artigo novo divórcio - pablo stolze

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  1 A Nova Emenda do Divórcio: Primeiras Reflexões 1 1.  Introdução  Pablo Stolze Gagliano  J uiz de D ireito. M es tre em D ireito C ivil pela P U C -S P . P ós - Graduado em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direit o da Bahia. P rofess or de D irei to C ivi l da Universidade Federal da Bahia e da Rede de Ensino L F G .. Co-autor das obras “ Novo C urso de D ir eito C ivi l” e “ O Novo D ivórcio” (S araiva) O incremento do divórcio é fenômeno observado, há tempos, não apenas no Brasil, mas em outros Estados no mundo. E m f ecundo estudo, C O NS T ANC E AHR O NS e RO Y RO DG E R S, debruçados nas al t erações soci ai s experimentadas no século passado, observavam que, somente nas últimas três décadas, a idealizada noção “sagrada” da tradicional família norte-americana havia sido seriamente desafiada. Fatores de variada ordem como o movimento feminista, o aumento da força de trabalho da mulher e a revolução sexual, freqüentemente eram citados como responsáveis pelo número crescente de divórcios: “It is only in the last three decades that this idealized notion of the sanctity of the tradicional American family has been seriously chalenged. The contemporary feminist movement, the increase of women in the workforce, and the sexual revolution are often cited as contribuiting to the rapid increas e in di vorc e rates”. 2  1  O aprofundamento deste tema é feito na obra “O Novo Divórcio” (São Paulo: Saraiva, 2010), que escrevemos em co- autoria com Rodolfo Pamplona Filho. 2  AHRO NS, C onst ance R. e RO DG E RS , Roy H. Divorced Families – A Multidisciplinary Development View. New York: Norton, 1987, pág. 13.

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A Nova Emenda do Divórcio: Primeiras Reflexões1

1.  Introdução 

Pablo Stolze Gagliano

Juiz de Direito. Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Pós- 

Graduado em Direito Civil pela Fundação Faculdade 

de Direito da Bahia. Professor de Direito Civil da 

Universidade Federal da Bahia e da Rede de Ensino 

LFG.. Co-autor das obras “Novo Curso de Direito 

Civil” e “O Novo Divórcio” (Saraiva) 

O incremento do divórcio é fenômeno observado, há tempos, não apenas no Brasil, mas em

outros Estados no mundo.

Em fecundo estudo, CONSTANCE AHRONS e ROY RODGERS, debruçados nas alterações sociais

experimentadas no século passado, observavam que, somente nas últimas três décadas, a

idealizada noção “sagrada” da tradicional família norte-americana havia sido seriamente desafiada.

Fatores de variada ordem como o movimento feminista, o aumento da força de trabalho da mulher

e a revolução sexual, freqüentemente eram citados como responsáveis pelo número crescente de

divórcios:

“It is only in the last three decades that this idealized notion of the sanctity of the tradicional

American family has been seriously chalenged. The contemporary feminist movement, the increase

of women in the workforce, and the sexual revolution are often cited as contribuiting to the rapid

increase in divorce rates”.2

 1 O aprofundamento deste tema é  feito na obra “O Novo Divórcio” (São Paulo: Saraiva, 2010), que escrevemos em co-autoria com Rodolfo Pamplona Filho.2 AHRONS, Constance R. e RODGERS, Roy H.Divorced Families – A Multidisciplinary Development View. New York: Norton,1987, pág. 13.

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Surgiriam, nesse contexto, e a virada do século confirmaria esta previsão, famílias

recombinadas, de segundas, terceiras ou quartas núpcias (ou mais), alterando com isso,

signif icativamente, o panorama tradicional da família.

A família, sob o prisma jurídico, portanto, seria reconstruída com base no afeto, noção

decorrente da “valorização constante da dignidade da pessoa humana”, no erudito dizer de FLÁVIO

TARTUCEe JOSÉFERNANDO SIMÃO.3

“Em 2006, o número de separações judiciais concedidas foi 1,4% maior do que em 2005,

somando um total de 101.820. Neste período, a análise por regiões mostra distribuição diferenciada

com a mesma tendência de crescimento: Norte (14%), o Nordeste (5,1%), o Sul (2,6%) e o Centro-Oeste (9,9%). Somente no Sudeste houve decréscimo de 1,3%. Os divórcios concedidos tiveram

acréscimo de 7,7% em relação ao ano anterior, passando de 150.714 para 162.244 em todo o país.

O comportamento dos divórcios mostrou tendência de crescimento em todas as regiões, sendo de

16,6% para o Norte, 5,3% para o Nordeste, 6,5% para o Sudeste, 10,4% para o Sul e 9,3%, no

Centro-Oeste. Em 2006, as taxas gerais de separações judiciais e de divórcios, medidas para a

população com 20 anos ou mais de idade, tiveram comportamentos diferenciados. Enquanto as

separações judiciais mantiveram-se estáveis em relação a 2005, com taxa de 0,9%, os divórcios

cresceram 1,4%. Esse resultado revela uma gradual mudança de comportamento na sociedadebrasileira, que passou a aceitar o divórcio com maior naturalidade, além da agilidade na exigência

legal, que para iniciar o processo exige pelo menos um ano de separação judicial ou dois anos de

separação de fato. De 1996 a 2006, a pesquisa mostrou que a separação judicial manteve o

patamar mais freqüente e o divórcio atingiu a maior taxa dos últimos dez anos. Em 2006, os

O acesso mais facilitado ao divórcio, pois, consolidaria esses arranjos familiares recombinados

(blended or mixed families), alterando profundamente o cenário social em que vicejam.

Observamos, com isso, que o inexorável processo de reabertura do conceito tradicional defamília - fruto de fatores diversos, de variados matizes (social, econômico, político, antropológico,

cultural) – desembocaria no aumento do número de casais divorciados em todo o mundo.

E o Brasil, nesse diapasão, acompanhou esta tendência, conforme podemos constatar em

recente pesquisa feita pelo IBGE:

3 TARTUCE, Flávio e SIMÃO, José Fernando. Direito Civi l – Direito de Família, vol. 5. 2. Ed. São Paulo: Método, 2007, pág. 39.

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divórcios diretos foram 70,1% do total concedido no país. Os divórcios indiretos representaram

29,9% do total. As regiões Norte e Nordeste, com 86,4% e 87,4%, foram as que obtiveram maiores

percentuais de divórcios diretos. As informações da pesquisa de Registro Civil referente à faixa

etária dos casais nas separações judiciais e nos divórcios mostram que as médias de idade eram

mais altas para os divórcios. Para os homens, as idades médias foram de 38,6 anos, na separação

  judicial, e de 43,1 anos, no divórcio. As idades médias das mulheres foram de 35,2 e 39,8 anos,

respectivamente, na separação e no divórcio. A análise das dissoluções dos casamentos, por

divórcio, segundo o tipo de família, mostrou que, em 2006, a proporção dos casais que tinham

somente filhos menores de 18 anos de idade foi de 38,8%, seguida dos casais sem filhos com

31,1%” 4

“A taxa de

.

Em 2007, vale acrescentar, ano em que se completaram os 30 anos da Lei do Divórcio (Lei n.

6515 de 1977), os números mantiveram a tendência de crescimento, conforme podemos ler na

notícia abaixo, baseada também em estudo do IBGE:

divórcios no Brasil subiu 200% entre 1984 e 2007, segundo dados da pesquisa

"Estatísticas do Registro Civil 2007", divulgada nesta quinta-feira (4) pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE). No período, o índice passou de 0,46 divórcio para cada grupo de mil

habitantes para 1,49 divórcio por mil habitantes. Em números absolutos, os divórcios concedidospassaram de 30.847, em 1984, para 179.342, em 2007”  5

 4 Fonte: 

.

Toda essa projeção matemática de crescimento demonstra a inegável alteração do matiz

ideológico do conceito moderno de família - na perspectiva da busca da felicidade pessoal de seus

integrantes em novos relacionamentos - reforçando ainda mais a importância da facilitação jurídica

do divórcio, o que, sob o viés civil-constitucional, cristalizou-se, atualmente, na aprovação desta

importante Emenda Constitucional.

E não se conclua, a partir disso, que se esteja fortalecendo uma polít ica inconseqüente debanalização do casamento.

http:/ / www.ibge.gov.br/ home/ presidencia/ noticias/ noticia_impressao.php?id_noticia=1046 acessado em 30 deoutubro de 2009.5 Notícia Extraída do Portal de Notícias da Globo, disponível em:  http:/ / g1.globo.com/ Noticias/ Brasil/ 0,,MRP909873-5598,00.html, acessada em 30 de outubro de 2009.

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De forma alguma.

O que se quis, em verdade, por meio da aprovação da recente Emenda do Divórcio, é permitir

a obtenção menos burocrática da dissolução do casamento, facultando, assim, que outros arranjos

familiares fossem formados, na perspectiva da felicidade de cada um.

Pois sem amor e felicidade não há porque se manter um casamento.

2.  Compreendendo o Contexto Jurídico do Projeto de Emenda do Divórcio

Em 05 de dezembro de 2002, o Superior Tribunal de Justiça julgou o REsp 467.184 de São

Paulo, sendo  relator o culto Min. Ruy Rosado de Aguiar, tendo assentado que, em sede de

separação, “evidenciada a insuportabilidade da vida em comum, e manifestado por ambos os

cônjuges, pela ação e reconvenção, o propósito de se separarem, o mais conveniente é reconhecer

esse fato e decretar a separação, sem imputação da causa a qualquer das partes”.

Este acórdão, proferido em uma época em que sequer estava em vigor o novo Código Civil,

sempre nos chamou a atenção.

Isso porque, como se pode notar, os ministros decretaram a separação do casal,

desconsiderando a exigência legal no sentido de se imputar causa para o fim da sociedade conjugal

(violação de dever matrimonial ou cometimento de conduta desonrosa), atendo-se, simplesmente,

ao desamor para o fim de dissolver a sociedade entre os cônjuges.

Merece aplausos este aresto.

Em sua nova e moderna perspectiva, o Direito de Família, segundo o princípio da intervenção

mínima, desapega-se de amarras anacrônicas do passado, para cunhar um sistema aberto e

inclusivo, facilitador do reconhecimento de outras formas de arranjo familiar, incluindo-se as

famílias recombinadas (de segundas, terceiras núpcias etc.).

Nesse diapasão, portanto, detectado o fim do afeto que unia o casal, não há sentido em se

tentar forçar uma relação que não se sustentaria mais.

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Segundo CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD:

“Infere-se, pois, com tranqüilidade que, tendo em mira o realce na proteção avançada da

pessoa humana, o ato de casar e o de não permanecer casado constituem, por certo, o verso e o

reverso da mesma moeda: a liberdade de auto-determinação afetiva”.6

 6 CHAVES, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 277.

Ademais, não caberia à lei nem à religião estabelecer condições ou requisitos necessários ao

fim do casamento, pois apenas aos cônjuges, e a ninguém mais, é dado tomar esta decisão.

Por isso, tanto para a separação, quanto para o divórcio, a tendência deve ser sempre a sua

facilitação, e não o contrário.

Equando nos referimos a uma “facilitação” não estamos querendo dizer, com isso, conforme

 já anunciamos no tópico anterior, que somos entusiastas do fim do casamento.

Não.

O que estamos a defender é que o ordenamento jurídico, numa perspectiva de promoção da

dignidade da pessoa humana, garanta meios diretos, eficazes e não-burocráticos para que, diante

da derrocada emocional do matrimônio, os seus partícipes possam se libertar do vínculo falido,partindo para outros projetos pessoais de felicidade e de vida.

Um primeiro passo já havia sido dado por meio da aprovação da Lei n. 11.441 de 2007, que

regulou a separação e o divórcio administrativos em nosso País, permitindo que os casais, sem

filhos menores ou incapazes, pudessem, consensualmente, lavrar escritura pública de separação ou

divórcio, em qualquer Tabelionato de Notas do País.

Outro significativo passo vem a ser dado, agora, por meio da aprovação desta importante

Emenda, que modificou o art. 226, § 6o

da CF.

A referida proposta de emenda resultou de iniciativa de juristas do Instituto Brasileiro de

Direito de Família – IBDFAM, abraçada pelo deputado Antônio Carlos Biscaia (PEC 413/ 05) e

reapresentada posteriormente pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro (PEC33/ 07).

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6

Vamos então compreender o seu objeto.

3.  O Objeto da Emenda do Divórcio

3.1. O Teor da Emenda

O texto de sua proposta de redação original era o seguinte:

“§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da 

lei ” .

Suprimiu-se, posteriormente, a expressão “na forma da lei”, constante na parte final do

dispositivo sugerido.

Esta supressão, aparentemente desimportante, revestiu-se de grande significado jurídico.

Caso fosse aprovada em sua redação original, correríamos o sério risco de minimizar a

mudança pretendida, ou, o que é pior, torná-la sem efeito, pelo demasiado espaço de liberdade

legislativa que a jurisprudência poderia reconhecer estar contida na suprimida expressão.

Vale dizer, aprovar uma emenda simplificadora do divórcio com o adendo “na forma da lei”poderia resultar em um indevido espaço de liberdade normativa infraconstitucional, permitindo

interpretações equivocadas e retrógradas, justamente o que a proposta quer impedir.

Melhor, portanto, a sintética redação atual, aprovada em segunda e última votação pelo

Senado Federal:

“O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Da sua leitura, constatamos duas modificações de impacto: acaba-se com a separação judicial

(de forma que a única medida juridicamente possível para o descasamento seria o divórcio)7

 7 Imaginar-se que a separação judicial permaneceria em vigor, após a aprovação da Emenda, seria a consagração de umpensamento não apenas absurdo, mas, inclusive, com nítido desprezo “às exigências de interpretação histórica,sistemática e teleológica da norma”  (Paulo Lôbo – Divórcio: Alteração Constitucional e suas Conseqüências , disponível no

e

extingue-se também o prazo mínimo para a dissolução do vínculo matrimonial (eis que não há maisreferência à separação de fato do casal há mais de dois anos).

http:/ / www.ibdfam.org.br/ ?artigos&artigo=570). Até porque sentido algum haveria em a Emenda expressamente dizerque as normas da separação estariam revogadas. Além de ser conclusão óbvia, se tal (desnecessária) inserção fosse feita,a proposta de alteração constitucional padeceria de grave impropriedade redacional. Aliás, abrindo-se a via do divórcio,queda-se completamente vazio o instituto da separação.

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7

Vale a pena lermos a justificativa apresentada pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro,

quando da apresentação da referida proposta, pois, assim, é possível se ter uma idéia das razões da

sua propositura, e,também, do contexto social e histórico da sua apresentação:

“A presente Proposta de Emenda Constitucional é uma antiga reivindicação não só da sociedade

brasileira, assim como o Instituto Brasileiro de Direito de Família, entidade que congrega

magistrados, advogados, promotores de justiça, psicólogos, psicanalistas, sociólogos e outros

profissionais que atuam no âmbito das relações de família e na resolução de seus conflitos, e

também defendida pelo Nobre Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia (Rio de Janeiro). Não mais

se justifica a sobrevivência da separação judicial, em que se converteu o antigo desquite. Criou-se,desde 1977, com o advento da legislação do divórcio, uma duplicidade artificial entre dissolução da

sociedade conjugal e dissolução do casamento, como solução de compromisso entre divorcistas e

antidivorcistas, o que não mais se sustenta. Impõe-se a unificação no divórcio de todas as hipóteses

de separação dos cônjuges, sejam litigiosos ou consensuais. A Submissão a dois processos judiciais

(separação judicial e divórcio por conversão) resulta em acréscimos de despesas para o casal, além

de prolongar sofrimentos evitáveis. Por outro lado, essa providência salutar, de acordo com valores

da sociedade brasileira atual, evitará que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas

famílias sejam revelados e trazidos ao espaço público dos tribunais, como todo o caudal deconstrangimentos que provocam, contribuindo para o agravamento de suas crises e dificultando o

entendimento necessário para a melhor solução dos problemas decorrentes da separação.

Levantamentos feitos das separações judiciais demonstram que a grande maioria dos processos são

iniciados ou concluídos amigavelmente, sendo insignificantes os que resultaram em julgamentos de

causas culposas imputáveis ao cônjuge vencido. Por outro lado, a preferência dos casais é

nitidamente para o divórcio que apenas prevê a causa objetiva da separação de fato, sem imiscuir-

se nos dramas íntimos; Afinal, qual o interesse público relevante em se investigar a causa do

desaparecimento do afeto ou do desamor? O que importa é que a lei regule os efeitos jurídicos da

separação, quando o casal não se entender amigavelmente, máxime em relação à guarda dos

filhos, aos alimentos e ao patrimônio familiar. Para tal, não é necessário que haja dois processos

 judiciais, bastando o divórcio amigável ou judicial (PEC33/ 07. Dep. Sérgio Barradas Carneiro)” .

Em síntese, a Emenda aprovada pretende facilitar a implementação do divórcio no Brasil e

apresenta dois pontos fundamentais:

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a)  extingue a separação judicial;

b)  extingue a exigência de prazo de separação de fato para a dissolução do vínculo

matrimonial.

Cuidemos de ambos os aspectos separadamente, para a sua melhor compreensão. 

3.2. Extinção da Separação Judicial

A extinção da separação judicial é medida das mais salutares.

Como sabemos, a separação judicial é instituto menos profundo do que o divórcio.

Com ela, dissolve-se, tão-somente, a sociedade conjugal, ou seja, põe-se fim a

determinados deveres decorrentes do casamento como o de coabitação e o de fidelidade recíproca,

facultando-se também, em seu bojo, realizar-se a partilha patrimonial.

Nesse sentido, o art. 1576 do Código Civil:

Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e

ao regime de bens.

Mas note-se que o vínculo matrimonial persiste.

Pessoas separadas não podem se casar novamente, pois o laço matrimonial ainda não fora

desfeito, o que somente será possível em caso de morte de um dos cônjuges ou de decretação do

divórcio.

Assim, é de clareza meridiana, estimado leitor, que o divórcio é infinitamente mais

vantajoso do que a simples medida de separação.

Sob o prisma jurídico, com o divórcio, não apenas a sociedade conjugal é desfeita, mas o

próprio vínculo matrimonial, permitindo-se novo casamento; sob o viés psicológico, evita-se a

duplicidade de processos – e o strepitus fori – porquanto pode o casal partir direta e imediatamente

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para o divórcio; e, finalmente, até sob a ótica econômica, o fim da separação é salutar, pois, com

isso, evitam-se gastos judiciais desnecessários por conta da duplicidade de procedimentos.

E o fato de a separação admitir a reconciliação do casal – o que não seria possível após o

divórcio, pois, uma vez decretado, se os ex-consortes pretendessem reatar precisariam se casar de

novo – não serve para justificar a persistência do instituto, pois as suas desvantagens são, como

vimos acima, muito maiores.

Nessa linha, a partir da promulgação da Emenda, desapareceria de nosso sistema o instituto

da separação judicial e toda a legislação, que o regulava, sucumbiria, por conseqüência, sem

eficácia, por conta de uma inequívoca não-recepção ou inconstitucionalidade superveniente8

Aliás, este entendimento, a par de gerar grave insegurança jurídica, resultaria no

desagradável equívoco de se pretender modificar uma situação jurídica consolidada segundo as

.

Note-se, no entanto, que as pessoas já separadas ao tempo da promulgação da Emenda

não podem ser consideradas automaticamente divorciadas.

Não haveria sentido algum.

8 PAULO LÔBO foi um dos primeiros juristas a analisar o impacto da nova Emenda em face de dispositivos do Código Civil:“A nova redação do § 6º do art . 226 da Constituição importa revogação das seguintes normas do Código Civi l, com efeitosex nunc : I –Caput  do art. 1.571, conforme já demonstramos, por indicar as hipóteses de dissolução da sociedade conjugalsem dissolução do vínculo conjugal, única via que a nova redação tutela. Igualmente revogada está a segunda parte do §2º desse artigo, que alude ao divórcio por conversão, cuja referência na primeira parte também não sobrevive. II – Arts.1.572 e 1.573, que regulam as causas da separação judicial. III – Arts. 1.574 a 1.576, que dispõem sobre os tipos e efeitosda separação judicial. IV – Art. 1.578, que estabelece a perda do direito do cônjuge considerado culpado ao sobrenome dooutro. V – Art. 1.580, que regulamenta o divórcio por conversão da separação judicial. VI – Arts. 1.702 e 1.704, quedispõem sobre os alimentos devidos por um cônjuge ao outro, em razão de culpa pela separação judicial; para o divórcio,a matéria está suficiente e objetivamente regulada no art. 1.694. Por fim, consideram-se revogadas as expressões“separação judicial” contidas nas demais normas do Código Civil, notadamente quando associadas ao divórcio. Algumas

normas do Código Civil permanecem, apesar de desprovidas de sanção jurídica, que era remetida à separação judicial. Éahipótese do art. 1.566, que enuncia os deveres conjugais, ficando contido em sua matriz ética. A alusão feita em algumasnormas do Código Civil à dissolução da sociedade conjugal deve ser entendida como referente à dissolução do vínculoconjugal, abrangente do divórcio, da morte do cônjuge e da invalidade do casamento. Nessas hipóteses, é apropriada eaté necessária a interpretação em conformidade com a Constituição (nova redação do § 6º do art. 226). Exemplifique-secom a presunção legal do art. 1.597, II, de concepção na constância do casamento do filho nascido nos trezentos diassubseqüentes à ‘dissolução da sociedade conjugal”, que deve ser lida e interpretada como dissolução do vínculo conjugal.Do mesmo modo, o art. 1.721 quando estabelece que o bem de família não se extingue com a “dissolução da sociedadeconjugal’.”  (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Divórcio: Alteração Constitucional e suas Conseqüências, disponível nohttp:/ / www.ibdfam.org.br/ ?artigos&artigo=570 acessado em 22 de dezembro de 2009).

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10

normas vigentes à época da sua constituição, sem que tivesse havido manifestação de qualquer das

partes envolvidas.

Ademais, é de bom alvitre lembrar que uma modificação assim pretendida – caída do céu –

culminaria por transformar o próprio estado civil da pessoa até então separada.

Como ficariam, por exemplo, as relações jurídicas travadas com terceiros pela pessoa até

então judicialmente separada?

À vista do exposto, portanto, a alteração da norma constitucional não teria o condão de

modificar uma situação jurídica perfeitamente consolidada segundo as regras vigentes ao tempo desua constituição, sob pena de se gerar, como dito, perigosa e indesejável insegurança jurídica.

Em outras palavras: a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional, as pessoas

  judicialmente separadas (por meio de sentença proferida9 ou escritura pública lavrada10) não se

tornariam imediatamente divorciadas, exigindo-se-lhes o necessário pedido de decretação do

divórcio para o que, por óbvio, não haveria mais a necessidade de cômputo de qualquer prazo.11

 9

Independentemente do seu trânsito em julgado, pois, com a prolação da sentença, esgota-se o ofício jurisdicional, noslimites do pedido e do thema decidendum.10 Neste último caso, nos termos da Lei 11.441 de 2007 (separação consensual administrativa).

Respeita-se, com isso, o próprio ato jurídico perfeito.

E o que dizer dos processos judiciais de separação em curso, ainda sem prolação de

sentença?

Neste caso, a solução, em nosso sentir, é simples.

11 Em sentido cont rário, a querida MARIA BERENICEDIAS escreve: “O avanço é significativo e para lá de salutar, pois atendeaos princípios da liberdade e respeita a autonomia da vontade. Afinal, se não há prazo para casar nada justifica aimposição de prazos para o casamento acabar. Com a alteração, acaba o instituto da separação. As pessoas que eramseparadas judicialmente passam ao estado civil de divorciadas. Além disso, a medida produzirá significativo desafogo doPoder Judiciário, pois todos os processos de separação automaticamente se transformarão em ação de divórcio” (Até que enfim..., texto disponível no: http:/ / www.ibdfam.org.br/ ?artigos&artigo=513  , acessado em 22 de dezembro de 2009).Na mesma linha do pensamento que defendemos, outrossim, PAULO LÔBO: “Os separados judicialmente (ouextrajudicialmente) continuam nessa qualidade, até que promovam o divórcio (direto), por iniciativa de um ou de ambos,mantidas as condições acordadas ou judicialmente decididas” (texto citado).

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11

Deverá o juiz oportunizar à parte autora (no procedimento contencioso) ou aos interessados

(no procedimento de jurisdição voluntária), mediante concessão de prazo, a adaptação do seu

pedido ao novo sistema constitucional, convertendo-o em requerimento de divórcio.

Nesse particular, não deverá incidir a vedação constante no art. 264 do CPC, segundo o qual,

“feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do

réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei. Parágrafo único. A

alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento

do processo”.

Isso porque não se trata de uma simples inovação de pedido ou da causa de pedir no cursodo processo, em desrespeito aos princípios da boa-fé objetiva e da cooperatividade, que impedem

seja uma das partes colhida de surpresa ao longo da demanda.

De modo algum.

O que sucede, em verdade, é uma alteração da base normativa do direito material discutido,

por força de modificação constitucional, exigindo-se, com isso, adaptação ao novo sistema, sob

pena de afronta ao próprio princípio do devido processo civil constitucional. 

Caso se recusem, ou deixem transcorrer o prazo concedido in albis, deverá o magistrado

extinguir o processo, sem enfrentamento do mérito, por perda de interesse processual

superveniente (art. 264, VI, CPC).12

 12 Certamente haverá os que defendam a extinção do feito, neste caso, por impossibilidade jurídica do pedido (deseparação). Mas, por coerência com o nosso pensamento anterior, no sentido da manutenção dostatus quo daqueles jáseparados judicialmente, reputamos mais lógico e razoável compreendermos, na hipótese, a ocorrência de uma perdasuperveniente de interesse processual. Até porque, quando da formulação do pedido, existia a sua possibilidade jurídica.Mas, sob um fundamento ou outro – pouco importa – o processo será extinto sem resolução do mérito.

Se, entretanto, dentro no prazo concedido, realizarem a devida adaptação do pedido,

recategorizando-o, à luz do princípio da conversibilidade, como de divórcio, o processo seguirá o seu

rumo normal, com vistas à decretação do fim do próprio vínculo matrimonial, na forma do novo

sistema constitucional inaugurado a partir da promulgação da Emenda.

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12

No âmbito dos divórcios e separações consensuais administrativos, disciplinados pela Lei n.

11. 441 de 2007, os tabeliães precisarão ficar atentos ao novo sistema, pois não deverão mais lavrar

escrituras públicas de separação, mantendo-se, obviamente, pelas razões expostas, aquelas já

formalizadas antes do advento da Emenda.

Faculta-se, outrossim, lavrarem atos de conversão de separação em divórcio, nos termos da

Resolução n. 35 do Conselho Nacional de Justiça:

“Art. 52. A Lei nº 11.441/ 07 permite, na forma extrajudicial, tanto o divórcio direto como a

conversão da separação em divórcio. Neste caso, é dispensável a apresentação de certidão

atualizada do processo judicial, bastando a certidão da averbação da separação no assento decasamento”.

Se, por equívoco ou desconhecimento, após o advento da nova Emenda, um tabelião lavrar

escritura de separação, esta não terá validade jurídica, por conta da supressão do instituto em nosso

ordenamento, configurando nítida hipótese de nulidade absoluta do acordo por impossibilidade

 jurídica do objeto (art. 166, II, CC).

3.3. Fm do Prazo de Separação de Fato para o Divórcio

Outra inovação é o fim do prazo de separação de fato para o divórcio direto.

Com a mudança determinada pela Emenda, não temos dúvida de que o Direito

Brasileiro converter-se-á em um dos mais liberais do mundo, para efeito de se permitir, com mais

imediatidade, a dissolução do vínculo matrimonial.

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Só para se ter uma idéia, vejamos o que se dá no Direito Alemão.

A legislação alemã estabelece duas condições para o divórcio:

a)  o casal estar separado de fato há pelo menos um ano, situação em

que deverá haver pedido conjunto dos cônjuges ou, ainda que o

pedido seja formulado por apenas um dos consortes, o outro consinta

ou

b)  estarem os cônjuges separados de fato há, pelo menos, três anos.

Afora essas situações, o casal somente poderá se divorciar se o fracasso da relação fordevidamente verificado pelo Tribunal.13

Além disso, este sistema europeu ainda mantém cláusula de dureza (Härteklausel): 

excepcionalmente, posto fracassado o casamento, não ocorrerá o divórcio, enquanto a manutenção 

do casamento for necessária à preservação do interesse das crianças (prejuízo evidente ao bem 

estar da criança). Também, por razões especiais, se o divórcio representar para o outro cônjuge 

dificuldade extraordinária, por conta de grave doença ou situação econômica, tiver o proponente de 

desistir da medida.

 

14 

“O direito português é hoje dos direitos europeus que, com maior amplitude, permite a

dissolução do casamento, tanto civil, como canônico, pelo divórcio. Além de admitir a separação

 judicial de pessoas e bens, quer litigiosa, quer consensual, ao lado do divórcio, o Código Civil faculta

Em Portugal, escreve ANTUNES VARELA:

13 Informações colhidas, segundo o original alemão, em tradução livre: “Um zu vermeiden, daβ das Gericht in jedem Fall –ggf im Wege einer Beweisaufnahme – in die Interna der Ehe eindrigen muβ, wird § 1565 Abs 1 durch zweiunwiderlegliche Vermutungen hinsichtlich des Scheiterns der Ehe ergänzt, nämlich zum einen dann, wenn die Eheleuteseit mindestens einem Jahr getrennt leben und beide die Scheidung beantragen bzw der eine Ehegatte dem Antrag desanderen zustimmt (§ 1566 Abs 1), zum anderen dann, wenn die Eheleute seit mindestens drei Jahren getrennt leben (§1565 Abs 2). Liegen diese Voraussetzungen nicht vor, kann die Ehe nur geschieden werden, wenn das Scheitern positivfestgestellt worden ist” . (VOPPEL, Reinhard, in Kommentar, Zum Bürgerlichen Geseztbuch mit Einführungsgesezt und Nebengesetzen – Eckpfeiler des Zivilrechts (J. Von Staudinger). Berlin: Sellier, 2008, pág. 1091)14 “Auch dann, wenn die Ehe gescheitert ist, darf eine Scheidung nicht erfolgen, wenn und solange die Aufrechterhaltungder Ehe ausnahmweise im Interesse minderjähriger Kinder der Ehegatten notwendig ist (deutliche Beeinträchtigung desKindeswohls); dasselbe gilt aus, wenn die Scheidung aus besonderen Gründen für den sie ablehnenden sheidungswilligenEhegatten ausnahmsweise zürucktreten müssen (schwere Krankheit eines Ehegatten, besondere wirtschaftliche Härte), §1568 (idem).

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14

tanto o divórcio litigioso (art. 1779), com grande largueza de fundamentação, como o divórcio por

mútuo consentimento, hoje quase sem nenhuns entraves à vontade comum dos cônjuges (art.

1175)”.15

“O divórcio fundado em ruptura da vida em comum pode ter como causa a separação de

facto por três anos consecutivos (art. 1781, al. a) ou a separação de facto por um ano se o divórcio

for requerido por um dos cônjuges sem a oposição do outro (art. 1781, al. b)”.

 

E, quanto ao prazo do divórcio no direito lusitano, assevera JORGEPINHEIRO:

16

Neste ponto, entretanto, uma pergunta poderá ser feita: é razoável não haver um prazo

mínimo de reflexão para que o casal amadureça o pedido de descasamento, impedindo assim que

Ora, com o advento da nova Emenda, estaremos à frente dos alemães e também dosportugueses.

No sistema inaugurado, pois, não só inexiste causa específica para a decretação do divórcio

(decurso de separação de fato ou qualquer outra) como também não atua mais nenhuma condição

impeditiva da decretação do fim do vínculo, tradicionalmente conhecida como “cláusula de dureza”.

Aliás, quanto a esta última cláusula, o próprio Código Civil de 2002 não havia mais repetido o

dispositivo constante no revogado art. 6 da Lei do Divórcio.

Em síntese: com a entrada em vigor da nova Emenda, é suficiente instruir o pedido de

divórcio com a certidão de casamento, não havendo mais espaço para a discussão de lapso

temporal de separação fática do casal ou, como dito, de qualquer outra causa específica de

descasamento.

Vigora, mais do que nunca, agora, o princípio da ruptura do afeto – o qual busca inspiração no

“Zerrüttungsprinzip” do Direito alemão (princípio da desarticulação ou da ruína da relação de afeto)

 – como simples fundamento para o divórcio.

15 VARELA, João de Mattos Antunes, Direito de Família, citado, págs. 487-488.16 PINHEIRO, Jorge. O Direito da Família Contemporâneo. Lisboa: AAFDL, Lisboa, 2008, pág. 620.

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15

uma simples briga, motivada por uma explosão emocional de momento, possa por fim ao enlace

conjugal?

Seria justa a solução da Emenda, no sentido de considerar o divórcio como o simples exercício

de um direito potestativo, não-condicionado, sem causa específica para o seu deferimento?

Certamente, muitos dos nossos leitores concluirão pelo desacerto da Emenda, uma vez que

não se afiguraria justo admitir-se o divórcio sem que se fixasse um período mínimo de separação de

fato, dentro do qual os consortes pudessem amadurecer a decisão de ruptura.

Mas, neste ponto, caberia uma outra pergunta: é mesmo dever do Estado estabelecer umprazo de reflexão?

Se a decisão de divórcio é estritamente do casal, não violaria o princípio da intervenção

mínima do Direito de Família, o estabelecimento coercitivo de um período mínimo de separação de

fato? Eque período seria este? Um ano? Por que dois?

Em nosso sentir, é correta a solução da Emenda, pois, como dito, a decisão de divórcio insere-

se em uma seara personalíssima, de penetração vedada por parte do Estado, ao qual não cabe

determinar tempo algum de reflexão.

Se o próprio casal resolve, no dizer comum, “dar um tempo” ou “acabar”, a opção é deles e

deriva da sua autonomia privada.

Hoje, então, com o novo sistema, temos o seguinte.

Se JOÃO REGINO se casa com DIVA e, dois meses depois, descobre que ela não é o amor de

sua vida (e isso acontece...), poderá pedir o divórcio.

Sem causa específica.

Sem prazo determinado.

Pede, simplesmente, porque não gosta mais.

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16

Ehá motivo mais forte do que este?

O que não convence é o argumento contrário à solução da Emenda, no sentido de que o não

estabelecimento de prazo conduziria a divórcios impensados, e, conseqüentemente, à

impossibilidade de retomarem o mesmo casamento.

Tais argumentos não convencem, primeiro, como já dito, pelo fato de que, se a decisão é

impensada ou não, ela é do casal, e não do Estado.

E, segundo, porque, se o casal, divorciado, resolve reatar, poderá, querendo, casar-se

novamente.

Afinal, não existe, na lei, o estabelecimento de um número mínimo de vezes em que o

mesmo casal possa se unir em matrimônio...

4.  Conclusões

Nessas breves linhas, cuidamos de passar em revista alguns aspectos fundamentais da

nova Emenda do Divórcio, a qual, fundamentalmente, suprime o instituto da separação judicial no

Brasil e extingue também o prazo de separação de fato para a concessão do divórcio.

Com isso, o divórcio converter-se-á na única medida dissolutória do vínculo e da

sociedade conjugal, não persistindo mais a tradicional dualidade tipológica em divórcio direto e

indireto.

Haverá apenas o divórcio: direito potestativo não-condicionado que visa à extinção do

vínculo matrimonial sem a imputação de causa específica.

Anotamos, ainda, que as pessoas separadas judicialmente, quando da entrada em vigor

da Emenda não se converterão, por um passe de mágica, em divorciadas. Eaquelas, cujo processode separação esteja em curso, terão a opção de adaptarem o seu pedido ao novo sistema do

divórcio, conforme, fundamentadamente, discorremos acima.

Diante de todo o exposto, temos que a nova Emenda abraça, mais do que nunca, a

perspectiva socioafetiva e eudemonista do Direito de Família, para permitir que os integrantes de

uma relação frustrada possam partir para outros projetos de vida.

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Ademais, não é papel do Estado criar obstáculos indesejados ou burocracias inúteis na

eterna busca da felicidade a que se lança todo ser humano em sua jornada terrena.

A não-intervenção do Estado, aliás, em questões atinentes ao matrimônio, fora sentida

inclusive em Estados socialistas, como observa ANTON MENGER, na monumental obra O Direito Cvil

e os Pobres, com a qual concluímos:

“Esta imparcialidad de la legislación ante El matrimonio, ha hecho que semejante

instituición haya ido relativamente poco combatido por el socialismo. Dado el modo de juzgar las

cosas, propio del socialismo, que se dirige á una radical transformación de la propiedad privada, á

primeira vista parecía que debía esperarse que rechasaze también la segunda instituición

fundamental del Derecho Privado: el matrimonio. Realmente, de las tres instituiciones

fundamentales de nuestra sociedad civil: propiedad privada, religión y matrimonio, llamadas por

Robert Owen la Trinidad de la desgracia (Trinity of Curse), la más combatida por la corriente

socialista es la propiedad; la religión es menos, y el matrimonio menos todavía. Este hecho puede

servir para confirmar la vedad antes indicada, de que los antagonismos sociales del presente, no

han sido provocados sólo por las idéias fundamentales de nuestro orden del derecho privado, sino

también, en la misma medida, por su carácter unilateral y parcial aplicación, lo cual es obra casi

exclusivamente de los jurisconsultos”.17

 17 MENGER, Anton. El Derecho Civil y Los Pobres. Granada: Editorial Comares, 1998, págs. 160-161.

Deixemos, pois, as questões do coração serem julgadas pelas próprias pessoas

envolvidas na relação de afeto.

Enão pelo Estado.

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BIBLIOGRAFIA

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Método, 2007.VARELA, João de Mattos Antunes, Direito de Família, citado, págs. 487-488.VOPPEL, Reinhard, in Kommentar zum Bürgerlichen Geseztbuch mit Einführungsgesezt und Nebengesetzen – Eckpfeiler des Zivilrechts (J. Von Staudinger). Berlin: Sellier, 2008.

Pablo Stolze Gagliano.