o acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...franco5, iniciada em março de 2018,...

12
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018 1 O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso midiático 1 Céres Santos 2 Márcia Guena 3 Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Resumo Neste artigo fazemos um estudo de caso comparativo de duas situações distintas, com o objetivo de identificar a presença ou ausência dos discursos das mulheres negras na grande mídia brasileira e nas redes sociais digitais, a partir de dados apurados na dissertação Mídia e educação: o discurso da imprensa no debate das Ações Afirmativas para negros/as, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), 2007, e de levantamentos da pesquisa, em execução, A mídia e a cobertura da execução da vereadora Marielle Franco. Além de contextualizar os dois casos, fizemos uma breve análise dos dados apresentados nessas duas pesquisas, da invisibilidade e visibilidade das narrativas das mulheres negras brasileiras na mídia. Palavras-chaves: acesso ao discurso midiático; mídia e mulheres negras; invisibilidade; cidadania; feminismos negros. Introdução Ao pesquisarmos sobre imprensa e políticas de Ações Afirmativas, recorrendo a cotas, para ampliar o acesso de negros/as ao Ensino Superior, em todas as publicações dos jornais Folha de São Paulo (SP), Jornal do Brasil (RJ), O Globo (RJ) e A Tarde (BA), no ano de 2001, identificamos não só o posicionamento desses mídias, mas, também, quem 1 Trabalho apresentado no GP DT 7 Comunicação, Espaço e Cidadania, GP Comunicação para a cidadania, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Discente do Curso de Doutorado Interinstitucional (Dinter) entre o Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM USP) e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Jornalista e docente no curso de Jornalismo em Multimeios da UNEB. E-mail: [email protected]. 3 Dra. pela Universidade de Conplutense/Espanha, docente no curso de Jornalismo em Multimeios da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestre em Integração da América Latina, pela USP.

Upload: others

Post on 03-Sep-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas das mulheres negras sobre o crime, nos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

1

O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso midiático1

Céres Santos2

Márcia Guena3

Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

Resumo

Neste artigo fazemos um estudo de caso comparativo de duas situações distintas, com o

objetivo de identificar a presença ou ausência dos discursos das mulheres negras na

grande mídia brasileira e nas redes sociais digitais, a partir de dados apurados na

dissertação Mídia e educação: o discurso da imprensa no debate das Ações Afirmativas

para negros/as, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do

Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), 2007, e de

levantamentos da pesquisa, em execução, A mídia e a cobertura da execução da

vereadora Marielle Franco. Além de contextualizar os dois casos, fizemos uma breve

análise dos dados apresentados nessas duas pesquisas, da invisibilidade e visibilidade das

narrativas das mulheres negras brasileiras na mídia.

Palavras-chaves: acesso ao discurso midiático; mídia e mulheres negras; invisibilidade;

cidadania; feminismos negros.

Introdução

Ao pesquisarmos sobre imprensa e políticas de Ações Afirmativas, recorrendo a cotas,

para ampliar o acesso de negros/as ao Ensino Superior, em todas as publicações dos

jornais Folha de São Paulo (SP), Jornal do Brasil (RJ), O Globo (RJ) e A Tarde (BA), no

ano de 2001, identificamos não só o posicionamento desses mídias, mas, também, quem

1 Trabalho apresentado no GP DT 7 – Comunicação, Espaço e Cidadania, GP Comunicação para a

cidadania, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º

Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Discente do Curso de Doutorado Interinstitucional (Dinter) entre o Programa de Pós-graduação em Comunicação da

Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP) e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Jornalista e docente no

curso de Jornalismo em Multimeios da UNEB. E-mail: [email protected].

3 Dra. pela Universidade de Conplutense/Espanha, docente no curso de Jornalismo em Multimeios da

Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestre em Integração da América Latina, pela USP.

Page 2: O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas das mulheres negras sobre o crime, nos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

2

teve acesso ao discurso midiático. Nesse sentido, a pesquisa identificou 370 matérias,

assim distribuídas:

Tabela 1 - Total de Matérias

Fonte – Tabela elaborada pelas autoras, a partir dos dados da pesquisa

Uma das tabelas dessa pesquisa quantificou as pessoas que se manifestaram sobre o tema,

nesses quatro jornais e, também, informou o gênero dessas pessoas e o lugar de fala, se

era institucional ou não.

Quadro 2 - Gênero das fontes das matérias/notícias

LUGAR/GÊNERO O Globo JB FSP A Tarde T0TAL

FEMININO

(INSTITUCIONAL)

12 15 12 01 40

FEMININO

(NÃO OFICIAL)

05 03 04 01 13

MASCULINO

(OFICIAL)

50 72 45 20 187

MASCULINO

(NÃO OFICIAL)

13 14 06 02 35

MOV. NEGRO

(FEMININO)

05 04 04 07 20

MOV. NEGRO

MASCULINO

07 05 13 08 33

OUTRAS FONTES*4 10 04 03 17

TOTAL DE

ENTREVISTADOS/AS

102 117 84 42 345

Fonte – Elaborada pelas autoras, a partir dos dados da pesquisa

4 Outras fontes referem-se, principalmente, a dados de pesquisas que serviram para a produção de algumas

dessas matérias.

Jornal Matérias

O Globo 175

Jornal do Brasil 88

Folha de São Paulo 65

A Tarde 42

TOTAL 370

Page 3: O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas das mulheres negras sobre o crime, nos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

3

Observa-se que de um total de 345 pessoas entrevistadas 53 foram mulheres brancas, 222

homens brancos, 33 homens negros e, apenas 20 mulheres negras. Desses dados

concluimos que, mesmo sendo o tema da entrevista – políticas de Ações Afirmativas -

um assunto também de interesse das mulheres negras, elas foram as menos ouvidas e as

que menos tiveram visibilidade de seus discursos e narrativas.

Já na pesquisa em andamento, A mídia e a cobertura da execução da vereadora Marielle

Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas

das mulheres negras sobre o crime, nos noticiários televisivos da Globo - Jornal da Noite,

de 14.3.2018 e Jornal Nacional de 15.3.2018 e os noticiários noturnos da Band nos dias

14.3.2018 e 15.3.2018. Essa pesquisa também acompanhou a incidência de matérias nas

redes sociais.

Dados preliminares da pesquisa

Total de matérias

PROGRAMA/

EMISSORA

14.3. 18

Total de matérias

Ordem de

apresentação

15.3.18

Total de matérias

Ordem de

Apresentação

JORNAL DA

GLOBO

13 matérias 1ª e penúltima

JORNAL

NACIONAL

8 matérias

1ª e última

5 A vereador carioca pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) foi brutalmente executada com quatro tiros na cabeça,

assim como seu motorista, Anderson Gomes com três tiros, também, na cabeça), na noite do dia 14 de março de 2018,

depois de sair do bairro central da Lapa, na cidade brasileira do Rio de Janeiro. Passados mais de quatro meses o caso

ainda não foi elucidado nem identificados os criminosos.

Page 4: O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas das mulheres negras sobre o crime, nos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

4

TEMPO DAS MATÉRIAS

PROGRAMA/ EMISSORA

14.3. 18 15.3.18 Duração da matéria %

JORNAL DA GLOBO 41 m

6m21s

(4m18s +

2m3s)

15%

JORNAL NACIONAL

50 m22s 36m19s

(35m05

+1m14s

)

74%

QUEM FALA (GÊNERO)?

PROGRAMA/

EMISSORA

14.3.2018

AUTORIDADES

M-F

QUEM SÃO? 15.3.2018

AUTORIDADES

M-F

QUEM SÃO?

JORNAL DA

GLOBO

3 HOMENS Dep. Do PSOL

Raul Julgmann

Prefeito Pezão

JORNAL

NACIONAL

Como a pesquisa ainda está sendo apurada não dispomos, ainda, de todos os resultados,

mas já observamos que:

• Os quatro telejornais fazem referência as manifestações da imprensa

Internacional;

• Mostram a indignação da irmã;

• Algumas representantes de instituições sociais foram entrevistadas;

• Houve uma intenção de isentar o Estado e a Polícia carioca;

• Coletiva do Ministro Raul Jungmann;

• Uso das imagens do carro em que Marielle Franco e Anderson foram executados;

• Poucas ativistas negras falam nas entrevistas.

Page 5: O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas das mulheres negras sobre o crime, nos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

5

Quando comparamos parte dos resultados das duas pesquisas citadas, com o objetivo de

identificar a presença ou ausência dos discursos das mulheres negras na grande mídia

brasileira e nas redes sociais digitais, observamos que a coleta de dados na internet

mostrou que a execução de Marielle Franco tornou-se o maior acontecimento político-

digital ocorrido no Brasil e que foi liderado por três mulheres negras de três gerações

diferentes: pela própria Marielle Franco, Elza Soares e Milena Martins. Essas mulheres

fizeram com que os disparos que vitimaram Marielle Franco, na noite de 14 de março,

reverberassem muito além do bairro carioca do Estácio, onde ela foi executada, ou mesmo

da cidade do Rio de Janeiro, onde era vereadora. A morte brutal de Marielle vereadora

rompeu fronteiras e somou um total de 3,573 milhões de tuítes. Nas 42 horas seguintes,

mobilizou 400 mil usuários do Twitter em 54 países e 34 idiomas.

Segundo dados apurados pelo Laboratório de Estudos de Internet e Cultura, o Labic, da

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), no dia posterior a morte da vereadora,

em 15 de março de 2018, pouco antes do início do seu velório, na Câmara Municipal do

Rio de Janeiro, foram publicados 522 tuítes por minuto. A hashtag mais usada no debate,

#mariellepresente, aparece em 44,7 mil postagens e foi listada nos trending topics do

Twitter no Brasil.

O fato surpreendeu os/as pesquisadores do Labic, pois o laboratório havia feito uma

pesquisa semelhante quando do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, aprovado

pela Câmara dos Deputados, em 2016. Na época, os pesquisadores identificaram 3,357

milhões de tuítes publicados sobre o tema ao longo de 72 horas. O impeachment

estabelecera um recorde em eventos políticos – porém foi quebrado pela reação ao

assassinato de Marielle Franco: 216 mil tuítes a mais e em menos tempo.

Uma outra diferença apontada pelo Labic foi na distribuição das publicações e o alcance

dos compartilhamentos entre os dois acontecimentos. Enquanto que no impeachment da

presidenta Dilma Rousseff os mapas evidenciavam dois grupos antagônicos centralizando

os debates no meio digital, agora, na execução da vereadora toda a parte central do gráfico

abaixo (LABIC, 2018 apud TOLEDO e MORAES, 2018) está dominada por veículos e

pessoas com algum tipo de ligação com meios de comunicação e que orbitaram em torno

do perfil “@mariellefranco”. Assim, o nome da vereadora tornou-se o nó central da trama

e é citado na maior parte dos tuítes. Segundo a matéria, as manchas laranja correspondem

a tuítes em inglês e a verde, espanhol, mostram o alcance internacional do assassinado de

Page 6: O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas das mulheres negras sobre o crime, nos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

6

Marielle Franco. Já as manchas em lilás e azul claro reúnem perfis de origens variadas,

como de pessoas desconhecidas, youtubers, celebridades e artistas.

Número de tuites sobre a execução de Marielli Franco

Fonte: Laboratório de Estudos de Iternet e Cultura da Universidade Federal do

Espirito Santo (LABIC, 2018 apud TOLEDO e MORAES, 2018)

Page 7: O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas das mulheres negras sobre o crime, nos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

7

Mapa com dados dos conteúdos dos debates sobre a execução de Marielle Franco

Fonte: Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV

DAPP, 2018)

Em outro levantamento, elaborado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da

Fundação Getúlio Vargas (FGV Dapp, 2018, apud COSTA, 2018) o caso do assassinato

da vereadora Marielle Franco recebeu 567,1 mil menções no Twitter em 19 horas - entre

às 22 horas da quarta-feira, dia 14 de março de 2018, minutos depois do crime e, às 17

horas do dia 15 de março de 2018, quinta-feira. Na noite de quarta-feira, foram registrados

594 tuítes por minuto sobre o tema. Em entrevista à BBC Brasil (COSTA, 2018) uma das

pesquisadoras responsáveis pelo levantamento, Ana Luisa Azevedo, informou que os

Page 8: O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas das mulheres negras sobre o crime, nos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

8

dados, quando relacionados ao tema ‘segurança’ apontam para um dos maiores picos

registrado em 2018, “quase tão grande quanto as menções à intervenção”.

Fonte: Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas

(FGV DAPP, 2018)

Mulheres negras e a mídia

Santos (2009) ao tratar de organizações de mulheres negras, explica que apesar de terem

uma base identitária comum, na contemporaneidade, na luta contra formas diversas de

opressão, elas têm especificidades e, mesmo assim, procuram formar redes internas, no

Brasil e na América Latina, por exemplo. Nesse sentido algumas instituições, a exemplo

Page 9: O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas das mulheres negras sobre o crime, nos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

9

da Geledés (SP), Criola (RJ), Odara (BA) e Flores de Dan (BA), têm na área da

comunicação um de seus focos de enfrentamento de várias exclusões, entre elas as que se

alicerçam no racismo e no sexismo.

No Instituto Odara, por exemplo, são desenvolvidas ações de formação em Educom para

que as mulheres negras se apropriem das Tecnologias da Informação e Comunicação

(TIC) como ferramentas de promoção dos discursos das mulheres negras nas redes sociais

e, com isso, estimular uma comunicação plural e democrática. A ong Flores de Dan, por

sua vez, foi criada em 2004 por um grupo de jornalistas negras dispostas a promover

ações voltadas para a democratização da Comunicação, como a criação de uma rede de

ativistas. Flores de Dan integrou o 1º Conselho de Comunicação da Bahia, em 2012 e a

Frente Baiana Pela Democratização da Comunicação. As referências servem para

evidenciar que as exclusões e representações negativas das mulheres negras nos meios de

comunicação fazem parte das preocupações e ações de ong’s brasileiras, formadas por

essas mulheres.

Ressaltamos que essas iniciativas têm como referência, os feminismos negros que para

Santos (2007), Carneiro (2003) e Collins (1990) tratam das narrativas e experiências das

mulheres negras que ao nascer são envolvidas por um contexto preexistente e estruturado

pelo racismo, sexismo, que as impelem ao ativismo político que, segundo Carneiro (2003)

também requer que os demais movimentos feministas compreendam e abracem as

demandas especificas das mulheres negras. Por conta dessa realidade Collins (1990)

sugere uma consolidação do pensamento feminista negro norte-americano, alicerçado em

uma teoria crítica centrada nas vivências e no ponto de vista das mulheres negras.

As duas pesquisas Mídia e educação: o discurso da imprensa no debate das Ações

Afirmativas para negros/as e A mídia e a cobertura da execução da vereadora Marielle

Franco, essa, ainda em desenvolvimento, mostram dados distintos sobre o acesso das

narrativas de mulheres negras na mídia e redes sociais. Enquanto a primeira evidencia a

invisibilidade do grupo, no universo de pessoas entrevistas para trataram sobre Políticas

de Ações Afirmativas, em quatro veículos de comunicação a segunda pesquisa mostra

que, mesmo ainda inconclusa, três mulheres negras: Marielle Franco, 38 anos, Elza

Soares, 80, e Milena Martins, 17, impulsionaram o que se transformou no maior

acontecimento político-digital do país.

Importante salientarmos que, até a sua execução, a vereadora não tinha inserção na grande

mídia nacional, mesmo tendo sido a quinta candidata mais votada do Rio de Janeiro nas

Comentado [Mgds1]: FALTA O ANO PARA CADA UMA

DESSAS PESQUISAS. VER SE ESTÁ NA REFERENCIA FINAL

Page 10: O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas das mulheres negras sobre o crime, nos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

10

eleições de 2016, com 46.502 votos, para ocupar uma das vagas da Câmara Municipal,

em sua primeira disputa eleitoral, pelo PSOL. As ideias e identidades políticas de

Marielle, não se alinhavam com as dos grandes grupos de comunicação do país. Por isso,

era invisibilizada pelos meios de comunicação, que recorriam a mesma prática usada para

evitar as narrativas de outras mulheres negras, como vimos na pesquisa Mídia e educação:

o discurso da imprensa no debate das Ações Afirmativas para negros/as.

Mas a notícia do assassinato da vereadora promoveu uma mudança radical, pontual e

rápida nessa realidade. Levou, por exemplo, a cantora carioca Elza Soares, 80 anos, a

postar no Twitter o seguinte texto, um dos mais lidos e curtidos (41 mil), às 0h45, do dia

15 de março de 2018: “Das poucas vezes que me faltam voz. Chocada. Horrorizada. Dessa

forma me mata mais. Mulher negra, lésbica, ativista, defensora dos direitos humanos.

Marielle Franco, sua voz ecoará entre nós. Gritemos”.

A mesma notícia também indignou a jovem carioca Milena Martins, 17 anos, que não

teve recursos para participar das homenagens póstumas a vereadora. A jovem é negra, é

ativista, reside em Queimados, na Baixada e é dona do perfil @badgcat - com pouco mais

de mil seguidores. Milena foi a autora do tuíte mais citado após o assassinato da vereadora

do PSOL: “Marielle morreu dps de denunciar abuso dos militares e a galera tá falando

“morreu pelas mãos bandidos que ela defende”. acho que ela morreu pelas mãos dos

bandidos que você defende, amigo”.6 Mais de 33 mil retuítes transformaram Milena no

segundo nó mais importante da rede formada a partir da execução de Marielle. O primeiro

nó foi o da própria vereadora.

Considerações Finais

Neste breve estudo de caso comparativo de duas pesquisas/situações com o objetivo de

identificar a presença ou ausência dos discursos das mulheres negras em quatro veículos

de comunicação da grande mídia brasileira, a partir de dados apurados na dissertação

Mídia e educação: o discurso da imprensa no debate das Ações Afirmativas para

negros/as, e a presença singular de três mulheres negras nas redes sociais digitais,

apontada pela pesquisa em andamento, A mídia e a cobertura da execução da vereadora

Marielle Franco, pudemos constatar que a mudança brusca da invisibilidade para a

6 Fonte: http://piaui.folha.uol.com.br/marielle-bate-impeachment-em-alcance-no-twitter/

Page 11: O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas das mulheres negras sobre o crime, nos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

11

visibilidade massiva foi decorrente de um fato pontual: a execução da vereadora Mariele

Franco e não de um processo mais consistente de mudança de comportamento dos meios

de comunicação ou resultado de processos de exercício de cidadania. Inclusive, os dados

parciais da cobertura do caso, em duas emissoras de televisão, já sinalizam para a ausência

das mulheres negras entrevistadas.

Também observamos que o enfrentamento do racismo, do sexismo, das representações

negativas de homens e mulheres negras nos meios de comunicação está na pauta de

algumas ong’s de mulheres negras brasileiras que fazem ativismo por meio das redes

sociais. Dessa forma, promovem a divulgação de seus discursos e narrativas pautadas nos

feminismos negros em busca do acesso a cidadania e direitos humanos.

Referencial Bibliográfico

CARNEIRO, Sueli. Mulheres em Movimento. 2003. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142003000300008&script=sci_arttext.

Acesso em: 12.01.2016.

COLLINS, Patrícia Hill. Black feminist thought: knowledge, consciousness, and the

politics of empowerment. New York/London: Routledge, 2000.

COSTA, Camila. Por que o assassinato de Marielle virou palco de batalha ideológica

nas redes. Uol Notícias, 2018. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-

noticias/bbc/2018/03/16/por-que-o-assassinato-de-marielle-virou-palco-de-batalha-

ideologica-nas-redes.htm?cmpid=copiaecola&cmpid=copiaecola. Acesso em:

21.03.2018.

DAN, Flores de. Blog: http://floresdedan.blogspot.com.br/. Acesso em: 15.08.2017.

ODARA, Instituto. Site: http://institutoodara.org.br/. Acesso em 20.08.2017.

SANTOS, Céres. Mídia e educação: o discurso da imprensa no debate das Ações

Afirmativas para negros/as. Dissertação apresentada no Departamento de Eucação

Mestrado em Educação e Contemporaneidade da UNEB, 2007.

__________. A mídia e a cobertura da execução da vereadora Marielle Franco.

Pesquisa em desenvolvimento, na UNEB, 2018.

SANTOS, Márcia Guena. A mídia e a cobertura da execução da vereadora Marielle

Franco. Pesquisa em desenvolvimento, na UNEB, 2018.

Page 12: O acesso de mulheres negras brasileiras ao discurso ...Franco5, iniciada em março de 2018, observa-se a presença ou ausência das narrativas das mulheres negras sobre o crime, nos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

12

SANTOS, Sonia Beatriz dos. As Ong’s de mulheres negras no Brasil. Revista

Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 12, n. 2, p. 275-288, jul./dez. 2009, p. 275-280.

________. Feminismo negro diaspórico. Revista Gênero, vl.8, no1, 2007. p. 11-26.

TOLEDO, José Roberto de. MORAES, Kellen. Piaui – Anais da Violência, 2018.

Marielle bate impeachment no twitter. Disponível em:

http://piaui.folha.uol.com.br/marielle-bate-impeachment-em-alcance-no-twitter/. Acesso

em: 20.03.2018.

FGV – Fundação Getúlio Vargas. Intervenção Federal no Rio soma mais de 626

menções no Twitter, mostra pesquisa da FGV, DAPP. Disponível em:

http://dapp.fgv.br/intervencao-federal-no-rio-soma-mais-de-626-mil-mencoes-no-

twitter-mostra-pesquisa-da-fgv-dapp/. Ac e s s o e m : 2 1 . 0 3 . 2 0 1 8 .

E N C O

E S - N O