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OBSERVAÇÃO DA COMUNICAÇÃO NÃO-VERBAL DOS ALUNOS: PODE A OBSERVAÇÃO DA POSTURA CORPORAL CONTRIBUIR PARA UMA MELHOR PRÁTICA DOCENTE? Priscylla Alves Lima (orientanda) 1 Neuda Alves do Lago (orientadora) 2 RESUMO: A presente pesquisa-ação se embasa no conceito de crença em Barcelos (2004), para caracterizar a opinião da docente pesquisadora sobre o rendimento escolar de seus alunos: consiste na conclusão desenvolvida pela professora observadora, após leituras teóricas sobre características da personalidade, que alunos encaixados no fator Neuroticismo, incluso na teoria dos Big Five Models, propostos por McRae e Costa (1991), teriam um baixo rendimento escolar. Para identificar traços da personalidade de seus aprendizes, a professora se baseou nos resultados referentes ao entrecruzamento entre os princípios da teoria de informação e percepção cinésica de Weil e Tompakow (1986), filmagens de aulas (no decorrer de 22 de agosto a 26 de setembro de uma turma de Inglês nível 3 de um projeto de extensão de determinada universidade), e narrativas dos alunos, em inglês, sobre suas vidas e sentimentos. Os resultados apontam positivamente para a possibilidade de identificar fatores de personalidade por meio das posturas corporais e comunicação não verbal. Por outro lado, derrubam veementemente a crença da professora: um traço de personalidade não pode, por si só, justificar o fracasso escolar de um aluno ou seu baixo rendimento durante as aulas e nem deve ser tomado isoladamente para eventuais mensuramentos. Palavras-chave: Ensino. Aprendizagem. Postura Corporal. Comunicação Não Verbal. Personalidade INTRODUÇÃO Quando a atividade docente está em processo, é natural que o professor (a) procure por leituras teóricas no intuito de melhorar o seu trabalho. Porém, em nosso caso, a leitura de um texto teórico e sua conseguinte interpretação geraram efeitos de sentido que se aproximaram de crenças e se afastaram do rigor científico. Segundo Barcelos, a definição para as convicções geradas no cotidiano é descrita como: Entendo crenças, de maneira semelhante à Dewey (1933), como uma forma de pensamento, como construções da realidade, maneiras de viver e de perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas experiências, e resultantes de um processo interativo de interpretação e re-significação. Como tal, crenças são sociais (mas também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais. (2004, p. 04) A professora, partindo de um conhecimento científico, produziu um conhecimento empírico, uma crença, que pretendeu estudar e verificar seu estatuto de verdade. A questão levantada então foi: “se a postura corporal revela o que sentimos, segundo Weil e Tompakow, 1 Graduanda em Letras-Inglês pela Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected] 2 Pós Doutora em Literatura, professora efetiva da Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]

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OBSERVAÇÃO DA COMUNICAÇÃO NÃO-VERBAL DOS ALUNOS: PODE A

OBSERVAÇÃO DA POSTURA CORPORAL CONTRIBUIR PARA UMA MELHOR

PRÁTICA DOCENTE?

Priscylla Alves Lima (orientanda)1

Neuda Alves do Lago (orientadora)2

RESUMO: A presente pesquisa-ação se embasa no conceito de crença em Barcelos (2004),

para caracterizar a opinião da docente pesquisadora sobre o rendimento escolar de seus

alunos: consiste na conclusão desenvolvida pela professora observadora, após leituras teóricas

sobre características da personalidade, que alunos encaixados no fator Neuroticismo, incluso

na teoria dos Big Five Models, propostos por McRae e Costa (1991), teriam um baixo

rendimento escolar. Para identificar traços da personalidade de seus aprendizes, a professora

se baseou nos resultados referentes ao entrecruzamento entre os princípios da teoria de

informação e percepção cinésica de Weil e Tompakow (1986), filmagens de aulas (no

decorrer de 22 de agosto a 26 de setembro de uma turma de Inglês nível 3 de um projeto de

extensão de determinada universidade), e narrativas dos alunos, em inglês, sobre suas vidas e

sentimentos. Os resultados apontam positivamente para a possibilidade de identificar fatores

de personalidade por meio das posturas corporais e comunicação não verbal. Por outro lado,

derrubam veementemente a crença da professora: um traço de personalidade não pode, por si

só, justificar o fracasso escolar de um aluno ou seu baixo rendimento durante as aulas e nem

deve ser tomado isoladamente para eventuais mensuramentos.

Palavras-chave: Ensino. Aprendizagem. Postura Corporal. Comunicação Não Verbal.

Personalidade

INTRODUÇÃO

Quando a atividade docente está em processo, é natural que o professor (a) procure por

leituras teóricas no intuito de melhorar o seu trabalho. Porém, em nosso caso, a leitura de um

texto teórico e sua conseguinte interpretação geraram efeitos de sentido que se aproximaram

de crenças e se afastaram do rigor científico. Segundo Barcelos, a definição para as

convicções geradas no cotidiano é descrita como:

Entendo crenças, de maneira semelhante à Dewey (1933), como uma forma de

pensamento, como construções da realidade, maneiras de viver e de perceber o

mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas experiências, e resultantes de

um processo interativo de interpretação e re-significação. Como tal, crenças são

sociais (mas também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais. (2004, p. 04)

A professora, partindo de um conhecimento científico, produziu um conhecimento

empírico, uma crença, que pretendeu estudar e verificar seu estatuto de verdade. A questão

levantada então foi: “se a postura corporal revela o que sentimos, segundo Weil e Tompakow,

1 Graduanda em Letras-Inglês pela Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]

2 Pós Doutora em Literatura, professora efetiva da Universidade Federal de Goiás. E-mail:

[email protected]

pode a postura corporal revelar traços de personalidade?”. “De que forma a personalidade está

relacionada com o domínio de uma segunda língua?”. “A postura corporal pode revelar traços

de um mau aprendizado ou uma baixa habilidade com a língua alvo?”.

OBJETIVOS

O objetivo geral deste estudo foi questionar e verificar relações entre os modelos de

personalidade propostos por vários autores da Psicologia, entre eles Odbert e Mc Crae (1991),

os princípios de observação cinésica de Weil e Tompakow(1986) e o impacto de uma crença

de uma professora numa sala de aula de língua inglesa. Como objetivos específicos, tivemos:

1) Filmar uma sala de aula de língua inglesa durante um mês, observando as posturas

corporais dos alunos com a ajuda da etnografia, comparando aquelas com as narrativas. 2)

Verificar que relações linguagem corporal, personalidade e aprendizado de línguas

estabelecem entre si.

JUSTIFICATIVA

A Linguística Crítica Aplicada (doravante LCA) é uma abordagem útil na discussão da

multiplicidade de categorias que envolvem o processo de ensino/aprendizagem, entre elas: a

formação do professor, a análise do material didático, a pedagogia como transgressão.

Discorreremos um pouco sobre cada uma das séries citadas utilizando o referencial teórico

que acredita na LCA, o sistema de crenças e a transdisciplinaridade, por exemplo.

Quanto à formação do professor, a LCA vai de encontro ao ensino tecnicista, uma vez

que este não se preocupa com a renovação do conhecimento.O tecnicismo prepara o professor

como um autômato, uma vez que é fundado no treinamento:

Tradicionalmente tem-se definido treinamento como o ensino de técnicas e

estratégias de ensino que o professor deve dominar e reproduzir mecanicamente,

sem qualquer preocupação com sua fundamentação teórica [...] . Caracteriza-se por

abordagens que concebem a preparação profissional como a familiarização dos

alunos mestres com técnicas e habilidades para serem aplicadas em sala de aula. Por

outro lado, formação tem sido descrita como uma preparação mais complexa do

professor, envolvendo a fusão do conhecimento recebido com o conhecimento

experimental e uma reflexão sobre estes dois tipos de conhecimento. (LEFFA, 2001)

A aplicação da Linguística Crítica é a razão para o nosso trabalho e a nossa análise,

visto que o nosso interesse é tentar partilhar com alunos e professores uma produção reflexiva

e cultural por meio da produção e do estudo do texto discente, e de um ensino mais focado nas

reais dificuldades do aluno. Acreditamos que a partir de uma atividade interpretativa,

podemos passar pelos processos de cognição mais objetivos, básicos, intermediários até

chegar aos avançados.

REFERENCIAL TEÓRICO

Utilizando-nos dos estudos da Psicologia na área da personalidade, nossa escolha

teórica recaiu sobre os Big Five Models, uma teoria que, baseada numa pesquisa taxonômica,

conseguiu extrair do léxico da sociedade contemporânea à investigação, uma divisão dos tipos

humanos em 5 grandes fatores. Os estudiosos Allport e Odbert iniciaram, em 1936, uma

tentativa de listagem desses fatores da personalidade humana:

Allport and Odbert identified four major categories. The first category included

personality traits (e.g. sociable, aggressive, and fearful) which they defined as

“generalized” and personalizes determining tendencies – consistent and stable

modes of an individual’s adjustment to his environment (JOHN, SRIVASTAIA,

1999, p. 26)

Definido o conceito de personalidade como as tendências de ajuste de um indivíduo ao

meio pela expressão de determinadas emoções e sentimentos:

Na história do conhecimento humano, as diferenças individuais devidas ao

temperamento do sujeito têm sido atribuídas aos fatores mais diversos por autores de

povos tão diversos como gregos, persas, hindus, árabes, entre outros, os quais, cada

um a seu tempo, contribuíram para a estruturação da teoria do temperamento como a

conhecemos hoje. A literatura aponta para um interesse cíclico no que se refere aos

estudos sobre o temperamento, na medida em que as teorias da personalidade

apontam para a interrelação existente entre varáveis ambientais, comportamento e

características pessoais. As teorias estruturadas mais recentemente, via de regra,

estão preocupadas com a classificação e tipificação do temperamento a partir de seus

resultados observáveis, a saber, o comportamento. (PASQUALI, 2000, p. 4)

Havia a necessidade, na comunidade acadêmica, da determinação de quais seriam

esses temperamentos, sentimentos, esses fatores. Allport e Odbert fizeram uma listagem nesse

sentido. Entretanto, esta era um tanto disfuncional pela sua amplitude, o que gerou certas

críticas e seu posterior abandono. Surgiram outras pesquisas, como a de Cattell, que elencou

trinta e cinco variáveis de personalidade e o protótipo de uma teoria que reduziria este número

a cinco:

This Five-factor structure has been replicated by Norman (1963), Borgatta (1964),

and Digmand and Takemoto-Chock (1981) in lists derived from Cattell’s 35

variables. Following Norman (1963), the factors were initially labeled:

(I) Extraversion or Surgency (talkative, assertive, energetic)

(II) Agreebleness (good-natured, cooperative, trustful)

(III)Conscientiousness (orderly, responsible, dependable)

(IV) Emotional stability versus Neuroticism (calm, not neurotic, not easily

upset )

(V) Culture (intellectual, polished, independent-minded). (JOHN,

SRIVASTAIA, 1999, p.44)

Apesar de ter recebido algumas críticas devido à sua natureza empírica, (é uma

classificação taxonômica baseada numa nomenclatura popular), o Big Five é um tanto quanto

bem recebido:

O modelo de personalidade dos cinco fatores vem tendo bastante impacto na

pesquisa e na prática profissional dos psicólogos dos dias de hoje. (...) Os autores

definiram cinco grandes fatores na teoria de personalidades, distinguindo, dentro de

cada fator, uma série de facetas ou aspectos que caracterizam o fator. (...) Uma

classificação empírica tem grande valor pragmático porque ela enquadra os tipos em

termos de predominância dos tipos reais. (PASQUALI, 2000,p.44)

Como vimos, o Big Five passou por vários estágios. O que nós tomamos por

referência a título de dar andamento ao nosso estudo é o desenvolvido por McCrae e Costa

(1991), reproduzido na tabela abaixo:

FATOR FACETA

Neuroticismo Ansiedade, preocupação, raiva,

hostilidade, depressão, desencorajamento,

autoconsciência, impulsividade,

vulnerabilidade

Extroversão Calor, gregariedade, assertividade,

atividade, procura de excitamento,

emoções positivas

Abertura Fantasia, estética, sentimentos, ações,

ideias, valores

Cordialidade Confiança, fraqueza, altruísmo,

conformidade, modéstia, ternura

Conscienciosidade Competência, ordem, responsabilidade,

motivação de desempenho, autodisciplina

Qual a relação entre a personalidade, maneira pela qual as pessoas mediatizam o que

se passa dentro delas com o ambiente, categoria do comportamento humano esquematizada na

teoria dos Big Five, e a linguagem corporal? É a título de discutir o significado dos

movimentos realizados pelo corpo humano, que Weil e Tompakow proferem: “Alguém à sua

frente cruza ou descruza os braços, muda a posição do pé esquerdo ou vira as palmas das

mãos para cima. Tudo isso são gestos inconscientes e que, por isso mesmo, se relacionam

com o que se passa no íntimo das pessoas.” (WEIL, TOMPAKOW, 1986, p.15).

Movimentos corporais se relacionam com o íntimo, e este, como manifestação do que

somos e sentimos, se aflora nos gestos do corpo. Observar os movimentos dos alunos, então,

pode ser um processo útil, para que possamos conhecê-los mais rapidamente e identificar suas

reais necessidades de aprendizado, unindo o nosso olhar ao corpo, a outros dados como a

análise da escrita desses alunos (narrativas), produtividade em conversação em outra língua,

observação das relações de poder na classe e fora dela e cultura local. Não podemos deixar de

perceber que estamos realizando um processo etnográfico. Logo, numa parte inicial do nosso

trabalho, a etnografia seria uma importante aliada, pois:

Essa perspectiva baseia-se em teorias de cultura e práticas de pesquisa que vêm de

disciplinas que usam teorias sociais. Metodologicamente, a etnografia é o tipo de

pesquisa recomendada, uma vez que não se analisa os dados em termos de

causalidade, mas observam-se dados pequenos e circunstanciais reconhecendo-os

como reveladores de questões maiores que envolvem identidade, poder, relações

sociais, significados (...). Assim, descrever práticas de escrita locais permite

reconhecer a escrita como um componente cultural, identitário, e observar a

educação mais de perto, não somente como ensino, mas como aprendizagem.

(JUNG, UFLACKER, 2000, p.16)

Assim, uma observação de cunho etnográfico compõe mais uma parte do nosso

referencial teórico abordado, pois descreveremos algumas práticas de escrita de alguns alunos,

que nos ajudarão a verificar os outros componentes que formam os sujeitos, nossos

estudantes.

Com base no entrecruzamento entre Etnografia, Psicologia e Percepção Cinésica

estabelecemos os pontos de partida do nosso trabalho. Assim, este se caracteriza por

pertencer `a Linguística Crítica Aplicada, pelo seu viés transdisciplinar e pela análise de uma

produção inserida em determinado contexto cultural e histórico.

Na nossa investigação, pensamos que talvez fosse interessante rever a teoria de

motivação e auto-motivação criada por Dornyei (2005) e a importância dos saberes da

Psicologia para uma evolução nas metodologias de ensino do caso observado:

“A psicologia da personalidade [...] tem feito um progresso considerável no

entendimento das bases estruturais das diferenças individuais e tem havido avanços

substanciais nos esforços taxonômicos para desenhar maiores e mais estáveis

dimensões de personalidade [...] Esses avanços, de acordo com Cantor [1990], tem

pavimentado o caminho para se prestar mais atenção a questões sobre como essas

diferenças individuais são traduzidas em características comportamentais,

examinando os lados ativos da personalidade [...] Devido a isso, através das duas

últimas décadas, os teóricos do self se tornaram interessados na natureza ativa e

dinâmica do sistema do self . Como Markus e Ruvolo [1989] resumiram, o conceito

tradicionalmente estático de representações do self foi gradualmente substituído por

um sistema do self que media e controla o comportamento contínuo e vários

mecanismos, incluindo a regulação do self.” [2005, p. 07]3

Sendo assim, podemos dizer que novas descobertas nas teorias psicológicas que

envolvem identidade e personalidade nos mostram que as pessoas desenvolvem imagens de si

mesmas baseadas em suas experiências de vidas, sucessos e fracassos. Dessa forma, os

docentes podem desenvolver, nos estudantes que estão aprendendo uma segunda língua, um

tipo de motivação que é baseada num sentimento de pertença a uma comunidade global, e

também podem tentar fazer o aluno evocar uma imagem positiva e de sucesso de si mesmo no

futuro. Será que podemos associar a todas estas concepções a postura corporal e o nível de

habilidade em se comunicar usando uma segunda língua?

O ESTUDO

A sala de aula alvo foi uma turma de Inglês III de um curso de línguas oferecido por

uma determinada Universidade. Numa turma de 10 alunos, fizemos um recorte contrastando

quatro estudantes, cujos nomes foram trocados por pseudônimos: Mary, Julie, Pat e Peter.

Comparando-os par a par em uma etnografia mediatizada pelo vídeo, filmamos durante um

mês as aulas que se estendiam durante um período de três horas. Gostaríamos de enfatizar

aqui o dia em que filmamos a produção da narrativa e um group work, ambos datados de

06/09/14. Detalharemos a seguir a postura corporal que cada um dos alunos acima citados

desenvolveu durante as filmagens:

Mary: joelhos unidos, cabeça baixa, cotovelos em cima da mesa, protegendo a folha

de papel almaço dada para a redação, cabelo cobrindo o rosto, corpo tenso.

Pat: pernas abertas, uma semiflexionada e outra apoiada em uma cadeira, cabeça

erguida, rabo de cavalo, sorrisos, corpo relaxado.

Julie: Pernas cruzadas, cabelo cobrindo o rosto, cotovelos em cima da mesa, sendo um

braço esticado sobre a mesa, cobrindo a folha com a redação.

Peter: gestos largos e amplos com o braço, ampla conversação com Pat, sorrisos, não

apóia os cotovelos na mesa.

3 Tradução nossa

Poderíamos associar esta comunicação não verbal de Mary e Julie ao Neuroticismo,

por exemplo, devido à vulnerabilidade das alunas (elas sentiam necessidade de se proteger

ante sua vulnerabilidade frente à câmera reveladora e uma certa ansiedade, receio de que a

professora visse o que estavam escrevendo) ? Estas alunas teriam um baixo rendimento? Esta

era a crença que estava instaurada como problemática inicial.

Percebemos que as garotas, com exceção de Pat, demonstram uma postura corporal

que inspira timidez, introversão, seriedade, além de um sentimento de defesa ou rejeição a

algo ou alguém (WEIL, TOMPAKOW, 1986, p. 124). Quanto a Pat e Peter, seus

movimentos são amplos, receptivos, afáveis, e eles conversam mais, as pernas e braços são

abertos várias vezes e eles sorriem amiúde, inspirando extroversão .

Group work : comportamento perante o coletivo

No group work, foi pedido um diálogo usando o tópico estudado no dia (presente

perfeito). Pat e Peter ficaram no mesmo grupo, enquanto que Mary e Julie ficaram em um

grupo diferente. Peter e Pat tomaram todas as iniciativas para montar o diálogo em seu grupo,

falaram bem e com certa fluência, liderando os outros alunos e os estimulando a produzirem

oralmente. Mary e Julie, por outro lado, ficaram caladas a maior parte do tempo em seu grupo

e não travaram muita conversação.

Agora gostaríamos de enfatizar as narrativas. Como será que a habilidade da escrita é

manipulada por estes alunos? Que tipos de pistas as posturas corporais de todos estes

discentes estudados podem nos dar para identificarmos seus respectivos “modelos de

personalidade”?

Narrativas

A professora pediu que os alunos fizessem uma redação que abordasse sentimentos:

explicou que gostaria que eles escrevessem o que sentiam desde a infância até a fase adulta:

angústias, alegrias, fatos marcantes, vida escolar. Pediu, inclusive, para que eles versassem a

respeito do que sentiam ao estudar inglês e quais as metas de vida que envolviam essa língua.

Uma das crenças da docente, por inferência, preveria que os propensos a serem enquadrados

no Neuroticismo através da observação da postura corporal teriam dificuldades na produção

textual:

Mary: I live with two friends (...) But sometimes I miss my family too much, I miss

somethings that I have in the city I came from, I miss some friends and some

places, and it isn’t good. Sometimes I don’t have money to buy the things I need

(…) and this make me want to go home(…). I was a lonely child in the school, (…).

I like to be alone and just observe the other people playing (…) a boy in my

classroom hits me in the head (…). I always wanted to study English, I always like

this language, but my parents could never pay for me, so this year I win a

scholarship in a event here in the University called Soirée (sarau). So it’s a dream

that came true.

Julie: I’m sad today but I told anyone. I miss my best friend (and my boyfriend)

Shelton. He lives in *** very away from me. I cried last night because I want him

near to me.(…) I need to lose weight, I feel ugly and unhappy. I loooooove study

English. I want to go to Australia, Canada, Russia and all world. The English is very

important for my dreams come true. With faith in God and English I’ll travel and

live my life the way I always wanted.

Esses trechos revelam ausência de uma consistência verbal, mas pode-se perceber sua

coerência e coesão relativamente corretas, uso de advérbios de freqüência, de pronomes

indefinidos, de verbos modais. Conseguem seguir a ordem sintática correta, respeitando a

ordem dos adjetivos e lidando muito bem com a união entre o sintagma nominal e o sintagma

verbal. Apesar da temática da infelicidade e da saudade sempre presentes, há um espaço de

reflexão que ameniza os sofrimentos, as alunas revelam então uma perspectiva positiva de

vida mesmo na tristeza: se idealizam bem sucedidas no futuro. A imagem que fazem de si

próprias o “self” (DORNYEI, 2005), é de pessoa bem sucedida profissionalmente e

amorosamente.

Peter: Hello my name is ***, I’m 29 years old, today is 12/09/2014, a day is very

hot. (…) Yesterday went result contest with me sad. My position in contest went 41st

and went won the first 20th position in the contest. (…) But I don’t desisted. In

Sunday I’m go in Brasília to accomplish two new contest, first contest is Brasil

Arms and second is ANATEL, I’m hopeful with this contest. But my life is happy,

don’t have complain to my life. I’ve good job, I’ve good family, I’ve good house

and friends unhappied my family is far away for me.

Pat: I’m fine today because I’m calm. Only others days I’m very nervous and

impatient (…) I’m not good sleep and are very actives to make (…) I begin court

are a very friends. I like remember my past. I play with my brother. I think it is

important study English, because I find a work and need.

Além da produção textual ser parca, os dois tem muitos problemas quanto à coerência,

coesão e consistência verbal. A ordem dos adjetivos não foi seguida, há problemas quanto ao

uso do verbo no passado e na forma negativa do passado. Na redação escrita por Peter, o uso

de preposições , a concordância nominal e o erro quanto ao uso do futuro são também tópicos

a serem observados. Pat escreve pouco, mistura o verbo to be na conjugação de outros verbos

no passado simples, tem dificuldades com as regras de uso de infinitivo, tem problemas com a

ortografia de determinadas palavras.

Os resultados derrubaram a crença. Julie e Mary foram as alunas que mais

apresentaram textos satisfatórios na composição gramatical das narrativas, além de coerência

e coesão excelentes em comparação com Pat e Peter, os extrovertidos que mostraram

resultados muito inferiores. Podemos ver que em todos os textos há uma temática que envolve

a ansiedade, a expectativa acerca do futuro (a maioria dos alunos são estudantes da própria

universidade e têm grandes expectativas acerca do mercado de trabalho), alguns medos, mas

as marcas de tristeza são mais presentes nos textos de Julie e Mary. Os textos de Peter e Pat

revelam selfs positivos e poderiam ser enquadrados na extroversão, pelas suas características

assertivas e emoções positivas perante os acontecimentos, porém revelam uma certa

dificuldade na escrita. Nas atividades de speaking do group work mostradas em vídeo, as

quais foram feitas através de modelos já prontos de diálogo mostrados no livro didático, Pat e

Peter foram melhor sucedidos: apresentaram uma boa leitura, boa pronúncia, boa interação e

empatia com o grupo, e conseguiram também motivar seus colegas a produzirem oralmente,

qualidades essenciais que levam o aluno a uma certa autonomia.

CONCLUSÃO

Para nós, autores deste trabalho, ficou bastante claro que a postura corporal revela

nuances comportamentais dos alunos. Este processo que perscruta e sonda; apesar de

empírico, mediatizado por câmera, pode ser adicionado sem prejuízos às estratégias docentes

para melhor conhecer os seus alunos e se familiarizar com suas necessidades. O trabalho

focado no discente pode trazer resultados mais satisfatórios, podemos criar, por exemplo, um

período da aula com atividades centradas. Uns focam na escrita, outros focam na fala, de

acordo com os resultados obtidos no entrecruzamento de dados. Podemos abordar assuntos

literários, escrita em outros gêneros textuais – neste caso, o aluno constrói seu eu-lírico na

produção textual de um poema: que tal criar alegorias para suas infelicidades e escrever, em

outra língua, usando figuras de linguagem para fazer poesia?

Crenças são instáveis. São enunciados4 a que damos um status de verdade. A

professora que coletou os dados e os entrecruzou, em seus diálogos com a orientadora do

trabalho, verificou que a pesquisa é fundamental para checar todas as inferências que

possamos fazer a respeito de leituras teóricas. Tentar aproximar a sala de aula com a leitura

passada pela academia é a força motriz que irá suscitar várias reflexões válidas para

momentos futuros de ensino/aprendizagem.

A crença revela um estereótipo. Uma imagem pré formada é um preconceito:

4 [...] é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em

seguida, pela análise ou pela intuição se eles ‘fazem sentido’ ou não, segundo que regra se sucedem ou se

justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita).

Não há razão para espanto por não se ter podido encontrar para o enunciado critérios estruturais de unidade; é

que ele não é em si mesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades

possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço (FOUCAULT, 2000, p.

99).

Opinião ou crença admitida sem ser discutida ou examinada, internalizada pelos

indivíduos sem se darem conta disso, e influenciando seu modo de agir e de

considerar as coisas. O preconceito é constituído assim por uma visão de mundo

ingênua que se transmite culturalmente e reflete crenças, valores e interesses de uma

sociedade ou grupo social. O termo possui um sentido eminentemente pejorativo,

designando o caráter irrefletido e frequentemente dogmático dessas crenças, que se

revestem de uma certeza injustificada. Ex.: “o preconceito racial”. Entretanto, é

preciso admitir que nosso pensamento inevitavelmente inclui sempre preconceitos,

originários de sua própria formação, sendo tarefa da reflexão crítica precisamente

desmascarar os preconceitos e revelar sua falsidade (JAPIASSÚ, MARCONDES,

p.224, 2006).

Sendo assim, a pesquisa se revela na sua utilidade em desmascarar as crenças, é o que

estamos tentando fazer. A primeira etapa, que corresponde a este artigo, desconstruiu o

enunciado que recebia o estatuto de verdade, afirmador da associação diretamente

proporcional entre tristeza, vulnerabilidade e baixo rendimento. Os alunos que foram

considerados “tristes”, encaixados no Neuroticismo pela avaliação cinésica e etnográfica da

docente, revelaram ótimo desempenho na escrita e os inseridos na “Extroversão” pelo mesmo

processo mostraram suas habilidades na produção oral bem como uma elevada propensão a

motivar o grupo.

Em um segundo momento, precisamos nos apoiar ainda mais na Psicologia para

aprofundar os estudos sobre personalidade e ter uma compreensão um pouco mais elevada

acerca do comportamento do discente. Podemos estudar este comportamento nos utilizando

de inúmeras abordagens e inúmeros testes servem para mensurar esta categoria, cada um

correspondendo a uma diferente corrente teórica. Pasquali (2000) cita pelo menos sete:

Myers-Briggs Type Indicator (MBTI), Keirsey-Nates Temperament Sorter (KBTS), Guilford-

Zimmerman Temperament Survey (GZTS), Pleasure-Arousal-Dominance (PAD), Pavlovian

Temperament Survey (PTS), Student Temperament Assessment Record (STAR), Inventário

Fatorial de Temperamento (IFT).

O próximo passo da nossa pesquisa é construir uma relação dialógica com

profissionais da área da Psicologia de forma que estes nos ofereçam uma visão crítica a

respeito do arcabouço teórico utilizado aliadas a alternativas possíveis, e que discutam

conosco qual abordagem seria a mais adequada para um estudo etnográfico mais aprofundado

da sala, quais os questionários mais apropriados para serem aplicados na busca da

compreensão da personalidade e, que nesse sentido, sempre contribuam para o avanço desta

linha de trabalho.

O corpo pode revelar posturais corporais antagônicas, saber lê-las é essencial. A

professora em questão tendia muito a rotular seus alunos de acordo com suas características

de personalidade e atribuía certos tipos de habilidades apenas aos alunos mais extrovertidos

enquanto que julgava os mais introvertidos e tristes teriam baixa auto estima, self negativo de

si mesmos e isso influiria em suas crenças, desmotivando-os. Percebemos que, nesse caso

específico, isso não ocorreu e que esta situação é passível de se repetir várias vezes. Assim,

rompemos com o preconceito que liga neuroticismo a dificuldades em aprendizado e o

inverso: o que liga extroversão ao sucesso absoluto . Todos os modelos de personalidade tem

algo que, em um momento ou outro, fará o sujeito ter dificuldades na formação do seu

conhecimento, cabe ao professor reconhecer estes fatores e fazer um trabalho mais

personalizado em sala de aula. Algo que verifique uma dificuldade e a esclareça

pessoalmente.

Conforme as teorias de Weil e Tompakow (1973), a observação da comunicação não

verbal está relacionada à análise das posturas corporais e estas tem uma estreita ligação com a

personalidade e, consequentemente, com a auto estima dos indivíduos. Simultaneamente, a

leitura das pesquisas a respeito de motivação feitas por Dornyei (2004), revela haver conexões

diretamente proporcionais entre a imagem que o estudante faz de si mesmo, sua autoconfiança

e sua vontade de aprender uma segunda língua. Assim, a observação nos faz levantar ainda

mais questionamentos: se a postura corporal revela a personalidade, a comunicação não verbal

pode revelar o nível de motivação do discente? Para verificar as respostas a estas perguntas,

foi realizada uma pesquisa ação numa sala de aula de um curso livre de idiomas de uma

universidade pública do Estado de Goiás.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARCELOS, Ana. Reflexões acerca da mudança de crenças sobre ensino e aprendizagem

de línguas. Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v. 7, n. 2, 2004

DORNIEY. Motivation and self-motivation. Lawrence Erlbaum Associates, United States,

2005

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária, 6ª

Edição, 2000.

JAPIASSÚ, MARCONDES. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar

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