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e HUMANIZAR punir o direito penal setecentista Sílvia Alves

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Sílvia Alves

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ISBN 978-65-5059-011-6

pós-graduados. Rege atualmente as disciplinas de História do Di-reito Penal, Sociologia do Direito e Filosofia do Direito nos cursos de mestrado científico e de dou-toramento. Membro do Instituto de História do Direito e do Pen-samento Político; do Centro de Investigação Teoria e História do Direito. THDULisboa; do Instituto de Direito Penal e Ciências Cri-minais (IDPCC, Faculdade de Di-reito da Universidade de Lisboa); do Centro de Investigação de Di-reito Penal e Ciências Criminais (CIDPCC); da Rede Internacional de Investigadores em Direito e Justiça (RIIDJ); e do Centro de In-vestigação em Perspectivas de Historicidade do Direito no Esta-do (CIH Jur., Faculdade Damas da Instrução Cristã, Recife, Brasil). Tem desenvolvido em especial trabalho de investigação no do-mínio da História do Pensamento Jurídico e da História do Direito Penal, publicando estudos como Lições preliminares de sociologia do direito (Lisboa: AAFDL, 2018); Fundamentos da extinção da pu-nibilidade. Um estudo de história do direito penal luso-brasileiro (Belo Horizonte: Editora d’Pláci-do, 2016); “Filosofia penal de Tho-mas Hobbes” (Revista Brasileira de Estudos Políticos, N.º110, Ja-neiro/Junho 2015, pp.75-122); “Le-vando a desobediência a sério” (Revista Caderno de Relações In-ternacionais, Vol.6, N.º10, Janeiro a Junho 2015, pp.5-31); “Desobedi-ência civil e democracia” (Duc in Altum. Caderno de Direito. Vol.7, N.º11, Janeiro a Abril 2015, pp.45-83); “Infirmitas Sexus, Animi Le-vitas. Notas sobre a punição das mulheres na vigência das Orde-nações Filipinas (Coimbra, 2011; e Recife, 2012); e “A pena de morte no pensamento jurídico setecen-tista” (in História do Direito e do Pensamento Jurídico em Perspec-tiva, São Paulo, 2012).

Sílvia AlvesLicenciada em Direito (1987), Mestre em Ciências Histórico--Jurídicas (1996) e Doutora em Direito (2009) pela Faculdade de Direito da Universidade de Lis-boa. Docente do Grupo de Ciên-cias Histórico-Jurídicas desde 1987, foi Professora Auxiliar a partir de outubro de 2009, data em que concluiu as provas de doutoramento no ramo de Ciên-cias Histórico-Jurídicas, especia-lidade de História do Direito, com a tese intitulada Punir e Huma-nizar. O Direito Penal Setecen-tista (Lisboa: Fundação Calous-te Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2014). É Professora Associada desde 2017. É Presidente do Conselho Pedagógico e Vice-Presidente do Gabinete Erasmus e de Relações Internacionais da Faculdade de Direito da Universidade de Lis-boa. A sua docência tem sido de-dicada às disciplinas de História do Direito Português, História do Pensamento Jurídico, Filosofia do Direito e Sociologia do Direi-to, cujo ensino retomou na Facul-dade de Direito de Lisboa, na li-cenciatura e, depois, nos estudos

De autoria da professora Sílvia Alves, da tradicional Faculda-de de Direito da Universidade de Lisboa, a investigação se vol-ta sobre a teoria penal do século dezoito, o qual representou um corte epistemológico na histó-ria das ideias da nossa ciência. Com efeito, foi esse pensamento que possibilitou a mudança do centro gravitacional do direito penal hodierno; nomeadamente, possibilitou a preponderância do crime, enquanto instituição, em face da pena, sua consequência.

Cláudio Brandão

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Catalogação na Publicação (CIP)Ficha catalográfica

Punir e humanizar o direito penal setecentista. ALVES, Sílvia. -- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019.1132 p.

ISBN: 978-65-5059-011-6

1. Direito. 2. Direito penal. I. Título.

CDD341.5 CDU343

Plácido Arraes

Tales Leon de Marco

Bárbara Rodrigues

Letícia Robini(Imagem por Zulmaury Saavedra, via Unsplash)

Bárbara RodriguesEnzo Zaqueu

Editor Chefe

Editor

Produtora Editorial

Capa, projeto gráfico

Diagramação

Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia do Grupo D’Plácido.

W W W . E D I T O R A D P L A C I D O . C O M . B R

Belo HorizonteAv. Brasil, 1843,

Savassi, Belo Horizonte, MGTel.: 31 3261 2801

CEP 30140-007

São PauloAv. Paulista, 2444, 8º andar, cj 82Bela Vista – São Paulo, SPCEP 01310-933

Copyright © 2019, D’Plácido Editora.Copyright © 2019, Sílvia Alves.

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À memória de meu Pai À minha Mãe

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S U M Á R I O

Nota prévia 11

Abreviaturas 13

Prefácio 15

Introdução 19

CAPÍTULO 1 OS FINS DAS PENAS 45

I. A definição da pena 47II. A enunciação dos fins das penas: uma solução ecléctica 69

1. Castigar e prevenir - o justo equilíbrio da justiça 822. Da prevalência da repressão à prevalência da prevenção 873. A prevenção geral 94

§ 1. A força do exemplo 94§ 2. O temor de Deus, o temor do castigo e a sombra das leis 99§ 3. A geometria do medo: um problema de eficácia

ou uma sábia economia 1024. A prevenção especial ou a emenda dos delinquentes 1055. Aumentar as penas - a fórmula da prevenção 110

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CAPÍTULO II AS CLASSES DAS PENAS 113

I. A classificação das penas 115II. O arsenal punitivo – a tipologia das penas 134

1. O talião – essa lei de povos ignorantes e bárbaros? 1342. A pena de morte 154

§ 1. A morte natural 155§ 2. A morte civil - morre o cidadão e fica o homem 270

3. As galés 2784. As penas corporais 302

§ 1. As mutilações 313§ 2. Os açoites 324§ 3. As marcas no corpo ou sinais com fogo 347

5. As penas contra a liberdade 356§ 1. O degredo 360§ 2. A prisão 432§ 3. A desnaturalização 554

6. As penas infamantes 5607. As penas patrimoniais 601

§ 1. O confisco 619§ 2. A multa 654

8. O desuso, a crítica e a humanização das leis – quando os súbditos se insurdecem às leis 699

CAPÍTULO 111 A MEDIDA DA PENA 717

I. Arbítrio e legalidade 7191. Penas ordinárias e penas extraordinárias 7192. O poder arbitrário dos juízes 7423. A crítica do arbítrio - legalidade versus capricho judiciário 773

II. As causas escusantes 7791. A idade 785

§ 1. Infantes, impúberes e púberes - quando a malícia supera a idade... 785

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§ 2. Os idosos 8042. A anomalia psíquica – loucos, furiosos, dementes, frenéticos,

melancólicos e coléricos... 805§ 1. A surdez-mudez – mutus et surdus infanti et furiosi aequiparatur 823§ 2. O sonambulismo - dormiens furiosus aequiparatur 824§ 3. A embriaguez - non culpa vini, sed culpa bibentis 827

3. A força maior 837§ 1. A coacção 838§ 2. O caso fortuito. Caso fortuito e opus illicitum 848

4. O erro 855§ 1. O erro de facto 858§ 2. O erro de direito 861

5. A legítima defesa – repelir a força injusta com a força justa 8706. O estado de necessidade - necessitas non habet legem 8967. A obediência à lei ou a ordem superior 9108. O consentimento do ofendido 920

III. As circunstâncias 9251. Quis, quid, ubi, cur, quomodo, quando 9252. As partes 939

§ 1. A condição social – a boa igualdade da justiça e as distinções odiosas 939

§ 2. O vínculo. A aleivosia 9583. O motivo 9674. O tempo 9705. O lugar 9746. O modo 9807. A qualidade 9838. A quantidade. Reincidência 9859. O resultado 1003

§ 1. A tentativa 1005§ 2. A cogitação - a intenção, que é a coisa mais livre

do império das leis humanas 1010§ 3. Acti remoti et acti proximi criminis 1018§ 4. A desistência 1020§ 5. A punição da tentativa 1022§ 6. O crime frustrado 1038

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Notas finais 1049

Legislação penal portuguesa do século XVIII 1065

Bibliografia 1073

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N O T A P R É V I A

O estudo que agora se publica corresponde a parte substancial do texto da dissertação de Doutoramento em Direito (Ramo de Ciências Histórico--Jurídicas e Especialidade de História do Direito), apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no ano de 2008, e objecto de provas públicas realizadas a 26 de Outubro de 2009. Integraram o Júri os Senhores Professores Doutores Pedro Nuno Tavares Romano Soares Martínez (Presidente do Con-selho Científico, que presidiu); António dos Santos Justo; Maria Fernanda dos Santos Martins da Palma; José Artur Anes Duarte Nogueira; António Pedro Nina Barbas Homem (Arguente); Eduardo Augusto Alves Vera Cruz Pinto; Maria Isabel Banond de Almeida; e António Alberto Vieira Cura (Arguente). A todos deixo aqui uma palavra de reconhecimento.

Agradeço, de modo especial, ao Senhor Professor Doutor José Artur Duarte Nogueira, meu Orientador, a amizade, o conselho e o ensinamento pacientemente prodigalizados ao longo dos anos. Aos Senhores Professores Doutores Pedro Soares Martínez e António Pedro Barbas Homem, de quem fui e permaneço aluna, dirijo também o meu mais profundo agradecimento.

Evoco com saudade a memória do Senhor Professor Doutor Ruy de Albuquerque que, com o Senhor Professor Doutor Martim de Albuquerque, generosamente me recebeu no Grupo de Ciências Histórico-Jurídicas da Fa-culdade de Direito da Universidade de Lisboa.

À Fundação para a Ciência e a Tecnologia e à Fundação Gulbenkian agradeço a decisão de publicar a primeira edição do meu Punir e Humanizar na colecção “Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas”.

Ao Senhor Professor Cláudio Roberto Cintra Bezerra Brandão, a quem devo a honra desta publicação no Brasil, jamais conseguirei realmente agrade-cer as inúmeras demonstrações da sua generosidade. Serei sempre devedora da Amizade que ilumina as nossas existências. Lisboa, fevereiro de 2019.

Sílvia Isabel dos Anjos Caetano Alves

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A B R E V I A T U R A S

A.D.P. - Anuario de Derecho Penal.

A.E.S.C. – Annales. Economies. Sociétés. Civilisations.

A.H.D.E. - Anuario de Historia del Derecho Español.

A.S. – Análise Social.

A.U.L. – Anales de la Universidad de la Laguna.

B. – Brotéria.

B.A.E. - Biblioteca de Autores Españoles.

B.A.P.I.C. – Boletim da Administração Penitenciária e dos Institutos de Cri-minologia.

B.F.D.C. - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

B.I.C. – Boletim dos Institutos de Criminologia.

B.M.J. - Boletim do Ministério Público.

B.R.A.H. - Boletín de la Real Academía de la Historia.

B.U.S.C. - Boletim de la Universidad de Santiago de Compostela.

C. – Código (Corpus Iuris Civilis, edição Krüger).

D. – Digesto (Corpus Iuris Civilis, edição Krüger).

D.E. – Il Diritto Ecclesiatico.

D.H.P. – Dicionário de História de Portugal.

D.J. – Direito e Justiça.

Extrav. – Extravagantes de Duarte Nunes de Leão.

Inst. – O Instituto.

L.D. – Lusíada. Direito. Revista da Universidade Lusíada.

L.L.P. - Livro das Leis e Posturas.

N. – Numisma.

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O.A. - Ordenações Afonsinas.

O.F. - Ordenações Filipinas.

O.M. - Ordenações Manuelinas.

R.C.J.S. - Revista de Ciencias Jurídicas y Sociales.

R.D.E.S. - Revista de Direito e Estudos Sociais.

R.D.P. - Revista de Derecho Procesal.

R.E.D.C. – Revista Española de Derecho Constitucional.

R.E.E.P. - Revista de la Escuela de Estudios Penitenciarios.

R.F.D.L. - Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

R.F.E. – Revista de Filología Española.

R.G.L.J. - Revista General de Legislación y Jurisprudencia.

R.H. - Revue Hispanique.

R.H.D. - Revue d’histoire du droit (ou Tijdschrift voor Rechtsgechiedenis). Bruxelas.

R.H.D.F.E. - Revue d’Histoire du Droit Français et Étranger.

R.H.F.D. - Revue d’Histoire des Facultés de Droit et de la Science Juridique.

R.I.D.P. - Revue Internationale de Droit Pénal.

R.I.F.D. – Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto.

R.I.M.P. – Revista Internacional do Ministério Público.

R.L.J. – Revista de Legislação e Jurisprudência.

R.M. – Revue Montesquieu.

R.O. - Revista de Occidente.

R.O.A. – Revista da Ordem dos Advogados.

R.P.H. – Revista Portuguesa de História.

R.S.C.D.P.C. – Revue de Science Criminelle et de Droit Comparé.

R.S.D.I. - Rivista di Storia del diritto italiano.

S.I. – Scientia Iuridica.

Z.S.S.-G.A. - Zeitschrift der Savigny-Stiftung. Germanistische Abteilung

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P R E F Á C I O

Aproveitar o tempo! Nenhum dia sem linha…

Apostila – Fernando Pessoa

A obra Punir e Humanizar – o direito penal setecentista, que ora chega ao público brasileiro, é a mais profunda pesquisa, na área da história das ideias pe-nais, escrita em língua portuguesa. De início, cabe registrar que o livro em tela foi o ganhador de um concurso promovido pela prestigiada Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação de Ciência e Tecnologia – do governo de Portu-gal – tendo sido originalmente publicado em Lisboa. Tamanho foi o impacto da publicação europeia, dentre os cientistas que se debruçam sobre a matéria, que rapidamente ela se esgotou!

De autoria da professora Sílvia Alves, da tradicional Faculdade de Direi-to da Universidade de Lisboa, a investigação se volta sobre a teoria penal do século dezoito, o qual representou um corte epistemológico na história das ideias da nossa ciência. Com efeito, foi esse pensamento que possibilitou a mudança do centro gravitacional do direito penal hodierno; nomeadamente, possibilitou a preponderância do crime, enquanto instituição, em face da pena, sua consequência.

Ao questionar os fins da pena e enfrentar um processo de marchas e con-tramarchas na dosagem do arbítrio judicial na sua aplicação, a sanção penal foi tomada pelo pensamento setecentista como uma consequência jurídica, sendo esse o ponto que possibilitou a teorização sobre a sua causa: o crime. Isto posto, foi a finalidade preventiva que se afirmara naquele período o motor através do qual se descortinou a necessidade de uma política criminal debruçada sobre o futuro: abriu-se, pois, o caminho para a prevalência do crime como instituição central.

Com segurança raramente observada nos investigadores e cientistas, a autora parte da definição da pena e dos seus fins para fazer aguda crítica e

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original reflexão. Ressalta, dessarte, a guinada que representou para as ideias penais a prevalência da prevenção em face da finalidade de reprovação. Nas palavras a autora:

“Observa-se comumente que o direito setecentista opera uma viragem no que toca à teorização sobre os fins da pena rumo à prevenção, o modelo mais típico da doutrina relativa e utilitarista. Em rigor, quanto a nós, essa mutação (…) apresenta-se mais como uma hábil manobra do que como uma ruptura de inspiração humanitária. (…) Nesta perspectiva que centra a política criminal na prevenção, o legislador desimporta-se do passado, que já não pode alterar. Perante a irreversi-bilidade do crime, que não pode ser apagado, preocupa-se sobretudo com o futuro”.

A autora faz uma extraordinária pesquisa – abrangendo cerca de mil pá-ginas de descrição, crítica e reflexão – sobre a classificação das penas e sobre os critérios que individualizavam sua aplicação. Dentre muitos pontos que podem ser destacados para exemplificar o caráter ímpar do presente livro, veja-se a abor-dagem da autora sobre a legítima defesa. Iniciando sua reflexão com o tópico repelir a força injusta com a força justa, constrói a trajetória dessa instituição penal, não se furtando à importante diferenciação entre os seus pressupostos e requisitos, o que desembocará na questão – atualíssima, ressalte-se – da mo-deração da reação defensiva. Sobre o tema, destaque-se o que afirma a autora como panorama indutor da questão:

“A necessidade compreende por sua vez várias exigências. Supõe a uti-lização do meio menos prejudicial; a proporcionalidade entre a defesa e a agressão; a actualidade da defesa; e a impossibilidade de recorrer à autoridade pública. Os requisitos da legítima defesa permitem apartar a defesa ilegítima do excesso da legítima defesa”.

Por fim, uma nota biográfica sobre a autora. Sílvia Alves é uma das mais destacadas personalidades jurídicas da língua portuguesa. Ocupa a Presidência do Conselho Pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, é vice coordenadora do Gabinete Erasmus de Relações Internacionais da Uni-versidade de Lisboa e é membro do centro de investigação THD – Ulisboa. A autora tem, outrossim, destacada participação em outras tradicionais Universi-dades europeias. A título de exemplo, cite-se sua marcante presença na Univer-sidade de Salamanca, no âmbito do Projeto de Investigação sobre Corrupção e Direitos Humanos, vinculado ao Seminário Internacional Permanente de História Contemporânea dos Direitos Humanos – USal. Ressalte-se, ainda, o seu contínuo intercâmbio acadêmico nas Universidades de Ghent – Bélgica e Roma (Tor Vergata) - Itália.

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No Brasil, Sílvia Alves desenvolve, na mesma toada, impressionante inter-câmbio acadêmico. É membro do centro de investigação em Perspectivas de historicidade do direito no estado – CIHJur, vinculado ao Programa de Pós--graduação em Direito da Faculdade Damas da Instrução Cristã. Foi também a autora docente convidada nos Programas de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Alfim, peço vênia para deixar registrado nesse proêmio o meu testemunho pessoal. Sílvia Alves é uma fonte de inspiração para mim, é um exemplo que aspiro seguir, porquanto tem a qualidade científica e a capacidade de liderança que desejo um dia alcançar. Ademais, para muito além dos laços acadêmicos, somos unidos por uma intensa amizade, cada vez mais aprofundada pelo passar dos anos… Quanto me honra e alegra trazer ao leitor brasileiro o mais im-portante livro da história das ideias penais, que representa o tempo de pesquisa eternizado na história, através das ideias presentes nessa obra! Que tempo… precioso e bem aproveitado, na construção desse livro, por meio da laboriosa investigação da autora!

Termino, pois, com as palavras de Álvaro de Campos, heterônomo de Fernando Pessoa:

“Aproveitar o tempo! Tirar da alma os bocados precisos – nem mais nem menos –

Para com eles juntar os cubos ajustados Que fazem gravuras certas na história.”

Belo Horizonte, primavera de 2019.

Cláudio Brandão Professor dos Programas de Pós-graduação em Direito da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais e da Faculdade Damas da Instrução Cristã. Titular da Cátedra de Direito Penal da Universi-

dade Federal de Pernambuco.

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pós-graduados. Rege atualmente as disciplinas de História do Di-reito Penal, Sociologia do Direito e Filosofia do Direito nos cursos de mestrado científico e de dou-toramento. Membro do Instituto de História do Direito e do Pen-samento Político; do Centro de Investigação Teoria e História do Direito. THDULisboa; do Instituto de Direito Penal e Ciências Cri-minais (IDPCC, Faculdade de Di-reito da Universidade de Lisboa); do Centro de Investigação de Di-reito Penal e Ciências Criminais (CIDPCC); da Rede Internacional de Investigadores em Direito e Justiça (RIIDJ); e do Centro de In-vestigação em Perspectivas de Historicidade do Direito no Esta-do (CIH Jur., Faculdade Damas da Instrução Cristã, Recife, Brasil). Tem desenvolvido em especial trabalho de investigação no do-mínio da História do Pensamento Jurídico e da História do Direito Penal, publicando estudos como Lições preliminares de sociologia do direito (Lisboa: AAFDL, 2018); Fundamentos da extinção da pu-nibilidade. Um estudo de história do direito penal luso-brasileiro (Belo Horizonte: Editora d’Pláci-do, 2016); “Filosofia penal de Tho-mas Hobbes” (Revista Brasileira de Estudos Políticos, N.º110, Ja-neiro/Junho 2015, pp.75-122); “Le-vando a desobediência a sério” (Revista Caderno de Relações In-ternacionais, Vol.6, N.º10, Janeiro a Junho 2015, pp.5-31); “Desobedi-ência civil e democracia” (Duc in Altum. Caderno de Direito. Vol.7, N.º11, Janeiro a Abril 2015, pp.45-83); “Infirmitas Sexus, Animi Le-vitas. Notas sobre a punição das mulheres na vigência das Orde-nações Filipinas (Coimbra, 2011; e Recife, 2012); e “A pena de morte no pensamento jurídico setecen-tista” (in História do Direito e do Pensamento Jurídico em Perspec-tiva, São Paulo, 2012).

Sílvia AlvesLicenciada em Direito (1987), Mestre em Ciências Histórico--Jurídicas (1996) e Doutora em Direito (2009) pela Faculdade de Direito da Universidade de Lis-boa. Docente do Grupo de Ciên-cias Histórico-Jurídicas desde 1987, foi Professora Auxiliar a partir de outubro de 2009, data em que concluiu as provas de doutoramento no ramo de Ciên-cias Histórico-Jurídicas, especia-lidade de História do Direito, com a tese intitulada Punir e Huma-nizar. O Direito Penal Setecen-tista (Lisboa: Fundação Calous-te Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2014). É Professora Associada desde 2017. É Presidente do Conselho Pedagógico e Vice-Presidente do Gabinete Erasmus e de Relações Internacionais da Faculdade de Direito da Universidade de Lis-boa. A sua docência tem sido de-dicada às disciplinas de História do Direito Português, História do Pensamento Jurídico, Filosofia do Direito e Sociologia do Direi-to, cujo ensino retomou na Facul-dade de Direito de Lisboa, na li-cenciatura e, depois, nos estudos

De autoria da professora Sílvia Alves, da tradicional Faculda-de de Direito da Universidade de Lisboa, a investigação se vol-ta sobre a teoria penal do século dezoito, o qual representou um corte epistemológico na histó-ria das ideias da nossa ciência. Com efeito, foi esse pensamento que possibilitou a mudança do centro gravitacional do direito penal hodierno; nomeadamente, possibilitou a preponderância do crime, enquanto instituição, em face da pena, sua consequência.

Cláudio Brandão