o trainee e a construção do trabalhador flexível · considerando a inserção bastante seletiva,...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASFACULDADE DE EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
O trainee e a construção do trabalhador flexível
Autor: Lenise Mitidieri Garcia DobermannOrientadora: Aparecida Neri de Souza
Este exemplar corresponde à redação final da
dissertação defendida por Lenise Mitidieri GarciaDobermann e aprovada pela Comissão Julgadora.
Data: 03/02/2006
Assinatura:
Comissão Julgadora:
________________________________________________________________________________________________________________________
2006
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iii
RESUMO
A dissertação analisa as trajetórias profissionais de jovens trainees de uma
multinacional na cidade de Campinas, durante a década de noventa. Os sujeitos da
pesquisa são jovens egressos do sistema universitário paulista e com carreiras
profissionais direcionadas a supervisão, gerenciamento ou comando de empresas
privadas. Na análise dessas trajetórias foi possível apreender as formas flexíveis de uso
da força de trabalho pelas multinacionais. Também permite compreender as diferentes
possibilidades de atuação do capital na forma de influência que exerce nas
subjetividades construindo um trabalhador adaptado e que ao atender as exigências da
empresa, reproduz esse “modelo” nos postos de trabalho em que atua. Desde a
escolha do curso universitário os jovens estão construindo as trajetórias de inserção no
mercado de trabalho. Os percursos de formação dos jovens são fortemente
influenciados pelas famílias. Os programas de trainee se colocam como não somente
possibilidades de inserção no mercado de trabalho formal como também representam o
início da construção do trabalhador flexível.
v
ABSTRACT
The dissertation analyzes young trainees professional trajectories in a transnational
business organization in the city of Campinas during the decade of ninety. The subjects
of the research are young egress people from the São Paulo university system and with
professional careers guided to the supervision, management or leadership in private
enterprises. Analyzing these trajectories it was possible to understand the flexible forms
of using the forces of work by transnational business organizations. It is also possible to
understand the different possibilities of the capital performance in the way of influencing
in the subjetivities constructing a suitable worker and that, when he takes care of the
enterprises requirements, he reproduces this "model" in the work ranks where he acts.
In fact the young people have been building up the trajectories of their insertion in the
work market since they chose their university course. The way of young people are
formed are strongly influenced by the families. The trainee programs are not only
possibilities of insertion in the market of formal work as well as they represent the
beginning of the construction of the flexible worker.
vii
AGRADEÇO
Aos jovens que participaram da pesquisa, pela disponibilidade e desprendimento comque me passaram valiosas informações sobre suas vidas.
Aos meus pais que me ensinaram, através de suas atitudes que a ética e dignidade sãovalores essenciais.
Ao Fernando por seu amor incondicional, pelo companheirismo em todos os momentose por vibrar sempre com minhas conquistas.
Aos meus queridos filhos André e Luísa por me amarem na mesma intensidade que osamo, compreendendo minha ausência em alguns momentos, além de me ensinaremque a sensibilidade e persistência não devem jamais perder espaço em minha vida.
Aos meus irmãos, Luciano e João Paulo por fazerem parte da minha história e memostrarem a família como sinônimo de cumplicidade e amor.
A minha irmã Ana Claudia por sempre cuidar de mim e pela referência de otimismo,perseverança e, sobretudo de amor que coloca em tudo o que faz.
A Anamaria pelo incentivo e encorajamento para que eu colocasse a pesquisa emminha vida, além da imensa disponibilidade que sempre demonstrou.
A Profa. Dra. Aparecida Neri de Souza que com sua inestimável dedicação e paciênciasoube compreender minhas limitações sem deixar de estimular meu crescimento.
Ao Prof. Dr. José Roberto Montes Heloani e Profa. Dra. Dirce Maria Falcone Garciapelas valiosas contribuições no Exame e Qualificação e por aceitarem continuar comigonesta trajetória.
A Profa. Dra. Liliana R.P. Segnini com quem compartilhei meus primeirosquestionamentos e, que me deu valiosas contribuições.
A empresa que me deu todo o apoio e permitiu que eu desenvolvesse a pesquisa;
A todos que, em algum momento, contribuíram para que eu realizasse este trabalho.
ix
As imagens de leveza que busco não
devem, em contato com a realidade
presente e futura, dissolver-se como
sonhos...
Ítalo Calvino
xi
Sumário
Resumo
Abstract
Lista de siglas
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1
1. Os caminhos da pesquisa: os procedimentos metodológicos ............................. 5
1.1 A escolha da empresa....................................................................................... 5
1.2 Percurso da coleta de dados............................................................................. 8
1.2.1 O questionário .......................................................................................... 10
1.2.2 As entrevistas........................................................................................... 11
1.3 Quem são os jovens........................................................................................ 14
Capítulo 1. Juventude: uma construção social e cultural ..................................... 27
1. Juventude e mercado de trabalho no Brasil..................................................... 31
Capítulo 2. Da universidade ao ingresso no mercado de trabalho ...................... 37
1. A escolha do curso universitário ...................................................................... 37
2. A entrada no mercado de trabalho: estágios ................................................... 47
3. A entrada no mercado de trabalho:trainees .................................................... 57
4. Trabalho e emprego: qualificação ou competência ......................................... 54
xii
Capítulo 3 Programa de trainees:trabalhador flexível ......................................... 59
1. A trajetória dos trainees na empresa................................................................. 71
2. Saída ou Permanência: conformismo ou resistência ........................................ 77
3. As representações sobre o programa de trainees............................................. 80
Considerações finais ............................................................................................. 87
Referências Bibliográficas..................................................................................... 91
Anexos .................................................................................................................. 97
xiii
Lista de Siglas
GRESEC : Grupo de Recrutadores e Selecionadores de Campinas
MBA : Master of Business Administration
INTRODUÇÃO
O objetivo desta dissertação é a análise das trajetórias profissionais de egressos
das universidades que se inserem em programas de trainee. Serão analisadas as
formas e os resultados do processo de se introduzir, se relacionar e se integrar no
mercado de trabalho mediante programas de treinamento. A inserção no mercado de
trabalho assume formas estratificadas, segmentadas e hierarquizadas. As mudanças
nas formas de gestão e organização, denominadas de reestruturação das atividades
produtivas, e as dinâmicas do mercado de trabalho têm reflexos importantes no
processo de inserção e assumem formas sociais diferenciadas conforme o sexo, a
etnia, a idade, entre outros. As formas diferenciadas, as condições de inserção e seus
resultados nos indicam, também, as relações entre desigualdades de inserção e
desigualdades sociais. Os jovens, de forma geral, que necessitam entrar no mercado de
trabalho, enfrentam não somente as restrições de postos de trabalho ou de vagas, mas
também, dos requisitos de formação e qualificação profissional.
A presente pesquisa teve sua origem em minha experiência profissional. Trabalhei
na multinacional que ora estudo, e lá me defrontei com programas de treinamento de
jovens recém formados, nas consideradas, melhores universidades paulistas, e
indagava: o que levava estes jovens, com alta formação escolar, a procurar programas
desta natureza? Como jovens recém formados se inserem no mercado de trabalho? O
que acontece com estes jovens após estas experiências profissionais? Quem são os
jovens que se integram profissionalmente e permanecem em empresa multinacional?
Quem são os jovens que saem desta empresa? Para onde vão? Ficam desempregados
ou se inserem em postos de trabalho similares? O que a empresa espera com essa
iniciativa? Considerando a inserção bastante seletiva, quais seriam os elementos que
organizam este processo caracterizado como hierarquizado, seletivo e fragmentado?
Se o mercado de trabalho é uma esfera que circunscreve práticas sociais pelas
quais a força de trabalho é comprada e vendida, a correlação das forças, entre
2
empregadores, capitalistas e trabalhadores, e das condições sociais e econômicas
estabelecem a dinâmica do mercado, ainda que o Estado interfira nesta dinâmica,
regulando de algum modo, as condições do mercado. A crise dos anos setenta
fortaleceu políticas que objetivam, entre outras coisas, a flexibilização e a
desregulamentação das relações que constituem o mercado de trabalho (Sennett,1999,
Harvey,2000, Castell,1998). A escolha de uma forma especial de inserção no mercado
de trabalho – o programa de trainees – se coloca como fundamental para entender uma
das formas sob as quais o trabalho se apresenta.
A bibliografia na área da sociologia do trabalho tem nos evidenciado que, ao longo
das quatro últimas décadas, o mercado de trabalho sofreu profundas modificações
acentuando as desigualdades sociais e provocando altos índices de desemprego
(Segnini (2000), Pochmann (1999), Leite (2003), Hirata (2002)). Nas últimas décadas
em que a palavra-chave é flexibilidade passa a ser necessário que o uso do capital e as
relações de trabalho sejam flexíveis; este novo modo de acumulação é denominado por
Harvey (2000) de acumulação flexível do capital.
A acumulação flexível (...) é marcada por um confronto direto com a
rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de
trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de
consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção
inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços
financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional
(Harvey, 2000, p.140)
Frente a esse novo cenário, observa-se o novo trabalhador atendendo às
exigências do regime flexível, isto é, o trabalhador necessário a esta forma de
acumulação não mais executa suas tarefas de forma mecânica, como exigido no
modelo Fordista, mas trabalha em equipes, respondendo rapidamente a problemas dos
3
mais diversos domínios de conhecimento. O trabalhador especializado parece estar
sendo substituído por um trabalhador polivalente com conhecimentos genéricos. Não se
observa mais o trabalhador que possui uma visão fragmentada do local em que trabalha
e sim o que possui uma visão global do processo em que está inserido. Tal visão
permite a ele intervir de forma efetiva em eventuais problemas que possam lhe ser
apresentados. A flexibilidade exigida do trabalhador se estende em diversos âmbitos
como linhas de produção mais ágeis e contratos que não garantem direitos trabalhistas.
Para o trabalhador com vínculo formal de emprego a insegurança passa a fazer parte
do seu cotidiano, sendo o desemprego a possibilidade mais ameaçadora.
É frente a essas mudanças que Sennett (1999) nos mostra as conseqüências
sofridas pelo trabalhador para atender às exigências do regime de acumulação flexível
do capital. “O regime flexível talvez pareça gerar uma estrutura de caráter
constantemente em recuperação” (p.162), que parece também constantemente
reconstruir as subjetividades. Como essas mudanças reconstroem as subjetividades
dos trainees em sua inserção em relações de trabalho flexíveis?
Mattoso (1996) ressalta os fatores como a concorrência internacional,
desregulamentação do capitalismo e falta de posicionamento do Estado neste fim de
século XX que têm levado a economia mundial a uma crescente desordem refletindo-se
basicamente nos setores econômico e social. Assim, na ótica do autor, as
transformações pelas quais passa o sistema capitalista, provocam e intensificam
inseguranças no âmbito do trabalho. Se observarmos o Brasil, na década de 90,
podemos perceber o aumento da pobreza e da precarização do mercado de trabalho,
resultantes da retração das atividades produtivas e do aumento da economia informal.
É neste movimento que se inserem o incremento de programas de trainees,estagiários,
entre outros.
Da mesma forma, não se pode deixar de lado a questão da globalização do
capital, que incentiva a concorrência e gera conseqüências distintas direcionadas ao
trabalho e relações sociais. Se “A globalização do mundo abre outros horizontes sociais
4
e mentais para os indivíduos, grupos, classes e coletividade; nações e nacionalidades:
movimentos sociais e partidos políticos; correntes de opinião pública e estilos de
pensamento” (Ianni, 1999 p.16); ela também indica que viver na globalização é
enfrentar os riscos de uma sociedade em constante mutação (Sennet, 1999).
Nesse contexto, aparentemente caótico, observado nas últimas décadas em
relação ao mercado de trabalho é que se localiza a presente pesquisa: como um grupo
de jovens se insere no mercado de trabalho? Quais são os limites, os entraves, o
favorecimento do momento histórico para a inclusão profissional? Como sua trajetória
profissional se desenvolve ao longo dos anos?
Os questionamentos anteriores acabam por delinear a pergunta que orienta esta
pesquisa: O programa de trainee é um recurso utilizado pelo capital para a construção
do trabalhador flexível ? Como a empresa utiliza o programa de trainee para treinar e
moldar o jovem trabalhador de forma que seu desempenho seja coerente com suas
necessidades e, quais as conseqüências na subjetividade dos jovens que enxergam
nesses programas a possibilidade de ascensão e sucesso?
A partir daí, levantamos algumas hipóteses: uma delas aponta para a
possibilidade do programa de trainee ser um recurso utilizado pelo capital e que busca
desenvolver habilidades e competências que tornarão o jovem um trabalhador flexível.
Entendemos por trabalhador flexível aquele que é polivalente e se adapta às constantes
mudanças e exigências do seu local de trabalho.
Uma segunda hipótese sugere que os programas de trainee proporcionam ao
jovem uma condição que o diferencia no mercado de trabalho facilitando assim a sua
inserção em outras empresas. Uma vez o jovem sendo “treinado” e adaptado ao
trabalho flexível, é possível que venha a atender às necessidades de outras empresas
que exijam os mesmos comportamentos.
5
Esta hipótese sugere indagações: como a alta qualificação, supostamente
empreendida antes do seu ingresso no mercado do trabalho, e como os critérios de
escolha do curso universitário se relacionam com a origem social destes jovens. Assim,
a análise sobre as condições de ingresso no mercado de trabalho se cruza com o
processo de inserção profissional. Se o primeiro refere-se à integração num
determinado meio social (o mercado), o segundo refere-se à integração a um meio
profissional (quadros dirigentes de uma empresa multinacional). É nesta perspectiva
que analisaremos as trajetórias profissionais e discutiremos as relações entre as
desigualdades de inserção no mercado de trabalho e as desigualdades sociais. Dito de
outra forma, a inserção no mercado de trabalho e também profissional será apreendida
também como uma inserção social (Machado, 2000, p. 189).
O tema em questão, tanto relativo a um grupo de jovens que faziam parte de um
processo de trainee, sua trajetória profissional após o término do programa, como a
possível identificação e relação com sua classe social, nos indica ser esta uma temática
relevante para compreender os jovens, egressos do sistema universitário em contextos
sociais diferenciados e suas relações com o trabalho.
A partir destes questionamentos foi escolhido um grupo de doze jovens que
ingressou no mundo do trabalho através de um programa de trainees. Dando conta de
que esse grupo iniciou sua trajetória profissional em 1994, optou-se por identificar,
durante esses 10 anos, o caminho percorrido por eles.
1. Os caminhos da pesquisa: os procedimentos metodológicos
1.1 A escolha da empresa
6
Uma empresa privada foi escolhida como local mais adequado para a coleta de
dados, pois concentrava o maior número de programas de trainee na época em que
iniciamos a pesquisa, ao contrário das empresas públicas.
Embora não seja objetivo da dissertação discutir os motivos pelos quais o setor
privado recorre com maior intensidade aos programas de trainee, cabe uma análise no
que diz respeito aos modelos de gestão adotados por ambas. Observamos que as
empresas públicas utilizando o concurso público como forma de seleção de seus
trabalhadores não possuem a mesma autonomia que as empresas privadas na escolha
dos seus quadros. Tanto na empresa privada quanto no setor público é possível definir
qual o trabalhador mais adequado a cada posto de trabalho. Entretanto, a empresa
privada é mais ágil e valoriza as habilidades comportamentais ao invés dos
conhecimentos técnicos. Um outro fator que talvez caracterize a menor incidência de
tais programas no setor público seja a restrição quanto à mobilidade de cargos e
funções que a empresa privada oferece, já que tais programas visam à substituição de
pessoas e reordenação dos quadros.
O caminho percorrido, para definir em qual empresa seria realizada a pesquisa
teve seu início com a idéia de utilizar a mesma empresa em que a pesquisadora havia
trabalhado, pois foi lá, através do primeiro programa de trainee que alguns
questionamentos começaram a surgir. Optamos, no entanto, por realizar um
levantamento em uma das reuniões mensais do GRESEC1, em julho de 2001 tendo
como objetivo identificar um número aproximado de empresas que possuíam o
programa de trainee na região de Campinas. Nessa reunião estavam representadas 14
empresas e, através do levantamento, identificamos que seis possuíam programa de
trainee sendo que todos com início na década de 90.
1 O Grupo de Recrutadores e Selecionadores de Campinas é composto por diversas empresas da região de Campinasque, através de seus representantes, reúnem-se mensalmente e discutem aspectos pertinentes às práticas adotadas naárea de Recrutamento e Seleção. São também compartilhadas vagas de emprego disponíveis e indicações de pessoasque possam vir a ocupá-las.
7
O acesso a essa informação foi possível através de uma das profissionais que,
fazendo parte desse grupo, se dispôs a realizar o levantamento. Através de um
formulário contendo o nome de todas as empresas, cada representante assinalou se
possuía ou não programa de trainee e, em caso afirmativo, a data do seu início.
Embora outras empresas possuíssem o programa, nos pareceu mais fácil
desenvolver a pesquisa na empresa em que a pesquisadora havia trabalhado. A
facilidade se traduz por ter acompanhado a primeira turma de 12 trainees em 1994 e
conhecer as pessoas que foram responsáveis por sua implantação e desenvolvimento.
Ter previamente essas informações fez com que “ganhássemos tempo” ao invés
de buscar em outra empresa as mesmas características. De certa forma, o
levantamento realizada no grupo de empresas de Campinas só veio nos reforçar a idéia
anterior de utilizá-la como local da pesquisa.
A opção por analisar a primeira turma do programa de trainees se justifica por
fatores como: ter seu início em uma época em que mudanças nos âmbitos econômico e
social aconteceram de forma intensa além de ser, a primeira turma, um interessante
referencial para a possível análise futura das turmas subseqüentes. Embora não seja
objetivo desta pesquisa analisar com detalhes a evolução do programa de trainees ao
longo de 10 anos, a primeira turma nos fornece indícios para que possamos compará-la
com as demais.
Devido ao compromisso assumido ao iniciarmos a pesquisa nesta empresa em
não revelar sua identidade, optamos por denominá-la de empresa pesquisada ou
empresa estudada.
A empresa pesquisada tem sua matriz nos Estados Unidos e está representada
em 40 países. Fabrica uma gama de aproximadamente 1000 produtos básicos, dos
quais derivam 25 mil itens. Alguns desses itens são fabricados no Brasil onde estão
8
situadas três fábricas, todas no interior de S.Paulo: Itapetininga, Ribeirão Preto e
Sumaré. Esta última próxima à cidade de Campinas, local em que foi realizada a
pesquisa. A empresa pesquisada possui atualmente 1800 trabalhadores dos 2500
sediados no Brasil2 e goza de prestígio no meio empresarial. Uma de suas marcantes
características é possuir a imagem de empresa que busca constantemente aumentar a
gama de seus produtos além de atribuir a eles, características que os diferenciam frente
aos produtos similares de outras empresas. Por possuir a imagem de uma empresa
inovadora, a empresa pesquisada busca em seus trabalhadores habilidades e saberes
que possam alimentar essa imagem. Para isso utiliza constantemente treinamentos que
estimulam a criatividade, o trabalho em equipe, dentre outros, com enfoque
comportamental. Alguns desses treinamentos são padronizados e reproduzidos para
quase a totalidade dos trabalhadores. Através dessa iniciativa observamos a intenção
em adequar cada vez mais o trabalhador aos padrões exigidos pelo capital. A hierarquia
dos postos de trabalho, embora em constante reformulação, estimula nos trabalhadores
a busca de ascensão ao mesmo tempo em que reproduzem os antigos modelos de
gestão.
Uma vez definida em qual empresa realizaríamos a pesquisa procuramos
identificar qual recurso seria o mais indicado para a coleta de dados, sendo que, o
questionário e a entrevista nos pareceram os mais adequados. A entrevista direcionada
à pessoa que pudesse fornecer dados sobre o primeiro programa de trainee nos
pareceu adequada, pois, através dela seria possível explorar de forma mais abrangente
todos os aspectos envolvidos no programa sob o olhar da empresa. Quanto ao
questionário optamos por direcioná-lo aos jovens, objeto de estudo da pesquisa, uma
vez que observamos que tal recurso seria suficiente para a coleta das informações.
1.2 Percurso da coleta de dados
2 Os dados referentes ao número de trabalhadores foram fornecidos por uma trabalhadora do Departamento Pessoalem novembro de 2004.
9
O primeiro contato na empresa pesquisada foi realizado através da Gerente de
Recrutamento e Seleção responsável pelo programa de trainee no ano de 1994, com o
objetivo de que ela pudesse fornecer as informações acerca do programa em si, como
também fornecer pistas sobre a localização dos 12 jovens. Essa informante foi de
extrema importância para a pesquisa, pois, pertencendo ao departamento de
Recrutamento e Seleção, na época, organizou e foi responsável por todo o processo de
inserção dos jovens na empresa, desde a divulgação do programa nas universidades e
jornais, até entrevistas, dinâmicas de grupo e contratação. Hoje possui um cargo de
liderança coordenando as áreas de Recrutamento e Seleção, Treinamento e
Desenvolvimento e Avaliação de Desempenho.
Através de entrevista, a partir de um roteiro pré-estabelecido, procuramos
conhecer todo o processo desenvolvido: como o programa foi estruturado, como os
jovens foram recrutados, sua inserção no programa e andamento do mesmo. Dessa
forma, pudemos conhecer o programa de trainee mais detalhadamente, além de obter
informações relevantes sob a ótica de uma representante da empresa. O seu
depoimento representou, naquele momento a postura e os valores da empresa frente
aos programas de trainee: quais as expectativas da empresa, por que iniciar um
programa dessa natureza, como a empresa via esses jovens e como os vê hoje.
Justifica-se a escolha da entrevista semi-estruturada, por se tratar de um
instrumento extremamente rico3 uma vez que, dá ao entrevistador a flexibilidade e
oportunidade de aprofundar algumas questões no mesmo instante em que são
levantadas. A opção de direcionar, em um primeiro momento, a entrevista ao
representante da empresa, deve-se ao fato de buscar em seu depoimento questões
pertinentes a todo o processo que envolveu o programa de trainee, buscando assim
apreender sua história. Optamos por direcionar ao grupo de jovens o questionário,
3 “Pensamos em dados ricos como aqueles que contém grande especificidade e detalhamento a respeitodos eventos estudados. (...) tornam difícil para o observador restringir suas observações de maneira aver apenas o que sustenta seus preconceitos e expectativas” (Becker, 1999, p.84).
10
visando, sobretudo a padronização das respostas, e o acesso aos informantes que se
encontravam fora do país. O fato de que todos vivenciaram em um mesmo período, as
mesmas situações fez com que buscássemos no questionário a maior parte das
respostas pertinentes a esse grupo.
A questão sobre a localização dos jovens foi esclarecida e, embora a informante
não obtivesse dados sobre a localização de todos, relatou que, dos três jovens que
ainda permaneciam na empresa, dois haviam se mudado para os Estados Unidos e um
ainda se encontrava naquela unidade. Sendo assim, o próximo passo foi entrar em
contato com esse que ainda permanecia no Brasil e, através dele identificar a
localização dos demais.
Através do contato com o jovem que ainda permanece na empresa obtivemos
acesso ao endereço via e-mail de dez dos doze jovens que faziam parte do primeiro
grupo de trainees da empresa pesquisada. Sendo assim, o questionário foi elaborado e
enviado por e-mail aos onze jovens, incluindo nesse caso o jovem que nos forneceu os
10 endereços. O envio do questionário foi acompanhado de uma mensagem explicando
o objetivo e agradecendo a participação.
1.2.1O questionário
O questionário foi elaborado com objetivo de obter o maior número de informações
necessárias quanto ao perfil de cada jovem: escolarização, trajetória profissional dentro
da empresa pesquisada e fora dela. A sua divisão pelos itens4: identificação,
escolaridade e trajetória profissional nos dá a possibilidade de obter dados que,
agrupados trazem semelhanças e diferenças quanto ao perfil dos jovens. Este
questionário foi estruturado de tal forma que o informante encontrasse questões em que
pudesse escolher a resposta dentre várias opções e, também, perguntas abertas para
11
que pudesse escrever livremente. Uma das preocupações foi adequar o número de
itens de forma que não se tornasse cansativo sem, no entanto, deixar de abranger as
informações necessárias.
De um total de onze questionários enviados por e-mail, oito retornaram
preenchidos, um dos destinatários não foi encontrado pelo sistema e dois,
aparentemente, optaram por não responder.
A princípio a expectativa era de que os questionários seriam suficientes e que
trariam as respostas e informações necessárias. No entanto, as respostas encontradas
não foram completas o bastante, então optamos por realizar as entrevistas. Neste caso
o questionário mostrou-se um recurso pouco adequado uma vez que todas as
informações contidas nele poderiam ter sido coletadas na entrevista, desde o primeiro
momento. Sendo assim, optamos por utilizar a entrevista semi-estruturada como um
segundo recurso para complementar os dados obtidos no questionário, considerando
que, o número de informantes nos permitiria sua realização.
A partir do momento em que optamos por realizar as entrevistas, pudemos refletir
sobre o questionário como um recurso de coleta de dados que nos traria a limitação em
apreender a subjetividade do informante, limitação essa menos presente durante a
entrevista.
Todos os questionários que retornaram, vieram acompanhados de mensagens em
que o informante se colocava a disposição para maiores esclarecimentos, o que
facilitou a retomada do contato para agendar a entrevista.
1.2.2 As entrevistas
4 Vide anexo 1
12
Levando-se em consideração o número razoavelmente reduzido de informantes, a
entrevista foi confirmada como melhor opção uma vez que poderia nos fornecer com
maior exatidão os dados para análise. Dos oito questionários que retornaram optamos
por realizar seis entrevistas, uma vez que um encontrava-se fora do país e o outro não
pode ser localizado posteriormente.
Utilizar a entrevista como recurso na coleta de dados é, antes de tudo, criar a
possibilidade de entrar em contato com narrativas que traduzem momentos vividos e
emoções não registradas por outro tipo de documento.
A história oral pode captar a experiência efetiva dos narradores, mas
destes também recolhe tradições e mitos, narrativas de ficção, crenças
existentes no grupo, assim como relatos que contadores de histórias,
poetas, cantadores inventam num momento dado. Na verdade, tudo
quanto se narra oralmente é história, seja a história de alguém, seja a
história de um grupo, seja a história real, seja ela mítica. (Queiroz,
1991, p.5)
Utilizando-se do contato estabelecido através do questionário, as entrevistas
foram agendadas por telefone. Cabe ressaltar que a disponibilidade em ceder a
entrevista demonstrada por parte dos informantes foi imediata e, um componente que
facilitou sua realização foi a localização dos informantes, dos seis jovens entrevistados
cinco encontravam-se na cidade de S.Paulo e um na empresa pesquisada. Através de
um roteiro pré-estabelecido, as perguntas foram sendo realizadas e registradas em
gravador5, para posterior transcrição. Ao solicitar ao informante a permissão para
utilização do gravador foi-lhe dada a possibilidade de pedir para que o desligássemos a
qualquer instante, caso não fosse de seu desejo registrar seu depoimento naquele
momento. Tais perguntas se dividiam entre explorar algumas respostas contidas no
5 A utilização do gravador tornou-se extremamente importante, pois, permitiu ao pesquisador se ater a questõespertinentes a entrevista, (incluindo o contato visual), ao invés de se preocupar em registrar no papel a fala doinformante.
13
questionário e buscar novas informações. Optamos por ter o questionário respondido
em mãos com o objetivo de relembrar o informante suas respostas e assim poder
explorá-las de forma mais completa evitando que a pergunta não fosse respondida da
mesma maneira que havia sido respondida anteriormente.
Quanto às novas questões, procuramos inseri-las à medida que o informante nos
trazia algum fato novo e que fosse pertinente com o assunto que gostaríamos de
abordar. Embora o roteiro tenha sido um grande aliado na elaboração das questões ele
nem sempre foi seguido na sua íntegra, uma vez que, durante as entrevistas
procuramos privilegiar o depoimento do informante e, nesse momento, foram
acrescentados vários questionamentos que não estavam previstos.
Com exceção de uma entrevista todas as demais foram realizadas nos locais em
que os jovens trabalham atualmente, o que foi bastante significativo, pois, nos foi
possível entrar em contato, além dos conteúdos relatados durante a entrevista, com o
ambiente de trabalho que vivenciam hoje: grandes empresas, salas individuais
conquistadas durante sua trajetória profissional e que condizem com o cargo de
liderança que na sua maioria ocupam.
Todos os jovens, sem exceção, foram extremamente atenciosos e colaboradores,
colocando-se à disposição caso necessitássemos de mais alguma informação.
As entrevistas foram registradas em fichas individuais com o objetivo de
documentar com maior exatidão os dados coletados. A partir desse levantamento nos
foi possível estabelecer semelhanças e diferenças presentes nos relatos. Encontramos
questões que puderam direcionar a pesquisa e que até aquele momento ainda não
haviam sido pensadas de forma tão contundente, como o papel da família na escolha
da carreira universitária e as decisões em relação à carreira profissional tomadas
recentemente.
14
Durante as entrevistas foram tomados alguns cuidados em relação à forma de
abordagem, levando-se em conta a subjetividade e respeito ao informante.
A análise das entrevistas foi realizada levando-se em consideração questões
pertinentes à pesquisa e que pudessem responder aos questionamentos levantados
anteriormente. Buscou-se para tanto, estabelecer uma ordem cronológica que
abarcasse os dez anos em questão, considerando as questões familiares presentes nos
processos de escolha, o curso universitário freqüentado, o início da vida profissional, a
trajetória dentro da empresa pesquisada e fora dela, e o momento atual no que tange
às perspectivas futuras.
A opção em utilizar recursos que contemplassem tanto a análise quantitativa
quanto qualitativa nos pareceu a mais adequada, porém, ao longo da pesquisa ao
estender a utilização da entrevista a todos os informantes, pudemos obter dados para
uma análise que vai além de dados estatísticos e que contemplam informações
relacionadas às subjetividades dos informantes, como ressalta Queiroz (1992 p.23):
Embora a ordem introduzida pelo pesquisador no universo de dados
em estudo por meio da quantificação possa parecer a melhor maneira
de se chegar ao conhecimento dos mesmos, ela somente narra o que
se encontrou; não desvenda por que motivos ou razões a coleção de
indivíduos assim analisada age consciente ou inconscientemente.
Sendo assim, o caminho percorrido durante a pesquisa foi se modificando à
medida em que observávamos a necessidade de um maior aprofundamento na coleta
de dados. Embora não utilizando os recursos escolhidos de forma linear acreditamos
que a pesquisa é uma construção e como tal se transforma e se adapta a cada
momento.
15
1.3 Quem são os jovens.
Os jovens, sujeitos de estudo dessa pesquisa, em 1994 eram recém-formados nos
seguintes cursos superiores: Comunicação Social, Administração de Empresas,
Propaganda e Marketing e Engenharia Química; e tinham entre 22 e 24 anos.
Quanto à trajetória escolar no ensino fundamental e médio podemos constatar que
todos os jovens cursaram escolas privadas, algumas bastante conhecidas e
prestigiadas nas cidades em que estão sediadas.
A formação escolar desses jovens nos evidencia uma distância considerável de
grande parte da população jovem no Brasil que, por inúmeros motivos de ordem
econômica e social, não freqüenta a escola ou não conclui nem ao menos o ensino
fundamental.
Estamos falando, nesta pesquisa, de um grupo de jovens que, mesmo frente a um
cenário assustador referente aos índices de analfabetismo constatado em nosso país,
pode estudar em escolas reconhecidamente tradicionais e prestigiadas.
A relação existente entre a instituição escolar e a família nos mostra a
preocupação e intenção dos pais em, desde o início da vida escolar do filho. Colocá-lo
em instituições que privilegiem, além dos conteúdos “formais”, estratégias que
desenvolvam habilidades como criatividade, cooperação, flexibilidade. Colocar os filhos
em escolas conceituadas nos traz a idéia de que, a busca pela “boa” formação escolar
gradativamente lhe assegura um caminho promissor, começando pela inclusão em
universidades prestigiadas e por conseguinte facilidade de inclusão no mercado de
trabalho. Poderíamos afirmar, então, que a escola torna-se um veículo para a formação
de trabalhadores, com maior ênfase nas escolas privadas, porém, visível também no
sistema público de ensino.
16
Observamos no grupo pesquisado o pertencimento a uma camada social média e
alta6, comprovado através dos depoimentos e dados contidos nos questionários. São
indicadores deste pertencimento de classe o nível de escolarização dos pais e o acesso
a bens culturais. O nível de escolarização dos pais, na sua grande maioria, é
universitário: médicos, engenheiros, administradores de empresa e arquitetos, entre
outros. Os jovens tiveram oportunidade de viajar a outros países e aprender outros
idiomas, mesmo antes de ingressarem no programa de trainee. Alguns, em seus
depoimentos, relatam que o diálogo em outro idioma na família é comum; como, por
exemplo, três deles possuem dupla nacionalidade (Franco de nacionalidade francesa ,
Paula de nacionalidade chilena e Karen, de nacionalidade chinesa) e uma quarta (Taís,
cuja mãe é professora de inglês em um curso superior).
Saber um outro idioma representa nos dias de hoje, mais que desejável, uma
condição exigida na maioria dos postos de trabalho. Os processos de seleção contam
com testes específicos que apontam o nível de conhecimento do candidato. Surge daí a
preocupação dos pais em garantir esse conhecimento aos filhos desde a infância.
Quanto ao sexo, podemos observar o grupo de doze jovens dividido em cinco
mulheres e sete homens. O número bem próximo do equilíbrio entre homens e
mulheres pode ser um indicador da maior inclusão do sexo feminino no mercado de
trabalho observado na década de 90. Além disso, o que nos chama a atenção, é o fato
de que todas as mulheres possuem curso superior voltado para a área das ciências
humanas: Marketing, Comunicação Social e Administração de Empresas, enquanto os
homens, com exceção de um, voltado para a área tecnológica: engenharia química.
6 Classe social é compreendida aqui no sentido atribuído por Weber (1971), p. 212: “Podemos falar de uma “classe”quando: 1) certo número de pessoas tem em comum um componente causal específico em suas oportunidades devida, e na medida em que 2) esse componente é representado exclusivamente pelos interesses econômicos daposse de bens e oportunidades de renda, e 3) é representado sob as condições de mercado de produtos ou mercadode trabalho. [Esses pontos referem-se à situação de classe, que podemos expressar mais sucintamente comooportunidade típica de uma oferta de bens, de condições de vida exteriores e experiências pessoais de vida, e namedida em que essa oportunidade é determinada pelo volume e tipo de poder ou na falta deles, de dispor de bens ouhabilidades em benefício de renda de uma determinada ordem econômica. A palavra “classe” refere-se a qualquergrupo de pessoas que se encontrem na mesma situação de classe].“
17
No quadro abaixo apresentamos os oito jovens que responderam ao questionário
conforme o curso e a instituição. Com o objetivo de preservar a identidade dos
informantes optamos por atribuir-lhes no texto nomes fictícios. São eles: Franco, Paula,
Taís, Nicolas, Karen, Marcos, Ricardo e Camila. Os dois últimos constam da tabela,
porém não foram entrevistados. Sendo assim consideramos seus dados relativos ao
questionário como uma informação a mais na análise.
Quadro 1 : Sujeitos da pesquisa e o curso universitário
Nome Curso universitário Local Observações
Camila Propaganda eMarketing
Instituto Superior de ComunicaçãoPublicitária - Anhembi Morumbi
Marcos Engenharia Química Universidade de Campinas –UNICAMP
Franco Engenharia Química Universidade de Campinas –UNICAMP
Karen Comunicação Social Escola Superior de Propaganda eMarketing – ESPM
Cursou 2 anos deengenharia naUNICAMP antes deengessar no curso decomunicação social
Nicolas Engenharia Química Universidade de Campinas –UNICAMP
Cursou 1 ano deadministração na FGVantes da Eng.Química
Paula Administração deEmpresas
Faculdades Metropolitanas Unidas– FMU
Ricardo Comunicação Social Escola Superior de propaganda eMarketing –ESPM
Taís Comunicação Social Escola Superior de Propaganda eMarketing –ESPM
Fonte: Pesquisadora- Pesquisa de Campo
18
Os jovens trazem ao mesmo tempo características muito similares relacionadas ao
início da sua trajetória profissional, e que vão se distanciando à medida que o tempo
passa. Todos os jovens ao entrarem no programa de trainee apresentavam
praticamente as mesmas expectativas. Tais expectativas ao longo do tempo tomam
formas diferentes para cada um deles à medida que vivenciam situações
individualizadas. Se há similitudes no início da carreira, quais são os elementos que os
diferenciam nas trajetórias?
Entender e poder analisar a história individual é, também, entender as influências
dos fatores sociais, culturais e econômicos. Como ressalta Queiroz, a interação entre
esses diversos fatores é o que constitui a individualidade.
No entanto, o que existe de individual e único numa pessoa é excedido,
em todos seus aspectos, por uma infinidade de influências que nela se
cruzam e às quais não pode por nenhum meio escapar, de ações que
sobre ela se exercem e que lhe são inteiramente exteriores. Tudo isto
constitui o meio em que vive e pelo qual é moldada; finalmente, sua
personalidade, aparentemente tão peculiar, é o resultado da interação
entre suas especificidades, todo o seu ambiente, todas as coletividades
em que se insere. (1991, p.21)
Com o objetivo de refletir sobre essa individualidade descrevemos a seguir um
breve relato de cada jovem entrevistado. Nesta descrição buscamos privilegiar alguns
detalhes observados durante a entrevista, além de conteúdos pertinentes à pesquisa.
Karen
19
Karen tem 35 anos e possui descendência chinesa. Seus pais vieram para o Brasil
há 30 anos. O que os motivou foi a busca de um mercado de trabalho mais promissor
para o pai que trabalhava com tecnologia de tecidos na China.
Durante a entrevista comentou diversas vezes sobre sua família, dando bastante
ênfase ao quanto foi exigida e cobrada pelos pais, pelo fato de ser a filha mais velha.
“Ter que cursar o Bandeirantes e não fazer cursinho “ eram algumas das exigências.
Fazer o Bandeirantes se traduz em investir na educação proveniente de uma instituição
reconhecida, não fazer cursinho representa a expectativa do ingresso na universidade
logo após a conclusão do ensino médio.
A exigência, por parte deles, de que ela fizesse uma faculdade direcionada para
a área de exatas, a fez substituir seu desejo de cursar Arquitetura e ingressar no curso
de Engenharia Química, segundo ela, “passar em alguma coisa seria sua carta de
alforria”. Mesmo contra o desejo dos pais interrompeu o curso de Engenharia e iniciou o
curso de marketing. Logo após sua conclusão foi admitida no programa de trainee da
empresa pesquisada.
Quanto ao período em que esteve na empresa pesquisada, Karen relata as
dificuldades que enfrentou como a resistência por parte dos trabalhadores mais antigos
e as situações de sucesso como as promoções e o reconhecimento, por parte de
algumas empresas que até hoje se lembram dela como uma funcionária da empresa
pesquisada que lhes deu palestras e treinamentos sobre o produto que estava sob sua
responsabilidade.
Permaneceu na empresa por sete anos e optou sair por não ver mais perspectivas
de ascensão na carreira. Embora tenha sido sua a opção por sair, hoje, considera que
foi um “erro” e que se precipitou. Após essa experiência ficou 4 meses desempregada e
conseguiu um novo emprego no qual está até hoje. Seu cargo tem o nome de gerente
de marketing sendo que 13 pessoas respondem diretamente a ela.
20
Suas perspectivas profissionais seguem duas possibilidades diferentes, a primeira
de investir em um negócio próprio com o namorado e a segunda que ainda não está
descartada que seria a de ser contratada por uma outra empresa. Karen considera que
o lugar que ocupa hoje não a satisfaz totalmente.
Nicolas
Nicolas tem 34 anos. É um rapaz divertido, porém de poucas palavras.
Proveniente de uma cidade do interior de S.Paulo migrou para Campinas para cursar a
faculdade de Engenharia Química após interromper o curso de Administração na
Faculdade Getúlio Vargas em S.Paulo. Ao optar pela Engenharia Química Nicolas
admite que não fez a faculdade que desejava. Mesmo percebendo isso no meio do
curso resolveu concluí-lo e especializar-se em marketing logo após.
Fez estágio em uma grande multinacional durante a graduação, sendo este o local
em que gostaria de permanecer após a conclusão do curso superior. Relata que
participou do processo seletivo na empresa pesquidada “por acidente” e, por este
motivo, não tinha expectativa de ser aprovado.
21
Considera que o programa o ajudou, embora a empresa não cumprisse com o
que havia prometido no início do programa, ou seja, criar um plano de carreira que
proporcionasse promoções em um curto espaço de tempo.
Dos doze trainees que entraram em sua turma, ele é um dos três que ainda
permanece. Desde o início até agora, mudou de posto de trabalho sete vezes e
considera que sua ascensão foi rápida, comparado aos demais. Atualmente seu cargo é
Gerente de Fusões e Aquisições.
Durante a entrevista, quando questionado sobre seus planos para o futuro, até diz
que gostaria de sair da empresa, mas que “por enquanto vai levando” e “chegou bem
mais longe do que imaginava”. Espera passar um tempo no exterior e retornar ao Brasil
ainda trabalhando nela.
Algumas propostas aparecem por intermédio de consultorias, mas Nicolas relata
que ainda não apareceu algo que lhe agradasse.
Taís
Taís tem 33 anos é bem expansiva, e seu depoimento foi permeado sempre por
momentos de descontração. A entrevista foi em sua casa, sendo a única das seis
entrevistas, realizada em um local fora do ambiente de trabalho.
Na época em que foi realizada a seleção na empresa pesquisada participou de um
processo em outra empresa sendo aprovada nas duas. Optou a princípio pela segunda,
22
mas, um mês após concluiu que não se adaptaria àquele tipo de trabalho e solicitou à
empresa pesquisada que reconsiderasse e a chamasse novamente. Lá permaneceu
durante seis anos até que aceitou uma proposta de outra empresa. Taís comenta sobre
a empresa pesquisada e sobre o programa de trainee com muito entusiasmo.
Resolveu sair, pois segundo ela “estava ficando especializada” e “queria um
desafio diferente”. Durante três anos permaneceu nessa empresa sendo promovida a
gerente de marketing da América Latina. Depois de várias reestruturações que não lhe
agradaram, provenientes de uma fusão com outra empresa, Taís se desligou e mudou-
se com seu marido para o Rio de Janeiro. Lá procurou emprego, fez várias entrevistas,
mas nada efetivo. Juntou-se a mais duas amigas e montaram uma consultoria de
marketing para pequenas e médias empresas. Mudou-se novamente para S.Paulo e
agora busca novas alternativas de trabalho, no entanto, diz que acha difícil com o filho
pequeno “voltar para o esquema em empresa”. Uma possibilidade que Taís comenta é
a de voltar gerenciar um site de venda de produtos importados que estava sob a
responsabilidade de seu marido, mas funcionando de forma precária. Nessa hora seu
depoimento pareceu exprimir um sentimento de desconforto por não estar trabalhando.
Taís chega a pedir de maneira informal: “Não vá escrever que eu não estou fazendo
nada, heim!”.
Paula
23
Paula tem 34 anos e com treze anos, em 1973, mudou-se com sua família do
Chile para Brasil, quando seu pai foi transferido por motivo de trabalho. Parece ser
bastante decidida e sorri pouco. Durante todo o seu depoimento mostra um raciocínio
lógico bastante grande.
Escolheu o curso de Administração por este apresentar duas frentes que lhe
interessavam: a área de ciências exatas na qual sempre teve facilidade, sem deixar de
lado o foco em marketing.
Durante o último ano na faculdade fez estágio em uma grande multinacional na
área de marketing. Segundo ela “todos deveriam passar por lá, ela mostra que é uma
empresa estruturada e com visão de longo prazo”. Entrou na empresa pesquisada logo
que se formou. Durante os seis anos em que ficou lá, trabalhou em dois setores
diferentes: o primeiro foi apenas uma “portinha de entrada” para galgar outras posições
mais estratégicas. Foi promovida para um segundo setor e optou por sair por não ver
possibilidade de crescimento e por não querer se mudar de S.Paulo. Foi contratada em
uma empresa que lhe ofereceu o dobro do salário e uma promoção. Permaneceu
durante dois anos e, embora comente que foi uma “boa escola”, diz que não é o perfil
de empresa que lhe agrada, pois trabalha sem metas muito definidas onde “tudo se dá
um jeitinho”. Ao contrário dessa última, a empresa em que trabalha há dois anos, tem
“certas regras a serem cumpridas” e “visão de médio e longo prazo”. Atualmente é
Gerente de Grupo de uma empresa multinacional do segmento farmacêutico sendo que
sete pessoas são subordinadas diretamente a ela, e seu grupo responde por 70% do
resultado da divisão de consumo.
Paula se considera “bastante realizada” O seu desejo em continuar crescendo
profissionalmente dentro da empresa em que está é bastante visível, acrescenta que já
existem possibilidades de ser transferida para alguma unidade no exterior: “Eu sou uma
pessoa que sempre quero mais, busco novos desafios”.
24
Franco
Franco tem 34 anos, migrou do Rio de Janeiro para Campinas para cursar
Engenharia Química na Unicamp. Durante seu curso fez estágio em três lugares
diferentes sendo que, todos foram conseguidos por intermédio de seu pai que, na
época era consultor de empresas e mantinha contato com tais empresas. A partir
dessas experiências concluiu que não gostaria de ser “engenheiro de chão de fábrica” e
procurou um programa de trainee que, sob sua ótica era mais “generalista”. Alguns
fatores que considera relevantes na sua formação são os três idiomas que fala,
Português, Francês (Sua mãe é francesa o que facilitou o aprendizado) e Inglês, estes
últimos fluentes, além das viagens ao exterior que fez quando ainda cursava a
faculdade.
Para ele, o programa de trainee do qual participou lhe proporcionou a
possibilidade de conhecer muitas pessoas e produtos o que sem dúvida lhe abriu
muitas portas. Permaneceu na empresa pesquisada por 4 anos e meio e sua opção por
sair foi em virtude de não ver a possibilidade de , em um curto espaço de tempo , ser
transferido para outro país, o que era seu desejo. Nessa empresa, segundo ele, o que
acontecia era um “jogo de paciência” em relação às promoções e ele esperava algo
bem mais rápido. Acha inclusive que esperou muito, “se eu tivesse saído antes, acho
que seria melhor”.
Optou então por fazer um MBA no exterior arcando com os custos. O curso teve a
duração de dois anos sendo que, ao final Franco obteve uma proposta de emprego lá
mesmo. Optou por voltar ao Brasil uma vez que a mesma empresa lhe oferecia essa
oportunidade aqui. Há três anos e meio trabalha nessa empresa de consultoria e está
prestes a ser transferido para a Europa.
25
Durante a entrevista nos deu a impressão de que sua trajetória profissional
sempre foi bem calculada e planejada. Franco parece ter muito claras suas metas e o
tempo estimado para atingir cada uma delas.
Marcos
Marcos tem 33 anos e, em seu depoimento diversas vezes se refere a seu pai
como alguém bastante autoritário e ultrapassado. Ao comentar sobre a tentativa de
influenciá-lo quanto a sua escolha profissional diz; “ele é da velha guarda que pensa
que engenharia é muito melhor, pensa em marketing há onze anos atrás”. Mesmo
pensando dessa maneira, fez o curso de engenharia sugerido pelo pai com a intenção
de utilizá-lo na área de marketing, seu desejo desde o início.
A idéia de direcionar sua carreira para a área de marketing o acompanhou durante
todo seu curso superior. Os estágios que fez em outras empresas durante a faculdade
além de lhe proporcionar o contato com essa área, segundo ele foi o que fez a
diferença para que fosse aprovado no programa de trainee da empresa pesquisada.
Permaneceu lá por quatro anos e considera que foi difícil deixá-la por tudo o que a
empresa lhe representava naquele momento. Estar “desmotivado” e a necessidade de
“conhecer alguma coisa diferente” foram os motivos que o levaram a sair. Passou por
mais duas empresas antes desta que está hoje. Segundo ele é uma empresa que
funciona como um fundo de investimentos e dá todo o suporte a empresas que estão
começando. Sua função hoje é assessorar essas pequenas empresas na área de
marketing.
Marcos já possui uma consultoria que funciona paralela ao seu trabalho na
empresa. Quanto ao futuro Marcos pretende investir em algo próprio, não
necessariamente a consultoria, mas algo em que ele possa aplicar todos seus
conhecimentos e que lhe dê “prazer”.
26
Os retratos desses jovens, descritos neste capítulo, fazem parte de uma história
em que tantos outros jovens aparecem, constituindo culturas diferentes, trajetórias
diferentes e definições de juventude diferentes. Compreender a trajetória desses jovens
é também compreender sua localização no tempo e espaço nesta diversidade de
“juventudes” que encontramos ao longo da história em nosso país.
Através dos recursos metodológicos utilizados na pesquisa nos foi possível entrar
em contato com o universo de cada jovem e, a partir daí, refletir sobre a sua trajetória
ao longo de 10 anos. No entanto, esse contato só foi possível de forma mais intensa no
momento em que decidimos utilizar o relato oral como recurso principal para a coleta de
dados. Todas as informações contidas nas entrevistas refletem a história dos jovens e
não poderiam ser traduzidas a partir de um recurso quantitativo.
Quanto à exposição deste trabalho, o mesmo apresenta-se da seguinte forma: No
primeiro capítulo Juventude: uma construção social e cultural, buscamos, a partir da
contextualização de juventude através do tempo, situar os jovens pesquisados ao
mesmo tempo em que analisamos sua conceituação. Além disso, procuramos trazer
algumas reflexões sobre o jovem e o trabalho no Brasil na década de 90, por ser um
período em que profundas mudanças ocorreram em nosso país, além de ser o período
em que mais se concentra nossa pesquisa. Analisamos assim, a juventude como
construção histórica e social.
No segundo capítulo, da universidade ao mercado de trabalho, é feita a análise de
como os jovens realizaram suas trajetórias no que diz respeito à carreira universitária.
Como os cursos foram escolhidos e a marcante presença da família nesse processo. O
período que compreende o ensino superior, mostra a busca pela experiência
profissional através dos estágios representando a preocupação pela inserção no
mercado de trabalho ao término do curso. As questões que dizem respeito à
qualificação e competências são abordadas, uma vez que, estão diretamente
relacionadas às discussões que envolvem a temática trabalho.
27
Quanto ao terceiro capítulo, analisamos os programas de trainee tanto de uma
forma abrangente como especificamente o da empresa pesquisada. A forma como os
jovens vivenciaram o momento da inserção no mercado de trabalho é levada em conta,
bem como todo o período em que permaneceram lá. As trajetórias individuais
evidenciam as estratégias adotadas em busca de ascensão e crescimento dentro da
empresa. O que significou o programa de trainee em sua vida profissional também é
analisado até o momento em que decidem permanecer ou sair da empresa pesquisada.
Encontramos jovens aparentemente satisfeitos com a posição que alcançaram e que
pretendem continuar investindo nessa direção e outros com a intenção de se
desvincular da situação de empregado e passar a ter um negócio próprio demonstrando
através de seus depoimentos uma aparente insatisfação com seu trabalho atual. As
subjetividades são analisadas sob a ótica do dinamismo que envolve o trabalho e a
representatividade para cada um deles.
Além da fundamentação teórica que buscamos para a nossa pesquisa,
consideramos também que a pesquisa dialoga com a produção intelectual da área, e, a
partir daí, buscamos analisar as pesquisas já realizadas sobre a temática. Embora a
coleta não tenha sido exaustiva, constatamos um número reduzido de trabalhos
específicos sobre trainees, assim procuramos, a partir de uma análise mais abrangente,
incluir temáticas próximas. Levaremos em consideração pesquisas que privilegiam
diversas classes sociais, sem, no entanto, deixar de contemplar questões pertinentes
ao trabalho, educação e inserção profissional. Dentre essas pesquisas encontramos
questionamentos relacionados à inserção no mercado de trabalho de jovens com
formação superior, jovens estudantes e trabalhadores, e jovens que se inserem
especificamente em programas de trainees.
A princípio consideramos cinco pesquisas que possuem conteúdo semelhante à
nossa. Duas retratam a relação do trabalho com jovens de camadas populares
estabelecendo um “diálogo” com a questão da educação, outras duas se referem
especificamente aos programas de trainee e a inserção dos jovens no mesmo e a
quinta pesquisa analisa a trajetória profissional de jovens graduados no ensino superior.
28
Para que pudéssemos explicitar o conteúdo dessas pesquisas optamos por citá-las ao
longo do texto estabelecendo uma relação direta como conteúdo em questão.
CAPÍTULO 1
JUVENTUDE : UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL E CULTURAL
A dissertação tem a ambição de colocar em evidência as trajetórias profissionais
de jovens egressos do sistema universitário e o primeiro problema que se coloca diz
respeito às dificuldades em definir o que seja juventude.Não se trata de encontrar uma
única definição válida para quaisquer grupos sociais ou período histórico. Assim como
as demais épocas da vida, a juventude é uma construção social e cultural. Se tal
construção reflete períodos diferentes, ela reflete, também, as iniciativas e
comportamentos do jovem frente às condições que lhe são apresentadas a cada
momento. Neste capítulo, além de analisar as diversas concepções de juventude,
buscamos contextualizar o jovem e o mercado de trabalho no Brasil.
A temática juventude, bem como todas as discussões levantadas a seu respeito e
que buscam contextualizá-la, apresentam-se de diferentes formas conforme o cenário e
momento vividos. As décadas de 50 à 90 trazem o registro de quão diferenciado pode
ser o conceito de juventude. Em cada uma dessas décadas podemos entrar em contato
com concepções de jovens tais como: o jovem rebelde, engajado politicamente,
disposto a mudar o mundo, individualista (Abramo,1997, p.30 e 31). Enfim, significados
que expressam diferentes representações sobre jovens e diferentes contextos sociais,
políticos e econômicos que condizem com o cenário social, político e econômico
vigentes.
Da mesma forma, caracterizar a faixa etária que representa a juventude não é
uma das tarefas mais fáceis. Hoje, de acordo com a maioria dos organismos
internacionais, considera-se como jovem a faixa entre 15 e 24 anos. No entanto,
28
observamos que outras idades são propostas no âmbito acadêmico e nas dinâmicas
que envolvem aspectos sócio culturais.
A contradição presente nessa afirmação vem de encontro com o que a sociedade
compreende como juventude e, por conseguinte, como o mercado de trabalho o
enxerga. Pessoas com 40 anos ou idade próxima embora, considerem-se jovens, não
são perante o mercado de trabalho que privilegia faixas etárias mais baixas
desconsiderando a experiência e conhecimentos adquiridos ao longo da vida
profissional.
Uma vez utilizando a categoria juventude e trabalho como objeto principal deste
estudo, tornou-se necessário construir metodologicamente esta categoria de análise,
embora a bibliografia sugira a dificuldade de construir um consenso sobre a definição
de juventude7.
Para Bourdieu (1998, p. 133), uma das possíveis armadilhas na busca da
definição é a manipulação que pode ocorrer devido ao fato da idade em si, ser um dado
biológico manipulável. Prova disso é falar dos jovens como se fossem uma unidade
social, um grupo constituído dotado de interesses comuns e relacionar esses interesses
a uma idade definida.
Essa advertência de Bourdieu dá conta de quão complexa pode ser a definição do
que é jovem e juventude, embora entendamos juventude a faixa etária que compreende
o intervalo entre término da infância e o início da fase adulta. A noção de jovem é uma
construção social:
7 Estamos nos referindo especificamente ao estudo “Juventude e escolarização (1980-1998)”, série estado doconhecimento, realizado pelo Comitê dos Produtores da Informação Educacional (COMPED) e Associação Nacionalde Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e coordenado por Marília Pontes Spósito (FE/USP) e publicadopela Ação Educativa em 2002.
29
Ao ser definida como categoria social, a juventude torna-se, ao mesmo
tempo, uma representação sócio-cultural e uma situação social. Ou
seja, a juventude é uma concepção, representação ou criação
simbólica, fabricada pelos grupos sociais ou pelos próprios indivíduos
tidos como jovens, para significar uma série de comportamentos e
atitudes a ela atribuídas. Ao mesmo tempo, é uma situação vivida em
comum por certos indivíduos. (Groppo, 2000, p. 8)
Se a noção de jovem é uma construção social ela também é histórica:
Ser ou não ser jovem depende de circunstâncias históricas
determinadas (...) a definição em termos relacionais permite, assim
flexibilizar os limites etários inferiores e superiores, pois se é jovem
sempre em função de uma peculiar relação com o mundo adulto e com
o universo infantil, do qual existe a tentativa de distanciamento
(Spósito, 2000, p. 17).
Pochmann (2000, p.10), ao analisar a inserção de jovens no mercado de trabalho,
da mesma forma que Spósito (2000), se refere à juventude não como uma categoria
que podemos delimitar, mas sim, como a representação da noção que reflete o
momento e a história de uma sociedade:
A juventude torna-se assim uma condição de vida que é a referência do
estágio de desenvolvimento de uma sociedade. Uma forma de vida que
representa muito mais tempo que a simples etapa de 15 a 24 anos de
idade, ao passo que não pode mais ser anunciado como preparação
para o ingresso na vida adulta, ou mesmo, a intermediação entre a
escola e o trabalho.
30
Dessa forma, o adolescente já passa a assumir responsabilidades,
comprovando hoje que a juventude é menos uma etapa de preparação
e muito mais a personificação de atitudes individuais e sociais que
configuram um estilo coletivo de vida e de pensar, até mesmo abaixo
dos 15 anos de idade.
Os inúmeros estudos voltados à temática juventude buscam analisar a sua relação
com questões como a educação, trabalho, processo de socialização entre outros.
Especificamente sobre os anos 90, Abramo (1997 p.35), reflete sobre a tematização
social da juventude no Brasil, e nos dá alguns indicadores de como é a imagem
socialmente construída do jovem na década de 90:
Na conjuntura atual, dos anos 90, é muito presente e forte a imagem
dos jovens que assustam e ameaçam a integridade social. Vítimas do
processo de exclusão profunda que marca nossa sociedade e, ao
mesmo tempo, do aprofundamento das tendências do individualismo e
do hedonismo, se comportam de forma desregrada e amoral,
promovendo o aprofundamento da fratura e do esgarçamento social
que os vitima.
De que juventude se está falando? A atitude de reduzir o jovem a uma
representação negativa, como adverte Abramo, (1997), seja sob a ótica de “desvio” de
conduta, seja pela ótica da apatia ou alienação política não contribui para compreender
a pluralidade de concepções sobre os jovens.
Assim, problematizar a juventude, como categoria social, implica considerar
elementos como idade biológica, geração, gênero, classe social, família, e também o
corpo, tal como apontou Bourdieu, (1983).
31
Estaremos, neste estudo, utilizando a noção de jovem como aquele que implica a
interdependência de fatores sociais e históricos tendo como conseqüência o olhar sob a
construção de determinadas situações de ser jovem no trabalho ou na universidade, na
família ou na rua.
A juventude analisada em algumas pesquisas com referência à década de 90 traz
o jovem marginalizado e excluído socialmente. O jovem para o qual a presente
pesquisa se direciona se distancia desta noção uma vez que tem como objeto de
estudo jovens pertencentes às camada médias da sociedade e que tiveram acesso a
bens sociais e culturais que facilitaram sua inclusão no mercado de trabalho
Como observamos nesta primeira parte do capítulo, há uma recusa de
generalizações. É intenção analisar os jovens inseridos nas relações sociais específicas
que marcam as últimas décadas no Brasil. Apresentaremos na segunda parte as
transformações no mundo do trabalho e seus reflexos nas formas de inserção dos
jovens no mercado de trabalho, seja ele formal ou informal. A análise sobre as
mudanças no mundo do trabalho a ser apresentada se baseia nos estudos e pesquisas
de Sennet(1999), Heloani(2003), Harvey(2000). As análises sobre jovens e mercado de
trabalho foram construídas com base nas pesquisas de Quadros (2001) e
Pochmann(2000)
1. Juventude e mercado de trabalho no Brasil
Significativas transformações marcaram o campo do trabalho nos anos 90. Os
recursos tecnológicos substituíram a força física muito utilizada nas linhas de produção.
As grandes empresas, onde havia grande número de trabalhadores, foram se dividindo
em pequenas e médias unidades, que, embora em locais diferentes pertencessem a um
mesmo ciclo de produção. Os quadros de pessoal fixo foram substituídos por
empregados que conviviam com trabalhadores subcontratados e terceirizados. Da
32
exclusividade do salário, passamos para as mais variadas formas de remunerações,
inclusive com prêmios que incentivavam a produtividade.
Além dessas, outras análises relativas a anos anteriores são necessárias para que
possamos refletir sobre as transformações ocorridas no mundo do trabalho na década
de noventa, (década em que se dá a inserção do grupo de jovens pesquisados).
Pochmann, (2000), quando analisa as transformações recentes no mercado de
trabalho do jovem, nos remete ao período entre 1930 e 1980. Segundo o autor, nesse
período, observamos a expansão do emprego assalariado com carteira assinada e a
diminuição do emprego informal e não assalariado. Ao contrário, nos anos 90,
observamos uma desestruturação do mercado de trabalho, conseqüência da
reestruturação produtiva e das profundas transformações ocorridas na economia
brasileira.
Ainda, segundo o autor observamos que entre os anos de 1940 e 1980 de cada 10
postos de trabalho oito eram assalariados, sendo sete com carteira assinada, enquanto
que na década de 90 a cada 10 vagas abertas na economia oito eram não assalariados.
“Isso não significa que não sejam abertos postos de trabalho assalariados formais, mas
o saldo tem permanecido negativo entre a criação e destruição de empregos com
carteira assinada neste fim de século no Brasil”.A ocupação autônoma toma o lugar do
trabalho assalariado colocando o jovem frente a situações que passam a exigir dele
comportamentos que lhe garantam um mínimo de segurança diante da instabilidade
característica do trabalho informal.
Quadros (2001, p.3 e 4) quando analisa o desemprego juvenil na década de 90
coloca a hipótese de que “está em curso uma autêntica crise de reprodução social em
que as gerações mais novas estão enfrentando dificuldades crescentes,muitas vezes
intransponíveis para manter as condições sociais de suas famílias de origem”.
33
Nas pesquisas, cujo foco é a análise de trajetórias profissionais, nota-se que os
jovens parecem seguir a tendência de acompanhar o padrão da classe econômica de
sua origem familiar. Embora possuindo o diploma, não podem esperar por uma
oportunidade que lhes garanta um alto salário. É necessário trabalhar, mesmo que seja
em uma atividade não relacionada a sua área de formação, no entanto, permanece a
expectativa de obter um trabalho articulado com o campo de formação universitária e
com as expectativas de mobilidade social. O que parece continuar a discussão que
Bourdieu realiza sobre capital social e capital cultural como determinantes das
trajetórias escolares e sociais dos jovens (Silva,1998),
A pressão sofrida pelos jovens faz com que sua inserção no mercado de trabalho
seja feita muitas vezes em condições precárias e informais. O autor ainda ressalta que
é entre os jovens que se encontram as mais elevadas taxas de desemprego, fruto das
imposições neoliberais que vivenciamos com bastante ênfase na década de 90.
Um dado que poderíamos acrescentar a esse quadro diz respeito ao padrão de
inserção ocupacional observado por Silva8 em sua pesquisa sendo este diversificado à
medida que se observa a classe social como um fator determinante. Jovens cujos pais
têm uma renda maior possuem empregos e remuneração compatíveis com seu status,
enquanto que jovens provenientes de camadas mais populares encontram-se em
trabalhos precários ou desempregados. Nesse momento, acrescenta-se à discussão a
posse do diploma, que pode facilitar ou não o ingresso no mercado de trabalho.
Considerando-se que o fato de possuir o diploma não encerra em si a possibilidade de
inserção, parece ser mais relevante para a inserção no mercado de trabalho o capital
social9 envolvido e proveniente, principalmente, dos pais.
8 Silva (1998), em sua pesquisa procura analisar e conhecer o programa de uma empresa multinacional do setorfinanceiro explorando os objetivos da empresa ao adotar o programa levando em consideração suas expectativascomo a dos jovens.
9 O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável derelações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e inter-reconhecimento, ou em outros termos, àvinculação de um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveisde serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos, mas também são unidos por ligações
34
Fazendo um recorte nas iniciativas neoliberais na década de 90 observamos a
flexibilização do trabalho como uma dentre as várias atitudes que devem ser
demonstradas pelo jovem trabalhador.
Sennett (1999 p.53) quando analisa o significado da palavra flexibilidade o faz de
forma que, transportando para o âmbito do trabalho reconhecemos o trabalhador
flexível como aquele que constantemente se inclina e se adapta a cada novo
movimento comandado pelas exigências do mercado de trabalho.
Segundo Sennett (1999 p.53), a palavra “flexibilidade” entrou na língua
inglesa no século quinze. Seu sentido derivou originalmente da simples
observação de que, embora a árvore se dobrasse ao vento, seus
galhos sempre voltavam à posição normal.”Flexibilidade” designa essa
capacidade de ceder e recuperar-se da árvore, o teste e restauração de
sua forma.Em termos ideais, o comportamento humano flexível deve
ter a mesma força tênsil:ser adaptável a circunstâncias variáveis,mas
não quebrado por elas.A sociedade hoje busca meios de destruir os
males da rotina com a criação de instituições mais flexíveis.As práticas
de flexibilidade, porém, concentram-se mais nas forças que dobram as
pessoas.
Heloani (2003 p.117-118) analisa a flexibilização como sendo um dos condutores
do discurso neoliberal que enxerga nela uma das fórmulas contra o desemprego. O
trabalhador flexível se submete a trabalhos temporários, redução de jornada abdicando
de direitos trabalhistas conquistados há décadas, como o pagamento de horas extras e
férias remuneradas, além de ter que se empenhar e se preocupar com sua constante
atualização e qualificação, o que não lhe garante a permanência no emprego ou a
permanentes e úteis. Essas ligações são irredutíveis às relações objetivas de proximidade no espaço físico(geográfico) ou no espaço econômico e social porque são fundadas em trocas inseparavelmente materiais esimbólicas cuja instauração e perpetuação supõe o re-conhecimento dessa proximidade. (Bourdieu, 1998)
35
conquista de bons salários. Segundo o autor se referindo a Mario Salerno10, há que se
distinguir as diferentes noções de flexibilização e flexibilidade. Esta seria uma das cinco
formas que a flexibilização se apresenta. Citamos abaixo as formas expostas pelo
autor:
(...) A primeira forma [de flexibilidade] seria referente ao posto de
trabalho que concerne à polivalência ou multiqualificação do
trabalhador. O segundo modo de flexibilidade se refere à organização
da produção e objetiva adequar equipamentos à demanda, geralmente
equipamentos de automação eletrônica e multiuso. A terceira forma
associa-se às reduções de encargos gerados por regulamentações
públicas e diminuição da carga fiscal. O quarto modo de flexibilidade
diz respeito aos salários que oscilam permanentemente consoante à
produtividade e ao desemprego. Por fim, a flexibilidade contratual que
induz à variação do emprego, tempo e local de trabalho.
Não é nossa intenção analisar todas as formas de flexibilização expostas, mas
sim, aquelas que encontramos de forma mais explícita nas trajetórias dos jovens
pesquisados, quais sejam, as que se referem ao trabalhador e sua polivalência, uma
vez que, ao longo da pesquisa observamos os jovens assumindo funções que exigem
inúmeras habilidades, inclusive a de conseguir apreender com precisão o que lhe é
solicitado a cada momento, e a que implica no trabalhador que se sujeita a abdicar de
seus direitos representando a precarização do trabalho. Um exemplo dessa
precarização aparece claramente nos estágios, função exercida por eles durante o
curso superior.
Uma vez concluído o curso superior, parece óbvio para os jovens que o passo
seguinte seja a busca da inserção no mercado de trabalho, mais precisamente, pela
10 Roberto Heloani refere-se ao capítulo do livro “Produção, trabalho e participação: CCQ e Kanban numa novaimigração japonesa. In: FLEURY, M.T.;FISCHER R.M. (coord.). Processo e relação de trabalho no Brasil.SãoPaulo:Atlas, 1985.
36
inserção formal. Assim, observamos os jovens em relação ao trabalho no início da
década de 90, presenciando a diminuição nos níveis de emprego e a oferta abundante
de mão de obra gerando assim uma grande concorrência no mercado de trabalho.
Ao contrário do que observaram Barbosa e Moretto (1998) no período entre 194011
e 198012 em que a evolução do mercado de trabalho foi marcada pela estruturação, na
década de 90 presenciou-se uma queda significativa nos níveis de emprego conforme
podemos verificar abaixo.
Para os jovens entre 20 e 24 anos, o desemprego aumentou 101,8% entre 1989 e
1996, o equivalente a uma variação média anual de 10% entre 1989 e 1996,
(Pochmann, 1998).A exemplo da Grande S.Paulo observamos que, entre os jovens com
idade de 18 a 24 anos, cerca de um em cada quatro encontrava-se na condição de
desempregado em 1998. Em 1987, a mesma relação era de um em cada dez.
Segundo pesquisa realizada pelo DIEESE e Fundação Seade no ano de 1999 em
seis regiões metropolitanas: S.Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e o
Distrito Federal, levando em conta a faixa etária de 16 a 24 anos, foram registrados
6.084.000 pessoas acima de 16 anos residentes nessas áreas, sendo que somente
2.876.000 na situação de ocupados representando 22.6% do total de ocupados com
mais de 16 anos.
A diversidade de frentes de trabalho que o jovem tem em seu horizonte são
inúmeras, se considerarmos o trabalho informal como pano de fundo. A
representatividade de trabalhos observados em nosso país hoje, em que o jovem está
11 A legislação trabalhista criada nos anos 30 foi compilada e organizada sob a luz da Consolidação das Leis doTrabalho (CLT), em 1943. Esta sistematização possibilitou a consolidação do mercado de trabalho brasileiro,contribuindo para o desenvolvimento da mão de obra.do país, a expansão das ocupações formais.e do trabalhoassalariado.12 A taxa de assalariamento (relação de assalariados e total de ocupados) era 42% em 1940 e 73% em 1980. Aexpansão do emprego (em especial o assalariado) foi proporcionado pelo crescimento da economia de 7% ao anoentre 1945 e 1980.
37
inserido é fruto da ausência de iniciativas do Estado que deveriam ter como foco o seu
desenvolvimento integral.
Para aqueles jovens cuja classe social permite avançar no processo de inserção
formal no mercado de trabalho, o curso superior é muitas vezes decisivo. O que nos
parece pertinente analisar é como são feitas as escolhas nas trajetórias dos jovens,
considerando a escolha do curso superior como o início dessa trajetória.
CAPÍTULO 2
DA UNIVERSIDADE AO INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO
No capítulo um a juventude foi analisada em suas contradições, como um tempo
de investimento no futuro. O futuro foi compreendido como tempo de engajamento nos
estudos de formação profissional a fim de construir o profissional (o adulto). Assim a
experiência da juventude é fortemente ligada à escola que distribui “esperanças”
individuais ou coletivas num contexto social marcado por fortes mudanças no mundo do
trabalho. Neste capítulo procurar-se-á analisar as configurações de fatores (Lahire,
1997) que interferem na construção das trajetórias de formação e trajetórias
profissionais. Dentre essas configurações a família exerce uma influência significativa
refletindo a intenção de reproduzir valores e atitudes pertinentes à sua história. No
presente capítulo procuramos analisar como os jovens vivenciaram suas trajetórias
levando em consideração desde o momento da escolha do curso universitário até o
primeiro contato com o mundo do trabalho. Durante este trajeto analisamos como foram
feitas as escolhas e suas conseqüências.
1. A escolha do curso universitário
Iniciar esse capítulo analisando as escolhas do curso universitário é também
iniciar a discussão sobre a carreira empreendida pelos jovens em toda a sua trajetória
profissional. A escolha do curso universitário talvez seja um dos primeiros passos para
a sucessão de acontecimentos que se desenvolverão ao longo da sua vida profissional.
A partir daí, a escolha da profissão e a continuidade da carreira que não se apresenta
previsível e nem linear, são passíveis de escolhas relacionadas a contingências de
38
âmbitos diversos relacionados a interesses pessoais, cenários social e econômico.
Além disso, outros fatores que se tornam possíveis articuladores dessa decisão
encontram-se presentes na família e no mercado de trabalho.
A família segundo Bourdieu (1996 p. 131) atua na “reprodução da estrutura do
espaço social e das relações sociais” sendo que,
Dentre as estratégias de reprodução encontram-se as escolares que se
referem ao investimento feito pelos pais para encaminhar os filhos para
escolas e cursos adequados à manutenção e ampliação da posição
social da família (Singly, 1993, citado por Nogueira (2000).
A noção de configuração de fatores de Lahire(1997) citada por Nogueira(2000) é
útil na análise das decisões ou escolhas dos jovens sobre determinado curso.
A escolha do curso resulta do interesse do estudante por determinada
área de conhecimento e da profissão a ela associada, da avaliação das
profissões e do mercado de trabalho, das condições financeiras para
arcar com custos diretos e indiretos da escolarização, das informações
de que dispõe sobre as instituições de ensino, das orientações
explícitas ou indiretas, recebidas da família e das possibilidades de
contar, mesmo eventualmente com o suporte material dos pais.
Depende, portanto, de uma configuração de fatores (Lahire, 1997),
multiplamente articulados, que incluem ainda o capital cultural e escolar
dos alunos (Nogueira, 2000, p.122).
Dentre toda essa multiplicidade de fatores citados pela autora, alguns aparecem
de forma bastante clara nos depoimentos. Entre os jovens entrevistados observamos
que a escolha pode ser resultante do interesse por determinado campo de
39
conhecimento ou pela profissão a ele associado, pela avaliação do mercado de
trabalho, as possibilidades de emprego, de prestígio e ascensão social, ou pelas
orientações recebidas da família, em especial do pai.
A informação prévia sobre as instituições de ensino demonstra a tendência em
optar por universidades de prestígio. Mesmo em alguns casos em que é demonstrada
insatisfação com o curso, o nome da universidade é colocado como um grande
diferencial e justificativa para a sua conclusão. A família, e de forma mais enfática a
figura paterna, aparece como um forte indicador e uma influência marcante na decisão.
Ainda em relação à família observamos que, das seis entrevistas, três dão conta de
jovens que afirmam ter escolhido seu curso superior e sua universidade por influência
familiar. Karen relata que segundo a visão de seus pais deveria cursar algo relacionado
à área de exatas, Marcos afirma que quase por imposição do pai teve que escolher a
mesma carreira que a sua, e Franco diz que escolheu o curso, entre outras coisas pelo
fato de ter o pai como modelo. Em todos esses casos encontramos indícios sobre o
desejo de seguir outro caminho. O fato é que, embora tenham optado por influência
direta dos pais, de alguma forma retornaram ao seu desejo inicial, sendo abandonando
o curso e iniciado outro ou, mesmo concluindo o curso, e direcionando-o para um ramo
de atividade relacionada à área de atuação desejada anteriormente. Esse vínculo
estabelecido entre a escolha de cada jovem e o desejo do pai se relaciona com a
análise feita por Bourdieu (1998 p.231 a 237), no que tange às contradições que
cercam a transmissão da herança e podem ser observadas nas escolhas feitas pelos
jovens. Satisfazer as expectativas e desejos delineados pelos pais é, em muitos casos
buscar a superação para se tornar um “eu ideal mais ou menos realizável”. Seja com o
objetivo de dar continuidade a algo interrompido na própria vida do pai ou aceitar a
herança que lhe é dada. Na citação abaixo o autor nos fala sobre a transmissão da
herança, seja ela explícita ou não.
O pai é o sujeito e o instrumento de um “projeto” (ou melhor, de um
conatus) que, estando inscrito em suas disposições herdadas, é
transmitido inconscientemente, em e por sua maneira de ser, e
40
também, explicitamente, por ações educativas orientadas para a
perpetuação da linhagem (o que, em certas tradições, é chamada “a
casa”). Herdar é transmitir essas disposições imanentes, perpetuar
esse conatus, aceitar tornar-se instrumento dócil desse “projeto” de
reprodução. (Bourdieu, 1998).
Através do relato de Marcos observamos que a escolha do curso universitário e
seguir a mesma profissão do pai é se submeter ao “projeto” de reprodução do qual nos
fala Bourdieu(1998). Assim como observamos que a escolha do curso universitário é
orientada pela configuração de fatores de que nos fala Lahire(1997); a família, em
especial o pai, articula as decisões transmitindo ao filho seu projeto. O interesse pelo
campo do conhecimento aparece como um complemento e uma justificativa que
acompanham Marcos até a conclusão do curso fruto da escolha baseada na influência
paterna.
Meu pai, falou pra mim você tem três opções: medicina, direito ou
engenharia, acabou! Eu disse não pai eu quero fazer marketing. O pai:
não isso não é profissão (...).Aí eu acabei indo pra engenharia. Porque
eu sempre gostei muito da matemática, tenho facilidade com
matemática, tenho facilidade com física, então vai ser engenharia,
acabou e engenharia química porque meu pai também é engenheiro
químico. Por isso que eu fiz engenharia. (...) Só que no final do terceiro
ano eu vi que não era nada disso que eu queria, que era chato, não
tinha uma matéria que me agradava, que deixasse feliz e me
completasse (...) E faltavam dois anos, na verdade eram mais seis
meses que iam ser mais puxados e depois eu tinha um ano e meio pra
fazer estágio. Aí eu falei assim: dois anos passam rapidinho, eu já fiz
três e não vou jogar fora uma engenharia química na UNICAMP. E
quando eu formar eu vou pra área de marketing. ((Marcos, 33 anos
gerente de Marketing).
41
Frente a essa expectativa e desejo explicitados pelo pai, Marcos abre mão de seu
desejo inicial e busca entre as opções citadas por ele aquela em que possua mais
familiaridade e afinidade dentre os diversos campos de conhecimento. Embora tenha
reconhecido que fez a opção que não o satisfez ao escolher o curso de engenharia, o
nome da instituição foi decisivo para que permanecesse até o final, tendo como plano,
ao final do curso, retornar ao seu objetivo, fazer marketing.
Assim como Marcos, Karen tinha no seu horizonte profissional outra carreira. Em
primeiro lugar, prevaleceram as relações de poder entre pai e filho, a dominação
tradicional13 de que nos fala Weber, depois a resistência, o desejo em escolher outra
carreira não foi subjugado:
Eu gosto muito da área de humanas, mas existe uma coisa assim, não
é de chinês, acho que do oriental, muito matemática, a gente já tem até
o pré-conceito assim, ah, japonês é bom, é CDF e é bom em
matemática. Então, na época do vestibular, até então eu dizia, vou
fazer engenharia, bem influenciada pelo meu pai, ah porque você tem
que fazer engenharia. Aí eu falei, vou fazer arquitetura, meu pai ficou
louco, imagina você vai morrer de fome, que não sei o que(...) E prestei
UNICAMP e acabei passando na engenharia mecânica. Aí fiz
engenharia, fiz todo básico, fiquei dois anos e meio lá (...) Aí eu arrumei
um projeto com o pessoal da física. Eu olhava aquilo lá, falava assim:
gente do céu eu não quero trabalhar com isso aqui, coisa chata! Aí eu
pensei, faço cinco anos, faço a vontade do meu pai e depois eu vou
fazer o que eu quero da vida. Falei não vai dar. Não vai dar, não vai
dar, não vou agüentar, vou perder tempo, aí eu fiz o maior escarcéu,
em casa e falei; não vou terminar a engenharia. (Karen, 35 anos
gerente de Marketing).
13 Segundo Weber (2001), a dominação tradicional é representada em seu modo mais puro através da dominaçãopatriarcal. A fidelidade inculcada pela educação e pelas relações estabelecidas entre a criança e o chefe de família,trazem consigo a obediência frente a estatutos e normas. “Obedece-se à pessoa em virtude de sua dignidade própria,santificada pela tradição; por fidelidade” (p.351)
42
O que diferencia as trajetórias entre Marcos e Karen é a resistência demonstrada
por ela frente à dominação antes estabelecida. Ao contrário de Marcos o nome da
instituição não foi decisiva para que Karen abdicasse do seu objetivo inicial. Na
verdade, para Marcos, utilizar a justificativa referente ao nome da instituição encobre o
desejo de cumprir a expectativa de seu pai.
Em ambos os casos, observamos o curso de engenharia como uma das opções
apresentadas pelos pais; além de Direito e Medicina, todas elas são profissões
tradicionais e estão relacionadas ao sucesso. Ao desqualificar os cursos de marketing e
Arquitetura, os pais de Marcos e Karen buscam a segurança das profissões
socialmente aceitas e que representam tradicionalmente estabilidade e maior
possibilidade de inserção no mercado de trabalho.
Se os dois primeiros depoimentos nos indicam que os pais influenciaram a
decisão dos filhos, há aqueles como Franco em que a influência paterna nas decisões
contribui para diminuir o conflito na escolha:
Eu estava na dúvida entre fazer administração de empresas e
engenharia. Optei pela segunda, pois sabia que um engenheiro poderia
também atuar como administrador (o inverso não é verdadeiro). Porque
engenharia? Meu pai é engenheiro (grande influência!) e gosto de
matemática e temas relacionados à ciência e economia. Porque
engenharia química? Gostava das aulas de química na escola. Porque
a Unicamp? Queria morar sozinho e também por causa da boa
reputação da faculdade. (Franco 34 anos, Consultor).
A escolha de Franco parece ter sido bastante estruturada uma vez que ao
apresentar sua justificativa demonstra um encadeamento lógico de benefícios
relacionando-os às suas preferências acadêmicas. A opção pelo curso de engenharia,
43
além de ter o pai como modelo representa o desejo de ter uma profissão mais
polivalente que possa se ramificar em outras frentes.
Quanto a Nicolas embora a questão da influência familiar não apareça como
determinante, a escolha emerge de uma forma conturbada. Após várias tentativas,
Nicolas conclui que sua escolha final não lhe satisfez totalmente, no entanto, ao invés
de novamente mudar optou por terminar o curso de Engenharia Química.
Na verdade eu prestei todos os cursos possíveis. Então eu tinha
começado administração na GV, aí eu não gostei do povo de lá, do
clima do pessoal, e era caro pra caramba, o meu pai tava em
dificuldade na época e aí eu prestei USP e UNICAMP. E na UNICAMP,
eu pensei assim, eu gosto de química então vou prestar engenharia
química e daí eu percebi que foi uma decisão errada, mas quando eu
descobri já estava no meio do curso, e já tinha mudado uma vez então
falei vou terminar esse aqui depois eu vou fazer marketing que é o que
eu quero fazer. (Nicolas, 34 anos, gerente de Fusões e Aquisições).
Nos quatro relatos observamos algumas semelhanças bastante significativas
como a influencia direta ou indireta da família atuando na escolha do curso universitário
gerando a insatisfação ou a certeza de que a escolha foi acertada.
Romanelli(2000.p105 a 106) citando Bourdieu analisa a influência da família e seu
reflexo no indivíduo como duas forças que ora se complementam, ora se repelem:
A família age como sujeito coletivo (Bourdieu, 1996), não se pode
desconsiderar que, enquanto grupo, a unidade doméstica é constituída
por pessoas que são igualmente sujeitos individuais. Nessa condição
estes podem voltar-se inúmeras vezes contra determinações de cunho
coletivo, escolhidas pelos pais.
44
As forças, de fusão gerada pelo desejo de ordenar o que é de interesse coletivo e
a de fissão gerada pelos sujeitos individualizados, convivem de modo tenso na cena
doméstica e como ainda, segundo o autor, pode-se argumentar que a ação dos pais
não é soberana e encontra seu limite nas reações dos filhos às tentativas de controle e
imposição dos genitores (Romanelli, 2000, p.106).
Essa realidade apontada pelo autor é a mesma que encontramos no momento em
que Marcos opta por seguir as determinações do pai fazendo prevalecer a força de
fusão e Karen quando faz o movimento inverso ocasionando a fissão. Uma outra
característica observada nos relatos diz respeito à identificação e familiaridade com as
disciplinas oferecidas nas faculdades e utilizadas como recurso para realizar a escolha.
As disciplinas relacionadas pelos jovens convergem para as profissões socialmente
aceitas ao mesmo tempo em que são vistas como cursos mais generalistas. Como
relata Franco, sua opção pela engenharia foi feita por saber que poderia mais tarde
utilizá-la como Administrador, sendo que o inverso não seria possível.
A identificação e familiaridade com as disciplinas oferecidas também foram
decisivas, além de demonstrarem a tendência em buscar profissões socialmente
aceitas.
Analisando as escolhas dos seis jovens entrevistados observamos uma maior
concentração na área de gestão de negócios, sendo que cinco deles se encontram em
Administração de Empresas e Publicidade e Propaganda e o outro em Engenharia.
Mesmo o que direcionou sua escolha para um campo de conhecimento mais técnico
como o curso de engenharia relatou a intenção de utilizar os conhecimentos adquiridos
em situações voltadas para áreas mais abrangentes como Marketing. A escolha pela
área de Marketing é conseqüência da imagem transmitida pelas empresas e do próprio
curso superior. O “glamour” que parece atrair os jovens é traduzido pela possibilidade
de realizar um trabalho mais intelectualizado e menos “braçal”, é fazer parte das
estratégias da empresa e não da confecção dos produtos. Trabalhar na área de
marketing dá ao trabalhador o “status” requerido nas funções bem sucedidas.
45
Além da área de conhecimento como um dos fatores para a escolha do curso
superior a escolha da instituição aparece como um marcante referencial uma vez que o
mesmo curso é oferecido em instituições diferentes. Sejam elas públicas ou privadas,
todas as instituições em que os jovens pesquisados estudaram são tradicionais e
bastante respeitadas acadêmica e socialmente. O prestígio das universidades
construído sobre a noção de competência científica é uma qualidade estimável em
maior ou menor grau no processo seletivo.
A gerente de recrutamento e seleção da empresa estudada ao relatar as
universidades nas quais foi divulgado o programa nos coloca frente a instituições
consideradas de prestígio pela sua qualidade acadêmica e pela sua característica em
formar jovens para o mercado de trabalho.
Vamos dizer que a gente trabalhou com as universidades que já tinham
mais afinidade com o tipo de trabalho aqui, UNICAMP, UFSCar,
engenheiro de materiais, engenheiro químico, e um pensamento de
alguém que tivesse de marketing, uma ESPM e GV (Marcia, Gerente
de Recrutamento e Seleção).
O recrutamento é dirigido para faculdades a partir de critérios que não dizem
respeito somente à qualidade de ensino oferecido, mas também características sociais
e culturais dos estudantes. As universidades, as públicas principalmente, são avaliadas
como aquelas que não só formam profissionais altamente qualificados em seus
conteúdos técnicos, mas também exigem do estudante empenho e dedicação similares
aos exigidos na dinâmica interna de uma empresa, como por exemplo, a dedicação em
tempo integral.
A avaliação da universidade como instituição é um dos parâmetros para a escolha
dos jovens que serão selecionados. No entanto, não é o único. No relato da gerente de
recrutamento e seleção trata-se do primeiro filtro para se chegar ao profissional mais
46
próximo do perfil desejado pela empresa. A seleção dos jovens que trabalharão como
trainee leva em consideração a formação de jovens com “afinidade com o tipo de
trabalho”, segundo o relato da gerente, privilegiando características comportamentais
construídas pelas instituições de ensino, tais como o trabalho em equipe, liderança no
grupo e a flexibilidade para desenvolver diferentes atividades. Nesse momento já
podemos observar a intenção do capital em formar o trabalhador flexível.
Embora Arroyo nos fale sobre como as relações sociais são aprendidas nas
instituições escolares de ensino básico e como são transpostas para as relações sociais
de produção, eles não se resumem à escola básica podendo ser transportadas para a
instituição universitária.
A relação entre a escola e o mundo da produção é vista em termos de
homogeneidade de suas estruturas, e o sistema escolar como um
microcosmo do mundo do trabalho no qual se aprendem os papéis
ocupacionais adultos. Em síntese, todos esses tratamentos coincidem
em que o aprendizado das relações sociais de produção se dá na
vivência das relações sociais da educação e nas práticas
escolares.(1999 p.15).
Tanto a escolha da universidade como do curso são orientados por uma
configuração de fatores, entre os quais parece ser determinante a avaliação do
prestígio social associado a uma determinada área de conhecimento e da profissão
relacionada a ela. A formação universitária é um valor que pode ser trocado no mercado
de trabalho. Se o diploma apresentar o nome de uma universidade socialmente e
47
academicamente considerada de prestígio ela passa a ser mais valorizada pelo
mercado.
O diploma de conclusão do curso superior, Segundo Pochmann(2000, p.47),
assume o papel de passagem ao longo da vida útil do profissional. Mas isso só ocorre
no Brasil, para jovens com uma fase relativamente longa comprometida com a
educação, o que pode significar o ingresso no mercado de trabalho com mais de vinte
anos de idade. Neste caso, os postos de trabalho são, em grande parte, destinados a
profissionais liberais e em cargos de direção, gerência nível superior na grande
empresa pública ou privada. (2000, p.47).
O diploma, expressão de uma longa trajetória escolar, de um lado retarda o
ingresso no mercado de trabalho de jovens oriundos das camadas médias, por outro
lado possibilita acesso a empregos diferenciados quanto ao prestígio social, aos
salários e direitos, entretanto, os diplomas não parecem refletir este acesso uma vez
que, nos defrontamos com os processos de precarização instalados em vários setores.
Para Bourdieu (1998) a intensificação da utilização do sistema de ensino, pelas
classes dominantes, ao mesmo tempo em que legitima o alcance pelo estudo, provoca
a “inflação de títulos escolares”, obrigando uma permanência cada vez mais prolongada
no sistema escolar em busca de títulos mais raros e prestigiosos. Essa busca de títulos
é constatada nos dois depoimentos abaixo. Os dois jovens tinham como projeto a
realização do MBA, o qual tem como objetivo formar e especializar o aluno em práticas
gerenciais utilizando o exercício prático como um dos recursos mais presentes durante
o processo de aprendizagem.
Meu plano era terminar a ESPM e fazer uma pós, dois anos depois
internacionalmente.(...) Hoje, até ano retrasado, o que eu tava tentando
48
era MBA fora, ninguém ia patrocinar, ia ter que sair do meu bolso
(Karen, 35 anos gerente de Marketing).
Aí eu comecei a ver qual era a melhor alternativa, mudar de emprego
ou ir pra MBA, e naquela época o dólar era um pra um, então o MBA
não era uma opção tão cara. Aí eu recebi a oferta da MBA em 98, e eu
pedi demissão 40 dias antes (Franco 34 anos, Consultor).
O diploma e o reconhecimento da universidade na qual foi realizado o curso
superior são valorizados socialmente tanto pelos jovens como pelas empresas, que
como expressão material da formação universitária, valorizam a oferta da força de
trabalho. Os jovens, sujeitos de estudo nesta pesquisa, fizeram suas escolhas de
carreiras universitárias levando em consideração diversos fatores , entre eles, o nome e
a tradição acadêmica das universidades, fossem elas públicas ou particulares.
2. A entrada no mercado de trabalho: estágios
Se a seleção do curso universitário é orientada por uma configuração de fatores e
está associada a um projeto profissional, como os jovens universitários aqui estudados
indicaram, os estágios14 parecem dar continuidade a esse projeto, uma vez que,
funcionam como um espaço em que os conhecimentos acadêmicos podem ser
colocados em prática.
Todos os jovens relataram experiências profissionais, na sua maioria estágios,
vivenciadas anteriormente à entrada no programa de trainee. Para todos os jovens
14 Entende-se por estagiário o estudante do ensino superior, médio profissionalizante contratado por um períododeterminado – não podendo ser inferior a seis meses – podendo ou não ser efetivado pela empresa passado essetempo.O estágio não cria vínculo empregatício de qualquer natureza (Lei n. 6494 de 7 de Dezembro de 1977).
49
entrevistados as experiências foram relevantes na construção das trajetórias
profissionais. Se de um lado os estágios são considerados pelos jovens importantes no
processo de socialização profissional, por outro não se pode negligenciar o fato de que
eles se constituem uma forma precária de trabalho. Os estágios para estes jovens não
se configuram como complemento de renda familiar ou de sustento, mas como
possibilidade de vivenciar situações de trabalho relacionando a formação universitária
com o mundo da empresa. Ter o registro no currículo da experiência profissional
simultaneamente com o curso superior pode facilitar o ingresso no mercado de trabalho
após a sua conclusão e diminuir as chances dos que não a tem, pois, é comum a
valorização em processos seletivos levando-se em consideração que, jovens com
experiências de trabalho podem agilizar seu processo de adaptação. Além disso, a
oportunidade de trabalhar antes da conclusão do curso superior pode confirmar ou não
as supostas aspirações em relação à profissão que pretendem seguir.
Trabalhar como estagiário, sem gozar de direitos trabalhistas, em nenhum
momento sobrepõe a intenção de possuir a “experiência”. Esse é o primeiro passo e o
primeiro contato com as regras do jogo impostas pelo modelo capitalista representadas
nas estratégias adotadas pelas empresas. A função de estagiário representa, além da
mão de obra de baixo custo, a possibilidade de aumento da força de trabalho no que
tange à disposição dos trabalhadores e tempo por eles gasto na resolução de
problemas. O empenho que acompanha o jovem quando se vê frente a uma situação
dessa natureza é muitas vezes superior a encontrada em trabalhadores mais antigos. O
motivo vai além da possibilidade de aprendizado, mais que isso, a possibilidade de
efetivação justificada pela dedicação e submissão às regras, observadas com menor
freqüência em trabalhadores já acostumados com suas oscilações.
Esta iniciativa por sua vez ganha força e pode ser vista em inúmeros anúncios
veiculados pelas empresas, disponibilizando vagas e os também, inúmeros jovens, que
concorrem a essas vagas. Da mesma forma que o estágio pode facilitar o ingresso em
um programa de trainee ou outro emprego qualquer, o programa de trainee também
50
pode abrir portas para quem se candidata a alguma vaga no mercado formal de
trabalho. O acúmulo de experiências profissionais parece dar ao trabalhador possíveis
garantias de inserção no mercado de trabalho.
O contato com o mundo do trabalho através dos estágios é muito mais valorizado
que a experiência acadêmica nos formatos dos cursos de especialização ou pós-
graduação. Estes aparecem como uma forma de complementação das competências
adquiridas no dia-a-dia da empresa. Não observamos nos relatos a preocupação em
investir em cursos de formação antes da conclusão do curso superior.
Os relatos abaixo expressam o significado, para os jovens, desse estágio,
sinalizando tanto a importância na aquisição de conhecimento como a afirmação de que
sua escolha profissional seguiria nesse caminho.
Na verdade, no último ano da faculdade eu fiz estágio na Du Pont, era
em marketing mesmo e eu trabalhava em fibras secas que era Lycra,
suplex, pra fazer atendimento a clientes, montagem de texto, trabalho
mais operacional, mas aí eu já comecei realmente a me encantar com
o mundo empresarial e até porque eu tive uma escola muito boa que é
a Du Pont, que é uma empresa extremamente estruturada (...). (Paula,
34 anos, Gerente de Grupo na área de marketing).
Eu cheguei a fazer seis meses de estágio na produção da Dow
Química, não gostei, fiz e tive certeza de que não era o que eu queria.
Eu fiz um ano de Procter & Gamble só que foi no desenvolvimento de
produto. Só que aí eu tava numa área que eu tratava tanto com
produção e muito com marketing e na cultura da Procter o que manda é
marketing, então eu comecei a entender mais o que era marketing,
fazer marketing. Falei, é isso que eu quero, tenho certeza. (Marcos, 33
anos gerente de Marketing).
51
Franco ao relatar sua experiência nos coloca que fez estágio em três lugares
diferentes sendo que um já no segundo ano de faculdade. A busca por adquirir
conhecimento e competências fez com que ele se deslocasse de cidade diversas vezes
e entrasse em contato com empresas de diversos segmentos.
(...) eu fiz estágio em 90, no segundo ano de faculdade na Salgema em
Maceió, passei dois meses; depois eu fiz iniciação científica durante um
ano, dentro da UNICAMP, então eu fiz um estágio na Sadia em
Chapecó, isso foi no 4º ano da faculdade, passei um mês e meio em
Chapecó Santa Catarina, depois teve um estágio na Calvocloro em
Cubatão. Acho que, de certa forma isso contou para a seleção na
empresa pesquisada. (Franco 34 anos, Consultor))
O fato de que todos os jovens tiveram contato com o trabalho durante o curso
superior nos faz refletir sobre o estágio enquanto um “trampolim” para o ingresso no
mercado de trabalho formal.Ter adquirido conhecimento e competências exigidas pelas
empresas pode facilitar o ingresso no mercado de trabalho uma vez que, a sua
linguagem e seus comportamentos já começam a serem moldados para responder às
exigências do modelo capitalista.
A partir do momento em que o trabalho assume significados antes desconhecidos,
sua subjetividade começa a ter referências que condizem com esse novo status. Refletir
sobre a subjetividade e sua relação com o trabalho,
Implica pensar os modos como as experiências do trabalho conformam
modos de agir, pensar, sentir e trabalhar amarrados em dados
momentos - mais ou menos duráveis - que evocam a conexão entre
diferentes elementos, valores, necessidades e projetos. Do mesmo
modo, implica em diferentes possibilidades de invenção e criação de
outros modos de trabalhar, na forma de transgressões ou mesmo de
52
resistências - potências na conexão dos diversos elementos e dos
modos de produzir e trabalhar. (Nardi, Tittoni, Bernardes, 2002 p. 304).
Esse dinamismo que envolve as subjetividades no trabalho é fruto das inúmeras
transformações que acompanhamos ao longo do tempo e que envolvem o capital. Para
estar de acordo com as regras e estar adaptado a elas é necessário que a subjetividade
seja constantemente ressignificada. Desta forma, observamos os jovens pesquisados
ao longo do tempo, vivenciando situações que os obrigam a reestruturar sua
subjetividade de acordo com o cenário apresentado a cada momento.
3. A entrada no mercado de trabalho: trainees
Como analisa Poschman (2000, p.46 e 47), se considerarmos o ingresso do jovem
no mundo de trabalho como um processo que “acompanha historicamente a evolução
das teorias de mercado” devemos, também, levar em conta que as condições
estabelecidas a cada momento pelo mercado é o que irá caracterizar a forma como o
jovem ingressa nele e a tendência de sua trajetória profissional. Como nos fala o autor:
Dependendo de como o jovem ingressa no mercado de trabalho,
podem ser abertas ou fechadas portas de acesso ao futuro profissional.
É por isso que os jovens que ingressam no mercado de trabalho
quando a economia está crescendo e gerando muitos postos de
trabalho tendem a ter proporcionalmente mais condições de realizar
uma progressão profissional do que aqueles que se inserem em
períodos de recessão econômica e de fechamento dos postos de
trabalho.
53
Para que possamos contextualizar de forma mais clara o momento de transição
vivido pelos jovens que se inserem no mercado de trabalho, buscamos uma definição
de inserção profissional. Segundo Trottier (1998, p.148) citando Dupaquier, a inserção
profissional pode ser compreendida pelo “período que segue à saída do sistema de
formação e que corresponde ao momento em que o indivíduo vai procurar negociar os
saberes adquiridos para ter acesso a um emprego”. No entanto Trottier (1998, p.149)
agora citando Vincens, busca conceituar a inserção profissional estabelecendo um
maior número de referenciais como, por exemplo, tendo seu início no
redimensionamento da utilização do tempo: o que antes era dividido entre lazer, estudo
e trabalho não remunerado, passa a ter a busca de trabalho remunerado como fator
determinante no seu dia a dia.
Para o grupo de jovens entrevistados, o trabalho assalariado, no formato dos
programas de trainee não representou uma experiência nova uma vez que todos
relataram que, ainda na faculdade, participaram de programas de estágio em outras
empresas. Mesmo em alguns casos, sendo tais estágios vividos de forma precária
,como relata Karen, que “ganhava um baixo salário” e se sentia “explorada”, os relatos
dão conta da importância atribuída pelos jovens a essa experiência. Segundo eles, o
estágio lhes proporcionou a oportunidade de vivenciar o dia a dia de uma empresa e ter
maior contato com a prática pouco enfatizada no curso superior. Tal experiência pode
facilitar o ingresso no mercado de trabalho formal, porém, não elimina a preocupação
frente à expectativa e os desafios para se conseguir o emprego.
As dificuldades que o mercado de trabalho apresenta são refletidas na
preocupação de trabalhadores de uma forma geral e também nos jovens que passam a
conviver desde cedo com a possibilidade de não inserção no mercado de trabalho de
forma fácil e rápida, além de não ter garantia de estabilidade e ascensão na carreira.
A busca pela inserção no mercado de trabalho passa a ser constante na trajetória
desses jovens uma vez que observamos o trabalho como um indicativo incontestável de
pertencimento social. Como afirma Castel (1998, p.578) “o trabalho continua sendo uma
54
referência não só economicamente, mas também psicologicamente, culturalmente e
simbolicamente dominante, como provam as reações dos que não o tem”. Ratificando
esta análise, Bajoit e Franssen (1997) salientam que,
(...) o trabalho continua sendo uma fonte importante de normatividade e
uma experiência central de socialização. Trabalhar - quer dizer, exercer
uma atividade produtiva com caráter social - (..), as experiências
vividas e as significações atribuídas ao trabalho são múltiplas.As
palavras são as mesmas (trabalho –emprego-desemprego), mas as
significações são diversas.
Tal busca vem acompanhada de incertezas e inseguranças observadas quando
analisamos o início da vida profissional. Fatores como a pouca experiência no âmbito
do trabalho, a lacuna existente entre os conhecimentos adquiridos na universidade e os
conhecimentos exigidos pelas organizações e a intensa concorrência pelo ingresso no
mercado de trabalho, fazem com que o jovem se depare, logo de início, com obstáculos
que representam o cenário atual daqueles que buscam a inserção profissional.
Poderíamos afirmar que esse momento se traduz como um rito de passagem em
que o foco principal deixa de ser a escola e passa a ser o mundo do trabalho. Segundo
Pochmann esse movimento denominado de padrão de inserção ocupacional que
caracteriza a situação de ingresso do jovem na vida ativa traz três componentes
principais: o ingresso no mercado de trabalho, fim dos estudos (sistema de ensino), e a
mudança de residência, muitas vezes associada à constituição de uma família (2000,
p.45). “Quatro seriam os padrões de inserção ocupacional dos jovens que estariam
sendo difundidos neste final de século: emprego assalariado; função autônoma,
trabalho protegido e o ofício profissional”. (Pochmann, 1998, p.99)
Segundo o autor, emprego assalariado está relacionado a atividades menos
especializadas, desenvolvido em pequenas e micro-empresas tendo, como exemplo, as
55
experiências de bolsa-escola e de contratos de formação-trabalho. A função autônoma
diz respeito à inserção do jovem no trabalho por conta própria. Ações do poder público
como frentes de trabalho e as ocupações e instituições não governamentais estão
relacionadas a esse padrão. O trabalho protegido voltado geralmente ao setor não
mercantil tem como respaldo recursos públicos e é representado através dos contratos-
formação de aprendizagem e de experiência profissional. A inatividade observada
através desse padrão de inserção assume a forma de política do trabalho, desde que
acompanhada de maior e melhor educação e de alguma garantia de renda. O padrão
de inserção de ofício profissional é o que mostra maior proximidade com os jovens
pesquisados, pois, é nele que as atividades especializadas dentro da estrutura
ocupacional da grande empresa tomam forma. Para estes postos de trabalho é exigido
dos jovens um nível elevado de formação educacional bem como experiências de
formação profissional alternadas e continuadas.
4. Trabalho e emprego: qualificação e competência
Ao iniciarmos a discussão sobre qualificação e competência, consideramos
importante resgatar o modelo de qualificação implementado sob a ótica do modelo
Taylorista/Fordista.
Segundo Manfredi (1998 p. 18), “na ótica desse modelo, a qualificação é
concebida como sendo ”adstrita” ao posto de trabalho e não como um conjunto de
atributos inerentes ao trabalhador”. Tais conhecimentos adquiridos através de uma
trajetória de vida são restritos ao exercício da função e adquiridos através de
mecanismos formais ou treinamentos no interior das próprias empresas. O trabalhador
é treinado e preparado para exercer tarefas específicas e operacionais. No entanto, os
níveis hierárquicos de escolaridade refletem a separação da mesma forma
hierarquizada entre o trabalho manual e intelectual.
56
Esse modelo de qualificação direcionado e restrito dá lugar a novas práticas
regidas pelo capital. A abertura do mercado e a concorrência fazem com que sistemas
de qualidade sejam implantados exigindo assim um trabalhador com qualificações e
competências diferentes do exigido no modelo Taylorista e Fordista. Passamos dos
sistemas escolarizados e escalonados de ascensão para treinamentos contínuos e que
atendam às constantes mudanças que o mercado apresenta. A multiqualificação e a
polivalência parecem agilizar os processos de mobilidade ocupacional ao mesmo tempo
em que estimulam o trabalho em equipe e a cooperação. Segundo Sennett (2000,
p.118), o trabalho em equipe enfatiza a adaptabilidade às circunstâncias atendendo
assim a uma economia política flexível.
O trabalhador deixa de ter uma visão restrita e fragmentada e passa a se
relacionar com todas as partes que envolvem o sistema produtivo. Como analisa Hirata
(1994 p.130) o modelo de qualificação se volta para essa nova exigência:
As qualificações exigidas no interior desse “novo modelo produtivo”
representado pelo modelo empresarial japonês contrastam fortemente
com aquelas relacionadas com a lógica Taylorista de remuneração de
definição de postos de trabalho e de competências: trata-se da
capacidade de pensar, de decidir, de ter iniciativa e responsabilidade,
de fabricar e consertar, de administrar a produção e a qualidade, a
partir da linha, isto é ser simultaneamente operário de produção e de
manutenção, inspetor de qualidade e engenheiro.
A partir dessa mudança que o conceito de qualificação vem sofrendo observamos
os trabalhadores procurando a adaptação frente ao novo modelo. Como ressalta Hirata
(1994),
A tese da requalificação dos operadores com a adoção de novas
condições de produção vai conduzir – dentro da sociologia das
57
qualificações - a uma superação do paradigma da polarização das
qualificações, dominante desde o fim dos anos setenta e à emergência
do modelo da competência.
Toda essa discussão muito difundida ultimamente, relativa à qualificação e
competências vem sendo colocada há algum tempo como cerne de uma longa reflexão
sobre a inserção no mercado de trabalho e permanência nele. As novas tecnologias e a
globalização da economia tendem a impor exigências mais elevadas de escolaridade
quer para o ingresso quer para a permanência no emprego. Com as inúmeras variáveis
que a globalização nos impõe como, por exemplo, a constante reformulação dos
serviços, tempo, remuneração, cargos, etc, observamos também que, como resultado
dessa dinâmica, a carreira voltou a ser patrimônio do trabalhador e não mais da
empresa.
O trabalhador passa assim a ser responsável por sua qualificação e mesmo
concentrando esforços em direção a isso não há garantia de que tal ação resulte na
aquisição de melhores empregos ou a permanência nele.
A questão da empregabilidade, nesse momento, se torna mais um componente a
ser considerado pelo trabalhador. Tal terminologia que compreende a constante
adaptação às exigências do mercado de trabalho reafirma a necessidade que o
trabalhador tem de estar atento às constantes mudanças tornando também constante
seu movimento em direção ao que o mercado exige.
Desta forma, alguns questionamentos aparecem em busca de uma resposta. Seria
a qualificação a solução para o desemprego? Seria a qualificação garantia de inserção
no mercado de trabalho e permanência nele? Não é isso que as estatísticas nos
apontam uma vez que se constata um alto índice de desemprego e, permeando esse
índice uma grande porcentagem de pessoas detentoras de diplomas.(Segnini, 2000)
58
A preocupação com o investimento na escolarização como preparação para o
ingresso no mercado de trabalho está presente em uma das hipóteses levantadas no
início da pesquisa tendo como base justamente a discussão relativa à qualificação
como recurso adicional na busca de um emprego. No entanto o que podemos
comprovar através dos relatos do grupo de jovens entrevistados é que essa
preocupação aparece de forma mais enfática após o ingresso no mercado de trabalho.
O tempo que antecede a entrada no mercado de trabalho parece, segundo os
entrevistados, ser destinado mais ao investimento no capital social15 que cultural16.
Através de rede de relacionamentos familiares ou não, busca-se uma aproximação com
pessoas que estejam mais próximas ao objetivo traçado anteriormente e que possam
acrescentar algo e facilitar de alguma forma o ingresso no mercado de trabalho.
Essa rede de conhecimentos e de relações – que constitui o capital
social – decorrente do fato de se pertencer à elite pode se constituir em
trunfos capazes de maximizar vantagens escolares ou de minimizar
insucessos. “Bourdieu (1974) afirma, por exemplo, que nenhum
mecanismo de orientação vocacional institucional, com seu
fornecimento de informações abstratas, conseguiria superar a
familiaridade com os altos postos sociais resultantes da convivência
habitual com parentes ou conhecidos que ocupam essas posições.
Além disso, não se pode esquecer que o capital social além de
aumentar o rendimento econômico e simbólico do diploma é também
capaz de minimizar as desvantagens no caso de carreiras escolares
mal sucedidas (Nogueira, 2002, p. 53).
15 Ver nota de rodapé no.7
16 “O capital cultural pode existir sob três formas: no estado incorporado, ou seja, sob a forma de disposiçõesduráveis do organismo; no estado objetivado, sob a forma de bens culturais – quadros, livros, dicionários,instrumentos, máquinas que constituem indícios ou a realização de teorias ou de críticas dessas teorias, deproblemáticas, etc.;e,enfim,no estado institucionalizado,forma de objetivação que é preciso colocar à parte porque,como se observa em relação ao certificado escolar,ela confere ao capital cultural – de que é,supostamente, a garantia–propriedades inteiramente originais.” (Nogueira, 2000,p 74)
59
Após o ingresso na empresa estudada é que podemos constatar efetivamente a
busca pela qualificação acentuando ainda mais a afirmação relacionada ao emprego e
seu estreito vínculo com o nível de qualificação do trabalhador. Observamos, também,
um círculo vicioso alimentado pelas constantes mudanças e exigências do mercado
ocasionando uma corrida desenfreada para se atingir um nível de qualificação cada vez
maior, vista principalmente nos jovens que acabam sendo “privilegiados” frente aos não
tão jovens por um mercado de trabalho que despreza o conhecimento e a história de
trabalhadores mais experientes. Tal excesso de qualificação é um sinal da polarização
que caracteriza o novo regime (Sennet, 2000, p. 105). Embora não servindo como
garantia de conquista ou permanência no emprego, o novo regime, que cita Sennett, ao
mesmo tempo em que impulsiona a busca pela qualificação, cria recursos para que ela
aconteça. Prova disso são as inúmeras instituições de ensino superior que surgiram na
década de 90 e que continuam a surgir em um ritmo bastante acelerado. Tais
instituições, nem sempre reconhecidas como portadoras de condutas éticas no que
tange à preocupação de ensinar, oferecem ao jovem a oportunidade de ter acesso ao
diploma universitário sem que, para isso seja necessário muito empenho e dedicação
em relação ao estudo. São na sua maioria privadas e, através dos cursos noturnos,
atendem a trabalhadores que após completarem sua jornada diária de trabalho
assistem às aulas.
Junto à questão da qualificação observamos que o termo competência também se
faz presente no discurso das empresas nos últimos anos, embora como ressalta Hirata
(1994), o conceito de competência oriundo do discurso empresarial nos últimos dez
anos ainda é bastante impreciso se comparado ao conceito de qualificação utilizado
pela sociologia.
CAPÍTULO 3
PROGRAMA DE TRAINEES:TRABALHADOR FLEXÍVEL?
Foi possível apreender na análise do recrutamento de jovens universitários para
participar de programas de formação de quadros dirigentes em empresas (programa de
trainee) que carreira é entendida como um acervo cumulativo de experiências (através
da aquisição de rotinas de trabalho).Esta concepção afasta a concepção de linearidade
do percurso mediante a sucessão de títulos e de postos de trabalho17.
O trabalho é entendido, no contexto desta dissertação, como indispensável à
criação, à descoberta e à invenção. Mas pela regularidade que tenta imprimir à vida
social, ele pode ser visto como um poderoso agente de reprodução das relações, dos
hábitos e dos modos, das figuras e dos sentidos que constituem a sociedade (no caso
brasileiro, uma sociedade capitalista dependente)18.
Assim, antes da análise sobre o percurso dos trainees na empresa estudada,
apresentamos a concepção geral dos programas que podem sofrer algumas variações
em relação à empresa em que são desenvolvidos, no entanto, parece-nos existir uma
única concepção no que tange ao seu objetivo.
Anúncios em jornal, palestras nas universidades e cartazes apresentam aos
jovens universitários a atraente oferta de trabalhar em uma grande empresa e a
possibilidade de desenvolver uma carreira para ocupar postos de trabalho de direção,
17 Sobre esta noção de carreira ver Sennet (2000)18 Sobre a discussão desta noção há inúmeras pesquisas, destacando-se Heloani(2003), Sennett(2000), Harvey(2000)e Pagés (1987)
60
gerenciamento ou supervisão nas atividades da empresa. Assim são anunciados os
programas de trainees.
A expressão trainee é de origem inglesa e pode ser traduzida por “em
treinamento” Trata-se da concepção de formação profissional, segundo a lógica
empresarial, que valoriza o potencial formativo das situações de trabalho. A articulação
entre formação e os contextos de trabalho representa uma das problemáticas dos
programas de trainees, pois propicia a produção de esteriótipos, dispositivos e práticas
que valorizam a aprendizagem (pela experiência, pelo treinamento) do papel de cada
sujeito no processo de construção profissional.
As empresas podem treinar ou “reciclar” sua força de trabalho, modificar sua
estrutura de produção e ou sua própria estrutura de cargos. Esta é uma das dimensões
do mercado de trabalho. Os empregados podem ser treinados para executar tarefas
diferentes a fim de se adaptarem às mudanças de condição econômica da empresa e
serem mais produtivos. A opção de fazer uso de programas de trainee vai nesta
direção. As instituições que regulam o mercado de trabalho criam mecanismos para
contratos de curto prazo (até dois anos) como é o caso dos trainees.
O treinando é recém-formado ou com até dois (2) anos de formado quando
ingressa em um programa de treinamento da empresa A maioria das empresas
considera pelo termo trainee o potencial profissional com contrato de trabalho e acesso
aos direitos trabalhistas. O contrato de trabalho não só determina, segundo a legislação
trabalhista brasileira, as normas e as condições de trabalho, mas também o acesso aos
direitos vinculados a ele (férias remuneradas, aposentadoria etc.).
De acordo com Caldas (citado por Silva, 1998. p 45), os programas de trainee
“são sistemas de seleção e desenvolvimento de técnicos dentro de uma empresa,
desde os últimos anos da faculdade, visando seu aproveitamento futuro nas camadas
executivas dessa empresa”.
61
Para algumas empresas a implantação de programas de trainee possui uma
“relevância estratégica”. Segundo Rittner (citado por Silva, 1998 p.45) a importância de
adotar este tipo de programa está na sua capacidade de prevenir a empresa de um
“envelhecimento” de seus quadros e ao mesmo tempo, promover o progresso e
desenvolvimento da empresa. Há uma racionalidade instrumental nesta concepção que
coloca a formação de trabalhadores como “insumo” de produtividade e eficiência.
O surgimento desses programas no Brasil é bastante visível no início da década
de 90 sendo que, um grande número de empresas, na sua maioria multinacionais,
implantou o programa de trainee seguindo o modelo Norte Americano.
Embora sofrendo algumas alterações ao longo dos anos as formas de divulgação
do programa e a seleção continuam basicamente as mesmas. Os programas têm seu
início a partir da divulgação feita através de anúncios de jornais ou em páginas do site
da empresa e nas próprias universidades, geralmente nas que possuem maior prestígio
e tradição, universidades públicas e confessionais, em que são colocados cartazes em
lugares estratégicos freqüentados pelos alunos e também através de palestras
realizadas por funcionários da área de Recursos Humanos. Nesse momento, são
divulgadas informações sobre a empresa e sobre o programa de trainees. Essa
divulgação permite gerar um conjunto de candidatos e conseqüentemente permite
selecionar aqueles que mais se aproximam do perfil desejado por elas. O processo que
tem como objetivo a seleção dos jovens universitários, compreende várias etapas,
eliminatórias ou não.
As pesquisas, sobre essa temática, apontam a similaridade entre as empresas
quanto ao processo seletivo e ao perfil do trabalhador desejado. As empresas buscam
jovens com formação universitária preferencialmente recém-formados, fluência em
algum idioma estrangeiro, na sua maioria o inglês, e conhecimentos de informática.
Este é o ponto de partida da seleção, tais atributos são analisados e funcionam como
um primeiro filtro frente aos currículos.Em seguida são aplicados testes psicológicos
seguidos de dinâmicas de grupo que permitem avaliar comportamentos desejáveis ou
62
não. Na avaliação de conhecimentos técnico-acadêmicos somente a fluência em idioma
estrangeiro é levada em consideração. As entrevistas e as dinâmicas de grupo são
procedimentos seletivos, que permitem aferir a potencialidade dos candidatos a se
adaptarem a situações de trabalho diferenciado, e conflituosos.
Oliveira19 (1996), ao analisar os programa de trainee e sua ligação direta com o
perfil da empresa que possui tal programa, conclui que, quatro são os setores principais
que investem em treinamento: indústria, sistema financeiro, auditorias/consultorias e
fast-food. Na sua maioria são empresas de grande porte, embora empresas pequenas
(até 100 funcionários) também possuam o programa observando-se ainda um equilíbrio
entre o capital nacional e estrangeiro.
Silva20 (1998), a partir de um estudo realizado em uma multinacional do setor
financeiro procurou identificar no programa de trainee, desenvolvido por aquela
empresa, as expectativas presentes tanto nos jovens como na empresa. Quanto ao
jovem, a autora observou o programa de trainee como uma possibilidade promissora de
desenvolvimento profissional e prestígio, considerando o porte da empresa como um
fator importante para a realização de tais expectativas. Quanto à empresa, o programa
se traduz na possibilidade de desenvolver um profissional que incorpora a sua cultura
se adequando às suas necessidades e difundindo seus valores de forma fiel.
Essa adequação de que nos fala a autora está relacionada às competências e
habilidades que o jovem deve possuir e desenvolver ao longo do programa. O trabalho
em equipe, comunicação e flexibilidade são algumas das exigências observadas no
processo de seleção e no desenvolvimento do programa. Para aqueles jovens que
apresentam tais características e são recém formados, os programas de trainee
aparecem como uma possibilidade significativa de ingresso no mercado de trabalho.
19 Nesta pesquisa Oliveira, (1996) tem como objetivo traçar o perfil das empresas que adotam o programa detrainees, e seus objetivos; averigüar como se dá a inserção e socialização dos jovens e avaliar os resultadosalcançados com os programas.20 Vide nota de rodapé n° 8.
63
Os programas de trainee hoje são em número mais reduzido se compararmos
com a da década de 90. Segundo a gerente de recrutamento e seleção entrevistada, os
motivos que levaram a essa diminuição indicam que a empresa opta por novas
alternativas de contratação de empregados buscando assim reduzir seus custos com a
força de trabalho. Segundo a empresa, os custos dos programas são bastante caros,
pois neles estão contidos cursos de aperfeiçoamento e viagens internacionais, entre
outras iniciativas. Dentre as novas alternativas encontra-se a contratação de estagiários
que tem se mostrado uma possível solução para essa nova realidade sob a ótica da
empresa.
As empresas que ainda investem nos programas de trainee são empresas
multinacionais de grande porte e que se tornaram referência para esse tipo de
programa. Os jovens recém formados ainda o valorizam muito, demonstrado pelo alto
índice de inscritos a cada início do processo de seleção.
A idéia de implantar o programa de trainee na empresa estudada partiu de um
presidente espanhol recém chegado ao Brasil. Como relata Márcia, Gerente de
Treinamento, Recrutamento e Seleção, sua intenção, logo no início era formar o jovem
trabalhador para que pudesse assumir funções estratégicas na empresa e que fosse
mais eficiente e produtivo.
Ele veio com uma idéia de que a gente poderia ter trainees, e usar
desses trainees no futuro na liderança ou em cargos chave e, inclusive
tinha a idéia de que esses trainees poderiam ocupar lugares de
pessoas que talvez não estivessem tão eficientes. Seria uma maneira
mais rápida de ter uma competência na liderança e pessoas mais
jovens, com uma cabeça mais aberta. (Márcia, Gerente de Treinamento
e Recrutamento e Seleção).
64
A implantação do programa foi realizada após uma pesquisa nas empresas que já
possuíam trainees há mais tempo.O programa da empresa pesquisada foi, então,
desenhado. Definiu-se o processo de divulgação e de seleção do grupo que comporia o
programa; definiu-se ainda que o empregado deveria percorrer todas as etapas do
processo de trabalho de forma que ele pudesse não só conhecer as atividades da
empresa, mas também pudesse se adaptar às diferentes situações.
A partir desse momento foi iniciada a divulgação na comunidade estudantil através
de cartazes nas universidades, palestras e anúncios em jornais. Os currículos
recebidos, por volta de 5000 para 12 vagas21, passaram por uma triagem levando-se
em consideração aspectos básicos exigidos como: nível superior completo ou a ser
concluído, e inglês fluente. Na segunda etapa foi realizado um exame de proficiência na
língua inglesa com o objetivo de comprovar o nível de conhecimento no idioma. Na
terceira etapa foram realizadas dinâmicas de grupo em que foram observados os
aspectos comportamentais como: liderança, trabalho em equipe, comunicação, e
iniciativa. Na quarta etapa os selecionados passaram por entrevistas com os
profissionais responsáveis pelas áreas específicas em que os futuros trainees seriam
alocados.
É possível observar que, já nesse momento do processo de seleção
comportamentos ou competências aparecem como fundamentais na seleção dos jovens
trainees. A concepção de trabalhador construído neste processo , como já dissemos
anteriormente, é o de profissional flexível.
A flexibilização traz consigo a premissa de que o trabalhador deixa de certa forma
de existir como ser integral, tendo que adquirir posturas e comportamentos que
condizem à situação que lhe é imposta a cada momento. Ele passa a vivenciar
situações que, como conseqüência, o fragmentam. O que é exigido do trabalhador não
é mais que ele seja especializado em algo, mas sim que seja polivalente e detentor de
várias especialidades, não mais trabalhando sozinho, mas sim em equipes.
65
Sob a ótica da empresa, trabalhadores mais “flexíveis” atendem mais à sua
expectativa, por se tratarem de indivíduos que respondem rapidamente às mudanças.
Tal característica passa a ser um referencial nos processos de seleção. No entanto,
exige que o trabalhador revise constantemente seus conceitos e valores construídos
durante sua trajetória profissional, para que possa se adequar às exigências da
empresa.
A noção de competência exige que o trabalhador tenha não só conhecimentos
(específicos e gerais), mas habilidades e atitudes que possam ser mobilizadas para a
solução de um problema que lhe seja apresentado. Sendo a qualificação
responsabilidade do trabalhador a aquisição de competências também o é. Como
afirma Ropé e Tanguy (1997 p.206), se as competências se tornam um atributo pessoal
e único do trabalhador, as trajetórias individuais passam a ser geridas pela forma como
se negociam os salários, benefícios e promoções, numa “procura obstinada de
individualização”.
Esse processo de individualização que nos apontam as autoras começa a tomar
forma na vida dos jovens pesquisados já no processo seletivo. Assim, tornar evidente
os atributos de seu capital cultural são alguns dos mecanismos observados. A estrutura
dos programas de trainee de uma forma geral, bem como da empresa pesquisada
estimulam essa postura que continua a se desenvolver durante a trajetória profissional
dos jovens, seja nela ou em outra empresa.
A preocupação em escolher pessoas que apresentassem as competências
consideradas importantes pela empresa, foi relatada pela gerente. Tais competências,
segundo ela, são observadas desde o processo de seleção:
Então a gente fez uma triagem de currículo, as pessoas vinham e
participavam de uma dinâmica de grupo. Nessa dinâmica de grupo a
21 Números estimados na época em que os jovens pesquisados participaram do processo de seleção.
66
gente via muita coisa da atitude e aí via a questão do perfil, o que é que
a gente precisava? De alguém que tivesse iniciativa, esse era o perfil,
vamos dizer psicológico. Que soubesse trabalhar em equipe, que
soubesse fazer análise e tomada de decisão numa situação
determinada, que tivesse uma boa comunicação, que eram coisas que
a gente precisava na época e que tivesse características de liderança.
(Márcia, Gerente de Treinamento e Recrutamento e Seleção).
Segundo seu depoimento, essa etapa se caracteriza como uma das mais
importantes dentro de todo o processo. O conhecimento técnico ou domínio de outro
idioma pode ser adquirido durante a escolarização; no entanto, os comportamentos e
atitudes não, pois, são individualizadas e construídas a partir da mobilização das
subjetividades. As qualificações supostamente adquiridas durante o ensino superior,
não mereceram atenção durante o processo de seleção.
O processo de seleção, segundo os entrevistados, não apresentou dificuldade,
embora tivesse uma conotação competitiva. Alguns já se conheciam do ensino médio e
universidade. O espírito de coleguismo e cooperação vivenciados por eles anos antes é
substituído pela observação e avaliação; comportamentos inerentes a esse tipo de
situação.
A competição observada desde o início do processo de seleção toma várias
formas à medida que as trajetórias profissionais se entrelaçam. Seja explícito ou não a
competição acaba por refletir na subjetividade do trabalhador, a necessidade de
superação e a constante busca pelo sucesso. Dowbor(2002 p. 58) citando Leboyer traz
a reflexão sobre a importância dos papéis profissionais que os jovens assumem e a
busca de sua identidade através do trabalho.
“os papéis profissionais representam um elemento capital do
desenvolvimento da personalidade adulta e da socialização do
67
indivíduo [...] Os mais atingidos são os jovens que procuram um
primeiro trabalho, exatamente aqueles que, sob o plano psicológico,
também estão à procura da sua identidade”.
Buscar sua identidade através dos papéis profissionais que o jovem assume talvez
seja o primeiro passo para que ele se adapte às regras do capital que, constantemente,
exigirá dele diferentes posturas, frente ao mundo do trabalho e suas próprias
subjetividades. O trabalho, além de atividade produtiva, é estruturante dos tempos e
dos ritmos da vida, isto é constituir identidades. Tais identidades como ressalta Jacques
(2002 p.161), citando Costa(1989) ,
“constitui um sistema de representações diversas ou como múltiplos
personagens que ora se conservam, ora se sucedem,ora coexistem,ora
se alternam, mas com aparência unívoca e estável”. (...), o conceito de
identidade como é focado pela literatura implica processualidade,
metamorfose.(...) Sob este enfoque a identidade é um constante “estar
sendo”, embora se represente com aparência de “ser”.
O início dessa trajetória que envolverá a processualidade citada pelo autor, dá-se
após terem passado por todas as etapas que duraram três meses. Os escolhidos foram
chamados para compor o grupo de profissionais chamados trainees. Poderíamos dizer
que gozaram de “privilégios” a que outros trabalhadores, por vezes bem mais antigos
não tiveram acesso. Cursos caros como uma pós-graduação na área de marketing, hoje
avaliada em dez mil reais por pessoa, viagens internacionais para aprimoramento e
conhecimento de novos produtos e a oportunidade de ter uma visão ampla de toda a
empresa, seus departamentos, respectivas lideranças bem como, em alguns casos,
decidir qual departamento ou área trabalhar são destinadas a esses jovens logo no seu
ingresso.
68
Embora com algumas diferenças em seus programas, as diversas empresas que
se utilizam desse recurso parecem trazer a “promessa” de ascensão rápida na carreira
e a possibilidade de assumir funções de comando dentro da organização. Essa
possibilidade de mobilidade vem acompanhada do compromisso que o trabalhador
assume de fidelidade e dedicação à empresa.
Desta maneira, o capital forma o trabalhador adequando-o às suas necessidades
ao mesmo tempo em que alimenta nele a busca pelo poder. Pagés (1987, p.140), nos
coloca as conseqüências sofridas pelo trabalhador quando se depara na busca ilusória
do poder.
Ao fazer a carreira, os mecanismos de controle, de integração e de
produção são aplicados não apenas aos outros, mas principalmente a
si mesmo. Ao tentar obter o poder ativamos todos os processos que
utilizam concretamente relações de dominação: a objetivação, a
desterritorialização, a individuação.
Após sua entrada, os trainees participaram de um programa pré-estabelecido com
duração de seis meses que lhes deu a possibilidade de conhecer todas as áreas da
empresa. Tal contato foi possível através de apresentações feitas por funcionários mais
antigos e do acompanhamento, feito pelos jovens do dia a dia de cada área: produção,
administração, marketing, vendas, entre outras.
Esse processo de inserção dos trainees no cotidiano da empresa foi construído
mediante situações de conflito. Nos depoimentos abaixo são ressaltadas as dificuldades
que alguns jovens relataram frente ao relacionamento com alguns funcionários mais
antigos. Taís comenta como estes os viam, uma vez que, tal programa era inédito na
empresa:
69
Bom, tinha o presidente que era espanhol, nacionalidade espanhola e
que tinha acabado de mandar um monte de gente embora, e de
repente ele contratou uma turma de doze “fedelhos” que tinham
acabado de se formar que eram os chamados trainees, que moravam
todos em S.Paulo, tinha um ônibus pra eles pra ir e para voltar, eles
sempre saiam um pouco antes para não pegar trânsito e chegava um
pouquinho depois por causa do trânsito. Eles deviam pensar esses aí
não trabalham nada. Ainda mais esses caras ficavam seis meses
treinando e ganhando. E os amigos deles foram todos mandados
embora. Então eles não entendiam. E o pior foi quando esses trainees
“fedelhos” já foram direto para o cargo de especialista (Taís, 33 anos).
Paula, como Taís, relata sua percepção relativa à postura dos funcionários mais
antigos, no entanto atribui tal fato ao conflito que se estendeu entre os antigos e novos
trabalhadores no momento da implantação do programa; para os novos havia um
conjunto de direitos atrelados ao trabalho e para os antigos restava apenas a vivência
das condições de trabalho já constituídas:
Na verdade eu acho que foi um erro da própria empresa, da forma
como ela vendeu o programa pra os empregados. Pra nós foi um show,
você imagina, recém formado, você tem um começo de treinamento,
você já vira um gerente de produto. Pra gente foi muito bom agora para
os outros não porque? Porque a gente chegou lá, então eram doze
recém formados que tinham regalias que ninguém tinha (...) ter o
benefício de pagamento da pós-graduação, inglês, tinha que ter no
mínimo dois anos de empresa, a gente chegou e já tinha pagamento
integral, a minha pós, por exemplo, foi paga integral. A gente tinha
cursos que as outras pessoas não tinham. Então eu acho assim,
internamente a gente teve muito mais benefícios do que o resto da
empresa tinha e aí gerou uma barreira muito grande, criou uma
resistência. E o pessoal ainda chamava a gente de golden boys. E aí
eu acho que foi realmente um problema da venda do programa para o
70
resto da companhia. Pra gente foi ótimo, mas com isso teve uma
resistência muito grande, principalmente com aquelas pessoas mais
antigas, que já tavam lá, tipo, especialista de marketing sênior, por
exemplo, essas eram as pessoas que colocavam maior barreira. Eles
têm mais do que eu tenho e reclamavam do nosso salário, que o nosso
salário era maior do que o deles. Mas gerava um mal estar e uma
resistência muito grande.(...), porque? Porque não foi passada essa
informação, ou não foi passada de uma forma que eles acreditassem.
(Paula, 34 anos, Gerente de Grupo na área de marketing).
A reação dos trabalhadores mais antigos observada por Paula e Taís representa a
resistência frente a esse novo modelo de gestão e suas possíveis conseqüências como
a possibilidade de serem substituídos por alguém mais jovem.
Após a conclusão da primeira etapa, em que puderam ter contato com as diversas
áreas da empresa, os jovens foram alocados em áreas específicas. Nesse momento os
trainees, que já haviam passado pelas diversas áreas, já conseguiam identificar qual
delas lhe agradava mais e, para qual delas gostariam de ser direcionados. Ao mesmo
tempo os responsáveis de cada área que também passaram a conhecer os trainees,
devido a sua integração nos diversos setores, também podiam identificar qual deles ou
quais deles teriam o perfil mais apropriado. A princípio, todos trabalhariam na área de
Marketing, área essa considerada por muitos na empresa como “diferenciada”, pois,
tem como enfoque a criação de estratégias que impulsionam os lucros e também
mantém contato direto com o cliente. Do outro lado estariam as áreas voltadas à
produção, com atividades mais operacionais e com menos visibilidade.
Alguns jovens relatam que o momento da escolha foi permeado por uma certa
tensão, pois, embora estivesse claro qual a área que desejavam e, mesmo tendo
71
efetuado um certo investimento22 durante o treinamento para que pudessem ser
alocados nela, quem detinha o poder de decisão eram as chefias, que escolhiam o
trainee e não o contrário.
Em alguns casos essa transição foi a desejada pelos dois lados e feita de forma
satisfatória, em outros, o número de jovens interessados em uma área específica era
superior ao número de vagas, o caso de marketing corporativo, por exemplo, sendo a
chefia responsável por escolher qual deles assumiria.
Taís em seu depoimento relata uma das situações em que esse processo de
transição foi um tanto conturbado:
(...), por exemplo, eu queria trabalhar com o escritório, eu queria (...) e
o Márcio, ele queria a Cristina, e a Cris não queria a área dele, ela
queria marketing corporativo, então teve um pouco de stress entre as
áreas. O Márcio teve que me engolir e a Cris foi para o corporativo.
(Taís, 33 anos).
Toda essa estrutura presente no programa de trainee que constituiu a primeira
turma foi se modificando ao longo do tempo. Após essa turma, outras seis foram
formadas e seu programa foi se delineando à medida em que a empresa se adaptava a
esse novo modelo. Além do processo que envolvia o programa, o perfil do jovem a ser
recrutado pela empresa também foi se modificando. Observar que poucos dos jovens
que haviam ingressado no programa ainda permaneciam na empresa levou-os a refletir
e pensar sobre a possível inadequação entre expectativa do jovem e expectativa da
empresa. Para a empresa o programa estava se tornando um investimento caro e sem
retorno desejado, uma vez que muitos dos jovens permaneciam somente o período de
treinamento e em seguida buscavam outras empresas que lhes oferecessem maior
22 Esse investimento feito por eles durante o período de treinamento diz respeito a questões comoprocurar aumentar a rede de relacionamentos e, por conseguinte,o capital social. Estabelecer alianças
72
salário e maior projeção na carreira. Possuindo agora uma “moeda” bastante valorizada
no mercado, sua especialização e experiência em uma multinacional, o jovem oferece
ao mercado tais conhecimentos e espera dele a melhor oferta.
Esse baixo índice de permanência nas primeiras turmas fez com que a empresa
pesquisada mudasse sua estratégia deixando de adotar, a partir de 2000 os programas
de trainee. A opção escolhida para substituí-lo é a reformulação do programa de
estagiários que já existia até mesmo antes da primeira turma de trainees e que
caminhou simultaneamente a elas.
O objetivo dessa reformulação foi o de moldar um trabalhador, talvez com o
mesmo perfil do jovem trainee, porém que lhes assegurasse, de certa forma um tempo
maior de permanência na empresa levando-se ainda em consideração que, para esse
tipo de programa o custo é reduzido. A idéia de que essa mão de obra venha a
substituir outros trabalhadores ao longo do tempo é confirmada pela gerente quando
comenta sobre a implantação desse novo processo.
No programa de estagiários, da mesma forma, existe uma preparação
de dois anos antes de disponibilizar o profissional para a companhia.
Busca-se ter pessoal preparado para cobrir o turn-over normal da
empresa. (Márcia, Gerente de Treinamento e Recrutamento e
Seleção).
Sobre o motivo que levou a empresa a abandonar o projeto Márcia nos relatou
que o estagiário atenderia às necessidades da mesma forma, com um custo menor e
com uma expectativa também menor que um recém formado apresentaria.
1. A trajetória dos trainees na empresa
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Quando questionados sobre o motivo que os levou a optar por participar de um
programa de trainees as questões, como, pertencer a uma multinacional de grande
porte e a possibilidade de ascensão na carreira, aparecem junto com a importância
dada ao programa de trainee, sendo este um diferencial significativo uma vez que,
promove o acesso a informações da empresa de uma maneira ampla e estruturada. Os
jovens parecem considerar de ante mão que os programas de trainee representam para
as empresas a possibilidade de ter em seu quadro jovens treinados e que respondam
de forma flexível ao modelo capitalista .
A partir da análise dos relatos abaixo observamos que, em relação à escolha por
iniciar a trajetória profissional através de um programa de trainee é quase unânime a
afirmação de que para eles o significado consistia na possibilidade de ter acesso ao
maior número de informações relativas ao mundo do trabalho em um curto espaço de
tempo, aliado a isso a possibilidade de ascensão e reconhecimento na carreira também
foram fatores determinantes:
(...) durante esse estágio eu identifiquei que eu não queria ser
engenheiro de chão de fábrica, então eu procurei um programa de
trainee, mais generalista. (Franco 34 anos, Consultor).
Para Franco, a intenção de estar em um programa mais “generalista” confirma
suas aspirações quando se refere, em um outro momento, à escolha do curso
universitário. Da mesma forma que escolheu um programa de trainee por ser
“generalista” escolheu a Engenharia por enxergar a possibilidade de trabalhar em várias
frentes o que não aconteceria com o curso de Administração. Ao enfatizar essa
iniciativa Franco valoriza a postura do trabalhador flexível e polivalente.
que, no futuro possam fortalecer e auxiliar na realização de metas anteriormente traçadas.
74
Optei pelo programa de trainee da empresa pesquisada pelo fato de
considerar uma multinacional de grande porte um bom local de
aprendizado.(Taís, 33 anos).
Ao analisar o relato de Taís podemos considerar que quando diz “um bom local de
aprendizado”, mostra a expectativa de que, através da empresa e dos recursos que ela
oferecerá, poderá aprender como ser trabalhadora. Dar à empresa essa “oportunidade”
é aceitar as regras impostas por ela.
Uma vez definido pelos jovens que o programa de trainee seria a melhor escolha
para ingressar no trabalho formal, diversas foram as formas que encontraram para
participar do processo seletivo na empresa pesquisada: alguns enviaram o currículo
após assistir a uma palestra de um representante da empresa, outros através de
anúncio em jornal, e um jovem relata que encaminhou seu currículo ao ver seu colega
enviando, optando por fazer o mesmo.
A universidade aparece como um local propício para o jovem que busca
informações sobre o mercado de trabalho. Ela mesma se encarrega ao longo do curso
de disponibilizar através de murais e palestras informações sobre empresas que
oferecem esse tipo de emprego.
Observar esse movimento dos jovens em busca de emprego é também observar o
movimento de toda uma geração em um país que, de fato, apresenta grandes
limitações no que tange à inserção do jovem no mercado de trabalho. Estas limitações
são provenientes de uma história de grandes oscilações no campo econômico,
refletindo diretamente no âmbito do trabalho.
Levando-se em consideração todas as transformações ocorridas nas últimas
décadas e, ao entrar em contato com as pesquisas que retratam aspectos relacionados
75
à juventude e ao trabalho, observamos um direcionamento às questões que discutem
suas formas de inserção e analisam historicamente esse trajeto.
Nas pesquisas em que o foco são jovens de camadas populares e pouca
escolaridade observamos a predominância da inserção em trabalhos precários. Por
conta disso, a rotatividade que compreende emprego e desemprego permeia a vida dos
jovens que convivem constantemente com essa situação. Para os que estão no
mercado de trabalho formal, embora com pouca escolaridade, a rede de
relacionamentos se mostrou uma grande aliada para a obtenção do emprego.
Quanto aos jovens com formação universitária há claramente a preocupação pela
busca de qualificação como algo que assegure sua inserção de forma mais rápida e em
locais que possam garantir sua permanência por longo tempo.
Ao se aproximar o final do curso universitário as indagações feitas pelos jovens
sobre a formação universitária (currículo), são substituídas pela incerteza de se inserir
no mercado de trabalho de forma rápida, principalmente em contextos de desemprego.
A busca pela segurança de um emprego formal parece não ser só projeto da maioria
dos trabalhadores, mas principalmente, dos jovens recém-formados.
O período que compreende a transição da escola para o mercado formal de
trabalho foi relatado pelos jovens pesquisados como tranqüilo, sendo a estrutura do
programa de trainee responsável por essa passagem. Estar em “treinamento” não lhes
atribuía responsabilidades formais, no entanto, todo o conteúdo passado durante esse
período lhes serviria para realizar as tarefas futuras. A passagem do mundo da escola
para o mundo do trabalho através do treinamento evidencia a intenção de formar o
trabalhador adaptado às necessidades do capital. 23
23 Considerar “tranqüila” a transição da escola para o mercado de trabalho pode representar a tentativa dos depoentesde traduzir a subjetividade expressando sentimentos de bem-estar (Queiroz, 1991, p.23). Como ressalta a autora:“Ainda que o subjetivo seja entendido como as sensações intraduzíveis, é próprio do indivíduo tentar compreendê-las
76
Através dos depoimentos de Paula e Marcos observamos que a
representatividade desse período de treinamento reflete a possibilidade de realizar uma
transição gradual, ao mesmo tempo em que amplia sua rede de relacionamentos.
Eu acho que o programa de trainee como ele foi concebido na
empresa, não sei se ele é hoje dessa forma ainda. Ele ajuda a fazer a
transição de uma forma mais gradual. Por que? Porque a gente ficou
cinco meses só recebendo. Recebeu informações de todas as áreas,
conheceu a empresa, tinha acesso a todas as áreas, quer dizer, ainda
era um processo de aprendizagem que a gente tinha. Então ajudou a
fazer essa transição de forma mais suave, (Paula, 34 anos, Gerente de
Grupo na área de marketing).
Então o programa de trainee foram seis meses que a gente ficou
rodando todas as áreas. Por um lado não tinha nenhuma
responsabilidade em termos de resultado. A gente tava lá por seis
meses pra aprendizado e era uma forma de você ficar bem familiar a
empresa. (Marcos, 33 anos gerente de Marketing)).
A promessa de ascensão rápida foi explicitamente colocada no processo de
seleção, junto com a intenção de formar um quadro executivo a partir daquele grupo de
trainees. Nesse momento a expectativa levantada acompanhou a trajetória dos jovens
que procuraram, durante o período de permanência no programa, mostrar suas
habilidades e potencializar as oportunidades de aprendizado que a empresa lhes
oferecia.
Ao analisarmos as trajetórias dos jovens dentro da empresa pesquisada,
observamos que apenas dois trabalharam em mais de um departamento, Paula e
primeiramente e transmitir aos outros o que compreendeu; porém , ao fazê-lo forçosamente utiliza os mecanismos
77
Nicolas. Os outros permaneceram nos departamentos em que foram alocados após o
programa de trainee até saírem da empresa. De qualquer forma, observamos a
mobilidade de postos de trabalho, seja no mesmo departamento ou não.
Através do seu depoimento Paula relata que, estar no Marketing Corporativo
significava o início de um caminho planejado de forma estratégica. As vantagens e
desvantagens de pertencer a um ou outro departamento parecem fazer parte de um
“quebra-cabeça” que possibilitará a construção uma carreira promissora24.
Então depois de cinco meses de trainee eu fui como especialista de
marketing, fiquei em corporativo, acho que uns dois anos, eu fiz toda
aquela parte de identidade corporativa, treinamentos,...Eu acho que foi
bom, o Oswaldo dava uma autonomia bastante grande, eu tive a
oportunidade de ir para St.Paul duas ou três vezes, então assim, era
muito bom, eu me senti crescer como profissional, enquanto eu tava
em corporativo. Mas corporativo era só uma portinha de entrada e eu já
tinha traçado na minha cabeça, que era uma continuidade do programa
de trainee que ia ma dar uma visão mais ampla, ia me dar um
passagem mais aberta para as outras áreas, e aí eu queria uma área
de negócios, e foi aí que abriu uma vaga em consumo para especialista
de marketing eu concorri e entrei nessa vaga, e fiquei lá acho que 3
anos e meio quase quatro, Fui como especialista de marketing, sem
promoção e lá eu fui promovida a especialista pleno, daí eu cuidei dos
produtos de consumo. E foi muito bom, foi uma escola e o que a
empresa (...) tem de bom, na verdade teve naquela época é que a
estrutura sempre foi bastante enxuta, então eu era tudo e foi muito bom
porque eu consegui entender um pouquinho mais o mundo de
consumo. (Paula, 34 anos, Gerente de Grupo na área de marketing).
que tem à sua disposição e que lhe foram dados pela família, pelo grupo, pela sociedade.”24 A carreira promissora referida é aquela em que o trainee ocupará postos de direção da empresa com todos ossímbolos de prestígio neles contidos.
78
Eu fiquei como trainee mais três meses, na área de segurança e saúde
e depois eu fui promovido pra especialista de marketing. Nisso eu fiquei
até julho de 97 como especialista e no mesmo departamento. ((Marcos,
33 anos gerente de Marketing).
Entrei como especialista de marketing, aí tem o pleno, o sênior.
Sempre na área de fitas, aí do Paulo foi pro Bruno, porque o Paulo
assumiu uma área de empacotamento, o Bruno assumiu a área de
especialidades, aí depois do especialista sênior, eles separaram das
especialidades, lá criaram um sistema de junção, com uma nova
unidade. Eram dois números, 35 e 37, 35 ficou só com o Bruno e 37
ficou comigo, criou como se fosse uma unidade de negócios. O cargo
era gerente de vendas e marketing, e aí eu saí um ano depois. (Karen,
35 anos gerente de Marketing).
Essa mobilidade permitida e incentivada pela empresa, segundo Pagés (1987,
p.125) evita a apropriação do poder por um indivíduo ou grupo.
A apropriação é impossível para o grupo porque basta que ele se
constitua para ser rapidamente desmantelado. Ela é difícil para um
indivíduo porque se evita que ele se identifique com uma função ou um
status determinado. As mudanças freqüentes evitam toda cristalização
dos interesses individuais ou coletivos sob o controle de um nível
determinado da organização. Mal o empregado foi promovido ele aspira
a uma nova promoção, e então ninguém se polarizará sobre a
apropriação do poder a um nível qualquer.
79
Essa aspiração de que nos fala Pagés é um dos motivos mais significativos que
desencadearam o desejo de sair ou mesmo permanecer. Não enxergar, em curto prazo,
a possibilidade de ascensão fez com que a maioria deles procurasse, em outra
empresa essa possibilidade.
2. Saída ou permanência: conformismo ou resistência
Ao falarmos em conformismo e resistência nos referimos às formas ambíguas em
que as práticas sociais se apresentam Chauí (1989, p.121 a 124). Da mesma maneira,
permanecer ou sair da empresa denota essa ambigüidade25.
As opções por sair da empresa pesquisada, tomaram diversas formas e caminhos.
A busca por novos desafios e a constatação de que a progressão na carreira dentro
dela não seria como o desejado, foram as justificativas mais presentes encontradas nos
depoimentos dos que optaram por sair.
Para Sennett (1999), as transformações observadas no âmbito do trabalho
também transformaram a tradicional imagem do trabalhador. Os indivíduos
influenciados pela competição crescente por empregos inseguros, passam a valorizar e
assumir características como maleabilidade, criatividade e, sobretudo, atitudes
superficiais nos contatos pessoais, e indiferente a projetos de vida duradouros. Para
ganhar agilidade no mundo do emprego, em constante modificação, ele deve aprender
a não ter elos sólidos com a família, lugares, tradições culturais, e também com o
próprio percurso biográfico. Sennett define essa nova identidade como a do indivíduo
“desenraizado”.
25 “Talvez seja interessante considerá-lo ambíguo, recido de ignorância e de saber, de atraso e de desejo deemancipação, capaz de onformismo ao resistir, capaz de resistência ao se conformar. Ambigüidade que o determinaradicalmente como lógica e prática que se desenvolvem sob a dominação”(Chauí, 1989, p.124)
80
O conceito de que “bom trabalhador” é aquele que permanecia durante um longo
período em um mesmo lugar cai por terra e dá espaço à idéia contrária. Hoje ter em seu
histórico o registro de trabalho em vários lugares dá ao trabalhador muito mais crédito
que há alguns anos atrás. A mensagem contida aí é a de que o trabalhador por ter
experimentado lugares diferentes possui iniciativa, busca novos desafios e está sempre
atualizado e flexível quanto a sua adaptação em um novo local de trabalho.
Nos depoimentos abaixo encontramos os jovens, embora vislumbrando outros
caminhos fora da empresa estudada com uma certa ambigüidade, por um lado com um
certo “sentimentalismo” ao deixar a empresa, e por outro com a intenção de enfrentar
novos desafios. O ambiente agradável, citado por eles, e as informações, que lhes
foram passadas de forma gradual não foram suficientes para mantê-los lá. Tal
movimento ratifica a análise de Sennett (1999) em relação ao não apego a projetos de
longo prazo.
Uma coisa é que eu senti falta de coaching 26 e outra coisa é que eu
queria trabalhar em consumo. (...) eu poderia muito bem ter ido pra
consumo, ter cavado alguma coisa lá, mas eu acabei ficando muito
desmotivado lá dentro. Eu não sei nem se ia adiantar mudar de área,
se era a cultura. Mas eu precisava sair, eu sentia que...foi uma decisão
muito difícil, porque no fundo eu tenho a empresa (...) no coração até
hoje, é uma empresa que eu gosto muito, que eu admiro bastante. Mas
no fundo foi isso, eu precisava conhecer alguma coisa diferente.
((Marcos, 33 anos gerente de Marketing).
E aí depois dos três anos e meio veio a notícia de que a empresa (...) ia
mudar pra Campinas ia fechar o escritório de São Paulo27 e eu não
26 Coaching é uma expressão inglesa que está relacionada à liderança “coach” em inglês significa treinador.27 A área de marketing da empresa pesquisada, por conta de uma reestruturação interna na mesma época em que ogrupo de trainees foi formado, foi toda transferida para a cidade de S.Paulo, sendo que, após a conclusão dotreinamento básico todos os trainees foram deslocados para lá nas respectivas áreas em que foram efetivados.
81
tenho como meta trabalhar fora. Aí coincidentemente, apareceu um
anúncio na BOMBRIL, eu mandei. Assim eu mandei hoje, depois de
amanhã eles me ligaram e daqui três dias eu já tava contratada. Foi
rápido (Paula, 34 anos, Gerente de Grupo na área de marketing).
Um dos problemas da empresa (...) é que você não tem perspectiva de
longo prazo, não sabe se vai ser promovido, naquela época era de alta
estabilidade e esperava um dia ser promovido. Eu não queria isso, eu
queria algo bem mais rápido. Aí eu comecei a ver qual era a melhor
alternativa, mudar de emprego ou ir pra MBA, e naquela época o dólar
era um pra um, então o MBA não era uma opção tão cara. Aí eu recebi
a oferta da MBA em 98, e eu pedi demissão 40 dias antes (Franco 34
anos, Consultor).
Quando saímos da faculdade estamos dispostos a tudo e com uma
gana de aprender alucinante. A empresa (...) soube muito bem fazer
esta “lavagem cerebral” em mim. Após 6 anos na mesma empresa e
expert em (...) precisei ir atrás de outros desafios, pois lá dentro não
havia uma oportunidade que me interessava. Eu adorava a área que eu
tava mais eu queria um desafio diferente. Eu queria um novo mercado.
Eu tava cansada de trabalhar com produto de papelaria. (Taís, 33
anos).
Podemos considerar que a empresa pesquisada teve fundamental importância na
formação deste trabalhador (executivo). A concepção de homem de negócios,
responsável pelas estratégias da empresa, passa a fazer parte da vida dos jovens que,
através da busca de constantes promoções, almejam fazer parte do quadro dirigente da
82
empresa. Uma vez não enxergando essa possibilidade em curto prazo, buscam fora
dela atingir tal objetivo.
Quanto ao jovem que ainda permanece na empresa poderíamos dizer que,
durante a entrevista, o seu depoimento nos passou algo como se o fato de ainda estar
trabalhando na empresa pesquisada representasse um sinal de acomodação. Se o que
constatamos foi uma considerável evasão da empresa pelos motivos relatados
anteriormente, o que o teria feito optar por permanecer? Ao relatar sobre o porque
permanece na empresa Nicolas comenta que mesmo para ele isso parece inusitado.
Quando eu entrei o que eu imaginava era ficar aqui uns quatro cinco
anos e eu até me assusto quando penso que eu fui ficando, ficando (,,,)
hoje eu sou gerente de fusões e aquisições , é muito mais do que eu
imaginei quando eu entrei. (Nicolas, 34 anos Gerente de Fusões e
Aquisições)
Junto com essa aparente ausência de expectativa que Nicolas nos apresenta
observamos sua trajetória na empresa e, constatamos que ele foi um dos únicos
trainees a assumir um cargo de gerência no prazo que havia sido prometido pela
empresa. Talvez isso confirme a afirmação de que a trajetória, sob a ótica dos jovens,
deva ser feita de maneira rápida, caso contrário, eles podem se desligar da empresa de
origem e buscar outra que atenda às suas expectativas.
3. As representações sobre o programa de trainees
Dois foram os momentos mais marcantes vivenciados pelos jovens dentro da
empresa pesquisada: a experiência de ser trainee durante dois anos, e, após o término
do programa, assumir desafios e obrigações como um trabalhador formal. Nesse
83
momento duas são as referências observadas: o que o programa em si representou na
vida desses jovens e o que a empresa pesquisada representou.
Possuir no currículo esses dois itens, segundo os jovens é de extrema valia. O
primeiro por ter, de antemão, o conceito de se ter vencido inúmeras etapas para fazer
parte de um grupo, cujo objetivo, após um período de treinamento, era assumir funções
de comando; e o segundo, por ter trabalhado em uma empresa de grande porte e com
reconhecimento internacional.
Pagés, quando analisa a imagem e o culto do poder na organização, traz reflexões
bem próximas da realidade vivida pelos jovens na empresa pesquisada. A onipotência
que empresas com essas características revelam vem de encontro à busca de
onipotência dos que nela se encontram.
A organização na sua realidade econômica e política propõem aos
indivíduos uma imagem de força e poder: o porte da organização, seu
caráter mundial, sua eficácia, seus objetivos de conquista (lucro e
expansão), constituem uma imagem agressiva de onipotência (o
caráter mundial é importante neste caso), que favorecerá a projeção de
sonhos individuais de onipotência, ao mesmo tempo em que mantém a
angústia que os alimenta. (Pagés, 1987, p.163)
Os depoimentos de Karen e Marcos mostram o valor atribuído, pelos jovens ao
programa de trainee e à empresa pesquisada. O que Pagés (1987 p.84 a 86) chama de
“deificação da organização” é observado nos relatos através dos quais são descritos
sentimentos de “gratidão” e admiração pelos princípios adotados pela empresa, mesmo
após sua saída. Segundo o autor “as crenças postulam que é a própria organização que
84
tem consideração pelas pessoas, oferece o melhor serviço e realiza todas as tarefas
com o cuidado da perfeição”. Como analisa o autor, “os novos modelos de gestão
adotados pelas empresas mobilizam as subjetividades de forma que o trabalhador não
somente” veste a camisa “da empresa, mas também passa a pensar” com a cabeça “da
empresa”.
Mas eu precisava sair, eu sentia que... foi uma decisão muito difícil,
porque no fundo eu tenho a empresa (...) no coração até hoje, é uma
empresa que eu gosto muito , que eu admiro bastante. ((Marcos, 33
anos gerente de Marketing).
(...) o que é bom o que é ruim, o que é um investimento, isso eu
aprendi tudo na empresa (...) e isso serve em qualquer lugar. A
empresa (...) realmente foi uma ótima escola. (...) quanta mediocridade,
quando você sai você vê que existe lugar pior. E a ética da empresa
(...) é uma coisa muito forte. (Karen, 35 anos gerente de Marketing)
O mesmo reconhecimento direcionado à empresa é observado quando comentam
sobre o programa de trainee. Todos os entrevistados são unânimes em afirmar que, o
período que trabalharam na empresa pesquisada foi fundamental para que a
continuidade na careira em outro lugar fosse de sucesso. No entender dos jovens, a
empresa direcionou a eles recursos e oportunidades de crescimento que talvez não
tivessem, caso entrassem em uma outra função ou mesmo em uma outra empresa.
Uma questão bastante enfatizada e valorizada é o acesso que tiveram às diversas
áreas o que, segundo eles, proporcionou-lhes uma visão ampla da empresa.
O programa de trainee da empresa (...), junto com a GV, realmente
deram uma boa ajuda na carreira. Foi um bom trampolim inicial, muito
bom, ajudou bastante nisso. Eu só tenho boas recordações, pra mim
85
valeu, foi excelente. Me ajudou a valorizar e conseguir a vaga no MBA
(...) por exemplo entrar como especialista de marketing direto. Eu
lembro que um especialista de marketing entrou exatamente na mesma
época e a gente se cruzou depois, um ano depois. Claramente o outro
só conhecia a área dele, conhecia muito bem, mas não conhecia nada
de fora da empresa (...). Os doze, então conhecia todo mundo,
conhecia área industrial, área técnica, conhecia o pessoal da área de
RH, da área financeira, da área de contas a pagar, o pessoal de
compras. Então na hora de ter um relacionamento de buscar a
informação, isso ajudava muito. Definitivamente abriu portas dentro da
empresa, segundo ajudou no dia a dia do trabalho. Você sabia achar
mais informações, entendia melhor o funcionamento da empresa como
um todo então comparado com essa pessoa, na verdade duas pessoas
que entraram junto dava uma condição melhor. ((Franco 34 anos,
Consultor).
Bom, eu amei trabalhar na empresa (...), eu acho que me deu muita
segurança ter sido trainee. Logo que você se forma, você não sabe
nem o que é trabalhar. Como é que você entra no escritório. Mas eu
acho que favoreceu sim. (Taís, 33 anos).
Fez uma transição mais leve do que é o mundo acadêmico para o
mundo profissional. Então eu acho que ajudou nesse sentido. Ele me
deu, talvez por ter sido na empresa (...), uma visão muito ampla do que
uma empresa pode ter. Eu acho que nisso a empresa (...) é uma
grande escola. E eu acho que o programa de trainee me valorizou
como profissional mesmo. Uma empresa apostou em mim, dentro de x
pessoas e eu consegui dentro dessa empresa construir uma carreira.
Eu não fiz programa de trainee e acabou. Então eu consegui construir
uma carreira lá. O programa de trainee foi uma base, muito importante.
Eu não sei se eu não tivesse passado por um programa de trainee se a
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minha carreira teria sido da mesma forma, eu acho que foi uma forma
muito, muito boa de começar a carreira. Eu não teria feito diferente.
(Paula, 34 anos, Gerente de Grupo na área de marketing).
Embora, relatado pelos jovens, o significado positivo que o programa assumiu em
suas vidas, parecem enxergá-lo como um estágio inicial para que sua trajetória fora da
empresa seja promissora. É como se o programa os tivesse feito exercitar as escolhas
em diversas situações, inclusive profissionais. Aparentemente com bastante segurança,
a maioria deles opta por deixar a empresa pesquisada apostando cada vez mais nas
competências e habilidades adquiridas no período em que permaneceram lá. O
processo de individualização citado anteriormente pode ser visto aqui de maneira mais
acentuada.
O fato da empresa pesquisada ser considerada uma empresa de grande porte e
possuir muito prestígio em âmbito nacional e internacional fez com que, segundo os
jovens, os auxiliasse a ter uma visão bastante ampla sobre gestão de negócios, além
do status por fazer parte de uma grande multinacional, reconhecida mundialmente.
Permanecer naquela organização mesmo que, em alguns casos, por um curto período
representou e serviu durante muito tempo como um passaporte para ingressar em
outras empresas de igual prestígio, sempre em posições superiores às vivenciadas
anteriormente. Os relatos abaixo nos mostram um pouco da trajetória fora da empresa
pesquisada:
E aí também eu fiquei nove meses porque tava insuportável minha
situação lá dentro, não tava dando certo com a minha chefe, e aí eu
comecei a procurar de novo. Seis meses de Danone eu falei não, aqui
não da pra ficar. Daí eu fui pra editora Abril, fiquei três anos na Editora
Abril, e aí o mercado editorial é totalmente fascinante, é bem diferente
de tudo que existe. E aí eu virei gerente de produto de Playboy e
Placar. (Marcos, 33 anos gerente de Marketing).
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Eu entrei, eu estou a exatamente dois anos, eu entrei como gerente de
produto sênior, mas eu fui promovida o ano passado, um ano e meio
depois que eu estava aqui, e agora eu sou gerente de grupo. (Paula, 34
anos, Gerente de Grupo na área de marketing).
Após dez anos desde o início do programa de trainee e início da vida profissional
dos jovens, observamos dois caminhos que parecem estar se desenhando em sua
trajetória profissional. Paula, Franco e Nícolas, continuam com a intenção de progredir
na carreira e efetivamente investem esforços para que isso aconteça sendo que
possuem cargos de nível elevado dentro das empresas em que trabalham e com a
possibilidade bem próxima de serem promovidos e transferidos para outros países.
Podemos notar que a importância dada à experiência internacional é bastante grande.
Quanto a Karen, Taís e Marcos apresentam a intenção de possuir um negócio próprio,
sendo que Marcos já possui uma consultoria em marketing que caminha paralela ao
seu outro emprego; Karen pensa em montar algo no ramo alimentício com seu
namorado e Taís ainda não se decidiu. Quanto a Marcos e Karen embora ainda
estejam inseridos em organizações privadas e com funções de comando bastante
reconhecidas, parecem não se sentir ameaçados por deixar o que para muitos é um
lugar seguro. De forma bastante racional dizem estar analisando algumas
possibilidades, e esperar o melhor momento. Para esses parece existir uma
desmistificação sobre o papel da empresa e a intenção em não fazer mais parte desse
mundo. O cenário que, até então lhes garantiu o progresso e ascensão na carreira
passa a não ser mais atrativo e a dedicação dispensada à empresa parece gerar
insatisfação, observada nos relatos e, muitas vezes, decepção com a dinâmica
vivenciada nas empresas.
Eu não sei, eu sei que eles estão procurando alguém que saiba falar
Chinês. Aí qual que é a vantagem? Eu já entendo um pouco do
mercado, mercado financeiro, que a BMF, é um dos nossos
fornecedores, tem muita parceria, muito contato. Essa é uma
88
alternativa, a outra alternativa é que tem um imóvel em um ponto muito
bom, que gente teria que investir em uma reforma ou derrubar e
construir, que fica a uma quadra e meia da UNI 9, a faculdade UNI 9,
ali na Vila Maria. Eu to pensando em alguma coisa de comida. Na
verdade o imóvel era do avô falecido do meu namorado. Tem que
dividir entre os irmãos. É uma oportunidade. Ele teria que largar o
emprego dele lá28, se a gente montar um negócio aqui fica uma renda,
também. Se der eu continuo no emprego, aí ficam duas rendas, mas se
o negócio crescer, eu to pensando que vai crescer, aí eu também vou
ajudar lá. (Karen, 35 anos gerente de Marketing).
Analisando o que eu consegui até aqui, a minha vontade é de ter um
negócio próprio. Já pensei em várias coisas, desde pizzaria até uma
consultoria de marketing e propaganda, buffet infantil e acho que isso
ta perto, eu não quero esperar chegar nos 50 anos para fazer isso.
(Marcos, 33 anos gerente de Marketing).
Paula, ao contrário de Marcos e Karen expressa sua satisfação em trabalhar na
empresa em que está hoje e relata que seus planos de transferência para o exterior
parecem se concretizar em breve.
Eu sou, eu diria, bastante realizada com aquilo que eu já sei hoje. Em
10 anos eu to na empresa que eu gostaria de estar, eu gosto de
trabalhar aqui e sou reconhecida pelo trabalho que eu faço. Tenho uma
exposição muito grande internacional, que também é uma coisa que eu
valorizo bastante, pra mim é importante, e hoje eu diria que eu sou uma
profissional realizada, nesse momento. Tenho projetos bastante
estratégicos, então, por exemplo, o projeto mais importante da empresa
esse ano ta comigo, então é um reconhecimento que eu tenho e vem
28 Karen se refere ao namorado que atualmente trabalha em outro estado.
89
de encontro com aquilo que eu sou, eu sou uma pessoa que sempre
quero mais, busco novos desafios (...) então, minha meta é ser
transferida. Eu quero um cargo fora, tem algumas possibilidades mais
ou menos desenhadas, mas a minha expectativa é trabalhar fora.
(Paula, 34 anos, Gerente de Grupo na área de marketing).
Observar os jovens direcionando suas escolhas em sentidos diferentes não afasta
a tendência apontada por Sennett quanto ao risco. Segundo o autor a instabilidade
característica das organizações flexíveis favorece a ação de correr o risco tornando-o
uma atitude comum.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os jovens entendidos como sujeitos construídos social e historicamente
apresentam um conjunto de contradições. Ao mesmo tempo se percebem construindo o
futuro no processo de formação universitária e se encontram indecisos, pressionados
pelas solicitações e aspirações familiares.
O pertencimento às classes médias dos jovens pesquisados levou a organizar
escolhas de cursos e faculdades que os distinguem de outros grupos sociais. Assim, a
pesquisa observou que as condições materiais de existência abriram um leque de
opções que provavelmente não se colocam para outros segmentos: fizeram cursinhos,
puderam decidir sobre cursos e instituições, além de construir um capital social e
cultural distinto.
Os pais influenciariam as escolhas de cursos universitários mais fortemente que
as mães. Os cursos selecionados, na sua maioria, eram dirigidos à formação de
quadros dirigentes em empresas, isto é, administração, engenharia e marketing. Neste
sentido, observou-se que as escolhas profissionais os conduziram a hierarquizar as
áreas de concepção e de execução. Foi predominante o desejo de trabalhar em uma
área que exigisse ações mais estratégicas e menos técnicas. Neste sentido, a área de
marketing foi bastante disputada. Percebeu-se que a escolha do curso superior
representava também a escolha de carreiras direcionadas às funções mais
intelectualizadas. As posições de comando, controle, de concepção, tidas como
trabalho intelectual para estes jovens, se aproxima das características que constroem
os “homens de negócios” e são portadoras de prestígio e status não somente para os
jovens.
Se as trajetórias indicam a construção de carreiras compreendidas como de
prestígio, a inserção no mercado de trabalho, por intermédio dos estágios feitos em
empresas durante a graduação mostraram-se como o rito de passagem entre a escola
88
e trabalho. Assim, o contato com as atividades de trabalho no interior de empresas
representou a possibilidade de aprendizado e aquisição de conhecimentos utilizados
posteriormente no mercado de trabalho formal.
Se os estágios representaram um processo de iniciação profissional, as
instituições universitárias são consideradas distintivas para o ingresso e a permanência
no mercado de trabalho. É desta forma que os programas de trainee se apresentam,
recrutando jovens que cursaram as faculdades ou universidades consideradas de
prestígio. Na perspectiva da empresa, a formação universitária distingue os jovens,
qualificando-os para o exercício das funções de direção. Assim, a empresa pesquisada
reconheceu que as universidades freqüentadas pelos jovens ofereciam profissionais
melhor qualificados.
Dentre as possibilidades que o jovem encontrava ao concluir o curso de
graduação o programa de trainee se apresentou como uma opção, uma vez que o
colocava em contato com o mundo do trabalho e suas particularidades. A possibilidade
de ter acesso às informações sobre a organização do trabalho e do capital em empresa
multinacional foi um dos elementos chaves para a escolha em participar de programas
de “treinamento” para quadros dirigentes. De fato, se este jovem tivesse sido recrutado
para postos de trabalho específicos, mais diretamente relacionados com o curso
universitário que haviam feito, eles não teriam tido acesso ao conjunto de informações
que lhes possibilitaram construir as carreiras. Fazer parte deste programa representou
nas subjetividades o reconhecimento e pertencimento social a um grupo distinto no
mundo do trabalho.
O “treinamento”, observado no programa de trainee, construiu um jovem adaptado
às exigências do capital, isto é, um jovem que com capacidade de trabalhar em equipe,
que pudesse desenvolver atividades em diferentes locais e postos de trabalho, e que a
dimensão do tempo público e privado estivessem imbricados, além de que se sentisse
representante da empresa, nomeado por alguem como “vestir a camisa da empresa”.
89
Este trabalhador flexível também deveria se orientar pelos princípios da
competitividade, eficiência e busca de postos de trabalho mais elevados.
Adaptar-se a novos postos de trabalhos, sejam eles na empresa pesquisada ou
não, evidenciou a maleabilidade exigida para o trabalhador flexível. Este é construído a
partir das necessidades do capital, e os jovens pesquisados parecem ter acreditado que
esse era o caminho para se atingir o sucesso e prestígio.
Todos os jovens que optaram por sair da empresa pesquisada não encontraram
dificuldade de inserção em novos empregos. Um dos principais motivos foi ter
participado de um programa de trainee. As empresas entenderam que esse jovem
profissional já estava adaptado à cultura empresarial que demanda um trabalhador
flexível. Os programas de trainee, valorizados pelas empresas como formadores de
trabalhadores que assumem funções estratégicas. O treinamento realizado pela
empresa formando os jovens executivos ao mesmo tempo forma o trabalhador
“empreendedor”. Neste sentido, o programa de trainee representa um passaporte para
a permanência no mercado de trabalho que privilegia empresas semelhantes à
pesquisada.
Os jovens executivos admiram a empresa flexível que fizeram o treinamento. Esta
admiração é representada pela compreensão de que a empresa foi ética, de que o
trabalho era agradável e estimulante e a empresa extremamente inovadora. Esse
sentimento de satisfação nos mostra a força que o capital exerce sobre a subjetividade
destes jovens. “Vestir a camisa da empresa” e sentir-se valorizado estimula a
produtividade e lealdade à empresa. No entanto essa admiração não foi suficiente para
que permanecessem nesta empresa. Parece haver elementos de resistência á
submissão aos princípios da empresa flexível, evidenciados pelos relatos de que a
empresa os forma na direção apontada, mas isto não foi suficiente para organizar a
resistência. Pois todos que saíram deste trabalho se inseriram em contextos
empresariais semelhantes, mesmo aqueles que estão “abrindo o negócio próprio”.
90
Parece que o capital tem sido vitorioso no projeto de construir o trabalhador
empreendedor, flexível e inovador.
Para os jovens, não possuir a garantia de ascensão e desenvolvimento como
haviam imaginado os fez buscar tais metas em outras empresas, porém mais
qualificados e, portanto, com muito mais poder de troca que antes.
Durante a trajetória profissional fora da empresa pesquisada observamos duas
trajetórias. A primeira, a contínua busca por cargos de direção dentro das empresas,
entendida como desafios e vivência de experiências novas. A segunda, ainda
valorizando as posições de comando e de poder, buscam investir em negócio próprio.
Ambos estão reproduzindo a mesma lógica do capital, uns representam o capital em
cargos de direção, outros não precisam ser intermediários, tentam ser o “próprio
patrão”. Estes jovens são parte deste movimento do mundo do trabalho que constrói o
trabalhador flexível, iniciado, como se observou no programa de trainee.
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98
Anexo 1 - Questionário
1. IDENTIFICAÇÃO
Nome:
Local de nascimento: Cidade:
UF:
Local de moradia: Cidade:
UF:
Data de nascimento:
Profissão e escolarização dos pais:
Pai:
Mãe:
2. ESCOLARIDADE
Qual curso universitário fez?
Por que escolheu esse curso?
Faculdade; instituto; universidade:
Ano de ingresso: Ano de conclusão:
Tem fluência em quais idiomas?
Fez pós graduação?
99
Qual: Onde:
Data de início: Data de conclusão:
Antes da faculdade fez ensino médio em que escola:
Pública particular técnica
3.TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Quando estava cursando a faculdade tinha alguma atividade profissional (estágios,
empregos, etc) remunerada?
Não Sim
P1. Por que decidiu participar de um programa de Trainee?
R1:
Como ficou sabendo do processo seletivo para o programa de Trainee da empresa X?
Cartaz
Internet
Através de colegas
Diretamente na empresa
Outros (mencione a forma)
De que forma se inscreveu para o processo seletivo?
Correio
Pessoalmente
Outros (mencione a forma)Participou de outros processos na mesma época?
Não Sim Quantos
100
Ano de ingresso no programa de Trainee da empresa X:
Ano de saída da empresa X:
O que faz atualmente? Cargo atual
Qual empresa?
P2. Como foi o processo seletivo para o ingresso no programa de Trainee na empresaX? Quais eram os pré-requisitos?
R2:
P3. Caso tenha sido aprovado em outro processo o que lhe fez optar pela empresa X?
R3:
P4. O que esperava do programa de Trainee ao entrar? O desenvolvimento doprograma foi tal como previsto por você? O que aconteceu?
R4:
P5. Quando entrou na empresa X a empresa colocou-lhe expectativas quanto ao seufuturo profissional? Foram realizadas?
R5:
P6. Durante sua permanência como Trainee participou de que programas de formaçãocontinuada? Estes programas eram financiados pela empresa ou por você? Foramsuficientes ou acha que poderiam ser feitos outros cursos, quais?
R6:
P7. Qual sua trajetória profissional dentro da empresa?
R7:
P8. Você continua trabalhando na empresa X? Por que?
R8: