mulheres negras: sofrimento psÍquico causado pelo … · mulheres negras a partir do racismo...

21
MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL Adriana Pedrosa Barbosa 1 Dasyelle Marques dos Santos 2 Gleiciane Ramos de Freitas Silva 3 Isaac Alencar Pinto 4 RESUMO Esse artigo debruça-se sobre o sofrimento psíquico causado pelo racismo estrutural no Brasil e como a população negra é afetada desde a época da escravidão até os dias atuais. Os objetivos desse trabalho consistem em: conceituar a identidade e suas repercussões nas mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais e o direito a saúde mental das mulheres negras brasileiras e a formação das (os) psicólogas (os) no combate ao racismo estrutural no Brasil. Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, de natureza qualitativa, realizada através de revisão bibliográfica a partir de publicações científicas nacionais nas bases de dados do: SciELO, BVS e livros que abordam a temática. Os resultados deste estudo apontaram que as mulheres negras no Brasil, são as que mais sofrem tanto pelo racismo como pelo sexismo. O racismo estrutural perpassa pelos campos: cultural, econômico, jurídico e político, constituindo um dos grandes entraves persistentes na sociedade brasileira, que interfere diretamente nas relações sociais. É necessária uma melhor assistência à saúde da mulher negra e o Sistema Único de Saúde (SUS) tem um papel fundamental na promoção de ações e serviços que proporcionem o devido cuidado. Observar-se que há uma necessidade dos (as) psicólogos (as) desenvolverem mais estudos voltados às relações raciais e suas repercussões na população negra, bem como, incentivar mais discussões, conscientizando a sociedade sobre esta temática complexa que ainda hoje provoca desigualdades e sofrimento no Brasil. Palavras-chave: mulheres negras; sofrimento psíquico; racismo estrutural; sexismo; psicologia. ABSTRACT This article descrive about at psychical suffering caused by structural racism in Brazil and how the black population is affected since the time of slavery until today . Have as objetives: conceptualize the identity and the repercussions on black women coming from the structural racism in Brazil; the psychical suffering caused by the psychosocial aspects and the right to 1 Graduanda em Psicologia no Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU). E-mail: [email protected] 2 Graduanda em Psicologia no Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU). E-mail:[email protected] 3 Graduanda em Psicologia no Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU). E-mail: [email protected] 4 Graduado em Psicologia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Professor do curso de Psicologia no Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU). E-mail: [email protected]

Upload: others

Post on 07-Jul-2020

5 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO RACISMO

ESTRUTURAL NO BRASIL

Adriana Pedrosa Barbosa1

Dasyelle Marques dos Santos2

Gleiciane Ramos de Freitas Silva3

Isaac Alencar Pinto4

RESUMO

Esse artigo debruça-se sobre o sofrimento psíquico causado pelo racismo estrutural no Brasil

e como a população negra é afetada desde a época da escravidão até os dias atuais. Os

objetivos desse trabalho consistem em: conceituar a identidade e suas repercussões nas

mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a

partir dos aspectos psicossociais e o direito a saúde mental das mulheres negras brasileiras

e a formação das (os) psicólogas (os) no combate ao racismo estrutural no Brasil. Trata-se de

uma pesquisa exploratória e descritiva, de natureza qualitativa, realizada através de revisão

bibliográfica a partir de publicações científicas nacionais nas bases de dados do: SciELO, BVS

e livros que abordam a temática. Os resultados deste estudo apontaram que as mulheres

negras no Brasil, são as que mais sofrem tanto pelo racismo como pelo sexismo. O racismo

estrutural perpassa pelos campos: cultural, econômico, jurídico e político, constituindo um dos

grandes entraves persistentes na sociedade brasileira, que interfere diretamente nas relações

sociais. É necessária uma melhor assistência à saúde da mulher negra e o Sistema Único de

Saúde (SUS) tem um papel fundamental na promoção de ações e serviços que proporcionem

o devido cuidado. Observar-se que há uma necessidade dos (as) psicólogos (as)

desenvolverem mais estudos voltados às relações raciais e suas repercussões na população

negra, bem como, incentivar mais discussões, conscientizando a sociedade sobre esta

temática complexa que ainda hoje provoca desigualdades e sofrimento no Brasil.

Palavras-chave: mulheres negras; sofrimento psíquico; racismo estrutural; sexismo;

psicologia.

ABSTRACT

This article descrive about at psychical suffering caused by structural racism in Brazil and how the black population is affected since the time of slavery until today. Have as objetives: conceptualize the identity and the repercussions on black women coming from the structural racism in Brazil; the psychical suffering caused by the psychosocial aspects and the right to

1 Graduanda em Psicologia no Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU). E-mail: [email protected]

2 Graduanda em Psicologia no Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU). E-mail:[email protected]

3 Graduanda em Psicologia no Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU). E-mail: [email protected] 4 Graduado em Psicologia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de

Pernambuco (UFPE), Professor do curso de Psicologia no Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU). E-mail:

[email protected]

Page 2: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

2

mental health of the brasilian black women and the formation of psychologists in the combat against the structural racism in Brazil. This is about a exploratory and descriptive search, of qualitative nature, realized per a bibliographic review, from national Scientific publications in the datebase of: SciELO, BVS and books that approach this theme. The results of this study have pointed that the black women suffer more because of the racism and sexism. The structural racism run through this areas: cultural, economic, juridical and politic, constituting one of the bigs persistents barriers in the brasilian society, interfering directly in the social relations. It is necessery a better assistance of a black women health and the Sistema Único de Saúde (SUS) has a fundamental role in the promotion of actions and services that provide the right care. It is observed that there is a necessity of psychologists develop more studies about the social relations and their repercussions in the black population, as well, encourage more discussions to aware the society about this complex theme that still today cause inequality and suffering for Brazil. Keywords: black Women; psychical suffering; structural racism; sexism; psychology.

INTRODUÇÃO

As mulheres negras são alvo de inúmeras violências no Brasil, convivendo com

o racismo estrutural, mantenedor de diversas formas de opressão de corpos e

subjetividade. Diante disso, trazemos para a discussão o fazer da psicologia enquanto

ciência e profissão como um veículo de ressignificação de pressupostos e ideias

cristalizadas na sociedade. Apontamos assim a formação das (os) psicólogas (os) no

combate ao racismo estrutural como forma de tentativa de superação desse

sofrimento.

Desta forma, o artigo possue como objetivos: conceituar a identidade e suas

repercussões nas mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o

sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais, o direito a saúde

mental das mulheres negras brasileiras e a formação das (os) psicólogas (os) no

combate ao racismo estrutural no Brasil.

O presente estudo é uma pesquisa exploratória e descritiva, caracteriza-se pela

natureza qualitativa, realizada através de revisão bibliográfica a partir de publicações

científicas nacionais na base de dados: SciELO, BVS e livros que abordam a temática.

De acordo com Raupp e Beuren (2006) a pesquisa qualitativa analisa a complexidade

do fenômeno de natureza psicossocial com a finalidade de demonstrar dados não

mensuráveis numericamente. Há uma escassez em relação a esta temática, portanto,

a pesquisa exploratória visa tornar mais compreensível à construção do debate.

Page 3: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

3

Abordaremos o racismo estrutural como um processo histórico que perpassa

pelo aspecto individual e institucional, que está entrelaçado nas relações sociais e

evidenciado em diversas áreas: política, jurídica, econômica, familiar e na área da

saúde. Neste sentido, o preconceito e a discriminação constituem desigualdades

sociais, que provocam sofrimento e se manifestam entre os grupos étnicos raciais,

entre estes grupos estão as mulheres negras.

De acordo com as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE), em 2018, na educação as mulheres de 25 anos ou mais de idade com ensino

superior completo são 23,5% de mulheres brancas e apenas 10,4% de mulheres

pretas ou pardas. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2019), entre

2005 e 2015, a cada 100 vítimas de homicídio 71 são negros e 65% são mulheres

negras.

As mulheres são as que apresentam dupla jornada, se dividindo entre o

trabalho fora e dentro de casa. Em pesquisa realizada pelo IBGE no ano de 2016, as

mulheres dedicaram-se aos afazeres domésticos e aos cuidados de pessoas,

aproximadamente 73% a mais de horas que os homens. O recorte por raça indica que

mulheres pretas ou pardas foram as que mais se dedicaram, registrando 18,6 horas

semanais. Já em relação aos cargos gerenciais, em 2016, 60,9% dos cargos

gerenciais eram ocupados por homens e apenas 39,1% pelas mulheres (IBGE, 2018).

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2018) a desigualdade

entre homens pretos e pardos e as mulheres pretas e pardas era ainda maior em

relação aos homens brancos e mulheres brancas. Apesar das mulheres constituírem

mais da metade da população brasileira, ainda são hierarquicamente inferiorizadas e

necessitam de políticas e ações eficazes para redução das desigualdades de gênero

e raça.

1 CONCEITUANDO A IDENTIDADE E SUAS REPERCUSSÕES NAS MULHERES

NEGRAS A PARTIR DO RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL

A identidade é algo que o ser humano está sempre construindo, pois faz parte

do processo da sua existência. Não há um consenso na definição de identidade,

porém existem autores que desenvolveram estudos sobre o tema, cada um

conceituando a identidade a partir da sua perspectiva (CIAMPA, 1984).

Page 4: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

4

De acordo com Ciampa (1984) a maioria das ciências sociais afirma que a

identidade do ser humano é um fenômeno social e não apenas algo natural, desta

forma constata-se que a identidade necessita de um processo de construção. As

características de um indivíduo fazem parte do processo de construção da sua

identidade, tais características são: biológicas, psicológicas, sociais, entre outros.

Essas características identificam e representam o indivíduo simbolicamente

expressando a sua identidade.

A teoria social discute amplamente a questão da identidade. As identidades que

por um determinado tempo estabeleciam o mundo social estão em conflito,

ocasionando o surgimento de novas identidades e tornando o sujeito moderno em um

indivíduo unificado. Logo, a crise de identidade faz parte de um processo extenso e

passível a mudanças que desintegram as estruturas e processos da sociedade

moderna aniquilando as referências que davam estabilidade aos indivíduos no mundo

social (HALL, 2006).

Vários conceitos foram desenvolvidos em relação a identidades sociais, entre

elas a identidade cultural. A identidade cultural refere-se aos aspectos de nossas

identidades, tais como: as culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e nacionais

que vão surgindo a partir do nosso pertencimento (HALL, 2006).

Segundo Santos (2013) a identidade cultural dos negros brasileiros é

construída a partir da escravidão no Brasil que teve início na metade do século XVI.

Nesse sentido, os portugueses escravizaram os índios com a pretensão de utilizá-los

na mão-de-obra escrava nos engenhos de açúcar do Nordeste, mas os índios

adoeciam e prejudicavam a produção. A partir de então os portugueses começaram a

trazer os negros de suas colônias da África para utilizar como mão-de-obra escrava.

Os negros eram conduzidos da África para o Brasil nos porões de navios

negreiros e quando desembarcavam eram comercializados, sendo expostos como

mercadorias para o trabalho escravo. Produziam muito e suas retribuições eram

roupas e alimentações de péssima qualidade, passavam as noites nas senzalas

acorrentados para evitar fugas e eram castigados fisicamente, sendo o açoite a

punição mais comum no Brasil Colônia (SANTOS, 2013).

De acordo com Santos (2013) os negros eram proibidos de praticar sua religião,

realizar festas e rituais africanos. Eram obrigados a seguir a religião católica e a adotar

Page 5: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

5

a língua portuguesa para se comunicarem. Para alcançar uma vida digna em busca

da liberdade resistiam ao poder dos portugueses, realizavam fugas das fazendas e

formavam grupos nas florestas, conhecidos como quilombos.

Os quilombos eram compostos pelos negros que em sua maioria eram

escravos de descendência africana ou brasileira e por grupos remanescentes de

indígenas, mulatos, cafuzos e mamelucos. Eram comunidades organizadas para que

pudessem praticar sua cultura, como: os rituais religiosos, a língua, suas festas,

representações artísticas e a capoeira. Entre os quilombos o mais conhecido era

Quilombo dos Palmares comandado pelo Zumbi dos Palmares (SANTOS, 2013).

Atualmente Zumbi ainda é considerado um símbolo de resistência do povo

negro no combate à discriminação racial e exemplo na busca da igualdade social, que

trouxe à liberdade e a força aos negros para resistir contra o racismo (SANTOS, 2013).

Segundo Reis (2005) o Brasil foi o último país a abolir a escravidão, a partir de

então foram criados estereótipos para os negros que permanecem até os dias atuais,

e dão origem ao discurso, à reflexão e aos estudos sobre o psiquismo do negro.

Alguns desses estereótipos, que constituem a identidade cultural do povo negro são

a superpotência sexual, o feio, o exótico, o ruim, o irracional e o sujo. Geralmente

representados de forma exótica e caricata, esteticamente e intelectualmente inferiores

e de caráter duvidoso.

De acordo com Ferreira e Camargo (2011), a partir destas características

estabelecidas ao longo do tempo o branco-europeu passou a ser considerado como

um ser superior e o negro passou a ser considerado inferior aos brancos. Aqueles que

se assemelham as características físicas semelhantes do tipo branco tendem a ser

mais valorizadas e ter mais privilégios, já às pessoas mais semelhantes das

características do tipo negro tendem a ser desvalorizadas e discriminadas.

Entretanto, no Brasil quando a questão são os mestiços, podemos considerá-

los negros ou brancos, pois a percepção de si mesmo é comparada com a identidade

racial e pode ser diferenciada da visão do outro. Esse fato torna o processo de

identificação racial complexo em nosso país (FERREIRA; CAMARGO, 2011).

Ferreira e Camargo (2011) refletem sobre os adjetivos ofensivos relacionados

às características fenotípicas das pessoas negras. Deste modo, os indivíduos negros

Page 6: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

6

tendem a desqualificar as características da sua negritude e passam a valorizar a

estética relacionada às características de pessoas brancas, geralmente consideradas

como o modelo de padrão de beleza socialmente ideal.

Outro fator importante para essa identificação é a classe social. O modo de vida

das pessoas pode ser um fator importante para a classificação da raça, principalmente

em relação aos afrodescendentes, que no caso do mestiço com características negras

e condições socioeconômicas elevadas pode ser considerado branco, enquanto outra

pessoa com as mesmas características, mas com as condições socioeconômicas

inferior pode ser considerado negro (FERREIRA; CAMARGO, 2011).

Neste sentido, Almeida (2018) afirma que é necessário inspecionar as

concepções sobre racismo e raça que foram constituídas pela teoria social para que

se obtenha uma melhor compreensão sobre os problemas relacionados à raça

existentes na sociedade.

O termo raça tem sua origem a partir do século XVII, mas somente no século

XIX este termo foi usado para esclarecer as diferenças fenotípicas existentes entre os

seres humanos, demarcando relações de domínio político-cultural de um grupo

superior ao outro (SANTOS; MARQUES, 2012).

Santos e Marques (2012) afirmam que alguns teóricos discutem sobre a

inexistência de raças humanas, ou seja, eles constatam que só existe uma raça, e

essa raça é “a raça humana”, não existindo subgrupos. Dessa forma, o significado

biológico do termo raça está transpassando por ressignificações, por intermédio do

movimento negro brasileiro e das ciências sociais.

Silva e Soares (2011) entendem raça como um processo de classificação dos

seres humanos, no qual as características físicas e biológicas das pessoas explicam

e definem as capacidades psicológicas, intelectuais e morais entre as diversas raças.

Apesar da comprovação da inexistência das raças humanas, este termo continua

sendo utilizado na política para fundamentar desigualdades sociais. O termo raça é

utilizado como uma categoria das espécies dos seres vivos pela ciência biológica,

todavia, é utilizado pelo senso comum para determinar grupos étnicos a partir de suas

características fenotípicas.

Page 7: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

7

Os grupos étnicos seriam uma coletividade de indivíduos cuja diferença se dá

por sua especificidade sociocultural que perpassa sua maneira de agir, sua religião e

sua língua. Portanto, pode ser considerada como uma parte da construção social do

indivíduo, ou seja, compartilham uma história em comum se reconhecendo como um

povo (SILVA; SOARES, 2011).

A partir dessas considerações, discutiremos três conceitos que fundamentam

a ideia do racismo estrutural, tais conceitos são: racismo, preconceito racial e

discriminação racial. O racismo é uma manifestação regida por práticas inconscientes

ou conscientes que podem resultar em privilégios e desvantagens, dependendo do

grupo racial em que o ser humano está inserido (ALMEIDA, 2018).

De acordo com Almeida (2018, p. 25) “o preconceito racial é o juízo baseado

em estereótipos acerca de indivíduos que pertençam a um determinado grupo

racionalizado, e que pode ou não resultar em práticas discriminatórias”.

Segundo Gaudio (2019), discriminação racial é uma segregação intencional a

determinados grupos que envolvem poder e dominação. Desta forma, temos a

discriminação direta e indireta. A discriminação direta afeta indivíduos ou grupos pela

condição racial, tendo como alvo um único vetor. A discriminação indireta atinge

grupos minoritários, sendo as mulheres negras pertencentes a estes grupos, que são

ignorados.

A discriminação e o preconceito estão inteiramente interligados ao racismo,

apesar de serem termos distintos. O racismo desencadeia a discriminação racial e

desta forma constitui privilégio que se manifesta entre os grupos étnicos e se propaga

pelos espaços institucionais, econômicos e políticos (GAUDIO, 2019).

De acordo com Almeida (2018) existem três concepções que perpassam pela

estrutura da sociedade brasileira, constituindo o racismo estrutural no país, sendo

elas: individualista, institucional e estrutural.

A concepção individualista se constitui como uma patologia que permeia na

sociedade e está inteiramente ligada ao preconceito. Desta forma, refere-se apenas

ao indivíduo que cometeu o ato isoladamente ou até em grupo, contudo, sem refletir

que em tal atitude há uma reprodução de violência (ALMEIDA, 2018).

Na concepção institucional Almeida (2018), afirma que o racismo não se

resume a comportamentos individuais, mas é tratado como o resultado do

Page 8: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

8

funcionamento das instituições, que passam a atuar em uma dinâmica que confere,

ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios a partir da raça.

O racismo estrutural está presente em todos os aspectos sociais,

estabelecendo desigualdades que perpassam pela estrutura da sociedade brasileira,

constituindo-se nas áreas políticas, jurídicas, econômicas, familiares e que se

manifesta nas relações sociais (ALMEIDA, 2018).

Neste sentido, Bersani (2018) pensa o racismo estrutural como um sistema de

opressão que percorre por vários âmbitos das relações sociais, sendo naturalizado

pela sociedade. Transcende o âmbito institucional, fundamentando-se na essência da

sociedade, sendo capaz de recriar e reproduzir desigualdades e privilégios entre as

raças.

De fato, o racismo estrutural é nítido e não demanda grande esforço para ser visualizado. Ele está difundido na sociedade, na ordem social vigente e a serviço dos privilégios que demarcam as classes sociais. Enfrentá-lo é uma forma de discriminação positiva e necessária, e não um racismo na mesma intensidade, ao contrário do que muitos dizem, pois trata-se da busca por mecanismos que promovam a desconstrução da ideologia que se traduz em inúmeras práticas discriminatórias diariamente, chancelando a exclusão de um grupo social específico (BERSANI, 2018, p.194).

Ao estabelecermos estas reflexões podemos compreender que o sistema

escravista não é mais o único responsável pela existência do racismo no Brasil no

século XXI. O capitalismo e o Estado estão relacionados à desigualdade social e

racial, pois são construídas e estão sobre o poder de um grupo dominante. Tendo em

vista os seguintes elementos: as formas sociais de mercado, liberdade e igualdade,

dinheiro, finanças e propriedade privada. Todos esses fatores estabelecem o racismo

estrutural através das relações sociais e econômicas, entretanto, mesmo que o negro

ascenda socialmente ainda irá sofrer racismo (BATISTA, 2018).

Outra forma de legitimação do racismo está nas representações da população

negra e suas complexidades, indicam uma construção formulada historicamente no

sentido de vigilância ao corpo e de aprisionar sua identidade social, a partir de

discursos construídos e inventados com intuito de preservar hierarquias sociais. A

população negra possui representatividades negativas que são prejudiciais para as

relações étnico-raciais desfigurando as identidades individuais e de grupo,

ocasionando sofrimento o (FERNANDES; SOUZA, 2016).

Page 9: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

9

Nesse sentido, entende-se que a mulher negra cotidianamente é influenciada

por esse sistema opressor, sendo o corpo dessas mulheres negras visto de forma

diferente dos homens negros. No período da escravidão havia a comercialização do

corpo da mulher negra, entretanto, atualmente este corpo é apresentado para ser

consumido (GILLIAM; GILLAM, 1995).

Deste modo, foram estabelecidos estereótipos para as mulheres negras, nos

quais o seu corpo foi objetificado. A mulher mais jovem era reconhecida como “mulata”

e seu corpo representava o símbolo da sexualidade enquanto a mulher mais velha era

conhecida como “mãe preta”, a qual exercia os trabalhos domésticos (LINHARES,

2015).

As mulheres negras foram marcadas pelo estigma da escravidão sendo

designados para elas trabalhos mal qualificados e que não tem acesso à educação.

As diferenças de gênero e de raça refletem em seus papeis sociais e suas

representações são determinadas por vestígios do racismo e sexismo (SILVA, 2009).

Segundo Teixeira e Queiroz (2017) a consequência da mistura de diversos

povos foi construída socialmente pela violência sexual e psicológica que as mulheres

negras e indígenas sofriam, sendo usadas como objetos, para a satisfação sexual e

para realização da ideia de embranquecimento da raça. Com a prática dessa violência

as mulheres negras foram invizibilizadas e supersexualizadas.

Linhares (2015) compreende que estas representações justificaria o assédio, a

objetificação, a posição submissa e socioeconômica da mulher negra, trazendo o

sofrimento causado por esses estereótipos vivenciados por essas mulheres até os

dias atuais. Tais representações legitimam diversas formas de violências sofridas por

essas mulheres.

O patriarcado idealizou um padrão de beleza para à sociedade que

consequentemente afetou a população negra, ocasionando a negação da sua

identidade. Para as mulheres negras a reprodução social e a falta de reconhecimento

da sua raça é humilhante, pois faz com que elas busquem alternativas diferentes com

a finalidade de ser o outro, tendo em vista o padrão de beleza imposto. A violência

contra a mulher negra é materializada, também, a partir da estética. A desvalorização

estética relacionada aos traços fenotípicas é mais um dos vários elementos que

trazem à desvalorização das mulheres negras (TEIXEIRA; QUEIROZ, 2017).

Page 10: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

10

A “ditadura da beleza” demanda um padrão a ser seguido, por exemplo: seus

cabelos têm que ser loiros lisos ou platinados e impõe que a maioria dessas mulheres

passe por esse processo de negação da sua identidade (TEXEIRA E QUEIROZ,

2017). Diante do exposto, seguiremos abordando o sofrimento psíquico e os fatores

que impedem a devida assistência à saúde mental destas mulheres.

2 O SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO A PARTIR DOS ASPECTOS

PSICOSSOCIAIS E O DIREITO À SAÚDE MENTAL DAS MULHERES NEGRAS

BRASILEIRAS

No Brasil, a população negra tem sofrido constantemente com uma maior

exposição ao adoecimento, consequência de um histórico de abstenção dos direitos

humanos. Em relação à saúde das mulheres negras, foi constatada a ineficácia em

relação aos programas do governo para prevenção e cuidado a saúde, além da junção

ao sexismo e o racismo institucional (SANTOS, 2012).

O racismo e o sexismo têm causado danos para a saúde psíquica das mulheres

negras, podendo acarretar dificuldades na manifestação da afetividade relacionada

aos vínculos amorosos e familiares. Os contextos de opressão, colonialismo, racismo,

entre outros também são potencializadores da vulnerabilidade desse sofrimento

psíquico (SANTOS, 2012).

Nessa direção, observam-se inúmeras violências contra as mulheres negras,

as quais são submetidas a constantes situações que colocam em risco sua saúde

psíquica e física, permanecendo sozinhas em suas lutas e dores. Essa solidão é

percebida em vários âmbitos e possuem diversos significados, como a relação entre

a solidão, à sexualidade e o racismo, já que a objetificação do corpo destas mulheres

está relacionada às concepções racistas, que se estruturam como algo natural,

reproduzidos na sociedade (TEIXEIRA; QUEIROZ, 2017).

Atualmente as mulheres negras são as que iniciam precocemente no mercado

de trabalho, geralmente como empregadas domésticas e em cargos subalternos. São

as que mais experimentam a precariedade no mercado de trabalho não só por serem

mulheres, mas também por conta da discriminação relacionados à sua raça, tendo o

maior índice nos serviços domésticos com 32,5% enquanto mulheres brancas são de

12,7% (ALMEIDA, 2010).

Page 11: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

11

De acordo com Almeida (2010, p.29): “as mulheres negras aumentaram três

vezes mais, em comparação com as brancas, o ingresso no nível superior, no período

entre 1960 e 1980”, apesar de terem sido estigmatizadas e de possuírem um papel

inferior na sociedade, que ignoravam suas vontades, constatando mudanças

educacionais e ocupacionais.

Tendo em vista estes aspectos citados, Silva e Chai (2018) identificam os

fatores internos e externos que contribuem cada vez mais para o desenvolvimento de

transtornos mentais nas mulheres negras. Alguns exemplos de fatores internos são:

baixa autoestima, solidão, maior taxa de fecundidade e as cobranças sociais advindas

dos estereótipos racistas e sexistas. Os fatores externos são: desvalorização no

mercado de trabalho, baixo poder econômico e menor nível de escolaridade.

Outros fatores que contribuem para a ocorrência de transtornos mentais nessa

população são: sobrecarga doméstica, ser divorciada, ter mais de 40 anos, ser a chefe

da família, não ter ou manter um lazer, ter baixa escolaridade, baixa renda, entre

outros. Os estudos demonstram que quando as condições de vida não estão

asseguradas em uma boa qualidade, a saúde mental poderá entrar em declínio

(SILVA; CHAI, 2018).

Como reflexo dessa estrutura racista, se faz necessária uma atenção maior à

saúde da mulher negra. Cabendo ao Sistema Único de Saúde (SUS) promover ações

e serviços que possam proporcionar a devida assistência e atuar de forma em

consonância com o que foi determinado na Constituição Federal de 1988. As Leis

Orgânicas da Saúde n. 8.080 de 19 de setembro de 1990 e a lei n.8.142, de 28 de

dezembro de 1990, são marcos históricos que representam uma nova forma de se

pensar em saúde. Desta forma, foi instituído os seguintes princípios: acesso universal,

integralidade das ações, equidade, descentralização dos recursos de saúde e o

objetivo de trazer para próximo das ações estatais a participação popular (SILVA;

CHAI, 2018).

Segundo Silva e Chai (2018) o racismo e o sexismo não podem ser

reproduzidos no sistema público de saúde, é necessário garantir os princípios do SUS

nos atendimentos a essa população. O SUS precisa rever a prestação dos seus

serviços que não condizem com os seus princípios. A compreensão destes fatores

Page 12: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

12

implica numa melhor atenção e preparo dos profissionais de saúde, visando um

atendimento de qualidade para alcançar as necessidades desta população

historicamente estigmatizada.

O racismo e o sexismo são fatores determinantes para as condições de saúde

das mulheres negras. É necessário reformular teorias, técnicas e práticas para que

suscitem promoção na área da saúde. Nesse sentido, movimentos sociais de

resistência ao racismo chegaram à conclusão da importância do papel da psicologia

no campo da saúde a partir de uma visão psicossocial (PRESTES; PAIVA, 2016).

Portanto, se destaca a necessidade de serem implementadas iniciativas

voltadas às discussões de gênero e raça para o treinamento e formação dos

profissionais de saúde, entre eles as (os) psicólogas (os), a fim de reconhecer as

doenças mais presentes na população (SILVA; CHAI, 2018). Diante do que foi visto

até o momento, seguiremos discutindo a formação das (os). Psicólogas (os) no

enfrentamento desta temática.

3 A FORMAÇÃO DAS (OS) PSICÓLOGAS (OS) NO COMBATE AO RACISMO

ESTRUTURAL NO BRASIL

O movimento negro se tornou um dos principais responsáveis pela tentativa de

superação do racismo em nossa sociedade, sendo responsável por começar uma luta

pertinente aos direitos negados à população negra no Brasil. A história política do

movimento negro no Brasil pode ser dívida em três principais fases que foram

demarcadas pelas duas ditaduras que ocorreram no Brasil.

De acordo com Domingues (2007), a primeira fase se estendeu da Primeira

República ao Estado Novo (1889 a 1937), período no qual foram criadas diversas

associações, comunidades, grêmios, clubes negros, jornais criados por e para negros

e foi fundada a Frente Negra Brasileira (FNB). A segunda fase ocorreu entre a

Segunda República e a Ditadura Civil Militar (1945 a 1964), período em que foi criado

o Teatro Experimental do Negro (TEN) e a terceira fase em 1978 com o surgimento

do Movimento Negro propriamente dito.

O Movimento Negro Unificado (MNU) que surgiu no dia 7 de Julho de 1978 foi

a favor da melhor qualidade de vida para a população negra, visando o

estabelecimento de uma identidade étnico-racial específica do negro, afrocentrada e

Page 13: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

13

não miscigenada e em 1982 passou a defender reivindicações mínimas, como a

organização política da população negra, a transformação do Movimento Negro em

um movimento das massas, o enfrentamento da violência policial contra os negros, a

desmistificação do funcionamento da democracia racial no Brasil e a luta para a

inserção da História da África e dos negros no Brasil nas escolas do país

(DOMINGUES, 2007).

Em Brasília, no dia 20 de novembro de 1995, ocorreu a marcha Zumbi dos

Palmares contra o racismo, pela cidadania e a vida. Nessa marcha estiveram

presentes os representantes do Movimento Negro, que tinham o objetivo de reivindicar

a criação de políticas de promoção da igualdade, tendo reunido trinta mil pessoas

(CFP, 2017).

Em 1996, o governo federal instituiu o Programa Nacional de Direitos Humanos,

no qual constavam duas proposições referente à temática das políticas de promoção

da igualdade, sendo elas: “Apoiar ações da iniciativa privada que realizem

discriminação positiva” e “Formular políticas compensatórias que promovam social e

economicamente a população negra” (CFP, 2017).

Outro ponto a se destacar foi a participação do Brasil na Conferência Mundial

contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Conexas de

Intolerância, que foi realizada em Durban, África do Sul, em 2001. Nesta ocasião,

foram estabelecidas várias prioridades, entre elas: Adoção de medidas reparatórias

às vítimas do racismo, criação de um fundo de reparação social gerido pelo governo

e pela sociedade civil e adoção de cotas ou outras medidas que promovam o acesso

dos negros às universidades públicas (CFP, 2017).

A inserção da temática racial no Conselho Federal de Psicologia (CFP) foi

realizada por psicólogas (os) de diversas regiões do Brasil. Em São Paulo foram

fundadas duas organizações não governamentais: o Centro de Estudos das Relações

de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e o Instituto AMMA PSIQUE NEGRITUDE. O

CEERT foi fundado em 1990 por três profissionais negros: a psicóloga e atual

coordenadora executiva Maria Aparecida da Silva Bento, o advogado Hédio Silva

Júnior e o químico e doutor em Sociologia Ivair Augusto Alves dos Santos. O Instituto

AMMA Psique Negritude, fundado em 1995, representadas por: Maria Lucia da Silva

e Maria Aparecida Silva Bento. Estas organizações foram decisivas para discussões

Page 14: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

14

político-jurídica e psicológica sobre racismo, sexismo, igualdade racial e de gênero no

Brasil (NASCIMENTO, 2003).

Desde 1995 o AMMA atua no combate ao racismo, discriminação e preconceito

através da política e da psicologia “com ações voltadas à formação e prática clínica,

desenvolve estratégias para identificação, elaboração e desconstrução do racismo e

dos consequentes efeitos psicossociais” (CFP, 2017, p. 68). É responsabilidade do

CEERT a elaboração de diagnóstico e programas de promoção da igualdade racial

em sindicatos, escolas, empresas e órgãos públicos, formado por juristas,

educadores, sociólogos, assistentes sociais e gestores de pessoal (NASCIMENTO

2003).

De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (2017) vale destacar a

iniciativa e relevância do Instituto AMMA Psique Negritude e do CEERT, entre outras

organizações compostas por psicólogas (os) negras (os) que desenvolveram

metodologias para sensibilizar os gestores e profissionais de diversas áreas para a

identificação do racismo.

Dessa forma, cabe ao psicólogo em sua atuação independente da área na qual

trabalha, promover o debate e a reflexão sobre a naturalização das ações que são

desenvolvidas pelos diversos serviços nas instituições a respeito das relações raciais,

disponibilizando aos usuários (as) uma atuação que condiz com cada pessoa de

acordo com cada contexto, segundo os princípios éticos que conduzem a prática dos

psicólogos (CFP, 2017).

De acordo com Tavares, Oliveira e Lages (2013) o papel do psicólogo e da

psicologia no combate ao racismo pode ocorrer tanto nas instituições de saúde quanto

na clínica. Essa responsabilidade está priorizada nos princípios éticos do Conselho

Federal de Psicologia (CFP), sendo esses princípios: a promoção da dignidade e

integridade do ser humano, a promoção das pessoas e coletividades, contribuindo

com a eliminação de exploração, discriminação, opressão, negligência e a

responsabilidade social, investigando de forma crítica a realidade político-econômica

e social-cultural do país.

Entretanto, é preocupante a falta de conhecimento dos profissionais de

psicologia em relação às vulnerabilidades quando se trata da população negra e sobre

como o racismo pode causar adoecimento nas mulheres negras, não estando

Page 15: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

15

evidente a articulação do adoecimento psíquico com as relações étnicos-raciais

(TAVARES; OLIVEIRA; LAGES, 2013).

Santos e Schucman (2015) relatam que a Psicologia no Brasil possui

atualmente um interesse nos estudos das relações raciais, porém ainda é escassa a

abordagem desse tema na formação de futuras (os) psicólogas (os) nas disciplinas de

graduação e pós-graduação em Psicologia. Em relação ao acesso dos estudos sobre

este tema, há uma falta de apropriação desse conhecimento, pois são poucas as

oportunidades de desenvolver um conhecimento crítico, por conta da escassez

relacionada a esta temática.

De acordo com Santos e Schucman (2015) a reflexão e o discurso do tema

raça geram dificuldades em muitas áreas, por conta disso está temática merece mais

atenção na formação dos profissionais de Psicologia. É necessário que haja a

possibilidade de discussões abertas sobre o assunto, com a finalidade de facilitar a

intervenção e o acolhimento neste campo profissional, nos locais onde aparecem as

vítimas de discriminação racial.

Enquanto área de formação, a Psicologia estuda diversas problemáticas e os

profissionais e pesquisadores podem fortalecer a compreensão da sociedade sobre a

desigualdade racial no Brasil. Portando, é importante que a formação de psicólogos e

pesquisadores nas áreas de Psicologia desenvolvam pesquisas sobre as relações

raciais no país, fomentando uma visão crítica e novas reflexões (SANTOS;

SCHUCMAN, 2015).

Nessa mesma direção, acreditamos que no âmbito dos cursos de pós-graduação em Psicologia, além dessas experiências pedagógicas também é importante estimular a produção de mais conhecimento sobre: a história do pensamento psicológico brasileiro na compreensão das relações raciais; como se dá a abordagem desse tema nos currículos de graduação e pós-graduação em Psicologia; e qual tem sido a atuação dos(as) psicólogos(as) no enfrentamento do preconceito e discriminação racial derivados do racismo (SANTOS;

SCHUCMAN, 2015).

Santos e Schucman (2015) abordam concepções críticas nas formações das

(os) psicólogas (os), entre elas: a falta de discussões sobre a temática das relações

raciais na academia e a escassez de pesquisas tem como consequência o despreparo

que interfere nos campos de atuação das (os) psicólogas (as). Sendo superadas estas

lacunas, é possível a construção de um efetivo combate ao racismo estrutural.

Page 16: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

16

Silva (2014) relata que o racismo, reproduzido a partir da interação entre as

pessoas, exige da Psicologia a necessidade de assumir um papel central nesse

debate, através do processo aprendido historicamente. A psicologia enquanto ciência

pode contribuir no reconhecimento e interpretação do sofrimento psíquico causado

nas mulheres negras. Observa-se a necessidade de estimular o diálogo com outras

ciências sobre a importância do olhar múltiplo para a promoção do bem-estar nas

relações sociais. As práticas discriminatórias que são fundamentadas pela ideologia

racista estão presentes em todos os contextos sociais e nas relações interpessoais,

perpetuando práticas discriminatórias.

Segundo Silva (2014) as reflexões citadas são desafios para a psicologia,

fazendo com que essa ciência garanta uma melhor qualidade de vida para as

mulheres negras, colaborando para um melhor entendimento e atuação da dinâmica

das relações raciais, assumindo o campo das intervenções como uma perspectiva

política, combatendo o racismo e investindo na promoção da igualdade social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mulheres negras pertencem a uma a parte da sociedade que mais sofrem

com o sistema opressor composto pelo racismo estrutural no Brasil. Além dos

estereótipos relacionados aos negros, o racismo e o sexismo são os principais fatores

responsáveis pelo sofrimento psíquico causado a essas mulheres. Existe um grande

despreparo na rede pública de saúde em relação à saúde mental das mulheres

negras, causada pela falta de conhecimento sobre essa temática e que contribuiu

bastante para ocorrência de atendimentos ineficazes nas redes públicas do Brasil.

Sendo a população negra quem mais utiliza as redes públicas de saúde, é

imprescindível que haja mudanças nas ações do SUS para que se possa promover a

devida assistência para essas mulheres. O Sistema Único de Saúde (SUS) precisa

rever seus atendimentos que não condizem com a sua legislação, pois as suas ações

(universalidade, equidade, integralidade etc.) não são evidenciadas no serviço.

Os profissionais de saúde precisam entender como atuar de acordo com essa

demanda e necessitam de uma melhor qualificação profissional, pois somente assim

Page 17: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

17

conseguirão ter um olhar mais sensível e responsável com as questões da identidade

das mulheres negras, promovendo uma boa assistência à saúde.

Existe um despreparo de várias áreas profissionais quanto as vulnerabilidades

nas relações étnico-raciais. Apesar da psicologia compreender a necessidade sobre

a luta contra as desigualdades, observar-se uma ineficácia na formação das (os)

psicólogas (os) nas universidades. É de fundamental importância que haja uma maior

inserção desta temática nas grades curriculares das graduações e pós-graduações

para uma melhor atuação de psicólogas (os).

Cabe à psicologia promover mais pesquisas e debates sobre essa temática,

pois como ciência e profissão tem o papel de combater o racismo e a função de

acolhimento ao sofrimento psíquico causado pelo racismo estrutural na população

negra. Desta forma, poderá contribuir na melhor qualidade de vida dessa população,

sobretudo, das mulheres negras colaborando para um maior investimento na

promoção da igualdade social.

Page 18: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

18

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS. Estatísticas de gênero: responsabilidade por afazeres afeta inserção das mulheres no mercado de trabalho. Disponível em:<

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/20232-estatisticas-de-genero-responsabilidade-por-afazeres-afeta-insercao-das-mulheres-no-mercado-de-trabalho >Acesso em 20 mai.2019.

ALMEIDA, L. C. "Trilhando seu próprio caminho" - Trajetórias e protagonismo de intelectuais/ativistas negras: a experiência das organizações Geledés/SP e Criola/RJ. 2010. 20f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PCU-Rio, Rio Janeiro, 2010.

ALMEIDA. Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018.

ALVES, D. Violências contra as mulheres negras: correntes invisíveis do racismo. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress. Anais. Florianópolis: 2017, p. 3.

ALVES, J. A. L.; A Conferência de Durban contra o Racismo e a responsabilidade de todos. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, vol.45, n.2,

jul./dez., 2002.

BERSANI, H. Aportes teóricos e reflexões sobre o racismo estrutural no Brasil. Extraprensa, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 175 – 196, jan./jun. 2018.

BRANDAU, R. MONTEIRO, R. BRAILE, D.M. Importância do uso correto dos descritores nos artigos científicos. Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery. São José do Rio Preto, vol.20, n.1, jan. /mar. 2005.

CIAMPA, Antônio da Costa. Identidade. In: W. Codo & S. T. M Lane (Org.). Psicologia social: o homem em movimento (pp. 58-75), São Paulo: Brasiliense, 1984.

CHADE, J. Racismo é 'estrutural e institucionalizado' no Brasil, diz a ONU.

Disponível em: <https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,racismo-e-estrutural-e-institucionalizado-no-brasil-diz-a-onu,1559036>. Acesso em: 12 setembro de 2014.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Relações Raciais. CREPOP, Brasília, 2017.

Page 19: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

19

Domingues, P. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo [online]. vol.12, n.23, p.100-122. RJ/Niterói. Mar. 2007.

FERREIRA, R. F.; CAMARGO, A.C. As Relações Cotidianas e a Construção da Identidade Negra. Psicologia Ciência e Profissão, Maranhão, 2011.

FERNANDES, V. B.; SOUZA, M. C. C. C. Identidade Negra entre exclusão e liberdade. Revista do instituto de estudos brasileiros, São Paulo, p. 103-120, 2016.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Um retrato da violência contra negros e negras no Brasil. Disponível em http://www.forumseguranca.org.br/wp-

content/uploads/2017/11/infografico-consciencia-negra-FINAL.pdf. > Acesso em fev.2019.

GAUDIO.E.S. Resenha do livro “o que é racismo estrutural? ” de Silvio Almeida. Revista Humanidades e Inovação. v.6, n. 4, 2019.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A,

2006.

LINHARES, K. O corpo da mulher negra: a dualidade entre o prazer e o trabalho. In: IV SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO SEXUAL: Feminismos, identidades de gênero e políticas públicas. Unioeste – Anais. Universidade Estadual do Oeste,

2015.

NASCIMENTO, E. L. O sortilégio da cor: identidade, raça e gênero no Brasil. São

Paulo: AllPrint, 2003.

PINHEIRO, I. A. S; CHAI, C. G. As relações entre o racismo e sexismo e o direto à saúde mental da mulher negra brasileira. Revista de políticas públicas, v.22, 2018.

PRESTES, C. R. F.; PAIVA, V. F. S. Abordagem psicossocial e saúde de mulheres negras: vulnerabilidades, direitos e resiliência. Abordagem psicossocial e saúde de mulheres negras: vulnerabilidades, direitos e resiliência. São Paulo, v.25, n.3, p.673-688, 2016.

QUIRINO, K. T. M. Mito da democracia racial: a relação entre imaginário e a aceitação das cotas raciais como política pública no Brasil, a partir da análise de posts no site

Page 20: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

20

da UOL1. Comunicologia. Revista de Comunicação e Epistemologia da Universidade Católica de Brasília. Brasília, v 7, n. 2, p.272- 274, jul. /dez., 2014.

RAUPP, F. M.; BEUREN, I. M. Metodologia da pesquisa aplicável às ciências sociais. In. BEUREN, I. M. (Org.). Como elaborar trabalhos monográficos em

contabilidade: teoria e prática. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2006. Cap.3, p.80-93.

REIS FILHO, J. T. Negritude e sofrimento psíquico: uma leitura psicanalítica. 2005. Programa de estudos pós-graduados em Psicologia Clínica – Pontifica Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005.

SANTOS, A. O.; SCHUCMAN, L.V. Desigualdade, Relações Raciais e a Formação de Psicólogos (as). Revista EPOS, Rio de Janeiro, vol.6, nº 2, p. 117-140, Jul-dez, 2015.

SANTOS, M. G. A. A escravidão no Brasil: uma análise a partir dos livros didáticos de história. Disponível em: <https://www.webartigos.com/artigos/a-

escravidao-no-brasil-uma-analise-apartir-dos-livros-didaticos-de-historia/114476/ > Acesso: 23 de março de 2019.

SILVA, I. P. M.; CHAI, C. G. As relações entre racismo e sexismo e o direito à saúde mental da mulher negra brasileira. In: Revista de Políticas Públicas, p. 988- 1000,

2018.

SILVA, M. A. O Cotidiano das Mulheres Negras a partir de Suas Narrativas: as experiências e formação de Araraquarenses. In: Revista Fórum Identidades, p. 69-

79, 2009.

SILVA; M. A. L; SOARES. R. L. S. Reflexões sobre o conceito de raça e etnia. Entrelaçando – Revista Eletrônica de Culturas e Educação. Caderno Temático: Educação e Africanidades. Nº 4, p. 99-115, ano 2, nov. 2011.

SILVA; M.R. 20 de Novembro: A Psicologia e a luta contra o racismo. Sindicato dos Psicólogos no Estado do Paraná. Disponível em http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:http://www.sindypsipr.com.br/site/20-de-novembro-a-psicologia-e-a-luta-contra-o-racismo/.>Acesso em nov.2018.

TAVARES, N. O.; OLIVEIRA, L. V.; LAGES, S. R. C. A percepção dos psicólogos sobre o racismo institucional na saúde pública. Saúde em Debate. Rio de Janeiro,

v.37, n.99, p.580-587, out/dez., 2013.

Page 21: MULHERES NEGRAS: SOFRIMENTO PSÍQUICO CAUSADO PELO … · mulheres negras a partir do racismo estrutural no Brasil; o sofrimento psíquico causado a partir dos aspectos psicossociais

21

TEXEIRA, M. S. S.; QUEIROZ, J. M. SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES, 5., 2017. Anais Enlaçando, v.1, 2017, ISSN 2238-9008. Campina Grande: Editora Realize, 2017. 8p.