obra completa - busca pessoal - revisada em 2013

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ADILSON LUÍS FRANCO NASSARO B B U U S S C C A A P P E E S S S S O O A A L L SÃO PAULO, 2003 Edição revisada em 2013

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Essa monografia jurídica foi por mim desenvolvida em 2003, em conclusão do Curso de pós-graduação em Direito Processual Penal na Escola Paulista da Magistratura (EPM), primeira turma, em São Paulo. Nesse período, eu trabalhava na Assessoria Policial-Militar do Tribunal de Justiça, como Capitão da Polícia Militar e iniciava atividade de instrutor do Curso de Formação de Oficiais da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), Processo Penal. Minha orientadora: Dra. Angélica de Maria Mello de Almeida. A versão que publico foi por mim mesmo revisada em 2013, com as atualizações necessárias. Ainda não encontrei trabalho mais completo sobre o tema, o que me convence de que posso contribuir para com a doutrina não somente jurídica, mas técnico-profissional no caso do importante trabalho desenvolvido particularmente pelas Polícias Militares em todo o Brasil, ao empregar a busca pessoal preventiva como fundamental instrumento para a preservação da ordem pública.

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ADILSON LUÍS FRANCO NASSARO

BBUUSSCCAA PPEESSSSOOAALL

SÃO PAULO, 2003 Edição revisada em 2013

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BUSCA PESSOAL

Monografia apresentada à Escola Paulista da Magistratura (EPM),

com aprovação no Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

Especialização em Direito Processual Penal, em 2003.

Autor: Adilson Luís Franco Nassaro.

Orientadora: Angélica de Maria Mello de Almeida

São Paulo

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3

DEDICATÓRIA

Para Dina Lúcia,

pessoa em quem busquei felicidade.

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AGRADECIMENTOS

À Desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida, pela atenção

dispensada e precisa orientação.

Ao Desembargador Álvaro Lazzarini, pelo incentivo e pelas valiosas

sugestões apresentadas.

Ao Desembargador Emeric Lèvay, pelo auxílio quanto à pesquisa

bibliográfica (em memória).

Ao juiz da Justiça Militar de São Paulo, João Leonardo Roth, pelas

enriquecedoras ideias.

Ao Coronel PM Élzio Lourenço Nagalli, Chefe do Gabinete Militar da

Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2003 (Assessoria Policial-

Militar do Tribunal de Justiça - APMTJ), pelo inestimável apoio.

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5

“Seja como dissestes! Aquele com quem for encontrada

a taça será meu escravo. Vós outros sereis livres”.

E, imediatamente, pôs cada um o seu saco por terra e o

abriu. O intendente revistou-os começando pelo mais velho

e acabando pelo mais novo; e a taça foi encontrada no

saco de Benjamim.

Livro do Gênesis, parte III “A História de José”

Capítulo 44, versículos 10-12

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RESUMO

Inicia-se o trabalho com a definição de busca pessoal e seu

posicionamento no ordenamento jurídico brasileiro, possibilitando um estudo

independente da busca domiciliar e da apreensão, que não é necessária

consequência da busca, nem o seu único propósito. Em seguida, apresenta-se a sua

dimensão própria, caracterizada pela procura por algo relevante ao processo penal,

no corpo do revistado, nas vestes e pertences com ele encontrados, inclusive no

interior de seu veículo e também para a finalidade de prevenção, com base na

fundada suspeita, circunstância que enseja especial análise. Em face da inevitável

restrição de direitos individuais, somente é desenvolvida em cumprimento a ordem judicial

ou por iniciativa de agentes públicos investidos de necessária autoridade policial.

Não obstante o Código de Processo Penal comum brasileiro dispensar-lhe

tratamento secundário, aproveitando parte dos dispositivos relacionados à busca

domiciliar, merece a busca pessoal tratamento distinto, a exemplo do que vem ocorrendo

em outros países, em razão do aspecto de incidência sobre o corpo da pessoa e

consequente imposição de restrições, especialmente à intimidade do revistado.

No que toca à classificação, possui natureza processual, enquanto meio

de obtenção do que for relevante à prova de infração, ou à defesa do réu; e tem

natureza preventiva, quando realizada por iniciativa policial para a preservação da

ordem pública, podendo nesse caso igualmente ensejar reflexos no processo.

Distinguem-se, portanto, duas espécies de busca pessoal: a processual e a

preventiva, conforme o momento em que é realizada e a sua finalidade. Antes da

constatação do delito, constitui ato legitimado pelo poder de polícia, na esfera de

atuação preventiva da Administração Pública; após, objetiva atender ao interesse

processual. São dois os modos de realização: preliminar (superficial) ou minucioso

(íntima), considerado o grau de rigor dispensado. A busca preliminar pode ser

realizada sem contato corporal; trata-se da busca pessoal indireta, ou seja, com

auxílio do faro de animais, equipamentos eletromagnéticos ou outros meios. A

tangibilidade corporal, todavia, é recurso normalmente utilizado e aceito, observadas

as limitações impostas pelos critérios de necessidade e razoabilidade da medida.

É Inadmissível busca pessoal mediante mandado sem a individualização do

sujeito passivo, concluindo-se que a busca pessoal individual constitui regra. Na esfera

preventiva, porém, pode ocorrer a denominada busca pessoal coletiva, como medida

excepcional necessária ao bem comum, na entrada de eventos públicos, ou em situações

específicas como a revista realizada em todos os réus presos antes de serem escoltados.

Essa busca pessoal coletiva não se confunde com o procedimento particular imposto

como condição de acesso a estabelecimentos privados, ora denominado revista privada,

consentido por acordo de vontades e aceitável desde que caracterizado pela

superficialidade e não seletividade.

A legítima busca pessoal deve ser orientada pela análise da estrita

necessidade do ato, pela proporcionalidade exigida na relação entre a limitação do

direito individual e o esforço estatal para a realização do bem comum e, também, pela

eficácia da medida, que deve ser adequada ao seu propósito, para atender ao

interesse público.

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7

ABSTRACT

The beginning of the job starts with the definition of body search and its

positioning in the Brazilian Legal System, making possible an independent study of

home search and of the seizure, that is not necessarily the consequence of the

search, neither its only intention. The dimension of the body search, characterized by

the searching of something of importance to criminal proceeding, in the body of the

searched person, in the garments and belongings found, including the interior of the

person’s vehicle with prevention purpose based on the suspect, circumstance that

leads to a special analysis. Facing the inevitable restriction of the individual rights, it is

only developed to abide to a judgement or by the initiative of public agents vested of

the necessary police authority.

The common Brazilian Code of Criminal Procedure let a secondary

treatment off, taking advantage of the devices related to the home search. Although,

the body search deserves a special treatment, as it happening in other countries, in

view of the incidence over the person’s body and the imposition of restrictions,

especially the searched person’s privacy.

It has procedural constitution, as means of obtaining whatever is relevant

as an evidence of contravention, or the criminal defense; and has a preventive

constitution, when realized by police initiative to keep public order, leading in this

case, in reflections in the process. There are two different kinds of body search: the

procedural and the preventive, according to the moment it is done and its purpose.

Before the discovering of the crime, establish legitimate act by police power, in the

preventive situation acting of Public Administration; after, answer the interest in court

pleading. The ways of take charge are two: preliminary (superficial) or detailed

(privacy), considering the degree of necessity used. The preliminary search can be

done without no body contact; it is the indirect body search, it is done with animal’s

smell, electro-magnetic equipament or other ways. The body contact, however, is a

normally used source and accepted, observing the limitations imposed by the

necessity criteria and reasoning of the measure.

It is unacceptable a body search by means of judicial writ without the

individualization of the debtor, concluding that the individual body search establish

rule. In the preventive situation named collective body search, however, as a

necessary exceptional measure to the commonwealth, in the entrance of public

events or in specific situation as the body search in all arrested criminals before are

escorted, can occur. This collective body search cannot be confused with the private

procedure imposed as an access condition to private establishments, named private

search, consented by agreement and acceptable since characterized by its

superficiality and non selectivity.

The legitimate body search must be oriented by the analysis of the

severe necessity of the act, by the adequacy claimed in the relationship of the

individual right limitation and the state effort to the realization of the commonwealth

and also by the efficacy of the measure, that must be adequated to the purpose, to

answer the public interest.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................................10

2. DEFINIÇÃO E POSICIONAMENTO DA BUSCA PESSOAL NO BRASIL..............14

2.1 Conceito de busca ............................................................................................15

2.1.1 A independência da busca em relação à apreensão......................................20

2.2 Conceito de busca pessoal.................................................................................23

2.3 Natureza jurídica da busca pessoal....................................................................26

2.4 Contexto histórico................................................................................................29

3. A RELATIVIDADE DA INVIOLABILIDADE PESSOAL E AS CLASSIFICAÇÕES

DE BUSCA PESSOAL.............................................................................................39

3.1 A restrição do direito à intimidade e à vida particular do revistado.....................41

3.1.1 A tangibilidade corporal na busca pessoal.....................................................44

3.2 A busca pessoal preventiva e a busca pessoal processual................................46

3.3 A busca pessoal preliminar e a minuciosa.........................................................56

3.4 O sujeito passivo da busca pessoal...................................................................58

3.4.1 A busca pessoal individual e a coletiva.........................................................59

3.4.2 Busca pessoal em advogado.........................................................................65

3.4.3 Busca pessoal em mulher.............................................................................68

3.5 O sujeito ativo da busca pessoal........................................................................73

3.6 A fundada suspeita como causa eximente de mandado judicial para a busca

pessoal...............................................................................................................76

3.7 O abuso de autoridade.......................................................................................84

3.8 A revista privada como condição de ingresso em estabelecimentos

particulares........................................................................................................ 88

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9

4. O QUE PODE SER PROCURADO NA BUSCA PESSOAL....................................95

4.1 Coisas achadas ou obtidas por meios criminosos.............................................98

4.2 Instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados

ou contrafeitos.................................................................................................100

4.3 Armas e munições e instrumentos utilizados na prática de crime ou

destinados a fim delituoso.................................................................................103

4.4 Objetos necessários à prova de infração ou à defesa......................................108

4.5 Cartas destinadas ao acusado ou em seu poder.............................................111

4.6 Qualquer elemento de convicção.................................................................... 116

5. OUTROS MODELOS DE BUSCA PESSOAL .....................................................118

5.1 A busca pessoal no Código de Processo Penal Militar brasileiro.....................119

5.2 A busca pessoal no Código de Processo Penal português..............................124

5.3 A busca pessoal no Código de Processo Penal italiano...................................131

6. CONCLUSÕES.....................................................................................................136

ANEXOS

I Portaria nº 01/2003, do Juiz Diretor do Complexo Judiciário “Ministro Mário

Guimarães” (Fórum Criminal da Barra Funda), São Paulo, de 14 de abril de 2003.

II Provimento nº 811/03, do Conselho Superior da Magistratura, São Paulo, de 22 de

maio de 2003.

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1. INTRODUÇÃO

O Código de Processo Penal brasileiro

1 estabelece duas modalidades

de busca no seu art. 240: a domiciliar e a pessoal. Por tratar-se de ação que

inevitavelmente impõe restrição de direitos individuais, em qualquer das duas

modalidades, somente deve ser concretizada nas condições estabelecidas na lei, em

equilíbrio com os direitos e garantias constitucionais.

Algumas diferenças são nítidas entre os dois institutos. Procede-se

busca domiciliar quando autorizada por fundadas razões, nos termos do parágrafo 1o

do próprio art. 240, para possibilitar alternativa ou cumulativamente oito ações de

interesse processual (letras “a” a “h”), ao passo que a busca pessoal, que também

pode ser denominada revista, é procedida quando há fundada suspeita de que

alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nos termos do

parágrafo 2o do mesmo dispositivo legal. Evidente, nesse ponto, uma maior

flexibilidade para a interpretação do vocábulo suspeita, em relação ao vocábulo

razões.

Enquanto a busca domiciliar é limitada por critérios objetivos, de fácil

percepção, definidos em um único e específico inciso do art. 5o, da Constituição

Federal (inciso XI: A casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo

penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou

desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial)2,

1 Decreto-lei nº 3.689, de 03.10.1941. 2 A Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada em 05.10.1988.

impõe-se para a realização da busca pessoal a observação de garantias de

prescrição genérica, quais sejam: o respeito à intimidade, à vida privada e à

integridade física e moral do indivíduo, estabelecidas em pelo menos quatro dos

incisos do mesmo artigo (art. 5º), da CF, quais sejam:

inciso III: ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; inciso X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; inciso XV: é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz (...); inciso XLIX: é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

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Para a tutela da inviolabilidade domiciliar existe, inclusive, um tipo

penal próprio, o do art. 150 do Código Penal, que trata da violação de domicílio. Não

há, porém, tipo penal específico para a proteção da intimidade (no aspecto físico e

pessoal e não domiciliar) e também para a intangibilidade do corpo, que são objetos

jurídicos de sentido diverso da liberdade sexual. Utiliza-se, em geral, a descrição de

abuso de autoridade, quando a conduta abusiva é praticada por agente público no

exercício da função (Lei 4.898/65).

Por isso o grande desafio de analisar o instituto da busca pessoal,

antes e durante o ciclo completo da persecução criminal, da repressão imediata da

infração da norma até o efetivo cumprimento da pena imposta ao infrator, no

contexto processual penal (verificando-se, por exemplo, a particular situação da

revista realizada em réu preso). Daí a importância de se verificar quais os

parâmetros que devem nortear a conduta do agente responsável pela busca

pessoal, harmonizando-se as condições estabelecidas no Código de Processo

Penal com os direitos e garantias individuais consagrados na Constituição Federal,

aplicados ao caso concreto.

Apresenta-se como desafio o estudo da busca pessoal, também

porque se constata que é mais fácil reconhecer e colocar em prática as limitações

objetivas da busca domiciliar, aplicáveis em vista do espaço físico que abriga o lar,

como regras claras e assecuratórias da denominada “inviolabilidade domiciliar”, do

que compreender e observar as limitações não objetivas aplicáveis em vista do

próprio corpo daquele em quem se realiza a busca, num amplo espectro de

situações. Esse corpo, a propósito, que é o verdadeiro sacrário da dignidade

humana, onde ela se expõe e a partir de onde ela se projeta. Caminharemos então

para um novo conceito: o da “inviolabilidade pessoal”, concluindo que ela não é

absoluta, tal como a domiciliar e, aliás, como quaisquer outros direitos ou garantias

individuais.

O tema é capaz de provocar calorosas discussões, eis que a busca

pessoal independe de ordem judicial em qualquer das três circunstâncias

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relacionadas no art. 244 do Código de Processo Penal, quais sejam: 1. no caso de

prisão; 2. quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de

arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito; e 3. no curso

de busca domiciliar (pressupondo-se, nesse caso, ordem judicial para a busca

domiciliar). E ainda podemos a elas somar mais duas circunstâncias que tornam

prescindível o mandado judicial escrito, sendo elas: 4. quando houver

consentimento daquele a quem se pretende revistar e, por uma questão de lógica, 5.

quando a busca for realizada pela própria autoridade judicial (competente pela

expedição da ordem).

A caracterização ou não da segunda circunstância eximente de

mandado judicial, a “fundada suspeita”, resulta da particular análise do responsável

pela busca pessoal, ao contrário das outras circunstâncias, que já são claramente

definidas. Abre-se então um grande número de possibilidades e observa-se, na

prática, que a busca pessoal é realizada com maior frequência que a busca

domiciliar, esta vinculada a situações mais restritas conforme indicado.

De fato, não se procede busca domiciliar com tanta frequência quanto

a busca pessoal. Raciocinemos no sentido de que a busca pessoal é sempre

procedida durante o curso da busca domiciliar por conta de que, nessa

circunstância, ela (busca pessoal) independe de ordem judicial; ou seja, toda vez

que há busca domiciliar normalmente ocorre a busca pessoal, que não é obrigatória,

mas sempre legítima e recomendável nesse caso.

Por outro lado, nem sempre quando é realizada busca pessoal se faz a

domiciliar, uma vez que esta se vincula a condições objetivas e de maior limitação,

quais sejam: cumprimento de mandado judicial ou realização pela própria

autoridade, durante o dia; e consentimento do morador, a qualquer hora

(tecnicamente, o procedimento de busca domiciliar prevista no Código de Processo

Penal não se confunde com a entrada permitida em razão de flagrante delito,

prevista no inciso XI, do art. 5o, da CF, como situação excepcional).

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Não obstante a sua maior incidência, como demonstrado, a busca

pessoal não tem recebido a proporcional atenção dos estudiosos que normalmente

analisam o instituto da busca domiciliar com maior ênfase. Isso ocorre, certamente,

em razão da tradição do Direito Romano que já conferia à casa especial proteção

como consequência do antigo ritual sagrado de respeito aos antepassados,

realizado em seu interior, junto ao fogo do “lar”, quando a casa representava o

inviolável abrigo do “deus doméstico” como fator de identidade e da própria união

familiar.

A proteção da intimidade e da integridade física e moral do indivíduo

projetadas na extensão do seu corpo, vestes e objetos pessoais, ao longo da

história não tem concentrado o mesmo nível de interesse, em análise comparativa,

porque se entende que a devassa à intimidade e à vida privada normalmente é

maior em uma busca domiciliar do que em uma busca pessoal.

Existem, no entanto, buscas pessoais que são indiscutivelmente mais

constrangedoras do que qualquer busca domiciliar imaginável. As chamadas buscas

pessoais minuciosas procedidas, por exemplo, em pessoas envolvidas em tráfico de

entorpecentes (buscas baseadas em fundada suspeita ou em caso de flagrante),

devem ser realizadas com cuidadosa observação inclusive das cavidades corporais

do revistado; o procedimento é necessário, vez que usualmente são ocultadas

substâncias entorpecentes nesses espaços do corpo, impondo-se a sujeição do

revistado a uma condição de total exposição física imprescindível em tal

circunstância. Já outras situações podem ensejar uma busca pessoal superficial

para rápida verificação, por exemplo, de porte de arma.

Significa dizer que existem diversos níveis de busca pessoal,

verificados de modo proporcional ao fator de sua motivação em cada caso

particular, decorrendo, obviamente, maior ou menor nível de restrição de direitos

individuais. Essa percepção está estritamente vinculada ao momento da realização

da busca pessoal, bem como à sua finalidade, verificadas as circunstâncias do caso

concreto, especialmente quanto ao grau de suspeita, que deve sempre ser fundada.

Page 14: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

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Exsurge a busca pessoal, no cotidiano, como um dos mais eficazes

instrumentos de trabalho da polícia, apresentando-se como fundamental tanto no

interesse da prevenção (busca pessoal preventiva), quanto no interesse processual

(busca pessoal processual). Também por esse motivo justificável a pesquisa e o

desenvolvimento técnico do assunto, a fim de que os direitos individuais sejam

preservados ao máximo, limitados tão somente diante do estrito interesse público,

quando imprescindível à realização da busca pessoal, observados os dispositivos

constitucionais e infraconstitucionais relacionados à matéria.

Ainda, para uma melhor compreensão dos ditames da norma

processual penal comum brasileira e a essência do instituto em análise, é

importante observar outros modelos existentes. O Código de Processo Penal Militar

brasileiro, de 1969, trouxe traços de modernidade em relação ao código de processo

comum e por isso merece análise e considerações no que se refere ao instituto da

busca pessoal. Ainda, Portugal e Itália foram escolhas naturais, pois dispõem de

legislação processual penal mais recente que a do Brasil (os dois países adotaram a

codificação atualmente em vigor, respectivamente, em 1987 e em 1988), e exercem

grande influência cultural no país, historicamente observada no contexto jurídico

brasileiro.

Muitas questões interessantes surgem, ainda, durante o estudo da

busca pessoal, merecendo análise, por exemplo, a natureza jurídica desse instituto,

o aspecto da tangibilidade corporal, a busca pessoal realizada em mulher, o sujeito

ativo da busca pessoal e a polêmica sobre a legalidade da revista privada (realizada

por particulares como condição de entrada em estabelecimentos diversos). São

temas envolventes que justificam o estudo da busca pessoal como instituto

autônomo, independente de outras eventuais modalidades de busca e também

independente da apreensão.

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2. DEFINIÇÃO E POSICIONAMENTO DA BUSCA PESSOAL NO BRASIL

Investiga-se o conceito de busca pessoal, a partir da definição de

busca, para o seu devido estudo como instituto autônomo, não obstante a previsão

conjunta da busca com a apreensão na lei processual penal brasileira. Como se não

bastasse a questionável junção desses dois procedimentos - diversos e

independentes em sua natureza - na forma de uma expressão de reiterado emprego

no ordenamento jurídico (busca e apreensão), também são apresentadas as duas

modalidades de busca, a domiciliar e a pessoal, em comum reunidas no texto de

alguns dos artigos do Capítulo XI, sob o título “Da Busca e da Apreensão” (art. 240,

242, 243, 247 e 250), inserido no Título VII (Da Prova), do Livro I (Do Processo em

Geral), do Código de Processo Penal.

Mas, a busca deve ser estudada separadamente da apreensão para

que não ocorra uma espécie de contaminação entre a definição de um e de outro

instituto, como se o único resultado positivo da busca fosse a apreensão, o que não

é verdade. É válido inclusive o raciocínio oposto, ou seja, é possível, por exemplo, a

realização de busca a pedido da defesa, em razão da convicção de que nada de

relevante será encontrado (trata-se de semelhante estratégia de quem

voluntariamente apresenta os dados da sua conta bancária, antecipando-se à

ordem judicial de quebra de sigilo), fazendo valer o dito popular: “quem não deve,

não teme”; nessa circunstância, o resultado será positivo ao requerente exatamente

com a não localização daquilo que foi procurado.

Além da independência dos institutos “busca” e “apreensão”, constata-

se que existem características totalmente distintas entre as modalidades de busca

atualmente previstas (domiciliar e pessoal), o que justificaria um tratamento em

separado na lei processual, superando-se a forma com que a busca foi apresentada

no Código de Processo Penal brasileiro em vigor, datado de 1941. A norma

processual em questão apresenta duas modalidades em um mesmo artigo (art. 240)

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com uma profusão de ideias e motivações aplicadas à busca domiciliar e/ou à busca

pessoal, seguida de artigos avulsos e direcionados a cada modalidade, o que

aumenta a necessidade de criterioso estudo para a correta aplicação desses

dispositivos.

A propósito, muitos estudiosos defendem a adoção de outro modelo de

normatização da busca, ampliando-lhe o rol de possibilidades descritas ou

acrescentando-lhe novas modalidades de busca (além da domiciliar e da pessoal),

tais como a busca em local público e a busca veicular, como se estas não fossem

hoje permitidas por falta de regulamentação própria. Certo é que a previsão de

condições específicas para a busca domiciliar, ignorando-se outros locais passíveis

de busca, decorre de uma clara preocupação em preservar a inviolabilidade do

domicílio, como uma das principais garantias de respeito à intimidade e à vida

privada das pessoas, proteção que a Constituição Federal não estendeu a outros

ambientes.

A busca pessoal, na disposição atual, é procedimento que compreende

a procura no corpo, bem como a vistoria nas roupas e nos pertences de quem a ela

é submetida, inclusive no interior de veículo, desde que este não lhe sirva de

moradia.

2.1 Conceito de busca

Com relação à etimologia do vocábulo busca, observa Cleunice A.

Valentim Bastos Pitombo:

A palavra busca, do verbo buscar, possui origem obscura. Afirma-se que o vocábulo é próprio do espanhol e do português. Há, porém, quem afirme ser originário do francês busq, verbo de caça; ou do latim poscere, pedir, demandar, llamar, ou, ainda, do italiano buscare, fazer diligência para achar alguma coisa, servindo-se das mãos

3.

3 PITOMBO, Cleunice A. Valentim Bastos. Da Busca e da apreensão no processo penal. São Paulo:

RT, 1999, p. 92.

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Entre os diversos sentidos do vocábulo busca que se pode encontrar

nos dicionários de língua portuguesa, como por exemplo, no Dicionário Aurélio,

encontra-se destacadamente: “procura com o fim de encontrar alguma coisa”;

“procura”, “investigação cuidadosa; pesquisa, exame”; e “procura minuciosa; revista,

exame”4.

Evidentemente que quem busca, procura por alguma coisa, conforme o

primeiro sentido apresentado, ainda que aquilo que se busque seja algo indefinido.

Não faz sentido procurar algo que se sabe não está onde se busca, salvo na rara

hipótese de se querer demonstrar que verdadeiramente aquilo que se dizia estar em

determinado local ou com determinada pessoa, não está.

Portanto, busca significa o mesmo que procura; já o termo revista pode

ser utilizado apenas como sinônimo de busca pessoal e não como sinônimo de

busca, em sentido amplo, porque inaplicável à busca domiciliar. Aliás, o Código de

Processo Penal de Portugal, no seu art. 174 e seguintes, emprega o termo revista

no mesmo sentido da analisada busca pessoal e o termo busca quando se refere à

procura em local determinado, confirmando a origem do emprego dos vocábulos em

estudo. Por outro lado, podem ser usados os termos varejo, varejamento ou

varejadura no sentido de busca em domicílio, ou em local diverso, mas não

propriamente como sinônimo de busca, porque não são aplicáveis à modalidade de

busca pessoal. Portanto, acerta Clademir Missaggia quando observa: “A busca pode

ser pessoal (revista) ou domiciliar (varejo)”5.

Já o “buscador” é aquele que busca (ou procura) por algo, mesmo que

em vão. Apesar de constar no dicionário também a palavra “procurador”, como

“aquele que procura”, preferimos não adotá-la para o efeito de denominar quem

procede a busca, vez que o vocábulo é amplamente usado no contexto jurídico com

4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 295. 5 MISSAGGIA, Clademir. Da busca e da apreensão no processo penal brasileiro. Porto Alegre:

RIACP, ano 1, n. 0, 2000, p. 89.

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diversos outros sentidos, quais sejam: aquele que tem procuração para tratar dos

negócios de outrem; administrador; mandatário; advogado do Estado (Procurador do

Estado); membro da superior instância do Ministério Público (Procurador de Justiça).

Compreensível dúvida se apresenta, em razão de outro sentido lógico

da palavra busca, como “ato ou efeito de buscar”, em razão de que este verbo

(buscar) significa: “tratar de trazer” condicionado naturalmente à existência de um

objeto (aquilo que se busca). Portanto, é bom frisar que quem procede à busca

prevista no Código de Processo Penal não está obrigado a encontrar qualquer

coisa, porque o significado de busca, nessa situação, é simplesmente o de procura

(logicamente por algo que possa estar ocultado onde se procura) e a legitimidade da

busca não está condicionada ao descobrimento daquilo que se procura e sim à

estrita observância das condições a que ela se vincula, em razão de que o ato

impõe inevitável restrição de direitos individuais.

Por outro lado, quando os dicionários jurídicos definem busca, o fazem

normalmente relacionando-a ao instituto da apreensão, certamente inspirados no

próprio título do Capítulo XI (“Da Busca e da Apreensão”), do Título VII, do Livro I,

do Código de Processo Penal, na forma como, por exemplo, indica Leib Soibelman:

“busca - é a procura para apreender instrumentos, objetos, papéis, pessoas

menores, pessoas vítimas de crime, provas”6. O autor, nesse caso, refere-se à

busca domiciliar quando observa a possibilidade de apreensão de pessoas.

Não é possível aceitar a subordinação da busca em relação à

apreensão, para o propósito de conceituá-la, pois inúmeras situações nos revelam o

quanto é comum a busca legítima sem que se tenha como resultado a apreensão;

aliás, se é mais fácil esconder algo (e bem) do que outra pessoa encontrar o que foi

escondido, então a lógica indica que existirá um maior número de buscas sem que

se verifique como resultado a apreensão.

6 SOIBELMAN, Leib. Dicionário geral de Direito. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, v. 1,

1974, p. 82.

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Na proposição de Pedro dos Reis Nunes, busca é:

Diligência que se pratica, mediante mandado da autoridade competente, com o objetivo de descobrir e apreender pessoas que foram maliciosamente ocultadas, ou coisas que existam ilicitamente ou do mesmo modo tenham sido adquiridas ou extraviadas

7.

Em sua definição, o autor tratou a apreensão como objetivo da

busca, apesar do cuidado de não vincular esta àquela e, ainda, condicionou

qualquer busca a mandado, o que também comporta crítica.

Nem sempre o propósito da busca é a descoberta e a apreensão de

algo; quando solicitada pela defesa, por exemplo, a busca pode ter como objetivo a

demonstração de que o acusado nada ocultou. E não se pode desconsiderar,

também, a busca pessoal realizada pelo policiamento ostensivo preventivo que, na

ausência de norma reguladora específica, orienta-se por regras do Código de

Processo Penal (mesmo porque, dependendo do seu resultado, pode atender

também ao interesse processual); como é sabido, essa espécie de busca tem por

objetivo maior a prevenção e não à eventual descoberta e apreensão de algo, ações

que, por sinal, normalmente também acabam tendo caráter preventivo, como no

caso da apreensão de uma arma descoberta e apreendida ao ser portada

ilegalmente, evitando-se um roubo que seria com ela praticado.

Sobre a mencionada vinculação do ato de busca a um mandado, tal

não se compatibiliza com o art. 244 do CPP, que trata da isenção de mandado para

a busca pessoal, no caso de prisão, fundada suspeita, ou no curso de busca

domiciliar, além da busca domiciliar mediante consentimento do morador ou

realizada pela própria autoridade judiciária, que são diligências regulares igualmente

independentes de mandado.

Indicam Humberto Piragibe Magalhães e Christovão Piragibe Tostes

Malta, que a busca é “providência, medida no sentido de localizar-se pessoa ou

7 NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de tecnologia jurídica. 10. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1979,

p. 98.

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coisa”8. Concordamos com essa definição em virtude de que, conforme já abordado,

de fato a busca é ato tendente à localização de algo que esteja eventualmente

ocultado, não se condicionando a legitimidade do ato à efetiva localização daquilo

que se procurou e sim ao cumprimento das condições legais estabelecidas.

Portanto, a medida “dirigi-se”, “é tendente”, ou “tem o sentido” da localização de

algo, tão somente.

Verificamos um conceito amplo de busca, apresentado por Cleunice A.

Valentim Bastos Pitombo, indicando características das modalidades de busca

pessoal (revista) e domiciliar (varejamento):

É ato do procedimento persecutivo penal, restritivo de direito individual (inviolabilidade da intimidade, vida privada, domicílio e da integridade física ou moral), consistente em procura, que pode ostentar-se na revista ou varejamento, conforme a hipótese

9.

Ainda, em definição abrangente, Guilherme de Souza Nucci indica que

“busca significa o movimento desencadeado pelos agentes do Estado para a

investigação, descoberta e pesquisa de algo interessante para o processo penal,

realizando-se em pessoas ou lugares”10

.

Como, tecnicamente, a persecução penal se inicia somente a partir da

constatação da prática de infração penal, nota-se que a definição apresentada não

contemplou a busca pessoal preventiva (procedida normalmente em momento

anterior a constatação da conduta delituosa), o que não concordamos, data venia,

eis que a busca pessoal preventiva também pode interessar ao processo penal,

conforme o seu resultado. Ponderado esse aspecto, a definição apresentada nos

parece precisa.

8 MAGALHÃES, Humberto Piragibe e MALTA, Christovão Piragibe Tostes. Dicionário Jurídico. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas S/A, v. 1, 1975, p. 102. 9 PITOMBO, Cleonice A. Valentim Bastos, 1999, op. cit., p. 17. 10 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: RT, 2002, p. 448.

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20

Também Hélio Tornaghi, em relação à busca, teve o cuidado de dar-lhe

o sentido de procura, em termos gerais, diferenciando-a de outros procedimentos

com significados próprios:

Busca (perquisizione, perquisition, search, Durchsuchung) é a

procura, a cata de alguma coisa. Não é mero exame, investigação, pesquisa. Difere, pois: - da vistoria judicial (ispezione oculare, Augenschein), ato por meio do qual o juiz aplica os próprios sentidos para receber uma impressão pessoal de um ser ou de um fenômeno; - da perícia (perizia, Sachverständigen-Gutachten), exame feito por espertos com a finalidade de informar o juiz; - do reconhecimento (ricognizione, Anerkennung), seja de pessoas, seja de coisas

11.

Podemos concluir, por fim, que a busca é procedimento incidente em

pessoas ou em lugares, que impõe restrição de direitos individuais e por isso é

desenvolvida por agentes do Estado, respeitadas as condições legais de cada

modalidade. Tem por finalidade a investigação e descobrimento de tudo o que seja

relevante ao processo penal e também à prevenção, neste particular aspecto

quando realizada em pessoas, normalmente antes da constatação da infração da

norma penal.

2.1.1 A independência da busca em relação à apreensão

Vários autores indicam o significado da expressão busca e apreensão

como se existisse apenas um instituto resultado da fórmula “busca + apreensão”.

Em razão da tradicional junção dos dois vocábulos no texto legal, verificou-se um

fenômeno de simbiose que influenciou o uso comum da expressão, prejudicando a

noção correta de existência de dois institutos totalmente distintos.

Assim, por exemplo, Humberto Piragibe Magalhães e Christovão

Piragibe Tostes Malta indicam que busca e apreensão significa: “busca seguida de

apoderamento de pessoa ou coisa, fazendo-as colocar-se à disposição de quem o

11 TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1978. v. 3, p. 54.

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21

Juiz que determinou a medida delibere”12

; segundo Pedro dos Reis Nunes, a

expressão busca e apreensão significa “medida preventiva ou preparatória, que

consiste no ato de investigar e procurar, seguido de apoderamento da coisa, ou

pessoa que é objeto da diligência judicial ou policial”13

. E também J. M. Othon Sidou,

no mesmo raciocínio de unidade da expressão busca e apreensão, registra que “os

dois termos formam uma locução unitária; não há apreensão sem busca”14

.

Sérgio Marcos de Moraes Pitombo oferece explicação sobre o

tratamento unitário que normalmente se dá à busca e à apreensão, que, conforme

seu ensinamento, é verificado em razão de que:

(...) a apreensão, no mais das vezes, segue a busca. Emerge, daí, o

costume de vê-las unidas. Conceitos que se teriam fundido, como se fossem uma e mesma coisa, ou objetivamente, inseparáveis. As buscas, contudo, se distinguem da apreensão, como os meios diferem dos fins

15.

Certamente poderá ocorrer apreensão após a busca, aceitando-se

então, sem discussão, o emprego da expressão busca e apreensão para esse caso

concreto. No entanto, é temerária a generalização do uso em conjunto dos dois

vocábulos, incentivado pela redação do próprio Código de Processo Penal, em

razão de que, antes do término da busca, não é possível saber se haverá ou não

apreensão. Aliás, nem sempre a busca é voltada para a apreensão;

paradoxalmente, o mesmo artigo 240, do CPP, que abre o Capítulo XI (Da Busca e

da Apreensão) com a apresentação dos dois institutos em conjunto, indica exemplos

de motivações diversas.

Exatamente, a busca pode ser realizada também para a prisão no caso

da busca domiciliar (letra “a”, do parágrafo primeiro), não obstante o fato de que a

12 MAGALHÃES e MALTA, op. cit., p. 21. 13 NUNES, op. cit., p. 19. 14 SIDOU, J. Othon. Dicionário Jurídico. 6. ed. Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 113. 15 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Do sequestro no processo penal Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1973.

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busca pessoal igualmente pode resultar na identificação e prisão de pessoa

procurada, ou ainda em prisão em flagrante; também para descoberta de objetos

necessários à prova de infração ou à defesa do réu (letra “d” do parágrafo primeiro)

não sendo indicada, nesse caso, como necessária a apreensão; e, também, para a

colheita de qualquer elemento de convicção (letra “h”, do parágrafo primeiro),

podendo tratar-se de elemento imaterial, como por exemplo, um dado, uma

informação.

Há outras hipóteses que fortalecem a conclusão de que a apreensão

não pode ser considerada sequer o objetivo da busca. A defesa, por exemplo, pode

requerer que se procedam buscas para demonstrar a inocência daquele que nada

ocultou. Lembre-se, ainda, da diligência preliminar do procedimento aplicável aos

crimes contra a propriedade industrial, destinada à demonstração de materialidade

da infração penal, quando se tem por objetivo a constatação da irregularidade pela

perícia e não, nesse momento, a apreensão dos produtos.

Existe, também, a busca pessoal preventiva, como um dos principais

instrumentos da polícia de segurança, que tem por impulso o regular exercício do

denominado poder de polícia, objetivando a prevenção e não propriamente a

descoberta e apreensão de algo. O procedimento legítimo, nesse caso, pode vir a

atender o interesse processual se for localizado algo suscetível de busca (alíneas do

parágrafo primeiro, do art. 240, do Código de Processo Penal), circunstância que,

somente então, ensejará a apreensão do que foi encontrado.

Por outro lado, pode existir apreensão sem que tenha ocorrido busca.

Sugere-se, como principal exemplo dessa situação, a lavratura do termo de

apreensão sob o título de: “auto de exibição e apreensão”, provocada pela exibição

voluntária do que se procura. Ademais, o objeto achado - que não esteja na posse

de qualquer pessoa - também será apreendido, havendo interesse processual.

Cleunice A. Valentim Bastos Pitombo também apresenta as diferenças

entre a busca e a apreensão, advertindo serem dois os institutos, apesar da redação

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23

em conjunto apresentada no CPP, levando em consideração que a busca teria

limites constitucionais, enquanto a apreensão não encontraria respaldo em direito ou

garantia individual, salvo caso excepcional de ameaça de direito de propriedade

(inc. XXII, do art. 5o, da Constituição da República), “quando se apreendem bens,

produto ou proveito de crime, em poder de terceiro de boa-fé, que os adquiriu”,

conforme observa, concluindo, sobre a busca e a apreensão que: “Possuem

escopo, objeto e instrumentalização distintos”16

.

Por fim, constata-se nas leis processuais mais recentes de diversos

países, dentre elas a de processo penal de Portugal e da Itália, além de nosso

próprio Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de

1969), uma separação total dos dois institutos, representando essa posição uma

tendência que justifica estudo aprofundado e, em apartado, de cada deles. E, no

caso particular da busca, cada uma de suas modalidades (domiciliar e pessoal)

também merece igual e especial atenção em razão de suas múltiplas

peculiaridades.

2.2 Conceito de busca pessoal

Dando sequência às definições, Leib Soibelman explica a expressão

busca pessoal com enfoque no seu sentido prático, conforme indicado: “É pessoal

quando se realiza sobre o corpo de um indivíduo para fazer a apreensão do que ele

esconde”17

. No entanto, verificam-se duas impropriedades no conceito apresentado,

quais sejam: 1. a busca pessoal não é realizada somente sobre o corpo de quem a

ela é submetido, mas também em suas roupas, pertences (pasta, mala e bolsa, por

exemplo) e igualmente no veículo, quando disponível; e 2. o objetivo da busca não é

a apreensão e, sim, a própria procura.

16

PITOMBO, Cleonice A. Valentim Bastos, 1999, op. cit., p. 17. 17

SOIBELMAN, op. cit., p. 19.

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24

J. M. Othon Sidou indica que busca pessoal significa:

Diligência policial, independentemente de mandado judicial, quando houver indício de que alguém oculte consigo arma proibida ou coisa de natureza suspeita, ou para efeito de colher qualquer elemento de convicção

18.

Essa definição é bem melhor em razão de que não restringe a

amplitude do procedimento da busca, pois ela normalmente se estende aos

pertences do revistado; também, indica que poderá haver busca pessoal apenas

para colheita de elemento de convicção, em sintonia com a letra “h”, do parágrafo

primeiro, do art. 240 do CPP.

Guilherme de Souza Nucci explica o sentido de busca pessoal,

mediante o conceito do advérbio pessoal que “é o que se refere ou pertence à

pessoa humana. Pode-se falar em busca com contato direto ao corpo humano ou a

pertences íntimos ou exclusivos do indivíduo, como a bolsa e o carro”19

.

Rogério Lauria Tucci complementa o raciocínio, indicando que a busca

pessoal é aquela que, em princípio, se efetua na própria pessoa do sujeito passivo

da verificação, oportunamente distinguindo-a da inspeção corporal:

Não deve ser confundida com a inspeção corporal, correspondente ao exame do corpo com finalidade diversa (exempli gratia, identificação, apuração de idade, averiguação de lesões – quaisquer sinais ou vestígios deixados pelo crime); posto que, por ela, se procura obter, mediante visualização, inspeção manual ou, até mesmo, emprego de meios mecânicos, drásticos, ou radioscópicos, ‘o conhecimento de que objetos obtidos, achados por meios criminosos, falsificados ou contrafeitos estão escondidos ou nas vestes, ou em pequenos objetos que a pessoa leva consigo (valises, pastas etc.) ou no próprio corpo do infrator’

20.

Não há que se confundir, da mesma forma, a busca pessoal com as

denominadas “intervenções corporais” normalmente realizadas para a colheita de

material para exames laboratoriais, por exemplo, exame de dosagem alcoólica e de

DNA, com o propósito probatório.

18

SIDOU, op. cit., p. 23. 19

NUCCI, op. cit., p. 21. 20

TUCCI, José Lauria. Busca e apreensão. São Paulo: RT-515/287,1978.

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25

A busca pessoal, ou revista como também é correto denominá-la, pode

ser realizada com o auxílio de aparelhos eletrônicos - e também de semoventes, a

exemplo de cães “farejadores” - que substituem o contato das mãos com o corpo,

vestes e pertences da pessoa revistada. A propósito, o procedimento chama-se

busca pessoal não em razão de que ela é realizada “pessoalmente” (diretamente

pelo buscador) e, sim, em razão de que uma pessoa é submetida à revista,

incluindo-se nessa noção o próprio corpo e os pertences próximos daquele que é

revistado.

O buscador utiliza os sentidos: visão, tato, olfato, audição, paladar

(especialmente os dois primeiros) para a realização da busca e a sua percepção

sensorial pode ser amplificada por equipamentos (visão de “raio-x” em esteira para

malas, portais magnéticos, portas giratórias, detector manual de metais) em busca

pessoal realizada mesmo sem o contato físico com o revistado.

Aliás, é interessante a solução que vem sendo adotada em alguns

países, particularmente em seus aeroportos (tem-se notícia de uso nos Estados

Unidos da América), em que se procede a busca pessoal rapidamente, e com

grande eficiência, mediante auxílio de um aparelho composto de uma grande tela

que funciona como um “raio-x”, possibilitando a visão do contorno do corpo do

revistado, que permanece em pé. Sem desconsiderar a questão da inevitável

restrição de direitos pessoais - à própria intimidade, no caso - que ainda será

discutida, o agente é capaz de ver com razoável definição, por meio desse

equipamento, o que existe por baixo das roupas, especialmente os objetos

transportados sob ela, ou escondidos nas partes íntimas do corpo, inclusive objetos

que foram engolidos como forma de dissimulação para o seu transporte.

Tal modo de busca pessoal, que os filmes do gênero ficção científica

de longa data já nos apresentavam (como um grande aparelho de “raio-x”, ou

qualquer outro equipamento semelhante, que praticamente “escaneia” a pessoa

revistada) causa evidentemente maior restrição aos direitos individuais do que a

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26

busca pessoal convencional (superficial) realizada com as mãos do buscador. Isso

porque, compreende-se, o revistado sente-se devassado em sua intimidade, ao ter

as formas do seu corpo visualizadas por terceiros. De fato, quando submetido a

essa busca pessoal, em situação normal, o revistado está usando roupas que têm

como principal função exatamente cobrir as partes íntimas do seu corpo; portanto,

ele não deseja exibi-las para visualização de outras pessoas em razão de seu pudor

ou em razão, simplesmente, da consciência de convenções sociais.

Sobre a questão do respeito aos direitos e garantias individuais em

harmonia com o interesse da coletividade e o uso de tecnologia para a realização de

busca pessoal, conclui Clademir Missaggia:

A busca pessoal sofre os limites expressos em nossa legislação, cujas regras tutelam a integridade física e moral, o que não impede o uso de meios mecânicos e outros para a descoberta, inclusive nas partes íntimas do corpo, respeitadas a dignidade da pessoa e as exigências da proporcionalidade, ou seja, os interesses da persecutio criminis deve ser ponderado com os princípios da inviolabilidade física, moral e intimidade

21.

Certamente, para qualquer nível de busca pessoal devem ser

considerados, além da legitimidade do ato (condições legais que autorizam o

procedimento) os aspectos da necessidade e da razoabilidade da intervenção, de

modo a causar a mínima restrição possível de direitos individuais, somente

justificável pela preservação do interesse maior da coletividade.

2.3 Natureza jurídica da busca pessoal

A análise da natureza da busca tem sido verificada pelos estudiosos

em conjunto com a análise da natureza da apreensão, em razão das disposições do

Código de Processo Penal (em um capítulo específico: o de número XI, do Título VII

– “Da Prova” -, do Livro I, - “Do Processo em Geral”).

21 MISSAGGIA, op. cit., p. 18.

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27

Magalhães Noronha, citando a diferença entre os dois tipos de prova –

real e pessoal -, indica que a busca e a apreensão constituem providência cautelar:

Compreende-se a finalidade da medida cautelar, pois a prova não é eterna: se real, está sujeita à ação do tempo, que destrói e consome; se pessoal, pode desaparecer, seja pelo falecimento da pessoa, seja por seu paradeiro ignorado etc

22.

Para Rogério Lauria Tucci, que acompanha o mesmo raciocínio, em

razão da organização do Código de Processo Penal, a expressão significa:

(...) meio de prova de natureza acautelatória e coercitiva, consubstanciado no apossamento de elementos instrutórios, quer relacionados com objetos, quer com pessoas do culpado e da vítima, quer, ainda, com a prática criminosa que tenha deixado vestígios

23.

Na verdade, a questão da natureza jurídica da busca (domiciliar ou

pessoal) passa pela discussão sobre a classificação desse instituto, em separado da

apreensão, ou seja, se ele constitui um meio de prova, ou instrumento de sua

obtenção, ou, ainda, uma coação processual penal lícita. A Exposição de Motivos do

Código de Processo Penal coloca a busca genericamente como “expediente de

consecução de prova” (parte final do item VII)24

, em consonância com a sua posição

estabelecida no CPP, junto ao Título: “Da Prova”. A posição do relator do projeto

(Francisco Campos) resulta da diversidade de classificações possíveis, dependendo

do momento em que se realiza a busca.

O instituto, de característica híbrida, apresenta-se ora como ato

preliminar, ora como meio de investigação e, ainda, com o sentido de verificação e

reunião de provas, na instrução criminal. Por isso, os autores mais antigos definiam

a busca e a apreensão, simplesmente como medida policial e de instrução.

22 NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 93. 23 TUCCI, op. cit., p. 26. 24 Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, Relator Francisco Campos, 1941, parte final do item VII.

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28

Por outro lado, podemos observar que a busca constitui medida

instrumental, que restringe direitos individuais. A apreensão, por sua vez, constitui

comumentemente meio cautelar de obtenção de provas. Já a conclusão de

Guilherme de Souza Nucci aponta para a interpretação de que, “tanto a busca

quanto a apreensão, podem ser vistos, individualmente, como meios assecuratórios

ou como meios de prova, ou ambos”25

.

Analisando a questão estritamente sob o ponto de vista da atividade

policial, podemos verificar que a busca tem caráter preventivo e repressivo.

Preventivo em razão da sua natureza acautelatória e repressivo em razão do seu

inerente aspecto coercitivo. O caráter preventivo desdobra-se em dois enfoques:

primeiro, a preservação da prova necessária aos trabalhos da Justiça Criminal

(ocorrendo a apreensão), obtida mediante a intervenção policial e, segundo, a

prevenção da violação à ordem jurídica, ou de novas violações, se já ocorreu uma

prática delituosa.

Portanto, o enfoque da natureza jurídica do instituto será voltado ao

seu caráter assecuratório, ou de instrumento de sua obtenção como procedimento

tipicamente policial, ou de simples meio de prova, ou, ainda, até mesmo de uma

coação processual penal lícita, dependendo do fim à que se destina, do momento

em que é realizada e da urgência da sua consecução em vista de eventual risco de

perda daquilo que está ocultado ou dissimulado. Independente de qualquer

classificação, de modo geral, o propósito principal da busca é mesmo o de

instrumentalizar a obtenção de provas ou a constatação da sua indisponibilidade, no

exercício da procura em local ou em pessoas e objetos a elas relacionados,

sujeitando-se, portanto, às normas de captação das provas.

25

NUCCI, op. cit. p. 21.

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29

2.4 Contexto histórico

Encontra-se no Livro do Gênesis, parte III, “A História de José”, da

Bíblia Sagrada o primeiro relato de que se tem notícia sobre a realização de uma

legítima busca pessoal: José, que ocupava um dos mais altos postos da hierarquia

do Egito - e até então não havia revelado sua identidade aos irmãos que vinham

buscar trigo naquele local -, determinou ao oficial intendente que procedesse à

busca em seus irmãos, particularmente nos respectivos sacos de viagem, sabendo

que encontraria junto com Benjamim - o mais novo - uma taça de prata por ele

próprio (José) ocultada, a fim de observar suas reações.

Ao serem abordados, os irmãos negaram a prática de furto e não

ofereceram resistência à revista. O intendente, então, lhes proferiu algumas

palavras e procedeu à busca, conforme descrito no texto do Livro do Gênesis:

‘Seja como dissestes! Aquele com quem for encontrada a taça será meu escravo. Vós outros sereis livres’. E, imediatamente, pôs cada um o seu saco por terra e o abriu. O intendente revistou-os começando pelo mais velho e acabando pelo mais novo; e a taça foi encontrada no saco de Benjamim” (Livro do Gênesis, parte III, Capítulo 44, versículos 10-12)

26.

Na verdade, desde a Antiguidade a busca pessoal acompanhava o

procedimento da busca domiciliar, como sua consequência, em razão de que não

faria sentido revistar tão somente uma pessoa e, não se encontrando o que era

procurado, desistir da diligência, eis que a ocultação (do objeto buscado) já poderia

ter sido realizada no interior da casa daquele sobre quem recaia a suspeita da

subtração mediante furto, por exemplo. No texto bíblico citado, como situação

excepcional, todos tinham certeza de que a taça não estaria da casa dos irmãos de

José, pois naquela ocasião eles se encontravam em viagem, longe de seus

26 BÍBLIA SAGRADA. Tradução dos originais mediante versão dos Monges de Maredsous (Bélgica) Imprimatur Carolus, Card. Archiep. Sti. Pauli, 26-XII – 1957. 52. Ed. São Paulo: Ave Maria.

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30

domicílios, para buscar trigo no Egito, único motivo pelo qual foi realizada

exclusivamente a busca pessoal.

A busca domiciliar era o procedimento utilizado, em regra, para que

fosse verificado se alguém ocultava consigo o que se suspeitava ter sido

indevidamente retirado de outra pessoa. Nesse propósito, não é exagero afirmar

que no antigo direito romano dispensava-se maior proteção à casa do que ao

próprio corpo do indivíduo. A casa era o símbolo da identidade da pessoa, do grupo

familiar liderado pela figura do paterfamilias; era o ambiente do culto sagrado dos

antepassados, dos mortos que recebiam na cerimônia do “fogo sagrado” (chamado

“lar”) a oferenda doméstica como garantia de sua memória e do seu descanso

eterno; era um local onde não se admitiam estranhos, um ambiente preservado

desde tempos remotos como centro da convivência familiar que dava identidade ao

integrante de cada grupo.

Demonstrando a sacralização do ambiente da casa e seu caráter de

inviolabilidade, tanto na cultura romana quanto na cultura grega, descreve Fustel de

Coulanges, na sua clássica obra Cidade Antiga:

Toda esta religião se limita ao interior de cada casa. O culto não era público. Antes, ao contrário, todas as cerimônias se cumpriam somente no seio da família. O lar nunca estava colocado nem fora da casa, nem mesmo junto da porta exterior, de onde qualquer estranho o pudesse ver sem dificuldade. Os gregos colocavam-no sempre em lugar onde estivesse defendido contra o contato e mesmo contra o olhar dos profanos. Os romanos escondiam-no no próprio coração da casa. A todos estes deuses (fogo, lares, manes) chamavam-lhes deuses ocultos, ou deuses domésticos. Para todos os atos desta religião se tornava indispensável a sua prática oculta, sacrificia occulta, na língua de Cícero; se uma cerimônia fosse presenciada por estranho, logo ficava perturbada, profanada, só pelo olhar

27.

Em contraposição a essa sacralização do ambiente do lar (entenda-se

interior da casa) e o respeito à propriedade que identificava o grupo familiar, o corpo

do cidadão, em sua individualidade, não era considerado de igual importância, tanto

27 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Tradução: Fernando de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 32.

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31

que no antigo direito romano o corpo do devedor respondia pela sua dívida, em

situação que ilustra muito bem a condição de menor respeito à intimidade

(representada pelo próprio corpo) em relação a casa e a propriedade familiar, como

explica o mesmo autor:

A lei das Doze Tábuas não poupa, seguramente, o devedor, mas recusa, no entanto, que a sua propriedade seja confiscada em proveito do credor. O corpo do homem responde pela dívida, não a sua terra, porque esta se prende, inseparável, à família. Será mais fácil colocar o homem na servidão do que tirar-lhe um direito de propriedade pertencente mais à família do que a ele próprio; o devedor está nas mãos do seu credor; a sua terra, sob qualquer forma, acompanha-o na escravidão

28.

Sobre a apuração dos delitos no direito romano primitivo, ensina

Thomas Marky:

Os delitos que lesavam a coletividade, também no direito romano primitivo, eram perseguidos pelo poder público. Assim era nos casos de traição à pátria, deserção, ofensa aos deuses etc. De outro lado, nesta mesma época, o Estado, por falta de organização eficiente dos poderes públicos, deixou a cargo do próprio ofendido a punição dos delitos que lesavam interesses particulares. O ofendido tinha direito à represália, podia vingar-se

29.

Nesse contexto de iniciativa do lesado para a apuração e punição dos

delitos privados, a busca domiciliar foi praticamente regulamentada na Lei das XII

Tábuas quando estabeleceu (Tábua VIII, “Dos Delitos”, Número XV) que a diligência

deveria ser realizada pelo interessado, em ato solene, ingressando nu na casa de

quem recaía a suspeita, apenas protegido por um cinto (em respeito ao pudor

alheio) e portando nas mãos um prato para nele colocar o objeto encontrado e

também para demonstrar que em suas mãos nada mais trazia30

.

Portanto, a busca domiciliar poderia ser realizada apenas nessa

condição, no espaço reservado ao convívio familiar que recebia maior proteção

28 Ibid, p. 69. 29

MARKY, Thomas. Curso Elementar de Direito Romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 133. 30

Ibid, p. 17.

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32

inclusive em relação ao corpo do indivíduo. A busca pessoal seria então realizada

como consequência do ato solene de entrada na casa, respeitado o ritual que a

condicionava, no caso dos delitos privados, já que o corpo recebia menor proteção

que a casa, conforme se demonstrou, ou, ainda, mediante consentimento daquele

sobre quem recaia a suspeita. Quanto aos delitos que lesavam a coletividade,

perseguidos pelo poder público (delitos públicos), dava-se a busca tanto na esfera

domiciliar quanto pessoal em conjunto e, de modo geral, por imposição de

autoridade constituída.

Na Idade Média, com a predominância do processo penal canônico,

verificou-se uma transformação do sistema acusatório para o inquisitivo; a partir

desse momento, deixaram de ser observados quaisquer direitos individuais. Ensina

Tourinho Filho:

Até o século XII, o processo era de tipo acusatório: não havia juízo

sem acusação. O acusador devia apresentar aos Bispos, Arcebispos

ou Oficiais encarregados de exercerem a função jurisdicional a

acusação por escrito e oferecer as respectivas provas. Punia-se a

calúnia. Não se podia processar o acusado ausente. Do século XIII

em diante, desprezou-se o sistema acusatório, estabelecendo-se o

‘inquisitivo’. Muito embora Inocêncio III houvesse consagrado o

princípio de que Tribus modis processi possit: per accusationem, per

denuntiationem et per inquisitionem, o certo é que somente as

denúncias anônimas e a inquisição se generalizaram, culminando o

processo inquisitivo, per inquisitionem, em tornar-se comum31

.

Nessa época, o corpo do indivíduo era violado no aspecto físico e

moral, sem reservas, como meio de se alcançar a expiação do pecado, cujo

conceito se confundia com a prática de um crime. Sobre as características do

processo que então desconsiderava quaisquer direitos e garantias individuais e

privilegiava o uso da tortura, registra José Geraldo da Silva, analisando a evolução

dos tribunais eclesiásticos:

31

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 1997, p. 34.

Page 34: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

33

Parece certo que em seu ulterior desenvolvimento, afirmou-se a maior severidade dos tribunais eclesiásticos, especialmente com a Inquisição, que fez largo emprego da tortura, escrevendo negra página na história do direito penal. O processo inquisitório surgiu com o Concílio de Latrão, em 1215, e possibilitava o procedimento de ofício, sem necessidade de prévia acusação, pública ou privada. O termo inquisição vem do latim inquirere, inquirir. Compõe-se de duas outras palavras latinas: in (em), e quaero (buscar). Portanto, a inquisição é uma busca, uma investigação

32.

Certo é que a Inquisição, ainda que partindo de denúncia anônima,

representava uma implacável busca à condenação do chamado “herege”, sem

qualquer respeito à integridade física e psíquica do “acusado”, pois se utilizava

inclusive do expediente da tortura para obtenção da confissão. No contexto dessa

“busca de condenação” a busca domiciliar e a pessoal, no sentido que hoje

conhecemos, não era condicionada à qualquer justificativa a partir da conclusão da

rápida instrução preparatória procedida, mesmo sem a presença do “acusado”.

Assim indica, ainda, José Geraldo da Silva:

Se a instrução preparatória fornecia a prova do delito, os inquisidores ordenavam a prisão do acusado, ao qual já não protegiam nem privilégios nem asilo. Depois de preso, ninguém mais se comunicava com ele; procedia-se à visita do seu domicílio e fazia-se o sequestro de seus bens

33.

Avançando na periodização da história, iniciou-se a Idade Moderna

caracterizada pelo absolutismo, sistema de governo da maioria dos Estados

europeus entre os séculos XVII e XVIII, quando o poder estava centralizado nas

mãos do monarca e sustentado por uma burguesia emergente. E foi somente no

século XVIII que floresceu uma corrente de pensamento que defendia o predomínio

da razão sobre a fé, estabelecendo o progresso como destino da humanidade: o

Iluminismo. Representando a visão da burguesia intelectual da época, alcançou

grande repercussão na França, onde enfim se opõe às injustiças sociais, aos

privilégios da aristocracia decadente e também à intolerância religiosa. Abriu espaço

32

SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 2. ed. São Paulo: Leud, 1996, p. 31. 33

Ibid, p. 31.

Page 35: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

34

para a Revolução Francesa que veio a ocorrer em 1789 (marcando o início da Idade

Contemporânea), oferecendo-lhe o lema que sintetizou a mudança que então era

clamada: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

Um dos principais idealizadores dessa corrente de pensamento foi

Jean-Jacques Rousseau, que defendeu o respeito à igualdade, no exercício dos

direitos individuais, reconhecendo a existência de um verdadeiro “contrato social”

que determinava que cada cidadão deveria abrir mão de uma pequena parcela da

sua liberdade individual, a fim de que o Estado, representando a vontade geral em

seus atos de controle, possibilitasse uma convivência pacífica, com base no

exercício da liberdade civil e respeito à propriedade. Em sua obra máxima, de 1762,

“O Contrato Social”, oferece lições precisas desse novo pensamento:

Limitemos tudo isso a termos fáceis de comparar. O que o homem perde pelo contrato social é sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que lhe diz respeito e pode alcançar. O que ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui ... De qualquer modo que remontemos ao começo, chegaremos sempre à mesma conclusão, a saber: que o pacto social estabelece entre os cidadãos tal igualdade, que todos se obrigam sob as mesmas condições e devem gozar dos mesmos direitos. Assim, pela natureza do pacto, todo ato de soberania, isto é, todo ato autêntico da vontade geral, obriga ou favorece igualmente a todos os cidadãos

34.

Influenciado pelos escritores dessa época, Cesare Beccaria, em 1764,

lança a sua obra: “Dos delitos e das penas”, proclamando o princípio da igualdade

perante a lei, com enfoque na norma penal. O autor estabelece limites entre a

justiça humana e a justiça divina, ou seja, entre o pecado e o crime; condena a

reivindicação do direito de vingança, com o fortalecimento do jus puniendi, baseado

na sua utilidade social, além da devida proporcionalidade entre o delito e a sanção e

tantas outras ideias que vieram a fortalecer o sentido de justiça aplicada ao

indivíduo como sujeito de direitos inalienáveis, inserido no contexto de uma

34

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social: princípios de direito político. Tradução: Antônio de P. Machado. São Paulo: Tecnoprint, 1995, p. 39.

Page 36: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

35

sociedade organizada e equilibrada, mediante o respeito às regras de convivência

derivadas do contrato social.

Beccaria critica o sistema que negava qualquer garantia de respeito ao

acusado ou suspeito, indagando:

Quem, ao ler a história, não se horripila diante dos bárbaros e inúteis

tormentos, friamente criados e executados, por homens que se

diziam sábios? Quem não estremecerá, até em sua célula mais

sensível, ao ver milhares de infelizes que a miséria provocada ou

tolerada por leis que sempre favoreceram a minoria e prejudicaram a

maioria, forçou a desesperado regresso ao primitivo estado da

natureza, ou acusados de delitos impossíveis, criados pela tímida

ignorância, ou réus julgados culpados apenas pela fidelidade aos

próprios princípios, esses infelizes acabam mutilados por lentas

torturas e premeditadas formalidades, oriundas de homens dotados

dos mesmos sentimentos e, por conseguinte, das mesmas paixões,

em alegre espetáculo para a fanática multidão?35

Verifica-se, a partir desse momento, uma acentuada evolução quanto

ao reconhecimento dos direitos e garantias individuais, mediante respeito ao ser

individual e a percepção da “inviolabilidade pessoal”, com base no aspecto físico

(intangibilidade corporal) e também no aspecto moral (preservação da intimidade e

da vida privada). A noção do que sejam os “direitos humanos” surge inicialmente

permeada pela ideia de direito natural, ou seja, que podem ser deduzidos da própria

natureza do ser humano. Nesse sentido, a Declaração Francesa dos Direitos do

Homem, de 1789, relaciona como direitos naturais e inalienáveis, entre outros, a

liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

A oposição dos direitos individuais em face da atuação do Estado,

como fator de sua limitação é observada por Sylvia Helena de Figueiredo Steiner,

quando trata da evolução dos instrumentos internacionais de proteção aos

indivíduos:

35

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: RT, 1997, p. 89.

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36

Já na era moderna, grande parte das normas contidas nas Declarações de Direitos dizem exatamente com os limites da atuação do Estado na invasão da esfera de liberdade dos indivíduos. E essa invasão se torna mais sensível quando o Estado exerce seu poder-dever de repressão a condutas que atingem a comunidade

36.

Segue-se, na História, a internacionalização das normas de proteção

aos direitos individuais em oposição ao poder do Estado, em curso de evolução que

se interrompeu a partir do início da I Grande Guerra Mundial e foi retomado em

1919, com o Tratado de Versalhes que estabeleceu a Liga das Nações e a Corte

Permanente de Justiça, como registra a mesma autora:

Não há dúvidas de que o Tratado de Versalhes, ao criar o primeiro corpo de organizações internacionais permanentes para regulamentação e controle das relações entre os Estados, e entre os Estados e os indivíduos, em tempo de paz, pode ser considerado um grande passo na internacionalização dos direitos humanos

37.

Após a II Grande Guerra, iniciou-se um processo de submissão das

nações a compromissos de proteção e garantia dos direitos da pessoa, como

decorrência do fim do conflito mundial. Surge, inicialmente, a Declaração Universal

dos Direitos Humanos, de 1948, que traz como princípios gerais a liberdade, a

igualdade, a não discriminação e a fraternidade e prescrições sobre os direitos e

liberdades de ordem pessoal, sobre direitos do indivíduo nas suas relações sociais.

Essa Declaração motivou a elaboração de outros instrumentos internacionais aos

quais se vincularam nações não integrantes das Nações Unidas, hoje de grande

influência no ordenamento jurídico dos países a eles submetidos.

Como os demais instrumentos internacionais de proteção aos direitos

individuais, porém, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não prescreve

direitos absolutos. Enquanto, por exemplo, em seu artigo V, declara que “ninguém

36

STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e sua integração ao processo penal brasileiro. São Paulo: RT, 2000, p. 23. 37

Ibid, p. 34.

Page 38: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

37

será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou

degradante”, o item 2, do seu artigo XXIX, estabelece que:

No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem, e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática

38.

A Constituição Federal de 1988, no Brasil, foi fortemente influenciada

pelos instrumentos internacionais de proteção aos direitos individuais,

particularmente no seu art. 5o, em que se verificam garantias da inviolabilidade

domiciliar (inciso XI) e da inviolabilidade pessoal, impondo o devido respeito à

intimidade, à vida privada e à integridade física e moral do indivíduo (incisos III, X e

XLIX).

Mesmo considerando que tais garantias representam também limitação

ao poder do Estado, pode-se hoje concluir que não são elas absolutas quando se

trata da realização da busca pessoal e de outros procedimentos imprescindíveis

para a ordem pública e o bem-estar social, previstos em lei, devendo alguns direitos

individuais ceder espaço ao interesse maior da sociedade, no limite do que seja

necessário e razoável à realização do bem comum. Trata-se, na realidade, de

equilibrar e garantir direitos individuais de mesmo nível e dignidade constitucional,

no caso, a inviolabilidade domiciliar e a pessoal e a segurança devida a todo

cidadão (caput do art. 5o, da CF). É este o sentido do artigo XXVIII, da Declaração

Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, quando estabelece que: “Os

direitos do homem estão limitados pelos direitos do próximo, pela segurança de

todos e pelas justas exigências do bem-estar geral e do desenvolvimento

democrático”39

.

38 SÃO PAULO (Estado). Procuradoria Geral do Estado. Grupo de Trabalho de Direitos Humanos. Instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1996, p. 50. 39 Ibid, p. 111.

Page 39: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

38

Finalmente, a definitiva separação da busca pessoal em relação à

busca domiciliar na norma processual, com a regulamentação de suas condições e

procedimentos, como medida excepcional e necessária, orientada pelos direitos e

garantias individuais estabelecidas na Constituição Federal, é consequência da

evolução histórica da organização social, verificando-se o posicionamento do Estado

como exclusivo detentor do jus puniendi, o reconhecimento da igualdade de todos

perante a lei e, também, o desenvolvimento da noção de inviolabilidade pessoal ao

longo do tempo, observada a sua relatividade.

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39

3. A RELATIVIDADE DA INVIOLABILIDADE PESSOAL E AS CLASSIFICAÇÕES

DE BUSCA PESSOAL

Como se procura enfatizar, a proteção da intimidade e da integridade

física e moral do indivíduo projetadas na extensão do seu corpo, vestes e objetos

pessoais, ao longo da história não tem sido contemplada com o mesmo nível de

atenção que a busca domiciliar, porque sempre se entendeu (e ainda hoje) que a

devassa à intimidade e à vida privada normalmente é bem maior na busca domiciliar

em comparação com o efeito de uma busca pessoal. Prova disso é o fato de que a

norma processual brasileira dispensa o mandado judicial para a realização da busca

pessoal quando se realiza regular busca domiciliar (art. 244 do CPP), ou seja,

aquela seria consequência desta, como na Antiguidade.

Desde que a busca pessoal isolada (longe do ambiente doméstico)

seja realizada de modo apenas superficial, de fato, pode-se concluir que ela é

menos agressiva que a busca domiciliar. Isso porque o ambiente doméstico, em si

mesmo, normalmente revela mais informações da intimidade e da vida privada do

indivíduo se comparado com aquilo que se pode obter mediante uma busca pessoal

isolada, ou seja, mediante acesso apenas aos objetos que estejam junto ou próximo

do revistado, tendo como referência o seu corpo.

Mas, ocorre que a busca pessoal não apenas devassa a intimidade

extra-corporal relacionada àquilo que se encontra junto ao revistado. O que se

sucede é a tangibilidade do organismo, ainda que superficial, realizando-se

normalmente o toque no corpo mediante imposição do buscador. Em uma

sequência de restrições de direitos, o revistado é obrigado a interromper o seu curso

normal, a expor-se a ser observado e tocado, a submeter seus objetos pessoais à

vistoria e, enfim, a aguardar a sua liberação (se não for conduzido preso).

Page 41: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

40

E o que dizer, então, de uma busca pessoal minuciosa, como por

exemplo, aquela que se procede normalmente em parentes de réus presos na

entrada de estabelecimentos prisionais de máxima segurança, como condição para

sua visitação, ou ao suspeito de tráfico de entorpecentes. O revistado é obrigado a

ficar nu e mostrar todas as cavidades corporais onde possa ter escondido alguma

substância entorpecente ou qualquer objeto de circulação proibida em determinado

ambiente. Indiscutivelmente essa busca será muito mais agressiva que a busca

domiciliar convencional, em razão da exposição corporal a que se submete o

revistado.

Impõe-se, como critério para a adoção da medida em seus diversos

níveis de restrição de direito, a análise da necessidade e da razoabilidade da

diligência, que normalmente traz consigo um caráter coercitivo desde os mais

remotos tempos. Por outro lado, é compreensiva essa característica de

coercibilidade, na medida em que não há quem se sinta à vontade quando

submetido à busca pessoal, ainda que se observe que muitos, entendendo nessa

hora a função do Estado-polícia, agradeçam a conduta profissional do buscador

(quando assim age, no estrito cumprimento do seu dever), ao término do

procedimento.

Para que seja possível um aprofundamento no estudo da busca

pessoal faz-se necessária uma digressão ao direito administrativo, verificando-se a

distinção entre a busca pessoal preventiva e a busca pessoal processual.

Importante, outrossim, a verificação das características da busca pessoal preliminar

e da busca pessoal minuciosa e, ainda, da busca pessoal individual e da busca

pessoal coletiva, estas inseridas no contexto da análise do sujeito passivo da busca

pessoal.

Page 42: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

41

3.1 A restrição do direito à intimidade e à vida particular do revistado

A invasão da intimidade e da vida particular, que também é um dos

aspectos da intimidade em sentido amplo, traz prejuízo moral objetivo (como o

indivíduo é visto por seus pares) e moral subjetivo (como o próprio indivíduo se vê,

no convívio social).

A intimidade foi objeto de análise sob seus diversos enfoques por

Paulo José da Costa Júnior, que apresentou proposta de tutela penal desse direito

individual (que tem a proteção do inciso X, do art. 5º, da CF), registrada em sua obra

“O Direito de Estar Só”. O penalista apresentou o seguinte conceito para o que

denominou intimidade exterior:

...é aquela de natureza psíquica. O homem a estabelece no burburinho da multidão. Ensimesmando-se em pleno tumulto coletivo. Decretando-se alheio, impenetrável às solicitações dos que o rodeiam. Presente e ausente. Rodeado e só

40.

Nessa linha de raciocínio, a busca pessoal invadiria primeiramente a

intimidade exterior do indivíduo que, apesar de encontrar-se em público, não se vê

normalmente obrigado a travar relações interpessoais além do que lhe seja

necessário ou oportuno. Quem nunca foi abordado em público, não

necessariamente pela polícia, e não se sentiu invadido em sua intimidade ou

privacidade?

Identificando as esferas individual e privada, relacionadas à intimidade,

ainda o autor observa que:

Em correspondência com sua natural divisão em ser individual e ser social, o homem vive como personalidade em esferas diversas: numa esfera individual e noutra esfera privada. Assim, o homem, como pessoa, procura satisfazer dois interesses fundamentais: enquanto indivíduo, o interesse por uma livre existência; enquanto coparticipe do consórcio humano, o interesse por um livre desenvolvimento na vida de relação.

40 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. 2. ed. São Paulo: RT, 1995, p. 12.

Page 43: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

42

Os direitos que se destinam à proteção da ‘esfera individual’ servem à proteção da personalidade, dentro da vida pública. Na proteção da ‘vida privada’, ao contrário, cogita-se da inviolabilidade da personalidade dentro do seu retiro necessário ao seu desenvolvimento e evolução, em seu mundo particular, à margem da vida exterior. Estabelece-se, dessarte, a diferença entre a ‘esfera individual’ (proteção à honra) e a ‘esfera privada’ (proteção contra a indiscrição)

41.

Por esse entendimento, a violabilidade pessoal verificada no

procedimento de busca pessoal pode atingir a esfera individual e a esfera privada

daquele que é submetido à revista.

A garantia constitucional prevista no inciso X, do art. 5o, da CF,

estabeleceu proteção à “intimidade” e à “vida privada”. Entendemos que a primeira é

dirigida às informações pessoais que cada um pode resguardar como expressão da

sua personalidade, inclusive quanto à revelação da imagem do próprio corpo e da

sua tangibilidade; já a segunda, a inviolabilidade da vida privada, defende a reserva

dos aspectos íntimos da vida particular, que pressupõe o envolvimento restrito de

algumas pessoas, primeiramente quanto ao seu conhecimento e, em segundo

momento, contra a indiscrição, ou seja, a divulgação dessas informações. Ocorre

que algumas informações dizem respeito tanto à intimidade quanto à vida privada

(em sentido estrito) do indivíduo, não sendo possível, por vezes, dissociar esses

dois enfoques, razão pela qual é verificada a tendência de utilização comum da

expressão: “intimidade e privacidade”, tendo a privacidade, nesse caso, o mesmo

sentido de “vida privada”.

Portanto, a busca pessoal restringe o direito de intimidade e também

da vida privada, em diversos níveis, além da honra do revistado, como aspectos

pessoais de complexa análise para efeito de mensuração. Caso o procedimento

policial seja fotografado, filmado ou registrado em imagem por qualquer outro meio,

41

Ibid, p. 44.

Page 44: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

43

sem a autorização do revistado, de modo a possibilitar a sua identificação, ocorrerá,

de acordo com o uso que se der a esse registro, também violação da imagem da

pessoa, ainda na interpretação do mesmo dispositivo constitucional.

Não significa, porém, impossibilidade legal de se proceder a busca

pessoal ou, inclusive, registrá-la de qualquer forma; deve, sim, ocorrer uma

harmonização entre os direitos individuais e o interesse geral, representado pelo

almejado bem comum, lembrando que todos têm também direito à segurança.

Nessa mesma linha de raciocínio, quanto à necessária conciliação dos direitos

estabelecidos na Constituição, registra a conclusão de José Joaquim Gomes

Canotilho e Vital Moreira:

Os direitos fundamentais só podem ser restringidos quando tal se torne indispensável, e no mínimo necessário, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. No fundo, a problemática da restrição dos direitos fundamentais supõe sempre um conflito positivo de normas constitucionais, a saber entre um norma consagradora de certo direito fundamental e outra norma consagradora de outro direito ou de diferente interesse constitucional. A regra de solução do conflito é a da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos e da sua mínima restrição compatível com a salvaguarda adequada do outro direito fundamental ou outro interesse constitucional em causa. Por conseguinte, a restrição de direitos fundamentais implica necessariamente uma relação de conciliação com outros direitos ou interesses constitucionais e exige necessariamente uma tarefa de ponderação ou de concordância prática dos direitos ou interesses em conflito. Não pode falar-se em restrição de um determinado direito fundamental em abstracto, fora da sua relação com um concreto direito fundamental ou interesse constitucional diverso

42.

As buscas pessoais devem, sim, serem realizadas ainda que causem

eventuais prejuízos de caráter individual. Exigível, todavia, que a restrição de direitos

individuais se dê na mínima medida, ou seja, no limite do que possa ser considerado

necessário e razoável, para que não se caracterize a prática de abuso de

autoridade.

42 MOREIRA, Vital e CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 134.

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44

3.1.1 A tangibilidade corporal na busca pessoal

Jesus perguntou: ‘ Quem me tocou ?’ Como todos negassem,

Pedro e os que com ele estavam disseram: ‘Mestre, a multidão te

aperta de todos os lados...’ (Lucas 8, 45)43

A tangibilidade corporal é a mais evidente forma de contato ou de

apossamento da intimidade alheia, reconhecida como legítima ou classificada como

invasão, nesta última constituindo restrição ilegal da intimidade.

Cada indivíduo em vida social, mesmo inconscientemente, mantém

reservado um espaço em torno do seu corpo, que funciona como um fosso de

proteção em volta do castelo da sua intimidade corporal, preservando-o do contato

de outras pessoas. O tamanho desse espaço, evidentemente, é ajustado conforme

o ambiente em que o indivíduo se encontra e conforme as convenções sociais pré-

estabelecidas para cada situação.

Assim, por exemplo, andando em uma calçada espaçosa, uma pessoa

sentir-se-á invadida em sua intimidade se outro pedestre, que tem amplo espaço

para circular, aproximar-se muito dela e permanecer andando ao seu lado, ainda

que não encostado propriamente no seu corpo. Já dentro de um ônibus ou em um

vagão de metrô, com as pessoas em pé por excesso de passageiros, o espaço que

se mantém entre os indivíduos será o mínimo imaginável, tolerando-se inclusive a

tangibilidade corporal. Evidentemente que, nessa situação, a pessoa tocada será

capaz de identificar, de imediato, se a tangibilidade do corpo (de alguém que não

conhece) junto ao seu restringe-se ao indispensável e, respeitada essa condição,

43 BÍBLIA SAGRADA, op. cit., p. 1358.

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45

tolera-se - por convenção social - aquilo que seria inaceitável em outras

circunstâncias.

Também os cumprimentos são formas de tangibilidade corporal, em

que pessoas reduzem voluntariamente o espaço de proteção corporal em diversos

níveis, conforme o grau de intimidade e a convenção social em cada ambiente. O

aperto de mãos é o primeiro nível; ocorre a diminuição do espaço apenas entre as

mãos. O aperto afetuoso de mãos (com o suplementar toque da outra mão livre)

compreende um cumprimento um pouco mais íntimo, mantendo-se, todavia, a

distância entre os corpos. O abraço já compreende uma tangibilidade significativa

entre corpos, porém, restrita à região do tórax e, finalmente, um beijo (na face ou na

boca, dependendo da relação entre os dois indivíduos e da ocasião) representa o

maior nível de tangibilidade para o cumprimento, em público, admitido pela

convenção social.

Observando-se o comportamento humano, é possível concluir, então,

que a relação sexual seria o grau máximo de tangibilidade corporal, o que

pressupõe uma concessão extremamente elevada da intimidade do indivíduo, que

diz respeito também à sua privacidade, envolvendo a sua vida particular em relação

à outra pessoa. Convencionou-se que esse nível de tangibilidade corporal não

poderia ser praticada em público, em razão de valores morais julgados relevantes

em determinado momento da evolução humana.

O médico exerce a tangibilidade corporal também amparado na

convenção social, tocando as partes mais íntimas do corpo humano sem que se

questione sobre a “violabilidade da intimidade”, ao proceder, é claro, de modo

estritamente profissional; não haveria outro modo de um médico ginecologista, por

exemplo, examinar uma paciente. O indivíduo que se submete a exame, porém, é

capaz de perceber imediatamente a característica técnica do toque procedido por

um médico que se encontra no regular exercício de sua profissão, o que lhe dá

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46

segurança e tranquilidade para tolerar o compreensível desconforto provocado pela

tangibilidade corporal.

Com a busca pessoal ocorre, também, o fenômeno da aceitação do

procedimento policial por convenção social, observando-se, todavia, algumas

peculiaridades. Existe indiscutível restrição do direito à intimidade do revistado, em

primeiro lugar, porque, ao contrário da consulta médica, normalmente a revista

ocorre contra a sua vontade; em segundo lugar, as buscas pessoais superficiais (a

maioria delas) são realizadas quase sempre em público, como resultado da

dinâmica própria da atividade policial, mediante a utilização do fator surpresa.

A convenção social, porém, não acolhe abusos na prática da busca

pessoal, sendo intoleráveis algumas condutas de desrespeito à intangibilidade

corporal, como por exemplo: a realização da busca pessoal em razão da simples

vontade do agente em realizá-la e tatear o corpo alheio; o excessivo e insistente

tateamento em determinadas partes do corpo de quem é submetido à revista; e a

conduta de policial masculino que procede à busca pessoal em mulher quando há

policial feminina disponível.

3.2 A busca pessoal preventiva e a busca pessoal processual

De acordo com o momento em que é realizada, bem como a sua

finalidade, a busca pessoal terá caráter preventivo ou processual. Antes da efetiva

constatação da prática delituosa, ela é realizada por iniciativa de autoridade policial

competente e constitui ato legitimado pelo exercício do poder de polícia, na esfera

de atuação da Administração Pública, com objetivo preventivo (busca pessoal

preventiva). Realizada após a prática, ou em seguida à constatação da prática

criminosa, ainda que em sequência da busca preventiva, tenciona normalmente

atender ao interesse processual (busca pessoal processual), para a obtenção de

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47

objetos necessários ou relevantes à prova de infração, ou à defesa do réu (alínea e,

do parágrafo 1o, do art. 240 do CPP).

A busca domiciliar, por outro lado, possui sempre caráter processual,

posto que autorizada judicialmente por fundadas razões, nos termos do parágrafo 1o

do art. 240. Ocorre que a busca domiciliar, diferentemente da busca pessoal,

sempre dependerá de ordem judicial, ressalvadas as hipóteses de autorização do

morador ou de a própria autoridade judicial realizá-la pessoalmente, situações não

compatíveis com o caráter estrito de prevenção (não há que se confundir a natureza

do procedimento de busca domiciliar estabelecido no Código de Processo Penal

com a extraordinária entrada em domicílio alheio permitida em razão de flagrante

delito, situação prevista no inciso XI, do art. 5o, da CF).

Quanto aos critérios de classificação da busca pessoal em preventiva

ou processual, além do aspecto do momento em que ela é realizada (antes ou

depois da prática do crime ou da sua constatação), foi mencionada, ainda, a sua

finalidade, vez que tecnicamente é possível conceber-se busca pessoal de natureza

preventiva até mesmo em réu preso, por exemplo, que será movimentado de um

estabelecimento prisional para outro, ou que será apresentado perante o juiz e a

sociedade, em audiência criminal, por evidente questão de segurança indispensável

nessa circunstância, e realizada por iniciativa da polícia (durante escolta) para a

finalidade de preservação da ordem pública.

A busca pessoal preventiva será sempre de iniciativa exclusiva da

autoridade policial competente, ou seja, daquela que possui o poder de polícia para

a consequente - e inevitável - restrição de direitos individuais imposta na medida

necessária ao bem comum. E a aspiração maior do homem, que é o bem comum,

inserto na própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, coincide com o

propósito da organização do Estado, como registra Álvaro Lazzarini:

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48

Para preservá-lo, nessa colocação, o Estado deve ter a sua Polícia, que não cogitará, tão só, da sua segurança ou da segurança da comunidade, como um todo, mas sim, e de modo especial, da proteção, da garantia da segurança de cada pessoa, abrangendo o que se denomina de segurança pública o sentido coletivo e o sentido individual da proteção do Estado. ... Bem por isso, no nosso dizer, o Poder de Polícia, que legitima a ação da polícia e a sua própria razão de ser, é um conjunto de atribuições da Administração Pública, como poder público, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum

44.

O ato de polícia tem três atributos básicos: discricionariedade, auto-

executoriedade e coercibilidade, conforme lição de Hely Lopes Meirelles45

, ou seja,

é caracterizado pela livre escolha da oportunidade e da conveniência do exercício

do poder de polícia46

, além dos meios necessários para a sua consecução (desde

que evidentemente não sejam ilícitos, como a tortura ou a submissão a tratamento

degradante) pela execução direta e imediata da sua decisão, sem intervenção do

Poder Judiciário (ressalvados os casos em que a lei exige ordem judicial, como por

exemplo, a busca domiciliar), bem como, pela imposição das medidas adotadas, de

modo coativo.

Em aprofundado estudo sobre o policiamento preventivo exercido pela

Polícia Militar e suas características operacionais, observou Edmilson Forte, sobre a

busca pessoal preventiva:

O policial militar que, dentro do seu poder discricionário constatar

que alguém está em atitude suspeita, deve valer-se da busca pessoal para confirmação ou não de sua suspeita. Esta busca pessoal é absolutamente legal. Assim, não há que se falar em arbitrariedade, mas sim em discricionariedade nesta busca, que constitui também um ato auto-executável, pois dispensa mandado

44

LAZZARINI, Álvaro et alii. Direito administrativo da ordem pública. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 27. 45

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 16. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 130. 46

Celso Antônio Bandeira de Mello define discricionariedade como sendo “a margem de ‘liberdade’ que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente. (Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 821).

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49

judicial, e coercitivo, pois todo ato de polícia é imperativo, é uma ordem para seu destinatário

47.

Atente-se para o fato de que, como todo ato administrativo, a medida

discricionária de polícia tem limites estabelecidos pela lei. Os fins, a competência do

agente, o procedimento (sua forma) e também os motivos e o objeto são limites

impostos ao ato de polícia, ainda que a Administração disponha de certa margem de

discricionariedade no seu exercício, conforme adverte Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Quanto aos fins, o poder de polícia só deve ser exercido para atender o interesse público. Se o seu fundamento é precisamente o princípio da predominância do direito público sobre o particular, o exercício desse poder perderá a sua justificativa quando utilizado para beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas; a autoridade que se afastar da finalidade pública incidirá em desvio de poder e acarretará a nulidade do ato com todas as consequências nas esferas civil, penal e administrativa. A competência e o procedimento devem observar as normas legais pertinentes. Quanto ao objeto, ou seja, quanto ao meio de ação, a autoridade sofre limitações, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Tem aqui aplicação um princípio de direito administrativo, a saber, o da proporcionalidade dos meios aos fins; isto equivale a dizer que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais

48.

A busca pessoal preventiva, que tem como impulso a movimentação

da polícia administrativa no campo da prevenção, pode resultar, no entanto, em

encontro de objeto ou informação que caracterizem a prática de crime ou

contravenção penal. A partir do exato momento da constatação da prática delituosa,

por exemplo, a localização de uma arma portada em condição irregular, passa a

busca pessoal a ter interesse processual e, consequentemente, a ser regulada,

47

FORTE, Edmilson. Policiamento Preventivo: indivíduo suspeito, busca pessoal, detenção para averiguação, identificação de pessoas. São Paulo: Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar, monografia do CAO-I, 1998, p. 30. 48 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 116.

Page 51: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

50

junto às outras diligências necessárias, objetivamente pelas disposições da norma

processual penal. Inicia-se, desse modo, a fase denominada repressão imediata.

São atos imediatamente subsequentes, em regra, uma busca pessoal

minuciosa, a coleta de informações, registros preliminares, a preservação do local

se necessário e, eventualmente, o ato de prisão em flagrante delito (voz de prisão e

condução), que ensejará a lavratura do auto respectivo no Distrito Policial, caso seja

a apuração de competência da autoridade de polícia civil local. Encerrada a fase da

repressão imediata e tendo sido reestabelecida a ordem, iniciam-se os trabalhos de

investigação próprios da polícia judiciária, em fase pré-processual, preparatória da

ação penal.

Álvaro Lazzarini, ainda, estabelece a distinção entre polícia

administrativa e polícia judiciária, indicando serem denominações relativas à

atividade especificamente desenvolvida e não propriamente da classificação rígida

de um ou outro órgão policial:

(...) a polícia administrativa é preventiva. A polícia judiciária é

repressiva. A primeira desenvolve a sua atividade procurando evitar a ocorrência do ilícito e daí ser denominada preventiva. A segunda é repressiva, porque atua após a eclosão do ilícito penal, funcionando como auxiliar do Poder Judiciário. Mas, o mesmo órgão policial pode ser eclético, porque age preventiva e repressivamente. A linha de diferenciação, portanto, estará sempre na ocorrência ou não do ilícito penal. Se um órgão estiver no exercício da atividade policial preventiva (polícia administrativa) e ocorrer a infração penal, nada justifica que ele não passe, imediatamente, a desenvolver a atividade policial repressiva (polícia judiciária), fazendo, então, atuar as normas de Direito Processual Penal, com vistas ao sucesso da persecução criminal, certo que o que a qualificará em administrativa ou judiciária (isto é, preventiva ou repressiva) será, e isto sempre, a atividade de polícia desenvolvida em si mesma e não órgão civil ou militar que a executou

49.

Existe, é claro, a busca pessoal originariamente de caráter processual,

baseada na fundada suspeita, como por exemplo, aquela realizada no interior de um

Distrito Policial, por iniciativa de uma autoridade de polícia civil encarregada de

49 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 265.

Page 52: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

51

inquérito policial. Sim, por que a lei processual penal não prescreve o momento em

que pode ocorrer a fundada suspeita como circunstância eximente de ordem judicial,

ou seja, se antes ou depois da prática delituosa.

Ainda, existe a busca pessoal determinada pelo juiz, igualmente de

caráter processual; não obstante, configuram-se raros os casos como esse na

prática forense. É claro que a ausência de ordem judicial normalmente verificada na

busca pessoal não significa impossibilidade de sua expedição pelo juízo criminal

competente, durante o andamento de inquérito ou no curso da instrução processual;

muito pelo contrário. Poderá o juiz atender requerimento da acusação ou da defesa,

durante a ação penal, ou determinar a diligência por sua própria iniciativa conforme

art. 156 do CPP50

.

A propósito, o próprio art. 243 do CPP traz em seus incisos o conteúdo

obrigatório do mandado de busca, estabelecendo logo no inciso I, parte final, que

nele deverá constar ...no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de

sofrê-la ou os sinais que a identifiquem, além de mencionar o motivo e os fins da

diligência” (inciso II) e ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o

fizer expedir (inciso III).

Sem desprezar a existência de casos de originário interesse

processual, conforme indicado, é incontestável que a maioria absoluta das buscas

pessoais efetivamente realizadas tem caráter preventivo. Constituem, à evidência,

um dos principais instrumentos de trabalho da atividade policial preventiva,

particularmente das Polícias Militares dos Estados, que desenvolvem a complexa

missão de preservação da ordem pública, promovendo com exclusividade o

policiamento ostensivo (pelo reconhecimento imediato da autoridade policial em

50 Art. 156 do CPP: A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Page 53: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

52

razão do uso da farda), nos termos do parágrafo 5o, do inciso IV, do art. 144 da

Constituição Federal51

.

Defendendo a competência da Polícia Militar para a atuação na

repressão imediata, dissertou Gelto Gevesier Nunes, sob os aspectos das duas

fases do ciclo da atividade policial:

A primeira fase desse ciclo é a fase da normalidade, onde os aspectos de tranquilidade, segurança e salubridade pública, inerentes à ordem pública, são resguardados e permanecem imperturbáveis. É a fase de pura prevenção onde a polícia opera suas qualidades dissuasivas, imperando nesse segmento os princípios do Direito Administrativo. A segunda fase ocorre quando um dos elementos da ordem pública — tranquilidade, segurança e salubridade — for perturbado, exigindo uma pronta ação do Estado. Caso tal perturbação tenha sua origem por meio da eclosão de um ilícito penal, a pronta ação restauradora da ordem deverá ser regida pelas normas de Direito Processual Penal, caracterizando seus atos como polícia judiciária ou de polícia repressiva, como também é chamada. Trata-se de repressão de caráter imediato, ou repressão imediata, pois urge a restauração da ordem violada. Tal repressão não é exclusiva a este ou àquele órgão, tratando-se de área concorrente entre as polícias, onde as competências se equivalem, se entremeiam. Tão concorrente é essa fase que até a qualquer um do povo é dada a possibilidade de efetuar a repressão imediata nos casos de flagrante delito (artigo 301, do CPP)

52.

Considerando a inexistência de regulamentação para o exercício do

poder de polícia aplicado às atividades de preservação da ordem pública - e, a bem

da verdade, a verificação da impossibilidade de regulamentá-lo, eis que se trata de

um poder discricionário por excelência, exercido pela autoridade policial guiada

pelos princípios constitucionais que regem o ato administrativo -, aplicam-se

usualmente para a realização da busca pessoal preventiva as mesmas disposições

do art. 240 do CPP. Vislumbra-se, também, o interesse processual estabelecido a

partir da localização de um objeto ou informação relevante para a Justiça Criminal,

como eventual resultado do procedimento policial, sendo incontestável a

51 § 5

o, do inc. IV, do art. 144, CF: Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a

reservação da ordem pública; ... 52 NUNES, Gelto Gevesier. Busca domiciliar pela Polícia Militar por ocasião da repressão imediata. São Paulo: Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar, monografia do CAO-II, 1997, p. 81.

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53

circunstância de que, ao iniciar a busca pessoal originariamente preventiva, a

autoridade policial não pode adivinhar se o resultado será ou não de interesse

processual.

Por isso, é comum - e, na nossa avaliação, também correta -, a

indicação das regras do CPP para a fundamentação (e regulamentação) da busca

pessoal de modo geral, inclusive de caráter preventivo, conforme registra Sílvio José

de Souza:

A incumbência do policial de efetuar busca pessoal quando houver

fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos falsificados, contrafeitos ou achados, utilizados, obtidos ou destinados à prática delituosa, no sentido de evitar que a vida e a integridade física das pessoas sejam maculadas, está amparada legalmente no Código de Processual Penal, em seu artigo 240, parágrafo 2º

53.

E acrescentamos: não somente a busca pessoal preventiva é

amparada na norma processual penal, como essencialmente (e originariamente) no

exercício do poder de polícia, que tem por atributos a presunção de legitimidade e a

auto-executoriedade do ato e é exercido discricionariamente pela autoridade policial

competente, inexistindo qualquer conflito com as disposições do Código de

Processo Penal. Por sinal, existe uma notável harmonia entre as prescrições da

norma processual e o procedimento tradicional de busca pessoal preventiva a ponto

de se imaginar que tal atividade de polícia preventiva teria inspirado o legislador

quando da elaboração da redação do dispositivo específico do Código de Processo

Penal vigente.

Guilherme de Souza Nucci, ao analisar com perspicácia o teor do art.

240 do CPP, discorre sobre os momentos em que é possível a realização da busca,

domiciliar ou pessoal, e da apreensão, com fundamento no referido dispositivo

processual penal, observando que elas podem ser concretizadas, entre outros

53 SOUZA, Silvio José de. Indivíduo suspeito. São Paulo: Centro de Formação de Sd PM “Cel PM Eduardo Assumpção”, 1998, p. 43.

Page 55: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

54

momentos, “em fase preparatória a um procedimento policial ou judicial (como

ocorre quando, por fundada suspeita, um policial aborda alguém, encontra uma

arma proibida, detendo a pessoa e apreendendo o objeto)”54

.

A própria página da Secretaria da Segurança Pública do Estado de

São Paulo, disponibilizada ao público em geral, na Internet, no espaço destinado à

respostas de perguntas frequentes sobre a atuação da polícia estadual (militar e

civil, tratadas em conjunto), traz a seguinte colocação sobre a busca pessoal, no

caso preventiva, diante do questionamento indicado:

O policial tem o direito de revistar meu automóvel e minha

roupa sem justificativa?

A busca pessoal consiste na inspeção do corpo e das vestes de

alguém, incluindo coisas sob a sua custódia ou posse (bolsas,

pastas, automóveis, motocicletas, barcos, etc.), e pode ser feita sem

mandado judicial sempre que houver fundada suspeita de que a

pessoa esteja na posse de arma proibida ou de outro objetos ou

papéis que sirvam como prova de uma infração penal. A busca

pessoal pode também ser feita sem mandado, quando determinada

no curso de uma busca domiciliar (artigos 244 e 245 do Código de

Processo Penal)55

.

O Comandante Geral da Polícia Militar de São Paulo, Coronel PM

Alberto Silveira Rodrigues, no artigo intitulado “Abordagem Policial”, em 2003

orientou seus comandados nos seguintes termos:

Os objetivos e consequências de uma abordagem policial a indivíduo

ou veículo são: 1. prevenção da criminalidade; 2. repressão ao porte

ilegal de arma e drogas; 3. captura de foragidos e procurados; 4.

recuperação de produtos e veículos furtados/roubados; 5. melhora

na sensação de segurança da comunidade; 6. incremento na

percepção do império da Lei e da Ordem. ... Os fundamentos legais

da abordagem policial para busca pessoal ou revista em veículo são:

1. parágrafo 5o, artigo 144 da Constituição Federal; 2. artigos 240 a

250 do Código de Processo Penal; 3. Discricionariedade da Atividade

de Polícia; 4. Poder de Polícia: Presunção de Legitimidade e Auto-

Executoriedade56

.

54 NUCCI, op. cit., p. 449. 55 Disponível em <http://www.seguranca.sp.gov.br/institucional/faq/geral.asp#volta>. Acesso em: 17 fev. 2003. 56 Disponível na Intranet PM, em sítio específico aos policiais militares. Acesso em: 18 fev. 2003.

Page 56: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

55

Ainda sobre a busca pessoal preventiva, a Polícia Militar do Estado de

São Paulo tem divulgado folheto de esclarecimento à população, produzido pela

5a Seção do Estado Maior (Comunicação Social), intitulado: “Blitz policial: entenda a

importância e saiba como ajudar a polícia”, informando ao público em geral nos

seguintes termos:

Sabemos que a busca pessoal ou abordagem é um desconforto para

qualquer pessoa, porém é necessária na atual conjuntura do país e,

em especial, nas grandes cidades.

Ser abordado pela polícia não é demérito para o cidadão e é ação

necessária para a sua segurança. A Polícia Militar não realiza busca

ou abordagens por mero capricho, mas para inibir ações criminosas,

apreendendo armas, drogas, carga roubada etc.

É necessária para que o policial exerça sua atividade de prevenção à

criminalidade e garanta que a ordem pública seja preservada57.

Na sequência, apresenta indagação sobre a fundamentação legal do

ato, com resposta referenciando o Código de Processo Penal:

A ação está prevista em lei? Ela está prevista no artigo 244 do Código de Processo Penal. A ação

de busca pessoal pela polícia preventiva abrange não só a fundada

suspeita de crime, mas também fundado risco de ocorrência de

crime58

.

Conforme demonstrado, tanto a busca pessoal processual, quanto a

busca pessoal preventiva têm amparo na norma processual penal; mas esta última,

exercida pela polícia de preservação da ordem pública, tem ainda como

fundamentação, na sua origem, o exercício do poder de polícia e objetiva

primordialmente a prevenção de condutas delituosas, para a preservação da ordem

pública, constituindo efetivamente um dos principais mecanismos de combate ao

crime.

57 POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 5

a EM/PM. Folheto: Alerta Geral – blitz policial:

entenda a importância e saiba como ajudar a polícia. Para divulgação ao público em geral. São Paulo, 2002, p. 02. 58

Ibid.

Page 57: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

56

De fato, grande parte das armas e substâncias entorpecentes

localizadas, entre outros materiais ligados à atividade criminosa, de absoluto e

evidente interesse processual, é resultado de buscas pessoais realizadas a partir de

fundada suspeita, na cotidiana atividade de polícia preventiva, possibilitando a

apreensão dessas provas e a colheita de elementos indispensáveis aos trabalhos da

Justiça Criminal.

3.3 A busca pessoal preliminar e a minuciosa

Diferentemente da busca domiciliar, a busca pessoal é realizada de

dois modos: preliminar ou minucioso. O que distingue essas duas espécies de busca

pessoal é exatamente o grau de rigor dispensado ao ato da revista, que impõe maior

ou menor restrição de direitos individuais, configurando-se preliminar (superficial) ou

minuciosa - também conhecida como íntima -, conforme o caso59

. Quanto à busca

domiciliar, não há sentido em distinguir espécies com menor ou maior rigor, eis que

o ato de varejamento no interior do domicílio já constitui um grau máximo de

restrição de direito nessa modalidade, provocando total invasão à intimidade

domiciliar.

A busca pessoal preventiva normalmente é superficial, representando

um procedimento que antecede à eventual busca minuciosa, ou seja, a busca mais

59

O Manual Básico de Policiamento Ostensivo da Polícia Militar de São Paulo (edição de 1992) diferenciou as duas espécies de busca pessoal nos seguintes termos: Busca preliminar é a realizada em situações de rotina quando não há fundadas suspeitas sobre a pessoa a ser verificada, mas em razão do local e da hora de atuação. Ex.: local público de má frequência, local de alta incidência criminal, entrada de pessoal em campo de futebol e bailes populares. Busca minuciosa é aquela realizada em pessoas altamente suspeitas ou em delinquentes. Considerando a redação pouco precisa, que procura descrever as situações que justificam uma ou outra forma de procedimento, interpretamos que a fundada suspeita sempre será o critério para a iniciativa policial da busca pessoal individual (preliminar ou minuciosa), na atividade preventiva, podendo recair sobre a própria pessoa (em razão de sua expressão corporal) ou circunstâncias diversas (por exemplo, local, horário, companhia etc.) que caracterizam a condição de suspeito daquele que será revistado. Já a busca coletiva constitui situação excepcional (realizada, por exemplo, em todos os torcedores que pretendem adentrar em um estádio de futebol), não existindo, nesse caso, propriamente a caracterização da fundada suspeita e sim a legitimidade da intervenção policial pelo exercício do poder de polícia, considerando-se os critérios de necessidade e de razoabilidade da medida, o que será objeto de análise aprofundada ainda neste capítulo (item 3.4.1.).

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57

rigorosa poderá ser consequência de uma superficial, dependendo do seu resultado.

Daí porque a busca em pessoa ou em seus pertences, de modo não rigoroso, é

denominada busca pessoal preliminar.

Assim, por exemplo, se em uma busca pessoal preliminar, mediante

observação visual e toque das mãos do agente por cima das roupas do revistado,

for encontrada uma arma, haverá fundada suspeita em nível tal que justificará uma

busca minuciosa, voltada à localização de outros materiais, de menor volume, que

provavelmente também estejam na posse do revistado, como substâncias

entorpecentes, cheques e cartões de crédito roubados, documentos falsos etc.

O que caracteriza basicamente a busca minuciosa é a verificação

detalhada do corpo do revistado, mediante a retirada de suas roupas e sapatos,

sendo por isso igualmente conhecida como “revista íntima”, além da verificação

cuidadosa dos objetos e pertences por ele portados. É observado o interior da

boca, nariz e ouvido, a região coberta pelos cabelos, barba e bigode, se houver,

entre os dedos, embaixo dos braços e ainda nas partes púdicas (do revistado ou da

revistada), ou seja, entre as pernas e as nádegas e, no caso de mulher submetida à

busca, também embaixo dos seios e entre eles, sendo todo o procedimento

desenvolvido preferencialmente com auxílio do próprio revistado, concitado a

colaborar. A busca pessoal minuciosa é realizada em local isolado do público,

sempre que possível na presença de testemunha.

Quanto à tangibilidade corporal, na busca pessoal preliminar padrão

ocorre o tateamento do corpo do revistado, por cima de suas roupas, usualmente

mediante toques rápidos e precisos de mãos de policiais treinados para essa

finalidade. Dos seus sentidos, o buscador utiliza muito mais o tato que a visão na

busca preliminar.

Na busca minuciosa, ao contrário, quando a exposição corporal

daquele que é submetido à revista é maior (tendo sido obrigado a tirar toda a roupa),

o uso do tato por parte do buscador é mínimo, desde que, é claro, o revistado não

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58

resista em colaborar. E a participação que se espera do revistado restringe-se à

observância das orientações que lhe são passadas, em sequência, como por

exemplo: abrir a boca, passar o próprio dedo dentro da sua boca, levantar os

braços, agachar-se, abrir as pernas, abrir os dedos dos pés, entre outras.

Nem sempre, porém, ocorrerá a tangibilidade corporal na busca

preliminar. Essa busca superficial pode ser realizada indiretamente, por exemplo,

mediante uso de dispositivos eletromagnéticos fixos (portais) ou portáteis

(detectores manuais), em que o revistado não é tocado, razão pela qual adotamos a

denominação preliminar indireta para tal procedimento. Trata-se da mais discreta, e

hoje comum, forma de revista praticada em entrada de ambientes, onde o interesse

comum impõe maior garantia de segurança aos seus usuários.

3.4 O sujeito passivo da busca pessoal

Convém, também, o estudo do instituto da busca pessoal sob o

enfoque daquele em quem se realiza a revista: o sujeito passivo da busca pessoal.

Nesse ângulo, será possível nova análise da questão, particularmente quanto à

restrição de direitos individuais que se impõe a alguém que possua, ou não, vínculo

com eventual conduta motivadora da busca.

Observa Rogério Lauria Tucci, em sua definição de sujeito passivo da

busca, sem distinguir as modalidades domiciliar e pessoal:

Tendo como finalidade, a busca e apreensão, ‘a tomadia de uma

pessoa ou coisa’, sujeito passivo da mesma é o titular da esfera de

posse, quer pessoal, quer ambiental, sobre quem recai a suspeita de

localizar-se a pessoa ou coisa procurada; qualquer indivíduo, mesmo

estranho ao fato criminoso que se pretende apurar60

.

Sobre a busca pessoal em indivíduo menor de dezoito anos, o Código

não faz qualquer restrição quanto a sua realização. Recomenda-se, todavia, que

60 TUCCI, op. cit., p. 220.

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59

seja procedida a revista na presença dos pais ou do responsável pela criança ou

adolescente, ou então, desde que disponível, em presença de testemunha que

verificará a lisura do ato praticado sobre aquele que não tem, em tese, o seu

desenvolvimento físico e psicológico completo.

O Código não restringe, ainda, a busca em relação a sujeitos passivos

que desempenhem função pública. Portanto, não existe prerrogativa em razão de

cargo ou função para deixar de submeter-se à revista, quando esta se apresenta

legitimada no cumprimento da lei.

Configurada a fundada suspeita, verificada a prisão em flagrante, ou a

busca domiciliar, será legítima a busca pessoal sem distinção quanto ao revistado,

conforme exposto. Certamente que, tratando-se o sujeito passivo de autoridade

judiciária ou policial, de representante do Ministério Público, ou advogado, todos em

exercício da função, deverão ser acionados os respectivos chefes, representantes

ou superiores, para acompanhamento ou avocação da diligência, se esta também

for de sua competência, ressalvada a situação de busca coletiva (por exemplo, um

portal magnético na entrada de um fórum) em que todos serão submetidos à revista

preliminar, de caráter preventivo, indistintamente.

3.4.1 A busca pessoal individual e a coletiva

Constitui situação particular a busca pessoal preventiva e preliminar

que, por iniciativa do poder público, sujeita a todos os interessados em adentrar em

algum recinto, indistintamente, desde que exercida por quem está investido do

poder de polícia, como providência necessária para a segurança da coletividade.

Na condição de medida excepcional, é tolerável tal procedimento em

benefício do bem comum, como, por exemplo, na busca pessoal preliminar

procedida por policiais militares em todos os torcedores no acesso de um estádio de

futebol. Essa espécie de busca pode ser denominada busca pessoal coletiva,

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60

realizada em eventos ou em situações específicas (por exemplo, em todos os réus

presos antes de serem escoltados), em oposição à busca pessoal individual, essa

de procedimento cotidiano na atividade policial preventiva.

Nesse raciocínio, observou Edmilson Forte sobre a busca pessoal

coletiva exercida pela Polícia Militar, como medida excepcional e necessária,

legitimada pelo regular exercício do poder de polícia:

O poder de busca pessoal, pela Polícia Militar, abrange hipótese que não se enquadra no artigo 240 do Código de Processo Penal e que é consequência da própria natureza da operação. Esses casos constituem situações em que há alto risco de ações contra a segurança e incolumidade de pessoas. Não há fundada suspeita de crime. Um exemplo pode ser dado no ingresso de pessoas em estádio de futebol por ocasião de um jogo. É proibido o porte de arma. A única maneira de garantir o cumprimento da Lei nessas ocasiões é a busca pessoal, que encontra seu fundamento na natureza e finalidade do policiamento preventivo

61.

Em folheto de esclarecimento à população, a Polícia Militar do Estado

de São Paulo tem divulgado explicações sobre o procedimento da busca pessoal,

buscando a conscientização popular sobre a importância e a necessidade de

medidas como a busca pessoal coletiva, em determinadas situações, conforme

expõe:

As buscas pessoais podem ser feitas pelos policiais na entrada de estádios de futebol, ginásios de esporte e similares, bem como na entrada de espetáculos e em todos os locais onde haja aglomeração de pessoas. Caso, durante o evento, você seja solicitado a submeter-se a uma nova revista, lembre-se de que a polícia ali está para garantir a segurança de todos e tem a autoridade para assim proceder

62.

O mínimo sacrifício imposto em razão desse procedimento é

normalmente bem aceito pela sociedade, diante da constatação de que a busca

pessoal é o único meio eficaz para garantir a segurança, como um dos invioláveis

direitos fundamentais, conforme estabelecido da Constituição Federal, no seu artigo

61

Ibid, op. cit., p. 52. 62

POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, op. cit.

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61

5º, caput: "Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade

do direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes. [...]"

No caso da busca pessoal individual, quando de caráter preventivo, a

questão da igualdade de tratamento ganha maior relevo, eis que normalmente é

baseada na análise daquele que seleciona quem será sujeito passivo da revista.

Resolve-se o problema estabelecendo critérios práticos de seleção porque a

sujeição de todo um grupo à busca pessoal, como por exemplo, de todos os

condutores de veículos que passarem dirigindo em determinada via pública, em

situação de normalidade, parece-nos configurar abuso de autoridade, além do

procedimento apresentar-se quase sempre impraticável. A razoabilidade e a

necessidade da medida é o que distingue a situação anteriormente indicada, de

busca pessoal coletiva (no exemplo do estádio de futebol) e a busca pessoal em

que se imagina parar todos os veículos que passem em determinada via (irregular

na nossa avaliação, vez que não razoável e desnecessária), tendo-se por princípio

que somente poderá haver restrição de direitos individuais se o sacrifício for

imprescindível para se alcançar o objetivo maior do bem coletivo e apenas nessa

circunstância tem-se como tolerável a intervenção do Estado na esfera da

prevenção.

Por isso, pelos critérios da razoabilidade e da necessidade da medida,

não é aceitável que em aeroportos, por exemplo, se submeta à busca pessoal

minuciosa todos os passageiros, incluindo suas bagagens. Aceitável, sim, a

verificação da bagagem daqueles que revelem características ou comportamentos

suspeitos, ou as malas sobre as quais recai também suspeita em face da reação de

cães farejadores, ou em face de outro sistema preliminar de verificação (superficial),

como por exemplo, esteiras equipadas com dispositivo semelhante a um raio-x.

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62

Na falta de melhor critério, que seja revistada, simplesmente, a bagagem daqueles

passageiros selecionados por amostragem sem qualquer interferência humana, ou

seja, mediante alarme randômico que dispara um sinal, vindo a indicar

aleatoriamente sujeitos passíveis de revista. Enfim, entendemos não ser razoável a

verificação minuciosa de todas as malas e desnecessária a imposição de restrição

de direitos, particularmente a violação da intimidade e da privacidade de todos os

passageiros, eis que podem ser adotadas soluções mais práticas e igualmente

eficientes, conforme exemplificado.

No que toca ainda ao devido tratamento igualitário, observamos que,

se em um Fórum, por exemplo, por decisão do Juiz Diretor, for adotado um sistema

de segurança em que todos que pretendam ter acesso ao interior do prédio devam

submeter-se à busca pessoal - preventiva, preliminar e coletiva -, simplificada pelo

uso de um portal magnético, não haverá argumento razoável para os advogados, os

promotores e mesmo os juízes, além dos funcionários, das partes ou de quem quer

que seja, deixarem de passar por esse equipamento. Ora, não é exatamente o

mesmo que se impõe nos acessos de consulados e embaixadas e nos grandes

aeroportos, sem que se reivindique prerrogativa funcional que torne o sujeito isento

da busca preliminar?

Com esse entendimento, em abril de 2003, o Juiz Diretor do Complexo

Judiciário “Ministro Mário Guimarães”, na Barra Funda, São Paulo (o maior

Complexo Criminal em funcionamento na América Latina), Alex Tadeu Monteiro

Zilenovski, de modo pioneiro em São Paulo baixou portaria determinando a busca

preliminar coletiva na entrada do Fórum, após enumerar uma série de

considerações sobre a necessidade da medida para a garantia da segurança de

todos os usuários desse espaço público. Nos termos da portaria, resolveu, conforme

transcrição dos dois primeiros artigos:

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63

Art. 1o – Determinar que pessoas que ingressarem nas

dependências deste Complexo Judiciário sejam submetidas a

controle de armas por meio eletrônico e outros necessários,

exercidos por Policiais Militares que guarnecem o Fórum ou por

outros agentes da Autoridade constituída que aqui exercem suas

funções.

Art. 2º - Para tal, fica estabelecido que os funcionários públicos

incumbidos desta atividade fiscalizatória deverão agir com

urbanidade, respeito e diligência que o cargo lhes exige, inclusive

solicitando a todos aqueles que sejam submetidos à fiscalização a

colaboração que se faz necessária para que seja garantida a cada

um de nós a segurança a que todos temos direito enquanto

cidadãos, enquanto operadores do Direito, enquanto funcionários

que aqui militam e de um modo geral, enquanto presentes a um

prédio público63

.

Pouco tempo depois, em 30 de setembro de 2003, o Conselho

Superior da Magistratura, do Tribunal de Justiça de São Paulo, decidiu regulamentar

a matéria, mediante o Provimento nº 811/200364

, considerando a necessidade de

resguardar a segurança e integridade física de todos que adentrem e permaneçam

no interior das unidades do Poder Judiciário e, ainda, a ocorrência de ameaças e a

possibilidade de violência contra servidores da Justiça, partes, promotores de

justiça, advogados e juízes, enfim de todos os usuários do ambiente forense.

Prescrevem os três primeiros artigos desse Provimento que:

Art. 1

o – Em todas as unidades do Poder Judiciário do Estado serão

adotadas medidas de segurança que poderão determinar a utilização

de equipamentos, fixos ou portáteis, ou por outro modo, inclusive a

revista pessoal65

, se for o caso, durante todo o expediente forense, 63

Portaria nº 01, de 14 de abril de 2003, do Juiz Diretor do Complexo Judiciário “Ministro Mário Guimarães”, São Paulo, Capital (o anexo I deste trabalho apresenta o texto integral do documento). 64

Provimento nº 811/2003, do Conselho Superior da Magistratura, do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 22 de maio de 2003, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, de 30 de maio de 2003, Parte I, Caderno I, do Poder Judiciário (o anexo II deste trabalho apresenta o texto integral do documento). 65

O Código de Processo Penal Militar brasileiro, Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969, emprega alternativamente as expressões busca pessoal (artigos 180, 183 e 184) e revista pessoal (artigos 181 e 182), não apresentando qualquer diferenciação entre elas. Nota-se, todavia, uma sutileza: a expressão “revista pessoal” reforça a ideia de que o procedimento é voltado ao próprio corpo do revistado, ou seja, realizado com maior acuidade, vez que a busca pessoal pode ser dirigida apenas às vestes, pastas, malas e outros objetos que estejam com a pessoa revistada (o que ocorre com a revista indireta mediante uso de portal magnético, por exemplo). Partindo-se, então, da ideia de que revista é sinônimo de busca pessoal, interpreta-se a expressão “revista pessoal” (utilizada no Provimento) como busca pessoal dirigida propriamente ao corpo do revistado (com ou sem tangibilidade corporal) e não simplesmente aos seus pertences como ocorre nos aeroportos quando a bagagem é colocada em esteira de raio-x, apenas. Na verdade, toda revista é pessoal, pois se trata de procedimento que recai sobre pessoa, posto que realizada, cumulativamente ou não, nos objetos que estejam consigo (e veículo), nas roupas (ou sobre elas), ou no corpo do revistado.

Page 65: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

64

para evitar ingresso de pessoas portando armas de qualquer tipo ou

artefatos, que possam representar risco para a integridade física

daqueles que estejam em seu interior.

Art. 2o – É vedado o ingresso de pessoas na posse de armas nas

dependências das unidades judiciárias, ainda que detentoras de

autorização legal, exceto os policiais, militares ou civis, e agentes de

segurança bancária em serviço.

Art. 3o – Nos locais de entrada principal destas unidades do Poder

Judiciário, haverá policiais militares, agentes de fiscalização judiciária

ou funcionários especialmente treinados e designados pela Diretoria

do Fórum, munidos, ou não, de aparelhos específicos para detectar

metais, ou realizar eventuais revistas a serem feitas em quem

desejar ingressar no interior das instalações.

Por fim, reconhece-se que no acesso de determinados locais não se

pode abrir mão desse eficiente recurso para a garantia da segurança coletiva, ou

seja, para a segurança de todo um grupo de pessoas que frequenta determinado

espaço, tal como o ambiente forense, em que se concentram tensões próprias dos

conflitos humanos. Trata-se de procedimento necessário - posto que indispensável -

e razoável - na medida em que é conveniente - e, por isso, socialmente aceitável.

Por outro lado, a busca pessoal coletiva realizada nessas situações

específicas, como medida imprescindível, constitui fórmula de tratamento igualitário

aos usuários de determinado ambiente, enquanto a seleção sem critérios para

revista pode caracterizar conduta discriminatória e por isso atentatória à dignidade

humana. É o próprio caput do artigo 5o da Constituição Federal, em sua primeira

parte, que nos dá a orientação, espelhando o ideário de igualdade que transformou

a organização da sociedade, a partir das ideias do Iluminismo, movimento que

pavimentou o caminho para a Revolução Francesa e a Idade Contemporânea, em

importante passo na história da humanidade, ou seja: Todos são iguais perante a

lei, sem distinção de qualquer natureza...

Page 66: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

65

3.4.2 Busca pessoal em advogado

Dedicamos um tópico específico para análise da situação de busca

pessoal em advogado, seja ela preventiva ou processual, preliminar ou minuciosa,

individual ou coletiva, em razão da existência de normas particulares que protegem

a sua inviolabilidade funcional e, também, dos incidentes normalmente verificados

quando da realização do procedimento nessa situação.

A Constituição Federal estabelece, em seu art. 133 que: O advogado é

indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e

manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Já o Estatuto da

Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Lei 8.866/94, no inciso II, do

seu art. 7o, estabelece ser direito do advogado:

ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB

66.

O art. 7o do Estatuto trata, obviamente, de eventual busca em escritório

de advocacia, local que mereceu proteção superior ao próprio domicílio em razão de

documentos e informações que tenham sido confiados ao advogado, ou tenham

sido por ele obtidos, imprescindíveis para a defesa de seu cliente. Além da ordem

judicial também exigida para a busca domiciliar, estabeleceu-se a obrigatoriedade

de acompanhamento da diligência por representante da OAB quando determinada a

busca em escritório de advogado.

A mesma proteção, no entanto, não foi estendida aos casos de busca

pessoal, salvo no que diz respeito à inviolabilidade dos documentos e informações

por ele portados, seja em suas roupas ou em seus objetos particulares (interior de

66 Inciso II, do art. 7

o, da Lei Federal 8.866/94, Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil.

Page 67: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

66

pastas, valises e bolsas e no interior do carro). O tratamento especial decorre da

inviolabilidade dos seus documentos e informações, em nome da liberdade de

defesa e do sigilo profissional, portanto, restrita aos dados de interesse processual

de algum modo portados pelo advogado e não significa, em absoluto, prerrogativa

funcional que o torne isento de qualquer busca pessoal.

A inviolabilidade estabelecida, antes de prerrogativa, é uma garantia

voltada ao dever de segredo que recai sobre o representante legal no exercício de

um múnus público essencial a administração da justiça. O jurisdicionado confia ao

seu advogado informações, registradas em documentos ou sob qualquer outra

forma, seguro de que serão por ele preservadas, mediante especial proteção e este

é o sentido exato da responsabilidade do sigilo profissional, que conta com a

referida garantia.

Questiona-se, então, sobre a impossibilidade de vistoria no interior de

bolsas e valises de advogados, em busca pessoal preliminar realizada na entrada

de ambientes forenses, em razão da mencionada inviolabilidade dos documentos e

informações de interesse profissional. Propõe-se, para a solução do dilema

estabelecido entre o interesse do revistado e a segurança da coletividade, a

exigência de que a abertura de bolsa ou valise, procedida pelo próprio advogado,

deva vir somente após a submissão a discreto sistema de detecção fixa (portal ou

esteira) ou manual (detector manual de metais), esta realizada sem qualquer

contato físico ou invasão de intimidade ou privacidade, para todos sem exceção

(busca pessoal preventiva, preliminar indireta e coletiva).

No mesmo modo de funcionamento de algumas portas giratórias para

entrada de bancos, o sistema acusará a presença de material suspeito, em metal,

portado por aquele que pretende adentrar ao recinto, seja ele advogado ou qualquer

outro profissional. Então, o agente da busca pessoal deverá solicitar que o próprio

revistado apresente o objeto em metal que existe no interior de sua bolsa ou valise e

que despertou a suspeita. É exatamente essa a previsão do art. 4o do Provimento nº

Page 68: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

67

811/2003, do Conselho Superior da Magistratura, do Tribunal de Justiça de São

Paulo, de 22 de maio de 200367

, que regulamentou a busca pessoal na entrada dos

Fóruns do Estado de São Paulo, além de tratar de outras medidas de segurança

nesses espaços públicos:

Art. 4

o – Os senhores Advogados e pessoas portadoras de pastas,

maletas, pacotes ou outros invólucros, quando o sistema de segurança indicar a existência de metais, serão convidados a exibi-los e a retirá-los, submetendo-se novamente ao sistema de segurança; havendo recusa, em nenhuma hipótese, serão admitidos no interior das unidades.

Dessa forma, ninguém senão o próprio revistado tocará os objetos que

estejam dentro de sua bolsa ou valise e esta também é uma garantia do buscador

contra eventual alegação de falso encontro de algum objeto. Mas, ainda assim

existe quem critique a busca pessoal nesse formato superficial, defendendo a

posição de que o advogado não pode ser obrigado a exibir qualquer objeto que se

encontra dentro de sua valise, mediante o argumento de que ela seria uma

“extensão do seu escritório”; ora, fosse assim, o advogado não precisaria de

autorização para porte de arma (que a lei exige), posto que poderia andar com uma

arma municiada dentro de sua valise e alegar inviolabilidade absoluta em relação a

esta. Certo é que a referida intervenção, na forma do procedimento regulamentado,

não causa prejuízo ao desempenho profissional do advogado, pois não são

devassados os documentos eventualmente transportados no interior de sua pasta.

Respeitada a mencionada inviolabilidade de documentos, dentro ou

fora do ambiente forense, o advogado submetido à busca pessoal preventiva

encontra-se, tanto quanto qualquer outro representante de não menos dignas

categorias profissionais, na condição de cidadão que abre mão de parcela de sua

liberdade individual para a garantia da pacífica convivência social. Esta é a condição

do contrato aceito em qualquer comunidade evoluída em que o Estado é

67

Texto integral no Anexo II.

Page 69: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

68

responsável pela preservação da ordem pública, como uma de suas principais

atribuições, alcançando-se a paz social mediante a submissão de todos os

participantes aos ditames da lei.

Conforme analisado, não há no plano legal qualquer prerrogativa

funcional que isente o advogado da busca pessoal, quando legítima, existindo sim

uma garantia de inviolabilidade maior que a domiciliar em relação ao seu escritório

ou local de trabalho. Não obstante, ressalva-se o aspecto da proibição de apreensão

de documentos, em alguns casos, conforme o parágrafo 2o, do inciso III, do art. 243

do CPP, que estabelece a seguinte restrição: Não será permitida a apreensão de

documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do

corpo de delito.

A própria redação desse dispositivo, que indica a possibilidade de

apreensão de documento (... quando constituir elemento do corpo de delito),

comprova que o advogado pode ser submetido à busca, pessoal, no domicílio, ou no

escritório, inclusive para o propósito de apreensão de documentos, desde que se

observem as condições legais e as garantias funcionais estabelecidas na

Constituição Federal e no Estatuto da Advocacia. A exigência, como outras

prescrições da lei, não construiu um “ser intocável”, mas viabilizou a suficiente

segurança e tranquilidade para o exercício da advocacia, sempre em nome do

interesse público.

3.4.3 Busca pessoal em mulher

A busca pessoal em mulher será realizada por outra mulher, desde que

tal procedimento não importe retardamento ou prejuízo da diligência, é o que

determina o art. 249 do Código de Processo Penal. O Código usa exatamente a

Page 70: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

69

expressão busca em mulher, concluindo-se que nesse ponto ele trata da “busca

pessoal realizada em mulher” nas condições do seu art. 240.

O texto do artigo 249 foi praticamente copiado da legislação italiana

vigente na época (hoje não mais), especificamente do art. 35, nº 2, do “Codice di

Procedura Penale”, de 1930, que estabelecia: La perquisizione sul corpo di una

donna è fatta e seguire da un’altra donna, quando ciò è possibile e non importa

ritardo o pregiudizio per la operazione68

.

O dispositivo em análise representa uma garantia de que, sem a

ocorrência de prejuízo à busca pessoal, a intimidade da mulher revistada será

preservada no que for possível. Note-se que também a mulher, na condição de

agente da busca pessoal, pode causar constrangimento em outra mulher sobre

quem recai a sua ação, ainda que se presuma ser o constrangimento menor em

relação àquele resultante da busca pessoal (em mulher) realizada por homem.

Em termos práticos, como interpretação do texto legal, pode-se dizer

que, se não houver policial feminina pronta para a realização da busca pessoal em

mulher e, se somada a essa circunstância, o chamamento de uma policial importar

em atraso ou prejuízo à diligência, então a revista em mulher poderá ser procedida

por policial masculino, sem a incidência de abuso de autoridade.

Obviamente que se não houver policial feminina pronta no local,

disponível para proceder imediatamente a busca pessoal em mulher, ocorrerá

inevitável atraso ou prejuízo da diligência como consequência da mobilização de

policial feminina para esse fim. Daí porque alguns autores defendem que o

dispositivo é dispensável, tratando-se o procedimento de busca pessoal preventiva,

68

Art. 35, nº 2, do “Codice di Procedura Penale”, de 1930. Já o “Codice di Procedura Penale”, de 1988, hoje vigente, não reproduz o dispositivo, estabelecendo no seu art. 249, por outro lado, que o revistado (ou a revistada) será avisado antecipadamente da faculdade de se fazer acompanhar, durante o procedimento, por uma pessoa de sua confiança, nos seguintes termos: 1. Prima di procedere alla perquizicione personale è consegnata una copia del decreto all’interessato, com l’avviso della facoltà di farsi assistere da persona di fiducia...

Page 71: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

70

eis que acaba funcionando apenas como recomendação e não impede a realização,

por homem, de busca pessoal em mulher, se inevitável, diante do critério

estabelecido.

Por outro lado, pode ser questionada a desigualdade de tratamento

dispensado ao homem em relação à mulher, uma vez que não se estabeleceu no

mesmo Código que a revista em homem deveria - de modo equivalente - ser

realizada por outro homem, também na medida do possível. Tal raciocínio poderia

parecer despropositado há alguns anos, mas hoje não; sabe-se que atualmente

existe um grande contingente de policiais femininas trabalhando em atividade

estritamente operacional, área em que, até pouco tempo, atuavam apenas policiais

masculinos.

Ora, é o próprio caput do art. 5o da Constituição Federal que

estabelece: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...,

sendo o artigo ainda mais explícito em seu inciso I: homens e mulheres são iguais

em direitos e obrigações nos termos desta Constituição. Por isso concordamos com

a posição de Guilherme de Souza Nucci que faz o seguinte comentário sobre o art.

249 do CPP: “Espelha-se, nesse caso, o preconceito existente de que a mulher é

sempre objeto de molestamento sexual por parte do homem, até porque não se

previu o contrário, isto é, que a busca em homem seja sempre feita por homem”69

.

Oportuno verificar que os diplomas internacionais de direitos humanos

dedicados à defesa da mulher procuram erradicar a discriminação ao sexo feminino

e a violência contra as mulheres. Buscam exatamente alcançar a igualdade de

tratamento em direitos e oportunidades, com respeito à diferença e em nenhum

momento se apegam à ideia de qualquer prerrogativa em razão de maior fragilidade

ou sensibilidade eventualmente atribuídas ao sexo feminino, ou seja, estabelecem

que as mulheres têm exatamente os mesmos direitos que os homens.

69

NUCCI, op. cit., p. 58.

Page 72: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

71

Conforme indicam Helena de Faria e Mônica de Melo:

Embora os principais documentos internacionais de direitos humanos e praticamente todas as Constituições da era moderna proclamem a igualdade de todos, essa igualdade, infelizmente, continua sendo compreendida em seu aspecto formal e estamos ainda longe de

alcançar a igualdade real, substancial entre mulheres e homens”70.

Tanto o homem quanto a mulher, revistados por homem ou por mulher,

sofrerão ilegal constrangimento caso a busca pessoal não seja legítima. De outro

lado, por exemplo, a busca pessoal preliminar tecnicamente realizada por policial

masculino sobre as vestes de uma mulher, mediante toques precisos, discretos e

não direcionados às partes íntimas, ainda que cause certo constrangimento -

compreensível pela circunstância da revista em si mesmo considerada - não

significará agressão à condição feminina da pessoa revistada.

O mesmo não se pode afirmar quanto à busca minuciosa, em que a

restrição dos direitos individuais, em maior grau, também é proporcional ao nível de

suspeita (sempre fundada). Impõe-se, nesse caso, maior cautela quanto à proteção

da intimidade da revistada (ou do revistado), não sendo tolerável que o agente da

busca, homem, reviste minuciosamente uma mulher e vice-versa. A devassa à

intimidade, nesse caso, é tão evidente que se conclui razoável condicioná-la a uma

busca realizada por pessoa do mesmo sexo (daquela que é submetida à revista),

sob qualquer hipótese, ainda que tal garantia não se encontre estabelecida no

Código de Processo Penal. Sim, porque a própria Constituição Federal apresenta

como um de seus fundamentos o devido respeito à dignidade da pessoa humana

em seu art. 1o, inciso III, além de estabelecer a proibição de tratamento degradante,

bem como a devida proteção à intimidade (art. 5o, incisos III e X); portanto, no caso

da busca pessoal minuciosa, o inevitável constrangimento somente será tolerável se

forem tomadas todas as cautelas necessárias para a sua minimização.

70 DE FARIA, Helena Omena Lopes e MELO, Mônica de. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher e convenção para prevenir, punire erradicar a violência contra a mulher. Direitos Humano: Construção da Liberdade e da Igualdade. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 2000, p. 373.

Page 73: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

72

Nesse sentido, o Manual Básico de Policiamento Ostensivo da Polícia

Militar de São Paulo, em edição de 1992, estabeleceu sobre a busca pessoal em

mulheres que:

1) Em princípio, deve ser realizada por policiais femininas,

observando-se as normas preconizadas para busca pessoal em

homens, no tocante à segurança. (...) 4) Em caso de mulheres

delinquentes ou em que haja necessidade de ser procedida revista

mais minuciosa, não havendo policiais femininas no local, a busca

pessoal não deverá ser feita, conduzindo-se a mulher com toda a

segurança ao Distrito Policial, onde poderá ser melhor revistada71.

Não há, portanto, conflito entre o procedimento policial adotado e a

prescrição do Código de Processo Penal, eis que, no Distrito Policial certamente

poderá ser acionada uma policial (militar ou civil) que se encarregue da busca

minuciosa, sem maiores dificuldades.

Finalmente, as buscas pessoais são realizadas nas mais diversas

situações, em horários e em circunstâncias imprevisíveis (e próprias do exercício da

atividade policial). Nesse momento, em busca preliminar rotineira, nem sempre se

tem disponível policial feminina para revistar mulheres ou, de modo reverso, policial

masculino para revistar homens. Não obstante, em havendo condições de ordem

prática, inclusive o bom senso indica que se adote aquilo que estabelece o

dispositivo legal para qualquer espécie de busca pessoal, ou seja, mulher revistando

mulher (e acrescentamos: homem revistando homem) sob pena de o agente (ou a

agente), vir a praticar abuso de autoridade quando lhe era possível simplesmente

seguir a prescrição da norma processual penal.

71

POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, op. cit., p. 60.

Page 74: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

73

3.5 O sujeito ativo da busca pessoal

O buscador é o sujeito ativo da busca pessoal, ou seja, aquele que

procede a revista, ou a controla mediante uso de dispositivos eletrônicos,

mecânicos, ou de animais, ou por qualquer outro meio imaginável.

Em razão de suas características procedimentais, a busca pessoal

constitui uma atividade tipicamente policial, ainda que destinada exclusivamente à

colheita de provas necessárias à instrução do processo, sendo realizada, em regra,

por agentes públicos com atribuição de investigação ou prevenção criminal,

qualificados pelo exercício do poder de polícia ou em cumprimento de mandado

judicial e, em situações específicas, por outros auxiliares do Poder Judiciário

estritamente em cumprimento de ordem judicial (por exemplo, o oficial de justiça, no

curso de processo penal militar, nos termos do art. 184, do Código de Processo

Penal Militar72

).

Agentes públicos é expressão com sentido amplo que, na lição de

Maria Sylvia Zanella Di Pietro abrange quatro categorias: 1. agentes políticos; 2.

servidores públicos; 3. militares; e 4. particulares em colaboração com o Poder

Público73

.

Quanto aos crimes contra a propriedade imaterial, o Código de

Processo Penal estabeleceu situação especial, qual seja, a busca é realizada por

dois peritos nomeados pelo juiz, em procedimento preliminar, na regra do seu art,

527: A diligência de busca ou de apreensão será realizada por dois peritos

nomeados pelo juiz, que verificarão a existência de fundamento para a apreensão....

72

Art. 184. A busca domiciliar ou pessoal por mandado será, no curso do processo, executada por oficial de justiça; e, no curso do inquérito, por oficial, designado pelo encarregado do inquérito, atendida a hierarquia do posto ou graduação de quem a sofrer, se militar (CPPM, Decreto-Lei n

o

1.002, de 21 de outubro de 1969). 73

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 431. No mesmo estudo, a autora observa que, até a Emenda Constitucional nº 18/98, os militares eram tratados como “servidores militares” e que, a partir dessa Emenda, excluiu-se, em relação a eles, a denominação “servidores”. Incluem-se na categoria “militares”, os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros (militares) dos Estados, Distrito Federal e Territórios (art. 42, da CF) e os membros das Forças Armadas, ou seja, Marinha, Exército e Aeronáutica (art. 142, da CF).

Page 75: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

74

Trata-se, em princípio, de busca em local, orientada pelas prescrições da busca

domiciliar por interpretação extensiva, na falta de regulamentação própria. Os

agentes, nesse caso, ainda que particulares, são também considerados “públicos”,

pois se encontram qualificados, não pelo exercício do poder de polícia, mas pela

colaboração com o Poder Público.

Especificamente quanto à modalidade busca pessoal, independente de

mandado judicial nas condições estabelecidas pelo art. 244 do Código de Processo

Penal (no caso de prisão; no caso de fundada suspeita; ou no curso de regular

busca domiciliar), Guilherme de Souza Nucci esclarece que:

Agentes autorizados a realizar a busca pessoal são os que possuem

a função constitucional de garantir a segurança pública, preservando

a ordem e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, bem como

investigar ou impedir a prática de crime: polícia federal, polícia

rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias

militares e corpos de bombeiros militares (art. 144, CF). Não

possuem tal função os agentes das guardas municipais, logo, não

estão autorizados a fazer busca pessoal. Naturalmente, se um

flagrante ocorrer, podem prender e apreender pessoa e coisa objeto

de crime, como seria permitido a qualquer do povo que o fizesse,

apresentando o infrator à autoridade policial competente”74

.

As guardas municipais mantêm vigilância nas instalações e

logradouros municipais (parques e espaços públicos municipais), exercendo tão

somente a guarda patrimonial, nos termos do parágrafo 8o, do art. 144, da

Constituição Federal: Os Municípios poderão constituir guardas municipais

destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

Não pode a guarda municipal, consequentemente, desenvolver atividade própria de

polícia, por falta de competência legal.

Podem requerer a busca (processual) à autoridade judiciária - em

qualquer modalidade: domiciliar ou pessoal -, o representante do Ministério Público

ou do orgão policial, e o particular (ofendido ou seu representante legal), objetivando

74

NUCCI, op. cit., p. 58.

Page 76: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

75

a obtenção das provas necessárias à instrução, cabendo ao juiz apreciar o pedido.

E por que não, o próprio acusado, por meio de seu defensor, também poderá

requerer busca (processual), pois é a alínea e, do parágrafo primeiro, do art. 240, do

CPP, que estabelece como uma das finalidades da busca: descobrir objetos

necessários à prova de infração ou à defesa do réu.

Não é comum, porém, requerimento de busca pessoal na fase

processual ou mesmo na fase pré-processual e sim o requerimento de busca

domiciliar. Isso em razão de que, em primeiro lugar, se autorizada a busca

domiciliar, poderá também ser realizada a busca pessoal durante o seu curso, nos

termos do art. 244, do CPP, parte final, exatamente no local em que possivelmente

será localizado aquele que se pretende seja submetido à revista (em seu domicílio);

em segundo lugar, porque a busca pessoal somente alcança o resultado esperado

se procedida no momento certo, normalmente durante a investigação, ou durante a

atividade de policiamento preventivo, mediante iniciativa da autoridade policial em

ação (civil ou militar, conforme o caso), aproveitando-se o fator surpresa. E mesmo

nesse último caso, é frequente a conduta daquele que está prestes a ser revistado,

percebendo a movimentação policial, vir a “dispensar” discretamente o objeto

relacionado à conduta criminosa, jogando fora o material que seria certamente

encontrado em seu poder, frustrando, por vezes, a diligência policial.

Finalmente, a autoridade judicial competente, ou seja, a do juízo

criminal da respectiva área de jurisdição, pode realizar pessoalmente a busca

pessoal (tanto quanto a domiciliar), pois quem tem o poder de autorizar a diligência

policial pode, evidentemente, realizá-la por si mesmo. É este o sentido do art. 241

do CPP, ao tratar da busca domiciliar, cujo conteúdo não foi integralmente

recepcionado pela Constituição Federal de 1988 no que se refere à iniciativa policial

(antes, era permitido à autoridade policial proceder pessoalmente a busca domiciliar

Page 77: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

76

ou expedir mandado, e depois de 1988 não mais existe busca domiciliar sem ordem

judicial, conforme interpretação do inciso XI, do art. 5o, da CF

75).

No entanto, não é comum a realização de buscas pelo próprio juiz.

Naturalmente, o magistrado tende a manter-se distante dos procedimentos

investigatórios para poder julgar a causa de modo totalmente imparcial, sem

envolvimento pessoal, determinando a diligência - quando convencido de sua

necessidade - mediante expedição de mandado a ser cumprido com apoio de órgão

policial.

Em síntese, a busca pessoal é realizada por quem exerce poder de

polícia para a prevenção criminal (busca pessoal preventiva e, eventualmente,

processual como sua consequência) ou, no caso específico da chamada busca

pessoal processual, por agentes policiais encarregados de diligência em

investigação (fase pré-processual), ou por aquele que executa o mandado judicial

(como órgão auxiliar da Justiça), designado para cumpri-lo (fase processual).

3.6 A fundada suspeita como causa eximente de mandado judicial

para a busca pessoal

Um dos pontos mais controversos no estudo da busca pessoal é

exatamente a análise do critério da fundada suspeita que autoriza a realização da

busca pessoal sem mandado judicial, entre as outras causas legalmente previstas.

75 Art. 241 do CPP (apenas parcialmente recepcionado pela Constituição Federal de 1988): “Quando

a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado”. Conforme inciso XI, do art. 5º, da CF: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Page 78: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

77

Nos termos do art. 244 do Código de Processo Penal, são três as

causas eximentes de mandado judicial, apresentados nessa mesma sequência: 1.

em caso de prisão (daquele que será revistado); 2. quando houver fundada suspeita

de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que

constituam corpo de delito; e 3. no curso de busca domiciliar. Pode-se, certamente,

a elas somar mais duas, quais sejam: 4. quando houver consentimento daquele a

quem se pretende revistar e, por uma questão lógica, 5. quando a busca for

realizada pela própria autoridade judiciária.

Apesar da referida isenção de ordem judicial para a realização de

busca pessoal com base em fundada suspeita, nada impede que seja expedido

mandado para revista, igualmente em razão de fundada suspeita, justificada pela

autoridade judiciária. Fato é que a fundada suspeita constitui a única causa

estabelecida sem delimitação expressa entre as cinco hipóteses que dispensam

mandado e por isso merece maior atenção. Nessa circunstância, a revista é ato de

iniciativa policial e legítimo, apesar de impor restrição de direitos individuais sem

ordem judicial.

Buscamos, portanto, dar um sentido para essa expressão, ainda que

ela não comporte definição precisa, pois todo ato de polícia deve encontrar limites,

sem embargo de sua característica de discricionariedade; não fosse assim, o ato se

constituiria arbitrário, posto que ilimitado. Nesse enfoque do Direito Administrativo,

Celso Antônio Bandeira de Mello orienta sobre os limites da discricionariedade:

Os motivos e a finalidade indicados na lei, bem como a causa do ato, fornecem as limitações ao exercício da discrição administrativa.

Mesmo quando a norma haja se servido de conceitos práticos, isto é, algo impreciso, para designar os motivos ou finalidade, ainda assim persistem como prestantes para demarcar a discrição. Isto porque todo conceito, por imperativo lógico, é uma noção finita, que tem contornos reconhecíveis

76.

76

MELLO, op. cit., p. 47.

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78

A preocupação acadêmica diante do critério da fundada suspeita volta-

se para a análise de quais são os seus contornos reconhecíveis, de modo que se

imponha a mínima restrição de direitos individuais em decorrência do procedimento

tipicamente policial. Sucede, na prática, que a avaliação das circunstâncias que

justificam a intervenção policial sob a forma de revista, normalmente precedida de

abordagem e identificação pessoal, é realizada de forma rápida e sistemática,

integrando a atividade de policiamento ostensivo preventivo. A abordagem enseja o

rotineiro procedimento denominado busca pessoal preventiva individual como um

dos principais recursos operacionais da polícia, na prevenção da criminalidade.

A caracterização do estado de fundada suspeita é resultado da

experiência profissional do policial, ou seja, do exercício da habilidade que se

convencionou chamar “tirocínio policial”. Não representa uso de poder

extrassensorial ou sobrenatural, mas de uma capacidade de percepção

diferenciada, adquirida durante o desenvolvimento constante da atividade policial77

.

Primeiramente o que existem são atitudes suspeitas e não pessoas

propriamente suspeitas. A expressão indivíduo suspeito acabou incorporada ao

linguajar policial (e também à linguagem popular), mas não reflete necessariamente

um sentido jurídico próprio. Avaliar uma pessoa como suspeita somente porque

pertence à determinada raça, cor, sexo ou faixa etária é agir com preconceito e

discriminação, desrespeitando a garantia constitucional que impõe o tratamento

77 O Comandante Geral da Polícia Militar de São Paulo, em 18/06/1995, expediu o ofício nº PM1- 031/02/95 ao Secretário de Segurança Pública, à época José Afonso da Silva, respondendo algumas questões por ele formuladas sobre os critérios da abordagem de suspeitos realizada cotidianamente pelo efetivo da Polícia Militar em atividade de patrulhamento (policiamento ostensivo preventivo) e esclarecendo que: “Entende-se por indivíduo suspeito, para justificar sua abordagem, aquela pessoa que infunde dúvidas acerca de seu comportamento ou que não inspire confiança, trazendo, em relação ao lugar onde se encontre, o horário e outras circunstâncias, justo receio às condições que nela se apresentam. Na verdade, o indivíduo apresenta atitude suspeita, demonstrando um comportamento diverso dos demais integrantes do meio social e, embora tal comportamento não venha a se constituir em crime ou contravenção penal, merece que seja verificado, sem o que não se justificaria a existência de um policiamento ostensivo com a missão constitucional de preservação da ordem pública. Assim, a Polícia Militar procura agir sempre tentando inibir a ação delituosa, através da presença ostensiva e da intervenção quando necessária, verificando as atitudes suspeitas dos indivíduos, para minimizar ou extinguir a probabilidade da ocorrência de eventos criminosos”.

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79

igualitário a todos os indivíduos. Por outro lado, as reações físicas, ainda que sutis,

o modo de se vestir, a postura, todas essas informações no contexto do ambiente

em que se encontra certa pessoa observada podem, sim, despertar a suspeita –

fundada - do policial experiente.

Em trabalho monográfico sobre a atividade de policiamento preventivo,

Edmilson Forte destacou as possibilidades de condutas suspeitas perceptíveis

inclusive por outros profissionais que mantém diário contato com a comunidade,

merecendo transcrição um fragmento de sua obra:

As atitudes das pessoas, muitas vezes, são tão estranhas que mesmo um leigo, sem formação específica de prevenção e combate ao crime, é capaz de detectar e classificar como diferente ou merecedora de citação. Outras são mais sutis e não transparecem a não ser aos olhos de quem tenha maior experiência neste tipo de investigação. No filme de Bruno Barreto, O que é isto, companheiro, que trata do sequestro de um embaixador americano por ativistas políticos brasileiros no final da década de 60, um pequeno detalhe de conduta, que chamou a atenção de um comerciante, foi a ponta do fio que permitiu à polícia chegar ao esconderijo dos sequestradores: um dono de padaria estranhou que um rapaz, vestindo roupas simples, comprasse de uma vez oito frangos assados e os pagasse com uma nota retirada de um enorme pacote de dinheiro existente em seu bolso. Avisou à polícia de sua suspeita e permitiu que esta desse início ao descobrimento do esconderijo dos sequestradores. O comerciante, profundamente interessado nos mecanismos de ação e reação das pessoas, pode distinguir, no pouco tempo em que se encontra à frente de um supermercado, a atitude de quem entra para comprar ou verificar a presença do artigo, seu preço, e a atitude de quem entra para realizar pequenos furtos, muito comuns nesse tipo de negócio. A primeira pessoa age naturalmente, cumprimenta os conhecidos, dirige-se com objetividade às prateleiras indicadas, manuseia os produtos, confere-lhe os preços, e caso se interesse, retira-os das prateleiras, coloca-os na cesta apropriada, retira-se; já a pessoa que tem outras intenções não encara ninguém, não cumprimenta, olha rápida e repetidamente para os lados, toca com rapidez o produto e, se estiver certa ou não estar sendo vigiada, esconde-o em alguma parte da vestimenta ou em outro local. Esta pessoa, enfim, desde a entrada no recinto, apresenta uma série de comportamentos que fogem ao padrão dos esperados e observados naquele local específico. Apresenta, portanto, um comportamento suspeito, que chama a atenção, quando seu objetivo maior é exatamente o de não chamar a atenção

78.

78

FORTE, op. cit. p. 52.

Page 81: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

80

Os exemplos indicados ilustram muito bem a habilidade que pode ser

desenvolvida no campo da observação, a partir de modelos conhecidos, mesmo

diante da diversidade de situações encontradas, justificando-se os resultados

positivos que se obtém com a comum utilização da capacidade sensorial humana.

No caso específico do policial, vários aspectos devem ser levados em

conta, utilizando-se, para tanto, o tato (busca pessoal, porte de arma, sensação de

aquecimento excessivo, ar quente, volumes detectados pelas mãos); também a

audição (sons suspeitos que podem ser passíveis de averiguação, como discussões

em tom alto e agressivo, gritos, choros, latidos contínuos ou que cessem

abruptamente, estrondos, tiros, carros que freem ou arranquem bruscamente);

outras sensações podem ser trazidas pelo olfato (cheiro de gás, gasolina, álcool,

éter, maconha, cola, fio superaquecido, substâncias em combustão etc.).

Essa diversidade de informações obtidas no desempenho da atividade

profissional evidentemente não pode ser prevista em sua plenitude nos manuais de

treinamento policial, em razão das características próprias de cada situação. Não

obstante, são clássicas algumas referências de condutas que despertam a suspeita

do policial, ensejando a busca pessoal (ainda que evidentes), por exemplo: disfarçar

o comportamento ou sair correndo ao avistar a aproximação da polícia; entrar ou

sair de residência pulando muros ou janelas; tentar abrir veículos forçando a porta

ou usando objetos diferentes das chaves; apresentar-se ofegante, com as vestes

ensanguentadas, sujas ou suadas sem motivo evidente; usar jaquetas ou roupas em

excesso em dias de calor ou apresentar alguma saliência sob a blusa (pode estar

portando arma); demonstrar nervosismo ou aflição sem causa aparente; segurar

crianças que choram pedindo o pai ou a mãe; permanecer muito tempo parado em

frente a estabelecimentos de ensino, estabelecimentos comerciais ou bancos,

observando a movimentação; carregar consigo sacos e objetos sem aparente

motivo; apresentar odor característico de alguma substância entorpecente; trafegar

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81

com carro que possui características diferentes entre as placas traseira e dianteira;

trafegar com carro velho utilizando placas novas e vice-versa etc79

.

Existem, também, inúmeros casos de vítimas que procuram comunicar-

se, exatamente durante a ação dos criminosos, mediante algum tipo de sinal, ainda

que discreto, para provocar em policiais a suspeita que motive a sua intervenção.

São exemplos desses sinais de comunicação que o policial experiente e atento (ou

alguém do povo com sentido agudo de observação) compreende: o motorista de táxi

que mantém o luminoso aceso (indicativo sobre o carro), enquanto está

transportando os assaltantes que acabaram de roubá-lo (sabe-se que o luminoso

normalmente permanece apagado quando o táxi está com passageiro); a

manutenção da porta de comércio semiaberta (ou não totalmente fechada) durante

o horário comercial (pode estar ocorrendo um assalto); a emissão de ruídos ou

sinais luminosos que quebram a rotina (alguém sequestrado, no cativeiro, pode

79

Continuam os termos do Ofício retroreferenciado, quanto aos critérios de ordem prática adotados para a busca pessoal preventiva individual realizada pela Polícia Militar: “O policial tem alguém por suspeito para abordagem na rua quando, entre inúmeros exemplos que podem ser citados, ocorrem os seguintes: alguém que usa casaco (blusão, jaqueta) quando a temperatura ambiente está elevada; quando alguém corre ao avistar o policial se aproximando; indivíduo de má aparência pessoal e carente de higiene, ocupando veículo de alto valor; alguém que entra ou sai de qualquer local por onde não é habitual (pula um muro ou janela); indivíduos que correspondam à descrição de meliantes em fuga; etc). O que faz o policial suspeitar da atitude de alguém, ante a falta de norma jurídica particular enumerando todos os casos possíveis e imagináveis é a reação de medo por parte da pessoa, o que leva a desconfiar que ela ou já fez ou iria fazer algo de errado. O policial norteia-se pelas regras de experiência subministrada pela observação constante do que ordinariamente acontece e ainda pelas regras técnicas adquiridas nos Cursos da Corporação. O policial suspeita das atitudes de uma pessoa valendo-se do mesmo processo mental do qual se vale um professor para abordar o aluno que utiliza, ou tenta se utilizar, de meios ilícitos para fazer uma prova ou concurso; do mesmo modo que um pai ou uma mãe surpreende seus filhos descumprindo as regras estabelecidas para a casa. As características de um ‘suspeito’ que justifique pará-lo ou parar seu veículo para abordagem não têm como serem enumeradas nesta manifestação, pois não estão vinculadas a aspectos físicos (alto; baixo; gordo; magro; jovem; velho; feio; bonito; branco; negro; amarelo; etc). Podem se exemplificados: indivíduo que apresenta manchas de sangue em suas roupas; indivíduos sobre o telhado de uma casa no período noturno; dirigir ou estar com veículo de alto valor no interior de uma favela; indivíduo que excede a velocidade e desrespeita sinalização de trânsito; etc. Como se vê o que caracteriza a atitude suspeita do indivíduo é o seu comportamento associado a circunstâncias de tempo, lugar, clima, pessoas, coisas, etc. Desse modo, a abordagem de pessoa, a busca pessoal, é um procedimento policial que, face a inexistência de preceitos próprios, utiliza os conceitos do Direito Processual para a sua realização, conforme disposto nos artigos 240 a 250 do Código de Processo Penal”.

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82

estar tentando comunicar-se); movimentação de veículo procurando chamar a

atenção mediante sinais de luz, buzina ou freadas etc.

Em razão do amplo conjunto de informações perceptíveis que ensejam

a suspeita policial, também no caso de veículos em movimento, normalmente é

designado um “selecionador” na parte mais avançada dos bloqueios policiais

(conhecidos como blitz80

), que são operações de surpresa objetivando a

interceptação de veículos em movimento para a busca pessoal e vistoria no interior

do veículo (como extensão da própria busca). O selecionador é sempre o policial

mais experiente, com melhores condições de rapidamente identificar características

suspeitas em veículos e em atitudes de condutores desses veículos.

Além da experiência profissional, o selecionador deve ter o raciocínio

rápido, o tirocínio policial que não se confunde absolutamente com intuição. Certo é

que o policial em função de selecionador, ao indicar determinado veículo para o

procedimento de busca, age impulsionado por discretos sinais corporais do condutor

ou em razão da quantidade de passageiros, em determinado horário e local, forma

de condução do veículo e tantas outras informações quase imperceptíveis a olhos

não treinados. Nessa condição, é capaz de tomar decisões rápidas e eficientes,

ainda que não consiga expressar, de plano, o motivo que o induziu à denominada

fundada suspeita.

Exatamente nesse ponto que a fundada suspeita (parágrafo segundo,

do art. 240, do CPP), que legitima a busca pessoal sem mandado judicial, é

circunstância diferente do sentido das fundadas razões que autorizam a busca

domiciliar mediante mandado judicial (parágrafo primeiro, do mesmo artigo). Razão

(fundada) é critério bem mais rigoroso adotado para a busca domiciliar, que sempre

80 O termo “blitz” tem origem na expressão alemã “blitzkrieg”, que significa guerra relâmpago, técnica utilizada pelo exército alemão na 2

a Guerra Mundial mediante rapidez de mobilização e

concentração do aparato bélico empregado, para surpreender os adversários com forte efeito e alcançar resultados imediatos.

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83

depende de ordem judicial; aliás, mais de uma razão, porque o Código registra o

plural “fundadas razões”.

Encontramos no dicionário81

, entre outros significados do vocábulo

“razão”, o sentido de: “faculdade que tem o homem de estabelecer relações lógicas,

de conhecer, de compreender, de raciocinar; raciocínio, inteligência”. Já para a

“suspeita”, de caráter mais superficial que a razão, encontramos o sentido de:

“opinião, geralmente desfavorável, acerca de alguém ou de algo, desconfiança,

intuição, pressentimento, suposição”. Verdade que, por ter a característica de

“fundada”, a suspeita policial que legitima a busca pessoal não pode corresponder à

simples intuição ou pressentimento, esses de origem oculta no íntimo do ser

humano. A suspeita, ainda que fundada na convicção pessoal do policial, deve ter

um mínimo de fundamento racional, alguma explicação possível, mesmo que

baseada em sutis aspectos comportamentais de difícil descrição.

Diante da irrefutável condição de que qualquer pessoa, em tese, pode

estar prestes a praticar algum delito (ou já tê-lo praticado), o policial deve buscar a

aproximação do fator probabilidade em oposição à mera possibilidade em sua

imediata análise. Procederá a busca pessoal quando, por alguma circunstância

particular, avaliar como provável o comportamento delituoso82

.

81

FERREIRA, 1996, op. cit, p. 451. 82 Empregamos, por analogia, o raciocínio originalmente defendido para o indiciamento, por Sérgio M. Moraes Pitombo, em seu artigo intitulado “O indiciamento como ato de polícia judiciária”, publicado na obra: O inquérito policial: novas tendências, Belém, edições CEJUP, 1987, p. 39), em que analisou a existência de dois juízos: do possível e do provável, a serem levados em consideração, na fase de inquérito policial, quando da decisão do encarregado sobre o indiciamento, ou não, de determinada pessoa, definindo-os nos seguintes termos: “Juízo possível consiste naquele que, logicamente não é contraditório. Inexistem motivos fortes

pró ou contra. Emerge neutral, assim: é possível que o homem seja homicida, mas é possível que não seja. Aflora como suspeito.

Juízo provável é o verossímel. Aproxima-se da verdade, sem necessariamente ser verdadeiro. Parte de razões robustas, porém, ainda não decisivas. Não bastante suficientes, senão para imputar. Surge aneutral, assim: é provável que o homem seja o homicida, por causa dos meios de prova colhidos, mas talvez não seja. Deve, portanto, ser indiciado”.

Respeitadas as peculiaridades da fase de inquérito, que está inserido no contexto da persecução criminal, a noção dos juízos também deve ser observada na decisão do policial que realizará ou não a busca pessoal em determinada pessoa durante o policiamento ostensivo preventivo. Certo que, ao contrário do que ocorre na fase de inquérito, o policial não disporá de elementos tão bem definidos, no momento da prevenção, que evidenciem com precisão o que é provável em relação ao que é possível. Na prática, qualquer um pode estar cometendo, ou ter cometido há pouco tempo, um ato

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84

A fundada suspeita está situada exatamente no espaço entre a mera

intuição - ou pressentimento - e as fundadas razões. O policial, por outro lado, não

será capaz de elaborar um relatório sobre os completos motivos (e por vezes

complexos) que o induziram à fundada suspeita sobre o comportamento ou

características gerais de espaço e ambiente que o levaram a realizar a busca

pessoal; o seu treinamento é voltado à tomada de decisões rápidas, tais como fazer

ou não fazer a busca, questão que deve ser resolvida em fração de segundos. E

encontrar-se-á, nesse momento, distante do conforto dos gabinetes e escritórios de

trabalho em que se pode consultar livros e calmamente elaborar extensos

raciocínios antes da formulação de uma proposta de solução à determinada

questão.

Por isso a norma processual não exigiu para a busca pessoal a

existência de fundadas razões e sim a existência de fundada suspeita, circunstância

que reflete uma avaliação pessoal, imediata e de ordem prática, de um preliminar

juízo de probabilidade que justifica a intervenção policial no momento certo,

beneficiada pelo fator de surpresa daquele que será submetido à revista.

3.7 O abuso de autoridade

Compulsando o Código Penal, encontraremos o art. 350 sob a rubrica

exercício arbitrário ou abuso de poder. A descrição original do crime, no entanto, foi

praticamente reproduzida no art. 4o da lei 4.898/65, que regulou o direito de

representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos

casos de abuso de autoridade. O art. 3o da lei de 1965, por sua vez, ampliou

criminoso sem que revele qualquer sinal indicativo de sua condição de infrator da norma penal e encontrar-se na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou seja, a possibilidade recai sobre todos, indistintamente, enquanto a probabilidade, sobre alguns. Não obstante o aspecto de imprecisão, o policial deverá enquadrar a situação real dentro de um dos dois conceitos, no que mais lhe pareça caracterizado, ainda que diante de superficiais informações que lhe são disponíveis, aproveitando o fator de oportunidade no momento da prevenção.

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85

consideravelmente o leque de situações abrangidas pela prática de abuso de

autoridade.

De acordo com Júlio Fabrini Mirabete, amparado em pesquisa

jurisprudencial:

Pode-se afirmar, pois, que os crimes de exercício arbitrário ou abuso de poder previsto do art. 350 foram absorvidos e, portanto, revogados, pela Lei nº 4.989, de 1965, sob a denominação de abuso de autoridade (RT 394/267, 405/417, 489/354, 504/379, 520/466, 558/322)

83.

De fato, as limitações impostas pela observação dos direitos e

garantias constitucionais, particularmente estabelecidas no art. 5o da Constituição

Federal encontram-se especificadas no art. 3o e 4

o da Lei 4.898/65 como freios à

atuação policial, aplicáveis ao procedimento de busca pessoal, sob pena de incorrer,

o agente ativo, em crime de abuso de autoridade.

Portanto, pratica abuso de autoridade o agente que procede à busca

pessoal atentando, sem razoável motivo, primeiramente contra a liberdade de

locomoção do revistado (inciso XV, do art. 5o

e alínea “a”, do art. 3o da Lei 4.898/65),

eis que o procedimento impõe necessária restrição ao denominado direito de ir e vir,

particularmente quando enseja a condução ao Distrito Policial para averiguação, o

que em certo sentido também configuraria indevida privação de liberdade (inciso

LIV, do art. 5o da CF). Havendo insistência na prática abusiva, ou seja, reiteradas

abordagens na mesma pessoa para a busca pessoal, sem justa causa, impondo-se

indevidamente ao revistado a permanência sob custódia por mais tempo que o

necessário, verifica-se cabível a impetração de habeas corpus (no caso, preventivo),

nos termos do art. 647, do CPP, em favor de quem se encontra na iminência de

sofrer tal coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, solicitando-se à autoridade

competente a expedição de salvo conduto.

83

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Atlas, v. 3, 1995, p. 418.

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86

Também pratica abuso de autoridade o agente que procede à busca

pessoal atentando contra a incolumidade física do revistado (incisos III e XLIX, do

art. 5o

e alínea “i”, do art. 3o da Lei 4.898/65), em razão de que o procedimento deve

ser desenvolvido, em princípio, de forma a não causar qualquer prejuízo físico em

quem a ele for submetido. Imagine-se, por exemplo, uma busca pessoal em que o

agente, a pretexto de impor respeito ao revistado, lhe atinja um golpe, ou, então,

uma busca pessoal procedida mediante auxílio de cães farejadores, incitados pelo

buscador a agir de modo agressivo, vindo a provocar lesão no revistado.

Reconhece-se, todavia, que, por vezes, o próprio revistado oferece resistência ao

procedimento e o agente acaba por causar lesão mediante o uso da força

necessária para vencer a oposição indevida ou, ainda, o revistado se auto-lesiona

durante o seu esforço em evitar a busca pessoal legítima; nessas circunstâncias, em

tese, não restaria configurado o abuso de autoridade.

Ainda, pratica abuso de autoridade o agente que realiza a busca

pessoal submetendo pessoa a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei,

indevidamente causando-lhe prejuízo moral (incisos III, X e XLIX, do art. 5o, da CF e

alíneas “b“ e “h” do art. 4o da Lei 4.898/65). Na verdade, não há quem se sinta

confortável ao ser revistado; o ato da busca pessoal pode provocar certa restrição à

intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, em razão da sujeição à interferência

alheia na esfera da individualidade e da tangibilidade corporal, somente tolerável na

medida do que seja necessário e razoável, observado o estrito cumprimento do

dever legal. Portanto, a integridade moral do revistado, objetiva e subjetiva, deve ser

ao máximo preservada pelo buscador, dispensando-lhe tratamento digno sem

prejuízo da efetividade do ato, de modo a minimizar eventual dano decorrente do

legítimo procedimento. Assim, por exemplo, a revista minuciosa deve ser realizada

em local reservado e somente em situações particulares que justifiquem uma maior

restrição de direitos individuais; já a revista em mulher deve ser realizada por outra

mulher, se tal providência não importar em retardamento ou prejuízo da diligência,

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87

nos termos do art. 249, do CPP e, pelo princípio da igualdade estabelecida entre

homens e mulheres, com base no inciso I, do art. 5o, da CF, também a revista em

homem deve ser realizada por outro homem, sempre que possível.

Cuidando-se da busca pessoal originariamente preventiva, com

impulso legitimado pelo exercício do poder de polícia, o procedimento policial

encontrará limites, nos mesmos termos do parágrafo único, parte final, do art. 78, do

Código Tributário Nacional (que traz definição do poder de polícia), quanto ao modo

em que deverá ser desenvolvido: ...tratando-se de atividade que a lei tenha como

discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

No ensinamento de Álvaro Lazzarini, observado o aspecto da

competência legal do órgão que se propõe a desenvolver a atividade e respeitadas

as garantias constitucionais, como critério de legalidade do ato, existem mais dois

critérios limitadores do exercício do poder de polícia: o da realidade e o da

razoabilidade84

. Nesse raciocínio, vislumbra-se que o direito não lida com o irreal,

devendo-se aplicar as normas aplicadas às peculiaridades do caso concreto, como

mais um sistema de limitação do poder. Já o critério da razoabilidade do ato auxilia

na distinção entre discricionariedade e arbitrariedade, levando em consideração a

sua finalidade e a relação de equilíbrio entre a pretensão do Poder Público e o

objetivo específico da lei.

Sobre a necessidade de emprego de força para a consecução do

procedimento policial e a eventual prática de abuso de autoridade, Hely Lopes

Meirelles adverte: Realmente, todo ato de polícia é imperativo para o seu destinatário,

admitindo até mesmo o emprego da força pública para o seu

cumprimento, quando resistido pelo administrado, mas, todavia, não

legaliza a violência desnecessária ou desproporcional à resistência

oferecida. Em tal caso, a conduta do mandante pode caracterizar-se

em excesso de poder e abuso de autoridade, ensejadores de

responsabilidade administrativa, civil ou criminal, para o agente

arbitrário85

.

84 LAZZARINI, 1999, op. cit., p. 54. 85 MEIRELLES, op. cit., p. 51.

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88

Finalmente, sendo o autor do abuso de autoridade militar, federal ou

estadual, responderá pelo crime na Justiça Comum e não na Justiça Militar,

conforme teor da Súmula 172 do STJ: Compete à Justiça Comum processar e julgar

militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.

3.8 A revista privada como condição de ingresso em estabelecimentos

particulares

Questão que desponta no estudo do tema busca pessoal é exatamente

sobre a legalidade do ato que ora denominamos revista privada como condição de

ingresso em estabelecimentos particulares. Trata-se de procedimento superficial

realizado por agentes particulares de segurança, normalmente no acesso principal

de casas de espetáculos, em danceterias e em outros ambientes abertos ao público,

objetivando coibir a entrada de armas ou de objetos que possam causar perigo aos

usuários desses espaços.

Primeiramente, não intitulamos tal procedimento (desenvolvido de

forma semelhante à atividade dos policiais militares na entrada de estádios de

futebol) como busca pessoal, eis que realizado por alguém que não está exercendo

atividade policial, ou não se encontra cumprindo ordem judicial. Empregamos,

então, a expressão revista privada em razão da qualidade do agente que, no caso,

não pode realizar busca pessoal legitimada no exercício do poder de polícia (busca

preventiva) e/ou busca pessoal legitimada pelo cumprimento das condições

específicas da lei processual penal (busca processual). Trata-se de um

procedimento na esfera privada das relações sociais.

A busca pessoal propriamente dita é exclusivamente realizada por

quem é competente, podendo também ser denominada apenas como “revista”,

aliás, como é chamada em Portugal. Por isso, para o procedimento realizado por

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89

particulares, propomos uma exclusiva denominação (revista privada), restringindo o

uso da expressão busca pessoal, ou do vocábulo revista sem adjetivação.

De fato, o primeiro desafio no estudo desse fenômeno de relação

interpessoal foi exatamente atribuir-lhe denominação adequada e distinta do

instituto processual penal correlato e do procedimento da esfera administrativa de

preservação da ordem pública, que possuem sentidos jurídicos próprios.

Analisando-o detalhadamente a revista privada, concluímos que são três as suas

principais característica: 1. o agente é particular (o procedimento possui caráter

privado); 2. a sujeição é voluntária (consentida por parte do sujeito passivo) e 3. é

realizado na entrada de estabelecimentos (como condição de acesso).

A busca pessoal propriamente dita em alguns casos também é

realizada com o consentimento do revistado (não obstante sua característica

compulsória, enquanto ato revestido de legalidade) e poderá ser procedida, ainda,

como condição de entrada em algum estabelecimento (público). Portanto, o principal

diferencial é mesmo o caráter público ou privado do ato, definido pela qualidade do

seu agente e esse é o motivo da denominação revista privada, posto que não

realizado por agente em exercício de função pública.

A análise da legalidade da revista privada e do que se aceita como

razoável nas relações sociais até o limite do constrangimento ilegal, traz como

consequência o reconhecimento da admissibilidade, ou não, de eventuais provas

localizadas nessas circunstâncias. Importa essa reflexão inclusive porque o próprio

CPP, quando trata da prisão em flagrante, com clareza estabelece em seu art. 301

que qualquer do povo poderá (e os policiais deverão) prender quem quer que seja

encontrado em flagrante delito.

A revista privada somente poderá ser procedida havendo

consentimento daquele em quem recairá o ato, sob pena da conduta do agente

configurar prática de crime (constrangimento ilegal), enquanto a busca pessoal é

coercitiva, ou seja, o agente público pode realizá-la mesmo sem a anuência do

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90

sujeito passivo, utilizando inclusive a força necessária para a concreção da medida,

desde que legítima tal intervenção e limitada ao necessário, sob pena da conduta do

agente configurar abuso de autoridade.

Se considerarmos que houve ilegalidade no procedimento particular,

configurando-se o constrangimento ilegal, a prova casualmente obtida nessa

situação encontrar-se-á contaminada pelo vício da ilicitude, ou seja, classificada

como prova ilícita e, portanto, inadmissível em processo penal. Essa é uma análise

necessária, verificando-se até que ponto se admite a revista privada, sob o aspecto

da legalidade e as consequências possíveis desse ato que tem objetivo

exclusivamente preventivo no âmbito das relações particulares, para a segurança de

um determinado grupo de pessoas.

Por convenção social, tem sido tolerada a revista privada, em razão do

benefício coletivo advindo de uma mínima restrição de direitos individuais. O

interessado em acessar o ambiente reservado sabe que, além de pagar o valor do

ingresso, deverá submeter-se ao procedimento. No entanto, pode surgir um impasse

quando alguém quer entrar no estabelecimento, pagando o ingresso e não aceita

ser revistado, em razão da consequente restrição de direitos individuais,

especialmente a sua intimidade.

É fácil compreender o mal-estar verificado. Ocorre que normalmente já

constitui situação desconfortável ser revistado por policial em serviço, no

procedimento de busca pessoal; ver-se, então, revistado por alguém que não exerce

atividade policial e aceitar tranquilamente a exigência, impõe ao sujeito passivo da

relação, no mais das vezes, extrema boa vontade.

Não existe regulamentação para a matéria e as opiniões são divididas

a respeito do tema. Se de um lado ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer

algo senão em virtude da lei, por outro lado, encontramo-nos diante de um contrato

entre particulares, qual seja: o responsável pelo estabelecimento franqueia o acesso

ao interessado desde que este pague o ingresso e seja revistado; o interessado, por

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sua vez, terá o direito de ingressar nesse espaço administrado por particular desde

que pague o valor cobrado e submeta-se ao procedimento. Não concordando com a

submissão, simplesmente não aceita o contrato, ou seja, não paga o ingresso, não

se sujeita ao ato de revista e não entra no recinto.

A vida moderna em grandes cidades tem provocado algumas medidas

de iniciativa privada para melhoria das condições de segurança. Ora, a própria

Constituição Federal de 1988 indicou no caput do art. 144 que, não obstante ter sido

qualificada a segurança pública como um “dever do Estado”, é ela “direito e

responsabilidade de todos”. E estamos verificando hodiernamente um alto grau de

tolerância da comunidade quanto às iniciativas particulares que objetivam a

segurança coletiva, por estrita questão de necessidade.

Têm sido realizadas, já há algum tempo, revistas indiretas (sem

contato físico) nas entradas de estabelecimentos bancários, mediante portas

giratórias e portais magnéticos para detecção de metal, constituindo-se

procedimento aceito pela sociedade, em que pese o reconhecimento de que a

situação ideal seria não precisarmos conviver com esses dispositivos no acesso de

quaisquer recintos. A vantagem desse modelo (revista indireta), em comparação

com a revista direta, é a ausência de tangibilidade corporal, o que lhe traz maior

aceitabilidade.

Ocorre que muitas das revistas privadas são diretas, com imposição de

tangibilidade corporal. Pergunta-se: a intimidade é disponível para um acordo de

vontades como no caso da revista privada? Penso que sim, porém, com algumas

limitações.

Encontramos nas relações sociais vários exemplos de aceitação

pacífica de sujeição à restrição da intimidade, sem que se discuta a legalidade da

imposição aceita pelo interessado em acordo de vontades, normalmente tácito.

Acontece em campos de nudismo, onde não se pode entrar vestido mesmo que se

pague o que for eventualmente cobrado a título de entrada; assim, também, ocorre

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quando em consulta com um médico, ou em contato com qualquer profissional que

necessite tocar o corpo alheio para desenvolver o seu trabalho.

Ainda que exigida a restrição da intimidade, sem o aspecto de

imprescindibilidade dos exemplos citados, também seria aceitável um acordo.

Imagino a hipótese de um tatuador que condicione a contratação de seus serviços a

quem concorde em fazer tatuagens artísticas em partes íntimas do corpo; seria

razoável alguém reclamar, alegando que não concorda com a condição e exigir a

tatuagem somente no braço? O senso comum indica que o insatisfeito deve

simplesmente procurar outro profissional...

No caso da revista privada, é importante observar que o procedimento

deve ser caracterizado apenas como superficial, ou seja, semelhante à rápida busca

pessoal coletiva desenvolvida por policiais militares, de natureza preventiva, no

acesso à praça desportiva. Nesse padrão, a restrição de direitos ocorrerá em nível

mínimo, avaliada como indispensável à segurança de todos que adentram ao

recinto. De fato, somente será admissível a exigência de uma revista rigorosa

(minuciosa) como condição de ingresso, quando tratar-se o agente de policial

competente, em situações muito especiais, como por exemplo, para a liberação da

entrada de visitantes em um estabelecimento prisional de segurança máxima.

A tecnologia aplicada à revista privada (e também à busca pessoal),

em algum tempo, trará fórmula absolutamente discreta e eficiente para a sua

realização, poupando o cidadão de constrangimentos. A solução de emprego de

detectores de metal, manuais ou fixos, em um modo indireto de revista já representa

um avanço pela ausência de tangibilidade corporal, sendo, porém, limitada a sua

eficácia, por detectar apenas armas e objetos construídos em metal (explosivos e

armas construídas em outro material não são detectados).

Na ausência de recurso que evite o contato corporal, a revista privada

direta será realizada mediante toques rápidos, precisos e discretos das mãos nas

pernas, cintura, tronco e braços do revistado. É intolerável o golpe (mesmo leve)

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desferido em alguns casos pelos “seguranças” entre as pernas do homem revistado

sob pretexto de verificar se existe arma escondida junto ao seu órgão genital, em

gesto extremamente constrangedor a quem a ele é submetido. Na revista privada,

tolerada em razão do acordo de vontades, o agente nunca poderá tocar as partes

íntimas do corpo do revistado, ainda que de modo rápido e superficial. O próprio

policial, em busca pessoal preventiva, não deve agir dessa forma (se sobrevier

fundada suspeita da ocultação de objetos passíveis de serem procurados em partes

íntimas do corpo do revistado, o policial deverá proceder a busca pessoal minuciosa

em local reservado); com maior razão, então, o agente particular deve abster-se de

tal conduta.

Lamentavelmente, os profissionais que trabalham em segurança

particular não são reconhecidos (ou valorizados) em função da educação e gentileza

no trato com o público. Em matéria publicada na revista semanal “Veja São Paulo”,

dedicada a assuntos de interesse da Capital paulista, relatou-se que:

Mais de 300 seguranças trabalham nas principais casas noturnas da

cidade (bairros de Vila Olímpia, Itaim e Pinheiros). Fortes e

carrancudos, eles controlam o entra-e-sai, fazem revistas e têm a

função de manter a tranquilidade no ambiente. Não raro, no entanto,

excedem-se e agridem clientes ... Quando recrutam sua equipe de

segurança, os proprietários têm um protótipo em mente. Querem um

sujeito alto, forte, com a expressão carrancuda e aquele ar de dono

do pedaço. Para compor o visual, vestem ternos escuros um tanto

apertados e carregam rádios e lanternas86

.

Os exageros devem ser rigorosamente coibidos, pois interferem na

esfera de direitos individuais inalienáveis, atingindo a dignidade da pessoa humana.

Cabível, nos casos de excessos, a responsabilização penal do agente, em face da

previsão do art. 146 do Código Penal, restando configurado o constrangimento

ilegal, bem como a indenização por danos morais. E, de fato, ocorrem exageros,

resultantes de prepotentes condutas de funcionários encarregados da segurança

86 Revista Veja São Paulo. Ano 35, nº 13, 03 de abril de 2002. São Paulo: Abril, p. 03 e 14.

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popularmente conhecidos como “leões-de-chácara” (e de alguns proprietários e

gerentes coniventes) que realizam revista privada e controlam a entrada e saída,

especialmente em casas noturnas de grandes e médias cidades.

Outro ponto fundamental além da necessária observância da

superficialidade do procedimento, diz respeito à inadmissibilidade de seleção de

quem será a ele submetido. Se um particular escolhe quem ele entende deva passar

pela revista privada, ou permite que seus funcionários o façam, estará praticando

discriminação na porta de entrada do estabelecimento, constrangendo

inevitavelmente quem for selecionado. Ou revistam-se todos que desejam entrar e

que aceitam tal exigência (e apenas superficialmente), ou revista-se ninguém.

Conduta diversa é desrespeitosa ao princípio da igualdade e também atentatória à

dignidade humana. Somente um ato de polícia, que tem como atributos a

discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade, poderá separar alguém

em um universo de pessoas, pela configuração da fundada suspeita, para a

realização da busca pessoal legitimada no exercício do poder de polícia (natureza

preventiva), ou então legitimada pelo cumprimento estrito da lei processual penal

(natureza processual).

Finalmente, respeitadas as condições de superficialidade e de não

seletividade na revista privada, poderá ser concretizado o acordo de vontades desde

que livre de qualquer vício (de consentimento). Por esse mesmo raciocínio, não

pode o responsável pelo estabelecimento omitir a informação da exigência de

sujeição ao procedimento; a revista privada deve ser discreta, preservando-se ao

máximo a imagem de quem a ela se sujeita. Discrição, no entanto, não significa

dissimulação do ato, sendo intoleráveis as “armadilhas” preparadas ao cliente

desavisado que, já em ambiente interno, acabará se submetendo ao procedimento

para evitar transtornos. Respeitando a boa-fé do acordo, deve o responsável pelo

estabelecimento, enfim, devolver o dinheiro ao cliente, caso este não aceite ser

revistado, em qualquer situação, tendo já pago o valor do ingresso.

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4. O QUE PODE SER PROCURADO NA BUSCA PESSOAL

Evitamos usar o vocábulo objeto relacionado à busca eis que, como

sinônimo de objetivo em sentido amplo, poderia levar à falsa ideia de que seria ele

sempre a apreensão, na ilustrada fórmula: objeto (ou objetivo) da busca =

apreensão. A percepção comum de dependência entre apreensão e busca é

equivocada e o “objetivo da busca” consiste simplesmente na procura, voltada ao

descobrimento de algo ou, ainda, para a constatação de que “onde se buscou”

(lugar, corpo de pessoa, vestes e pertences) não havia o que ser descoberto.

Reforçamos a ideia de que a busca pode ou não ensejar a apreensão, dependendo

do seu resultado e dependendo do fim a que se destina.

O vocábulo objeto associado à busca pode também ensejar a

interpretação de que se está referindo à pessoa em quem se procede a busca

pessoal, como na expressão: “tal pessoa está sendo objeto de busca”. Porém essa

construção causa dupla interpretação vez que a partir dela também é possível

imaginar que uma pessoa está sendo buscada em algum lugar. Por isso, insistimos,

não é aconselhável o uso do vocábulo objeto associado à busca.

Ademais, o Código já utiliza a palavra objeto em seu sentido estrito

(elemento material não definido, coisa), na alínea e, do parágrafo primeiro do art.

240, na condição de algo que pode ser buscado (descobrir objetos necessários à

prova de infração ou à defesa do réu), além do próprio parágrafo segundo do

mesmo artigo, que igualmente emprega a palavra objeto. Preferimos então utilizar “o

que pode ser procurado”, ao invés de “objeto da busca”, para não causar erro de

interpretação tanto no sentido amplo como no sentido estrito da expressão, até

porque uma pessoa – que não é objeto no sentido material – também pode ser

aquilo que se quer ou se pode buscar quando se trata de busca domiciliar (o

criminoso ou a própria vítima do crime, conforme alíneas a e g, do parágrafo

primeiro, do art. 240).

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Já o objetivo da busca - a procura para o descobrimento de algo ou a

constatação de que não havia o que ser descoberto onde se buscou - coincide com

o sentido da sua finalidade. A finalidade da busca, no processo penal brasileiro,

como ensina Cleunice A. Valentim Bastos Pitombo:

...é, de modo geral, achar o desejado, ou o descobrimento do pretendido, de pessoa, coisa móvel – objeto, papel ou documento -, semovente, e de outros elementos materiais. Todos ligados, de alguma sorte, à persecução penal, em seus momentos: extrajudicial e judicial

87.

Evidentemente que o ato da busca existe em razão daquilo que em

tese possa estar ocultado. Por isso, de modo geral, a finalidade da busca é mesmo

encontrar o que se procura; porém, a busca também tem seu objetivo alcançado e a

sua razão de ser justificada quando se constata a inexistência do que se buscou, ou

seja, ao término da diligência pode-se afirmar que não havia ocultação,

comprovando-se, então, um estado de ausência de posse do que se procurou.

O Código de Processo Penal trata em conjunto da busca domiciliar e

da busca pessoal no art. 240, conforme segue:

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.

par. 1o. proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a

autorizarem, para: a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e

objetos falsificados ou contrafeitos; d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática

de crime ou destinados a fim delituoso; e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do

réu; f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em

seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes; h) colher qualquer elemento de convicção.

par. 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada

suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras “b” a “f” e letra “h” do parágrafo anterior

88

87 PITOMBO, Cleunice A. Valentim Bastos, op. cit., p. 105. 88

Art. 240 do Decreto-lei nº 3.689, de 03.10.1941, Código de Processo Penal brasileiro.

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Observa-se que, na forma das letras de a a h do parágrafo primeiro,

foram elencados oito motivos para a busca domiciliar, mediante previsão de ações

que descrevem o que pode ser buscado, inclusive pessoas. Já o parágrafo segundo,

que trata da busca pessoal, recepciona as letras de b a f e a letra h, que se aplicam

também a essa modalidade, excluindo, portanto, as letras a (prender criminosos) e a

letra g (apreender pessoas vítimas de crimes).

Evidentemente que a razão da exclusão desses dois motivos de busca

(letras a e g) deve-se ao próprio sentido da busca pessoal: nessa modalidade,

procura-se por algo que pode ser ocultado no corpo, nas vestes ou nos pertences

de quem é revistado. A prisão de criminosos e apreensão de pessoas vítimas de

crimes não são motivações próprias da busca pessoal, ainda que o ato da revista

possa levar a essa consequência, por via indireta. Assim, por exemplo, revistando

uma pessoa que se descobriu ser o autor de crime de extorsão mediante sequestro,

pode-se encontrar uma anotação em papel com o seu endereço, local em que se

verifica estar ocultada a vítima do crime.

Portanto, na interpretação do art. 240 do CPP conclui-se que são

suscetíveis de serem procurados na busca pessoal: 1) coisas achadas ou obtidas

por meios criminosos; 2) instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos

falsificados ou contrafeitos; 3) armas e munições, instrumentos utilizados na prática

de crime ou destinados a fim delituoso; 4) objetos necessários à prova de infração

ou à defesa; 5) cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder,

quando haja suspeita de que o conhecimento de seu conteúdo possa ser útil à

elucidação do fato89

; e 6) qualquer elemento de convicção.

89 Há entendimento no sentido de que a Constituição de 1988 não recepcionou a letra f, do parágrafo primeiro, do art. 240, do CPP, em razão da inviolabilidade do sigilo da correspondência estabelecido no inciso XII, do art. 5º, da CF. Entendemos, porém, conforme será exposto no item 4.5, que as garantias constitucionais devem ser harmonizadas, de modo que não é possível qualificar qualquer garantia, ou direito, como absoluto.

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O rol apresentado na lei processual é exemplificativo, podendo ser

utilizada a analogia autorizada no art. 3o do CPP, se for preciso, para a sua

ampliação. Não obstante, os itens apresentados abrem bastante o leque de

possibilidades, dispensando o uso desse recurso. Cada um dos itens citados

merece análise individualizada, em vista de suas particularidades que enriquecem o

estudo da busca pessoal, mediante a verificação das diversas hipóteses daquilo que

pode ser procurado.

4.1 Coisas achadas ou obtidas por meios criminosos

O Código Penal, em seu art. 169, parágrafo único, inciso II, prevê o

crime denominado apropriação de coisa achada, nele incidindo quem acha coisa

alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao

dono ou legítimo possuidor ou de entregá-lo à autoridade competente, dentro do

prazo de 15 (quinze) dias. A pena é de detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou

multa.

O Código Civil de 1916 já estabelecia que quem quer que ache coisa

alheia perdida, há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor (art. 603), sendo a

mesma redação empregada no art. 1.233 do atual Código Civil, de 2002 (Lei nº

10.406/02). Portanto não é correta a interpretação de que, uma vez perdida, a coisa

pertence a quem o encontrar, representada no dito popular: “o que é achado não é

roubado”. Antes mesmo da norma penal, existe uma obrigação de civilidade na

relação social em se devolver a coisa achada ao respectivo dono ou, sendo isso

impossível, de entregá-la a uma autoridade policial local.

É dono aquele que tem o domínio ou propriedade da coisa. É legítimo

possuidor aquele que, mesmo não tendo o domínio ou propriedade, detém a posse

justa da coisa tal como, por exemplo, um objeto sobre o qual se paga aluguel ao

proprietário.

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Há outro detalhe relevante: aquele que achou a coisa, normalmente,

não tem conhecimento da sua procedência, ou mesmo do seu valor na esfera

probatória (ou mesmo material). Pode ter encontrado um objeto que viabiliza o

esclarecimento de uma prática criminosa, ou ainda o objeto que se trata da prova

principal - ou única - capaz de compor a materialidade e identificar a autoria de um

crime. A coisa achada por terceiro de boa-fé pode constituir, por si só, o próprio

objeto ou o instrumento do crime, por isso deve ser imediatamente encaminhada por

quem o encontrou, para atendimento do interesse maior da coletividade.

Portanto, é suscetível de procura, em busca pessoal, a coisa achada e

não devolvida ou encaminhada, seja qual for a sua origem. Podemos imaginar, por

exemplo, a situação de alguém que tenha extraviado um colar de sua propriedade e,

depois de acionar a polícia em razão da suspeita de furto, recebe, por meio de

testemunha, informações de que um terceiro esteja na posse desse objeto, usando-

o discretamente; a pessoa sobre a qual paira a fundada suspeita de que detém a

posse (injusta) do colar poderá ser submetida à busca pessoal (por policial), ainda

que tenha simplesmente achado tal objeto.

O texto do dispositivo em estudo prevê duas categorias: “coisas

achadas ou obtidas por meios criminosos”, indicando situações distintas que levam

igualmente à mesma condição de suscetibilidade de busca, ou seja, as coisas

obtidas por meios criminosos, tanto quanto as achadas, são suscetíveis de procura

mediante busca pessoal. De fato, achar simplesmente algo não constitui crime, - e

nem poderia, até porque quase sempre constitui ato involuntário -, apossar-se dele

indevidamente sim, constitui crime (após o prazo de quinze dias); não obstante, em

qualquer hipótese o objeto achado é algo que pode vir a ser buscado e apreendido.

Com mais razão, a obtenção de coisa mediante furto, roubo, receptação ou

qualquer outra modalidade de ilícito penal, torna imediatamente tal objeto suscetível

de procura, por meio de busca pessoal.

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100

Não obstante, alerta Fernando da Costa Tourinho Filho que o Código

trata nesse momento apenas de produtos diretos do crime, concluindo que os

produtos indiretos não são suscetíveis de busca e de apreensão, conforme o

exemplo:

A joia feita com o ouro furtado não foi obtida por meio criminoso, o rádio adquirido com o dinheiro furtado não foi obtido por meio criminoso. O dinheiro, sim; o rádio, não. Esses bens, não suscetíveis de busca e apreensão, são objetos de sequestro, nos termos do art. 132 do CPP

90.

Finalmente, a expressão “coisas obtidas por meios criminosos”,

indicada no dispositivo em análise, encontra correlação exatamente na primeira

parte da alínea b, do inciso II, do art. 91 do CP, que estabelece como efeito da

condenação: II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de

terceiro de boa-fé: ... b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que

constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. Portanto,

como consequência do ato de busca, dar-se-á a apreensão de coisa obtida por meio

criminoso, não apenas para que ela sirva de prova, mas também para a garantia da

sua restituição a quem de direito, da indenização, ou da perda em favor da União,

em caso de condenação.

4.2 Instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou

contrafeitos

O Título X, da parte especial do Código Penal (Dos Crimes Contra a

Fé Pública) reúne os dispositivos penais que têm como bem jurídico tutelado a fé

pública, ou seja, a presunção de autenticidade, veracidade ou legitimidade de

determinados documentos, atos, símbolos etc. Além da proteção do que é

particular, interessa para a sociedade a tutela da fé pública, como forma de

90 TOURINHO FILHO, op. cit., p. 10.

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assegurar o equilíbrio das relações, preservando-se a integridade dos instrumentos

da sua própria organização.

Enquanto o Código Penal relaciona as condutas que trazem prejuízo à

fé pública (artigos 289 a 311), dos chamados crimes de falso, a letra c, do parágrafo

primeiro, do art. 240, do Código de Processo Penal estabelece a suscetibilidade de

busca de instrumentos de falsificação ou contrafação e de objetos falsificados ou

contrafeitos, de modo geral, que constituem o meio de consecução ou o eventual

resultado material da prática delituosa.

Logo no art. 289 do CP, que trata da moeda falsa, verifica-se que

“falsificar” é o gênero que possui como espécies a fabricação e a alteração (art. 289

do CP: Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda de

curso legal no país ou no estrangeiro). Sobre esse ponto, ensina de Nelson Hungria:

O artigo 289 cuida da ‘contrafação’ ou ‘alteração’ da moeda (moeda metálica ou papel-moeda). Contrafação é a fabricação ou forjatura ex integro da moeda ilegítima; alteração é qualquer modificação da moeda genuína ou autêntica, a fim de lhe atribuir, na aparência, maior valor

91.

A mesma ideia de classificação é aplicável também a papéis públicos;

selo ou sinal público; documentos públicos e sinal empregado no contraste de metal

precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins, conforme descrição

dos respectivos tipos penais (artigos 293, 296, 297 e 306 do CP).

Portanto, contrafação é uma imitação fraudulenta, mediante a

reprodução ou criação - por inteiro - daquilo que se copia, já a alteração também é

uma imitação fraudulenta, porém, mediante sua modificação ou reprodução parcial.

É compreensível que, para sintetizar em apenas uma das letras do parágrafo

primeiro, do art. 240 do CPP, todos os objetos que podem ser procurados na busca,

relacionados aos crimes de falso, não foi possível o emprego do mesmo rigor

técnico do Código Penal, aceitando-se o emprego do termo falsificação tanto no seu

91 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 9, 1958, p. 211.

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sentido de reprodução total quanto no sentido de simples alteração (em contraste

com a contrafação), somado aos instrumentos empregados para esses fins.

A busca pessoal, nesse caso, constitui mecanismo eficaz para a

colheita da prova material de extremo valor processual, vez que quase sempre o

eventual resultado do crime de falso é portável e pode ser ocultado nas vestes e

pertences da pessoa em quem se realiza a busca. Os exemplos de falsificações

portáveis são vários: dinheiro, cheque, ticket de vale-refeição, bilhete de transporte,

atestado médico, papéis públicos, títulos, selos, vales-postais, diplomas,

certificados, documentos diversos etc.

Um detalhe interessante: observando-se que a letra b, do parágrafo

primeiro, do art. 240, já menciona ...coisas achadas, ou obtidas por meios

criminosos e a letra d indica: ...instrumentos utilizados na prática de crime ou

destinados a fim delituoso, pode-se questionar qual o motivo de ser estabelecida

uma letra (c) específica para as coisas relacionadas à falsificação. Certamente foi a

atenção maior que o legislador dispensou a essa modalidade de crime, cujo

resultado material e os instrumentos a ele relacionados são usualmente descobertos

mediante o procedimento de busca. Ademais, pode ocorrer a boa-fé na obtenção do

produto da falsificação e também de instrumentos utilizados para a contrafação ou

falsificação (desde que evidentemente possam ser úteis à finalidade não criminosa),

encontrando-se esses materiais igualmente suscetíveis de procura mediante busca.

Por fim, verifica-se que a busca relacionada à apuração dos crimes

contra a propriedade imaterial previstos no CP e em legislação especial, de ação

penal em regra de iniciativa privada - e a busca requerida pelo ofendido - encontra-

se regulada de modo diferente, aplicando-se, para tanto, os artigos 524 a 530 do

CPP c/c artigos 200, 201, 202, 203 e 204 da Lei 9.279/96. Não constitui, portanto,

objeto destas considerações especificamente voltadas ao art. 240 do CPP, no que

diz respeito à busca pessoal.

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4.3 Armas e munições e instrumentos utilizados na prática de crime ou

destinados a fim delituoso

O conjunto de armas de porte e munições de uma forma geral, ao lado

das substâncias entorpecentes, é normalmente o que mais se procura em uma

busca pessoal, em razão da facilidade em esconder esses objetos junto ao corpo,

dissimulando-os sob as roupas. As armas são tradicionalmente classificadas como

próprias, quais sejam, aquelas especificamente produzidas para causar dano,

permanente ou não, a seres vivos e coisas, utilizadas para ataque ou defesa, e

impróprias, que são aquelas casualmente utilizadas para a prática criminosa. Ainda

que, por exemplo, um estilete, um taco, um cinto, ou uma garrafa não sejam

considerados armas no sentido próprio, integrarão o conjunto dos instrumentos

utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso se forem utilizados, ou

se estavam em vias de serem utilizados, para a prática de crime (classificadas como

armas impróprias).

Ilustra bem, Guilherme de Souza Nucci, a mencionada classificação:

Armas são os engenhos especialmente feitos para ataque ou defesa (arma própria), não abrangendo, naturalmente, os objetos eventualmente usados para o cometimento de uma infração penal, como ocorre com um machado ou com um martelo (armas impróprias). Ocorre que esta alínea permite que se apreenda, também, o instrumento usado para a prática do crime, ao menos para que se proceda à perícia (meio de prova), razão pela qual poder-se-ia recolher o machado ou o martelo, com o qual o agente matou a vítima, por exemplo. Futuramente, ele pode ser restituído a quem de direito

92.

Próprias ou impróprias, as armas utilizadas, ou em vias de utilização,

para a prática criminosa são suscetíveis de procura em busca pessoal e, na maioria

dos casos, constituem mesmo o principal meio de prova disponível quanto à prática

de infração penal. Extremamente importante, enfim, a sua localização durante a

realização de qualquer busca.

92

NUCCI, op. cit., p. 455.

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104

As armas de uso permitido, citadas normalmente nas leis que tratam

da matéria, são aquelas cuja utilização é permitida a pessoas físicas em geral, de

acordo com a legislação normativa do Ministério da Defesa (originalmente do então

Ministério do Exército), desde que obtida a autorização para porte, como por

exemplo: armas de fogo curtas, de repetição ou semi-automáticas como calibres

.22, .32, .38, armas de fogo de alma lisa de repetição ou semi-automáticas, armas

de pressão com calibre igual ou inferior a 6 (seis) milímetros, armas que tenham por

finalidade dar partida em competições esportivas, que utilizam cartuchos contendo

exclusivamente pólvora. Já as armas de uso restrito são aquelas que só podem ser

utilizadas pelas Forças Armadas, por alguns órgãos de segurança e pessoas físicas

habilitadas, devidamente autorizadas.

Além da classificação de armas próprias e impróprias, é comum a

denominação do grupo de armas brancas e do grupo de armas de fogo. A arma de

fogo é hoje, sem dúvida, a espécie de arma mais utilizada na prática de crimes,

especialmente nos roubos e homicídios: aquela que arremessa projéteis, mediante a

força expansiva de gases gerados pela combustão em uma câmara, podendo

causar lesões perfuro-contudentes. Já as chamadas brancas são aquelas

constituídas essencialmente de uma lâmina metálica e que podem produzir

ferimentos cortantes ou perfurantes, ou seja, as facas, navalhas, adagas, facões,

espadas e outras similares.

Com relação a arma branca localizada em uma busca pessoal,

particularmente na busca preventiva, há que serem observadas as circunstâncias

em que o revistado conduzia tal objeto. É razoável, por exemplo, que no campo, em

determinada região, em época de colheita de cana, a luz do dia, todas as pessoas

andem com um facão na cinta (o facão, nessa circunstância, é um utensílio de

trabalho); não é aceitável, por outro lado, que uma pessoa ande nas ruas da cidade

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portando uma faca na cintura (a faca, nessa circunstância, é uma arma de ataque

ou de defesa).

O Decreto 6.911/35, que tratou da fiscalização em São Paulo de

explosivos, armas e munições cuidou em seu art. 5o, parágrafo primeiro, das armas

e acessórios considerados proibidos, relacionando dentre eles, na alínea f: armas

brancas destinadas usualmente à ação ofensiva, como punhais, ou canivetes ou facões

em formas de punhal, e também as bengalas ou guarda-chuva ou quaisquer outros

objetos contendo punhal, espada, estilete ou espingarda; e, na alínea h: facas cujas

lâminas tenham mais de 10 centímetros de comprimento e navalhas de qualquer

dimensão, salvo quando as circunstâncias justifiquem o fabrico, comércio ou o uso

desses objetos como instrumento de trabalho ou utensílio.

Diante dessa norma, na perspectiva dos referidos “10 centímetros” de

lâmina, os usos e costumes têm imposto a tolerância quanto ao porte discreto de

canivetes (tradicionalmente aqueles que possuem lâmina articulável com até quatro

dedos de comprimento) - e não facas - desde que em local com pouca concentração

de pessoas, ainda que se possa considerar esse equipamento como arma branca

usualmente destinada à ação ofensiva, em consonância com a citada alínea f. Por

isso, insiste-se na importância da análise das circunstâncias em que o revistado é

encontrado com arma branca, além das próprias características do objeto, que

podem revelar a finalidade de uso, lícito ou não.

Outra classificação interessante para o estudo da busca pessoal, no

contexto da arma de fogo, diz respeito à arma de porte e à arma portátil. A arma de

porte, como o próprio nome indica, trata-se de arma de fogo de dimensões e peso

reduzidos que pode ser portada por indivíduo em um coldre - ou atrelada ao seu

corpo por qualquer outro meio - e disparada comodamente com somente uma das

mãos pelo atirador, enquadrando-se nessa definição revólveres, pistolas e

garruchas. Já arma portátil é a arma de fogo que, devido às suas dimensões e ao

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106

seu peso, pode ser transportada por um único homem; porém, este não pode

conduzi-la em um coldre devido às suas dimensões; em situações normais,

precisará usar ambas as mãos para disparar eficientemente tal tipo de arma (como

por exemplo, carabinas, fuzis e metralhadoras).

Portanto, em uma busca pessoal, procura-se normalmente armas de

fogo de porte. Não obstante, armas de fogo portáteis poderão ser encontradas em

uma busca pessoal quando, por exemplo, estiverem sendo transportadas

irregularmente em um veículo. Evidentemente que, durante a vistoria do veículo

daquele em quem se procede a busca pessoal, como extensão da revista, é

possível que sejam localizados objetos maiores, os quais não poderiam ser

ocultados junto ao seu corpo (do revistado).

A Lei nº 9.437/97 instituiu o Sistema Nacional de Armas – SINARM, no

Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal e estabeleceu condições para o

registro e para o porte de arma de fogo, definindo, ainda, crimes relacionados à

matéria. Manteve o legislador a ideia comum de que, para o ato de “portar arma”, é

necessário o registro do armamento de uso permitido e a autorização competente

(porte), além da imposição de que todos os dados disponíveis sobre as armas no

país (e quem as possui) devem estar cadastrados no SINARM. Em 22 de dezembro

de 2003, a chamada “Lei do Desarmamento” (Lei nº 10.826/03) revogou a lei

anterior, mas aperfeiçou as disposições do cadastro no SINARM, prescreveu as

condutas criminosas e manteve os capítulos em separado quanto às condições para

o registro e para o porte de arma93

.

O porte de arma é verificado normalmente nas buscas pessoais e

corresponde à situação de se ter arma ao alcance e em condições de ser

prontamente utilizada, não sendo necessário, para tal configuração, que a arma

93

Destaca-se o inciso VII, do artigo 1º, que trata da competência do SINARM para “cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimentos policiais e judiciais”.

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107

esteja ostensiva (visível). Aliás, quando portada, quase sempre a arma é ocultada,

seja em razão de que se encontra em situação irregular com relação ao registro

e/ou autorização de porte, seja porque não é conveniente à sua exibição em público.

Já a situação de transporte corresponde à simples locomoção de arma

de um local para outro e também depende de autorização, além do registro da

arma, evidentemente. O transporte revela apenas a intenção de mudar o objeto

material de lugar, sem a finalidade de uso, enquanto o porte dá a ideia de trazer

consigo uma arma para utilização imediata. Caracteriza-se o transporte quando o

uso do objeto não se mostra imediato e fácil, em razão da maneira com que ele é

conduzido; é a situação, por exemplo, de um revólver desmuniciada no porta-luvas

de veículo ou no interior de uma pasta executiva (igualmente desmuniciado).

Imprescindível, nesse caso, a autorização para o transporte, que não se confunde

com o simples registro ou cadastro de armas.

Importante observar que, junto às armas consideradas de uso restrito,

também são estabelecidos acessórios, petrechos e munições igualmente

classificados como de uso restrito e, portanto, não comportando registro e muito

menos autorização para porte de qualquer cidadão.

Quanto à munição, trata-se de artefato pronto para carregamento e

disparo de uma arma; ela será de uso controlado ou restrito dependendo do calibre

do cartucho, seguindo o mesmo critério referente às armas, nos termos da

legislação especial.

Finalmente, quanto aos simulacros (cópias sem mecanismo) ou armas

de brinquedo, para o efeito de busca, ainda que não consideradas arma no sentido

técnico de “arma própria”, serão eles enquadrados no conjunto dos instrumentos

utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso, quando localizados em

circunstâncias que autorizem tal interpretação em registros policiais.

Page 109: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

108

4.4 Objetos necessários à prova de infração ou à defesa

Extremamente importante ao processo a procura de objetos

necessários à prova de infração (acusação) ou à prova da defesa. O princípio da

presunção de inocência, básico no processo penal, impõe a obrigatoriedade de se

fazer prova suficiente para a condenação, caso contrário o acusado será absolvido

em razão de que se presume a sua inocência. Portanto, não basta a acusação,

ainda que seja robusta, pois todos são inocentes até que se prove o contrário.

Sobre o significado do mencionado princípio da presunção de

inocência, observa Marco Antonio Marques da Silva:

...pode ser uma regra referida diretamente ao juízo de fato da

sentença penal, em virtude do qual a prova completa da

culpabilidade do imputado pesa totalmente sobre a acusação,

impondo-se a absolvição do imputado se a culpabilidade não fica

suficientemente demonstrada. Este é o significado da presunção de

inocência nos documentos internacionais como a Declaração

Universal de Direitos dos Homens e do Pacto Internacional de

Direitos Civis e Políticos10

.

O motivo desse princípio é a preocupação comum de que um inocente

não venha a ser condenado. Portanto, caracterizada a falta de provas, absolve-se,

ainda que se esteja convencido da culpa do acusado.

E diante do equilíbrio que deve ser estabelecido entre as partes de

qualquer relação processual, a defesa também pode requerer diligências como a

busca (domiciliar ou pessoal), a fim de conseguir prova de inocência do acusado,

mediante o descobrimento de objetos necessários aos seus trabalhos, de acordo

com o próprio enunciado da alínea e, em análise.

Quanto aos objetos, são os mais variados que se possa imaginar.

Todo material relacionado com a infração penal apurada, capaz de fazer prova da

materialidade e/ou autoria do crime, ou que, em favor do acusado, seja capaz de

10

SILVA, Marco Antonio Marques da, op. cit. p. 31.

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109

contrariar a inicial indicação de materialidade e/ou autoria do delito, em tese é

passível de ser procurado mediante busca.

Portanto, o item em estudo (letra e, do parágrafo primeiro, do art. 240)

é genérico e o objeto descoberto pode vir a ser apreendido independentemente do

seu interesse específico para a acusação ou a defesa, conforme observa Guilherme

de Souza Nucci:

Qualquer material que possa fornecer ao julgador uma avaliação

correta do fato delituoso, abrangendo materialidade e autoria, pode

ser apreendido (como roupas com sangue ou esperma, material

pornográfico, diários e anotações, com conteúdo vinculado ao fato,

entre outros). Observe-se que a busca e apreensão deve voltar-se à

descoberta da verdade real, podendo ser de interesse tanto da

acusação, quanto da defesa94

.

Naturalmente existem alguns objetos que, por si só, indicam potencial

ligação com ato criminoso e, por esse motivo, são alvo comum de procura durante

as buscas pessoais, independentemente daqueles objetos já identificados e

procurados de modo específico em algum caso particular. E no grupo de materiais

usualmente buscados em uma revista, de modo geral, além das armas, munições e

acessórios e os objetos, cédulas, títulos e documentos relacionado à falsificação,

também estão incluídas as substâncias entorpecentes ou que determinem

dependência física ou psíquica, de uso proibido ou controlado (drogas),

apresentadas sob as mais diversas formas: em meio líquido, sólido ou gasoso;

acondicionadas em cápsulas, comprimidos; em seringas injetáveis, em pó, em

cigarros etc.

Compete ao Ministério da Saúde, por seus órgãos especializados,

baixar instruções - periodicamente renovadas - de caráter geral ou especial sobre a

proibição dessas substâncias, bem como sobre a limitação, fiscalização e controle

da sua produção, do seu comércio e uso, incluindo nessa regulamentação as

especialidades farmacêuticas (remédios e outros produtos) que as contenham.

94

NUCCI, ob. cit., p. 112.

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110

Sem desconsiderar as ações periféricas que dão suporte ao consumo

das drogas, existem duas condutas básicas que a norma penal especial procura

coibir, relacionadas a essas substâncias de uso proibido ou controlado: o uso

próprio irregular e o tráfico (certo que o uso não será irregular quando houver

controle médico, para finalidade terapêutica, no caso de algumas substâncias de

uso controlado).

Sendo encontrada a substância passível de apreensão, junto ao corpo,

vestes e pertences do revistado, obtém-se objeto de prova indispensável, nesse

caso, para configuração da materialidade e, evidentemente, da autoria do delito. As

circunstâncias da localização, as características e quantidade da substância

encontrada, em conjunto com outras informações e provas disponíveis, serão

indicativos para que se conclua se a droga era destinada ao simples uso daquele

que a ocultava (“simples” no sentido de que o uso produz prejuízo à saúde física e

psíquica de quem usa a droga, no plano individual) ou, então, destinava-se ao

tráfico (delito de maior gravidade porque produz prejuízo à saúde física e psíquica

de um número incontável de pessoas).

Ocorre que as substâncias entorpecentes nem sempre são

encontradas com a aparência que normalmente se imagina (cigarros ou tabletes de

maconha e envelopes com cocaína). Elas vêm sendo concentradas e

acondicionadas em pequenas cápsulas, pinos, comprimidos e, ainda, fabricadas ou

sintetizadas mediante processo químico (drogas sintéticas) e refinadas de modo a

ocupar menor espaço sem prejuízo do seu efeito. Consequentemente, o transporte

e a guarda pessoal do produto têm sido facilitados em razão do seu menor volume e

a evidente possibilidade de sua dissimulação.

Portanto a busca pessoal representa eficiente mecanismo de obtenção

de objetos necessários à prova da infração penal - sem os quais não haverá

condenação - e, também, por outro lado, de objetos relevantes para a defesa do

acusado, quando revestidos da característica de portabilidade e quando possível a

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111

sua ocultação junto ao corpo, vestes e pertences de pessoas relacionadas de

qualquer forma à prática criminosa. Como a maior parte dos objetos possui tal

característica, especialmente armas e similares, produtos relacionados à falsificação

e substâncias entorpecentes proibidas ou de uso controlado, conclui-se pela

imprescindibilidade da busca pessoal, ainda que já tenha sido realizada a busca

local em espaço aberto (que independe de normatização) ou a busca domiciliar.

4.5 Cartas destinadas ao acusado ou em seu poder

De acordo com a alínea f, do parágrafo primeiro, do art. 240 do Código

de Processo Penal, uma das motivações da busca seria a de apreender cartas,

abertas ou não, destinadas ao acusado, ou em seu poder, quando haja suspeita de

que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato. A busca

(domiciliar ou pessoal), portanto, se prestaria também à localização de cartas,

objetivando a apreensão de missivas consideradas suspeitas, quando se supõe a

sua utilidade processual.

No entanto, o Código de Processo Penal em vigor foi redigido sob a

égide da Constituição de 1937, tal como o texto do Código Penal que estabeleceu

como crime a conduta de devassar, indevidamente, o conteúdo de correspondência

fechada dirigida a outrem (art. 151). Faz sentido no contexto histórico, portanto, a

descrição do tipo penal que trouxe o advérbio indevidamente para excluir alguns

casos da responsabilização penal tais como aqueles em que são buscadas e

apreendidas cartas nas condições da norma processual em estudo. De fato, a

Constituição de 1937 também protegia a inviolabilidade da correspondência,

ressalvando, no entanto, hipóteses excepcionais que seriam regulamentadas

mediante lei ordinária posterior (CPP).

Ocorre que a Constituição de 1988 dispôs no art. 5o, inciso XII,

agrupando as inviolabilidades de comunicação, que:

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112

É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução

processual penal95.

Portanto, literalmente, abriu como única exceção a possibilidade de

quebra do sigilo das comunicações telefônicas (apenas) e, ainda assim, mediante

ordem judicial, no interesse da persecução criminal.

Diante dessa nova condição, a maioria dos doutrinadores posicionou-

se no sentido de que a Constituição não recepcionou o dispositivo da lei processual

em estudo (possibilidade de apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao

acusado...), tornando-se inviolável, sem exceção, qualquer correspondência

destinada ou não às pessoas acusadas de prática criminosa.

Não obstante essa respeitável interpretação, vêm surgindo posições

bem fundamentadas que defendem a análise restrita do texto constitucional,

baseadas na compreensão de que os direitos e garantias individuais não são

absolutos e nem podem se prestar à defesa do próprio delito e de seus praticantes,

devendo, por outro lado, a inviolabilidade de correspondência ceder espaço ao

interesse maior representado pela segurança pública e a correção das decisões do

Poder Judiciário.

Nessa linha de raciocínio, seria possível, por exemplo, a violação da

correspondência dos presos para impedimento da continuidade de prática

criminosa. Ao contrário, se a inviolabilidade da correspondência fosse aceita como

absoluta, poder-se-ia chegar à insustentável situação dos líderes de grupos

criminosos organizados já isolados em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)

continuarem coordenando as suas atividades mediante uso sistemático de

correspondência tal como o faziam, até pouco tempo, mediante telefones celulares.

95

Redação do inciso XII, do art. 5º, da Constituição Federal, promulgada em 05.10.1988.

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113

A solução preconizada quanto ao uso de aparelhos celulares é a

implantação de dispositivos eletrônicos que, em tese, impedem tal comunicação,

podendo bloquear os sinais de transmissão e receptação nos limites dos

estabelecimentos prisionais. Mas, e o que fazer com a carta do preso? A

violabilidade da correspondência dirigida ao réu preso, ou por ele encaminhada a

outrem vem ganhando defensores de grande respeitabilidade.

Justifica sua posição, nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci:

Segundo pensamos, nenhum direito ou garantia fundamental é

absoluto. Fosse assim e haveríamos de impedir, terminantemente,

que o diretor de um presídio violasse a correspondência dirigida a

um preso, ainda que se tratasse de ardiloso plano de fuga, pois a

‘inviolabilidade de correspondência’ seria taxativa e não comportaria

exceção alguma na Constituição Federal. Nem mesmo poderia

devassar a correspondência para saber se, no seu interior, há

drogas, o que se configura um despropósito. ... E mais, mesmo que

se tivesse seríssimas suspeitas de que determinada carta, recebida

por pessoa acusada de crime, contivesse a solução para a apuração

da autoria do delito, podendo até inocentar terceiros, não se poderia,

ainda que com mandado judicial, devassar o seu conteúdo. Cremos

injustificável tal postura, pois até o direito à vida – principal bem

jurídico protegido do ser humano – comporta violação, garantida em

lei ordinária (como o aborto, fruto da gestação produzida por estupro

ou a morte do agressor na legítima defesa, entre outros exemplos)96

.

Sobre a polêmica questão da inviolabilidade da correspondência na

previsão do inciso XII, do art. 5o, da Constituição Federal, registra Alexandre de

Moraes, igualmente defendendo a inexistência de uma garantia absoluta:

A interpretação do presente inciso deve ser feita de modo a entender

que a lei ou a decisão judicial poderão, excepcionalmente,

estabelecer hipóteses de quebra das inviolabilidades da

correspondência, das comunicações telegráficas e de dados, sempre

visando salvaguardar o interesse público e impedir que a

consagração de certas liberdades públicas possam servir de

incentivo à prática de atividades ilícitas97

.

96

NUCCI, op. cit. p. 457. 97 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais – teoria geral, comentários aos artigos 1

o a 5

o da Constituição da República Federativa do Brasil – doutrina e jurisprudência. 2. Ed. São

Paulo: Atlas, 1998 (Temas Jurídicos, v. 3), p. 145.

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114

Ocorreu em julho de 2002, conforme publicado no diário “Jornal da

Tarde”, página 01, do Caderno “Polícia”, que um dos líderes da facção criminosa

denominada “PCC”, José Márcio Felício, vulgo “Geleião”, submetido ao RDD, em

isolamento, encaminhou por meio de seu advogado cartas escritas no presídio ao

Governador do Estado, com cópias para o Secretário-adjunto da Administração

Penitenciária e para o Coordenador dos Presídios da Região Oeste do Estado. Com

o nítido propósito de chamar a atenção da imprensa, colocando-se em evidência e

afrontando o sistema, em uma das cartas o preso chamou o Governador de

“mentiroso e ladrão”, contestando a informação de que haviam sido gastos R$ 8

milhões para a construção de um presídio de segurança máxima (o mesmo em que

se encontrava preso...). Apresentando a posição de eminentes juristas que se

manifestaram quanto à possibilidade da quebra do sigilo postal em

estabelecimentos prisionais, a matéria destacou:

‘Ninguém tem um direito absoluto. É possível reter a correspondência e encaminhá-la ao juiz-corregedor’, explica o juiz aposentado Luiz Flávio Gomes ... Na opinião do jurista, apenas o fato de Geleião estar em um presídio construído para abrigar chefes de facções criminosas, homens considerados perigosos, é motivo suficiente para o exame da correspondência. ‘E não há necessidade de ordem judicial para uma carta ser interceptada e examinada’, afirma Gomes. ‘A Constituição exige ordem do juiz apenas para a quebra do sigilo telefônico’

98.

Sagaz, o raciocínio apresentado inverte a concepção original do

dispositivo da Constituição que indiscutivelmente deu mais valor ao sigilo da

correspondência, sendo extremamente interessante do ponto de vista interpretativo;

ora, a verdade é que o inciso XII, do art. 5o, exige a ordem judicial para a quebra do

sigilo das comunicações telefônicas, apenas, não ressalvando hipótese semelhante

para a correspondência.

Finalmente, o Supremo Tribunal Federal já decidiu (HC 70.814-SP, 1a

T., rel. Celso de Mello, 01.03.1994, v. u, DJ 24.06.1994, RT 709/418) que cartas de

presidiários podem ser violadas pela administração penitenciária, desde que

98 Diário “Jornal da Tarde”, São Paulo, de 23.07.2002, página 01, do Caderno “Polícia”.

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115

respeitado o que dispõe o art. 41, parágrafo único, da Lei 7.210/84 (Lei de Execução

Penal), vez que o sigilo da correspondência não pode prestar à salvaguarda de

práticas criminosas. O art. 41 da mencionada Lei trata dos direitos do preso e,

especificamente o seu inciso XV estabelece ser permitido ao preso: contato com o

mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de

informação que não comprometam a moral e os bons costumes. Já o parágrafo

único estabelece que alguns dos direitos, dentre eles o do inciso XV, poderão ser

suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

Portanto, em que pesem as respeitáveis considerações dos juristas

que defendem a não aplicabilidade do dispositivo em estudo (art. 240, parágrafo

primeiro, alínea f), em face do texto da Constituição Federal, compartilhamos a

opinião de que não existem direitos e garantias absolutas99

, inclusive a da

inviolabilidade de correspondência, especialmente no caso dos presos.

Certo é que, se nada for encontrado que enseje a apreensão da

missiva, deverá ela ser devolvida ao destinatário, preservando-se ao máximo a

intimidade daquele que teve violada a sua correspondência (réu, preso ou

investigado), ainda que algum assunto de ordem pessoal tenha sido revelado a

quem, por força de ofício, acessou a informação que será preservada de qualquer

divulgação.

Não se trata propriamente de confrontar os bens jurídicos tutelados

para a verificação de qual deles é mais importante (a intimidade, o sigilo das

correspondências e da vida privada, a segurança pública e também o interesse de

punir criminosos), mas de buscar a harmonização entre os princípios, direitos e

garantias constitucionalmente estabelecidos, de forma que um direito não seja

sobreposto a outro.

99 Ensina José Joaquim Gomes Canotilho que: “A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com consequente destruição da tendencial unidade axiológico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre os vários princípios e a necessidade de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma ‘lógica do tudo ou nada’, antes podem ser objecto de ponderação e concordância prática, consoante o seu ‘peso’ e as circunstâncias do caso” (Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1995, p. 190).

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116

4.6 Qualquer elemento de convicção

A alínea h, do parágrafo primeiro, do art. 240 em estudo, comprova

que o rol de motivações da busca, domiciliar ou pessoal, não é taxativo (ou

exaustivo) e sim exemplificativo. É uma previsão genérica que estabelece a

possibilidade de “colheita” de qualquer elemento de convicção, ou seja, compreende

tudo o que se possa imaginar útil para a formação da convicção do julgador,

inclusive aquilo que não pode ser apreendido.

Essa previsão comporta tudo o que não se enquadra nas demais

alíneas, desde que desperte interesse processual (na esfera da busca processual),

eis que o esforço probatório é dirigido a subsidiar a decisão de quem julga, a

respeito dos fatos - e circunstâncias - que foram submetidos à sua apreciação.

De fato, existem coisas que não são passíveis de apreensão, mas

podem ser colhidas, isto é, observadas, coletadas e registradas, na condição de

elemento perceptível para a finalidade de influenciar o livre convencimento do juiz.

Assim, por exemplo, são as coisas normalmente não passíveis de apropriação, tais

como fragmentos de origem orgânica que se coletam para fins de exame e também

as coisas intransportáveis (localizadas na busca local ou domiciliar, evidentemente).

Esse elemento qualquer de convicção, se constituir produto adquirido

com os proventos da infração, poderá vir a ser objeto de apreensão não por força do

art. 240, mas com fundamento no art. 121 e 133 do CPP, c/c art. 91, inciso II, alínea

b, do CP, que estabelece como efeito da condenação a perda em favor da União,

ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, do produto do crime ou de

qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do

fato criminoso.

O Código de Processo Penal brasileiro adotou o sistema do livre

convencimento do juiz na avaliação das provas, vinculado à fundamentação de sua

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117

decisão, o que torna qualquer elemento capaz de influenciar na sua convicção de

extrema relevância ao processo. A Exposição de Motivos do Código de Processo

Penal, Decreto-lei nº 3.689/41, que teve como relator o Ministro Francisco Campos,

apropriadamente sintetiza no item VII:

A própria confissão do acusado não constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência. Nunca é demais, porém, advertir que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre de preconceitos legais na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo. Não estará ele dispensado de motivar a sua sentença. E precisamente nisso reside a suficiente garantia do direito das partes e do interesse social

100.

Portanto, com razão, ensina Tourinho Filho que:

Se o Juiz tiver conhecimento da existência de algum elemento ou circunstância relevante para o esclarecimento da verdade, deve ordenar que se carreiem para os autos as provas que se fizerem necessárias

101.

Certo é que também o policial em diligência, no exercício da atividade

preventiva ou repressiva, deverá procurar aquilo que possa ser relevante para a

convicção (ou livre convencimento) do juiz, levando-se em consideração que o

processo penal poderá ensejar o cerceamento da liberdade do suspeito, indiciado,

imputado ou acusado e, por isso, todo o esforço estatal deve estar voltado para o

descobrimento da verdade dos fatos, no sentido da propalada expressão “verdade

real”, particularmente em medida assecuratória da integridade e da obtenção, em

tempo, da prova passível de localização, ou seja, em procedimento de busca.

100 Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, op. cit., item VII. 101 TOURINHO FILHO, op. cit., p. 108.

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118

5. OUTROS MODELOS DE BUSCA PESSOAL

O presente capítulo não tem a pretensão de analisar em profundidade

outros modelos de busca pessoal e sim apresentar, em termos gerais, a interpretação

das disposições legais, no âmbito do processo penal referenciado. Importante tal

exercício, pois possibilita reflexão, em estudo comparativo, sobre o modelo de busca

pessoal atualmente adotado no sistema processual penal (comum) no Brasil e sua

abrangência.

Verificamos, em separado, a busca pessoal no Código de Processo Penal

Militar brasileiro, a busca pessoal no Código de Processo Penal português (revista) e a

busca pessoal Código de Processo Penal italiano (perquisizione personale), procurando

destacar a natureza jurídica dos respectivos procedimentos, sem a preocupação de

indicar qual modelo é o mais coerente ou traz melhores resultados. Não seria mesmo

possível tal avaliação comparativa, em caráter absoluto, pois a busca pessoal voltada

ao interesse do processo penal militar brasileiro apresenta-se nos casos de

competência de nossa Justiça Militar, enquanto os critérios e formalidades das buscas

pessoais em outros países acompanham as características de seus sistemas

processuais, a organização dos diferentes órgãos que atuam no ciclo da persecução

penal, bem como as suas respectivas atribuições, em realidades evidentemente

distintas.

Respeitadas as peculiaridades, qualquer sistema processual penal no

mundo reconhece o procedimento de busca pessoal como legítimo meio de obtenção

de prova, no seu sentido instrumental, mediante o atendimento de condições pré-

estabelecidas. Essa observação, de ordem prática, é consequência do caráter de

efetividade da diligência que, ao mesmo tempo em que inevitavelmente impõe

restrição de direitos individuais, possibilita a localização de objetos de interesse

processual penal, que de outra forma não poderiam ser localizados - com manifesto

resultado positivo no campo da prevenção -, justificando-se o estudo e a análise de

diversas formas de sua normatização.

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119

5.1 A busca pessoal no Código de Processo Penal Militar brasileiro

O Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 instituiu o Código de

Processo Penal Militar (CPPM) em vigor no Brasil, na mesma data do Decreto-lei nº

1.001, que por sua vez instituiu o Código Penal Militar. Antes dessa data, o processo

penal militar era regido pelo Decreto-Lei nº 925, de 2 de dezembro de 1938 (Código

da Justiça Militar), que englobava a organização judiciária militar.

O CPPM de 1969 foi organizado em cinco livros: Livro I (geral, sem

título); Livro II, Dos processos em espécie; Livro III, Das nulidades e recursos em

geral; Livro IV, Da execução; e Livro V, Da Justiça Militar em tempo de guerra e

disposições finais. As inovações observadas e a redistribuição das matérias de

modo sistemático e sequencial resultaram em reconhecimento, no meio jurídico, das

qualidades técnicas e traços de modernidade do CPPM em relação ao próprio

Código de Processo comum, além da avaliação de que seria mais garantista que ele

(CPP), na tradição do seu antecessor, o Código de Justiça Militar, de 1938 (já

considerado liberal em certos aspectos, em relação ao CPP).

. Exemplo do avanço do CPPM é a inovação quanto a especificação de

critérios de admissibilidade das provas, estabelecendo limites à sua obtenção,

considerando inadmissíveis meios de prova que atentem contra a moral e a

segurança individual ou coletiva (art. 295 do CPPM)102

.

Sempre bom lembrar que o CPPM é a fonte mais próxima para suprir

eventuais lacunas da norma processual penal comum, com regras de superposição

nele incidentes, sendo este também o motivo que nos impulsiona a estudá-lo, além

da sua aplicação no âmbito da Justiça Criminal. Leva-se em consideração que o art.

102

GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 130.

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120

3º do Código de Processo Penal comum admite interpretação extensiva e aplicação

analógica bem como o suplemento dos princípios gerais de direito103

.

O CPPM foi idealizado com o objetivo de abranger toda a matéria

relativa ao processo penal na Justiça Militar. Não obstante, havendo casos omissos,

estes são supridos pela legislação processual penal comum, é o que dispõe o art. 3o

do referido Decreto-lei. No que diz respeito à busca, houve o cuidado com a

exposição dos requisitos para a sua execução e as cautelas a que deve ficar adstrita

tal medida restritiva de direitos individuais, sendo desnecessária a aplicação da

norma subsidiária com relação a esse assunto; ao contrário, eventuais omissões do

Código de Processo Penal comum são supridas pelos dispositivos do CPPM, por

aplicação analógica, conforme demonstrado.

O tema “busca”, no interesse dos trabalhos da polícia judiciária militar,

recebeu tratamento diferenciado em relação às normas do processo penal comum.

A busca foi separada da apreensão, reconhecendo-se a independência dos dois

institutos processuais. Por isso, a busca foi regulada autonomamente nos artigos

170 a 184, da Seção I (Da busca), inserida no Capítulo I (Das providências que

recaem sobre coisas ou pessoas), do Título XIII (Das medidas preventivas e

assecuratórias), do Livro I, do CPPM.

Pela organização da matéria, já se verifica que o legislador teve o

cuidado de inserir o instituto da busca no Título “Das medidas preventivas e

assecuratórias”, diferentemente do CPP, de 1941, que registrou a busca (em

conjunto com a apreensão) sob o Título “Da Prova”. A busca no CPPM, portanto,

tem a natureza de preservação da prova, assegurando-se o desenvolvimento do

processo (medida assecuratória) e, como consequência, evitando-se a prática de

103

Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, a propósito, lembrou o disposto no art. 234, parágrafo 1º, do

Código de Processo Penal Militar quanto ao uso de algemas (aplicável por analogia), pois a matéria

não foi regulamentada em lei federal, apesar do teor do art. 183 do Código de Processo

Penal comum: “O emprego de algemas será disciplinado em decreto federal” (Inquérito policial:

novas tendências. Belém: CEJUP, 1987, p. 64).

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121

novo delito em razão da apreensão do que for localizado, pela iniciativa de interesse

processual.

Prescreve o Código, de modo semelhante à lei processual penal

comum, duas modalidades de busca, aqui denominadas espécies de busca, no

título do art. 170, quais sejam, a domiciliar e a pessoal. A grande vantagem do texto

é mesmo a separação dessas espécies em artigos distintos: a busca domiciliar, art.

171 a 179; e a busca pessoal, art. 180 a 184. Evitou-se o aproveitamento da

redação de tópicos da busca domiciliar para a pessoal (o que ocorreu, em exagero,

no CPP, de 1941); acertadamente o redator procurou separar as espécies de busca,

domiciliar e pessoal, dando melhor sequência aos dispositivos que regem a matéria.

Utiliza o CPPM, alternativamente, as expressões busca pessoal

(artigos 180, 183 e 184) e revista pessoal (artigos 181 e 182), não apresentando

qualquer diferenciação entre elas. Entendemos que o vocábulo revista é empregado

como sinônimo de busca pessoal, em razão do disposto no art. 181: Proceder-se-á

à revista, quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo... Não há

qualquer problema, em razão de que o emprego das duas expressões já é

tradicional no meio militar (revista com o sentido de busca pessoal) e também de

uso corrente na linguagem popular, sendo incorreto, por outro lado, o uso do termo

revista quando se trata de busca domiciliar.

Nota-se, porém, uma sutileza. A expressão “revista pessoal” reforça a

noção de que o procedimento é voltado ao próprio corpo do revistado, ou seja,

realizado com maior acuidade, vez que a busca pessoal pode ser dirigida apenas às

vestes, pastas, malas e outros objetos junto à pessoa revistada. Em termos gerais,

todavia, qualquer revista é pessoal, posto que recai sobre as roupas e objetos que

estejam com o revistado ou, ainda, recai sobre o seu próprio corpo.

Nesse sentido, a redação do CPPM inovou ao definir o que é busca

pessoal em seu art. 180: A busca pessoal consistirá na procura material feita nas

vestes, pastas, malas e outros objetos que estejam com a pessoa revistada e,

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122

quando necessário, no próprio corpo. Concluímos que, em regra, a busca pessoal é

procedida na área considerada exterior ao corpo: sobre ou entre as roupas (bolsos,

por exemplo), além da verificação dos objetos que estejam com a pessoa revistada,

ou seja, trata-se de uma busca superficial. Quando, porém, procura-se no próprio

corpo do revistado, pressupõe-se para esse ato a necessidade de realização de

uma busca mais rigorosa que, no caso, significa uma busca minuciosa.

A aludida necessidade traduz-se na insuficiência da busca superficial,

ocorrendo elevado nível de suspeição, que será sempre fundada e que justifica um

procedimento impositivo de maior nível de restrição de direitos individuais,

especialmente à intimidade de quem a ele é submetido. Leva-se em conta que, por

vezes, faz-se imprescindível a retirada das roupas e a verificação de partes íntimas

do corpo do revistado.

E o art. 181 especifica genericamente os materiais que podem ser

procurados, na busca pessoal, em razão da fundada suspeita de que estejam sendo

ocultados junto a alguém, como justificativa do procedimento: a) instrumento ou

produto do crime; b) elementos de prova. Já o art. 182 delimita em cinco itens as

circunstâncias que legitimam uma busca pessoal independentemente de mandado;

como o caput do artigo não especifica qual é a autoridade expedidora do mandado,

(se a autoridade judiciária ou a autoridade militar), interpretamos que ambas em

razão da circunstância da alínea “e”, do mesmo art.: quando feita na presença da

autoridade judiciária ou do presidente do inquérito.

Independe, portanto, de mandado da autoridade judiciária ou da

autoridade militar, conforme interpretação do art. 182 do CPPM e suas alíneas, a

busca pessoal no interesse do processo penal militar, realizada nas seguintes

circunstâncias: a) quando feita no ato da captura de pessoa que deve ser presa; b)

quando determinada no curso da busca domiciliar; c) quando ocorrer o caso previsto

na alínea “a” do artigo anterior (fundada suspeita de ocultação de instrumento ou

produto do crime); d) quando houver fundada suspeita de que o revistando traz

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123

consigo objetos ou papéis que constituam corpo de delito; e e) quando feita na

presença da autoridade judiciária ou do presidente do inquérito.

A existência de fundada suspeita é circunstância também estabelecida

como eximente de mandado, tal como no CPP, e constitui o ponto principal da

busca pessoal por iniciativa de militar. Ainda que atendendo ao interesse da Justiça

(Militar), o ato é administrativo e, portanto, discricionário, autoexecutável e

coercitivo, respondendo penalmente o agente pelos eventuais excessos praticados.

A fundada suspeita no CPPM é voltada ao interesse processual como

visto (na condição de medida preventiva e assecuratória do processo), não obstante

atender, também, como sua consequência inevitável, ao interesse da preservação

da ordem pública. Por outro lado, a rotineira busca pessoal preventiva (realizada

pela polícia de preservação da ordem pública) é legitimada originariamente no

exercício do poder de polícia e, por via reflexa, pelo Código de Processo Penal

comum, a partir do momento da localização de material que interessa ao processo

penal (no caso, comum).

A busca em mulher, conta com prescrição idêntica à do Código de

Processo Penal comum, qual seja: será feita por outra mulher, se não importar

retardamento ou prejuízo da diligência (art. 183 do CPPM). No caso particular da

busca pessoal desenvolvida em diligências de polícia judiciária militar, atualmente a

sua realização em mulher não é dificultosa, em razão da presença hoje expressiva

de efetivo feminino no meio militar. Não foi proibida, porém, a busca pessoal

realizada por homem em mulher, procedimento que, conforme nosso entendimento,

deve ser restrito à busca superficial, em situação extraordinária prevista no texto da

lei, sendo a busca minuciosa em mulher procedida (desde que necessária) somente

por outra mulher.

Quanto ao agente da busca, domiciliar ou pessoal, o CPPM

especificou, no art. 184, que será executada por oficial de justiça, quando no curso

do processo e por oficial, no curso do inquérito (designado pelo encarregado),

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124

observada a hierarquia em relação ao revistado militar, ou seja, o agente deve ser

seu superior hierárquico.

Finalmente, o parágrafo único do mesmo art. 184 prescreve que a

autoridade militar poderá requisitar da autoridade policial civil a realização da busca.

O texto não especificou a espécie de busca (se domiciliar ou pessoal) e ainda que

tratasse das duas, há que verificar ser o texto anterior à Constituição Federal, de

uma época em que o delegado de polícia podia proceder à busca domiciliar sem

ordem judicial e não existiria impedimento em fazê-lo a título de colaboração com a

autoridade de Polícia Judiciária Militar requisitante.

Como a busca domiciliar hoje depende especificamente de ordem

judicial e a busca pessoal é realizada em caráter preventivo, nos limites da

discricionariedade, pelos militares estaduais que integram as Polícias Militares,

também responsáveis pela maior parte dos procedimentos da Justiça Militar (no

caso, Estadual), não faz mais sentido a redação desse parágrafo, salvo para a rara

hipótese de requisição de busca pessoal em civil, encaminhada por autoridade de

polícia judiciária militar integrante das Forças Armadas à autoridade policial civil.

5.2 A busca pessoal no Código de Processo Penal português

O Código de Processo Penal vigente em Portugal foi aprovado pelo

Decreto-Lei nº 78, de 17 de fevereiro de 1987, em substituição ao Código anterior,

de 1929. A busca pessoal em Portugal é denominada revista, enquanto o termo

busca designa a diligência realizada em local reservado ou não livremente acessível

ao público (174º a 176º do CPP de Portugal)104

, prevendo o Código português,

ainda, a busca domiciliária, com formalidades próprias (art. 177º).

104

Art 174º (pressupostos das revistas e buscas), do Decreto-lei 78/87, CPP de Portugal, estabelece: 1. Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados

com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista; 2. Quando houver indícios de que os objetos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra

pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.( ...)

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125

Esses artigos citados (174º a 176º) encontram-se na Parte I do CPP

português, Livro III (“Da prova”), Título III (“Dos meios de obtenção da prova”), sob a

identificação do Capítulo II (“Das revistas e buscas”). O tema foi bem organizado no

Código, em quatro artigos compostos de itens numerados, mantendo-se o instituto

da apreensão em separado logo no Capítulo seguinte (Capítulo III, “Das

apreensões”).

Tais procedimentos de revista e de busca, inseridos no contexto das

normas que regulam a obtenção de provas, têm natureza processual e são

determinados, em regra, por autoridade judiciária, como se conclui pela previsão do

número 3, do art. 174º: As revistas e buscas são autorizadas ou ordenadas por

despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que

possível, presidir à diligência105

. Como a lei não estabelece horários para a sua

realização, poderão ser efetivadas a qualquer hora do dia ou da noite (ressalvadas

as domiciliárias, que deverão ser realizadas entre as sete e as vinte e uma horas).

Não omitiu o legislador, porém, casos excepcionais em que a urgência

dos trabalhos policiais justificaria a isenção de ordem judicial, em situação especial

regulada nos números 4 e 5 do mesmo dispositivo (art. 174º), cuja redação foi

introduzida na fase final de elaboração do Código, determinada pela Lei nº 43, de 26

de setembro de 1986 (denominada Lei de Autorização legislativa)106

. Obrigou-se o

órgão policial, em tal circunstância, a comunicar imediatamente o juiz de instrução

sobre a diligência realizada:

4. Ressalvam-se das exigências contidas no número anterior as

revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos

casos:

a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada,

quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que

ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;

105

Nos termos da alínea b, do número 1, do art. 1o (Definições legais), do CPP de Portugal,

autoridade judiciária é o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um, relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência. 106

GONÇALVES, Manuel Lopes Maia. Código de processo penal anotado e comentado. 11. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 386.

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126

b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento

prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou

c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda

pena de prisão.

5. Nos casos referidos na alínea “a”) do número anterior, a realização

da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao

juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.

Na observação de Manuel Lopes Maia Gonçalves, a Lei 43/86

estabeleceu um regime diferenciado de busca e revistas, fora do regime geral em

que prevalece a clássica garantia de necessidade de ordem ou autorização

expedida pela autoridade judiciária:

A Lei 43/86 determinou a definição de um regime especial de

dispensa de autorização judicial prévia para as buscas domésticas,

revistas, apreensões e detenções fora de flagrante delito nos casos

de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada,

quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que

ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa,

devendo, nesse caso a realização da diligência ser imediatamente

comunicada ao juiz instrutor e por este validada, sob pena de

nulidade107

.

No que toca especificamente à revista, o procedimento foi regulado

pelo art. 175º, que estabeleceu resumidamente as formalidades da diligência no

contexto do regime geral (que pressupõe a existência de ordem judicial). O vocábulo

visado empregado nos artigos 174º e 175º significa revistando, ou seja, aquele que

será submetido à revista:

Artigo 175º (Formalidades da revista)

1. Antes de se proceder a revista é entregue ao visado, salvo nos

casos do nº 4 do artigo anterior, cópia do despacho que a

determinou, no qual se faz menção de que aquele pode indicar, para

presenciar a diligência, pessoa de sua confiança e que se apresente

sem delonga.

2. A revista deve respeitar a dignidade pessoal e, na medida do

possível, o pudor do visado.

107

Ibid, p. 387.

Page 128: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

127

Esse artigo tem o mesmo conteúdo do artigo 249 do vigente Código de

Processo Penal italiano de 1988108

que, à época da elaboração do projeto do

Código português, encontrava-se em fase de projeto preliminar. Reconhecendo a

fonte, observa Gonçalves sobre as formalidades da revista adotadas no art. 175º do

atual Código português:

Não havia disposições correspondentes no CPP de 1929, diploma em que as revistas caíram no âmbito geral das buscas. A fonte próxima deste artigo (175º) foi o art. 241º do Projecto preliminar italiano, sendo as redações muito próximas

109.

Certamente houve influências de um projeto sobre outro, em razão da

mesma época em que foram desenvolvidos e, naturalmente, em razão do

intercâmbio cultural existente entre dois países do Continente Europeu, com reflexos

na redação final dos respectivos Códigos.

A garantia de que será respeitada a dignidade pessoal e, na medida do

possível, o pudor do revistando encontra-se na faculdade de acompanhamento da

diligência por pessoa de sua confiança, apresentado sem demora. O respeito ao

pudor será relativo (na medida do possível), eis que, tecnicamente, a revista é

realizada, de forma comum, com toques no corpo do revistado (revista superficial),

sendo por vezes necessária a retirada de suas roupas (revista minuciosa). O

respeito à dignidade, todavia, deverá sempre ser absoluto.

Naturalmente, havendo mulher policial disponível para a realização da

revista em outra mulher, esta deverá realizá-la mesmo tratando-se apenas de

revista superficial, em respeito à dignidade pessoal da revistada. Havendo

necessidade de revista minuciosa em mulher, nunca deverá ser realizada por

homem e o contrário também deverá ser observado (homem para revista minuciosa

108

Codigo di Procedura Penale, Art. 249: (Perquisizione personali) - 1. Prima di procedere alla perquizicione personale è consegnata una copia del decreto all’interessato, com l’avviso della facoltà di farsi assistere da persona di fiducia... 2. La perquisizione è eseguita nel rispeto della dignità e, nei limiti del possibile, del pudore di chi vi è sottoposto. 109 GONÇALVES, op. cit., p. 388.

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128

em homem), sempre em local reservado e facultando-se o acompanhamento da

diligência por pessoa de confiança daquele que será submetido ao procedimento.

Como o CPP português não regulamenta em detalhes o assunto (e, penso, não é

mesmo necessário), conclui-se ser esta a melhor solução resultante da

interpretação do seu art. 175º.

Além dos artigos analisados (174º e 175º), de natureza processual

(não obstante o caráter nitidamente preventivo indicado no número 4, do art. 174º),

o CPP português traz ainda outro modo de revista, esta de natureza

especificamente cautelar, prevista no art. 251º, encontrado no Parte II, Livro VI

(“Das fases preliminares”), Título I (“Disposições gerais”), Capítulo II (“Das medidas

cautelares e de polícia”), estabelecendo que:

Artigo 251º (Revistas e buscas) 1. Para além dos casos previstos no art. 174º, nº 4, os órgãos de

polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária: a) À revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e as buscas em lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder-se; b) À revista de pessoas que tenham de participar ou pretendam assistir a qualquer acto processual, sempre que houver razões para crer que ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência.

2. É correspondentemente aplicável o disposto no art. 174º, nº 5.

Constituiu novidade no CPP português esse dispositivo (trazido pela Lei

nº 59/98), não havendo correspondente no Código anterior (de 1929). Tratam-se de

medidas cautelares de polícia, urgentes, que devem ser realizadas imediatamente sob

pena de perda de sua utilidade e por isso independem de autorização judicial para sua

efetivação, nas circunstâncias indicadas. Avançou o Código, prevendo tais hipóteses

além daquelas que já estabelecera taxativamente no número 4, do art. 174º.

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129

O art. 251º acolheu como meio legítimo de obtenção de prova a ação

de iniciativa dos órgãos policiais (a denominada “polícia criminal”), com simples

comunicação posterior ao juiz de instrução (número 2 do mesmo artigo), sem

pressupor situação de flagrante, ao contrário da situação da alínea c), do nº 4, do

artigo 174º.

Interessante a solução encontrada. Na verdade, optou-se por inserir no

CPP português a categoria de medidas cautelares e de polícia, em conjunto,

garantindo-se a legalidade processual dos atos tipicamente policiais, ainda em fase

pré-processual, conforme análise de Antonio Barreiros:

Quis-se assim conceder no quadro do novo sistema processual

penal à intervenção dos órgãos de polícia criminal a garantia de

legalidade processual, fazendo emergir os actos de polícia da zona

pré-processual ou extra processual em que até aqui se encontravam.

... Houve, porém, o cuidado de, ao consagrar tais medidas, realçar a

sua natureza acessória, instrumental e preparatória da intervenção

das autoridades judiciárias, ou seja, como medidas de um processo

penal que pode ser ainda inexistente à data em que são praticadas,

ou não vir sequer a existir110

.

São duas realidades conceitualmente distintas: as medidas cautelares

propriamente ditas e as medidas de polícia. No entanto, pretendeu-se acentuar que

alguns atos de polícia revestem-se de característica cautelar e foram tratadas em

conjunto, no mesmo capítulo, em razão do que têm em comum. Ambas possuem

natureza probatória, ainda que de caráter excepcional, em razão de que objetivam

assegurar os meios de prova quando os meio comuns de captação (também

denominada “recolha” na linguagem tradicional) não são capazes de produzir o

efeito necessário.

Não obstante essa certa autonomia da atuação policial com reflexos no

processo penal, impõe-se nos termos do art. 126º do CPP português que a prova

obtida com desrespeito a dignidade humana é considerada “proibida”. Portanto, a

110 BARREIROS, Antonio. Manual de processo penal. Lisboa: Universidade Lusíada, 1989, p. 600.

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130

validade dos meios de prova depara-se com limites que objetivam garantir direitos e

liberdades individuais, podendo a prova, porém, ser considerada “relativamente

proibida” em algumas situações, conforme lição de Marques Ferreira:

De acordo com a estrutura desta norma são absolutamente proibidos

os métodos de prova que contendem directamente com a dignidade

e integridade física ou moral do homem enquanto direitos

indisponíveis para o próprio titular (art. 126º, nº 1 e nº 2).

Mas a proibição já é apenas relativa nas situações em que estejam

em jogo direitos disponíveis como a privacidade (art. 126º, nº 3).

Neste último caso admite-se a validade processual das provas

obtidas com violação de tais valores sempre que a lei

expressamente autorize tal meio de prova e defina as condições do

seu exercício ou se o titular do direito violado der o seu

consentimento. As provas assim obtidas só serão nulas se

recolhidas “contra legem” ou sem o consentimento do titular111

.

Portanto, verificam-se no sistema processual penal português dois

modos de revista, definidos no CPP: a revista processual (art. 174º e 175º) e a

revista cautelar (art. 251º). A primeira é realizada mediante ordem judicial, salvo

casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja

fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em risco a vida ou a

integridade de qualquer pessoa, quando os visados consintam ou quando for preso

em flagrante o revistando. No segundo modo, podem ser realizadas sem prévia

autorização, em suspeitos em caso de iminente fuga ou em caso de detenção, ou

em pessoas que tenham de participar ou pretendam assistir a atos processuais,

quando houver razões para crer que ocultam armas ou outros objetos com os quais

possam praticar atos de violência. Sempre, porém, a diligência realizada sem ordem

judicial será posteriormente comunicada à autoridade judiciária, em relatório, para a

sua validação. Além do cumprimento das formalidades exigidas pelo Código, a

revista deve ser realizada de forma a respeitar a dignidade humana, sob pena da

prova ser considerada “proibida” e, portanto, inadmissível no processo.

111

FERREIRA, Marques. Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal. Coimbra: Almedina, 1988, p. 224.

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131

5.3 A busca pessoal no Código de Processo Penal italiano

O Código de Processo Penal de 1930, editado sob o governo fascista

de Mussolini, vigorou na Itália até 1988. Nesse ano, foi estabelecido um novo

sistema processual penal codificado, encontrando-se a busca pessoal - denominada

perquisizione personale - regulada em dois momentos distintos da persecução

criminal: 1) como meio de procura da prova (mezzi di ricerca della prova), nos

artigos 247 a 249, em fase processual; e 2) como ato de iniciativa policial, no curso

de investigação preliminar, ou seja, antes do início da ação penal, no art. 352 (que

pode ser também determinada pelo representante do Ministério Público, igualmente

na fase de investigação preliminar).

A busca (perquisizioni) como meio de procura - ou obtenção - da prova,

está inserida no Livro III (Libro III, Prove), Título I (Titolo III, Mezzi di ricerca della

prova), ao lado de outros meios: Ispezioni, Sequestri e Intercettazioni di

conversazioni o comunicazioni. No art. 247 foram estabelecidas as formas de busca:

pessoal (personale) e em lugar (locale), tratadas em conjunto nesse ponto, bem

como, genericamente, os casos em que podem ser realizadas, sempre mediante

decisão motivada da autoridade judiciária. A busca pessoal será determinada

quando existir motivo fundado para considerar que alguém esteja consigo ocultando

o corpo de delito, ou objetos a ele relacionados, podendo a própria autoridade

realizá-la pessoalmente ou determinar o procedimento a ser realizado por oficial de

polícia. São os termos do art. 247:

Art. 247 (Casi e forme delle perquisizioni)

1. Quando vi è fondato motivo di ritenere che taluno occulti sulla

persona il corpo del reato o cose pertinenti al reato, è disposta

perquisizione personale. Quando vi è fondato motivo di ritenere che

tali cose si trovino in un determinato luogo ovvero che in esso possa

eseguirsi l’arresto dell’imputato o dell’evaso, è disposta perquisizione

locale.

2. La perquisizione è disposta con decreto motivato.

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132

3. L`autorità giudiziaria può procedere personalmente ovvero

disporre che l’atto sia compiuto da ufficiali di polizia giudiziaria

delegati con lo stesso decreto.

Procurando coisa certa, o buscador pode convidar o revistando a

entregá-la antes no início da busca. Se o pedido for atendido com a entrega da

coisa, o procedimento não será realizado, salvo se tal recurso for necessário para

complementação da investigação, é o que estabelece o número 1, do art. 248: Art. 248 (Richiesta di consegna)

1. Se attraverso la perquisizione si ricerca una cosa determinata,

l’autorità giudiziaria può invitare a consegnarla. Se la cosa è

presentata, non si procede alla perquisizione, salvo che si ritenga

utile procedervi per la completezza delle indagini.

Devem ser observadas algumas formalidades na busca pessoal, para

a garantia dos direitos individuais, sob pena de nulidade do ato. Antes de iniciada a

busca, o revistando deverá receber uma cópia da decisão, com aviso de que o

procedimento pode ser assistido por uma pessoa de sua confiança, desde que esta

possa ser rapidamente encontrada e tenha no mínimo quatorze anos de idade. A

busca pessoal, ainda, deverá ser executada com respeito à dignidade e, no que for

possível, com respeito ao pudor do revistado. É o que prescreve o CPP italiano:

Art. 249 (Perquisizioni personali) 1. Prima di procedere alla perquisizione personale è consegnata una

copia del decreto all’interessato, con l’avviso della facoltà di farsi

assistere da persona di fiducia, purché questa sia prontamente

reperibile e idonea a norma dell`art. 120.

2. La perquisizione è eseguita nel rispetto della dignità e, nei limiti del

possibile, del pudore di chi vi è sottoposto.

Como não existe restrição de horário para a realização de buscas em

geral (salvo para aquela realizada especificamente em domicílio, que deve ocorrer

entre sete e vinte e uma horas, conforme art. 251), a busca pessoal poderá ser

procedida a qualquer hora, do dia ou da noite. Importa efetivamente que a prova

Page 134: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

133

seja obtida com absoluto respeito à dignidade humana, ainda que a lei prescreva

que o pudor do revistado seja respeitado nei limiti del possibile; isso porque,

inevitavelmente, a busca pessoal impõe restrição de direitos individuais, em especial

quanto a intimidade do revistado.

Mesmo antes do Código vigente, os juristas italianos já se

preocupavam com a questão da admissibilidade da prova no processo, sob o ponto

de vista do respeito à dignidade humana durante a sua obtenção. Comenta Mario

Pisani, sobre o tema, que a Associazione Internazionale di Direitto Penale (AIDP),

reunida em Hamburgo, Alemanha, em setembro de 1979, aprovou entre suas

resoluções uma específica sobre a questão das provas, concluindo que a sua

admissibilidade será regulada tendo em conta a integridade do sistema judiciário, do

direito de defesa, do interesse da vítima e da sociedade e que a prova obtida

diretamente ou indiretamente por meios que constituem violação aos direitos do

homem, como a tortura, ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, não

pode ser levada em consideração112

.

Os artigos 247 e 248, conforme verificado, não estabelecem situações

específicas que justificam a busca pessoal, sendo apenas exigido o “fundado

motivo”, em razão da análise da autoridade judiciária (no sistema italiano é o juiz do

processo penal, em fase processual e o órgão do ministério público, em fase de

investigação). O juízo de valor para autorização da revista, como exercício de poder

discricionário, deve seguir os critérios de oportunidade, necessidade, suficiência e

não contrariedade ao espírito do sistema, como registrou Antonio Cristiani, em seu

estudo La discrezionalità dell’atto nel processo penale:

112 PISANI, Mario. Introduzione al processo penale. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 38: L’ammissibilità delle prove penali sarà regolata tenendo conto della integrità del sistema giudiziario, dei diritto della difesa, degli interessi della vitima e di quelli della società.. a) Le prove ottenute direttamente o indirettamente attraverso mezzi che costituiscono una violazione dei diritti dell’uomo, come la tortura o i trattamenti crudeli, inumani o degradanti non devono essere prese in considerazione.

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134

I poteri discrezionali del giudice penale percorrono tutto l’arco degli atti processuali, come un fluido destinato a riempire ogni spazio vuoto: e, se così è – come pare incontestabile – la risposta ad una domanda di limiti alla discrezionalità è nella tecnica delle facoltà attribuite al magistrato (come per la facoltà della cattura, di concedere la libertà provvisoria, di disporre perizia, di ordinare esperimenti probatori etc.), oppure, nei poteri che affiorano ordinariamente o incidentalmente nelle attività del giudice – in senso lato, naturalmente compreensivo anche del ruolo istruttorio del publico ministero – e sono il frutto di valutazioni di oportunità, di necessità, di sufficienza, non classificabili astrattamente, ma, comunque, non contrarie allo spirito del sistema

113.

No curso de investigação preliminar, que antecede a ação penal,

poderá também ser realizada a busca pessoal, nesse caso imediatamente

(independente de ordem), pelos oficiais de polícia judiciária, nos termos do art. 352

do CPP italiano, na flagrância de prática delituosa - flagranza del reato - ou em

situação de fuga - evasione - (número 1), ou na execução de ordem específica que

disponha sobre custódia ou prisão de pessoa (número 2), devendo o Ministério

Público convalidar a busca, caso estejam presentes os seus pressupostos, nas

quarenta e oito horas sucessivas ao procedimento realizado (número 4):

Art.352 (Perquisizioni)

1. Nella flagranza del reato o nel caso di evasione, gli ufficiali di polizia giudiziaria procedono a perquisizione personale o locale quando hanno fondato motivo di ritenere che sulla persona si trovino occultate cose o tracce pertinenti al reato che possono essere cancellate o disperse ovvero che tali cose o tracce si trovino in un determinato luogo o che ivi si trovi la persona sottoposta alle indagini o l'evaso. 2. Quando si deve procedere alla esecuzione di un'ordinanza che dispone la custodia cautelare o di un ordine che dispone la carcerazione nei confronti di persona imputata o condannata per uno dei delitti previsti dall'art. 380 ovvero al fermo di una persona indiziata di delitto, gli ufficiali di polizia giudiziaria possono altresì procedere a perquisizione personale o locale se ricorrono i presupposti indicati nel comma 1 e sussistono particolari motivi di urgenza che non consentono la emissione di un tempestivo decreto di perquisizione.

3. ... 4. La polizia giudiziaria trasmette senza ritardo, e comunque non oltre le quarantotto ore, al pubblico ministero del luogo dove la perquisizione è stata eseguita il verbale delle operazioni compiute. Il pubblico ministero, se ne ricorrono i presupposti, nelle quarantotto ore successive, convalida la perquisizione.

113

CRISTIANI, Antonio. La discrezionalità dell’atto nel processo penale. Milano: Dott. Iuffrè Editore, 1985, p. 6.

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135

A busca pessoal no curso de investigação preliminar, por iniciativa do

órgão policial e independente de ordem, é considerada medida excepcional, quando

da existência de fundado motivo de retenção de objeto de interesse processual com

o revistando, em caso de flagrância ou evasão, conforme estabelecido no dispositivo

em análise. O caráter extraordinário da medida já era reconhecido antes do Código

atual, conforme verificado em dicionário jurídico italiano de 1979:

La perquisizione personale, in quanto limitativa della libertà

personale, è ammessa solo se vi à decreto motivato del giudice e nei

soli casi e modi previsti dalla legge. L’autorità di pubblica sicurezza

può procedere autonomamente a perquisizione solo in casi

eccezionali di necessità e urgenza tassativamente specificati, nella

fragranza di reato e in caso di evasione114

.

No sistema processual italiano, a busca (pessoal ou local) em fase de

investigação preliminar pode ser determinada pelo representante do Ministério

Público, sendo-lhe facultado executá-la pessoalmente, sempre com a presença de

um defensor, como acentua Paolo Tonini:

No curso das investigações preliminares, a busca é determinada

pelo representante do Ministério Público, que pode executá-la

pessoalmente ou delegá-la a um oficial da polícia judiciária (artigos

247, inciso 3, e 370, inciso 1, do CPP).

Ao investigando se, eventualmente, presente no momento da busca,

será perguntado se está sendo assistido por um defensor e, caso o

investigado não tenha um advogado, ser-lhe-á designado um

defensor dativo (art. 364 do CPP)115

.

Portanto, o CPP italiano estabeleceu duas situações distintas de busca

pessoal, quais sejam: a busca pessoal como meio de procura (ricerca) da prova, nos

artigos 247 a 249, de natureza processual; e a busca pessoal como ato de iniciativa

policial, no curso de investigação preliminar, no art. 352, lembrando-se também

daquela determinada pelo representante do Ministério Público, igualmente na fase

de investigação preliminar, estas últimas de natureza cautelar, assecuratórias da

prova que instruirá o processo penal.

114 LOSCHIAVO Luigi e LEMBO, Valeria. Dizionario enciclopedico del diritto. Novara: Edipem, 1979. v. 2, p. 962. 115 TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo: RT, 2002, p. 245.

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136

6. CONCLUSÕES

A busca pessoal, também denominada revista, deve ser analisada

como instituto autônomo em relação às outras eventuais modalidades de busca,

pela sua característica de incidência sobre o corpo do revistado, além da verificação

dos objetos encontrados sob sua imediata custódia, incluindo-se aqueles próximos e

no interior de veículo que não seja sua própria moradia. Mais sensato seria,

inclusive, que a lei processual penal brasileira regulasse a busca pessoal em

capítulo próprio; ao contrário, o que se verifica é um tratamento secundário no

Código de Processo Penal, que lhe empresta parte dos dispositivos relacionados à

busca domiciliar.

Além da separação das modalidades de busca no Código, deve ser

estabelecida uma completa desvinculação entre os procedimentos da busca e da

apreensão, que são institutos diversos como já observaram, por exemplo, o Código

de Processo Penal Militar brasileiro, de 1969, o Código de Processo Penal

português, de 1987 e o Código de Processo Penal italiano, de 1988. Ocorre que, na

tradição da lei processual penal comum brasileira, a busca pessoal ou domiciliar

vem sendo associada à apreensão, como se esta fosse sempre a sua consequência

ou mesmo o seu único propósito.

Na verdade, a busca pessoal é simplesmente “procura” por algo

relevante ao processo penal, no corpo do revistado, nas vestes e pertences com ele

encontrados. O próprio art. 240 do CPP, que abre o Capítulo XI (Da Busca e da

Apreensão), indica exemplos de motivações de busca que não têm como objetivo a

apreensão, quais sejam, as alíneas “a”, “d” e “h”, do seu parágrafo primeiro.

A busca pessoal é desenvolvida por agentes do Estado designados

para o cumprimento de ordem judicial, ou investidos de necessária autoridade

policial, em distintas fases do ciclo da persecução penal e mesmo antes da

constatação da prática de delito. Possui, portanto, natureza processual, enquanto

meio de obtenção da prova, para atender ao interesse do processo; e tem natureza

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137

preventiva quando realizada por iniciativa policial na atividade de preservação da

ordem pública, como ato de polícia que, não obstante, pode ensejar consequências

no processo penal.

Distinguem-se, assim, duas espécies de busca pessoal: a processual

e a preventiva, de acordo com o momento em que é realizada, bem como, de

acordo com a sua finalidade. Antes da efetiva constatação da prática delituosa, ela é

realizada por iniciativa de autoridade policial e constitui ato legitimado pelo exercício

do poder de polícia, na esfera de atuação da Administração Pública, com finalidade

preventiva. Realizada após a prática, ou em seguida à constatação da prática

criminosa, ainda que em sequência de busca preventiva, tenciona atender ao

interesse processual, para a obtenção de objetos necessários ou relevantes à prova

de infração, ou à defesa do réu (alínea “e”, do § 1º, do art. 240 do CPP).

A busca pessoal é realizada de dois modos: preliminar ou minucioso. O

grau de rigor dispensado ao ato da revista, com a imposição de maior ou menor

restrição de direitos individuais, é o fator de distinção entre essas duas espécies de

busca pessoal, configurando-se preliminar (superficial) ou minuciosa (íntima),

conforme o caso.

A busca pessoal preliminar normalmente antecede à eventual busca

minuciosa, particularmente quando de caráter preventivo; nesse sentido, a busca

mais rigorosa quase sempre é consequência do resultado de uma superficial. De

outro lado, o que caracteriza a busca minuciosa é a verificação detalhada do corpo

do revistado, mediante a retirada de suas roupas e sapatos (por isso também é

conhecida como “revista íntima”), além da verificação cuidadosa de todos os objetos

e pertences por ele portados. A busca pessoal minuciosa é realizada em local

isolado do público, sempre que possível na presença de testemunha, em razão do

elevado nível de restrição de direitos individuais do revistado, decorrente desse

procedimento, particularmente quanto à sua intimidade.

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138

A tangibilidade corporal é outro aspecto interessante da busca pessoal,

em razão do compreensível - e inevitável - desconforto na submissão do revistado a

toque de pessoas estranhas. Na busca pessoal preliminar convencional, o buscador

utiliza muito mais o tato que a visão; impõe-se o tateamento superficial sobre o

corpo do revistado, ou seja, por cima de suas roupas, em movimentos rápidos que

devem ser treinados para essa finalidade. Na busca minuciosa, ao contrário, quando

a exposição corporal daquele que é submetido à revista é maior em razão de estar

sem roupa, a tangibilidade corporal tende a ser menor, utilizando-se o buscador

muito mais o sentido da visão.

Ainda quanto ao contato corporal, ocorre com a busca pessoal o

fenômeno da aceitação do procedimento por convenção social, observando-se,

todavia, algumas restrições. São inadmissíveis condutas de desrespeito à

intangibilidade corporal, como nos seguintes exemplos: a realização da busca

pessoal em razão da simples vontade do agente em realizá-la e tatear o corpo

alheio; o excessivo e insistente tateamento em partes determinadas do corpo da

pessoa revistada; a conduta de policial masculino que procede à busca pessoal em

mulher, havendo policial feminina disponível para tal finalidade - e o contrário

também, em vista de que, pelo tratamento igualitário, mulher não deve revistar

homem na disponibilidade de policial masculino.

Nem sempre, porém, será necessária a tangibilidade corporal. Uma

busca superficial pode ser realizada indiretamente, por exemplo, por meio de

dispositivos eletro-magnéticos fixos (portais) ou portáteis (detectores manuais), em

que o revistado não é tocado, denominando-se tal procedimento busca pessoal

indireta. Trata-se da mais discreta e comum revista praticada na entrada de

ambientes públicos, em que o interesse comum impõe maior garantia de segurança

aos seus frequentadores, como, por exemplo, em entrada de Fóruns (pelo poder de

polícia do Juiz Diretor) e na área de embarque de aeroportos (por iniciativa da

Polícia Federal).

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139

Ainda nessa linha, nos limites da busca pessoal preventiva, ocorre a

denominada busca pessoal coletiva. Na condição de medida excepcional, é tolerável

em benefício do bem comum, como, por exemplo, na busca pessoal preliminar

(normalmente direta, ou seja, com tangibilidade corporal) procedida por policiais

militares em todos que pretendem entrar em um estádio de futebol. Essa espécie de

busca é realizada em entrada de eventos públicos ou em situações específicas (por

exemplo, em todos os réus presos antes de serem escoltados).

Indiscutivelmente, porém, a busca pessoal individual constitui regra,

tanto para a espécie de busca pessoal preventiva quanto para a processual. Aliás,

inconcebível a busca processual, mediante mandado, sem a individualização de

quem será a ela submetido, requisito obrigatório da ordem, nos termos do inciso I,

do art. 243, do CPP.

Quanto ao sujeito ativo da busca pessoal, também denominado

buscador, é aquele que procede a revista, ou detém o seu controle mediante uso de

dispositivos eletrônicos, mecânicos, ou de animais, ou por qualquer outro meio

imaginável. A busca pessoal somente poderá ser realizada por agentes públicos em

cumprimento a específica ordem judicial ou, então, sem ordem judicial, desde

possuam atribuição de investigação ou prevenção criminal, qualificados pelo

exercício do poder de polícia. De fato, em razão de sua fórmula procedimental, a

diligência constitui atividade tipicamente policial, mesmo que destinada

exclusivamente à colheita de provas necessárias à instrução do processo.

Da análise do sujeito ativo surge um tema polêmico: a questão da

legalidade da denominada revista privada (direta ou indireta) imposta como

condição de acesso a estabelecimentos particulares, especialmente em entradas de

casas de espetáculos, boates e similares. Trata-se de procedimento superficial

realizado por agentes particulares de segurança, objetivando coibir a entrada de

armas ou de objetos que possam causar perigo aos usuários desses espaços. Tal

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140

ato poderá ser chamado de revista privada e nunca de busca pessoal, eis que

realizado por quem não está cumprindo ordem judicial ou exercendo atividade

policial.

Tem sido tolerado o procedimento de iniciativa particular, não existindo

regulamentação específica sobre a matéria. Aceita-se que, no caso em análise, está

configurado um contrato entre particulares, representado por um acordo de

vontades razoável. Notório que o modo de vida em sociedade de acentuada

concentração urbana tem provocado medidas de iniciativa particular na área de

segurança, por exemplo, câmaras filmadoras espalhadas em ambientes abertos ou

fechados e a revista indireta mediante portas giratórias e detectores fixos em bancos

e outros estabelecimentos privados, todas admissíveis, ainda que tragam algum

desconforto, em razão dos reconhecidos aspectos de utilidade e de necessidade.

No entanto, sem desconsiderar a dinâmica própria da sociedade a

impor novas fórmulas de convivência, há dois aspectos que devem ser

rigorosamente observados para que não seja configurado o constrangimento ilegal

na revista privada direta (com tangibilidade corporal): a superficialidade e a não-

seletividade, ou seja, o tratamento dispensado a todos deve ser igualitário e o

procedimento apenas superficial, com a anuência do revistado, o que pressupõe

seu prévio conhecimento quanto a imposição do ato e sua forma.

Retornando à busca pessoal propriamente dita, discute-se muito o

critério da fundada suspeita que autoriza sua realização sem mandado judicial.

Ocorre que a fundada suspeita não tem contornos expressos, ao contrário das

outras quatro hipóteses de isenção de mandado judicial (caso de prisão do

revistando, no curso de busca domiciliar, quando houver consentimento do

revistando e quando a busca for realizada pela própria autoridade judicial).

Page 142: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

141

No caso da busca pessoal preventiva, motivada pela fundada suspeita,

sua realização baseia-se na experiência profissional, no exercício do poder

discricionário, por uma capacidade de percepção diferenciada, adquirida durante o

desenvolvimento constante da atividade policial, que possibilita a identificação de

condutas suspeitas e situações que justificam a abordagem e a revista, mediante

avaliação de probabilidade de prática ou iminência de prática delituosa.

A competência do agente, os fins, o procedimento (sua forma) e

também os motivos e o objeto constituem exatamente os limites impostos ao ato de

polícia, ainda que a Administração disponha de certa dose de discricionariedade no

seu exercício. Tratando-se de busca preventiva, a partir do momento da localização

de objeto que identifique a prática ou iminência de prática de delito, passa o

procedimento a ter interesse processual e, consequentemente, a ser regulado, junto

às outras diligências necessárias, objetivamente pelas disposições da norma

processual penal. A busca pessoal, nesse sentido, constitui ponto de convergência

entre o Direito Administrativo e o Direito Processual Penal, observando-se que, ao

iniciar a revista - em princípio de caráter preventivo -, o policial não sabe se

encontrará ou não objeto relacionado à prática delituosa, ainda que impulsionado

por avaliação de probabilidade, no caso da fundada suspeita.

Qualquer que seja a espécie de busca pessoal, forma e meio

empregado, resultará restrição de direitos individuais, em nível variável conforme as

circunstâncias em que é realizada, impondo-se como dever público, por outro lado,

o respeito à dignidade do ser humano. Portanto, a busca pessoal deverá sempre ser

orientada pela análise da estrita necessidade do seu emprego, pela

proporcionalidade exigida na relação entre a limitação do direito individual e o

esforço estatal para a realização do bem comum e, finalmente, pela eficácia da

medida, que deve ser adequada para impedir prejuízo ao interesse público.

Page 143: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

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Page 148: Obra completa - Busca pessoal - revisada em 2013

147

ANEXOS

I Portaria nº 01/2003, do Juiz Diretor do Complexo Judiciário Ministro Mário

Guimarães, São Paulo, de 14 de abril de 2003.

II Provimento nº 811/03, do Conselho Superior da Magistratura, São Paulo, de 22

de maio de 2003.

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148

PORTARIA nº 01/2003

O MM. Juiz de Direito, Dr. ALEX TADEU MONTEIRO ZILENOVSKI, Diretor

do Complexo Jurídico Ministro Mário Guimarães, no uso de suas atribuições legais;

CONSIDERANDO que é dever do Estado garantir a segurança do cidadão;

CONSIDERANDO a necessidade de regulamentar e disciplinar o acesso de

pessoas a este Complexo Judiciário;

CONSIDERANDO o grande número de pessoas que, diariamente, ingressam

neste prédio;

CONSIDERANDO que episódios recentes estão a exigir do Poder Judiciário

um incremento da segurança das suas instalações;

CONSIDERANDO que a multiplicidade de pessoas que comparecem,

diariamente, a este Fórum, torna impossível aos funcionários incumbidos da

segurança deste prédio conhecer cada indivíduo;

CONSIDERANDO que este Fórum trata de matéria criminal e aqui tramitam

processos acerca de crimes graves e sobre criminalidade organizada;

CONSIDERANDO que uma eventual ação criminosa violenta dentro deste

prédio colocaria em risco a generalidade das pessoas que aqui se encontram;

CONSIDERANDO que é o anseio geral que providências efetivas sejam

tomadas no afã de incrementar o estado geral de segurança deste Complexo

Judiciário;

CONSIDERANDO que existem meios materiais e humanos que, usados

corretamente, possibilitam que seja garantida a segurança geral sem que direitos e

garantias individuais, ou mesmo prerrogativas funcionais sejam maculadas;

RESOLVE:

Artigo 1° - Determinar que pessoas que ingressarem nas dependências

deste Complexo Judiciário sejam submetidas a controle de armas por meio

eletrônico e outros necessários, exercidos por Policiais Militares que guarnecerem o

Fórum ou por outros agentes da Autoridade constituída que aqui exercem suas

funções.

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Artigo 2° - Para tal, fica estabelecido que funcionários públicos incumbidos

desta atividade fiscalizatória deverão agir com a urbanidade, respeito e diligências

que o cargo lhes exige, inclusive solicitando a todos aqueles que sejam submetidos

à fiscalização a colaboração que se faz necessária para que seja garantida a cada

um de nós a segurança a que todos temos direito, enquanto cidadãos, enquanto

operadores do Direito, enquanto funcionários que aqui militam e de um modo geral,

enquanto presentes a um prédio público.

Artigo 3° - Fica esclarecido que a presente determinação não visa, de

qualquer modo, causar constrangimento, violar liberdades ou prerrogativas

funcionais, mas justifica-se como medida estritamente necessária à perseguição de

um bem jurídico maior, que é o direito que todos temos à integridade física, à vida e

à tranquilidade.

Artigo 4° - Para conhecimento e controle, remetam-se cópias da presente

Portaria à Egrégia Presidência do Tribunal de Justiça; à Egrégia Corregedoria Geral

da Justiça; ao DD. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São

Paulo; ao DD. Procurador Geral da Justiça e ao DD. Procurador Geral do Estado,

devendo este ato ser afixado em local visível ao público e que seja dado

conhecimento da mesma à generalidade dos funcionários e demais pessoas que

possam ser atingidas por seus efeitos.

Artigo 5° - Esta portaria entrará em vigor nesta data.

São Paulo, 14 de abril de 2003.

ALEX TADEU MONTEIRO ZILENOVSKI

Juiz de Direito Diretor

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PROVIMENTO n° 811/2003

O CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA, no uso de suas

atribuições legais e,

CONSIDERANDO a necessidade de resguardar a segurança e integridade

física de todos aqueles que adentrem e permaneçam no interior das unidades do

Poder Judiciário;

CONSIDERANDO a ocorrência de ameaças a e possibilidade de violência

contra Servidores da Justiça, Partes, Promotores de Justiça, Advogados e Juízes,

em prédios nos quais estão instaladas suas unidades:

RESOLVE:

Artigo 1° - Em todas as unidades do Poder Judiciário do Estado serão

adotadas medidas de segurança que poderão determinar a utilização de

equipamentos, fixos ou portáteis, ou por outro modo, inclusive a revista pessoal, se

for o caso, durante todo o expediente forense, para evitar ingresso de pessoas

portando armas de qualquer tipo ou artefatos, que possam representar risco para a

integridade física daqueles que estejam em seu interior.

Artigo 2° - É vedado o ingresso de pessoas na posse de armas nas

dependências das unidades judiciárias, ainda que detentores de autorização legal,

exceto os policiais militares ou civis, e agentes de segurança bancária em serviço.

Artigo 3° - Nos locais da entrada principal destas unidades do Poder

Judiciário, haverá policiais militares, agentes de fiscalização ou funcionários

especialmente treinados e designados pela Diretoria do Fórum, munidos, ou não, de

aparelhos específicos para detectar metais, ou realizar eventuais revistas a serem

feitas em quem desejar ingressar no interior das instalações.

Artigo 4° - Os Senhores Advogados e pessoas portadoras de pastas,

maletas, pacotes ou outros invólucros, quando o sistema de segurança indicar a

existência de metais, serão convidados a exibí-los a e retirá-los, submetendo-se

novamente ao sistema de segurança; havendo recusa, em nenhuma hipótese, serão

admitidos no interior das unidades.

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Artigo 5° - Ficam proibidas todas as visitas ou encontros de quaisquer

pessoas com réus presos que devam participar de audiências, ressalvado o contato

desses com seus patronos, a título de entrevista.

Artigo 6° - Os Juízes Diretores de unidades judiciais poderão instituir

sistema de identificação de pessoas que devam ingressar e permanecer em seus

interiores, por meio de crachás, livros de visitantes ou quaisquer outros modos.

Artigo 7° - Os Juízes Diretores, existindo mais de uma entrada às unidades

judiciárias, conforme as conveniências, poderão restringir o acesso às suas

dependências, comunicando a providência à Presidência do Tribunal de Justiça.

Artigo 8° - Os casos não previstos, neste provimento, serão submetidos

imediatamente à apreciação dos Juízes Diretores, sendo objeto de posterior

comunicação à Presidência do Tribunal de Justiça.

Artigo 9° - Revogam-se as disposições em contrário, entretanto este

Provimento em vigência na data de sua publicação.

São Paulo, 22 de maio de 2003.

(aa) SERGIO AUGUSTO NIGRO CONCEIÇÃO,

Presidente do Tribunal de Justiça,

LUÍS DE MACEDO,

Vice-Presidente do Tribunal de Justiça e

LUIZ TÂMBARA,

Corregedor Geral da Justiça.

(Publicado no Diário Oficial, Poder Judiciário, Caderno I, Parte I, de 30 de maio de 2003)