente, que carecia de autonomia, de iniciativa num mundo marcado por mudanas constantes.

    Para Dewey, a escola deveria ser um ambiente de formao de um novo homem. Para isso, a sociedade no poderia ofertar uma edu-cao qualquer. Deveria oferecer um processo educativo vivenciado em uma nova escola, pautada em valores democrticos. As prticas democrticas deveriam ser observadas na relao professor-aluno, no material didtico utilizado, nos mtodos pedaggicos aplicados. Todas as aes dessa nova escola deveriam estar voltadas para um objetivo: ter o aluno como ator principal no ambiente escolar.

    Dewey pensou e criou um novo ambiente escolar para desenvolver sua proposta pedaggica. A escola uma instituio em que os indi-vduos passam boa parte de suas vidas, transitam da infncia para a maioridade. Esse longo perodo de escolarizao deveria ser utilizado para a realizao de experincias concretas. Assim, o processo edu-

    john Dewey

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    e a influncia do pensamento liberal de John Dewey e da teoria do Capital Humano 45

  • cativo ofereceria aos educandos condies para que resolvessem por si ss seus problemas.

    a experincia um conceito central no pensamento de Dewey. Ele discordava da afirmao - oriunda dos adeptos da escola tradicional - de que a educao prepara para a vida modelada pelas geraes adultas; para ele, a educao a prpria vida. a escola deveria ser um local de experimentao onde os alunos teriam um papel ativo no processo de investigao.

    Uma escola atuante permitiria o surgimento do esprito de iniciativa e independncia, alm da aquisio de autonomia e autogoverno. Essas habilidades se constituem como virtudes de uma sociedade verdadeiramente democrtica e se opem ao ensino tradicional que valoriza a obedincia.

    A escola nova requer trabalhadores em educao bem preparados. O educador deve ser sensvel para motivar os alunos; perspicaz para des-cobrir o que motiva as crianas e o que desperta seus interesses. Tendo como ponto de partida os interesses dos alunos, estes se entregariam s experincias que, por sua vez, ganhariam um verdadeiro valor educativo.

    Ao mesmo tempo, uma escola democrtica, que prioriza os alunos e suas inquietaes, desenvolve outras virtudes, como o esforo e a dis-ciplina. A escola seria, ento, um laboratrio, um local de experincias que, purificado das imperfeies da sociedade, formaria sujeitos ca-pazes de influir positivamente no meio social, implementando novas estruturas democrticas.

    A nova escola formaria indivduos aptos para uma vida social coopera-tiva, em que as decises so obtidas por meio de acordos amparados na livre participao de todos. Ao mesmo tempo, a educao estaria sintonizada com as mudanas que ocorrem no mundo. E propiciaria oportunidades para todos alcanarem as conquistas asseguradas pela sociedade democrtica.

    A educao atuaria assim, na renovao constante dos costumes e no na sua preservao. No entanto, tal renovao de costumes tem como limite a sociedade democrtica. Caso fosse supostamente atin-gida essa meta, no haveria o que mudar na sociedade.

    Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 46

  • Dewey pregava por meio de um profundo processo educativo demo-crtico, uma reforma total da sociedade. Mas, sendo um liberal, tais mudanas defendidas pelo criador da Nova Escola no deve-riam eliminar os privilgios da sociedade burguesa, uma vez que foram conquistados democraticamente.

    No Brasil, esses princpios foram trazidos por educadores que sofreram a influncia de Dewey, em especial Ansio Teixeira, constituindo, aqui, um iderio prprio realidade nacional, ca-rente de espaos pblicos de educao para todos.

    A ideia da educao como ponto de partida, como direito de todos e de cada um, foi o que inspirou o lanamento do Manifesto dos Pioneiros da Educao, em 1932, em defesa de uma educao pblica, gratuita, laica, com igualdade para ambos os sexos, obrigatria e de dever do Estado. No foi fcil para Ansio lutar pela escola democrtica, com formao comum para todos, numa sociedade onde estudar era privilgio e os governos autoritrios se sucediam.

    3.4 A Teoria do Capital Humano Existe alguma relao entre o desenvolvimento de um pas e a educa-o de sua populao? A Teoria do Capital Humano afirma que sim. Ela foi elaborada por alguns economistas, entre eles Theodore Schultz, que ganhou o prmio Nobel de Economia em 1979 pela defesa dessa tese.

    Realmente, uma observao atenta dos pases mais desenvolvidos do mundo constata a prioridade que essas naes deram educao. J no sculo XIX, construram sistemas de ensino que garantiram a esco-larizao de todo o seu povo.

    Na dcada de 1960, vrios economistas tentaram arranjar uma expli-cao para o enorme desenvolvimento da economia de alguns pases, sobretudo da Europa e do Japo. Muitos deles foram destrudos pela Segunda Guerra Mundial e, em poucos anos, reconstruram suas eco-nomias, apresentando ndices de crescimento surpreendentes.

    Alguns estudiosos como Frederick H. Harbison e Charles A. Myers acreditavam que somente o aumento de capital e trabalho no eram suficientes para explicar essas taxas de crescimento. Eles apontaram

    Teodore schultz

    ansio Teixeira

    Rede e-Tec Brasil

    Unidade 3 - Educao na perspectiva conservadora: o registro conservador de mile Durkheim

    e a influncia do pensamento liberal de John Dewey e da teoria do Capital Humano 47

    Leia mais sobre a Teoriado Capital Humano noendereo eletrnico http:// www.multirio.rj.gov.br/seculo21/texto_link.asp?cod_link=223&cod_ chave=3&letra=c

    Conhea o InstitutoNacional de Estudos ePesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep) no endereo eletrnico http:// www.inep.gov.br/

  • o investimento nos indivduos como o fator explicativo para o suces-so econmico. Tal investimento na fora de trabalho recebeu o nome de capital humano e apresentava a educao como principal recurso aplicado.

    A Teoria do Capital Humano muito polmica. Por um lado, pode ex-plicar o crescimento econmico, na dcada de 1980, de outros pases como Cingapura, Tailndia, Coria do Sul, os chamados Tigres Asiti-cos, que fizeram verdadeiras revolues nos seus sistemas de ensino. Por outro, no d conta de justificar o crescimento da economia de algumas naes latino-americanas, entre elas o Brasil, nas dcadas de 1960/70, que no apresentaram profundas modificaes nas suas estruturas educacionais.

    Atualmente dominante a tese de que a educao tem um papel fundamental nos processos de desenvolvimento. Algumas agncias internacionais, como o Banco Mundial e a Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (Unesco), argumentam que os pases pobres devem investir na educao de seu povo para superar suas alarmantes taxas de pobreza.

    Recente reunio da Unesco recomendou o investimento pblico na educao de pelo menos 6% do Produto Interno Bruto (PIB), por to-dos os pases. Uma sociedade que no se importa com a educao de seus filhos condena o seu futuro, afirmou Frederico Maior, dire-tor-geral da Unesco, em 1996.

    bem verdade que outros fatores esto na raiz da pobreza das naes do Terceiro Mundo, como a sua insero subordinada no mercado mundial e a excessiva concentrao de renda. E o

    Brasil tem alguma meta de investimento de seu PIB na educao? Pes-quise o Plano Nacional de Educao e verifique se h um plano voltado para seu Estado ou Municpio.

    Mas em que consiste a teoria do capital humano? Ela afirma que os indivduos que tm acesso escolarizao formal tornam-se mais ca-pacitados para o trabalho e, em decorrncia disso, tornam-se mais produtivos porque adquiriram, por meio da educao, conhecimento intelectual e habilidades.

    Conhea mais sobre otrabalho da UNESCO

    no Brasil no endereoeletrnico http://www.

    unesco.org.br/

    Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 48

  • A taxa de mais-valia a forma que assume a explorao do trabalho na produo capitalista. O trabalhador produz um determinado bem, mas no recebe o valor total desse bem que vendido no mercado. A mais-valia a diferena entre o valor do bem produzido e o salrio que o trabalhador recebe por tal tarefa. Essa diferena apropriada pelo capitalista um dos fatores que forma sua taxa de lucro.

    O aumento da produtividade faz aumentar a riqueza nacional e tam-bm a do trabalhador que passa a ter uma melhor remunerao. Dessa forma, esse processo apresentaria uma dupla vantagem para o pas: primeiro, a taxa de retorno social em funo do aumento da produo e do desenvolvimento econmico; segundo, a taxa de re-torno individual, que a recompensa expressa no aumento do salrio do indivduo instrudo.

    Como voc notou, a Teoria do Capital Humano satisfaz a todos: nao e aos indivduos treinados por meio da instruo recebida. Mas ser que o investimento na educao das pessoas consegue provocar toda essa harmonia, satisfazendo tanto a patres como a empregados e nao? Ou a taxa de retorno do que foi investido na qualificao de pessoal resulta na taxa de mais-valia, que aumenta o lucro do em-presrio capitalista? Com o trabalhador qualificado, produzindo mais riqueza, o maior beneficiado no seria o patro que se apropria da maior parte dessa riqueza?

    Como exemplo de mais-valia podemos citar uma situao des-crita no stio da internet: http:www.angelfire.com/id/SergioDa-Silva/valor.htm

    algum resolve lavar pratos em um restaurante e combina com o proprietrio que durante oito horas lavar quinhentos pra-tos em troca de 10 reais. Tanto para o trabalhador como para o dono do restaurante, o pagamento de 10 reais compensa o esforo de oito horas de trabalho.

    se o dono do restaurante comprar uma lava-loua eletrnica, o empregado ser capaz de lavar os quinhentos pratos em ape-nas seis horas. o trabalhador ir agora trabalhar apenas seis horas ou receber mais pelos pratos lavados nas duas horas excedentes?

    Possivelmente nenhuma das duas situaes: nem o trabalhador deixar o local de trabalho, nem o patro ir pagar mais. o nmero de pratos lavados na stima e na oitava horas mede a mais-valia: o valor a mais de trabalho no pago ao trabalhador que apropriado indevidamente pelo empregador. Esse um exemplo de mais-valia relativa.

    Rede e-Tec Brasil

    Unidade 3 - Educao na perspectiva conservadora: o registro conservador de mile Durkheim

    e a influncia do pensamento liberal de John Dewey e da teoria do Capital Humano 49

  • a mais-valia absoluta ocorreria se o dono do restaurante fos-se capaz de obrigar o empregado a fazer hora extra sem re-muner-lo. o economista moderno argumentaria que o capital (no exemplo, a lava-loua) tambm aumenta a produtividade. Marx, porm, achava que apenas o trabalho gerasse valor.

    A consequncia da aplicao dessas teses que o Estado deve investir em educao. Mas a educao ofertada para a classe trabalhadora no est voltada sempre para a apropriao do saber social produzi-do historicamente, para adquirir a herana cultural da humanidade. Como o Estado dominado por interesses particulares, a instruo oferecida est focada na contribuio que ela poder trazer aos neg-cios dos capitalistas. Por exemplo, se o mercado necessita de profissio-nais de informtica, a educao escolar se direciona para a formao de tcnicos dessa rea.

    a Teoria do Capital Humano estar preocupada, assim, com a formao de indivduos dotados de habilidades necessrias para o aumento da produtividade e dos lucros do capital. Ela refora alguns princpios liberais, como o individualismo e o di-reito propriedade. Refora tambm o esprito de competio entre as pessoas, passando a ideia de que os vitoriosos na vida foram aqueles que se esforaram e, portanto, merecem seu lo-cal privilegiado no mundo.

    REsUMo Conclumos, assim, o estudo das formas de enxergar a educao

    como um instrumento de conservao das relaes sociais existen-

    tes. Essas vises conservadoras pregam algumas reformas para corri-

    gir falhas da sociedade capitalista.

    A educao para Durkheim, por exemplo, tem a funo de transmitir

    as tradies culturais e as regras sociais. Para assegurar a inculcao

    dos valores dominantes, necessrio que a gerao adulta exera a

    ao educativa sobre a gerao mais jovem.

    Agindo assim, a educao contribui para o indivduo se adaptar

    vida social, para que as pessoas exeram sua funo social conforme,

    geralmente, sua origem de classe e para a conservao da sociedade.

    Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 50

  • J para Dewey, a educao deveria formar um novo homem, sintoni-

    zado com um mundo em constantes transformaes. Somente uma

    nova escola, que valorizasse a experincia, criaria as condies para

    o desenvolvimento de um ser autnomo e seria em um ambiente de

    vivncia democrtica, educando indivduos capazes de influir positi-

    vamente na sociedade, tornando-a mais cooperativa e participativa.

    Assim, a escola, vista como um laboratrio, contribuiria para as re-

    formas sociais e para a renovao dos costumes, dentro dos limites

    da sociedade capitalista.

    Por fim, a Teoria do Capital Humano relaciona educao e desenvolvi-

    mento econmico. Para ela, os pases que investiram na educao de

    seu povo conseguiram maior sucesso na economia. Um trabalhador

    qualificado consegue produzir mais e ser mais bem remunerado. Con-

    tribui, assim, para o crescimento do seu pas.

    Se for verdade que as naes industrializadas conseguiram ofertar

    instruo para todos os seus cidados, tambm verdade que os

    maiores beneficiados com o aumento da produtividade do trabalho

    com o incremento educacional foram os empresrios capitalistas,

    que deles retiram o maior lucro.

    1. Aponte as caractersticas da pedagogia Durkheiminiana, da Escola Nova e da Teoria do Capital Humano.

    2. Em sua opinio, que valores essas teorias pedaggicas transmitem para os educandos? Elas contribuem para a aceitao da sociedade como est conformada ou para uma viso crtica desta sociedade? Jus-tifique.

    3. Faa uma pesquisa sobre Ansio Teixeira, suas principais ideias e sua contribuio para a educao brasileira.

    Rede e-Tec Brasil

    Unidade 3 - Educao na perspectiva conservadora: o registro conservador de mile Durkheim

    e a influncia do pensamento liberal de John Dewey e da teoria do Capital Humano 51

  • Nesta unidade voc estudou o pensamento de Durkheim

    e sua manifestao na pedagogia por meio da Educao

    como socializadora das novas geraes. Estudou tambm

    os princpios liberais e a influncia destes, tanto na Escola

    Nova quanto na Teoria do Capital Humano. Na prxima

    unidade voc ver como a perspectiva crtica de socie-

    dade se manifestou na educao. Siga em frente e bons

    estudos.

    Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 52

  • Rede e-Tec Brasil

    Unidade 4 - Educao na perspectiva crtica: educao como reprodutora da estrutura de

    classes ou como espao de transformao social 53

    Unidade 4

    Educao na perspectiva crtica: educao como reprodutora da estrutura de classes ou como espao de transformao social

  • Educao, sociedade e trabalho: abordagem sociolgica da educaoRede e-Tec Brasil 54

    Caro/a estudante.

    Voc deve ter percebido que a educao pode servir para manter

    e reforar a sociedade burguesa. Foi o que estudamos na unidade

    anterior, quando analisamos trs maneiras de interpretar a relao

    entre a educao e a sociedade: a educao como socializadora

    das novas geraes, a Escola Nova e a Teoria do Capital Humano.

    Esses modos de interpretar a relao entre a educao e a sociedade buscam um aperfeioamento das relaes sociais no capitalismo, mas sem profundas transformaes. Tais teorias interessam, sobretudo, burguesia, classe dominante no sistema capitalista, mas exercem fasc-nio sobre as classes mdias e populares porque apresentam a educao como forma de ascenso social, como um elevador das pessoas a me-lhores posies na sociedade.

    Porm, existem outras vises. A educao pode servir para uma reflexo crtica sobre a sociedade capitalista, visando sua superao. Apoiando--se no materialismo histrico, a educao transformadora considera o capitalismo apenas como uma etapa da caminhada da humanidade e empenha-se na criao de condies para a realizao de novas revolu-es sociais que conduzam ao fim da sociedade capitalista e sua subs-tituio por uma organizao social regida por relaes cooperativas e igualitrias. Tal viso de educao interessa classe trabalhadora e aos defensores do socialismo.

    o materialismo histrico considerado a cincia do marxismo ou a forma de compreender a histria na tica marxista. Utilizando essa teoria, Marx analisou o processo histrico que permitiu a constituio da sociedade capitalista. Nessa anlise, Marx desta-ca alguns aspectos centrais.

    o primeiro deles o modo de produo, ou seja, como os ho-mens se organizam para produzir os bens necessrios sobrevi-vncia de determinada sociedade. outro aspecto a existncia de classes sociais na organizao social.

    No capitalismo, como j vimos, a burguesia a classe proprietria dos meios de produo e a classe trabalhadora no tem proprie-dade, somente sua fora de trabalho que vende ao capitalista.

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    Unidade 4 - Educao na perspectiva crtica: educao como reprodutora da estrutura de

    classes ou como espao de transformao social 55

    so classes antagnicas, que tm interesses diferentes, pois a primeira explora a segunda na produo dos bens necessrios manuteno da sociedade.

    outro aspecto importante do materialismo histrico a con-cepo de histria. Para Marx, a histria da humanidade a his-tria da luta de classes. Tanto no capitalismo, como nas forma-es sociais anteriores a esse sistema, o resultado da luta entre as classes, que esto em conflito permanente porque buscam alcanar seus interesses que so opostos, gera a movimentao da realidade social, o desenrolar da histria.

    quando a luta de classes atinge seu clmax, a classe subordina-da, dependendo de sua organizao e capacidade de influenciar outros grupos sociais, pode alcanar o poder. Foi o que aconte-ceu na Revoluo Francesa, quando a burguesia revolucionria, com o apoio de outros segmentos sociais oprimidos, desbancou do poder a nobreza e o clero.

    Para Marx, o capitalismo a ltima formao social em que subsistem contradies materiais. Com a ascenso da classe trabalhadora ao poder e a construo do socialismo, elimina--se a diviso entre classes proprietrias e no proprietrias. segundo Marx, com o advento do socialismo, a humanidade sai da pr-histria e entra na histria.

    Nesta unidade, veremos duas teorias na perspectiva crtica da

    educao. A primeira a educao como reprodutora da estrutura

    de classes, na viso do marxista do francs Louis Althusser. A se-

    gunda a educao e a escola como elementos de construo da

    contra-hegemonia, uma contribuio do pensador marxista italia-

    no Antonio Gramsci.

    Ao final desta unidade esperamos que voc consiga analisar as

    manifestaes da viso crti