práticas religiosas de cuidado e cura entre mulheres negras

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1 PRÁTICAS RELIGIOSAS DE CUIDADO E CURA ENTRE MULHERES NEGRAS: ESTUDO ETNOGRÁFICO EM UMA COMUNIDADE DE BAIXA RENDA PATRICIA LIMA FERREIRA SANTA ROSA 1 LUIZA AKIKO KOMURA HOGA 2 ALESSANDRO DE OLIVEIRA DOS SANTOS 3 Palavras-chave: Saúde da mulher, negros, religião, antropologia cultural, pesquisa qualitativa. Resumo Esta pesquisa objetivou explorar as crenças, valores e práticas de cuidado e cura entre mulheres negras. O estudo foi realizado através da metodologia qualitativa, mediante o método etnográfico em um bairro periférico da cidade de São Paulo. Vinte mulheres foram entrevistadas. Três se tornaram informantes-chave e 17 informantes gerais. Os três subtemas (SC) e o tema cultural (TC) foram: SC1 - A fé em Deus é tudo na vida melhora a autoestima e ajuda a superar situações difíceis; SC2 - Fé e remédios caseiros: nosso jeito de cuidar e curar enfermidades; SC3 - Busco a religião para resolver problemas psicológicos e de saúde, mas quando a minha religião é o candomblé ou a umbanda me sinto discriminada; TC - Deus é o alicerce da vida: por meio da fé e dos remédios caseiros enfrento problemas e enfermidades, mas às vezes preciso buscar ajuda médica. O aprendizado de práticas de cuidado e cura ocorreu intergeracionalmente e por meio das religiões. Esses achados podem ter profunda relação com determinantes sociais que permeiam a vida das informantes no contexto estudado. Abstract This research aimed to explore the beliefs, values and practices of care and healing among black women. The study was conducted through qualitative methodology and the ethnographic method in a suburb of São Paulo. Twenty women were interviewed. Three became key informants and 17 general informants. The three cultural subthemes (CS) and a cultural theme (CT) were: CS1 - Faith in God is everything in life - improves self-esteem and helps overcome difficult situations; CS2 - Faith and homemade medicines: our way of caring and curing illnesses; CS3 - I seek religion to solve psychological and health problems, but when my religion is the Candomblé or Umbanda I do feel discriminated against; TC - God is the foundation of life: through of the faith and of the homemade medicines I do face problems and illnesses, but sometimes I need to seek a doctor. The learning of practices of care and healing occurred through intergenerational and religions. These findings may have deep relationship with social determinants that are around lives of informants in the studied context. 1 Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2 Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo Professora Doutora do Dep. de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica; 3 Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Professor Doutor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho;

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1

PRÁTICAS RELIGIOSAS DE CUIDADO E CURA ENTRE MULHERES NEGRAS:

ESTUDO ETNOGRÁFICO EM UMA COMUNIDADE DE BAIXA RENDA

PATRICIA LIMA FERREIRA SANTA ROSA1

LUIZA AKIKO KOMURA HOGA2

ALESSANDRO DE OLIVEIRA DOS SANTOS3

Palavras-chave: Saúde da mulher, negros, religião, antropologia cultural, pesquisa qualitativa.

Resumo

Esta pesquisa objetivou explorar as crenças, valores e práticas de cuidado e cura entre mulheres

negras. O estudo foi realizado através da metodologia qualitativa, mediante o método

etnográfico em um bairro periférico da cidade de São Paulo. Vinte mulheres foram

entrevistadas. Três se tornaram informantes-chave e 17 informantes gerais. Os três subtemas

(SC) e o tema cultural (TC) foram: SC1 - A fé em Deus é tudo na vida – melhora a autoestima

e ajuda a superar situações difíceis; SC2 - Fé e remédios caseiros: nosso jeito de cuidar e curar

enfermidades; SC3 - Busco a religião para resolver problemas psicológicos e de saúde, mas

quando a minha religião é o candomblé ou a umbanda me sinto discriminada; TC - Deus é o

alicerce da vida: por meio da fé e dos remédios caseiros enfrento problemas e enfermidades,

mas às vezes preciso buscar ajuda médica. O aprendizado de práticas de cuidado e cura ocorreu

intergeracionalmente e por meio das religiões. Esses achados podem ter profunda relação com

determinantes sociais que permeiam a vida das informantes no contexto estudado.

Abstract

This research aimed to explore the beliefs, values and practices of care and healing among black

women. The study was conducted through qualitative methodology and the ethnographic

method in a suburb of São Paulo. Twenty women were interviewed. Three became key

informants and 17 general informants. The three cultural subthemes (CS) and a cultural theme

(CT) were: CS1 - Faith in God is everything in life - improves self-esteem and helps overcome

difficult situations; CS2 - Faith and homemade medicines: our way of caring and curing

illnesses; CS3 - I seek religion to solve psychological and health problems, but when my

religion is the Candomblé or Umbanda I do feel discriminated against; TC - God is the

foundation of life: through of the faith and of the homemade medicines I do face problems and

illnesses, but sometimes I need to seek a doctor. The learning of practices of care and healing

occurred through intergenerational and religions. These findings may have deep relationship

with social determinants that are around lives of informants in the studied context.

1 Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem;

2 Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo – Professora Doutora do Dep. de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica;

3 Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo – Professor Doutor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho;

2

Introdução

A religiosidade é considerada como fator relevante para avaliar as condições de saúde e a

qualidade de vida das pessoas (WHOQOL, 1995). No Brasil, as religiões são classificadas em

católica apostólica romana (64,6%), evangélicas (22,2%), espírita (2%), umbanda e candomblé

(0,3%), “outras” (2,7%) e “sem religião” (8%) (IBGE, 2012). Avalia-se que a proporção de

pessoas vinculadas às religiões de matriz africana esteja subestimada, pois muitas delas podem

não admitir tal vínculo religioso em razão do receio do preconceito ou discriminação

(SANTOS; RIBEIRO, 2014).

Acredita-se que todas as religiões ofereçam alguma resposta às questões de saúde das pessoas.

Especificamente a população negra brasileira desenvolve práticas religiosas, que são derivadas

da herança deixada por seus ancestrais. Desse modo, são alvo de estudos, sobretudo dos

sociólogos e antropólogos (SANTOS; RIBEIRO, 2014).

Observou-se, entretanto, uma escassez de dados científicos produzidos por profissionais da área

da saúde e de enfermagem. Quando se trata de focalizar a religiosidade de mulheres negras

moradoras das periferias dos centros urbanos e a sua interface com o cuidado da saúde, tal

escassez é ainda maior. Avalia-se que temáticas desta natureza com foco nesta população

específica devam ser melhor exploradas. Produtos de pesquisas com esta temática são profícuos

para que os profissionais de saúde, sobretudo os de enfermagem, que se responsabilizam pelo

cuidado direto das pessoas em seu processo saúde-enfermidade, sejam capazes de prestar um

cuidado socioculturalmente congruente, de modo a contemplar as necessidades dos pacientes

segundo a visão e demanda dos próprios sujeitos da ação profissional. Resultados desta natureza

importam também para subsidiar a tomada de decisões no âmbito da identificação,

planejamento e implementação das políticas públicas de saúde.

De modo a contribuir no preenchimento desta lacuna no conhecimento científico, foi realizada

a presente pesquisa, que teve o propósito de buscar respostas ao seguinte questionamento: Quais

são as crenças, valores e práticas de cuidado e cura desenvolvidas por mulheres negras?

Objetivo

3

O objetivo deste estudo foi explorar as crenças, valores e práticas de cuidado e cura

desenvolvidas por mulheres negras.

Metodologia

Este estudo foi desenvolvido mediante abordagem qualitativa, considerada apropriada para

explorar aspectos subjetivos das experiências vividas. O método de pesquisa foi a etnografia,

cujo principal pressuposto é a exploração das crenças e valores que embasam as práticas

cotidianas dos membros de uma cultura (GEERTZ, 2008).

O processo de observação participante (OP), essencial para coletar dados etnográficos, foi

desenvolvido. A OP foi iniciada por meio do predomínio da observação, e esta estratégia é

gradualmente substituída pela participação do pesquisador no desenvolvimento de atividades

próprias da cultura (LEININGER, 2006). A OP foi desenvolvida em uma comunidade de baixa

renda localizada em uma região periférica da cidade de São Paulo.

O foco nesta comunidade se deveu ao fato dela ter uma grande proporção de negros na

composição de sua população. Dados recentes indicaram que mais de 40% da população

residente nesta comunidade é constituída por negros (GESP, 2005), e apresenta um Índice de

Vulnerabilidade Social, considerado elevado (GESP, 2010).

Convém destacar que o conceito de raça adotado nesta pesquisa compreende uma construção

social, que no campo da sociologia ou das ciências sociais, se refere às identidades sociais na

perspectiva da cultura (GUIMARÃES, 2003). Os termos negro, população negra ou

afrodescendente, por sua vez, são utilizados aqui de forma análoga, designando pessoas, ou

grupo de pessoas, que fazem parte do seguimento populacional brasileiro pertencente à

população negra ou afrodescendente. Esses termos tem sido são empregados em estudos que

focalizam a questão da negritude enquanto categoria de análise étnico/racial. Quando

utilizamos esses termos nos referimos também à parcela da população brasileira que se

autodeclara preta ou parda, segundo os quesitos de raça/cor disponibilizados pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esta estratégia costuma ser empregada em razão

das similaridades existentes entre os indicadores sociais característicos das duas populações em

4

estudos epidemiológicos (PAIXÃO; CARVANO, 2009). Com base nessa prerrogativa foi

adotada a mesma linha de raciocínio.

Para registrar os dados observados, foi elaborado um diário de campo (LEININGER, 2006;

GEERTZ, 2008). O fato de uma das pesquisadoras ter residido no local sob estudo por quase

duas décadas facilitou a inserção no cenário cultural e a abordagem das informantes desta

pesquisa. Levou-se em conta o fato de, quando um pesquisador pertence ou algum dia fez parte

da cultura, ele esteja impregnado pelas crenças e valores próprios da cultura. Desse modo,

atentou-se para o cuidado de assumir atitude de estranhamento em relação a todas as práticas

culturais próprias do cotidiano de vida dos nativos da cultura (MUNHALL, 2007). Por outro

lado, o fato da pesquisadora conhecer a comunidade abreviou o período de observação, tendo

sido possível passar rapidamente para a fase de participação ativa nas atividades cotidianas da

cultura estudada e dar início às entrevistas etnográficas.

Em estudos etnográficos, informantes são os membros da cultura que possuem conhecimentos

sobre o assunto focalizado e demonstram interesse em compartilhá-los com o pesquisador.

Tornam informantes-chave, os membros da cultura que possuem conhecimentos mais

profundos da temática. Estes são, em geral, os moradores mais antigos da cultura. Os que

possuem conhecimentos genéricos sobre o assunto estudado são denominados informantes

gerais (LEININGER, 2006).

O foco nas mulheres negras deveu-se ao fato da discriminação racial ser reconhecida como

determinante das iniquidades étnicas e raciais no âmbito da saúde, em nível nacional e

internacional. A existência de associações entre discriminação racial e seus efeitos na saúde das

pessoas, independentemente da faixa etária, se tornou evidente (BASTOS; FAERSTEIN, 2012;

PRIEST et al., 2013). Além dos elementos ora citados, reconhecemos também a necessidade

de relevar a perspectiva de gênero envolvida nas práticas de cuidado e cura. Desse modo, foram

entrevistadas apenas mulheres pelo fato delas, via de regra, tomarem para si as

responsabilidades no âmbito do cuidado e cura no processo saúde-enfermidade, nos contextos

familiar e social (HOGA, 2008).

5

Os critérios de inclusão no estudo foram a autodeclaração enquanto pessoa de raça/cor negra

ou preta, possuir características fenotípicas de afro-descendência associado ou não com a

textura dos cabelos e o formato do nariz.

A primeira informante foi uma pessoa que pertencia à rede familiar de uma das pesquisadoras.

A estratégia da bola-de-neve, em que a primeira informante indica a próxima, foi empregada

para incluir as demais informantes (POLIT et al., 2004). Durante o processo de inclusão das

informantes, tomou-se o cuidado de incluir mulheres com características diversas quanto à

idade, escolaridade, religião, existência de trabalho remunerado formal ou informal.

Para facilitar a expressão das crenças, valores e práticas cotidianas do grupo cultural, perguntas

etnográficas, que possuem caráter descritivo e exploratório, foram empregadas para dar início

às entrevistas. As perguntas feitas foram as seguintes: Fale-me sobre os cuidados com a saúde

adotados no seu dia-a-dia em relação a você e às demais pessoas que moram com você; O que

aprendeu sobre as práticas de cuidado e cura e o uso de plantas nas situações de doença? Antes

de dar início às entrevistas, foram obtidos dados relativos à caracterização sóciodemográfica,

como idade, religião, estado civil, anos de estudo, trabalho, renda, lazer, pessoas com que

morava e tempo de moradia no bairro.

Vinte e duas mulheres foram convidadas a participar desta pesquisa, mas duas recusaram

alegando inibição para falar diante de um gravador. Dentre as 20 informantes, três se tornaram

informantes gerais e três, informantes-chave. Os parâmetros para incluir esta quantidade de

informantes foram a ocorrência da repetição contínua no conteúdo das narrativas, observado a

partir da 15ª entrevista, e a obtenção da saturação teórica, compreendida como a possibilidade

de descrever o tema estudado com abrangência e, sobretudo, profundidade (LEININGER, 2006;

MORSE, 2012). Algumas informantes se emocionaram ao compartilhar suas histórias e

experiências. Estratégias de comunicação terapêutica foram utilizadas para confortá-las, e elas

apresentaram experiências pessoais intensas, a ponto de influenciar a visão de mundo da

entrevistadora.

As entrevistas foram agendadas pessoalmente ou por via telefônica e feitas face-a-face e

individualmente, entre os meses de agosto e setembro de 2013, na residência ou local de

6

trabalho das informantes, e segundo as preferências das próprias informantes quanto à data,

horário e local.

As entrevistas tiveram a duração entre 40 minutos e uma hora e dez minutos, com média de 50

minutos. Elas foram integralmente gravadas em áudio, transcritas em seu inteiro teor e, na

sequência, as perguntas foram suprimidas. A análise das entrevistas foi feita de modo indutivo

e interpretativo, para construir subtemas e temas culturais. Estes, simbolizam as práticas

religiosas desenvolvidas elas informantes. Embora as informantes não tenham utilizado

exatamente as mesmas palavras para expressar suas experiências, aquelas cujas narrativas eram

similares quanto ao tópico focalizado, foram identificadas na sequência de cada exemplo,

mediante citação dos números sequenciais (I1, I2, I3...), conforme a ordem das entrevistas. Esta

estratégia, importante para elucidar os componentes dos subtemas e tema cultural, representa

um dos principais aspectos de rigor no desenvolvimento da pesquisa etnográfica (LEININGER,

2006). Os subtemas culturais são agrupamentos de ideias com significados semelhantes,

provenientes dos depoimentos dos informantes, que culminam em uma assertiva, representando

um discurso coletivo dos informantes em estudos culturais. O tema cultural, por sua vez, é a

uma assertiva que representa simbolicamente as ideias expressas nos subtemas culturais.

Outro aspecto de rigor, essencial na pesquisa etnográfica, é a validação dos resultados

produzidos junto às informantes. Desse modo, os títulos dos subtemas e o tema cultural e seus

principais conteúdos foram apresentados, de forma esquemática, para as informantes-chave.

Todas demonstraram satisfação em relação aos resultados pelo fato destes representarem o

cotidiano vivido por elas em relação ao tópico pesquisado.

O projeto de pesquisa foi avaliado e seu desenvolvimento aprovado (Protocolo 403369) por um

Comitê de Ética em Pesquisa credenciado no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa. Todos

os aspectos éticos descritos no projeto foram obedecidos.

Resultados

As características do cenário sociocultural

Os seguintes dados referem-se à OP e às anotações efetuadas no diário de campo:

7

O bairro estudado localiza-se a uma distância aproximada de 30 km do centro da cidade de São

Paulo. Morar neste bairro significa ter que fazer longos descolamentos para conseguir acessar

recursos considerados básicos como os serviços de correios, postos de gasolina, cartórios,

agências bancárias, hospitais, pronto socorros, entre outros. Ele se expandiu em uma área de

mananciais e, consequentemente, há escassez de equipamentos sociais em razão das barreiras

impostas pela legislação ambiental. Associam-se, também, problemas relacionados ao acesso,

difícil e perigoso, derivado das estradas sinuosas que margeiam o bairro, além do risco eminente

de cair na represa que beira a região.

As informantes eram originárias dos estados da Bahia (10), Minas Gerais (5), Pernambuco (3)

e uma natural de São Paulo. O motivo da migração, quando ainda adolescentes ou adultas

jovens, foi o desejo de usufruir de melhores condições de vida em São Paulo. Desse modo,

adquirir um imóvel próprio representou ter vencido a especulação imobiliária prevalente na

capital paulista, o que significou a possibilidade de se livrar do aluguel e poder sair das favelas,

onde muitas residiam antes de chegar ao bairro. As informantes mais antigas no bairro relataram

que, há cerca de quinze ou vinte anos, o local possuía características próximas às das zonas

rurais e, no decorrer deste tempo, passou por intenso processo de urbanização, mas sem o

devido planejamento urbanístico. Consequentemente, sofrem também com a escassez de

equipamentos de lazer e de mobilidade urbana.

No Quadro 1, estão sintetizadas as características sóciodemográficas das informantes-chave e

das informantes gerais.

Os subtemas e o tema cultural

Conforme apresentado no Quadro 1, dezenove entre as 20 informantes possuíam religião e

referiram assiduidade aos cultos e práticas religiosas. As religiões às quais eram adeptas eram

a católica (10), evangélica (6), candomblé (2) e umbanda (1). Três subtemas e um tema cultural

foram elaborados e representam, simbolicamente, as crenças, valores e práticas de cuidado e

cura desenvolvidas pelas mulheres negras de baixa renda, moradoras de uma área periférica de

São Paulo.

Quadro 1 – Características sociodemográficas das informantes.

Informantes

Chave (C) ou Gerais (G)

Idade

(anos) Religião

Estado

civil*

Estudo

(anos) Ocupação

Renda familiar

(sal. mín.)** Lazer

Pessoas na

mesma

moradia ***

Tempo de

moradia no

bairro (anos)

I1 - C

58 Católica C 3 Do lar 2,2 Assistir TV M e F 22

I2 - G 32 Católica S 13 Desempregada 2,2 Visitar parentes P e O 22

I3 - G 27 Católica UE 11 Desempregada 2,2 Visitar parentes, ler, parque M e F 11

I4 - G 28 Candomblecista UE 11

Comerciante

Cabeleireira

14,7 Ir ao shopping, ler, ouvir música M 23

I5 - G 54 Católica C 4 Comerciante

Bar e mercearia 5,9 Assistir TV M 16

I6 - G 32 Evangélica C 9 Comerciante

Cabeleireira Sem renda - M 15

I7 - C 46 Católica C 14 Pedagoga 6,6 Assistir futebol de, várzea, religião,

cinema, fazer trilha, festas em casa M e F 15

I8 - G 51 Católica C 8 Do lar 5,9 Ginástica, dança, viajar, festas em

casa M e 2 F 15

I9 - G 30 Evangélica UE 11 Do lar 2,2 Religião M e 4 F 23

I10 - G 36 Evangélica UE 11 Comerciante

Manicure Não declarada

Passeio em parque ou shopping

M e 2 F 15

I11 - G 64 Evangélica C 8 Aposentada 2,1 Assistir TV M 14

I12 - C 62 Evangélica C 5 Do lar Não fixa Assistir TV, ler M e F 15

I13 - G 50 Católica C 8 Do lar 2,9 Ir ao cinema, assistir TV M, P, F e O 13

I14 - G 32 Católica C 7 Do lar 1,3 Assistir futebol de várzea, passear na

casa de parentes, assistir TV M e 3 F 06

I15 - G 28 Umbandista C 11 Do lar 1,3 Assistir futebol de várzea, assistir TV M, O e F 01

I16 - G 56 Sem religião C 3 Diarista 4,4 Assistir TV, ouvir música, visitar

amigas/vizinhas M 17

I17 - G 23 Católica S 11 Desempregada 3,7 Passear na casa de parentes, ir à

balada, assistir TV P, e O 05

I18 - G 43 Católica C 11 Do lar 1,8 Passear na casa de parentes M e 2 F 04

I19 - G 26 Candomblecista UE 8 Do lar 1,7 Assistir TV 2 F

11

I20 - G 47 Evangélica C 11 Téc. Enfermagem 4,4 Clube, passear na casa de parentes,

almoçar fora 2 F e M 17

* Solteira (S), Casada (C), União Estável (UE) ** Valor do salário mínimo vigente na época das entrevistas: R$ 678,00.

*** Pais (P), Marido (M), Filhos (F), Outros (O)

Esses dados relacionam-se aos achados da OP, diário de campo e, principalmente das

entrevistas.

Subtema cultural 1 – A fé em Deus é tudo na vida – melhora a autoestima e ajuda a

superar situações difíceis

A fé em Deus representa o principal suporte para a vida das informantes. É por meio da fé que

elas buscam atingir seus objetivos. Para as informantes candomblecistas, existem muitos

deuses, mas o principal é Oxalá, que para elas é sinônimo de Deus.

“Eu acho que acima de tudo está a fé, a fé em Deus porque eu acho que sem a fé em Deus nós não

conseguimos nada” (I1, I2 - Católicas); “Nós, primeiramente, pedimos a ajuda de Deus, que para nós é

Oxalá, são vários, é porque a gente acredita em muitos deuses, mas, o principal é Oxalá, na umbanda

também é Oxalá. Ele é Deus, não tem ninguém acima de Deus, só muda de nome” (I4 – Candomblecista).

A fé em Deus, que significa ter fé nos elementos que são sinônimos dele, foi essencial para

superar os obstáculos enfrentados, em todos os aspectos da vida cotidiana. Foi atribuída à esta

fé, a melhoria da autoestima, a superação das situações difíceis de racismo enfrentadas, e a

aquisição dos elementos materiais e imateriais até então conquistados, sempre mediante um

processo de luta e superação das dificuldades.

“Mas, eu hoje sou superação! E para me cuidar tenho que manter o equilíbrio de tudo que está girando

perto de mim (...) A vida que eu tenho hoje (...) foi superação em cima de superação. Sem Deus não sou

ninguém. (I18 – Católica); “(Após uma situação de discriminação racial sofrida em uma fila para compra

de passagem de ônibus, onde se sentiu humilhada e chorou...): Eu sou assim, foi assim que Deus me fez, é

assim que o meu Pai Omulu me ajuda a viver e eu não vou tentar mudar por causa disso, não. Não tem um

dia que eu não acorde e que eu não agradeça a Ele por aquele dia e, que eu vá dormir e que não agradeça

a ele por estar indo dormir de novo (...) ele é muito protetor (I19 – Candomblecista).

A espiritualidade, que está constantemente presente na vida das informantes, resultou dos

ensinamentos que foram transmitidos de uma geração até a outra no contexto familiar e social.

Muitas pertenciam à famílias, cujos ancestrais eram benzedeiros, curandeiros e pais ou mães de

santo. Portanto, a espiritualidade estava presente, de forma concreta nas práticas religiosas de

cuidado e cura, no cotidiano de vida das famílias de muitas informantes deste estudo.

“Sobre espiritualidade... isso a minha mãe me ensinou, os meus pais me ensinaram” (I1, I2, I3, I5, I13;

“Na verdade, a figura de espiritualidade que eu tenho mais forte é a da minha avó. É como a minha mãe

havia falado sobre esta questão dos benzimentos, da fé dela em Nossa Senhora... toda noite ela ia lá, pedia

proteção, ela passava em todas as portas onde tinha gente dormindo e, pedindo para deus tomar conta da

nossa noite de sono. A gente vendo isso, vai ficando firme, e tantas coisas aconteceram que a gente dobra

o joelhos, e pede para Deus tomar contar para que nada de mal aconteça, e isso vai deixando a gente mais

forte” (I2); “A minha mãe era mãe de santo. Quando a minha mãe raspou para o santo (rito de passagem

onde, dentre outras coisas, se raspa a cabeça), ela estava grávida de mim, automaticamente, eu sou mãe

de santo, mas eu não posso raspar a minha. E, de sempre frequentar com a minha mãe, eu fui aprendendo

algumas coisas que ela fazia” (I15 – Umbandista).

Subtema cultural 2 – Fé e remédios caseiros: nosso jeito de cuidar e curar enfermidades

A associação da fé em Deus com os remédios caseiros é o primeiro recurso utilizado pelas

informantes para cuidar e tentar curar as enfermidades que afetam os membros da família e dos

amigos e conhecidos, antes mesmo de procurar os equipamentos de saúde institucionalizados

e, independentemente da religião professada e/ou seguida por elas.

“(...) a gente se vira muito com receita caseira de remédio” (I1, I2, I3, I4, I5, I7, I8, I9, I10, I11, I12, I13,

I14, I16, I17, I18, I20)

Embora a associação da fé religiosa e os remédios caseiros seja uma prática comum entre as

mulheres independe da religião, tal prática possui especificidades características de cada

religião.

Assim sendo, as mulheres evangélicas tinham o costume de orar, frequentar cultos religiosos e

empregar remédios recebidos dos pastores para as finalidades de cura e benção. Um exemplo

desta prática é o uso do óleo ungido para aliviar sintomas no caso de acometimento por alguma

enfermidade.

“Minha filha estava com febre. Eu ungi ela e coloquei ela para dormir. Graças a Deus, no outro dia, ela

acordou super bem” (I9 – Evangélica); “Quando eu me machuco e não é nada grave, eu passo um óleo

ungido, (...), esfrego e no outro dia eu já estou boa” (I11- Evangélica).

As informantes candomblecistas e umbandistas, usavam ervas, folhas e outros elementos da

natureza em seus rituais de cuidado e cura. Antes do uso, estes elementos eram benzidos,

conservados, por fim, utilizados por via oral ou na forma de banhos. Quando se deparam com

enfermidades de difícil cura, as mulheres recorrem a todos os recursos conhecidos e acessíveis

no contexto familiar e social na tentativa de dar resolutividade ao problema de saúde.

Tive uma doença de pele que a minha pele soltava, descamava. Eu já tinha feito vários tratamentos, tudo

o que você possa imaginar na época (...) Aí eu cheguei lá e eu fiz o que a gente conhece por "ebó", tomei

um banho, aí ele me passou um sabonete chamado sabão da cobra para mim trocar. Que é um sabão feito

à base de cinza. Quando eu voltei no médico, nem o médico acreditava! Era uma coisa do outro mundo,

de você pegar a pele e puxar até onde você quisesse, não doía, era como se fosse uma pele morta, queimada

de sol e que descascava. A aparência era feia, mas depois ficava normal, como se fosse uma cobra. Aí foi

quando começaram a falar: "Você é de Oxumarê". "Você é de Oxumarê (o orixá representado por

serpentes)" (I4 - Candomblecista)

Entre as informantes católicas, ou que já foram católicas no passado, observou-se que o uso de

receitas caseiras, elaboradas por meio de ervas e outros elementos acessíveis no ambiente

familiar, é prática comum adotada na tentativa de solucionar problemas de saúde.

“(Há mais de 50 anos, em Pernambuco). No sentido da religião e saúde a gente procurava o padre, pedindo

ajuda e ele ensinava uns remédios caseiros. Foi assim que a gente se criou, com esse hábito de usar

remédios caseiros” (I11 – Evangélica atualmente, mas sua mãe era Católica); “(Nos dias atuais) Faço

parte da Pastoral da igreja católica e lá fazemos cursos de capacitação sobre como tratar crianças e

gestantes e a gente aprende muito sobre remédios caseiros: para aliviar cólica menstrual, para um

resfriado... Aprendi na Pastoral e na minha família, aprendi com minha mãe” (I8).

Subtema cultural 3 – Busco a religião para resolver problemas psicológicos e de saúde,

mas quando a minha religião é o candomblé ou a umbanda me sinto discriminada

A religião é um recurso acessado para tentar resolver problemas de saúde, sobretudo os que

envolvem a dimensão psicológica. Os líderes das várias religiões desempenham o papel de

psicólogos informais, pois eles acolhem, se disponibilizam a escutar os problemas enfrentados

pelas informantes e dão aconselhamentos sobre como agir diante das variadas situações com as

quais elas se deparam. Muitas vezes, os representantes das religiões são o único recurso de

apoio para os momentos de aflição vivenciados pelas informantes. Assim sendo, a escuta atenta

e acolhedora demonstrada pelos líderes religiosos é muito valorizada e considerada como

suporte essencial para o enfrentamento das situações difíceis.

“A minha filha mais nova estava com depressão e ela ia ao grupo de oração, ia na igreja para se sentir

melhor, mas, isso é para quando é uma coisa tipo depressão, que mexe mais com o sentimento...” (I13 -

Católica); “Eu também procuro a religião quando eu estou com algum problema de saúde, tanto os

pastores, os obreiros, como outros membros da igreja. Essas pessoas me ajudam dando muita atenção.

Elas me ouvem, me falam palavras que me fortalecem e fazem oração por mim.” (I11 – Evangélica;

“Ansiedade e depressão é uma coisa cotidiana das pessoas pela loucura do dia-a-dia, por exemplo, eu

tenho uma vida muito louca, muito corrida mesmo! Isso vai deixando a gente com um cansaço psicológico,

você vai ficando irritada (...) Eu cuido da minha saúde mais em casa mesmo... eu faço chás, coisas que me

acalmam” (I4– Candomblecista).

Informantes cujas religiões eram de matrizes africanas, como o candomblé e a umbanda, se

sentiam discriminadas pelos próprios familiares e vizinhos, sobretudo quando estes eram

seguidores de religiões, como o catolicismo e o protestantismo.

“Eu queria voltar a ir com mais frequência na minha religião (frequenta quinzenalmente). A minha religião

também é muito discriminada, porque todo o mundo aqui é evangélico (mora na casa de parentes) ... Meu

sogro não gosta, mas, ninguém tem que gostar quem tem que gostar sou eu. Eu gosto da minha religião,

ela é muito discriminada, mas eu gosto” (I15 - Umbandista); “Eu sinto muita falta de ir na casa do meu

pai de santo. Já faz dois anos que eu não vou na casa dele. Provavelmente, em setembro, pode ser que eu

vá porque é a festa do meu santo, Festa de Pai Omulu, mas vou uma vez e não posso ir mais. Não tenho

ido frequentemente porque prefiro evitar brigas e confusões com o meu marido, ele não aceita e fala que

lá só tem coisa errada, coisas de macumba. Nem quando ele está ausente eu não posso ir porque as tias

do meu marido moram aqui perto, tenho medo de elas verem e acabarem contando para ele, entendeu? Ai

a confusão está feita! Está doendo não poder ir... esses dias me deu uma saudade tão grande que comecei

a chorar” (I19 - Candomblecista).

Apesar da discriminação mencionada, uma informante relatou que sua religião de matriz

africana, o candomblé, muitas vezes, é procurado como o último recurso para enfrentamento de

doenças, sobretudo, quando as outras possibilidades, por exemplo, de natureza biomédica, ou

mesmo relacionada à prática de outras religiões, já tinham se esgotado.

“Então, a maioria vem para a religião, mais por saúde mesmo. Os motivos para entrar na religião, é como

a gente diz: umas vêm pelo amor e outras vêm pela dor. Por alguma coisa que não conseguiu uma solução,

é até como eu brinco com os meus amigos, tipo: todo mundo tem a sua religião, mas recorre à nossa

quando as coisas não tiveram solução!” (I4 - Candomblecista).

Tema cultural - Deus é o alicerce da vida: por meio da fé e dos remédios caseiros enfrento

problemas e enfermidades, mas às vezes preciso buscar ajuda médica

A cura de determinadas enfermidades era atribuída à fé em Deus. Entretanto, esta fé não

representava um obstáculo quando desejavam buscar assistência à saúde nas instituições.

Mesmo quando as mulheres recorriam aos tratamentos de saúde disponibilizados nas

instituições e obtinham sucesso terapêutico, esta ocorrência era atribuída à providência divina.

“Eu recorro à religião mais para o meu desenvolvimento mesmo, para defesa contra qualquer coisa ruim:

inveja, doença, ou qualquer outra coisa... Faço banho com ervas. As ervas que se usam, depende da sua

necessidade, para defesa, posso usar arruda, espada de São Jorge...” (I15 – Umbandista).

As próprias informantes ficam atentas ao fato de manter a necessária prudência nos casos em

que os problemas de saúde não melhoram após algumas tentativas. As informantes

demonstraram preocupação com este aspecto e admitiram a necessidade de procurar ajuda

médica, pois avaliaram que o uso das ervas não é suficiente para resolver alguns tipos de

problemas de saúde.

“Quando uma pessoa segue uma religião eu acho que ela tem que ser muito equilibrada nesse sentido, de

saúde, porque assim... as folhas estão aí, a religião está aí, mas tem algumas coisas que é de médico, não

adianta. Você sozinha não vai conseguir. Vamos supor, você tem uma inflamação aí você tomam chá ou

coisa assim e, depois de uma semana e você não vê o resultado, é médico!” (I4 - Candomblecista).

Discussão

O TC “Deus é o alicerce da vida: por meio da fé e dos remédios caseiros enfrento

problemas e enfermidades, mas às vezes preciso buscar ajuda médica! alicerçado nos três

subtemas culturais simboliza as crenças, valores e práticas de cuidado e cura desenvolvidas

pelas mulheres negras.

Estes resultados reforçam a ideia de que a religiosidade representa elemento importante no

processo saúde-enfermidade e na melhoria das condições de saúde da população negra.

Evidências científicas sobre a associação entre religião e saúde mental demonstraram que a

religiosidade, assim como a adesão às religiões, estão associadas de forma positiva com os

indicadores de bem estar psicológico, entre eles, a satisfação com a vida, felicidade, afeto

positivo e moral elevado e de forma negativa com a depressão, ideação, comportamento suicida

e abuso de drogas e álcool. Os responsáveis por este estudo indicaram a necessidade de

compreender melhor os fatores que intermediam tais associações, para que este conhecimento

possa ser aplicado na pratica clínica (MOREIRA-ALMEIDA et al., 2006).

Os resultados deste estudo foram de encontro aos achados de outras pesquisas, demonstrando

que as crenças e práticas religiosas, apesar de fazerem parte do itinerário terapêutico, não

resultavam necessariamente na interrupção do tratamento biomédico que já estivesse em curso,

sendo assim, o êxito no tratamento, quando atingido, era predominantemente atribuído à

providência divina (RABELO, 1993; FERREIRA; ESPÍRITO SANTO, 2012).

O emprego de remédios caseiros foi reiteradamente citado pelas mulheres como recurso para

tratar problemas de saúde. Este costume pode estar sendo influenciado pelas condições

contextuais à que esta população está exposta, ou seja, as dificuldades derivadas do isolamento

territorial, problemas relacionados ao transporte, má qualidade das estradas e da assistência,

sobretudo às famílias que dependem unicamente dos recursos do Sistema Único de Saúde

(SUS) para tratar doenças, além das diversas formas de discriminação a que estão submetidas

(SANTA ROSA et al., 2014).

Quanto às religiões de matrizes africanas, as informantes pertencentes ao candomblé e à

umbanda referiram ser vítimas de discriminação, corroborando dados revelados por outras

pesquisas (SANTOS; RIBEIRO, 2014). Por outro lado, estas mesmas informantes

demonstraram uma certa satisfação ao relatarem que são procuradas, pela mesma sociedade que

as discrimina, para a execução, ou participação, em rituais de cura quando os tratamentos

biomédicos não surtiram o efeito desejado. Este achado revela uma relação de ambiguidade

entre membros de religiões de matrizes africanas e católicos e/ou protestantes, pois, é como se

os primeiros fossem detentores de um conhecimento “proibido”, mas que é necessário em

alguns momentos aos últimos.

Resultados desta pesquisa também reforçaram a importância de considerar as preferências dos

pacientes nas práticas profissionais do âmbito da assistência à saúde. Relevar a perspectiva dos

usuários dos serviços de saúde, suas preferencias e necessidades individuais, assim como os

elementos envolvidos no contexto geográfico e sociocultural é fundamental para a prática

baseada na evidência (PEARSON et al., 2010). Contatou-se que a identificação de tais

preferencias e necessidades, levando em conta a religiosidade das pessoas é aspecto

fundamental para a concretização da prática baseada na evidência no cotidiano assistencial.

Importa também relevar assumir uma postura de alteridade, para com as mulheres negras,

sobretudo das camadas de baixa renda, face ás evidências demonstrando a religiosidade

enquanto elemento fundamental para promover o bem estar biopsicossocial (CORUH et al.,

2005; BOUSSO et al., 2011).

Considerações finais

Este estudo etnográfico qualifica dados quantitativos que demonstraram a importância da

religiosidade na melhoria da saúde e na qualidade de vida das pessoas.

Com relação às mulheres negras, especificamente, foram exploradas as crenças, valores e

práticas de cuidado e cura, que foram provenientes de um aprendizado intergeracional e também

das religiões. Esses achados podem ter profunda relação com determinantes sociais que

permeiam a vida das informantes no contexto estudado.

Professar religiões que possuam matriz africana pode significar mais um determinante que

potencializa desigualdade. No entanto, observou-se também uma certa satisfação quando estas

religiões são procuradas como último recurso por membros de outras religiões ou quando a

terapêutica biomédica não surtiu efeito.

Ter realizado a entrevistas somente com mulheres autodeclaradas negras pode ter direcionado

os resultados desta pesquisa. Nesse sentido, estudos que focalizem as crenças, valores e práticas

de cuidado e cura entre mulheres pertencentes à outros grupos étnicos, dentro ou não do mesmo

contexto sociocultural, seriam pertinentes.

Agradecimentos

À Mônica Feitosa Santana pelo auxílio das entrevistas e Pâmela Adalgisa Lopes Silva pela

ajuda com as transcrições.

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