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Organizaes Anrquicas

Programa e Objetivo da Organizao Secreta Revolucionria Irmandade InternacionalMickail Bakunin

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Organizaes AnrquicasA Associao Irmandade Internacional quer a revoluo universal, social, filosfica, econmica e poltica ao mesmo tempo, para que da ordem atual das coisas, fundada sobre a propriedade, a dominao e o princpio de autoridade quer religiosa, quer metafsica e burguesamente doutrinria, quer at mesmo jacobinamente revolucionria, no sobre em toda Europa num primeiro momento, e depois no resto do mundo, pedra sobre pedra. Ao grito de paz aos trabalhadores, liberdade a todos os oprimidos e morte aos dominadores, exploradores e tutores de qualquer espcie, queremos destruir todos os Estados e todas as igrejas, com todas as suas instituies e suas leis religiosas, polticas, jurdicas, financeira, policiais, universitrias, econmicas e sociais para que todos estes milhes de pobres seres humanos escravizados, atormentados, explorados, libertos de todos os diretores e benfeitores oficiais e oficiosos, associaes e indivduos, respirem enfim em completa liberdade. Convencidos de que o mal individual e social reside muito menos nos indivduos do que na organizao das coisas e nas posies sociais, ns seremos humanos tanto por sentimento de justia quanto por clculo de utilidade, e destruiremos sem piedade as posies e as coisas a fim de poder, sem nenhum perigo para a revoluo, poupar os homens. Negamos o livre-arbtrio e o pretenso direito da sociedade de punir. A prpria justia tomada no seu sentido mais humano e mais amplo, apenas uma idia, por assim dizer, negativa e de transio; ela coloca o problemas social mas no o resolve, indicando apenas o nico caminho possvel para a emancipao, isto , de humanizao da sociedade pela liberdade na igualdade; a posio positiva s poder ser dada pela organizao cada vez mais racional da sociedade. Esta soluo to desejada, ideal de todos ns, a liberdade, a moralidade, a inteligncia e o bem-estar de cada um pela solidariedade de todos, a fraternidade humana. Todo o indivduo humano o produto involuntrio de um meio natural e social no seio do qual nasceu, desenvolveu-se e do qual continua a sofrer influncia. As trs causas de toda a imoralidade humana so: a desigualdade tanto poltica quanto econmica e social; a

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Organizaes Anrquicasignorncia que seu resultado natural e sua conseqncia necessria: a escravido. A organizao da sociedade sendo sempre e em todos os lugares a nica causa dos crimes cometidos pelos homens, h hipocrisia ou absurdo evidente da parte da sociedade em punir os criminosos, um vez que toda a punio supe a culpa e os criminosos no so nunca culpados. A teoria da culpa e da punio surge da teologia, isto , do casamento de absurdo com a hipocrisia religiosa. O nico objetivo que se pode reconhecer sociedade, em seu estado atual de transio, o direito natural de assassinar os criminosos produzidos por ela mesma no interesse de sua prpria defesa e no a de julg-los e conden-los. Este no ser propriamente um direito, na acepo estrita do termo, ser antes um fato natural, aflitivo mas inevitvel, signo e produto da impotncia e da estupidez da sociedade atual: e quanto mais a sociedade souber evitar de utiliz-lo, mais ela estar prxima de sua real emancipao. Todos os revolucionrios, os oprimidos, os sofredores, vtimas da atual organizao da sociedade e cujos coraes esto naturalmente cheios de vingana e de dio, devem lembrar-se de que os reis, os opressores, os exploradores de toda espcie so to culpados quanto os criminosos sados da massa popular: eles so malfeitores mas no culpados, pois so, como os criminosos comuns, produtos involuntrios da atual organizao da sociedade. No devemos nos espantar se no primeiro momento, o povo rebelado mate muito. Ser talvez um infelicidade inevitvel, to ftil quanto os estragos causados por uma tempestade. Mas este fato natural no ser nem moral, nem mesmo til. A este respeito, a histria est cheia de ensinamentos: a terrvel guilhotina de 1793 que no pode ser acusada nem de preguia, nem de lentido, no chegou a destruir a classe nobre da Frana. A aristocracia foi se no completamente destruda ao menos profundamente abalada, no pela guilhotina, mas pelo confisco e venda de seus bens. E em geral, pode-se dizer que a carnificina poltica nunca matou os partidos; mostram-se sobretudo impotentes contra as classes privilegiadas, porque a fora reside menos nos homens da que nas posies ocupadas

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Organizaes Anrquicaspelos homens privilegiados na organizao das coisas, isto , a instituio do Estado e sua conseqncia assim como sua base natural, a propriedade individual. Para fazer um revoluo radical preciso, pois, atacar as posies e as coisas, destruir a propriedade e o Estado, assim no se ter a necessidade de destruir os homens, e de condenar-se reao infalvel e inevitvel que o massacre dos homens nunca deixou e no deixar nunca de produzir em cada sociedade. Mas para ter o direito de ser humano para com os homens, sem perigo para a revoluo, ser preciso ser impiedoso para com as posies e as coisas: ser preciso destruir tudo e, principalmente e antes de tudo, a propriedade e seu corolrio inevitvel: o Estado. Este o segredo da revoluo. No preciso espantar-se se os jacobinos e os blanquistas que se tornaram socialistas antes por necessidade que por convico, e para quem o socialismo um meio, no o objetivo da Revoluo. Pois eles querem a ditadura, quer dizer, a centralizao do Estado e que o Estado os leve por necessidade lgica e inevitvel reconstituio da propriedade, natural, dizemos ns, que no querendo fazer uma revoluo radical contra as coisas, sonhem com uma revoluo sanguinria contra os homens. Mas esta revoluo sanguinria baseada na construo de um Estado revolucionrio, fortemente centralizado, teria como resultado inevitvel, como provaremos mais tarde, a ditadura militar com um novo senhor. Logo, o triunfo dos jacobinos e dos blanquistas seria a morte da Revoluo. Somos inimigos naturais destes revolucionrios, futuros ditadores, regulamentadores e tutores da revoluo, que, antes mesmo que os estados monrquicos, aristocrticos e burgueses atuais sejam destrudos, sonham com a criao de novos Estados revolucionrios, to centralizados e mais despticos do que os Estados que existem hoje, que possuem uma vocao to grande para ordem criada por uma autoridade qualquer e um horror to grande pelo que lhes parece desordem e que nada mais do que a franca e natural expresso da vida popular, que,

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Organizaes Anrquicasantes mesmo que uma boa e saudvel desordem se produza pela revoluo, sonham j com o fim e o cerceamento pela ao de um autoridade qualquer que s ter o nome da revoluo, mas que efetivamente nada mais ser do que uma nova reao pois ser uma outra condenao das massas populares, governadas por decretos, obedincia, imobilidade, morte, isto , escravido e explorao por uma nova aristocracia pouco revolucionria. Compreendemos a revoluo no sentido do desencadeamento do que se chama hoje de ms paixes e da destruio do que da mesma lngua se chama "ordem pblica". No tememos, invocamos a anarquia, convencido de que esta anarquia, ou melhor, da manifestao completa da vida popular desencadeada, deve sair a liberdade, a igualdade, a justia, a ordem nova, e a prpria fora da revoluo contra a reao. Esta vida nova, a revoluo popular, no tardar sem duvida a organizar-se, mas criar sua organizao revolucionria de baixo para cima e da circunferncia para o centro, conforme o princpio de liberdade, e no de cima para baixo nem do centro para a circunferncia conforme a moda da autoridade, pois pouco importa se esta autoridade se chama Igreja, Monarquia, Estado Constitucional, Repblica burguesa ou at mesmo Ditadura revolucionria. Detestamos e rejeitamos todos da mesma forma como fontes infalveis de explorao e de despotismo. A revoluo tal como a entendemos dever, desde o primeiro dia destruir radical e completamente o Estado. As conseqncias naturais desta destruio sero: A bancarrota do Estado; A cessao do pagamento das dvidas privadas pela interveno do Estado, deixando a cada devedor o direito de pagar as suas, se quiser; A cessao dos pagamentos de qualquer imposto e do adiantamento de todas as contribuies, sejam

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Organizaes Anrquicasdiretas ou indiretas; A dissoluo do exrcito, da burocracia, da polcia e do clero; magistratura, da

A abolio da justia oficial, a suspenso de tudo o que juridicamente se chamava direito, e o exerccio desses direitos; Por conseqncia, a abolio do auto-de-f de todos os ttulos de propriedade, formais de herana, de venda, de doao, de todos os processos, de toda a papelada jurdica e civil, em uma palavra. Em todo o lugar e em todas as coisas o fato revolucionrio, em vez do direito criado e garantido pelo Estado; O confisco de todos os capitais produtivos e instrumentos de trabalho em proveito da associao de trabalhadores que devero produzi-los coletivamente; O confisco de todas as propriedades da Igreja e do Estado assim como dos metais preciosos dos indivduos em benefcio da Aliana Federativa de todas as associaes operrias, Aliana que constituir a comuna. Em troca dos bens confiscados, a Comuna dar o estritamente necessrio todos os indivduos que foram despojados, que podero mais tarde, com seu prprio trabalho ganhar mais se puderem e se quiserem.

Para a organizao da Comuna: a federao das barricadas permanentes e a funo de um conselho revolucionrio da Comuna pela delegao de uma ou duas pessoas de cada barricada, uma por rua ou por bairro, delegados investidos de mandatos imperativos, sempre responsveis e sempre revogveis. O Conselho comunal assim organizado poder escolher, entre os seus, comits executivos separados por cada ramo da administrao revolucionria da Comuna. Declarao da capital insurgida e organizada em Comuna que, depois de ter destrudo o Estado autoritrio e

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Organizaes Anrquicastutelar, o que ela tinha o direito de fazer porque era escrava como todas as outras localidades, renuncia a seu direito, ou melhor, a qualquer pretenso de governar, de impor-se s provncias. Chamado a todas as provncias, comunas e associaes, convidando a todos a seguirem o exemplo dado pela capital, de organizar-se primeiro revolucionariamente e, aps, delegar, em um local convencionado de reunio, seus delegados, todos investidos de mandatos imperativos, responsveis e revogveis, para constituir a federao das associaes, comunas e provncias insurgidas em nome dos mesmos princpios, e para organizar uma fora revolucionria capaz de triunfar sobre a reao. Envio no de comissrios revolucionrios oficiais com faixas distintivas, mas de propagadores revolucionrios em todas as provncias e comunas, sobretudo entre os camponeses que no podero revoltar-se nem por princpios, nem pelos decretos de uma ditadura qualquer, mas somente pelo prprio fato revolucionrio, quer dizer, pelas conseqncias que produzir infalivelmente em todas as comunas a cessao completa da vida jurdica, oficial do Estado. Abolio do Estado nacional ainda no sentido de todo o pas estrangeiro, provncia, comuna, associao ou at indivduos isolados, que se revoltaram em nome do mesmo princpio, sejam recebidos na federao revolucionria independente das fronteiras atuais dos Estados, embora pertencendo a sistemas polticos ou nacionais diferentes, e que as prprias provncias, comunas, associaes, indivduos que tomarem partido da reao estaro excludos. , pois pelo prprio fato da ecloso e da organizao da revoluo com vistas defesa mtua dos pases insurgidos que a universalidade da revoluo, baseada na abolio das fronteiras e na runa dos Estados, triunfar. No pode haver revoluo poltica triunfante, a menos que a revoluo poltica se transforme em revoluo social, que a revoluo nacional precisamente por seu carter radicalmente socialista e destrutivo do Estado se

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Organizaes Anrquicastransforme em revoluo universal. A revoluo devendo fazer-se, em toda a parte, pelo povo, e a suprema direo devendo estar sempre no povo organizado em federao livre de associaes agrcolas e industriais, organizando-se de baixo para cima por meio da delegao revolucionria abrangendo todos os pases insurrectos em nome dos mesmos princpios independentemente das velhas fronteiras e das diferenas de nacionalidade, ter por objetivo a administrao dos servios pblicos e no o governo dos povos. A aliana da revoluo universal contra a aliana de todas as reaes ser a nova ptria. Esta organizao exclui qualquer idia de ditadura e de poder dirigente tutelar. Mas, para o prprio estabelecimento desta aliana revolucionria, e para o triunfo da revoluo contra a reao, necessrio que em meio anarquia popular que constituir a prpria vida e toda a energia da revoluo, a unidade de pensamento e de ao revolucionria encontre um rgo. Este rgo deve ser a Associao Secreta e Universal Irmandade Internacional. Esta associao parte da convico de que as revolues nunca so feitas nem pelos indivduos nem mesmo pelas sociedades secretas. Elas se fazem por si prprias, produzidas pela fora das coisas, pelo movimento dos acontecimentos e dos fatos. Elas se preparam durante muito tempo na profundeza da conscincia instintiva das massas populares, depois explodem, suscitadas aparentemente por causas fteis. Tudo o que um sociedade organizada pode fazer , primeiramente, ajudar o nascimento de uma revoluo difundindo entre as massas idias correspondentes aos instintos das massas de organizar, no o exrcito da revoluo - o exrcito deve ser sempre o povo - mas uma espcie estado-maior revolucionrio composto de indivduos dedicados, enrgicos, inteligentes e, sobretudo, amigos sinceros, e no ambiciosos nem vaidosos, do povo, capaz de servir de intermedirio entre a idia revolucionria e os instintos populares. O nmeros destes indivduos no deve, portanto, ser enorme. Para a organizao internacional em toda a Europa,

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Organizaes Anrquicascem revolucionrios forte e seriamente aliados, bastam. Duas ou trs centenas de revolucionrios bastaro para a organizao do maior pas. Mickail Bakunin, outono de 18681

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Programa elaborado clandestinamente por Mickail Bakunin em outono de 1868. Traduo de Zil Bernd.

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Organizaes Anrquicas

Plataforma OrganizacionalNestor Makno

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Organizaes AnrquicasIntroduo muito significativo que, apesar da fora e do carter indiscutivelmente positivo das idias libertrias, da nitidez e da integridade das posies anarquistas diante da revoluo social; enfim, do herosmo e dos inmeros sacrifcios realizados pelos anarquistas na luta pelo comunismo libertrio, o movimento anarquista continua fraco e com freqncia tem figurado, na histria das luta da classe operria, como um evento menor, um episdio, e no como um fator importante. Essa contradio, entre o fundamento positivo e incontestvel das idias libertrias e o estado miservel em que vegeta o movimento anarquista, explica-se por uma srie de causas, das quais a mais importante, a principal, a ausncia de princpios e prticas organizacionais no movimento anarquista. Em todos os pases, o movimento anarquista representado por algumas organizaes locais, que defendem teorias e prticas contraditrias. No tm qualquer perspectiva de futuro nem de continuidade da ao militante, habitualmente desaparecem sem deixar o menor trao de sua passagem. Tal a situao do anarquismo revolucionrio que, se a tomarmos em seu conjunto, s podemos qualific-la como uma "desorganizao geral crnica". Como a febre amarela, a doena da desorganizao apossou-se do organismo do movimento anarquista e o vem minando h dezenas de anos. Sem dvida, essa desorganizao deriva de alguns defeitos da teoria: notadamente, numa falsa interpretao do princpio da individualidade no anarquismo; este princpio tem sido com muita freqncia confundido com a total ausncia de responsabilidade. Os amantes da autoafirmao, que visam unicamente o prazer pessoal, agarram-se obstinadamente ao estado catico do movimento anarquista e se referem, para defend-lo, aos princpios imutveis do anarquismo e seus mestres.

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Organizaes AnrquicasOra, os princpios imutveis demonstram justamente o contrrio. e os mestres

A disperso e o desmembramento: eis a runa. A unio estreita sinal de vida e de desenvolvimento. Esta lei da luta social aplica-se tanto s classes quanto aos partidos. O anarquismo no uma bela utopia, tampouco uma abstrao filosfica, um movimento social das massas trabalhadoras. Por este motivo, deve juntar suas foras numa organizao geral continuamente ativa, como exigido pela realidade e a estratgia da luta de classes. "Estamos convencidos", disse Kropotkin, "de que a formao de uma organizao anarquista na Rssia, longe de ser prejudicial para a tarefa revolucionria, , pelo contrrio, desejvel e til no mais alto grau." (prefcio ao texto "A Comuna de Paris", de Bakunin, edio de 1892.) Bakunin nunca se ops idia de uma organizao anarquista geral. Pelo contrrio, suas aspiraes quanto organizao, assim como sua atividade na primeira internacional, nos do todo o direito de v-lo como um partidrio ativo exatamente de uma tal organizao. Em geral, a maioria dos militantes ativos do anarquismo combateu toda ao dispersa, e sonhou com um movimento anarquista firmemente ligado pela unidade do objetivo e dos meios. Durante a revoluo russa de 1917, a necessidade de uma organizao geral se fez sentir ainda mais intensa e urgentemente. No decorrer dessa revoluo, o movimento libertrio manifestou o mais alto grau de desmembramento e de confuso. A ausncia de uma organizao geral fez com que muitos militantes anarquistas atuassem nas fileiras dos bolcheviques. Essa ausncia tambm a causa de muitos outros militantes, hoje em dia, manterem-se passivos, impedindo todo uso de suas foras, cuja importncia bastante considervel. vital nossa necessidade de uma organizao que, reunindo a maioria dos participantes do movimento anarquista, estabelecer no anarquismo uma linha geral

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Organizaes Anrquicasttica e poltica que servir como guia para todo o movimento. J tempo de o anarquismo sair desorganizao, colocar um ponto final vacilaes sobre as questes tericas importantes, de caminhar resolutamente claramente identificado e realizar coletivamente organizada. do pntano da nas infindveis e tticas mais para o objetivo uma prtica

No basta, porm, constatar a necessidade vital dessa organizao. necessrio, tambm, estabelecer o mtodo de sua criao. Rejeitamos, como teoricamente e praticamente absurda, a idia de criar uma organizao conforme a receita da "Sntese", isto : reunindo os representantes das diferentes tendncias do anarquismo. Tal organizao, tendo incorporado elementos prticos e tericos heterogneos, seria apenas um agregado mecnico de indivduos, cada qual tendo um conceito diferente de todas as questes do movimento anarquista, um agregado que inevitavelmente se desintegraria ao entrar em contato com a realidade. O mtodo anarco-sindicalista no resolve o problema de organizao do anarquismo, porque no d prioridade a esse problema, interessando-se unicamente em sua penetrao e reforo nos meios operrios. Contudo, no se pode fazer grande coisa nesses meios, mesmo tendo alguma insero neles, quando no existe uma organizao anarquista geral. O nico mtodo que soluciona o problema da organizao geral, no nosso ponto de vista, reunir militantes ativos do anarquismo numa base de posies precisas: tericas, tticas e organizacionais, ou seja: uma base mais ou menos acabada de um programa homogneo. A elaborao de tal programa uma das principais tarefas que a luta social dos ltimos anos imps aos anarquistas. para a realizao desta tarefa que o grupo de anarquistas russos no exlio dedica uma parte importante de seus esforos.

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Organizaes AnrquicasA "Plataforma Organizacional" publicada abaixo representa, em linhas gerais, o esboo de tal programa. Deve ser um primeiro passo na reunio das foras libertrias numa nica coletividade revolucionria ativa capaz de lutar: a Unio Geral dos Anarquistas. No nos iludimos, h lacunas na presente Plataforma. Sem dvida, ela tem limitaes como toda e qualquer prtica nova de alguma importncia. possvel que algumas posies essenciais tenham sido omitidas e outras insuficientemente tratadas ou, ento, muito detalhadas ou repetidas. Tudo isso possvel, mas no o mais importante. O que importa lanar os fundamentos de uma organizao geral. Este o objetivo que alcanamos, em certa medida, atravs dessa Plataforma. So tarefas da coletividade, da Unio Geral dos Anarquistas: aument-la, aprofund-la e, mais tarde, fazer dela um programa definitivo para todo o movimento anarquista. Noutro plano, tambm, no nos iludimos. previsvel que vrios representantes do auto-intitulado individualismo e do anarquismo catico nos atacaro, espumando de dio e nos acusando de trair os princpios anarquistas. Mas ns sabemos que os elementos individualistas e caticos misturam, aos "princpios anarquistas" e o "foda-se tudo", a negligncia e a total falta de responsabilidade que, em nosso movimento, tm causado ferimentos quase incurveis. contra isso que estamos lutando, com toda nossa energia e paixo. Eis o motivo de ignoramos calmamente os ataques vindos desse campo. Baseamos nossa esperana em outros militantes: naqueles que se mantm fiis ao anarquismo, que tendo vivido e sofrido a tragdia do movimento anarquista, procuram dolorosamente uma soluo. Ademais, temos grandes esperanas na juventude libertria que, nascida no sopro da revoluo russa e situada, desde o comeo, no crculo das realidades concretas, exigir certamente a realizao dos princpios organizacionais e construtivos do anarquismo. Convidamos todas as organizaes anarquistas

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Organizaes Anrquicasrussas, dispersas em vrios pases do mundo, e tambm os militantes isolados do anarquismo, a se unirem sobre a base de uma Plataforma comum de organizao. Que esta Plataforma sirva de palavra de ordem revolucionria e ponto de unio para todos os militantes do movimento anarquista russo! Que sirva para lanar os fundamentos da Unio Geral dos Anarquistas!

Viva a Revoluo Social dos Trabalhadores do Mundo!GRUPO DIELO TRUDA, Paris 20/06/1926. Parte Geral

Luta de classes, seu papel e significadoNo existe humanidade unida. Existe a humanidade dividida em classes: escravos e senhores. Como todas as que a precederam, a sociedade capitalista e burguesa de nossos tempos no unida. Ela est dividida em dois campos distintos, diferenciados socialmente por suas respectivas situaes e funes: o proletariado (no sentido mais extenso da palavra) e a burguesia. O destino do proletariado , e tem sido h sculos, carregar o fardo do trabalho fsico e penoso, cujos frutos so colhidos por uma outra classe, que possui a propriedade, a autoridade e os produtos da cultura (cincia, educao, arte etc.): a burguesia. A escravizao social e a explorao das massas trabalhadoras formam a base sobre a qual a sociedade moderna se apia e sem a qual no poderia existir. Este fato gera uma luta de classes secular, que assume um carter aberto e violento ou uma aparncia de progresso lento e imperceptvel, mas orientada sempre,

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Organizaes Anrquicasessencialmente, para a transformao da sociedade atual numa sociedade que satisfar as aspiraes, necessidades e ao conceito de justia dos trabalhadores. Toda a histria da humanidade representa, no domnio social, uma cadeia ininterrupta de lutas que as massas trabalhadoras travam por seus direitos, sua liberdade e por uma vida melhor. Esta luta de classes tem sido sempre o principal fator que determina a forma e a estrutura das sociedades. O regime social e poltico de todos os pases , antes de tudo, produto da luta de classes. A estrutura de uma sociedade nos mostra a fase em que se encontra a luta de classes. A mnima alterao no curso da luta de classes, na relao de foras entre as classes em luta contnua, engendra mudanas no tecido e na estrutura da sociedade. Tal a dimenso geral, universal e o sentido da luta de classes na vida das sociedades de classe. A necessidade de uma violenta Revoluo Social O princpio de opresso e explorao das massas pela violncia constitui a base da sociedade moderna. Todas as manifestaes de sua existncia: a economia, a poltica, as relaes sociais... baseiam-se na violncia de classe, cujos instrumentos so: a autoridade, a polcia, o exrcito, os tribunais. Tudo nesta sociedade, desde a empresa tomada isoladamente at o conjunto dos aparatos estatais so baluartes na defesa e manuteno do capitalismo. Alm de serem pontos de observao permanente dos trabalhadores, servem para ter sempre ao alcance da mo as foras destinadas a reprimir os trabalhadores que ameaam os fundamentos ou mesmo a tranqilidade da sociedade atual. Ao mesmo tempo, o sistema capitalista mantm deliberadamente as massas trabalhadoras num estado de ignorncia e estagnao mental, impedindo pela fora a elevao de seu nvel intelectual e moral, para mais facilmente ludibri-las.

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Organizaes AnrquicasO progresso da sociedade moderna, a evoluo tcnica do capital e o aperfeioamento de seu regime poltico fortalecem o poder da classe dominante e dificultam ainda mais a luta contra ela, adiando o momento decisivo da emancipao dos trabalhadores. A anlise da sociedade moderna nos leva concluso de que a revoluo social violenta a nica via para transformar a sociedade capitalista numa sociedade de trabalhadores livres. O Anarquismo e o Comunismo Libetrio A luta de classes criada pela escravido dos trabalhadores e suas aspiraes de liberdade fez nascer, nos meio dos oprimidos, a idia do anarquismo: a idia da negao do sistema social baseado nos princpios de classes e do Estado, e sua substituio por uma sociedade livre e sem estado, autogerida pelos trabalhadores. Portanto, o anarquismo no deriva das reflexes abstratas de um intelectual ou filsofo, mas da luta direta dos trabalhadores contra o capital, das aspiraes e necessidades dos trabalhadores, de seus desejos de liberdade e igualdade, os quais se tornam particularmente vivos no melhor perodo herico da vida e da luta das massas trabalhadoras. Eminentes anarquistas, Bakunin, Kropotkin e outros, no inventaram a idia de anarquismo, mas a descobriram nas massas, apoiados somente na fora de seus pensamentos e conhecimentos, para especific-la e divulgla. O anarquismo no o resultado de obras pessoais nem objeto de pesquisas individuais. Similarmente, o anarquismo no produto de aspiraes humanitrias. A humanidade "unida" no existe. Qualquer tentativa de fazer do anarquismo um atributo da humanidade atual, de atribuir-lhe um carter genericamente humanitrio seria uma mentira histrica e social que conduziria inevitavelmente justificao da ordem atual e

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Organizaes Anrquicasde uma nova explorao. O anarquismo geralmente humanitrio apenas no sentido de que os ideais das massas trabalhadoras tendem a aperfeioar as vidas de todos os homens, e do fato de que o destino da humanidade de hoje ou de amanh inseparvel do destino do trabalho explorado. Se as massas trabalhadoras vencerem, toda a humanidade renascer. Se no, violncia, explorao, escravizao e opresso reinaro como nunca antes no mundo... O nascimento, o desenvolvimento e a realizao das idias anarquistas tem suas origens na vida e na luta das massas trabalhadoras, e esto inseparavelmente ligadas sua sorte. O anarquismo quer transformar a sociedade capitalista numa sociedade nova em que os trabalhadores tenham garantido o produto de sua atividade, a liberdade, a independncia e a igualdade social e poltica. Esta nova sociedade ser o comunismo libertrio. no comunismo libertrio que tero plena expanso a solidariedade social e a individualidade livre, e na qual essas duas idias se desenvolvero em perfeita harmonia. O comunismo libertrio avalia que o nico criador do valor social o trabalho, fsico e intelectual. Consequentemente, s os trabalhadores tm o direito de administrar a vida social e econmica. por isso que ele no justifica nem admite a existncia de classes no trabalhadoras. Enquanto tiver que coexistir com tais classes, o comunismo libertrio no reconhecer qualquer obrigao em relao a elas. Isto cessar quando as classes no trabalhadoras se decidirem a produzir e quiserem viver na sociedade comunista, sob as mesmas condies de todos os outros, os membros livres da sociedade, gozando dos mesmos direitos e obrigaes de todos os membros produtivos. O comunismo libertrio quer suprimir toda explorao e violncia, seja contra o indivduo ou as massas trabalhadoras. Para tanto, estabelece uma base econmica

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Organizaes Anrquicase social que unifica, num conjunto harmonioso, toda a vida econmica e social do pas, assegurando a todo indivduo uma situao igual a dos outros e dando a cada um o mximo bem-estar. Esta base a apropriao, sob a forma de socializao, de todos os meios e instrumentos de produo (indstria, transporte, terra, matrias-primas etc.) e a construo de organismos econmicos sob os princpios de igualdade e autogesto dos trabalhadores. Nos limites desta sociedade autogerida pelos trabalhadores, o comunismo libertrio estabelece o princpio da igualdade de valor e dos direitos de cada indivduo (no a individualidade "em geral", nem a individualidade "mstica" ou o conceito de individualidade, mas o indivduo concreto). A negao da democracia Democracia capitalista. uma das formas da sociedade

A democracia se baseia na manuteno das duas classes antagnicas da sociedade moderna: a do trabalho e a do capital, e sua colaborao fundada sobre a propriedade privada capitalista. A expresso dessa colaborao o parlamento e o governo nacional representativo. Formalmente, a democracia proclama a liberdade de opinio, de imprensa, de associao, enquanto no ameacem os interesses da classe dominante, ou seja, a burguesia. A democracia mantm intacto o princpio da propriedade privada capitalista. Portanto, d a burguesia o direito de controlar toda a economia do pas, toda a imprensa, educao, cincia, arte, o que de fato, torna a burguesia dona absoluta do pas. Possuindo o monoplio da vida econmica, a burguesia pode estabelecer seu poder ilimitado tambm na esfera poltica. Efetivamente, o governo representativo e o parlamento nada mais so, nas democracias, do que os rgos executivos da burguesia. Consequentemente, a democracia apenas um dos

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Organizaes Anrquicasaspectos da ditadura burguesa, camuflada pelas frmulas ilusrias das liberdades polticas e garantias democrticas fictcias. A negao da autoridade Os idelogos da burguesia definem o Estado como o rgo que regula as complexas relaes polticas e sociais entre os homens na sociedade moderna, protegendo a lei e a ordem. Os anarquistas esto em perfeita acordo com esta definio, mas a completam, afirmando que as bases dessa lei e dessa ordem a escravido da maioria da populao por uma minoria insignificante, e que para tal serve o Estado. O Estado , simultaneamente, a violncia organizada da burguesia contra os trabalhadores e o sistema de seus rgos executivos. Os socialistas de esquerda e, em particular, os bolcheviques, tambm consideram a autoridade e o Estado burgus como lacaios do capital. Mas sustentam que a autoridade e o Estado podem se tornar, nas mos dos partidos socialistas, um meio poderoso na luta pela emancipao do proletariado. Por este motivo, esses partidos so a favor de uma autoridade socialista e um Estado proletrio. Alguns querem conquistar o poder pacificamente, atravs do parlamento (os socialdemocratas); outros, por meios revolucionrios (os bolcheviques, os socialistas-revolucionrios de esquerda). O anarquismo considera-os, ambos, fundamentalmente equivocados, nocivos para a tarefa de emancipao do trabalho. A autoridade est sempre ligada explorao e submisso das massas populares. Ela nasce da explorao ou surge no interesse da explorao. A autoridade sem violncia e sem explorao perde toda a razo de ser. O Estado e a autoridade retiram das massas toda iniciativa, matam o esprito criador e a atividade livre, cultivam a psicologia da submisso: a expectativa, a

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Organizaes Anrquicasesperana de ascender na hierarquia social, a estpida confiana nos dirigentes, a iluso de ser parte da autoridade... Ora, a emancipao dos trabalhadores s possvel mediante o processo de luta revolucionria direta das massas trabalhadoras e suas organizaes de classe contra o sistema capitalista. A conquista do poder pelos partidos sociaisdemocratas, por meios pacficos e sob as condies da ordem atual, no far avanar um s passo a tarefa de emancipao do trabalho, pelo simples motivo de que o poder real, consequentemente a autoridade real, permanecer com a burguesia que controla a economia e a poltica do pas. O papel da autoridade socialista se reduzir a fazer reformas, a melhorar o regime. (Exemplos: Ramsay MacDonald, os partidos sociais-democratas da Alemanha, Sucia, Blgica, que assumiram o poder na sociedade capitalista.) Tomar o poder mediante a violncia e organizar o autodenominado "Estado proletrio" de nada adianta para uma autntica emancipao do trabalho. O Estado, construdo supostamente para a defesa da revoluo, termina fatalmente distorcido por suas necessidades e caractersticas peculiares, torna-se o objetivo em si mesmo, produz castas especficas e privilegiadas, sobre as quais se apia. Deste modo, submete as massas pela fora e consequentemente restabelece as bases da autoridade capitalista e do Estado capitalista: a opresso e a e explorao das massas pela violncia. (Exemplo: "o Estado operrio e campons" dos bolcheviques.) O papel das massa e o dos anarquista na luta e na Revoluo Social As principais foras da revoluo social so a classe operria urbana, as massas camponesas e um setor dos trabalhadores intelectuais.22 enquanto classe explorada e oprimida, da mesma forma que os proletrios urbanos e rurais, os trabalhadores intelectuais so

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Organizaes AnrquicasA concepo anarquista do papel das massas na revoluo social e na construo do socialismo difere, de maneira tpica, daquela dos partidos estatistas. Enquanto o bolchevismo e as tendncias que lhe so afins consideram que as massas trabalhadoras possuem apenas instintos revolucionrios destrutivos, sendo incapazes de uma atividade revolucionria criativa e construtiva razo pela qual essa atividade deve se concentrar nas mos dos homens que formam o governo do Estado e o Comit Central do partido - os anarquistas, pelo contrrio, pensam que as massas tm imensas possibilidades criativas e construtivas, e querem a supresso dos obstculos que impedem a manifestao dessas possibilidades. Os anarquistas consideram o Estado como seu principal obstculo, usurpando os direitos das massas e apropriando-se de todas as funes da vida econmica e social. O Estado deve perecer, no "um dia", na sociedade futura, mas agora. Ele deve ser destrudo no primeiro dia da vitria dos trabalhadores, e no deve ser reconstitudo de forma alguma. Ele ser substitudo por um sistema federalista de organizaes de produo e consumo dos trabalhadores federativamente unidos e auto-administrados. Este sistema exclui tanto a organizao da autoridade como a ditadura de um partido, no importa qual seja ele. A revoluo Russa de 1917 revela precisamente essa orientao do processo de emancipao social, na criao de um sistema de conselhos operrios e camponeses e comits de fbrica. Seu lamentvel erro foi no ter liquidado, no momento oportuno, a organizao do poder estatal: no comeo do governo provisrio, antes, e o poder bolchevique, depois. Os bolcheviques, aproveitando-se da confiana dos operrios e camponeses, reorganizaram o estado burgus de acordo com as circunstncias do momento e, em seguida, com a ajuda do estado, mataram a atividade criativa das massas, sufocando os sovietes livres e os comits de fbrica, que representaram o primeiro passorelativamente mais desunidos do que os operrios e camponeses, graas aos privilgios econmicos concedidos pela burguesia a alguns de seus elementos. Eis por que, no comeo da revoluo social, apenas a parcela mais desfavorecida dos intelectuais participou ativamente.

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Organizaes Anrquicasna construo de uma sociedade no estatal, socialista. A ao dos anarquistas pode ser dividida em dois perodos: um antes e outro durante a revoluo. Em ambos, os anarquistas s podero cumprir seu papel como uma fora organizada tendo uma concepo clara dos objetivos da luta e dos meios que levam realizao desses objetivos. A tarefa fundamental da Unio Geral dos Anarquistas, no perodo pr-revolucionrio, deve ser a preparao dos operrios e camponeses para a revoluo social. Negando a democracia formal (burguesa), a autoridade e o Estado, proclamando a completa emancipao do trabalho, o anarquismo destaca ao mximo os princpios rigorosos da luta de classes. Isto desperta e desenvolve nas massas uma conscincia de classe e a intransigncia revolucionria da classe. precisamente atravs da intransigncia de classe, do antidemocratismo, dos ideais do comunismo anarquista que a educao libertria das massas deve ser feita. Mas a educao somente no basta. necessria, tambm, uma certa organizao anarquista das massas. Para realizar isso, preciso atuar em duas direes: de um lado, selecionar e agrupar as foras revolucionrias de operrios e camponeses numa base terica comunista libertria (organizaes especficas comunistas libertrias); do outro, reagrupar operrios e camponeses revolucionrios numa base econmica de produo e consumo (organizao produtiva dos operrios e camponeses revolucionrios, cooperativas de operrios e camponeses livres etc.). Os operrios e camponeses, organizados numa base de produo e consumo, influenciados pelas posies anarquistas revolucionrias, sero o primeiro ponto de apoio da revoluo social. Quanto mais se tornarem conscientes e organizados maneira anarquista, desde j, mais os operrios e camponeses manifestaro a vontade intransigente e a criatividade libertria no momento da revoluo. Quanto classe operria na Rssia: claro que oito

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Organizaes Anrquicasanos de ditadura bolchevique, aprisionando as necessidades naturais das massas e sua atividade livre, demonstram, melhor do que qualquer coisa, a verdadeira natureza de todo poder. Mas a classe operria russa desenvolveu enormes possibilidades para a formao de um movimento anarquista de massas. Os militantes anarquistas organizados devem ir imediatamente, com todas foras de que dispem, ao encontro dessas necessidades e possibilidades, para que no degenerem em reformismo (menchevismo). Com a mesma urgncia, os anarquistas devem aplicar todas as suas foras organizao dos camponeses pobres, esmagados pelo poder estatal, buscando uma sada e desenvolvendo seu imenso potencial revolucionrio. O papel dos anarquistas, no perodo revolucionrio, no pode se limitar propagao de palavras de ordem e de idias libertrias. A vida aparece como a arena no s da propagao desta ou daquela concepo, mas, tambm, no mesmo grau, a arena da luta, da estratgia e das aspiraes dessas concepes direo econmica e social. Mais do que qualquer outra concepo, o anarquismo deve se tornar a concepo dirigente da revoluo social, porque apenas com a base terica do anarquismo a revoluo social poder conduzir completa emancipao do trabalho. A posio dirigente das idias anarquistas na revoluo significa uma orientao anarquista dos eventos. Contudo, no se deve confundir essa fora motriz terica com a liderana poltica dos partidos estatistas que levam finalmente ao Poder do Estado. O anarquismo no aspira nem conquista do poder poltico, nem ditadura. Sua principal aspirao ajudar as massas a trilhar a autntica via da revoluo social e da construo socialista. Mas no basta que sigam a via da revoluo social. Tambm necessrio manter esta orientao da revoluo e seus objetivos: substituio da sociedade capitalista pela dos trabalhadores livres. Como a experincia da revoluo Russa em 1917 nos mostrou, esta

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Organizaes Anrquicasltima tarefa est longe de ser fcil, sobretudo por causa dos inmeros partidos que tentam orientar o movimento numa direo oposta da revoluo social. Ainda que as massas se expressem profundamente nos movimentos sociais, pelas tendncias e princpios anarquistas, essas tendncias e princpios permanecem dispersos, se no forem coordenados, e consequentemente no conduzem organizao da potncia motriz das idias libertrias que necessria para manter, na revoluo social, a orientao e os objetivos anarquistas. Esta fora motriz terica pode ser expressa apenas por um coletivo especialmente criado pelas massas para tal fim. Os elementos anarquistas organizados constituem exatamente esse coletivo. Os deveres tericos e prticos, no momento da revoluo, so considerveis. Ele deve tomar iniciativas e deflagrar uma participao total em todos os domnios da revoluo social: na orientao e no carter geral da revoluo; nas tarefas positivas da revoluo na nova produo, na guerra civil e na defesa da revoluo, no consumo, na questo agrria etc. Sobre todas essas questes e numerosas outras, as massas exigem dos anarquistas uma resposta clara e precisa. E, a partir do momento em que os anarquistas proclamam uma concepo da revoluo e da estrutura da sociedade, eles so obrigados a dar respostas claras para todas essas questes, a ligar as respostas a uma concepo geral do comunismo libertrio e, por fim, dedicar-se totalmente sua efetiva realizao. Desta forma, a Unio Geral dos Anarquistas e o movimento anarquista assumem completamente sua funo terica motriz na revoluo social. O perodo transitrio Os partidos polticos entendem, pela expresso "perodo transitrio", uma fase determinada na vida de um povo cujas caractersticas so: ruptura com a velha ordem de coisas e instaurao de um novo sistema econmico e

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Organizaes Anrquicassocial, um sistema que, contudo, ainda no representa a completa emancipao dos trabalhadores. Neste sentido, todos os programas mnimos dos partidos polticos socialistas - por exemplo, o programa democrtico dos oportunistas socialistas ou o programa da "ditadura do proletariado", dos bolcheviques - so programas do perodo de transio. O trao essencial desses programas que todos consideram impossvel, para o momento, a completa realizao dos ideais dos trabalhadores: sua independncia, sua liberdade e igualdade, e consequentemente preservam toda uma srie de instituies do sistema capitalista: o princpio da coero estatista, propriedade privada dos meios e instrumentos de produo, o trabalho assalariado e diversos outros, de acordo com os objetivos do programa de cada partido. Os anarquistas sempre foram inimigos de tais programas, considerando que a construo de sistemas transitrios, que mantm os princpios de explorao e coero das massas, leva necessariamente a um novo crescimento da escravido. Ao invs de estabelecer programas polticos mnimos, os anarquistas sempre defenderam a idia de uma revoluo social imediata, que despoja a classe capitalista de seus privilgios econmicos e sociais, e coloca os meios e instrumentos de produo, assim como todas as funes da vida econmica e social, nas mos dos trabalhadores. At agora, os anarquistas tm mantido esta posio. A idia de um perodo transitrio, segundo a qual a revoluo social deve conduzir no a uma sociedade comunista, mas a um sistema X, conservando elementos do velho sistema, anti-social em sua essncia. Essa idia ameaa produzir o reforo e o desenvolvimento desses elementos s suas dimenses prvias, e faz retroagir os eventos. Um exemplo flagrante disso o regime de "ditadura do proletariado", estabelecido pelos bolcheviques na Rssia.

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Organizaes Anrquicasacordo com eles, esse regime deveria ser uma etapa transitria para o comunismo total. Na realidade, essa etapa produziu a restaurao da sociedade de classes, onde esto, subjugados como antes, os operrios e os camponeses pobres. O centro da gravidade na construo de uma sociedade comunista no consiste na possibilidade de assegurar a cada indivduo, desde o primeiro dia da revoluo, a liberdade ilimitada para satisfazer suas necessidades; mas se afirma na conquista da base social dessa sociedade comunista, estabelecendo os princpios de relaes igualitrias entre os indivduos. Quanto questo da maior ou menor abundncia de bens, no formulada em nvel de princpio, mas como um problema tcnico. O princpio fundamental sobre o qual a nova sociedade ser erguida, sobre o qual permanecer e no deve ser limitado de forma alguma, o da igualdade das relaes, da liberdade e independncia dos trabalhadores. Este princpio representa a exigncia prioritria e fundamental das massas, exigncia pela qual se sublevam e fazem a revoluo social. De duas, uma: 1. ) A revoluo social terminar com a derrota dos trabalhadores. Neste caso, devemos comear de novo a preparar a luta, uma nova ofensiva contra o sistema capitalista. 2. ) Ou, ento, conduzir vitria dos trabalhadores. Neste caso, os trabalhadores se apossaro dos meios que lhes permitem sua auto-administrao: a terra, a produo e as funes sociais, e comearo a construir uma sociedade livre. Eis o que caracteriza o incio da construo de uma sociedade comunista, que, uma vez iniciada, seguir ento continuamente o curso de seu desenvolvimento, fortalecendo-se e se aperfeioando sem cessar. Dessa maneira, a tomada das funes produtivas e sociais pelos trabalhadores traar uma linha demarcatria entre as pocas estatal e no-estatal.

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Organizaes AnrquicasSe quiser se tornar o porta-voz das massas em luta, a bandeira de toda uma poca de revoluo social, o anarquismo no deve assimilar, em seu programa, os resduos da velha ordem, as tendncias oportunistas dos sistemas e perodos de transio, nem, tampouco, ocultar seus princpios fundamentais, mas, ao contrrio, desenvolv-los e aplic-los ao mximo. Anarquismo e Sindicalismo Consideramos artificial, privada de todo fundamento e de todo sentido, a tendncia a opor o comunismo libertrio ao sindicalismo e vice-versa. As noes de anarquismo e sindicalismo pertencem a dois planos diferentes. Enquanto o comunismo, isto , a sociedade de trabalhadores livres e iguais, o objetivo da luta anarquista, o sindicalismo, isto , o movimento operrio revolucionrio por profisso, apenas uma das formas da luta revolucionria. Unindo os operrios nos locais de produo, o sindicalismo revolucionrio, como todo grupo profissional, no possui uma teoria determinada, uma concepo do mundo que responda a todas as complexas questes sociais e polticas da realidade atual. Ele reflete sempre a ideologia de diversos grupos polticos, notadamente aqueles que militam mais intensamente nos sindicatos. Nossa atitude em relao ao sindicalismo deriva do que j dissemos. Sem nos preocupar aqui em resolver com antecedncia a questo do papel dos sindicatos revolucionrios depois da revoluo, ou seja, se eles sero os organizadores de toda a nova produo ou se eles deixaro esse papel para os conselhos de trabalhadores ou, ainda, os comits de fbrica, ns entendemos que os anarquistas devem participar no sindicalismo revolucionrio como uma das formas do movimento operrio revolucionrio. Porm, a questo que se coloca hoje no se os anarquistas devem ou no participar no sindicalismo revolucionrio, mas sim como e com que fim devem

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Organizaes Anrquicasparticipar. Ns consideramos todo o perodo anterior, at o dia de hoje, quando os anarquistas entraram no movimento sindicalista na qualidade de militantes e propagandistas individuais, como um perodo de relaes artesanais com o movimento operrio profissional. O anarco-sindicalismo, tentando forar a introduo das idias libertrias na ala esquerda do sindicalismo revolucionrio, como meio cujo fim criar sindicatos de tipo anarquista, representa, sob este aspecto, um passo adiante. Mas no vai alm do mtodo emprico. Porque o anarcosindicalismo no liga necessariamente a tarefa de "anarquizao" do movimento sindical com a tarefa de organizao das foras anarquistas fora do movimento. Ora, apenas mediante tal ligao que possvel "anarquizar" o sindicalismo revolucionrio e impedi-lo de descambar para o oportunismo e o reformismo. Considerando o sindicalismo apenas como um movimento profissional de trabalhadores, sem uma teoria social e poltica determinada, e, portanto, incapaz de resolver por si mesmo a questo social, entendemos que a tarefa dos anarquistas no movimento consiste em desenvolver as idias libertrias, orientando-o num sentido libertrio, para transform-lo numa fora ativa da revoluo social. importante nunca esquecermos que, se o sindicalismo no encontrar apoio na teoria anarquista, ele se apoiar, ento, concordemos ou no com isto, na ideologia de um partido poltico estatista qualquer. A ttulo de exemplo, alis chocante, podemos citar o sindicalismo francs. Este, no qual brilhavam as tticas e palavras de ordem anarquistas, logo sucumbiu influncia dos bolcheviques, por um lado, e, sobretudo, por outro, influncia dos socialistas oportunistas de direita. Mas a tarefa dos anarquistas nas fileiras do movimento operrio revolucionrio no poder ser cumprida, a no ser que seja estreitamente ligada e conciliada com a atividade da organizao anarquista fora do sindicato. Resumindo, devemos entrar nos sindicatos

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Organizaes Anrquicascomo uma fora organizada, responsvel pela atuao no sindicato perante a organizao geral anarquista e orientados por ela. Sem nos limitar criao de sindicatos anarquistas, devemos tentar exercer nossa influncia terica sobre o sindicalismo revolucionrio como um todo e em todas as suas formas (a IWW, os sindicatos russos...). S atingiremos este objetivo, agindo como coletivo anarquista rigorosamente organizado, jamais em pequenos grupos empricos, que no possuem ligao organizacional nem convergncia terica. Grupos anarquistas em fbricas e empresas, preocupados em criar sindicatos anarquistas, lutando nos sindicatos revolucionrios pela preponderncia das idias libertrias no movimento, grupos orientados em sua ao por uma organizao geral anarquista: tais so os sentidos e as formas da atitude dos anarquistas em sua relao com o sindicalismo. Parte Construtiva Problemas da Revoluo Social: o dia seguinte O objetivo fundamental dos trabalhadores em luta a fundao, por meio da revoluo, de uma sociedade comunista livre e igualitria, baseada no princpio: "De cada um segundo suas possibilidades, para cada um segundo suas necessidades." Contudo, essa sociedade no se realizar por si mesma, s pelo poder de uma sublevao social. Sua realizao ser um processo social-revolucionrio, mais ou menos longo, conduzido num determinado caminho pelas foras organizadas do proletariado vitorioso. Nossa tarefa , desde j, indicar esse caminho e antecipar os problemas positivos e concretos que os trabalhadores enfrentaro desde o primeiro dia da revoluo social, cuja sorte depender de sua justa soluo. bvio que a construo da nova sociedade ser possvel apenas depois da vitria dos trabalhadores sobre o

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Organizaes Anrquicascapitalismo e seus representantes. No possvel comear a construo de uma nova economia e de novas relaes sociais enquanto o poder do estado que defende o regime de escravizao no tiver sido esmagado, enquanto os operrios e camponeses no tiverem tomado em suas mos, durante a revoluo, a economia industrial e agrria do pas. Portanto, a primeira tarefa da revoluo social destruir o estado capitalista, expropriar a burguesia e, de modo geral, todos os elementos socialmente privilegiados, dos meios do poder, e implantar, em toda parte, a vontade do proletariado revoltado, expressa nos princpios fundamentais da revoluo social. Este aspecto destrutivo e combativo da revoluo nada mais far do que desobstruir o caminho para as tarefas positivas que constituem o sentido e a essncia da revoluo socialAs tarefas so as seguintes: 1. A soluo, no sentido comunista libertrio, do problema da produo industrial do pas. 2. A soluo similar em relao ao problema agrrio. 3. A soluo do problema de consumo. Produo Levando em conta o fato de que a indstria do pas o resultado dos esforos de inmeras geraes de trabalhadores e que os diversos ramos da indstria so estreitamente interligados, consideramos toda a funo produtiva atual como uma s oficina de produtores, pertencendo totalmente ao conjunto dos trabalhadores, e a ningum em particular. O mecanismo produtivo do pas global e pertence a toda a classe operria. Esta tese determina o carter e a forma da nova produo. Ela ser tambm global, comum, no sentido de que os produtos pertencero a todos. Tais produtos, quaisquer que sejam, constituiro o fundo geral de provises dos trabalhadores, do qual todo participante na nova produo receber tudo que necessita, numa base igual para todos.

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Organizaes AnrquicasO novo sistema de produo suprimir totalmente o trabalho assalariado e a explorao, sob todas as suas formas, e estabelecer em seu lugar o princpio da colaborao fraterna e solidria dos trabalhadores. A classe mdia, que na sociedade capitalista moderna, exerce funes intermedirias e improdutivas comrcio e outras - assim como a burguesia, deve participar na nova produo, nas mesmas condies de todos os outros trabalhadores. Caso contrrio, essas classes se excluiro da sociedade trabalhadora. No haver patres, sejam empresrios, proprietrios privados ou burocratas estatais (como no estado bolchevique). As funes organizadoras passaro, na nova produo, para os rgos administrativos especialmente criados pelas massas operrias: conselhos de operrios, comits de fbrica ou gesto operria das fbricas e empresas. Esses rgos, interligados na comuna, no distrito e, logo aps, em todo o pas, formaro as instituies das comunas, dos distritos, em suma, as instituies gerais e federais de gesto da produo. Designados pelas s massas e sempre sob seu controle e influncia, todos esses rgos sero constantemente renovados e realizaro assim a idia da autogesto pelas massas. A produo unificada, cujos meios e produtos pertencem a todos, tendo substitudo o trabalho assalariado pelo princpio da colaborao fraternal e tendo estabelecido a igualdade de direitos para todos os produtores; a produo dirigida pelos rgos de gesto operria, eleitos pelas massas; tal o primeiro passo no caminho para a realizao do comunismo libertrio. Consumo Esse problema surgir na revoluo sob um duplo aspecto: 1. O princpio da busca dos bens de consumo. 2. O princpio de sua distribuio. No que diz respeito distribuio dos bens de

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Organizaes Anrquicasconsumo, as solues dependero, sobretudo, da quantidade de produtos disponveis e do princpio da conformidade com o objetivo etc. A revoluo social, encarregando-se da reconstruo de toda ordem social, assume a obrigao de satisfazer as necessidades vitais de todas as pessoas. A nica exceo o grupo dos no-trabalhadores - aqueles que se recusam a tomar parte na nova produo por motivos contrarevolucionrios. Mas, em geral, excetuando estes, a satisfao das necessidades de toda a populao do territrio da revoluo social assegurada pela reserva geral de consumo. Se houver escassez, os bens sero divididos de acordo com os princpios da maior urgncia: isto , em primeiro lugar as crianas, os enfermos e as famlias operrias. Um problema muito mais difcil o da organizao do prprio fundo de consumo. Sem dvida, desde o primeiro dia da revoluo, as cidades no disporo de todos os produtos necessrios para a vida da populao. Ao mesmo tempo, os camponeses tero em abundncia os produtos que faltam s cidades. Os comunistas libertrios no tm qualquer dvida quanto ao carter mtuo das relaes entre os trabalhadores da cidade e do campo. Entendemos que a revoluo social s pode ser realizada pelos esforos comuns de operrios e camponeses. Em conseqncia, a soluo do problema de consumo na revoluo s pode ser possvel mediante a estreita colaborao revolucionria entre essas duas categorias de trabalhadores. Para estabelecer essa colaborao, a classe operria urbana, tendo assumido a gesto da produo, deve imediatamente suprir as necessidades vitais do campo e se esforar para fornecer os produtos do consumo dirio, os meios e instrumentos para a agricultura coletiva. As medidas de solidariedade tomadas pelos trabalhadores, ao atender as necessidades dos camponeses, suscitar nestes a reciprocidade, enviando coletivamente seus produtos, em primeiro lugar os alimentcios, para as cidades.

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Organizaes AnrquicasCooperativas de operrios e camponeses sero os primeiros rgos a assegurar as necessidades de alimentao e de provises para as cidades e os campos. Mais tarde, responsveis por funes mais importantes e permanentes, notadamente de suprir o que for necessrio para manter e desenvolver a vida econmica e social dos operrios e camponeses, essas cooperativas sero transformadas em rgos permanentes de suprimento das cidades e do campo. A soluo do problema de suprimento permanente permitir ao proletariado criar um estoque permanente, o que produzir um efeito favorvel e decisivo no resultado de toda a nova produo. A Terra Consideramos como principais foras revolucionrias e criadoras na soluo da questo agrria os camponeses trabalhadores - aqueles que no exploram o trabalho de outras pessoas - e o proletariado rural. Sua tarefa fazer a redistribuio da terra, para estabelecer o usufruto coletivo da terra sob princpios comunistas. Assim como a indstria, a terra, explorada e cultivada por sucessivas geraes de trabalhadores, o resultado de seus esforos comuns. Ela pertence a todos os trabalhadores e a ningum em particular. Enquanto propriedade comum e inalienvel dos trabalhadores, a terra no poder ser comprada ou vendida, nem alugada; portanto, ela no poder servir como meio de explorao do trabalho de outros. A terra tambm uma espcie de oficina popular e comunitria, onde as pessoas produzem seus meios de vida. Mas uma espcie de oficina onde cada trabalhador (campons) se acostumou, graas a certas condies histricas, a realizar o seu trabalho sozinho, independente dos outros produtores. Se, na indstria, o mtodo coletivo de trabalho essencial e o nico possvel, na agricultura, a maioria dos camponeses trabalha com seus prprios meios. Consequentemente, quando a terra e os meios de

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Organizaes Anrquicassua explorao so tomados pelos camponeses, sem possibilidade de venda nem de aluguel, a questo das formas de seu usufruto e dos mtodos para sua explorao (comunal ou familiar) no encontrar uma soluo completa e definitiva, como no setor industrial. No comeo, provavelmente, sero utilizados os dois mtodos. Os camponeses revolucionrios estabelecero a forma definitiva de explorao e de usufruto da terra. Nenhuma presso externa admissvel nesta questo. Entretanto, considerando que: apenas a sociedade comunista, em cujo nome ser feita a revoluo social, isenta os trabalhadores de sua condio de escravos e explorados, dando-lhes completa liberdade e igualdade; que os camponeses so a esmagadora maioria da populao (quase 85% na Rssia, no perodo em discusso) e que, consequentemente, o regime agrrio que eles estabelecerem ser um fator decisivo no destino da revoluo; que, enfim, a economia privada na agricultura, assim como na indstria, leva ao comrcio, acumulao, propriedade privada e restaurao do capital - nosso dever, desde j, fazer tudo que for necessrio para facilitar a soluo da questo agrria, num sentido coletivo. Para tal fim, devemos nos empenhar numa intensa propaganda, entre os camponeses, a favor da economia agrria coletiva. A fundao de uma Unio Camponesa libertria especfica facilitar consideravelmente esta tarefa. Em funo disso, o progresso tcnico ter enorme importncia, acelerando a evoluo da agricultura e a realizao do comunismo nas cidades, sobretudo nas indstrias. Se, em suas relaes com os camponeses, os operrios agirem, no individualmente ou em grupos separados, mas como um imenso coletivo comunista, abrangendo todos os ramos industriais; se, alm disso, atenderem as necessidades vitais do campo e se, ao mesmo tempo, abastecerem cada aldeia com os itens de uso dirio, ferramentas e mquinas para a explorao coletiva das terras, certamente atrairo os camponeses para o comunismo na agricultura.

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Organizaes AnrquicasA Defesa da Revoluo A questo da defesa da revoluo est ligada ao problema do "primeiro dia". Basicamente, o modo mais possante de defesa da revoluo a soluo feliz para seus problemas positivos: a produo, o consumo e a terra. Se esses problemas forem justamente solucionados, nenhuma fora contra-revolucionria ser capaz de alterar ou desequilibrar a sociedade livre dos trabalhadores. Contudo, os trabalhadores tero que lutar duramente contra os inimigos da revoluo, para defender e manter sua existncia concreta. A revoluo social, que ameaa os privilgios e a existncia das classes no-trabalhadoras da sociedade, provocar inevitavelmente, da parte dessas classes, uma resistncia desesperada que tomar a forma de uma feroz guerra civil. Como a experincia russa mostrou, tal guerra civil durar alguns anos. Por mais felizes que sejam os primeiros passos dos trabalhadores, no incio da revoluo, a classe dominante ser capaz de resistir por um longo tempo. Durante muitos anos, ela desencadear ofensivas contra a revoluo, tentar reconquistar o poder e os privilgios que lhe foram arrebatados. Um enorme exrcito, estratgia e tcnicas militares, capital - tudo ser lanado contra os trabalhadores vitoriosos. Para preservar as conquistas da revoluo, os trabalhadores devem criar rgos de defesa da revoluo, contrapondo-se ofensiva da reao com uma fora combatente altura da tarefa. Nos primeiros dias da revoluo, esta fora ser constituda por todos os operrios e camponeses armados. Mas essa fora armada espontnea ser eficiente apenas durante os primeiros dias, quando a guerra civil ainda no alcanou seu clmax e os dois partidos em luta no criaram organizaes militares regularmente constitudas.

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Organizaes AnrquicasNa revoluo social, o momento mais crtico no o da supresso da autoridade, mas o seguinte, quando as foras do regime derrotado lanam uma ofensiva geral contra os trabalhadores e o importante salvaguardar as conquistas alcanadas. O carter dessa ofensiva, assim como a tcnica e o desenvolvimento da guerra civil, obrigaro os trabalhadores a criar contingentes revolucionrios militares determinados. A essncia e os princpios fundamentais dessas formaes devem ser decididos antecipadamente. Negando os mtodos estatistas e autoritrios para governar as massas, tambm rechaamos o mtodo estatista de organizar as foras militares dos trabalhadores, ou seja, o princpio de um exrcito estatista, fundado sobre o servio militar obrigatrio. o princpio do voluntariado, de acordo com as posies fundamentais do comunismo libertrio, que deve ser a base das formaes militares dos trabalhadores. Os destacamentos de guerrilheiros insurgentes, operrios e camponeses, que conduziram a ao militar na revoluo russa, podem ser citados como exemplos de tais formaes. Porm, o voluntariado e a ao guerrilheira no devem ser compreendidos estritamente, ou seja, como uma luta de destacamentos operrios e camponeses contra o inimigo local, sem estar coordenados por um plano geral de operao e cada um agindo por sua conta e risco. A ao e as tticas dos guerrilheiros devero ser orientadas, em seu completo desenvolvimento, por uma estratgia revolucionria comum. Como em todas as guerras, a guerra civil no pode ser realizada com sucesso pelos trabalhadores, a no ser que eles apliquem os dois princpios fundamentais de toda ao militar: unidade do plano de operaes e unidade de comando. O momento mais crtico da revoluo ser quando a burguesia lanar contra a revoluo suas foras organizadas. Ento, os trabalhadores sero obrigados a adotar esses princpios de estratgia militar. Desta maneira, tendo em vista as necessidades da estratgia militar e a estratgia dos contra-revolucionrios, as foras armadas da revoluo devero fundir-se num

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Organizaes Anrquicasexrcito revolucionrio geral, tendo um comando e um plano de operaes comuns. Os princpios abaixo formam a base desse exrcito: 1. carter de classe do exrcito; 2. voluntariado (toda coero ser completamente excluda da tarefa de defesa da revoluo); 3. livre disciplina (autodisciplina) revolucionria: o voluntariado e a autodisciplina revolucionria so totalmente compatveis, e tornaro o exrcito da revoluo moralmente mais forte do que qualquer exrcito estatal; 4. total submisso do exrcito revolucionrio s massas operrias e camponesas, representadas pelas organizaes de operrios e camponeses de todo o pas, situados pelas massas na direo da vida econmica e social. Dito de outra maneira: o rgo de defesa da revoluo encarregado de combater a contra-revoluo, nas frentes militares externas assim como na guerra civil (conspiraes burguesas, preparativos de aes contrarevolucionrias) ser totalmente controlado pelas organizaes produtivas de operrios e camponeses, s quais se submeter e das quais receber a orientao poltica. Ateno: Estando tudo construdo conforme princpios comunistas libertrios determinados, o exrcito no deve ser considerado um elemento de princpio. Ele nada mais do que a aplicao da estratgia militar na revoluo, uma medida estratgica qual os trabalhadores so forados pelo processo da guerra civil. Mas esta medida exige ateno, desde j, deve ser cuidadosamente estudada para evitar, na execuo das tarefas de proteo e defesa da revoluo, toda demora irreparvel, pois tais hesitaes, durante a guerra civil podero ser desastrosos para a revoluo social.

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Organizaes AnrquicasParte Organizacional Os Princpios da Organizao Anarquista As posies gerais construtivas, acima expostas, constituem a plataforma de organizao das foras revolucionrias do anarquismo. Esta plataforma, contendo uma orientao terica e ttica definitiva, aparece como o mnimo necessrio e urgente para todos os militantes do movimento anarquista organizado. Sua tarefa agrupar, em torno de si, todos os elementos saudveis do movimento anarquista numa s organizao geral, permanentemente ativa: a Unio Geral dos Anarquistas. As foras de todos os militantes ativos do anarquismo dever ser orientada para a criao desta organizao. Os princpios fundamentais de organizao da Unio Geral dos Anarquistas sero os seguintes: Unidade Terica A teoria representa a fora que dirige a atividade das pessoas e das organizaes por um caminho definido e para um objetivo determinado. Naturalmente, a teoria deve ser comum para todas as pessoas e organizaes que aderirem Unio Geral. Toda atividade da Unio Geral Anarquista, tanto em carter geral como em particular, deve estar em perfeito acordo com os princpios tericos da Unio. Unidade Ttica ou Mtodo Coletivo de Ao Os mtodos tticos empregados por membros e grupos da Unio tambm devem ser unitrios, ou seja, estar rigorosamente de acordo entre si e com a teoria e ttica geral da Unio. Uma linha ttica comum no movimento tem importncia decisiva para a existncia da organizao e de todo o movimento, prevenindo-o contra os efeitos nefastos

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Organizaes Anrquicasde vrias tticas que se neutralizam mutuamente, e concentrando todas as suas foras, orienta-o numa direo comum que conduz a um objetivo determinado. Responsabilidade Coletiva A prtica que consiste em agir em nome da responsabilidade pessoal deve ser condenada e rejeitada no movimento anarquista. Os domnios da vida revolucionria, social e poltica, so antes de tudo coletivos por sua natureza. A atividade social revolucionria no pode se basear na responsabilidade pessoal dos militantes isolados. O rgo executivo do movimento geral anarquista, a Unio Anarquista, contrapondo-se decisivamente ttica irresponsvel do individualismo, introduz em suas fileiras o princpio da responsabilidade coletiva: toda a Unio dever ser responsvel pela atividade revolucionria e poltica de cada membro; da mesma forma, cada membro ser responsvel pela atividade revolucionria e poltica da Unio como um todo. Federalismo O Anarquismo sempre negou a organizao centralizada, na vida social das massas quanto e em sua ao poltica. O sistema de centralizao atrofia o esprito crtico, a iniciativa e a independncia de cada indivduo, e promove a cega submisso das massas ao 'centro'. As conseqncias, naturais e inevitveis, desse sistema so a escravido e a mecanizao da vida social e da vida dos grupos. Contra o centralismo, o anarquismo sempre professou e defendeu o princpio do federalismo, que harmoniza a independncia e a iniciativa dos indivduos ou da organizao com o interesse da causa comum. Conciliando a idia de independncia e a plenitude dos direitos de cada indivduo com os interesses e necessidades sociais, o federalismo incentiva toda

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Organizaes Anrquicasmanifestao saudvel das faculdades de cada indivduo. Mas, com freqncia, o princpio federalista tem sido deformado nas fileiras anarquistas: tem sido compreendido como o direito, sobretudo, da manifestao do 'ego', sem a obrigao de cumprir seus deveres na organizao. Essa interpretao falsa desorganizou nosso movimento no passado. tempo de acabar com isso, de modo forte e irreversvel. Federalismo significa livre entendimento, entre indivduos e organizaes, na ao coletiva orientada para o objetivo comum. Ora, tal entendimento e a unio federativa baseada nela se tornaro realidade, em vez de fico e iluso, somente na indispensvel condio de que todos os que participam do entendimento e na Unio cumpram os deveres assumidos, em conformidade com as decises tomadas em comum. Numa construo social, por mais vasta que sejam as bases federalistas sobre as quais se funda, no poder haver direitos sem obrigaes, nem decises sem a respectiva execuo. Isto ainda menos admissvel numa organizao anarquista, que assume exclusivamente obrigaes quanto aos trabalhadores e a revoluo social. Por conseguinte, o tipo federalista de organizao anarquista, reconhecendo os direitos (quais sejam: independncia, opinio livre, iniciativa e liberdade individual) de cada membro, exige que cada membro cumpra seus deveres organizacionais determinados, assim como a rigorosa execuo das decises tomadas em comum. Unicamente sob esta condio, o princpio federalista viver, e a organizao anarquista funcionar corretamente, dirigindo-se para um objetivo definido. A idia da Unio Geral dos Anarquistas pe o problema da coordenao e da aprovao das atividades de todas as foras do movimento anarquista.

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Organizaes AnrquicasCada organizao aderente Unio representa uma clula vital, parte de um organismo comum. Cada clula ter seu secretariado, executando e orientando teoricamente sua prpria atividade poltica e tcnica. Tendo em vista a coordenao da atividade de todas as organizaes aderentes Unio, um rgo especial ser criado: o Comit Executivo da Unio. Este ltimo ser responsvel pelas seguintes funes: execuo das decises tomadas pela Unio; orientao terica e organizacional da atividade das organizaes isoladas, de acordo com as opinies tericas e a linha ttica geral da Unio; superviso do estado geral do movimento; manuteno das ligaes prticas e organizacionais entre todas as organizaes na Unio, e com outras organizaes. Os direitos e obrigaes, as tarefas prticas do comit executivo so fixadas pelo Congresso da Unio. A Unio Geral dos Anarquistas possui um objetivo determinado e concreto. Em nome do sucesso da revoluo social, ela deve antes de tudo se apoiar sobre os elementos mais revolucionrios e radicais dentre os operrios e camponeses, assimilando-os. Proclamando a revoluo social e, alm disso, sendo uma organizao antiautoritria que luta pela abolio imediata da sociedade de classes, a Unio Geral dos Anarquistas se apia igualmente sobre duas classes fundamentais da sociedade atual: os operrios e os camponeses. A Unio se empenhar de modo igual na luta pela emancipao dessas duas classes. Quanto aos sindicatos, s organizaes operrias e revolucionrias nas cidades, a Unio Geral dos Anarquistas intensificar seus esforos para se tornar seu destacamento de vanguarda e guia terico. Ela assumir as mesmas tarefas na relao com as massas camponesas exploradas. Como pontos de apoio, desempenhando o papel dos sindicatos revolucionrios para os operrios, a Unio se esforar para criar uma rede de organizaes econmicas camponesas revolucionrias e, alm disso, um sindicato de camponeses especfico,

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Organizaes Anrquicasfundado sobre princpios antiautoritrios. Nascida do corao da massa trabalhadora, a Unio Geral dos Anarquistas deve participar de todas as manifestaes de sua vida, contribuindo, por toda a parte e sempre, com o esprito de organizao, perseverana, atividade e ofensiva. Somente assim, ela cumprir sua tarefa, sua misso terica e histrica na revoluo social dos trabalhadores, e se tornar a iniciativa organizada de seu processo emancipador.

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Definies mnimas das organizaes revolucionriasGuy Debord

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Organizaes AnrquicasConsiderando que o nico fim de uma organizao revolucionria a abolio das classes existentes por meios que no levem a uma nova diviso da sociedade, qualificamos de revolucionria qualquer organizao que procure de maneira conseqente a realizao internacional do poder absoluto dos conselhos de trabalhadores tal e como tem sido esboado pelas experincias das revolues proletrias deste sculo. Tal organizao apresenta uma crtica unitria do mundo ou no nada. Por crtica unitria entendemos uma crtica dirigida globalmente contra todas as zonas geogrficas onde se instalaram diversas formas de poderes scio-econmicos separados, e que se pronuncia tambm globalmente contra todos os aspectos da vida. Tal organizao reconhece o princpio e o fim de seu programa na descolonizao total da vida quotidiana; no pretende a autogesto do mundo existente pelas massas, seno sua transformao ininterrupta. Realiza a crtica radical da economia poltica, a superao da mercadoria e do salrio. Tal organizao rechaa toda a reproduo em seu interior das condies hierrquicas do mundo dominante. O nico limite de participao em sua democracia total o reconhecimento e a auto-apropriao por todos os seus membros da coerncia de sua crtica: essa coerncia deve estar na teoria crtica propriamente dita e na correlao entre essa teoria e a atividade prtica. Critica radicalmente toda ideologia enquanto poder separado das idias e idias do poder separado. Assim, ela ao mesmo tempo a negao de toda sobrevivncia da religio e do atual espetculo social que, desde a informao at a cultura massificada, monopoliza toda comunicao dos homens entorno de uma recepo unilateral das imagens de sua atividade alienada. Dissolve toda a "ideologia revolucionria" desmascarando-a como indicao do fracasso do projeto revolucionrio, como propriedade privada dos novos especialistas do poder, como impostura de uma nova representao que se erige da vida real proletarizada.

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Organizaes AnrquicasSendo a categoria de totalidade o juzo ltimo da organizao revolucionria moderna, tal organizao em ltima anlise uma crtica da poltica. Deve ter como objetivo explcito, com sua vitria, o seu prprio fim como organizao separada. Guy Debord, outubro de 1955.3

Preliminares sobre os Conselhos e a Organizao ConselhistaRen Riesel3Publicado originalmente em Internationale Situationniste n 11, outubro de 67. Trad. de Juan Fonseca publicada en DEBATE LIBERTARIO 2 - Serie Accin directa - Campo Abierto Ediciones Primera edicin: maio de 1977. Traduzido do espanhol pelos editores do stio www.geocities.com/autonomiabvr Em http://www.geocities.com/autonomiabvr/minima.html

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"O governo operrio e campons decretou que Kronstadt e os navios rebeldes devem submeterse imediatamente autoridade da Repblica Sovitica. Portanto, ordeno a todos que levantaram a mo contra a ptria socialista que deponham as armas de imediato. Os desobedientes sero desarmados, detidos e entregues s altas autoridades soviticas. Os comissrios e outros representantes do governo que se encontram detidos, devem ser libertados j. S quem se render incondicionalmente poder contar com a misericrdia da Repblica Sovitica. Ao mesmo tempo, ordenamos que seja preparada a represso e a submisso dos amotinados pelas armas. Toda responsabilidade pelos prejuzos que possa sofrer a populao pacfica recair sobre os amotinados contra-revolucionrios. Esta advertncia a definitiva." Trotski, Kamenev. "Ultimatum a Kronstadt", 5 maro 1921 "A nica coisa que temos a dizer : TODO O PODER AOS SOVIETS! Tirai vossas mos deste poder, vossas mos tingidas com o sangue dos

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Organizaes Anrquicasmrtires da liberdade que lutaram contra os guardas brancos, latifundirios e a burguesia. " lzvestia de Kronstadt n6, 7 maro 1921 H 50 anos, os leninistas reduziram o comunismo eletrificao, a contra-revoluo bolchevique construiu o estado sovitico sobre o cadver do poder dos sovietes, a palavra Soviete deixou de traduzir-se por Conselho. Nesse perodo, as revolues ocorridas sempre lanaram na cara dos senhores do Kremlin a reivindicao de Kronstadt: "Todo o poder aos sovietes, no aos partidos!" A tendncia real do movimento proletrio para o poder dos Conselhos Operrios, no decorrer de meio sculo de tentativas e fracassos sucessivos, indica para a nova corrente revolucionria que os Conselhos so a nica forma de ditadura anti-estatal do proletariado e o nico tribunal que poder pronunciar o juzo contra o velho mundo, ao mesmo tempo que executar a sentena. Como nos necessrio precisar a noo de Conselho, descartaremos as grosseiras falsificaes acumuladas pela social-democracia, a burocracia russa, o titismo e inclusive o benbelismo, mas sobretudo reconheceremos as insuficincias das breves experincias prticas que at agora se esboaram do poder dos Conselhos e os erros das concepes dos revolucionrios conselhistas. (...) Aquilo para o qual o Conselho tende a ser em sua totalidade, aparece delineado negativamente pelos limites e as iluses que marcaram suas primeiras manifestaes e pela luta imediata e sem compromisso que as classes dominantes empreenderam contra ele, ambos os fatores causaram sua derrota. O Conselho pretende ser a forma de unificao prtica dos proletrios, que se apropriam dos meios materiais e intelectuais para transformar as condies existentes e realizam soberanamente sua histria. O conselho pode e deve ser a organizao em ato da conscincia histrica. Porm nunca em nenhum lugar o poder dos Conselhos chegou a transpor a separao que congenitamente comportam as organizaes polticas especializadas e as formas de falsa conscincia ideolgica que estas produzem. Alm do mais,

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Organizaes Anrquicasse os Conselhos, como sujeitos principais de um momento revolucionrio, so normalmente Conselhos de Delegados que coordenam e federam as decises dos conselhos locais, se pode constatar que as assemblias gerais de base quase sempre tem sido consideradas como meras assemblias de eleitores de maneira que o primeiro grau de "um Conselho" se situaria mais num nvel superior que nas assemblias gerais locais de todos os proletrios revolucionrios, o prprio Conselho, de onde qualquer tipo de delegao deve obter em qualquer instante seu poder (mandato). Deixando de lado os traos pr-conselhistas que entusiasmaram Marx na Comuna de Paris ("a forma poltica enfim descoberta sob a qual pode se realizar a libertao econmica do trabalho") e que melhor do que na Comuna eleita se manifesta na organizao do Comit Central da Guarda Nacional, composto por delegados do proletariado parisiense, o primeiro esboo de uma organizao prpria do proletariado em um momento revolucionrio, foi o famoso "Conselho de Deputados Operrios" de So Petesburgo. Segundo as cifras dadas por Trotski em 1905, uns 200.000 operrios enviaram seus delegados ao Soviet de So Petesburgo, mas sua influncia se estendia muito mais alm de sua zona, pois muitos outros Conselhos da Rssia se inspiraram em suas deliberaes e decises; agrupava diretamente aos trabalhadores de mais de 150 empresas e alm disso acolhia os representantes de 16 sindicatos que se uniram ao Conselho. Seu primeiro ncleo se formou em 13 de outubro, mas j no dia 17 institua por cima dele um Comit Executivo que, disse Trotski, "lhe servia de ministrio". Sobre um total de 562 delegados, o Comit Executivo formavam 31 membros dos quais 22 eram realmente trabalhadores delegados pelo conjunto dos trabalhadores e 9 representavam os trs partidos revolucionrios (mencheviques, bolcheviques e socialrevolucionrios); no entanto os "representantes dos partidos no tinham voto nas deliberaes". Podemos admitir, pois, que as assemblias de base estavam representadas fielmente pelos seus delegados revogveis, mas evidentemente eles haviam abdicado de grande parte de seu poder e de maneira totalmente parlamentarista a favor

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Organizaes Anrquicasde um Comit Executivo em que os "tcnicos" dos partidos polticos tinham uma influncia imensa. Qual foi a origem deste Soviet? Parece que esta forma de organizao foi encontrada por alguns elementos politicamente instrudos da base operria e que pertenciam a alguma frao socialista. Parece excessiva a afirmao de Trotski ao dizer que "uma das organizaes socialdemocratas de Petesburgo tomou a iniciativa da criao de um administrao autnoma revolucionria operria". (Alm do mais, destas "duas organizaes", quem em seguida reconhecem a importncia desta iniciativa foram os mencheviques). Entretanto, a greve de outubro de 1905 se erigiu de fato em Moscou em 19 de setembro, quando os tipgrafos da empresa Sytin se puseram em greve, fundamentalmente porque queriam que os sinais de pontuao estivessem entre os 1000 caracteres que constituam a unidade de pagamento de seu trabalho. Cinqenta empresas lhes seguiram e em 25 de setembro as grficas de Moscou constituram um conselho. Em 3 de outubro, "a assemblia de deputados operrios das corporaes de artes grficas, de mecnica, carpintaria, de tabaco e outras, adotou a resoluo de constituir um conselho (Soviet) geral de Moscou" (Trotski, op. cit.). Vemos, pois, que esta forma aparece espontaneamente no princpio do movimento de greve. E este movimento que comeou a esfriar nos dias seguintes se vivificou de novo at alcanar a grande crise histrica de 7 de outubro, quando os trabalhadores ferrovirios, a partir de Moscou espontaneamente comearam a interromper o trfego de trens. O movimento de conselhos de Turim, de maro-abril de 1920, foi iniciado pelos proletrios da Fiat que constituam um ncleo muito concentrado. Entre agosto e setembro de 1919, ocorreu a renovao dos eleitos em uma "comisso interna" uma espcie de comit de empresa colaboracionista fundado por um convnio coletivo de 1906 com o objetivo de integrar melhor os operrios , o que ocasionou uma transformao completa do papel desses "comissrios" na situao de crise social que ento assolava a Itlia. Assim, comearam a se federarem entre eles como

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Organizaes Anrquicasrepresentantes diretos dos trabalhadores. Em outubro de 1019, trinta mil trabalhadores estavam representados em uma assemblia de "comits executivos dos Conselhos de fbrica", que mais parecia uma reunio de contra-mestres que a uma organizao de conselhos dita (sobre a base de um comissrio eleito por cada oficina). Mas o exemplo foi seguido, se estendeu e o movimento se radicalizou, sustentado por uma frao do Partido Socialista, que era majoritria em Turim (com Gramsci) e pelos anarquistas piemonteses (Cf. o folheto de Pier Carlo Masini, Anarchici e comuniste nel movimento dei Consigli a Torino). O movimento foi combatido pela maioria do Partido Socialista e pelos sindicatos. Em 15 de maro de 1920, os Conselhos iniciaram a greve com ocupao de fbricas e colocaram em marcha a produo sob seu absoluto controle. Em 14 de abril, a greve j era geral no Piemonte. Nos dias seguintes, alcanou grande parte do norte da Itlia, sobretudo entre os ferrovirios e os estivadores. O governo recorreu a navios de guerra para desembarcar em Gnova as tropas que marcharam sobre Turim. Se o programa dos Conselhos foi aprovado mais tarde pela Unio Anarquista Italiana, reunida em Bolonha, em 1 de julho, no ocorreu o mesmo por parte do Partido Socialista e sindicatos, que conseguiram sabotar a greve mantendo-a no isolamento. O dirio do Partido, Avanti, no publicou a convocatria da seo socialista de Turim, enquanto que a cidade era tomada por 20.000 soldados e policiais (cf. P.C. Masini). A greve, que teria possibilitado uma vitoriosa insurreio proletria em todo o pas, foi esmagada em 24 de abril. Sabemos o que ocorreu depois. Reconhecendo o carter avanado dessa experincia pouco citada (muitos esquerdistas crem que as ocupaes de fbrica comearam na Frana em 1936), devemos assinalar as ambigidades de seus defensores e tericos. Por exemplo, Gramsci, no n4 de Ordine Nuovo (2 ano), escrevia: Ns concebemos o Conselho de fbrica como o princpio histrico que deve conduzir necessariamente fundao de um Estado Operrio". Por seu lado, os anarquistas conselhistas estimavam ainda o sindicalismo e pretendiam que os Conselhos lhe dessem um novo impulso.

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Organizaes AnrquicasContudo, o manifesto lanado pelos conselhistas de Turim, em 27 de maro de 1920, "aos operrios e camponeses da Itlia" por um Congresso Geral dos Conselhos (que no aconteceu), formula alguns pontos essenciais do programa dos Conselhos: "A luta de conquista se faz com armas de conquista e no de defesa" (refere-se aos sindicatos, organismos de resistncia... cristalizados em uma forma burocrtica - Nota da I.S.). Devemos desenvolver uma organizao nova como antagonista direta dos rgos de governo dos patres; por isso deve surgir espontaneamente no lugar de trabalho e reunir todos os trabalhadores porque todos, como produtores, estamos submetidos a uma autoridade que nos estranha e devemos nos libertar dela (...) Eis aqui a origem da liberdade: a origem de uma formao social que, estendendo-se rpida e universalmente, nos por em vias de eliminar do terreno econmico o explorador e o intermedirio, e nos tornarmos donos de nossas mquinas, de nosso trabalho, de nossa vida... Os Conselhos de operrios e de soldados na Alemanha de 1918-1919, que estavam dominados pela burocracia social-democrata e eram alvo de suas manobras, toleravam o governo "socialista" de Ebert, que se apoiava no estado maior do exrcito alemo e nos corpos francos (militares desmobilizados). Os "7 pontos de Hamburgo" (sobre a liquidao imediata do antigo exrcito), apresentados por Dorrenbach e aprovados no Congresso dos Conselhos de Soldados, iniciado em 16 de dezembro em Berlim, nunca foram aplicados pelos "comissrios do povo". Os Conselhos eram um obstculo para a revoluo, assim como as eleies legislativas marcadas para 19 de janeiro. Finalmente, ocorreu o ataque contra os marinheiros de e o esmagamento da insurreio espartaquista na mesma vspera das eleies. Em 1956, o Conselho Operrio Central da Grande Budapeste, formado em 14 de novembro, se declarava disposto a defender o socialismo e, ao mesmo tempo que exigia "a retirada de todos os partidos polticos das fbricas", se pronunciava pela volta de Nagy ao poder e pela fixao de eleies livres num prazo dado. A greve geral se

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Organizaes Anrquicasmantinha, enquanto as tropas russas esmagavam a resistncia armada. Mas, mesmo antes da segunda interveno do exrcito russo, os Conselhos hngaros pediam eleies parlamentares; isto , buscavam chegar a uma situao de duplo poder, quando eram o nico poder real na Hungria frente aos russos. A conscincia do que o poder dos Conselhos e deve ser nasce da prtica desse poder. Mas em uma fase que esse poder seja parcial, a conscincia pode ser muito diferente do que pensa tal ou qual trabalhador membro de um conselho ou inclusive a totalidade de um Conselho: a ideologia se ope verdade em atos que encontra seu terreno no sistema dos Conselhos. Esta ideologia se manifesta no somente sob forma de ideologias hostis ou sob forma de ideologias sobre os Conselhos edificados por foras polticas que querem submet-los, seno tambm sob a forma de uma ideologia favorvel ao poder dos conselhos que restringe e dosifica a teoria e a praxis total. Por ltimo, um puro conselhismo seria tambm por si mesmo inimigo da realidade dos Conselhos. Tal ideologia, sob formulaes mais ou menos conseqentes, comporta o risco de ser veiculada por organizaes revolucionrias que, em princpio esto orientadas para o poder dos Conselhos. Este poder, que em si mesmo a organizao da sociedade revolucionria e cuja coerncia est objetivamente definida pelas necessidades dessa tarefa histrica tomada como conjunto, no pode, em nenhum caso, deixar de lado o problema prtico das organizaes particulares, inimigas do Conselho ou mais ou menos veridicamente pr-conselhistas que de todas as formas interviro em seu funcionamento. necessrio que as massas organizadas em Conselhos conheam e resolvam este problema. Aqui, a teoria conselhista e a existncia de autnticas organizaes conselhistas, adquire singular importncia porque neles aparecem j alguns elementos essenciais que estaro em jogo nos Conselhos e em sua prpria interao com os Conselhos. Toda a histria revolucionria mostra que a apario de uma ideologia joga um papel no desprezvel no fracasso dos Conselhos. A facilidade com a qual a organizao

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Organizaes Anrquicasespontnea do proletariado em luta assegurou suas primeiras vitrias freqentemente anunciou uma segunda fase em que a reconquista se operou desde dentro, em que o movimento prescindiu de sua realidade pela sobra de seu fracasso. O conselhismo , neste sentido, a nova juventude do novo mundo. Social-democratas e bolcheviques tm em comum a vontade de no querer ver nos Conselhos mais que um organismo do Partido e do Estado. Em 1902, Kautsky, inquieto pelo descrdito que alcanava aos sindicatos, no nimo dos trabalhadores, propunha que em certos ramos da indstria, os trabalhadores elegessem "delegados que formariam uma espcie de parlamento que tivesse como misso regulamentar o trabalho e vigiar a administrao burocrtica" (A Revoluo Social). A idia de uma representao operria hierarquizada que culminaria em um parlamento seria aplicada com muito mais convico por Ebert, Noske e Scheidemann. A maneira como esse gnero de conselhismo trata os Conselhos foi magistralmente demonstrada, para todos os que tm merda no lu