o cdc e as pessoas juridicas na visao do stj. pablo stolze
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Editorial 03 O CDC e as Pessoas Jurídicas na visão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça trouxe-nos, recentemente, uma instigante questão jurídica, com importantes efeitos práticos.
O Código de Defesa do Consumidor seria aplicável às pessoas jurídicas adquirentes de produtos ou serviços utilizados direta ou indiretamente na atividade econômica que exercem?
Expliquemos.
Como se sabe, o CDC aplica-se em face de um "consumidor", entendido este como o destinatário final de um produto ou de um serviço.
Ora, uma sociedade empresária que, por exemplo, seja adquirente de um produto ou tomadora de um serviço aplicável à sua própria atividade econômica, poderia também ser considerada consumidora, e, por conseguinte, invocar em seu favor o referido Código?
A questão é delicada e polêmica no STJ, consoante podemos conferir da leitura do noticiário especial de 16 de maio de 2010 (disponível no próprio site oficial):
Aplicação do CDC às pessoas jurídicas em debate no STJ
Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor (CDC) às pessoas jurídicas adquirentes de produtos ou serviços
utilizados, direta ou indiretamente, na atividade econômica que exercem? A resposta é afirmativa para alguns
casos e passa pela definição de destinatário final. A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
reconheceu, recentemente, esse entendimento, ao julgar recurso do hospital Centro Transmontano, que
recorreu de decisão favorável à Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp).
No processo julgado, as partes discutiam se a relação entre as duas instituições estava sujeita à lei
consumerista, com vistas à aplicação do artigo 42, parágrafo único, do CDC, que prevê, na cobrança de
débitos, que o consumidor inadimplente não será exposto ao ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de
constrangimento ou ameaça.
Ao analisar a questão, o ministro relator, Francisco Falcão, entendeu que, de acordo com o conceito de
consumidor expresso no artigo 2º do CDC, esse seria “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produto ou serviço como destinatário final”. À luz da lei, a recorrente (Centro Transmontano) se constituiu em
empresa, em cujo imóvel funcionam diversos serviços, como médico-hospitalares, laboratoriais, ambulatoriais,
clínicos e correlatos, não apresentando qualquer característica de empreendimento em que haja a produção
de produtos a serem comercializados.
Para o ministro, na verdade o que se observa é que o empreendimento está voltado para a prestação de
serviços, sendo certo que a água fornecida ao imóvel da empresa é utilizada para a manutenção dos serviços
e do próprio funcionamento do prédio, como é o caso do imóvel particular – em que a água fornecida é
utilizada para consumo das pessoas que nele moram, bem como para manutenção da residência. Desse
modo, pelo tipo de atividade desenvolvida pela instituição, percebe-se que ela não utiliza a água como
produto a ser integrado em qualquer processo de produção, transformação ou comercialização de outro
produto, mas apenas para uso próprio.
Nesse sentido, sendo o Transmontano destinatário final da água, este se encontra inserida no conceito de
consumidor e submetida à relação de consumo, devendo, portanto, ser aplicado o Código de Defesa do
Consumidor e, em especial, o artigo 42, parágrafo único, da Lei n. 8.078/1990, o qual estabelece que "o
consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que
pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".
Destinatário final
Em outro julgado, (Conflito de Competência n.41.056), o ministro Aldir Passarinho Junior definiu que
destinatário final é aquele que assume a condição de consumidor dos bens e serviços que adquire ou utiliza,
isto é, quando o bem ou serviço, ainda que venha a compor o estabelecimento empresarial, não integra
diretamente – por meio de transformação, montagem, beneficiamento ou revenda – o produto ou serviço que
venha a ser ofertado a terceiros.
O ministro afirma que a definição de consumidor estabelecida pela Segunda Seção (Recurso Especial n.
541.867) perfilhou-se à orientação doutrinária finalista ou subjetiva, segundo a qual, de regra, o consumidor
intermediário, por adquirir produto ou usufruir de serviço com o fim de, direta ou indiretamente, dinamizar ou
instrumentalizar seu próprio negócio lucrativo, não se enquadra na definição constante no artigo 2º do CDC.
O magistrado registra, no entanto, que se observa um certo abrandamento na interpretação finalista, na
medida em que se admite, excepcionalmente, a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores
profissionais, desde que demonstrada, in concreto, a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.
Consumidor intermediário
No entendimento do ministro, pessoa jurídica com fins lucrativos caracteriza-se como consumidora
intermediária, porquanto se utiliza, no caso analisado, dos serviços de telefonia prestados pela empresa com
intuito único de viabilizar sua própria atividade produtiva, consistente no fornecimento de acesso à rede
mundial de computadores (internet) e de consultorias e assessoramento na construção de homepages, em
virtude do que fica afastada a existência de relação de consumo.
Para um dos autores do anteprojeto do CDC José Geraldo Brito Filomeno, “o conceito de consumidor adotado
pelo código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o
personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como
destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e
não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial”
(fonte: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=97262)
Ao menos em tese, em nosso pensar, a categoria do "consumidor intermediário" deve ser entendida com cautela, sob pena de a questão tornar-se por demais abstrata, gerando indesejável insegurança jurídica.
A partir do momento em que uma pessoa jurídica utiliza um produto ou um serviço proveniente de fornecedor atuante no mercado de consumo, efetivamente consome o seu valor econômico e esgota a sua própria finalidade, pouco importando se o fez para a realização de uma atividade econômica ou não.
Atuou, certamente, como consumidora, e, como tal, faz jus à incidência do CDC em eventuais questões surgidas no bojo da relação jurídica travada com o seu fornecedor.
É o nosso pensamento acadêmico sobre esta interessante temática.
E você, meu querido amigo, como pensa?
Um abraço afetuoso, e que a Luz Divina o acompanhe sempre!
O amigo,
Pablo Stolze.