relendo vigiar e punir - luciano oliveira - ufpe

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    O que gostaria de dizer-lhes nestas conerncias so coisas possivel-mente inexatas, alsas, errneas, que apresentarei a ttulo de hipte-se de trabalho; hiptese de trabalho para um trabalho uturo. Pedi-ria, para tanto, sua indulgncia e, mais do que isto, sua maldade.

    Michel Foucault, A verdade e as formas jurdicas

    Nota introdutria

    No momento em que escrevo (dezembro de 2010), Vigiare punir, de Michel Foucault, publicado entre ns em1977 e cujo subttulo correto O nascimento da priso2

    , est na sua 36 edio. So 33 anos de l para c, o que equi-vale, na mdia, a mais de uma edio por ano! Considerando otipo de livro que e o pblico restrito a que se destina, trata-sede um enmeno editorial provavelmente sem paralelo no Brasil.Passado todo esse tempo, seu autor permanece, de longe, o nome

    mais prestigioso do pensamento rancs da segunda metade dosculo XX. O livro sobre a priso, rotineiramente citado em tra-balhos nas reas do direito, da histria, da educao etc., chegou,

    Relendo Vigiar e punir1

    Luciano OliveiraProfessor da UFPE

    Recebido em: 19/01/2011Aprovado em: 10/02/2011

    O artigo az uma leitura crtica da recepo noBrasil, entusistica e reverencial, do livro Vigiar epunir, de Michel Foucault, e deende que nossopas no seria uma sociedade disciplinar j que,dierentemente do que ocorreu na Europa desde osculo XIX notadamente na Frana e na Inglaterra

    , nunca tivemos a generalizao dos dispositivosdisciplinares no sentido oucaultiano, a saber: aescola, o hospital, a brica e a priso. O Brasil seria,antes, uma sociedade indisciplinar, argumentodemonstrado pelos altssimos nveis de violnciaentre ns. A partir da, o autor sugere uma leitura deFoucault mais adequada a nossa realidade.Palavras-chave: Foucault, sociedade disciplinar,sociedade indisciplinar, Vigiar e punir

    DILEMAS: Revista de Estudos de Conito e Controle Social - Vol. 4 - n o 2 - ABR/MAI/JUN 2011 - pp. 309-338

    Rereading Discipline and Punish presents acritical review o the enthusiastic and respectulreception given in Brazil to Michael Foucaults book,and maintains that our country is not a disciplinarysociety due to the act that, unlike in 19th centuryEurope, Brazil has never experienced the general

    implementation o the disciplinary mechanisms inthe Foucaultian sense, namely: the school, hospital,actory and prison. Brazil, frst and oremost, wouldbe a non-disciplinary society, which argument isdemonstrated by the high levels o violence. Fromthat stance, the author suggests a more adequateinterpretation o Foucault or our reality.Keywords: Foucault, disciplinary society, non-disciplinary society, Discipline and Punish

    1 Este artigo integra um pro-jeto de pesquisa a que deio ttulo provisrio de Brasil:Sociedade indisciplinar, do

    qual o presente texto o pri-meiro subproduto. Seria, porassim dizer e por vias trans-versas, seu captulo terico.

    2 Fao a observao porqueainda hoje, como h dca-das, o editor brasileiro afxana capa o subttulo Histriada violncia nas prises. Seh uma coisa de que o li-vro de Foucault no trata ,

    justamente, a violncia (no

    sentido sico da expresso)no espao carcerrio. Na o-lha de rosto do livro constao subttulo correto.

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    em um determinado momento, a ser entrevisto pelo grande p-blico por aqui: em 2007, Vigiar e puniraparecia como objeto deum seminrio em uma aculdade de direito na auente Zona Sulcarioca no primeiro Tropa de elite, dirigido por Jos Padilha, umimpactante enmeno cultural e poltico no Brasil naquele ano.

    Certamente a maioria dos milhes de espectadores que viram acpia pirateada do flme nada entendeu daquilo. Mas os milhes em nmero bem menor, mas assim mesmo impressionante que viram o flme nos shopping centers, convenientemente pro-tegidos da malta nele retratada, sabiam mais ou menos de que setratava. E de qu, exatamente?

    Este texto prope uma releitura do best-seller incontras-tado de Michel Foucault. Pensando em um leitor pouco aeito

    ao percurso do autor, situo brevemente o livro no conjunto desua obra. Mesmo no sendo um autor errtico, a crtica apontaalgumas importantes viragens no interior de seu trabalho. A l-tima, assinalada pela publicao, s vsperas de sua morte, em1984, de O uso dos prazeres e de O cuidado de si, que compema trilogia da Histria da sexualidade, chega a ser surpreendente.

    Levando em conta seus ttulos principais, considera-seque h um primeiro Foucault, o da arqueologia, cujas obrasrepresentativas seriam Histria da loucura, de 1961, O nasci-mento da clnica, de 1963,As palavras e as coisas, de 1966, eAarqueologia do saber, de 1969; em seguida, o Foucault da genea-logia, representado por Vigiar e punir, de 1975, e pelo primeiro

    volume da Histria da sexualidade: A vontade de saber, de 1976;e, fnalmente, oito anos aps dar luz este ltimo ttulo, umFoucault com que no estvamos acostumados, um autor quepublica concomitantemente os volumes II e III da mesma His-tria, atento aos processos de sujeio dos indivduos, inte-

    ressado na hermenutica do sujeito (ERIBON, 1989, p. 341).Neste artigo, no nem o Foucault da arqueologia

    nem o derradeiro, da hermenutica, que me interessam,mas o genealogista de Vigiar e punir3, livro voltado, maisdo que qualquer outro seu, para os processos de sujeio,disciplinamento, normalizao e outros dos indivduos em uma palavra, para a produo do sujeito sujeitado(CSAR, 2009, p. 54) na sociedade moderna.

    Meu maior interesse por esse Foucault decorre de duas ra-zes interligadas. De um lado, a temtica do assujeitamento amais conhecida e explorada e tambm reverenciada no Bra-

    3 Ainda que, canonicamen-te, tambm aa parte daatia genealgica, no meocuparei aqui de A vontadede saber. Aparecido apenasum ano aps a publicaode Vigiar e punir, , no dizerdo prprio autor, uma in-troduo e como que umaprimeira abordagem (FOU-CAULT, 1984, p. 14) de umaHistria da sexualidade que,como vimos, mudou dras-ticamente de rota. Haveriamuito o que dizer sobreesse pequeno livro pros-pectivo, pleno de brilhantesmas, a meu ver, temerrios

    insights. Porm, para osfns especfcos deste arti-go, essa tarea ser deixadapara outra ocasio.

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    sil. O que compreensvel: denncias de processos de sujeiotm de sada um pblico bem maior do que aquele interessadoseja nas ridas epistemes deAs palavras e as coisas, seja nos exer-ccios de uma estilstica da existncia de gregos e romanos dosseus ltimos livros. al ato remete segunda razo. Alternativa-

    mente leitura muito reverencial que, entre ns, normalmente seaz de Vigiar e punir e de Foucault de um modo geral , tentodestacar-me do que considero uma recepo acrtica e um usoinadequado, no Brasil, de seu livro mais conhecido.

    Mas, se estou propondo uma leitura crtica, porque olivro sobre a priso que, bem mais do que isso, na ver-dade sobre o que o autor chamou de sociedade disciplinar oi o ponto de partida para uma srie de reexes minhas

    sobre a violncia brasileira que, alm do mais, tm no pen-samento oucaultiano, pegando-o a contrapelo, por assimdizer, seu marco terico. Para cumprir essa tarea, este arti-go compreender duas partes principais dedicadas a Vigiare punir, seguidas, ao fnal, por algumas ideias mais geraissobre a violncia brasileira sugeridas por esta releitura.

    O feitio contra o feiticeiro

    Livro sem dvida ascinante, Vigiar e punirtem comoobjetivo mais visvel desmontar o suposto humanismo dosreormadores penais que, na esteira do Iluminismo, propu-seram a substituio dos suplcios pela priso como mtodopunitivo e ressocializador de delinquentes. Foucault susten-ta a tese de que a substituio das penas corporais por meiosmenos sanguinrios no constitui seno um subproduto da

    emergncia de um novo tipo de sociedade, por ele chamadade disciplinar, que seria correlata ao modo de produocapitalista4. Estribado em uma arta leitura de documentosda poca, o autor insiste em que a verdadeira fnalidade dareorma era dotar a lei penal de uma racionalidade que elano tinha, visando torn-la mais efcaz.

    Em vrias passagens, Foucault compraz-se em desvendar olado utilitarista dos reormadores. De ato, no resta dvida de

    que uma leitura atenta de um clssico como Dos delitos e das pe-nas, de Cesare Beccaria, o mais amoso deles, detecta inmerosargumentos utilitaristas. Foucault, porm, em nenhum instan-

    4 Incidentalmente chamoa ateno obviamentesem que isso seja nenhumdesdouro para o ato deque Vigiar e punir um livroclaramente compatvel coma anlise marxista sobre aormao do proletariadomoderno. No momento, porexemplo, em que Foucaultala das relaes muito pr-ximas que mantiveram asmutaes tecnolgicas e adiviso do trabalho, de umlado, e os procedimentosdisciplinares, de outro, ele

    az aluso, em uma nota dep de pgina, a O capital, deMarx (sobre o assunto, verOliveira, 1995, pp. 112-113).

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    te considera a possibilidade de que os reormadores pudessemestar agindo tambm por um genuno impulso de sensibilidadehumana, o que, claro, no exclui a motivao utilitria qual, noentanto, Foucault aerra-se de modo unilateral. Diz ele:

    Essa racionalidade econmica que deve medir a pena eprescrever as tcnicas ajustadas. Humanidade o nome res-

    peitoso dado a essa economia e a seus clculos minuciosos.

    (FOUCAULT, 1977, p. 84)

    As aspas irnicas em humanidade do o tom da crti-ca oucaultiana: no podemos nos abandonar ingenuamente fco idealista de uma sensibilidade que no suporta o es-

    petculo dos esquartejamentos, uma vez que essa sensibili-dade, por sua vez, precisaria ser explicada por atores exter-nos a ela. nesse sentido que Foucault realiza a perspectivagenealgica de Nietzsche, a adeso qual ele anuncia emum texto seminal de 1971 em homenagem a Jean Hippolyte,de quem oi o sucessor no Collge de France:

    Ora, se o genealogista tem o cuidado de escutar a histria, ao

    invs de dar metasica, o que ele aprende? Que por trs das

    coisas existe outra coisa: de orma alguma seu segredo essen-

    cial e sem data, mas o segredo de que elas so sem essncia, ou

    que sua essncia oi construda, pea por pea, a partir de fguras

    que lhe eram estranhas. (FOUCAULT, 1971, p. 148)

    Da a rase amosa de recusa metasica do sujeito:Ns acreditamos na perenidade dos sentimentos? Mas to-dos, e sobretudo aqueles que nos parecem os mais nobres

    e os mais desinteressados, tm uma histria (FOUCAUL,1971, p. 159). A assimilao da perspectiva do grande mes-tre da suspeita enatizada por crticos como Luc Ferry eAlain Renaut, que a qualifcam como o nietzschesmo ran-cs (FERRY e RENAU, 1985, p. 105). Com eeito, prin-cipalmente a partir de Vigiar e punirque emerge o Foucaultda marca registrada que todos conhecemos, um autor cujaobra, no que tem de essencial, pode ser lida como uma in-

    surreio contra os poderes de normalizao da sociedademoderna (ERIBON, 1989, p. 12) ou, como diz a expres-s1o que correr o mundo, contra a sociedade disciplinar.

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    O argumento que quero desenvolver o de que no podemosrecepcionar um livro como esse sem muita cautela, pois, adian-tando o que desenvolverei mais adiante, trabalho com a hiptesede que o Brasil no uma sociedade disciplinar. Entretanto, pra-ticamente no h estudo sobre priso, violncia, manicmio, es-

    cola etc. que no o cite. Cit-lo no problema, mas, sim, us-lode modo indevido. No mundo jurdico, um campo contaminadopelo normativismo, tpico de seus cultivadores, o uso de Foucault,decididamente estranho a qualquer ideia normativista, costumaproduzir eeitos inesperados. Na rea especfca do direito penal,s vezes causa espanto, como ocorre quando o autor invocadocomo marco terico de trabalhos acadmicos visando sempi-ternal reorma humanizadora do sistema prisional. Lembremos

    que Foucault autor de uma crtica radical ao humanismo dosreormadores penais do sculo XVIII, em cujo discurso via nadamais, nada menos que uma cantilena a encobrir o projeto de umasociedade disciplinar. Essa uma das teses undamentais de seulivro provocador. Nesse caso, cit-lo sem maiores cuidados epis-temolgicos juntar coisas que, para usar uma expresso rancesabastante apropriada, hurlent de se trouver ensemble5.

    Se assim, por que ento citar Foucault? Simples ritual atu-almente indispensvel em uma dissertao ou tese sobre priso?alvez. Joo Chaves (2010) anota algo ainda mais curioso:

    A perniciosa prtica (elizmente no unnime) de catalogar Mi-

    chel Foucault como um autor dedicado ao direito penal que em

    sua obra-prima, Vigiar e punir, teria eito um libelo contra o supl-

    cio e uma apologia da suavidade da nova pena de priso. (p. 14)

    Sabe talvez o leitor mais avisado que o grande livro

    de Foucault sobre a priso decorre de seu trabalho noincio dos anos 1970 rente do Grupo de Inorma-o sobre as Prises, GIP, composto por intelectuaise militantes egressos do Maio de 68 rancs desejososde lanar luz sobre um mundo to temido quanto des-conhecido pelas pessoas comuns (que, alis, preeremdesconhec-lo): o crcere. Foucault, que tinha, em His-tria da loucura, se debruado sobre um outro encar-

    cerado, o louco, reencontra seu primeiro interesse aoestudar o preso. de sua lavra o maniesto de lana-mento do GIP, em que se l, com todas as letras:

    5 Em uma traduo um tantolivre, coisas que gritam ao severem juntas.

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    O objetivo do GIP no reormista; ns no sonhamos com uma

    priso ideal: desejamos que os prisioneiros possam dizer o que

    intolervel no sistema de represso penal. (ERIBON, 1989, p. 241)

    Sem nenhuma dvida, qualquer leitura de Vigiar e

    punircomo amparo a projetos de reorma da priso de-sautorizada pelo prprio autor. verdade, entretanto, que,mesmo no sendo nenhum doidivanas, Foucault mais deuma vez ez afrmaes sobre seu prprio trabalho quepermitiram a imagem de um autor pouco preocupado coma destinao de sua obra. Ele praticamente legitima qual-quer tipo de utilizao do que escreveu por meio de umametora que fcou amosa, a caixa de erramentas:

    Todos os meus livros (...) so pequenas caixas de erramentas. Se

    as pessoas quiserem abri-las, servir-se de tal rase, de tal ideia, tal

    anlise como uma chave de enda ou uma chave de roda para

    curto-circuitar, desqualifcar os sistemas de poder, eventualmen-

    te aqueles mesmos de onde saram meus livros... pois bem, ti-

    mo. (Idem, p. 251)

    Pergunto-me, apesar disso, que reao ele teria diante deum curioso trabalho acadmico em que o caso do ex-jogadorEdmundo, cognominado Animal, analisado em termos deuma rebeldia contra os mecanismos disciplinares no uni-

    verso do utebol brasileiro, que comeou a frmar-se comoutebol-ora, em lugar do utebol-arte em seguida ao ra-casso na Copa da Inglaterra em 1966, momento a partir doqual esse campo esportivo passa a ser investido e coloniza-do por um novo tipo de poder disciplinar, naturalmente

    (FLORENZANO, 1998, p. 13). Aduz o autor:

    Nos anos 90, Edmundo transormar-se- no jogador-problema

    por excelncia do utebol brasileiro, em parte devido sua re-

    cusa em uncionar como pea a servio da equipe-mquina, em

    parte devido ainda sua obstinao em no deixar-se governar

    como corpo-mquina. (p. 153)

    De um ponto de vista meramente operacional, talvez sejapossvel tomar o conceito de poder disciplinar aquele que, nasua ormulao clebre, produz corpos politicamente dceis e

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    economicamente produtivos para aplicar a um caso como odo Animal. Mas, de um ponto de vista poltico para no alarde um simples bom senso , ser que az algum sentido trasladarum conceito relacionado a prticas de domesticao das classespopulares europeias submetidas miservel condio operria

    do sculo XIX para aplic-lo a um personagem que azia, elemesmo, do seu epteto um truno miditico e fnanceiro?

    Essa reerncia introduz a vertente crtica deste texto emrelao ao Foucault de Vigiar e punire, justapostamente, lei-tura vassala de seu livro entre ns. Comearia lembrando queo autor, ora do Brasil, no tem a seu avor a unanimidade daimensa ortuna bibliogrfca produzida em torno de sua obra.Muito pelo contrrio, um autor controverso, que desperta, ao

    lado de adeses entusiasmadas, crticas severas provenientesdos mais diversos campos, algumas delas eitas por autores re-nomados e, em alguns casos, at aetivamente prximos dele.

    O leitor brasileiro tem acilmente sua disposio, des-de pelo menos 1985, uma excelente resenha desse materialno apologtico no livro de Jos Guilherme Merquior, Mi-chel Foucault Ou o nihilismo de ctedra, que tem arto ma-terial para quem estiver disposto a renunciar ao princpio doFoucault dixit. Merquior adota uma arrogncia que, reco-nheo, no provoca qualquer simpatia em nossos oucaul-tianos. No deixa de ter razo, porm, quando investe contraos leitores compatriotas de Foucault e seu hbito de ignorarsistematicamente o volume e a qualidade das crticas eitass proezas histrico-flosfcas do seu dolo (MERQUIOR,1985, p. 9) por vrios especialistas dos campos acadmicosque o flsoo do Collge de France abordou.

    Uma das crticas mais recorrentes reere-se abun-

    dncia de anacronismos em seus trabalhos (MERQUIOR,1985, p. 93), em que certas afrmaes cortantes e peremp-trias sobre epistemes, regimes punitivos e discursos queabruptamente desaparecem e so substitudos por outrosde modo igualmente abrupto no se sustentam. Quem jleu Vigiar e punir no esquece seu espetacular comeo:primeiro, a transcrio do relato pavoroso do suplcio deDamiens eito pela Gazette dAmsterdam em 1757; depois,

    um corte rpido para o regulamento de uma priso rance-sa em 1838, onde silncio, trabalho e orao substituem abarra de erro com que o carrasco de Damiens lhe quebrou

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    os ossos porque agora, no regime punitivo iluminista,dentro do projeto de uma sociedade disciplinar, j no setrata de tripudiar sobre o corpo, mas de adestrar as almaspara corrigi-las. Mas, observa o crtico brasileiro,

    Foucault exagera os eeitos reais da normalizao na socie-dade rancesa durante a primeira metade do ltimo sculo

    [XIX]. O historiador do exrcito, o historiador da educao e

    o historiador da medicina diicilmente aceitaro o quadro

    que Foucault pinta de uma disciplina generalizada; eles tm

    plena conscincia da resistncia dos velhos costumes e da

    requente impotncia de tantos regulamentos. (MERQUIOR,

    1985, pp. 156-157)

    A observao de Merquior repercute outras, de auto-res ranceses. Weinberg (1994), por exemplo, que j tinhaanotado certa licena oucaultiana para com a matria ac-tual a propsito da periodizao sobre o Grande Interna-mento nA histria da loucura, praticamente orando-a aadequar-se a sua hiptese, tambm reprova a rgida cesuraque Foucault estabelece entre os dois tipos de pena, mar-cando a substituio do horror dos suplcios do corpo pelotdio da priso.

    Outro historiador, Jacques Lonard, observa que, passa-do o grande sopro humanista do Iluminismo, a restauraonapolenica promoveu retrocessos importantes em vriasreas da legislao, inclusive a penal. Um deles oi o restabele-cimento, no Cdigo Penal de 1810, dos castigos humilhantes,como a exposio pblica, a argola de erro, a marca, a am-putao do punho.... Ora, completa o autor com elegncia,

    essa questo no parece sufcientemente esclarecida (LO-NARD, 1980, p. 11). Observo que, aqui, estamos diante deum documento legislativo importante, o que torna estranhoo insufciente esclarecimento de Foucault sobre o assunto.

    J o positivista6 Raymond Boudon (1989) submeteuVigiar e punir a um rigoroso exame metodolgico, cen-trando ogo no que considera ser ilogismos na argumen-tao de Foucault. Lembremos a hiptese que permeia

    as anlises oucaultianas sobre os amosos dispositivosdisciplinares, entre os quais a priso, por suas prticas deesquadrinhamento e vigilncia, seria o melhor exemplo.

    6 A expresso tem, no Brasil,uma conotao pejorativa.Por ignorncia, preguia ousimples adeso a lugares-comuns, ela costuma ser

    aplicada a proessores queexigem dos alunos rigor nametodologia e nas tcnicasde pesquisa.

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    A inalidade da priso, como, alis, a dos demais disposi-tivos, j sabida: produzir corpos politicamente dceise economicamente produtivos. Em que pese essa desti-nao, a priso revelou-se, desde que oi posta em prticacomo a orma de punio e de ressocializao por

    excelncia dos tempos modernos, um rotundo racasso.Como o prprio Foucault no se esquiva de observar, oepteto escola do crime j aparece nas primeiras crticaseitas instituio, que, em uma palavra, nunca uncio-nou de acordo com o que dela se esperava.

    Em boa lgica, uma concluso se imporia: a hipteseoucaultiana no se sustenta. Boudon roa a ironia ao avanaruma possvel explicao alternativa de Foucault para a per-

    manncia da priso apesar do racasso unanimemente reco-nhecido: a resposta banal e sem dvida aceitvel seria queno se encontrou nada melhor (BOUDON, 1989, p. 177).Mas Foucault, em uma reviravolta que Boudon vai qualifcarde derrapagem, inverte o sentido da argumentao e az aamosa pergunta: O pretenso racasso no aria ento partedo uncionamento da priso? (FOUCAUL, 1977, p. 239).

    Essa mudana de perspectiva tornada possvel pelaintroduo, no seu argumento, do conceito de delinqu-ncia til. Ou seja: o mundo carcerrio vai viabilizar aexistncia de um submundo criminoso que se revela, nofm das contas, uncional manuteno do sistema socialdominante, na medida em que

    sem priso, no haveria alcaguetes, provocadores, espies. Por-

    tanto, no haveria polcia, no haveria ordem social e no haveria

    domnio. (...) Desta orma, ns temos a soluo: a classe dominante

    mantm a priso porque esta lhe permite construir um reservatriode delinquentes bem identifcados pela polcia, que assim pode ali

    recrutar seus espies e alcaguetes. (BOUDON, 1989, p. 179)

    Em um nvel emprico, Boudon questiona a solidez dosatos que undamentam a reviravolta oucaultiana. Para ele,seria necessrio mostrar com dados mais consistentes que,eetivamente, a priso nutre esses reservatrios. Em um pla-

    no terico, Boudon reprova o ato de Foucault lanar mode um mtodo geralmente proscrito em um trabalho cien-tfco e que consiste em explicar uma causa por seus eeitos

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    indesejados (Idem, ibidem). De outro lado, observa, emnenhum momento Foucault se interessa em medir o eeitodissuasrio da priso, hiptese que Boudon, citando pes-quisas empricas contemporneas, considera dotada de cer-ta validez, livrando a priso, assim, da viso de completo

    racasso. Afnal, mesmo alhando na misso ressocializado-ra, ela no deixaria de ter tambm eeitos positivos.

    verdade que Foucault no est interessado em pesqui-sas desse gnero. Mas no certo que ele desconsidere com-pletamente o eeito dissuasrio da priso. Afnal, a delinqu-ncia til que ela produz ou reproduz no serviria apenaspara nutrir um reservatrio de alcaguetes. Em um nvel maisgeral, e at mesmo simblico, a priso alimentaria uma esp-

    cie de mundo do crime que, em oposio boa sociedade de burgueses, certo, mas tambm de proletrios , vai servirde libi manuteno e ao incremento da represso policialque mantm o sistema em uncionamento e que, sem ela,poderia revelar-se insuportvel e gerar revoltas dos trabalha-dores dceis. Ao observar o que poderia se reerir unoque cumprem os amigerados programas policiais, Foucaultdiz: A notcia policial, por sua redundncia cotidiana, tornaaceitvel o conjunto dos controles judicirios e policiais que

    vigiam a sociedade (FOUCAUL, 1977, p. 251).Mas voltemos aos muros da priso. claro que, dois s-

    culos depois de sua adoo, no podemos nos permitir a visohumanizadora das novas penas. Foucault, como vimos, des-mascara os interesses utilitaristas encobertos pela apologticados reormadores que, afnal, produziram o muito pouco hu-mano na maioria das vezes, desumano mundo carcerrio.De ato, alando de nossa perspectiva, como encarar de outra

    orma o dispositivo por excelncia da sociedade disciplinar,o panptico de Bentham, que tinha na priso sua primeiradestinao? Eis como Foucault o descreve:

    O princpio conhecido: na perieria, uma construo em

    anel; no centro, uma torre; esta vazada de largas janelas que

    se abrem sobre a ace interna do anel; a construo peririca

    dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura

    da construo; elas tm duas janelas, uma para o interior, cor-respondendo s janelas da torre; outra, que d para o exterior,

    permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta ento

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    DILEMAS 319Luciano Oliveira Relendo Vigiar e punir

    colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um lou-

    co, um doente, um condenado, um operrio ou um escolar. Pelo

    eeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se

    exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas

    celas da perieria. (FOUCAULT, 1977, p. 177)

    O inventor dessa espcie de ovo de Colombo na ordem dapoltica, como o chamou o prprio Foucault, oi Jeremy Ben-tham, flsoo e reormador ingls que o concebeu em 1787 emuma srie de cartas enviadas da Rssia a um amigo na Inglaterra,posteriormente reunidas. A verso coligida tem por subttuloAcasa de inspeo e no esconde as vrias utilidades a que ela sedestina: qualquer sorte de estabelecimento no qual pessoas de

    qualquer tipo necessitem ser mantidas sob inspeo; em parti-cular casas penitencirias. Em um lance tpico de publicidade,elenca outros estabelecimentos onde poderia ser adotada: casasde indstria, casas de trabalho, casas para pobres, manuaturas,hospcios, lazaretos, hospitais e escolas (BENHAM, 2000, p.13). O autor exulta, com essa espcie de elixir miraculoso a serministrado sociedade industrial nascente,

    a moral reormada; a sade preservada; a indstria revigorada; a

    instruo diundida; os encargos pblicos aliviados; a economia

    assentada, como deve ser, sobre uma rocha. (...) Tudo por uma

    simples ideia de arquitetura! (Idem, p. 15)

    E a simples ideia, alis, pode ser apereioada:

    bvio que, em todos esses casos, quanto mais constantemente

    as pessoas a serem inspecionadas estiverem sob a vista das pes-

    soas que devem inspecion-las, mais pereitamente o propsito

    do estabelecimento ter sido alcanado. A pereio ideal, se esseosse o objetivo, exigiria que cada pessoa estivesse realmente

    nessa condio, durante cada momento. Sendo isso impossvel, a

    prxima coisa a ser desejada que, em todo momento, ao ver ra-

    zo para acreditar nisso e ao no ver a possibilidade contrria, ela

    deveriapensar7 que est nessa condio. (BENTHAM, 2000, p. 17)

    endo em mente a destinao exemplar das prises, Ben-

    tham sugere que a janela do vigia na torre central deveria sermunida de persianas, de modo que os encarcerados nas celasdo anel nunca soubessem se de ato havia ou no algum l 7 Grio do original.

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    DILEMAS320 Relendo Vigiar e punir Luciano Oliveira

    dentro, o que os levaria a pensar que sim. Utopia pereita:no limite, uma vez instalada, poderia uncionar sem vigia e,portanto, a custo zero. Mais interessante ainda, os prpriosmaleitores teriam como evidente que a tendncia coerciti-

    va do dispositivo seria compensada por sua tendncia bene-

    volente, j que ele tornar desnecessria aquela inexaurvelonte muitas vezes desnecessria e sempre impopular dedesproporcional severidade, para no dizer tortura, represen-tada pelo uso de erros (BENHAM, 2000, p. 30).

    O sonho de uma maldade oi assim que Foucault(1977, p. 197) chamou esse ormidvel dispositivo de disci-plina. Para o Nietzsche de Saint-Germain-des-Prs, comoo chamou ironicamente Merquior (1985, p. 10), o mais

    grave que essa estonteante ideia de arquitetura teria, donascimento morte, estendido seu manto sobre a sociedadeinteira, sem escapatria:

    Somos bem menos gregos que pensamos8. No estamos nem nas

    arquibancadas, nem no palco, mas na mquina panptica, in-

    vestidos por seus eeitos de poder que ns mesmos renovamos,

    pois somos suas engrenagens. (FOUCAULT, 1977, p. 190)

    Da a amosssima interrogao com que encerra o cap-tulo do livro dedicado ao panoptismo onipresente na socie-dade disciplinar em que teramos nos transormado: Deve-mos ainda nos admirar que a priso se parea com as bricas,com as escolas, com os quartis, com os hospitais, e todos separeam com as prises? (FOUCAUL, 1977, p. 199).

    O que dizer dessa utopia, ou, mais propriamentealando, dessa distopia? Um primeiro impulso, desen-

    cadeado por exemplos do cotidiano como o Sorria!Voc est sendo ilmado!, hoje em dia presente em lo-

    jas, elevadores, restaurantes, estacionamentos, reparti-es pblicas, praticamente todos os espaos onde sedesenrola nossa vida normal enim, seria concordarcom Foucault9. Ele, alis aproveitando o ensejo paramais uma de suas rases cortantes contra a metasicado sujeito, no captulo do livro dedicado produo

    dos corpos dceis pela sociedade panptica , air-ma: Desses esmiuamentos, sem dvida, nasceu o ho-mem do humanismo moderno (Idem, p. 130).

    8 Grio meu.9 No captulo 2 de Vigiare punir, num subcaptuloque intitulou A vigilnciahierrquica, Foucault de-senvolve a tese de que ovigilantismo seria um doscomponentes de uma so-ciedade disciplinar. Con-cordando com ele, numoutro momento desenvol-verei o argumento de que

    possvel termos concomi-tantemente, como o casodo Brasil atualmente, vigi-lantismo sem disciplina.

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    DILEMAS 321Luciano Oliveira Relendo Vigiar e punir

    Passado o mpeto inicial, porm, uma suspeita se insi-nua: seramos todos ns ns e nossas aes de ato eei-tos no gregos desse olhar orwelliano?

    Voltemos priso e adentremos o Brasil.

    O panptico impossvel

    O ttulo acima extrado de um texto de Andrei Koerner so-bre punio e prticas disciplinares no Brasil do sculo XIX (KO-ERNER, 2006, p. 219). Inicialmente simptico hiptese, o autortermina por render-se a uma evidncia diversa: em uma socieda-de escravocrata, cujos controles sociais uncionam base de uma

    combinao bem tpica nossa de proteo benevolente [com] vio-lncia (Idem, p. 220) uma realidade bastante diversa da socie-dade burguesa europeia , o panopticismo chega a ser um luxo deque no se necessita e a que, ainda que se quisesse, no se poderiarecorrer, por alta dos dispositivos essenciais a seu uncionamento.

    Pensando na questo do sistema penal, detenhamo-nos naanlise que Koerner az da Casa de Correo do Rio de Janeiro(CCRJ). Sua construo, iniciada em 1833 na capital do Imp-rio, visava seguir os princpios estabelecidos na Carta de 1824,ou seja, que as prises ossem seguras, limpas e bem arejadas,havendo separao dos rus de acordo com sua classifcaopenal e a natureza dos seus crimes. Para isso, adotou-se umprojeto elaborado em 1826 por uma sociedade inglesa de me-lhoramento das prises, o qual previa uma construo estilopanptico, com quatro raios, com 200 cubculos cada um, tota-lizando 800 celas (KOERNER, 2006, p. 211).

    Nada deu certo. Para se ter uma ideia, s em 1854, por-

    tanto quase 30 anos depois, comeou-se a construo do se-gundo raio, j com uma arquitetura bastante dierente. Entreuma coisa e outra, oram se amontoando os problemas usuaisdas prises brasileiras: promiscuidade, superlotao e sujeira.A CCRJ no tinha, por exemplo, gua encanada, esgoto ouinstalaes sanitrias adequadas para os banhos dos presos.Resultado: o inerno. Segundo um relatrio de 1874, o diretordo estabelecimento, que ali trabalhava h dez anos como m-

    dico, considerava que a condenao a uma pena maior de dezanos equivalia a uma sentena de morte (Idem, p. 214). Maisde 50 anos mais tarde, e mais de 30 depois de proclamada a Re-

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    pblica, nada havia mudado: em 1923, Lemos Brito descreve ascondies da CCRJ em termos semelhantes aos das comissesanteriores, acrescentando que noutras prises da Repblica,a situao no era dierente (Brito apud KOERNER, p. 215).

    Em resumo, na sociedade escravocrata que continuamos

    sendo sculo XX adentro, as prticas punitivas ofciais, ema-nadas de um estado muito pouco efciente nos mais varia-dos domnios, continuaram, quando ocorriam, repercutindosimplesmente a brutalidade dos controles sociais e doms-ticos tpicos de uma sociedade hierarquizada e autoritria.

    Alm do trabalho de Koerner, comea a haver no Brasiluma produo histrica de slida base emprica sobre nossosistema penal, em que pespontam dvidas acerca da aplica-

    bilidade dos esquemas analticos de Vigiar e punir a nossarealidade. signifcativo o ato de que tais mises-en-gardepartem de pesquisadores que, tendo posto a mo na mas-sa observando a realidade emprica da priso , escapamde uma leitura excessivamente passiva de Foucault. Mas issono signifca que o tenham simplesmente descartado. Longedisso. Afnal, para cada objeto sociolgico, em determinadomomento, h obras que so incontornveis. E seria impen-svel escrever sobre priso depois de 1975 sem a passagemobrigatria por uma obra paradigmtica como Vigiar e punir.A questo no dela se servir, mas servir-se sem ser servil.

    o que az o trabalho de Lus Ferla (2009) a respeito da in-uncia da Escola Positiva de Lombroso sobre a medicina legale a criminologia praticadas no Brasil na primeira metade do s-culo XX. Junto com as teses lombrosianas, emergiu com ora,

    j na era Vargas, o ideal, comum ao regime e aos positivistas, deuma modernizao cientfca da sociedade brasileira (FER-

    LA, 2009, p. 153). oda a panplia usual desse tipo de utopiaest a presente, inclusive o sonho mdico-social de um dire-tor do Manicmio Judicirio do Rio de Janeiro, que pretendiaazer fchas psicolgicas para toda a populao, com o objetivode prevenir crimes ainda no cometidos (Idem, p. 233).

    No caso, a reerncia a Foucault se impe. At porque umdos dispositivos desse delrio cientifcista oi um abrigo paramenores inratores undado em So Paulo em 1902 e signifca-

    tivamente chamado Instituto Disciplinar (Idem, p. 281). Comoera de se prever, tudo isso deu em nada. Para ser mais exato,deu em algo pior, como soe acontecer com esses projetos mi-

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    rabolantes. O instituto, planejado para operar com os melho-res recursos da cincia e de modo individualizado, tornou-sesimplesmente mais um depsito de menores (Idem, ibidem).

    O custo material e institucional bastante grande (p. 364)implicado nesse tipo de projeto a crer que ele osse vivel

    nunca permitiu sua eetiva implantao no pas. Da o autor seperguntar se o modelo de uma sociedade disciplinar, no fmdas contas, encontrou de ato alguma ancoragem entre ns.

    Esse poder-saber socialmente onipresente se eetivou na prtica?

    Em que extenso? E mesmo que o tenha eito alhures, por exemplo

    na Frana, ambiente preerencial dos estudos de Foucault, teria lo-

    grado o mesmo sucesso no Brasil? Teria aqui possibilitado a diuso

    de tcnicas mais sutis e medicalizadas de dominao, em detrimen-to da represso violenta direta, pura e simples? (FERLA, 2009, p. 38)

    Isso evidencia que devemos estar sempre conscientes:em um pas como o nosso, o buraco da disciplina sempreoi mais embaixo. verdade que, tambm ora do Brasil, ahistria no chega, essencialmente, a ser muito dierente. Aobservao de Foucault de que a priso e a constatao do seuracasso vieram juntas, vlida para o contexto europeu, commais razo ainda constitui entre ns um trusmo a dispensaroutras citaes que apenas tornariam o texto redundante10.

    Ainda assim, vale a pena realar certos traos da realidadebrasileira que s robustecem tal evidncia. Um deles certa-mente o mais perverso o ato de que a adoo de princpiosmodernos pela cultura jurdica e mesmo pelo legislador brasi-leiro oi e em boa medida continua sendo algo irrelevanterente aos usos e costumes vigentes no mundo da represso

    penal no nosso pas, onde a violncia escancarada sempre oio mtodo por excelncia de investigao policial e de punio.

    Na verdade, a priso brasileira do sculo XIX, mas tambma do sculo XX, desmente dois dos pressupostos undamentaisde uma instituio panptica: em vez do adestramento das al-mas, o espancamento na rua ou no posto policial como regra(HOLLOWAY, 2009, p. 253); e em vez do princpio da inversoda masmorra (FOUCAUL, 1977, p. 177), a masmorra como

    princpio, pois a endmica insufcincia de vagas leva soluomais bvia, imediata e barata, qual seja entulhar os exguos espa-os com o maior nmero possvel de presos.

    10 Em dois volumes sobrea priso no Brasil, organiza-dos por Maia et alii(2009), oleitor encontrar uma abun-dncia de inormaes reva-lidando uma evidncia hojeaceita por praticamentetodo mundo: parte a un-o de castigar e pr ora decirculao alguns indivduos(e muitos deles temos denos render a essa verdade

    no podem mesmo circularlivremente por a), a prisosempre oi um enorme mal-entendido!

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    Porm, independentemente da latitude em que se en-contre, o sonho de uma maldade da priso panptica,ainda que Bentham tenha destacado o ato de ela dispensara tortura dos erros, em si mesma desumana. Apesar dohorror que nos inspira uma priso brasileira tpica, com

    seu rol de superlotao, violncia e sujeira, os criminosospreerem-na solido assptica da priso panptica. Af-nal, embora constitua uma sociedade de cativos (COE-LHO, 2005), uma sociedade sui generis, sem dvida,mas, assim mesmo, uma comunidade de homens.

    Como j se disse, a priso panptica nunca uncionouinteiramente em lugar algum do mundo. Contudo, experi-ncias aproximadas existem, como o caso dos presdios

    de segurana mxima para onde vo, nos Estados Unidos,serial killers. E tambm as nossas, ocupadas pelos cheesdo crime organizado submetidos ao Regime Disciplinar Di-erenciado (RDD), cujo confnamento constitui um castigoque vai ao undo da alma (NOGUEIRA, 2006, p. 15).

    Estudos contemporneos indicam alucinao e at mes-mo loucura como eeitos deletrios produzidos por longosperodos de confnamento total. Os presos, sobretudo aque-les que tm uma carreira criminosa, preerem fcar em pres-dios comuns, onde, alis, continuam reproduzindo o mundode hierarquia e violncia que protagonizavam do lado de ora(embora, no Brasil, estranhamente, alguns presdios classi-fcados como de segurana mxima sejam, assim como osoutros, de segurana muito duvidosa).

    Consideremos o que protagonizou, em setembro de 2002,no Complexo Penitencirio de Bangu, o amoso trafcante Fer-nandinho Beira-Mar. Ele conseguiu passar por trs grossas

    portas de erro, cruzar um corredor, abrir outros trs portese chegar cela de Ernaldo Pinto de Medeiros, o U, a quemhavia jurado de morte11. U levou um tiro. Depois, atearamogo a seu corpo. Ao celular, Beira-Mar comemorou a mortedo rival e de outros trs presos: dominado, t tudo domi-nado. S ento o trafcante oi fnalmente transerido para umpresdio, no interior do Brasil, onde vigora o RDD.

    Mas o Complexo de Bangu continuou dando o que alar.

    Em 2003, por ocasio de uma greve de ome dos internos or-ganizada pelo mitolgico Comando Vermelho, Csar Caldeiraez uma interessantssima etnografa da vida no seu interior, e11Revista Veja, 18/09/2002.

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    detectou o que seria impensvel em uma instituio realmentepanptica. Cmulo de tudo: os agentes penitencirios exercemseu ocio com medo de serem alvos de atentados, desde que,em julho daquele mesmo ano, o coordenador de segurana doComplexo oi morto a tiros em plena Avenida Brasil. Voc ain-

    da vai cair na avenida uma das rases usadas atualmente pelospresos para intimidar (CALDEIRA, 2003, p. 93). O resultado uma subverso pereita do princpio panptico. Como os deten-tos conhecem muitas vezes os locais de residncia dos agentes,guardas e diretores, a relao de poder parece invertida: quem

    vigia os agentes de autoridade so os custodiados do estado.Da a massa crtica que a recente literatura historiogrfca

    vem produzindo sobre a recepo das ideias oucaultianas no

    Brasil. Holloway (2009), por exemplo, reete sobre a variaobrasileira da interpretao de Michel Foucault sobre a transiopara o mundo moderno, reerindo-se ao poder tradicional eprivado, que permaneceu complementar ao moderno e pbli-co, ambos se ortalecendo mutuamente (HOLLOWAY, 2009,p. 259). Maia, alando sobre a Casa de Deteno do Recie, noesconde a que interlocutor se dirige para nuanar-lhe as afrma-es peremptrias que Raymond Boudon j havia criticado.

    O isolamento, a higiene e o trabalho tornavam-se improcuos

    como tcnicas disciplinares diante das condies materiais da

    Casa de Deteno e de seu pessoal. Soltos, a maioria voltaria ao

    crime. No quela ilegalidade echada, separada e til (...), tornan-

    do-a restrita e controlvel e, portanto, dominada. Ao contrrio,

    fzeram surgir o delinquente que sabia criar a ilegalidade em qual-

    quer meio que se encontrasse livre ou na priso. (p. 146)

    De resto, essa literatura tambm concordante no sen-tido de destacar o pequeno impacto das prises no Brasil,e tambm na Amrica Latina de modo geral, como medidade controle social (AGUIRRE, 2009, p. 42). Como dizem osorganizadores da coletnea de que lano mo,

    as verses oucaultiana e marxista da histria das instituies,

    ao tentarem elaborar uma crtica daqueles que as construram,

    terminaram por retrat-los como atores polticos extremamen-te poderosos e bem sucedidos. Adotando uma perspectiva de

    origem uncionalista, passaram a utilizar a ideia de controle so-

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    cial, apresentando os reormadores burgueses como vitoriosos

    implementadores do controle sobre os pobres. preciso des-

    confar dessa histria de sucesso, e perceber como, mesmo nas

    instituies de controle, travam-se importantes embates, numa

    dinmica que observada no tempo presente mas que termina

    por ser negada histria. (MAIA et alii, 2009, p. 11)

    Alargando o arco dessa leitura crtica, tampouco deve-mos imaginar candidamente que a priso panptica oi umprojeto bem sucedido na sociedade disciplinar europeia,da qual seria uma das fguras centrais. Em seguida apari-o de Vigiar e punir, em 1975, historiadores ranceses, sobo impacto de obra to original, puseram-se a examin-la

    como experts da rea lembremos que Foucault no his-toriador de ormao e a revisitar a realidade da priso dosculo XIX de um modo bem mais emprico.

    Foucault trabalhara basicamente com textos prescriti-vos: doutrinas jurdicas, regulamentos disciplinares lato sen-su (prisionais e outros) etc. A descrio de como as coisas deato se davam no interior das prises, muitas vezes malgra-do tais regulamentos, no o orte de seu livro. Uma srie decontribuies dos mais diversos autores, incluindo debatescom o prprio Foucault, oi posteriormente publicada emum livro organizado por Michelle Perrot cujo ttulo curio-samente ou sintomaticamente? ecoa a impossibilidadetambm detectada por Koerner do lado de baixo do Equa-dor:A impossvel priso (PERRO, 1980).

    Perrot uma historiadora de renome que, sobre ser umaautoridade no tema dos excludos do sculo XIX, azia partedo crculo de colaboradores prximos de Michel Foucault. E

    o que ela diz? Que as prises rancesas na poca da Revoluode 1848, supostamente submetidas aos princpios de higiene,claridade e oraes do modelo panptico, oereciam, em vezdisso, um sinistro espetculo: comida podre, presos des-calos arrastando-se em andrajos, ps ulcerados, pernas in-chadas, rostos emagrecidos, tez plida. E Perrot se pergunta:Que eito da suavidade das penas? (Idem, p. 59).

    Mas se a priso constitui um objeto privilegiado de ob-

    servao do abismo entre as boas intenes e o inerno, asobjees endereadas viso oucaultiana de uma normali-zao generalizada da sociedade europeia no se restringem

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    a esse dispositivo sui generis. Jaques Lonard, por exemplo,diz, sem meias medidas: Foucault exagera a racionalizaoe a normalizao da sociedade rancesa na primeira meta-de do sculo XIX (LONARD, 1980, p. 12). Em resposta,no curso desse debate, Foucault sai-se com o brio habitual:

    Quando alo de sociedade disciplinar, no se deve enten-der sociedade disciplinada (PERRO, 1980, p. 35).

    E se isso pode ser dito de l, com muito mais razo aindapode ser dito daqui. Entre ns, nenhum dos outros dispositi-

    vos disciplinares clssicos arrolados por Foucault operou com aregularidade e a generalidade que, bem ou mal, l alcanaram.

    Passemos os olhos rapidamente em tais dispositivos, asaber: a escola, os quartis, a brica e o hospital.

    A escola: dispositivo de disciplina por excelncia, naFrana, pblica, gratuita, laica e, no nvel undamental,obrigatria desde o ltimo quartel do sculo XIX, quando oministro da Instruo Pblica da poca, o republicano JulesFerry, instituiu, em 1882, o que os ranceses chamam at hojede Educao Nacional (ducation Nationale em letras mai-sculas quando escrevem e com reverncia quando alam).

    Os quartis ou vale dizer o servio militar obrigatrio:permanentemente em potencial estado de beligerncia com seus

    vizinhos em um tempo em que azer a guerra era uma atividadecorriqueira dos Estados-naes, os pases europeus, desde pelomenos a era napolenica, obrigavam seus jovens do sexo mascu-lino a passar uma boa temporada no batente da caserna.

    A brica: chegados idade adulta, um contingenteenorme de trabalhadores encontrava a o destino para o qualora adestrado desde que, na inncia, ingressara na escolamunicipal obrigatria para receber as primeiras luzes (de

    ato, no eram exatamente gregos!).Para os desenquadrados de vrios naipes, restava o que

    continuamos chamando inevitavelmente de hospital, outro dis-positivo disciplinar explicitamente mencionado por Foucault.A traduo um tanto imprpria, porque a palavra, na Franada Idade Clssica e mesmo sculo XIX adentro, praticamentenada tem a ver com o que contemporaneamente designa. Nosentido oucaultiano, o hospital era o dispositivo rancs que

    integrava a rede do Grande Internamento europeu, equivalentespoor houses inglesas, um misto de clausura e ofcina para pe-quenos criminosos, viciados, prostitutas, desempregados etc.

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    Que balano fnal azer dessa releitura?Em um texto to ilustrado quanto generoso, Sergio Roua-

    net discorda de Merquior no seu juzo bastante negativo sobreFoucault, argumentando que o flsoo no oi nem um niilista,nem um irracionalista, mas um pensador que se insere, apesar

    de tudo, em uma das linhagens das Luzes, a dos livre-atirado-res do Iluminismo, que no alam em nome de nenhuma so-ciedade e conservam em toda a sua virulncia o esprito ilumi-nista original (ROUANE, 1987, p. 201). Apesar da vibrantedeesa, Rouanet tambm reconhece o mrito das crticas: Fuio primeiro a dar razo a Merquior em suas crticas aos errosactuais da obra oucaultiana, que de ato parecem to nume-rosos que viciam muitas das suas concluses tericas (p. 207).

    De minha parte, tambm considero que Foucault um dessesautores que devem ser consumidos com moderao consumi-do, porque bom; mas com moderao, porque pode embriagar.Recorrendo uma ltima vez a Merquior, Foucault praticava umaltero-flosofa (MERQUIOR, 1985, p. 12), hbrido estilstico bemrancs cultivado por insignes autores como Bergson e Sartre, umgnero que alia a brilhantes dotes literrios uma teorizao des-bragadamente liberta de disciplina analtica (Idem, ibidem). Mas,como vimos, Foucault dizia ao que tudo indica, sem aetao

    que qualquer um podia servir-se de sua obra como de uma caixa deerramentas. Sinto-me, assim, autorizado a az-lo. Havia anos aas-tado do convvio com seus textos, a eles voltei recentemente, no bojode um projeto de pesquisa sobre violncia, represso penal e direitoshumanos no Brasil. Afnal, a leitura de Foucault nomeadamentede Vigiar e punir tornou-se, como assinalei, incontornvel paraesse tipo de assunto. Mas, como disse, consumo-o com moderao.

    Em um ensaio que at muito simptico ao rancs,

    Edward Said observa a discrepncia entre seu material his-trico, limitado basicamente Frana, e suas concluses os-tensivamente universais (SAID, 2002, p. 196). Como diriamseus conterrneos, Foucault era um autor hexagonal, adjeti-

    vo que se reere orma do mapa poltico da Frana.Por isso, ao se verifcar que a sociedade disciplinar que

    ele descreve tem muito pouco a ver com a miscelnea de e-rocidade e benevolncia senhorial que caracterizam as rela-es de poder no Brasil, por que no simplesmente virar-lheas costas? Uma resposta possvel : no so apenas os autoresque caem como uma luva no nosso objeto de pesquisa quenos servem. Outros, contrastantes justamente porque no se

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    aplicam ao que temos diante dos olhos, podem ser bem teis.O contraste, afnal, reala. De certo modo, oi o que aconteceucomigo na releitura que fz de Foucault com vistas a clarifcarmeu objeto de pesquisa, que delineio a seguir.

    Brasil: uma sociedade indisciplinar?

    Relendo Vigiar e punircom olhos que j no os mesmoscom que o havia lido pela primeira vez afnal ningum sebanha duas vezes no mesmo rio , deparei-me com uma passa-gem que me serviu de insightpara a clarifcao de uma hipte-se de pesquisa: As Luzes que descobriram as liberdades inven-taram tambm as disciplinas (FOUCAUL, 1977, p. 195). Emoutras palavras, as disciplinas reais e corporais constituramo subsolo das liberdades ormais e jurdicas (Idem, Ibidem).

    Na leitura que ento fz e ainda ao dessa ormulao, elasugere que, subterraneamente ao gozo dos direitos civis e polti-cos, e como que tornando-os possveis, uncionavam os amososdispositivos disciplinares: a escola, a brica, o hospital, o servi-o militar e, no fm da linha, as prises. Uma questo ento meassaltou: E se, bem ou mal, oi sua constituio que possibilitou,na Europa, ao longo dos sculos XIX e XX, a drstica reduo de

    enmenos de violncia no interior dessa sociedade disciplinar?12A questo leva a que se pense sobre para usar uma expressobem oucaultiana as condies de possibilidade de sua prpriaormulao. Em outros termos: por que s ento eu que j ha-

    via lido e relido esse texto outras vezes notei o que certamentej tinha anteriormente visto? Sem me alongar no terreno da dis-cusso insolvel sobre quem se a teoria, se a empiria coman-da o processo de conhecimento (equivalncia erudita da velha

    questo do ovo e da galinha), apenas observo a conuncia entreessa releitura e a realidade brasileira atual no que diz respeito aoquesito violncia, matria de que me ocupo.

    talvez necessrio dizer rapidamente de minhas origens.Venho de uma gerao que chegou universidade na pocamais dura do regime militar, chocou-se com as violaes dosdireitos humanos perpetradas por ele que muitos soreramna prpria pele e, com isso, tomou conscincia do proble-ma da violncia policial endmica, em um pas como o Brasil,contra cidados comuns, criminosos ou meros suspeitos des-lo por conta dos esteretipos de sempre: negros ou pardos,pobres, moradores de avelas ou perierias etc.

    12 Enatizo: no interior dassociedades uma vez que,em termos de relaesentre os Estados, nunca omundo assistiu a guerras

    to morteras e abomin-veis como as que palmilha-ram o solo europeu nesseperodo.

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    DILEMAS330 Relendo Vigiar e punir Luciano Oliveira

    Com a redemocratizao, essa gerao ez da deesa dademocracia e dos direitos humanos um ideal poltico que, decerta orma, veio tomar o lugar antes ocupado pela miragemda revoluo. O cenrio era de grandes esperanas, sendo le-gtimo esperar que o pas fnalmente ingressasse em uma ase

    nova de respeito aos direitos mais elementares.No oi, entretanto, o que aconteceu. O tema direitos hu-

    manos, depois de uma ulgurante e bem-sucedida apario nocenrio poltico brasileiro a partir de meados dos anos 1970, nocontexto da luta contra o regime militar, oi sorendo revezesnas dcadas seguintes, e chegou ao incio do sculo XXI, noBrasil, carregando consigo o incmodo rtulo de privilgiosde bandidos (CALDEIRA, 1991), usado pela mdia sensacio-

    nalista e por polticos populistas da nossa direita mais trucu-lenta, mas tambm entusiasticamente incorporado ao sensocomum por boa parte da opinio pblica. A questo : por qu?

    A hostilidade popular ao tema comeou no instante emque seus militantes voltaram a ateno para os presos co-muns, tradicionalmente tratados no Brasil com absoluto des-prezo. Esse componente classista, inegavelmente presente nasprticas repressivas de nossas oras policiais desde sempre,levou seus crticos a enatizar esse aspecto e, por conseguinte,a situar a explicao para tal hostilidade nas proundezas denossa ormao histrico-social, na qual os desclassifcadosque saam da linha sempre oram tratados na base da repres-so sica mais escancarada. assim que Nancy Cardia (1995)ala na excluso moral de que so vtimas essas pessoas, que,ento, sorem aes brbaras das oras repressivas sem queisso cause indignao na opinio pblica, dierentemente doque aconteceu com alguns dos atingidos pela represso estatal

    do regime militar, pessoas bem situadas socialmente. Da mes-ma maneira, eresa Caldeira considera que o sentido maisproundo da campanha contra os direitos humanos, levadaa eeito entre ns, reside na manuteno de privilgios e deuma ordem excludente (CALDEIRA, 1991, p. 173).

    Adianto que subscrevo essas e outras percepes se-melhantes sobre o problema da violao dos direitos hu-manos de presos comuns no Brasil, j tendo eu mesmo

    as adotado em uma reexo sobre tortura (OLIVEIRA,2009). Gostaria, entretanto, situando-me nesse momentoem um nvel menos estrutural o que no exclui o outro ,

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    DILEMAS 331Luciano Oliveira Relendo Vigiar e punir

    de acrescentar, nesta reexo, uma razo mais comezinhapara a hostilidade popular ao tema dos direitos humanosno Brasil: o crescimento impressionante no limite, insu-portvel dos nveis de criminalidade violenta no pas nasltimas dcadas. Por a se insinua a questo que constitui o

    ulcro central da pesquisa que tem na releitura de Vigiar epunirseu primeiro momento.

    Houve um tempo justamente na dura dcada de 1970 em que circulava no imaginrio dos deensores dos direitoshumanos no Brasil, e com sobra de razo, a viso de um Es-tado violador desses direitos, de um lado, e de uma sociedadecivil acuada, de outro. Permitindo-me um pequeno devaneiopor nossa melhor e mais signifcativa msica popular, lembro

    que, nos negros anos da ditadura, Chico Buarque escreveu acano Acorda, amor!, em que, azendo aluso ao desapare-cimento de pessoas nas mos da polcia poltica, clamava umainverso potica genial: Chame o ladro, chame o ladro!Pois bem, o ladro chegou. O ladro, o assaltante, o estupra-dor, o trafcante, o sequestrador... A lista grande. A violnciabrasileira atingiu nveis to alarmantes, que qualquer exagerose torna dispensvel. Em um pas em que no h um esta-do de conagrao declarada, basta lembrar que um levan-tamento da ONG Viva Rio, h alguns anos, inormava que11% dos homicdios do mundo ocorridos por arma de ogoacontecem no Brasil13. Uma espcie de curto-circuito mentalnos atingiu a partir do momento em que o maniquesmo daimagem dicotmica de um Estado violador de direitos versusuma sociedade civil vtima de tais violaes se tornou insus-tentvel ou, no mnimo, simplifcador.

    em-se a impresso que o Brasil est mergulhando em

    uma espcie de estado de natureza de tipo hobbesiano. Exa-gero retrico? No creio. Utilizo a expresso em sentido pu-ramente tcnico, na medida em que a descrio que arei emseguida no est muito distante da maneira como as pessoas

    vivem sob o imprio de uma violncia que parece no ter fm.

    Tudo aquilo que vlido para um tempo de guerra, em que

    todo homem inimigo de todo homem, o mesmo vlido tam-

    bm para o tempo durante o qual os homens vivem sem outrasegurana seno a que lhes pode ser oerecida por sua prpria

    ora e sua prpria inveno. (HOBBES, 1974, p. 80)13 Jornal do Commercio,Recie, 24/05/2004.

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    DILEMAS332 Relendo Vigiar e punir Luciano Oliveira

    Eis o estado de natureza conorme a concepo de TomasHobbes. Dois traos lhe so essenciais: todos so potencialmenteinimigos de todos e cada um se vira como pode para prover aprpria segurana. Um e outro esto presentes hoje na sociedadebrasileira, sobretudo nas grandes reas metropolitanas.

    Procedo, em seguida14, a algumas ilustraes extradasda realidade que me est mais prxima, a cidade do Recie,em nada essencialmente dierente de qualquer outra grandecidade brasileira.

    Lembremos o primeiro trao do estado de naturezahobbesiano: todos so potencialmente inimigos. Ora, oreciense comum no realiza o simples ato cotidiano depegar um transporte coletivo sem ter medo de ser assal-

    tado. Uma matria publicada na imprensa local ilustra umepisdio: A. A. S., 17 anos, tentou assaltar o coletivo naBR-101 (...), e morreu aps levar um tiro no corao, dis-parado por um policial paisana que viajava no nibus15.A mdia de assaltos a nibus no Grande Recie, segundo omesmo jornal, de seis por dia!

    Da deriva o segundo trao da descrio hobbesiana: asegurana matria da competncia de cada um. Qualquercidade, Recie inclusa, ostenta exemplos que mostram comoessa afrmativa est se generalizando: muros cada vez maisaltos, vigilncia eletrnica em simples casas residenciais, vi-gilantes nas ruas pagos pelos moradores etc. O que h algunsanos era exclusivo de bairros ricos em cidades como o Riode Janeiro hoje um enmeno de qualquer bairro de classemdia. Mas no s. ambm nos bairros populares e perie-rias mais do que comum nos derontarmos com pequenosestabelecimentos comerciais, quando no simples biroscas,

    que se assemelham a verdadeiras jaulas. Os comerciantes, dolado de dentro, atendem os regueses atravs de grades.

    No tem inteira razo, assim, o jornalista Mino Cartaao criticar nossa elite [que] ergue muralhas em torno dassuas vivendas16. Que ela est entrincheirada az tempo uma verdade sabida que, de certa orma, apascenta nos-so senso crtico e nossa boa conscincia. Mas a verdade que esse comportamento autodeensivo espraia-se por

    toda a sociedade, chegando at a seus estratos mais hu-mildes. Ainal, os pobres so tambm normais! E, comoos ricos, costumam agir racionalmente.

    14 Nesse particular, nem

    sou original. J no comeodos anos 1990, Wander-ley Guilherme dos Santosvalia-se da expresso ho-bbesianismo social parase reerir a um estado denatureza em que o coni-to generalizado e a regraconstitucional vigente cada um administrar seusprprios problemas.

    15 Jornal do Commercio,Recie, 19/05/2004.

    16 Editorial da revista CartaCapital, 15/06/05, p. 20.

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    DILEMAS 333Luciano Oliveira Relendo Vigiar e punir

    tendo em vista essa realidade que, outra vez sem ne-nhum rompante retrico, levanto como uma de minhas hi-pteses de trabalho a perspectiva de que estamos diante deum verdadeiro problema civilizacional. E que, rente a ele,convm comear a se perguntar se as solues usualmente

    brandidas para esse estado de coisas justia social de umlado, represso mais efcaz, de outro no precisariam ser,elas tambm, problematizadas. para isso que, com a brevi-dade prpria de um primeiro subproduto de uma pesquisaem andamento, me volto agora.

    No se trata, claro, de propor, em uma rmula mgi-ca, a soluo para o problema da violncia no Brasil, aindaque um de nossos pressupostos seja o de que ela pode, como

    demonstram outras experincias histricas, ser reduzidaum dia a nveis, por assim dizer, normais, para alar comoDurkheim (1978). rata-se, antes, de iluminar o campo dediscusso com um approach negligenciado por ns. Sugirocomo hiptese de trabalho que o enrentamento da ques-to da violncia na (e da) sociedade brasileira demanda quese amplie o debate e que se inclua na pauta o que, com umsentido negativo, Foucault chamou de sociedade disciplinar,mas que outro autor clebre, Norbert Elias (1993), chamou,com um sentido positivo, de processo civilizador.

    Creio ser muito instrutiva a leitura de autores desse nai-pe, porque embora toda analogia seja de natureza imper-eita eles nos recordam experincias histricas anlogas sque estamos vivendo no quesito violncia, especifcamenteno enmeno europeu dos albores da modernidade e suaposterior extino. Dessa poca trata o livro Histria da vio-lncia, do rancs Jean-Claude Chesnais (1981).

    Em resumo e simplifcando bastante , o que nos dizChesnais? Que os baixos ndices de violncia e criminalidadeexperimentados pelos pases ricos do Hemisrio Norte euro-peu so um enmeno que data apenas dos dois ltimos scu-los. Antes disso, a violncia como modo de resoluo de con-itos constitua praticamente um cdigo normal de conduta.A civilidade, a urbanidade como regra mais ou menos genera-lizada nas relaes sociais , assim, em termos histricos, um

    enmeno relativamente recente. al perspectiva muito prxi-ma daquela que o socilogo Norbert Elias chamou de processocivilizador, em um clssico com esse ttulo.

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    DILEMAS334 Relendo Vigiar e punir Luciano Oliveira

    udo isso, bvio, nos remete de volta a Michel Foucault,com sua ormulao j citada que elegi como principal hiptesede pesquisa. Bem pensadas as coisas, a sociedade disciplinar deFoucault pode ser considerada uma outra maneira de ver o queElias chamou de processo civilizador e Chesnais analisou em ter-

    mos de apaziguamento da sociedade. Enquanto os ltimos veemo processo como algo positivo, Foucault promove uma das maiscorrosivas crticas a esse tipo de sociedade, em cujo projeto via,essencialmente, a produo de trabalhadores dceis.

    Sob o risco de me repetir, assinalo que, dierentementedo que ocorreu na Europa, no tivemos aqui uma sociedadedisciplinar ou civilizada, no termo de Elias, ou apazigua-da, como quer Chesnais , mas uma sociedade violenta, uma

    sociedade onde nunca houve a universalizao da escola,onde os aparelhos da justia penal sempre oram brutais emuito pouco efcazes, para dizer o mnimo, e onde, fnalmen-te, uma imensa ora de trabalho, miservel e inormal, nopossibilitou e possibilita cada vez menos, em um planetadominado pela revoluo tecnolgica e pela globalizao a constituio de um mundo do trabalho hegemonicamenteenquadrado pelo dispositivo da brica.

    Uma pergunta se coloca: seria ainda assim possvel aconstituio de uma sociedade disciplinar ou a institui-o de um processo civilizador entre ns? No me atre-

    vo a responder. Contento-me em apenas ormul-la. Mas,ao az-lo, permito-me azer algumas consideraes, di-gamos, revisionistas.

    A tradio cultural da nossa intelligentsia relegou a pre-ocupao com a segurana, na melhor das hipteses, a umtema menor; na pior, abandonou-a ao discurso truculento

    da direita. Da a desconsiderao das reexes hobbesianas arespeito do undamento do Estado; da a absoro da crticaoucaultiana sociedade disciplinar como se ela valesse, semmuitas mediaes, para um pas violento como o Brasil.

    verdade que a sociedade disciplinar pintada por Fou-cault, com seu squito interminvel de vigilncia, controle eadestramento que, diga-se de passagem, nunca se realizouintegralmente em parte alguma , , rancamente, sinistra.

    Mas, permitindo-me uma liberdade com a expresso de Fou-cault, a sociedade indisciplinarque temos , por outro lado,insuportvel. Por que, ento, no pensar o problema equa-

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    cionando-o em termos de um processo civilizador? Afnal,empiricamente e de orma alguma valorativamente alando,qual seria a dierena, como antdotos contra a violncia,entre os corpos dceis de Foucault, as boas maneiras deElias e o apaziguamento de Chesnais?

    Antes de seguir para a concluso, gostaria de azer umesclarecimento histrico-conceitual talvez necessrio. Ao lem-brar, na trilha de Foucault, que a sociedade disciplinar cons-tituiu o subsolo que tornou possvel o usuruto dos direitos eliberdades, e que oi o processo civilizador que inibiu as pulsesincivis da justia-com-as-prprias-mos, no pretendo lanarsobre nossa realidade, em um exerccio de anacronismo, crit-rios de validade de experincias pretritas e estranhas a nossa

    histria. ampouco pretendendo advogar a tese de que acumu-lamos um atraso em relao a processos de desenvolvimentoque se deram alhures e, assim, sugerir, em uma postura eta-pista, que precisamos, a fm de alcanar os nveis de pacifca-o e de civilizao que queremos, passar pelas mesmas ases.Processos sociais costumam ser particulares e no acilmentetransportveis de um hemisrio a outro. Nesse sentido, o usoque ao de conceitos como sociedade disciplinar e processocivilizador no deve ser lido ao p da letra. Eles so, antes, ti-pos ideais de que me valho para adotar uma postura margemde eventualmente at em ruptura com certo imaginrioemancipador e mesmo libertrio que permeia o pensamen-to dos militantes dos direitos humanos no Brasil.

    Minha hiptese de trabalho, pondo-me na contramo deum senso comum com grande aceitao no Brasil, a de quenossas prticas sociais violentas e nosso dfcit institucional cr-nico no autorizam uma crtica de nossas mazelas em termos

    que no cabem em nossa realidade, como se ssemos uma so-ciedade europeia padecendo de um excesso de normalizao. A

    violncia brasileira, inimaginvel para os padres europeus, podeestar relacionada ao ato de que, dierentemente do que ocorreunos pases do Norte, nunca tivemos por aqui, se no uma socie-dade disciplinar, pelo menos uma minimamente disciplinada.

    Isso, entretanto, no deve induzir a que ingenuamente sepense que a sociedade europeia, tendo passado por um pro-

    cesso de disciplinamento Foucault, e atingido um alto graude civilizao Elias, tenha alcanado um nvel intangvel deapaziguamento Chesnais. Nada no mundo defnitivo e

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    a realidade dinmica. Ainda que, comparada aos padresbrasileiros, a violncia l permanea quase irrisria, a ver-dade que de algumas dcadas para c a criminalidade temcrescido no Hemisrio Norte em nveis que parecem a elesassustadores. Como observa David Garland, reerindo-se s

    sociedades ps-modernas de um modo geral e aos EstadosUnidos e Inglaterra em particular, os cidados, as comu-nidades e as empresas aprenderam a se adaptar a um mundono qual altas taxas de criminalidade so um ato social nor-mal (GARLAND, 2008, p. 37).

    Por sua fliao oucaultiana, autor insuspeito de qual-quer transigncia com ideologias do tipo lei-e-ordem, Gar-land, em uma reerncia direta a Elias, observa que os pro-

    cessos que apontavam no sentido da civilizao parecemter engatado a marcha r. Reerindo-se ao ato de queas ideias de ressocializao dos criminosos teriam pura esimplesmente sido substitudas pelas de isolamento e cas-tigo, aponta no sentido de uma crise da prpria sociedadedisciplinar. No que talvez seja, entre outras, uma reernciaa si prprio, Garland chega a dizer que nem mesmo o maiscriativo leitor de Foucault (...) poderia prever estes desdo-bramentos recentes (Idem, p. 44).

    A questo instigante, mas no o caso de abord-laaqui. Assim, consciente de toda a cautela necessria ao ma-nejo dos conceitos com que trabalho, volto a minha hiptese.

    Resumindo e fnalizando: apropriando-me a con-trapelo dos termos oucaultianos, ormulei a hiptese depesquisa de que o Brasil seria uma sociedade indisciplinar! caso em que se insinua um curioso paradoxo. Foucault, seno epistemologicamente, com certeza politicamente

    um crtico acerbo desse tipo de sociedade e seu squitode controles, injunes, normas e regulamentos. E ns, noBrasil, somos leitores muito passivos de Foucault. Logo,somos tambm crticos desse tipo de sociedade. S queaqui pesponta uma pergunta incmoda: e se oi ela quepermitiu a ruio das liberdades ormais e jurdicas?

    justamente isso que estamos buscando?Como diriam os ranceses, suivre...

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