organizações sociais ameaçam caráter público da educação federal

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Informativo Especial Brasília (DF) Outubro de 2015 InformANDES SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN Organizações sociais ameaçam caráter público da Educação Federal A Contrarreforma do Estado, concebida por Bresser Pereira na década de 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, ganha novos contornos para garantir maior inserção do Capital no Estado brasileiro. Com isso, o governo prepara o terreno para aprofundar a mercantilização da Educação Pública, com a possibilidade de contratação de docentes federais através de Organizações Sociais (OS). Diante desse cenário, a luta de resistência à implantação da gestão através das OS nas instituições federais de ensino, que tem conseguido barrar esses ataques, precisa ser ampliada e intensificada.

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Page 1: Organizações sociais ameaçam caráter público da Educação Federal

InformativoEspecialBrasília (DF)Outubro de 2015InformANDES

SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN

Organizações sociais ameaçam caráter público da Educação Federal

A Contrarreforma do Estado, concebida por Bresser Pereira na década de 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, ganha novos contornos

para garantir maior inserção do Capital no Estado brasileiro. Com isso, o governo prepara o terreno para aprofundar a mercantilização da Educação Pública, com a possibilidade de contratação de docentes federais através de Organizações Sociais (OS). Diante desse cenário, a luta de resistência à implantação da gestão através das OS nas instituições federais de ensino, que tem conseguido barrar esses ataques, precisa ser ampliada e intensifi cada.

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InformANDES Especial/20152Organizações Sociais

Estado mínimo para o Social e máximo para o CapitalContrarreforma do Estado, concebida por Bresser Pereira durante o governo FHC, ganha novos contornos para garantir maior inserção do Capital no Estado brasileiro

Em 1994, o Brasil elegia seu segundo presidente após o fim da ditadura militar e começava a superar o longo processo hiperinflacionário

dos anos 1980. Sob o fantasma da infla-ção e da suposta crise do Estado de Bem Estar Social nos países desenvolvidos, o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) encontrou terreno fértil para im-plementar uma série de medidas carac-terísticas das reformas neoliberais em curso em diferentes países: a abertura da economia, as reformas da previdência e da legislação trabalhista e a privatização de vários setores.

A Contrarreforma do Estado, desenhada pelo então ministro da Administração e da Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira, partia do pressuposto de que a crise que o país enfrentava à época tinha sua origem no tamanho do Estado, que seria extremamente ampliado, oneroso e pouco efetivo. As reformas propostas previam diminuir a atuação do Estado, inclusive nas políticas sociais, e manter uma atuação forte no sentido de garantir espaço para a reprodução do Capital. Para isso, era necessário privatizar as institui-ções públicas produtivas, como empresas

e bancos estatais, e diminuir a participa-ção do Estado nas políticas sociais, com a criação de parcerias público-privadas e adoção de Organizações Sociais, além de enxugar o quadro de servidores públicos, uma vez que a folha de pagamento seria responsável, dentre outros fatores, pela escassez de recursos e ineficiência opera-cional do poder público.

“Na compreensão deles, era neces-sário reconfigurar o Estado, em uma perspectiva de implementação do Estado mínimo, de fato um Estado mínimo para o Social, mas máximo para o Capital. E, hoje, se retoma essa ideia. As políticas de ajustes mais recentes sustentam que o tamanho do Estado é a origem da crise. Logo, se propõe e implementa a redução do tamanho do Estado em termos de serviços públicos, estatais e gratuitos e se ampliam as garantias de reprodução do capital a partir do Estado, da transferência do fundo público para o setor privado”, conta Claudia March, secretária-geral do ANDES-SN. Ela ressalta dois exemplos, como o subfinanciamento e a precariza-ção da Saúde Pública, que abrem grande mercado para os planos de saúde, e a contrarreforma da Previdência, com a

implementação dos fundos de pensão para os servidores públicos.

E, nesse contexto, que a lei das Organizações Sociais (OS) foi aprovada e vem sendo executada principalmente na área da Saúde Pública.

Cláudia ressalta que a proposta de OS veio vinculada a outras medidas, similares as que estão em curso, como Programa de Demissão Voluntária (PDV) para vários setores, suspensão de concursos públicos e alterações nos direitos de aposentadoria.

“No período FHC, houve um processo, em vários setores do Estado, de PDV, que estimulava o trabalhador a ir embora, combinado com a suspensão de concursos públicos. O objetivo era esvaziar o serviço público e abrir espaço para a terceirização e para a contratação precária, inclusive via Organização Social”, explica.

A diretora do ANDES-SN ressalta que é muito importante relembrar esse con-junto de medidas do governo FHC para compreender que hoje está em curso a retomada da contrarreforma do Estado de forma mais orgânica e estruturada. “É essencial recuperarmos a história para ver que existe hoje um movimento que retoma e atualiza muito a situação

vivida no período FHC. Temos a proposta de emenda cons-titucional que propõe o fim do abono permanência, a suspensão dos concursos públicos, e retomada da con-trarreforma da previdência, criando, como no período FHC, uma instabilidade nas regras para aposentadoria. Essas medidas se combinam com o anúncio da possibi-lidade de contratações via OS na Educação Federal, por representantes do governo federal, se constituindo de fato em uma ameaça. Por isso, é importante e urgen-te que intensifiquemos o debate acerca dos impactos negativos já vivenciados em outros setores e que rondam a universidade”, alerta.

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Organizações Sociais foram criadas por lei em 1998

As Organizações Sociais (OS) surgi-ram no Brasil durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso como presidente da

república, no ano de 1998. Inseridas na lógica de Contrarreforma do Estado, a criação das OS está diretamente relacio-nada com a transformação do Estado sob uma óti ca gerencial, própria da iniciati va privada, comandada pelo então ministro da Administração e da Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira.

A Lei 9637, de maio de 1998, foi a res-ponsável pela criação das OS. Ela determina que a Organização Social é um tí tulo que a administração pública outorga a enti dade privada sem fi m lucrati vo para que esta realize - com recursos públicos - ati vidades ligadas ao ensino, à pesquisa cientí fi ca, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.

Essa lei especifi ca como se dá a relação entre o Estado e as OS, parti ndo do pres-suposto de que não cabe mais ao Estado o monopólio da prestação de serviços em áreas sociais. A contratação de OS pelo Estado dispensa licitação, os trabalhadores são contratados pela CLT e outras formas próprias do setor privado, além de abolir uma série de procedimentos, previstos no poder público, de fi scalização dos contratos e do repasse de dinheiro público.

A lei criou o Programa Nacional de Publicização (PNP), que tem como o intuito de fazer absorver pelas organizações sociais as ati vidades desenvolvidas por enti dades ou órgãos públicos da União, que atuem nas áreas ligadas ao ensino, à pesquisa cientí fi ca, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambien-te, à cultura e à saúde. Na práti ca, o PNP se enquadra como mais uma medida de desestati zação levada a cabo por Fernando Henrique Cardoso para diminuir o Estado e os serviços públicos no Brasil durante seus dois mandatos como presidente.

STF julga OS constitucionaisLogo após a promulgação da lei que

criou as OS, o Parti do dos Trabalhadores (PT) e o Parti do Democráti co Trabalhista (PDT) entraram na justi ça, alegando incons-ti tucionalidade dos repasses de dinheiro público a enti dades privadas, ofendendo

os princípios da legalidade e do concurso público na gestão de pessoal.

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a ação em abril de 2015. Por 7 votos a 2, a maioria dos ministros entendeu que enti dades da área de saúde e educação, por exemplo, podem receber dinheiro do governo para auxiliar na implementação de políti cas nas áreas em que atuam.

Rodrigo Torelly, advogado da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN, afi rma que concorda com o voto vencido do ministro Marco Aurélio Mello. “Entendemos que a Consti tuição não deixa espaços para que o Estado possa repassar ao setor privado as ati vidades relacionadas à saúde, educa-ção, pesquisa, cultura, proteção e defesa do meio ambiente, tendo em vista que devem ser prestadas de forma exclusiva e direta pelo próprio Estado”, afi rma o advogado.

“Deve ser registrado que, apesar de entender pela validade de contratação, os ministros entenderam que nesse ti po de convênio devem ser obedecidos os critérios de fi scalização previstos no arti go 37, da Consti tuição, que determina a observância dos princípios da legalidade, im-pessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciência”, completa Torelly.

SBPC defende privatização da gestão via OS

Quem comemorou o resultado do julgamento da consti tucionalidade das OS foi a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A SBPC fez pressão junto ao STF contra a ação de inconsti tucionalidade, atuando como

amicus curiae no processo, parti ndo dos mesmos pressupostos privati stas defen-didos por Bresser Pereira, e apresentando os dados quanti tati vos de crescimento da adoção das Organizações Sociais. A enti dade afi rmou, na época do julgamento, que a declaração de inconsti tucionalidade afetaria a produção cientí fi ca do país – já dependente das parcerias público-privadas para manter-se funcionando. A postura de defesa da consti tucionalidade das Organizações Sociais assumida pela SBPC tem relação direta com demais iniciati vas de defesa da ampliação das parcerias público-privadas tomadas pela enti dade, a exemplo da posição acerca do Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação - incluindo a defesa da ampliação da fl exibilização do regime de dedicação exclusiva.

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Exemplos de OS pelo país são de precarização dos serviços e do trabalho

Se na educação superior o debate sobre a transferência de gestão do poder público para as Organizações Sociais (OS) ainda é uma ameaça,

no Sistema Único de Saúde (SUS), em di-versos estados e municípios, esse cenário já é realidade. Desde a criação da lei das Organizações Sociais, durante o processo de Contrarreforma do Estado, o SUS - devido à sua configuração tripartite - foi a porta de entrada para a terceirização e precarização dos contratos de trabalho.

Com a suspensão de concursos públicos em nível federal, e sob a pressão da Lei de Responsabilidade Fiscal, muitos estados e municípios passaram a utilizar do sistema de contratação de trabalhadores via OS para baratear os custos e enxugar a folha de pagamento. O resultado foi a precariza-ção das condições de trabalho e do serviço prestado à população, com alta rotatividade dos quadros funcionais e assedio dos traba-lhadores. As consequências dos exemplos elencados a seguir podem servir como um alerta do que pode acontecer com a educação pública nos próximos anos.

ParanáO Paraná é um dos estados que implantou

o sistema de gestão da saúde pública por meio das Organizações Sociais. O sistema teve início em 2011 e já apresenta diversos problemas de acordo com Bernardo Pilotto, trabalhador do Hospital de Clínicas (HC) de Curitiba e militante em defesa da saúde pública. Bernardo lembra que Barbosa Neto, então prefeito de Londrina, foi deposto de seu cargo em 2012 justamente por desvio de dinheiro da saúde pública do município. O esquema envolvia duas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), que geriam, por meio de Parcerias Público-Privadas (PPP), a saúde de Londrina.

Em Curitiba, a gestão privada da saúde pública também traz problemas à população e aos trabalhadores da área. “O Hospital de Reabilitação do Paraná, que foi construído pelo estado e depois repassado para a

iniciativa privada, é um dos que sofre. O estado repassa o dinheiro para a organização gestora, mas ela, muitas vezes, não re-passa o salário dos traba-lhadores. Isso sem falar que os salários são mais baixos e as condições de trabalho piores do que na saúde pública. O hospital é muito bem equipado, mas tem muitos leitos vazios, pois não há controle social como haveria na saúde pública”, afirma Pilotto.

Bernardo Pilotto ressal-ta que a gestão privada da saúde pública no Paraná traz graves consequên-cias ao serviço. “Para os trabalhadores há salários mais baixos, ausência de plano de carreira. Há a rotatividade, que na saúde, mais do que em outras áreas, pode ser muito ruim, especialmente em trata-mentos de longo prazo e acompanhamento médico na área da saúde mental. É importante que os pacien-tes não sejam atendidos a cada mês por um médico ou enfermeiro diferente”,

Manifestação no Dia Mundial da Saúde, no Rio de Janeiro

na saúde pública já completa 17 anos. Rita de Cássia Pinto, trabalhadora do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e diretora do Sinsprev-SP e da Fenasps, acompanhou de perto o processo e os problemas que dele decorreram.

A experiência da precarização da saúde no estado de São Paulo tem como um dos mecanismos a pactuação de contratos entre os governos federal, estadual e municipal para gerenciamento de unidades de Saúde via OS, no fornecimento de força trabalho. “A experiência que nós tivemos é que esse

Em diversas capitais, trabalhadores protestam contra a implantação de gestão de OS na saúde pública

Agência Brasil

diz. “Os usuários também são prejudicados pela falta de controle social das gestões de PPP na saúde. A lei do SUS faz com que o usuário possa opinar sobre a gestão da saúde, mas com PPP isso se dilui no conse-lho gestor de cada unidade, que é regido por outra lógica que não a da participação social. É por isso que há tanta gente sem leito, e tanto leito sem gente”, conclui.

São PauloNo estado mais populoso do país, o

processo de implantação de gestão de OS

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InformANDES Especial/2015 5Organizações Sociais

é um ataque frontal aos trabalhadores estatutários”, relata Rita.

A dirigente da Fenasps conta que no Posto de Assistência Médica (PAM) do SUS, por exemplo, havia servidores públicos estaduais e federais, que aos poucos foram sendo colocados em disponibilidade. Ela relata uma reunião da qual parti cipou, com diretores da OS responsável por aquelas unidades, na qual foi explicado a lógica da substi tuição dos servidores públicos por terceirizados ou celeti stas – um dos princípios básicos do repasse da gestão da saúde à iniciati va privada.

“Nós questi onamos: olha, você tem um quadro formado, preparado, com ex-periência e que é pago pelo estado e por que você quer expulsar os trabalhadores daqui? Estranho isso. E aí um diretor soltou a pérola de que esses servidores não podem ser demiti dos, e que, do total pago pelo estado no contrato daquela unidade, é descontado o quanto o estado gasta com os salários de estatutários. Logo, ao expulsar os estatutários daquele local de trabalho, ele tem o retorno fi nanceiro daquela folha, para subcontratar de forma terceirizada”, detalhou.

Segundo Rita, em um primeiro momen-to, o argumento para a criação da OS é a gestão mais efi ciente de pessoal, já que há uma grande demanda por mais servidores. “Mas, para nós, signifi ca a privati zação aberta do SUS, sem que isso tenha sido votado em nenhum momento”, comenta. Outro problema é no momento da apo-sentadoria do servidor público. “Se a OS tem a gestão daquele local de trabalho, na práti ca ela vai substi tuir os quadros por terceirizados, ou não contratar ninguém, conforme julgar conveniente”, completa a dirigente da Fenasps.

Rio de JaneiroA implantação da gestão via Organizações

Sociais na cidade do Rio de Janeiro iniciou em 2009, com a aprovação da Lei Municipal 5026, a despeito da posição contrária do Conselho Municipal de Saúde e da mobiliza-ção de movimentos sociais, como o Fórum de Saúde do Rio de Janeiro. A lei está em consonância com a lei federal, permiti ndo o repasse dos serviços públicos às OS nas mesmas áreas de atuação, mas exigindo que apenas novas unidades de saúde possam ser geridas pelas OS.

A assistente social Joseane Barbosa, pesquisadora sobre a implantação das OS no Rio de Janeiro, afi rma que, apenas de 2009 a 2013, foram repassados para Organizações Sociais gerirem e executa-rem serviços de saúde no município do

A luta dos trabalhadores frente aos processos de privati zação do sistema de saúde no município do Rio de Janeiro é um bom exemplo de resistência ao processo de implantação da contratação via Organizações Sociais.

De acordo com Regina Simões Barbosa, professora da UFRJ e pesquisadora do tema, são diversas as frentes de luta. “As intervenções sindicais vão desde a assessoria jurídica aos trabalhadores individuais em decorrência de confl itos e violência nas relações de trabalho, cujas queixas crescem exponencialmente, à fi scalização das condições de trabalho. No plano do embate políti co mais amplo, existe uma arti culação de sindicatos, especialmente os de servidores públicos, nos níveis locais e nacional, que estão desenvolvendo, entre outras estratégias, um enfrentamento jurídico contra a consti tucionalidade das OS”, conta. De acordo com a pesquisadora, muitos desses sindicatos integram a Frente Nacional contra a Privati zação da Saúde, que hoje capitaneia a luta políti ca em nível nacional.

Regina aponta que as difi culdades encontradas pelos movimentos sindicais são muitas e de várias ordens: desde a baixa parti cipação dos trabalhadores em função das sobrecargas de trabalho, a variedade de vínculos e jornadas de trabalho, que difi cultam a unifi cação das lutas, o medo de demissão, etc. “Há uma perversidade no modelo de trabalho que vem sendo implementado pelas OS, dada principalmente pela ocupação das insti tuições públicas 'por dentro', estabelecendo uma variedade de vínculos e jornadas de trabalho e, inclusive, contratando servidores públicos através do vínculo precarizado, o que provoca uma cisão na identi dade desses profi ssionais. Esses processos vêm causando intenso sofrimento psíquico e adoecimento dos trabalhadores de saúde, que vivem o paradoxo de terem que exercer o cuidado em saúde quando estão sendo violentados e adoecendo”, completa.

Rio de Janeiro, por meio da celebração de Contratos de Gestão, um valor global de aproximadamente mais de quatro bilhões de reais – contabilizando apenas os Contratos de Gestão aos quais sua pesquisa teve acesso.

“De modo geral, as irregularidades envolvendo as OS encontradas até o momento envolvem violação das leis trabalhistas, uti lização dos recursos para despesas alheias ao objeto do contrato, descumprimento das cláusulas contratuais, repasse de dados falsos dos funcionários

Manifestação pública contra a privati zação do Sistema Único de Saúde (SUS), no mês de março, no Rio de Janeiro

à Receita Federal, entre outras”, afi rma Joseane sobre sua pesquisa.

A assistente social cita, como exemplo, irregularidades constatadas pelo Tribunal de Contas municipal em 2011 no contrato entre o poder público e a OS IABAS. Foram apontados sobrepreços relati vos aos custos dos serviços conti nuados contratados pela IABAS, valores salariais exorbitantes pagos aos diretores da OS que geraram prejuízos milionários aos cofres públicos, além de incapacidade de alcançar os indicadores de qualidade de prestação de serviços.

Agên

cia B

rasil

Resistência

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InformANDES Especial/20156Organizações Sociais

Ameaça da privatização ronda a Educação FederalGoverno prepara o terreno para aprofundar a mercanti lização da educação pública, com a possibilidade de contratação de docentes federais através de Organizações Sociais

No fi nal de 2014, em um debate sobre educação superior reali-

zado no Rio de Janeiro (RJ), o então presiden-te da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Jorge Almeida Guimarães, declarou que o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Ministério da Educação (MEC) pretendiam implementar a contratação de docentes e pesquisadores para as Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) por meio de Organizações Sociais, e conse-quentemente pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

"O ministro [da Educação, José Henrique] Paim e o ministro [da Ciência, Tecnologia e Inovação, Clelio] Campolina estão nos autorizando a fazer uma orga-nização social para contratar, saindo do modelo clássico que demora e que nem sempre acerta muito", disse Guimarães naquele momento, segundo matéria publicada pela Agência Brasil. A medida, segundo ele, teve bons resultados no Insti tuto Nacional de Matemáti ca Pura e Aplicada (Impa), que é uma OS, e recebe recursos reajustados anualmente para pagar profi ssionais vindos de fora.

Segundo o então presidente da Capes, a proposta de terceirização poderia atrair docentes estrangeiros às universi-dades brasileiras – o que internacionali-zaria as instituições. Guimarães também afirmou que os exemplos de autarquias que abriram mão da contratação de ser-vidores por meio do RJU são positivos, já que o sistema de contratação vigente “não está funcionando”.

Valendo-se da argumentação falaciosa de que o RJU contrata professores “por 30 anos e não manda ninguém embora”, e de que a OS garanti ria e facilitaria a contratação de grandes pesquisadores estrangeiros, Guimarães revelava com

Estado, iniciado na década de 90 durante o primeiro mandato de FHC, e do refl exo na contratação de pessoal no serviço público. “A meta deles é enxugar a folha de pagamento, o que signifi ca deixar de contratar e também congelar salários, uma vez que há um crescimento orgânico da folha devido às progressões e promoções das carreiras”, explica.

Além disso, tanto nos documentos em resposta à pauta de reivindicações dos docentes federais quanto nas reuniões com o ANDES-SN, por diversas vezes, a Secretaria de Educação Superior do MEC (Sesu/MEC) defendeu o projeto de Lei 77/2015, argumentando que este projeto traz uma série de inovações que reforçam a autonomia da universidade federais no âmbito da ciência, tecnologia e inova-ção, evidenciando mais uma vez, que a defi nição de “autonomia universitária”, para o governo, representa a ressignifi -cação do público pela consolidação dos mecanismos de privati zação.

A diretora do ANDES-SN reforça que, seguindo os preceitos da Contrarreforma, essas medidas visam diminuir a parti cipa-ção do Estado, e abrir espaço para a repro-dução do Capital em políti cas sociais como educação e saúde, transformando-as em mercadorias. A estagnação e redução do número de servidores ati vos se conectam com a proposta de contratação por outras vias, como as Organizações Sociais, uma

sua fala o aprofundamento do projeto, há tempos em curso, o desmonte do serviço público, desta vez com foco na Educação Superior, com a terceirização do trabalho dos professores das Ifes. Na época, gesto-res e representantes do governo federal tentaram minimizar a declaração, que ganhou grande repercussão e foi ampla-mente criti cada pelo ANDES-SN.

Preparando o terreno No entanto, o que se viu na sequência

foi uma série de medidas, que visam preparar o terreno para a ampliação das parcerias público-privada nas IFE, nos moldes semelhantes ao ocorrido na Saúde Pública. Além das medidas, manifestações tanto do Ministério da Educação (MEC) quanto do Ministério do Planejamento e Gestão (Mpog) demonstram a intenção do governo em reconfi gurar o modelo de contratação na Educação Federal.

No dia 20 de março, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, destacou o objeti vo do governo em reduzir o gasto primário com folha de pagamento em relação ao percentual do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo Barbosa, em 2002, no últi mo ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, a folha representava 4,8% do PIB, já em 2014 havia caído para 4,3% do PIB.

Para Claudia March, secretária-geral do ANDES-SN, essa manifestação de Barbosa é a tradução do desmonte do

Organizações Sociais

o fi nal de 2014, em um debate sobre educação superior reali-

zado no Rio de Janeiro (RJ), o então presiden-te da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Jorge Almeida Guimarães, declarou que o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Ministério da Educação (MEC) pretendiam implementar a contratação de docentes e pesquisadores para as Instituições sua fala o aprofundamento do projeto, há

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vez que a demanda por reposição e am-pliação do quadro de trabalhadores con-ti nuará, em especial na Educação Federal, com a expansão desestruturada das IFE.

Judiciário e Legislativo também operamAlém das ações do Executi vo, tanto no

Judiciário quanto no Legislati vo, uma série de medidas também prepara terreno para a concreti zação da ameaça da contratação via OS na Educação Federal.

Em abril, depois de 17 anos analisando a Ação Direta de Inconsti tucionalidade (Adin) contra as OS, o STF se posicionou favorável à terceirização dos serviços sociais via essas fi guras jurídicas de na-tureza privada, permiti ndo generalizar para todas as políti cas sociais, incluindo as universidades e insti tutos federais, a contratação sem concurso público.

No Congresso Nacional, tramita um elenco de projetos de lei, medidas provisó-rias e propostas de emenda consti tucional que tem por objeti vo criar os mecanismos legais e facilitadores para a terceirização dos serviços sociais. O Projeto de Lei (PLC) 77/2015, que já foi aprovado na Câmara enquanto PL 2177/2011 e agora tramita no Senado, é um bom exemplo. Segundo Epitácio Macário, 2º vice-presidente do ANDES-SN e membro da coordenação do Grupo de Trabalho de Ciência e Tecnologia, o projeto, que cria o Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, se encaixa na perspecti va de avanço do setor privado sobre o setor público, fl exibilizando o ca-ráter de público para atender ao mercado, mais especifi camente, à indústria.

“O PL está inserido no quadro de ata-ques aos serviços públicos e aos direitos básicos da população. Quando proposto, em 2011, os deputados perceberam que ele confrontava preceitos consti tucionais, então foi suspensa por um tempo sua tramitação. Para dar sequência, se fez necessário mudar esses preceitos, o que foi feito por meio da PEC 290/2013, que virou a Emenda Consti tucional 85, aprovada em fevereiro de 2015”, explica Macário.

O diretor do Sindicato Nacional res-salta que emenda 85 traz três grandes mudanças. A primeira é conceitual. A Consti tuição previa a obrigação do Estado em fornecer serviços sociais, entre eles o de ciência e tecnologia, dando prioridade à ciência básica. Com a emenda, foi incluída a produção e inovação tecnológicas, para responder às demandas do mercado.

A segunda mudança tem a ver com a garanti a de oferta de educação e ciên-cia, prevista na Consti tuição. A emenda

abre possibilidade para que, na ciência e tecnologia, o Estado possa investi r em parceria com o setor privado, usando di-nheiro público. Ou seja, consti tucionaliza o uso de dinheiro público em ciência e tecnologia privadas.

A terceira mudança é na produção de ciência e tecnologia. A emenda permite a colaboração pública e privada, ou com uso de dinheiro público, ou com comparti -lhamento de estrutura fí sica e de pessoal. Abre também a possibilidade de criação de Organizações Sociais para gerir essas parcerias público-privadas.

De acordo com Macário, com a emenda aprovada, o PL 77/2015 voltou a tramitar, detalhando as mudanças realizadas com a EC 85/2015, para fi nalmente criar o Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. No entanto, o texto chegou ao Senado com novos elementos, como a possibilidade do gestor público manejar os recursos orçamentários de uma rubrica para outra dentro da Ciência e Tecnologia, o que, segundo ele, representa a volta de um elemento muito combati do na década 1990: a Desvinculação de Receitas da União (DRU).

“A dita comunidade cientí fi ca saudou efusivamente o PL, em especial a fl exibi-lização das licitações para aquisição de produtos para pesquisa. O ANDES-SN, no entanto, vê o projeto como preocu-pante, porque favorece a promiscuidade entre o pesquisador público e a iniciati va privada, já que, com o comparti lhamento de mão-de-obra, o pesquisador público pode, inclusive, receber pagamentos das

insti tuições privadas. O impacto imediato que isso pode gerar é colocar o regime de dedicação exclusiva em risco. Em médio prazo, com essa medida, não será plausível realizar concursos públicos para dedicação exclusiva”, avalia.

Outra ameaça conti da no PL 77/2015 é a possibilidade de assinatura de contratos entre as universidades e as empresas privadas sem intermédio das fundações. “O PL legaliza a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que faz justamente isso. E possibilita a criação de OS para gerir essas parcerias”, reforça Macário.

O 2º vice-presidente do ANDES-SN lembra ainda da PEC 395/2015 e o PL 4643/2012, também em tramitação no Congresso, que, respecti vamente, permite a cobrança por cursos de extensão, especiali-zação e mestrado profi ssional, como forma de gerar recursos para as IFE, e a autoriza a criação de Fundo Patrimonial (endowment fund) nas insti tuições federais de ensino superior, permiti ndo que pessoas fí sicas e/ou jurídicas fi nanciem as universidades, e parti cipem dos conselhos gestores.

“Com a posição do STF favorável à consti tucionalidade das OS e os projetos que tramitam no Congresso, o terreno está pronto para a entrada das OS nas universidades. Um exemplo é a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), uma organização social que opera com muito dinheiro público e faz pesquisa voltada à grande indústria. Com as OS, estado e indústria operam em simbiose”, avalia Macário.

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InformANDES Especial/20158Organizações Sociais

EXPEDIENTEO Informandes Especial é uma publicação do ANDES-SN // site: www.andes.org.br // e-mail: [email protected] responsável: Marinalva Oliveira Redação, edição, diagramação e fotos: Imprensa ANDES-SN

Ebserh: um exemplo nefasto

Diante do cerco de precarização e privati zação que vem se for-mando também em torno da

educação pública federal, com tantos exemplos nefastos na área da Saúde e também da educação estadual e municipal, é necessário um estado permanente de alerta.

A luta travada por docentes, técnicos e estudantes para barrar, por exemplo, a adesão das Universidades Federais à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que defi niu um novo modelo de contratação e gestão dos Hospitais Universitários, se deu em nível nacional, e mais expressivamente em cada insti tuição.

Através da resistência, foi possível retardar em alguns casos e, em outros, impedir que os HU passassem a ser administrados pela empresa. Em várias universidades, a adesão acabou se dando de forma autoritária, atropelan-do, inclusive, deliberações dos conselhos universitários. A intensa mobilização contra a Ebserh expôs para a comuni-dade acadêmica e para a população as condições precárias de funcionamento dos hospitais. Para Claudia March, a organização da luta em defesa dos Hospitais Universitários serve como exemplo para a resistência às OS.

Impacto para os docentes federaisAssim como evidenciado durante

anos de desmonte da Saúde, através da terceirização via OS, um dos impactos da contratação via esse modelo na Educação Superior é a precarização das condições de trabalho e, consequentemente, dos serviços prestados à população.

Epitácio Macário avalia que existem três grandes consequências da entrada das organizações sociais nas IFE. “A primeira é criar duas categorias disti ntas. De um lado, os servidores públicos, contratados via Regime Jurídico Único. De outro lado, os contratados via OS, celeti stas, con-tratados de maneira mais ampla, sem o

rigor dos concursos públicos. A segunda é a difi culdade de organização sindical da categoria, justamente por essa divisão, e que é uma consequência imediata e extremamente danosa”, pondera.

Luta para barrar os ataquesSe a ameaça de contratação via OS na

Educação Federal está posta nesse mo-mento de forma mais contundente, isso não signifi ca que antes não existi a. Desde o início da Contrarreforma do Estado, os governos buscam, de diferentes manei-ras, privati zar os direitos sociais. A luta travada pelo ANDES-SN ao longo de sua história, em defesa do caráter público da educação, tem conseguido impedir, ou ao

menos retardar, o avanço do projeto de privati zação e mercanti lização do ensino.

“A luta do ANDES-SN nesse processo é muito importante. Temos conseguido resisti r e denunciar esses ataques”, re-força Claudia March, lembrando o mais recente embate travado pelos professo-res federais, a greve protagonizada em 2015. Durante os 139 dias de paralisação, cobraram do governo, e dos reitores, po-sicionamento contrário à contratação via OS, o arquivamento do PL77, a revogação dos contratos com a Ebserh, entre outras reivindicações, que garantem o caráter público da educação, a autonomia das insti tuições, condições adequadas de tra-balho e a valorização da carreira docente.

“Temos que ter um trabalho de base muito intenso, pois a proposição de imple-mentação das Organizações Sociais não se dará a parti r de uma reforma administrati va feita por cima, mas aos poucos e de forma fragmentada, a partir das Instituições Federais de Ensino, com a possibilidade de contratação via esse modelo”, destaca.

Claudia avalia a possibilidade real de pressão por parte do governo federal, como se deu com a Ebserh, para os ges-tores aderirem ao novo modelo de gestão via OS na educação. No caso dos Hospitais

Universitários, houve um subfi nancia-mento de mais de uma década nos HU e suspensão de concursos para a carreira de técnico-administrati vos. “A Ebserh chegou num terreno férti l, de esvaziamento do serviço público, depois de anos sem concurso público, principalmente para o cargo de técni-co-administrati vo, e de generalização da precarização do trabalho nos HU através da contratação por fundações privadas ditas de apoio. E sabemos qual o resultado disso”, complementa.