os panteras negras

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X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X Tradução de Maria João Delgado e Marcelo Correia Ribeiro Notas e Bibliografia da responsabilidade do Marcelo Correia Ribeiro Adaptação para o português falado no Brasil e inserção de fotos* de Alfredo dos Santos Textos originais publicados em: A propôs de l’ideologie du “Black Panthers Party” - Eldridge Cleaver - ed. Git-le- Coueur, Paris Tout le pouvoir au peuple, a tous les peoples - Huey P. Newton - ed. Git-le-Coueur, Paris Sur la Soission du Black Panthers Party - Vários autores - ed. Git-le-Coueur, Paris Partisans N° 56 - ed. Maspero, Paris Guerre dans Babylone N° 2 - ed. Black Panthers Party Solidarity Committee * As fotos inseridas foram copiadas da Internet. Quando houver origem, colocaremos. Nas notas de rodapé; quando estiver negritado e em italico, será por conta do Vidalonga. X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X

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História d´Os Panteras Negras

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Page 1: Os Panteras Negras

X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X

Tradução de Maria João Delgado e Marcelo Correia Ribeiro

Notas e Bibliografia da responsabilidade do Marcelo Correia Ribeiro

Adaptação para o português falado no Brasil e inserção de fotos* de Alfredo dos Santos

Textos originais publicados em:A propôs de l’ideologie du “Black Panthers Party” - Eldridge Cleaver - ed. Git-le-Coueur, Paris

Tout le pouvoir au peuple, a tous les peoples - Huey P. Newton - ed. Git-le-Coueur, Paris

Sur la Soission du Black Panthers Party - Vários autores - ed. Git-le-Coueur, Paris

Partisans N° 56 - ed. Maspero, Paris

Guerre dans Babylone N° 2 - ed. Black Panthers Party Solidarity Committee

* As fotos inseridas foram copiadas da Internet. Quando houver origem, colocaremos. Nas notas de rodapé; quando estiver negritado e em italico, será por conta do Vidalonga.

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Page 2: Os Panteras Negras

APRESENTAÇÃO

Camaradas, depois de muito tempo, termino de reescrever este livro. Tudo começou em 1995 quando fui à Biblioteca Municipal Mário de Andrade (São Paulo) fazer uma pesquisa sobre os Panteras Negras. Para minha sorte, existe lá um (único) exemplar do livro, que copiei. Como me interessou alguns trechos do livro, xeroquei na própria biblioteca (naquela época era ainda permitido) e não sei porque motivo, guardei.

Voltei a usá-lo anos depois, quando do Comitê São Paulo pela Libertação de Mumia Abu-Jamal. Voltei à biblioteca para xerocar mais algumas páginas, mas soube da existência de uma lei que proibia xerocar livros e o Prefeito daquela época, Celso Pitta, mandou tirar as má-quinas copiadoras, da Mário de Andrade. Então, comecei a manuscrever os que me interes-sava.

Dai, passou-se toda a campanha do Comitê por Mumia Abu-Jamal (que por sinal, fez um bom trabalho) e acabei adormecendo a ideia. Muita água correu por São Paulo (tão carente hoje em dia). Surgiram outros acontecimentos raciais na Babilônia (no livro explico o termo) e, sempre voltava a ideia do reescrevê-lo uma vez que o livro, só existe um exemplar na Mário de Andrade e me parece, um numa Universidade de Santa Catarina. Procurei em sebos, sem al-gum resultado.

Como acontece frequentemente, de associarem o Partido das Panteras Negras aos conflitos raciais na Babilônia, como aconteceu recente cidade de Ferguson e anteriores, resolvi voltar nessa tarefa, com muita indisciplina minha. @s leitor@s vão perceber muitas diferenças entre o Partido fundado por Huey P. Newton e Bobby Seale com o atual. Enquanto o anterior se afirmava marxista-leninista, o Partido de agora é, na nossa opinião, fundamentalista e, quanto ao fatos de imagens serem divulgadas nas televisões, dos “novos” Panteras estarem armados, lembramos de que a Constituição estadunidense, permite o uso de armas.

Para aquel@s que usam o termo Black Power, saberem, a expressão "Black Power" foi criada por Stokely Carmichael, militante radical do movimento negro nos Estados Unidos, após sua vigésima sétima detenção em 1966. "Estamos gritando liberdade há seis anos. O que va-mos começar a dizer agora é poder negro", anunciou.

Com o término desta tarefa, percebo que a História dos Panteras Negras (deste livro) não está devidamente esclarecida. Muitos textos que tenho lido, inclusive das Organizações da Esquerda brasileira, só fazem trazer mais confusões ainda a respeito dos Panteras Negras.

Voltarei como nova tarefa que me imponho, com outro “livro” virtual, contando fatos para a maioria d@s leitor@s desconhece. Só lembrando; o livro (feito há 43 anos), que trago hoje, foi proibido em Portugal pela ditadura salazarista e por aqui, também, viviamos na ditadura, tal-vez esteja ai não haver o livro que agora trago.

Como informação posso dizer que além deste livro, na Mário de Andrade existe um ou-tro, em espanhol (traduzido do italiano), de Roberto Giammanco: Black Power - Poder Negro.

Alfredo (vidalonga)

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Em memória de Malcom X e de George Jackson que morreram assassinados pelo Imperialismo e a todos os que continuam o combate dedicamos esta tradução

Page 4: Os Panteras Negras

I PARTE

SOBRE A IDEOLOGIA DO PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS

Eldridge Cleaver

Já o dissemos: a ideologia do Partido das Panteras Negras é a experiência histórica do povo negro, a sabedoria acumulada pelo povo negro no decurso da sua luta de quatro séculos contra o sistema de opressão racista e de exploração econômica na Babilônia, interpretadas através do prisma da análise marxista-leninista, pe-lo nosso ministro da defesa Huey P. Newton.

No entanto temos de insistir muito na última parte desta definição: “interpretadas ... pelo nosso ministro da Defesa”. O mundo do marxismo-leninismo tornou-se nu-ma selva de opiniões onde interpretações contraditórias, desde o revisionismo de direita ao dogmatismo de esquerda, tentam fazer passar por marxismo-leninismo revolucionário as suas filosofias reacionárias e cegas. Em todo o mundo, em todos os países, pessoas que reivindicam o título de marxista-leninista digladiam-se ferozmente. Semelhante situação provoca sérios problemas a um jovem partido como o nosso, ainda em fase de elaboração ideológica.

Quando nos declaramos marxista-leninista queremos dizer que estudamos e compreendemos os princípios fundamentais do socialismo científico e que retomamos estes princípios com vista a adaptá-los à nossa situação. E, portanto não abordamos com espírito fechado as ideias novas e a informação. Ao mesmo tempo, sabemos que, para resolver os nossos problemas ideológicos específicos, temos de confiar nas nossas próprias cabeças.

Há muito tempo que o povo negro se remete para as análises e perspectivas ideológicas dos outros. Doravante a nossa luta chegou a um ponto em que seria um suicídio ficarmos nesta situação de dependência. Ninguém no mundo se encontra numa situação idêntica à nossa, e ninguém, que não nós próprios, poderá tirar-nos dela. Há muitas pessoas demasiado dispostas a pensar por nós, quando somos nós a morrer. Mas já não estão de acordo quando é necessário ir até o fim e morrer em nosso lugar. Se é que temos que morrer por ideias, que ao menos seja pelas nossas; assim, acabaremos de uma vez para sempre com esse servilismo que nos tem levado a morrer por todas as causas e por todos os erros... exceto pelos nossos.

Um dos contributos essenciais de Huey Newton foi o de ter dotado o Partido das Panteras Negras de sólidas bases idológicas que nos libertaram do servilismo ideológico e nos abriram a via do futuro - um futuro ao qual devemos das novas formulações idológicas, que correspondam à nossa situação em constante mutação.

Muitos, a maior parte dos ensinamentos de Huey Newton não são conhecidos do povo, pois Huey foi colocado na impossibilidade de comunicar conosco, e muito do que nos ensinou, quando ainda em liberdade, foi deturpado e atenuado, visto que justamente, o Partido das Panteras Negras se achava muito limitado pelos seus problemas com os tribunais, e pelos seus esforços com vista a causar boa impressão neles a fim de que os nossos advogados tivessem menos dificuldades em convencer o júri da justeza da nossa causa. Todo este cambalacho com os tribunais provocou muita confusão.

Assim, muitas pessoas confundem o Partido das Panteras Negras com o movimento “Libertai Huey” ou com as numerosas campanhas de massa que fomos forçados a organizar para dar um apoio de massa aos nossos camaradas pelos policiais (no original “pigs” - porcos: termo criado por Huey para designar a natureza vil dos policiais). Temos toda a razão em organizar estas campanhas de massa, mas já não a temos quando confundimos a nossa “Mass-lign” (1) com a linha do nosso Partido.

Essencialmente, o que Huey fez foi fornecer a ideologia e a metodologia que permitem organizar o lumpemproletariado (lumpen-proletariat - no original) negro dos centros urbanos. Armados desta perspectiva ideológica e deste método, Huey transformou o lumpemproletaria-do negro, de povo relegado para margem da sociedade, em vanguarda do proletariado.

Page 5: Os Panteras Negras

Há muita confusão relativa à questão de saber se pertencemos à classe operária, ou então ao lumpemproletariado. Não podemos iludir a questão dado tal ser fundamental para a estratégia a tática que seguimos e ainda por estar na origem das nossas difíceis relações com os radicais que pertencem à camada dos opressores da Babilônia (Babilônia: termo usado por Eldridge Cleaver, e depois por toda a esquerda americana para designar os Estados Unidos da América. Babilônia é, na Bíblia, o símbolo da decadência e da corrupção).

Alguns pseudo marxistas-leninistas atacam-nos por aquilo que dizemos, o que é bom, pois que algumas pessoas se intitulam marxistas-leninistas e, na realidade, são os inimigos confessos do povo negro. Porém, nós analisaremos o seu caso mais adiante. Queremos vê-los prosseguir nesse caminho, e fá-lo-ão enquanto sua estupidez e a sua arrogância racista os cegarem, pois assim ser-nos-á mais fácil ajustar contas no futuro.

É de espírito fraterno que formulamos as nossas críticas acerca do modo como alguns marxistas-leninistas aplicam os princípios fundamentais do marxismo-leninismo à situação específica dos Estados Unidos, pois estamos convencidos da necessidade de um movimento revolucionário unificado nos Estados Unidos da América, de um movimento imbuído dos princípios revolucionários do socialismo científico. Huey P. Newton diz: “o Poder é a capacidade de definir um fenômeno e de o transformar em ação segundo os nossos desejos.”. E nós temos necessidade de poder, uma necessidade desesperada de replicar poder dos opressores que tão duramente nos oprimem.

A ideologia é a definição de um determinado estado de coisas, sob todos os aspectos, de modo que, simultaneamente, toma em consideração a história passada e futura desse mês-mo estado de coisas, e atende ao “cimento” social que une o povo e pelo qual este consegue captar as suas relações com o mundo e com os outros povos. A ideologia correta é uma arma invencível contra os opressores na nossa luta pela liberdade e pela nossa libertação.

Marx definiu a época da burguesia e indicou a direção do futuro Proletário. Fez a análise do Capitalismo e enunciou o método que permitirá destruí-lo: “a revolução violenta conduzida pelo proletariado contra o aparelho do Estado burguês de opressão de classe e repressão. A violência revolucionária contra classe contrarrevolucionária perpetrada pelas forças da repressão especiais dos tentáculos armados do Estado.”.

Esta grande definição de Marx e Engels tornou-se a arma mais poderosa que os povos oprimidos jamais possuíram em toda a história da ideologia. Marca um gigantesco passo a frente de toda a humanidade. E desde a época de Marx a definição tem vindo a reforçar-se, a elaborar-se, a esclarecer-se, a aperfeiçoar-se cada vez mais.

Porém o marxismo nunca tratou realmente dos Estados Unidos. Houve algumas tentativas. Fez-se o melhor que podia. No entanto, no passado, os marxistas-leninistas americanos apoiaram-se demasiadamente nas análises importadas do estrangeiro, deformando assim, seriamente, a realidade da vida americana. Podemos dizer que o marxismo-leninismo do passado pertence ao período de gestação do marxismo-leninismo nos Estados Unidos, e que chegou finalmente a época de aparecer uma nova síntese ideológica, estritamente americana; que brotará do coração e do espírito dos povos oprimidos no interior da Babilônia, que unirá os seus povos e lhes dará um poderoso impulso a toda a força da sua luta e que os lançará no futuro. O rápido crescimento da revolução na América é como uma grande tempestade acumulando as suas forças, e nada impedirá que esta tempestade arrebente, expulsando os opressores do poder e todas as suas pulhices opressivas. E os filhos dos opressores e os povos oprimidos poderão então dançar cuspindo sobre as valas comuns desses opressores.

Há muitos Negros nos Estados Unidos que são perfeitamente felizes, que não se sentem oprimidos e que se creem livres. Há-os mesmo que creem que o Presidente não é mentiroso, que o consideram mais ou menos honesto; que decisões do Supremo Tribunal são, por assim dizer, éditos de Deus; que os opressores existem para velar pela lei; e que as pessoas sem empregos são muito simplesmente uns preguiçosos, uns inúteis que deveriam castigar-se severamente. Estes negros são caranguejos que devem deixar-se cozinhando mais tempo do que os outros na panela da opressão antes de estarem prontos e aptos a compreender. Mas os Negros, na sua grande maioria, estão cheios de ressentimentos e sabem

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que são oprimidos e que não são livres, e não acreditariam em Nixon (2) mesmo que ele se reconhecesse a si próprio como opressor; para eles o Supremo Tribunal e os outros tribunais nada têm a fazer; e sabem que os patifes dos opressores racistas são seus inimigos confessos. E quanto às misérias, sabem-se nela.

Esses milhões de Negros não têm representantes políticos, não estão organizados e não possuem, não controlam sequer a menor parte dos recursos naturais; nada possuem nem controlam na máquina industrial, e o seu destino quotidiano é o “salve-se quem puder”, é a luta pela sobrevivência.

Cada Negro sabe que o vento pode mudar de um momento para o outro e que a populaça linchadora constituída pelos elementos brancos da “classe operária” virá no seu encalço e talvez mesmo arrombar a sua porta. São estes fatores que nos obrigam a ter muito cuidado a esclarecer bem as questões sempre que nos apresentamos como marxistas-leninistas.

Sobre a questão do racismo, o marxismo-leninismo dá-nos pouca ajuda. De fato, vários índices nos levam apensar que o próprio Marx e Engels eram racistas..., tal como os nossos irmãos e irmãs brancas do tempo, e como muitos marxistas-leninistas o são ainda hoje. Historicamente, o marxismo-leninismo é uma excrescência dos problemas europeus e a sua primeira preocupação foi encontrar soluções para os problemas europeus.

Com a fundação da República Democrática Popular da Coréia em 1948 e da República Popular da China em 1949, injetou-se novo sangue ao marxismo-leninismo, que deixou de ser um fenômeno estreito, exclusivamente europeu. O camarada Kim Il Sun e o camarada Mao Tsé-Tung aplicaram os princípios fundamentais do marxismo-leninismo às condições dos seus próprios países e assim fizeram da ideologia algo útil para seu povo. Mas rejeitaram as análises que nada lhes traziam e que só diziam respeito ao bem-estar da Europa.

Tendo em conta a história racista dos Estados Unidos, é muito difícil para os Negros declararem-se marxistas-leninistas (ou qualquer outra coisa cujo nome venha dos Brancos) sem se sentirem pouco à vontade. É a mesma coisa que rezar a Jesus - um homem branco. Devemos insistir no fato de Marx e Lênin não terem sido os inventores do socialismo. Nada mais fizeram do que dar-lhe a sua contribuição, enriquecer a sua doutrina, como muitos outros antes deles. E não devemos esquecer que não foram Marx e Lênin quem organizou o Partido das Panteras Negras, mas sim Huey P. Newton e Bobby Seale.

Até Fanon (3), nenhum teórico marxista-leninista de nome se tinha preocupado com os problemas dos Negros ou com a sua existência. E mesmo Fanon, nas suas obras publicadas, consagrou-se essencialmente à África. A sua obra só indiretamente é útil aos Afro-Americanos. Fanon está simplesmente mais próximo de nós, pois ele está manifestamente desprovido desse “parti pris” racista que fez os teóricos brancos, que se interessavam primeiro por si próprios e pelos problemas do seu próprio povo, abordassem tão pouco as questões dos Negros. Mas, ainda que nos sintamos muito próximos de Fanon, a verdade é que ele não nos deu a chave que permite aplicar a análise marxista-leninista aos nossos problemas nos Estados Unidos. Ninguém nos dará esta chave pois ninguém a poderá dar. Temos de a descobrir nós próprios e enquanto não a encontrarmos as coisas andarão forçosamente mal.

Devemos tomar como base os ensinamentos de Huey P. Newton. Qualquer outro caminho levar-nos-á a um fim triste e deplorável.

Fanon lançou um ataque devastador contra o marxismo-leninismo cujas preocupações se limitavam à Europa, aos assuntos dos Brancos e aos meios de os solucionar, colocando in-distintamente todos os povos do Terceiro Mundo na categoria de lumpemproletariado e ai es-quecendo-os; Fanon fez sair do ninho a noção do lumpemproletariado e dedicou-se a analisá-la, reconhecendo que a vasta maioria dos povos colonizados pertenciam a essa categoria. Ora dado que o povo negro dos Estados Unidos é, também ele, um povo colonizado, é que a análise de Fanon vale igualmente para nós.

Depois de ter estudado Fanon, Huey P. Newton e Bobby Seale começaram a aplicar a sua análise dos povos colonizados ao povo negro dos Estado Unidos. Fizeram sua a pers-pectiva de Fanon, mas dotando-a de um conteúdo puramente Afro-Americano.

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Tal como distinguimos a mother country (4) da colônia quando tratamos dos Negros e Brancos globalmente, devemos fazer a mesma distinção quando tratamos das categorias ditas “classe operária” e lumpemproletariado.

Nos Estados Unidos, temos uma “classe operária mother country” e uma “classe ope-rária da colônia negra” temos também um “lumpemproletariado mother country” e o “lumpem-proletariado” da colônia negra. Ao nível da “mother country” própriamente dita, estas categrias são geralmente estáveis, mas se examinarmos a colônia negra, apercebemo-nos que já não é possível fazer distinções nítidas e rápidas. Isto é devido ao efeito de nivelamento do processo de colonização, e o fato de que todos os negros são colonizados, mesmo se alguns dentre eles tiverem direito a um regimen de favor graças às sinistra combinações dos exploradores colo-niais “mother country”.

Há uma diferença entre os problemas da classe operária “mother country” e os da classe operária da colônia negra. Há também uma diferença entre o lumpemproletariado “mother country” e o lumpemproletariado da colônia negra. Nada ganhamos em esconder estas dife-renças como se elas não existissem. São fatos objetivos que devemos ter em conta. Para de-monstrar que nada temos aganhar, basta considerar a longa e amarga história das lutas dos operários da colonia negra combatendo pela democracia no seio dos sindicatos “mother coun-try”.

Históricamente caímos na armadilha da crítica dos sindicatos “mother country” ou dos operários pelo seu racismo ou do modo como eles tratam os operários negros. Evidentemente, eles são racistas, mas isso não explica tudo.

Os operários brancos pertencem a um mundo totalmente diferente dos operários negros. Provêm de uma realiade econômica, política e social completamente diferente, e com base nessa realidade diferente, é muito fácil para os opressores do poder e para os bonzos sindicais manipulá-los com a ajuda do racismo babilônico. (5)

Esta realidade complexa coloca-nos perante numerosos problemas, e estes só poderão ser resolvidos por meio de uma análise apropriada. A deficiência de análise está na base do modo grotesco com que se abordam estes problemas, o que caracteriza os marxistas-leni-nistas “mother country”. E a sua análise incorreta leva-os a preconizar soluções que estão des-de logo votadas ao fracasso. Na origem de todas as suas confusões está o fato de eles en-cararem erradamente a existência de um (sic) proletariado americano, de uma (sic) classe operária americana e de um (sic) lumpemproletariado americano.

Muito bem. Somos o lumpen. É verdade. O lumpemproletariado é o conjunto de todos aqueles que não têm interesses nos meios de produção e nas instalações da sociedade ca-pitalista, e que não têm qualquer segurança nas suas relações com esses meios de produção e com essas instituições. Todos aqueles que formam essa parte do “Exército Industrial de Re-serva” que está sempre na reserva; que nunca trrabalharam e que nunca trabalharão; que não arranjam emprego; que não têm qualificações nem aptidões; que foram substituídos por má-quinas, pela automação, pela cibernética, em quem nenhum patrão jamais quis investir en-sinando-lhes as novas técnicas; que vivem dos subsídios do fundo do desemprego e de abo-nos do Estado.

São também aqueles a quem chamam “a escumalha (escória)”, que vivem de expe-dientes, que só vivem do que conseguem roubar aqui e ali, que apontam uma pistola à cabeça dos ricos dizendo “mãos ao alto” e “passa para cá a grana!” Aqueles que não querem empre-go, que detestam o trabalho e que não estão dispostos a servir de alvo a qualquer repressor, que preferem estourar com um opressor e roubar-lhe a carteira do que trabalhara para ele; aqueles a quem Huey Newton chama de “capitalistas ilegítimos”. Em resumo, todos oes que foram simplesmente excluídos da economia e despojados da parte da herança social a que têm direito.

Mas, embora lumpen, nem por isso deixamos de pertencer ao proletariado, categoria que deveria teóricamente ultrapassar as fronteiras nacionais, mas que na prática deixa muito a desejar.

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AS CONTRADIÇÕES NO SEIO DO PROLETARIADO AMERICANO

Tanto na “mother country” como na colônia negra, a classe operária constitui a ala direita do proletariado, e o lumpen a sua ala esquerda. No próprio seio da classe operária existe uma contradição principal entre os que trabalham e os que estão desempregados. E há certamente uma contradição principal entre a classe operária e o lumpen.

Alguns pseudos marxistas-leninistas particularmente míopes denunciaram o lumpen co-mo o parasita da classe operária. É uma acusação estúpida que só pode ser formulada por pessoas que leram demasiadamente as notas de rodá-pé das obras de Marx e consideram sagradas certas pequenas frasesinjuriosas que ai se podem encontrar.

Na realidade, é perfeitamente correto dizer que a classe operária, e, em particular, a classe operária americana, é o parasita de toda a herança da humanidade, da qual o lumpen foi completamente despojado pelo jogo sujo dos sistema capitalista que, em troca, lançou o resto da humanidade na estrumeira, subornando uma pequena parte dela a quem ele dá empregos e segurança.

A classe operária com a qual estamos hoje em contato tem muito poucas semelhanças com a classe operária da época de Marx. No início, a classe operária vivia na instabilidade e na insegurança; era, então revolucionária, e chefiava a luta contra a burguesia. Mas, no fim de longos e ásperos combates, a classe operária conseguiu abrir uma brecha no sistma capita-lista, anichando-se aí confortavelmente. A ascensão dos sindicatos, os contratos coletivos, a Segurança Social, a comissão de empresa e as outras leis destinadas a proteger o Trabalho castraram a classe operária e metamorfosearam-na em movimento sindical integrado - um mo-vimento que é, justamente, o contrário de um movimento revolucionário, só pensando em re-formas, nos aumentos de salário e na segurança do emprego.

O movimento sindical abandonou toda e qualquer crítica de base do sistem capitalista de exploração. Os Georges Meanys, Walters Reuthers, os A. Philip Randolph (6) podem ser ape-lidados, de traidores do conjunto do proletariado, mas são o reflexo e a encarnação fiéis da fisionomia geral e das aspirações da classe operária. O Partido Comunista americano pode despertar o entusiasmo do restrito público das suas manifestações (meetings - no original), pro-clamando-se A Vanguarda da Classe Operária, mas isso não impede que a classe operária considere o Partido Democrata como o instrumento legítimo da sua salvaguarda política.

De fato, atual classe operária tornou-se numa nova elite industrial, assemelhando-se mais às elites chaunivistas das corporações e dos ofícios do tempo de Marx do que às massas obrigadas a um duro labor e a uma miséria abjeta. Hoje em dia, no mercado do trabalho americano, não há nenhum emprego para o qual não se exija tanta aptidão profissional como a que se exige na elite das corporações e ofícios do tempo de Marx.

Numa economia altamente mecanizada, o nível extraordinariamente elevado da produtividade não se pode atribuir exclusivamente à classe operária. As máquinas e os computadores não fazem parte da classe operária - mesmo que alguns porta-vozes da Classe operária, e principalmente alguns “marxistas-leninistas” (sic) pareçam por vezes trabalhar como máquinas ou computadores.

A chama da revolução, que antigamente ardia violentamente no coração da classe operária, está atualmente reduzida à dimensão da chama vacilante de uma vela, que apenas tem força para lançar a classe operária da direita para esquerda, como uma bola de ping-pong, a fim de oscilar todos os quatro nãos entre os Democratas e os Republicanos, sem prestar a mínima atenção a tudo o que se encontra à sua esquerda.

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QUEM FALA PELO LUMPEMPROLETARIADO?

Alguns marxistas-leninista são culpados deste egocentrismo de classe e desta hi-pocrisia, típica das classe superiores, frente àqueles que lhes são inferiores na escala social. Por um lado, admitem voluntariamente que as suas organizações se destinam expressamente a representar os interesses da classe operária. Mas, por outro lado, vão mais longe e acabam por dizer que sendo os representantes dos interesses da classe operária, são também os re-presentantes dos interesses do conjunto do proletariado. Isto é manifestamente falso. É um postulado totalmente gratuíto, que provém do seu egocentrismo de organização e que é, em parte, o responsável pelo lamentável fracasso das aus tentativas de fazer uma revolução na Babilônia.

E dado que existe uma clara contradição entre a ala direita e a ala esquerda do prole-triado, e tendo a ala direita criado as suas próprias organizações, é necessário que a ala es-querda se dote das suas próprias formas de oranização a fim de repesentar os seus interesses face a todas as classes hostis - inclusive a classe operária.

A contradição entre o lumpen e a classe operária é muito séria, porque ela nos obriga a definir uma outra estratégia e a recorrer a outras táticas. A revolta dos estudantes faz-se nas universidades, a revolta dos operários faz-se nas fábricas, nos piquetes de greve. Mas o lum-pen encontra-se numa situação especial, dada a impossibilidade de encontrar emprego e, por razões mais fortes, de entrar na umiversidade. A única opção que lhe resta é fazer a sua re-voltas na Universidade das Ruas.

É muito importante reconhecer que a rua pertence ao lumpen, e que será a rua o local de revolta do lumpen.

Uma das características essenciasi da luta de libertação dos Negros nos Estados Unidos é a de que a maior parte das ações foi levada a cabo na rua. Tal resulta do fato de normal-mente ser o lumpen negro que constitui a ponta de lança das rebeliões negras.

É exatamente por causa da sua relação com os meios de produção e com as institui-ções, que o povo negro está impossibilitado de exprimir a sua revolta ao nível desses meios de produção e das instituições: pois esta relação é caraterística do lumpen. Mas isto não siginifica que a rebelião na rua não seja a legítima expressão de um povo oprimido. É o único meio que o lumpen possui para se revoltar!

O lumpen foi excluído da economia. E quando empreende ações diretas contra o sis-tema de opressão, é frequentemente acolhido com apupos e graçolas por parte dos porta-vozes da classe operária, que fazem coro com os oradores da burguesia. Estes belos oradores gostam de desacreditar as lutas do lumpen denunciando a sua “espontaneidade” (isto porque não são eles a dirigir as ações), a sua “falta de organização”, o seu “caráter caótico e não dirigi-do”. Trata-se de análises tendenciosas estabelecidas a partir do ponto de vista tacanho da classe operária. Mas isso não impede o lumpen de avançar, recusando-se a ser refreado ou controlado por meio de táticas que correspondem às condições de vida da classe operária e às suas relações com os meios de produção.

A situação do lumpen dificulta-lhe muito a manifestação das suas queixas contra o sis-tema. Os operários têm a possibilidade de fazer greve contra a fábrica e contra o patronato e por meio do aparelho sindical encontram processo de arbitragem e “canais” por onde dão a conhecer as suas reivindicações.

As negociações coletivas constituem a via descoberta pela classe operária para sair do abismo de opressão e de exploração, porém o lumpen jamais tem oportunidade de recorrer a elas. O lumpen não tem um ponto de fixação institucionalizado na sociedade capitalista. Não conhece opressores diretos, exceção feita talvez aos policiais que ele tem diariamente de en-frentar.

Assim, dado que são justamente as próprias condições de vida do lumpen que provo-cam as suas reações chamadas “expontâneas” contra o sistema e dado que está submetido a uma opressão extremamente violenta, é natural que as suas ações contra o conjunto do sis-tema sejam também extremas. Sente-se abandonado por todas as organizações, inclusive os sindicatos e o Partido Comunista, que o desprezam e injuriam, considerando-o, segundo as

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próprias palavras de Marx, o pai de todos os partidos comunistas, como “a lia (bagaço) da so-ciedade”. O lumpen vê-se forçado a driar as suas prórpias formas de rebelião segundo as condições de vida e a sua particular relação com os meios de produção e com as instituições da sociedade. Quer isto dizer que atacará todas as estruturas que o cerca, inclusive a ala di-reita do proletariado, no momento em que esta tentar cortar o caminho da revolução.

As análises erradas dos ideólogos da classe operária acerca da verdadeira natureza do lumpen constituem umas das principais causas do atraso no desenvolvimento da revolução nos meios urbanos. Pode dizer-se que os autênticos revolucionários dos centros urbanos de todo o mundo foram excluídos da revolução pelas análises de certos “Marxistas-Leninista”.

Notas1) Mass-lign: é um termo que exprime o conjunto dos temas ideológicos e políticos pelos quais o Partido das Panteras Negras pretende levar as massas a aderir à sua política.

Por linha do Partido, Eldridge Cleaver pretende significar o conjunto da política e dos métodos concretos de aplicação desta política.

Neste texto, são por eles expostos os fundamentos desta linha.2) Nixon (Richard Milhous) - Em 1953, foi eleito vice-presidente enquanto Dwight Eisenhower se elegia presidente dos Estados Unidos.

Em 1960, fora derrotado pelo democrata John Kennedy na eleição presidencial, por menos de 80 mil votos de diferença e por pequena margem no Colégio Eleitoral. Persistente, voltou a candidatar-se pelo Partido Republicano em 1968, vencendo a elei-ção contra o democrata Hubert Humphrey. Em 1972, foi reeleito com esmagadora maio-ria no Colégio Eleitoral (520 votos a 17) sobre o oponente George McGovern.

Nixon negociou a retirada das forças dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã, aproximou o país da República Popular da China e viajou a Moscou, onde deu im-pulso às negociações com a União Soviética sobre a redução de armamento. Ele sempre se posicionou de forma contrária à difusão do comunismo, considerando-o uma ideo-logia nociva.

Na política interna, Nixon travou dura luta contra a inflação, mediante o controle de preços e salários e a redução dos gastos públicos.

Renunciou em 9 de agosto de 1974, em virtude do escândalo Watergate, pouco an-tes da votação pelo Congresso da cassação de seu mandato - o impeachment. O trauma político causado pelo episódio foi grande (tanto que os americanos acabariam por es-colher na eleição seguinte Jimmy Carter, um candidato religioso e apegado a valores morais). (Wikipédia.org).3) Frantz Fanon - psicólogo negro. É um dos fundadores do pensamento terceiro-mundista.

Bibliografia:Pele Negra, Máscaras Brancas (1952)L'An V de la révolution algérienne (1959)Os Condenados da Terra (1961)Pela Revolução Africana (1964)

4) Mother country: termo da fraseologia do Partido das Panteras Negras designando o conjunto do sistema capitalista do repressor branco à colônia negra do interior.5) Os negros americanos (e depois toda a esquerda extraparlamentar) apelidaram os EUA de Babilônia, referência que está na tradição cultural da comunidade negra. A título de exemplo, lembremos os “spirituals” em que é cantada a perseguição do povo negro por Faraó (os perseguidores racistas)...6) Nomes de dirigentes sindicais americanos.

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ENTREVISTA COM BOBBY SEALE

Partisans - Nº 56 de novembro - dezembro de 1970

Bobby Seale na prisãoPartisans - você está preso desde agosto.

Pode dizer-nos como é tratado? (1)Bobby Seale - Estive já em muitas prisões

desde que fui capturado a 19 de agosto: a do condado de S. F., a do condado de Cook (Chicago) além de muitas outras. Quando estive na prisão do condado de S. F., fui metido num buraco por ter em minha posse um exemplar de um número do jornal do partido “P. N.” que um dos guardas acabou por me entregar depois do meu advogado, Charles Garry, ter dito que eu precisava tirar algumas notas sobre discursos meus para po-

der falar disso no processo.P - Pode descrever o buraco?BS - É uma espécie de caixa com 5 pés de largura por 7 de comprimento (± 1,55 X 2,15

m). Não tem cama nem lavatório, mas apenas um buraco no solo para defecar e urinar, e o seu conteúdo transborda frequentemente. O buraco foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal em 1966. Recentemente, houve um inquérito sobre as condições de vida nas prisões dos condados, mas de cada vez que um membro do grande júri aparece, tiram o prisioneiro do buraco e, logo que ele parte, voltam a metê-lo lá.

P - Que é que está autorizado a ler?BS - A única leitura permitida é a dos grandes jornais diários e estes pouco ou nada

publicam no que diz respeito a obras históricas ou literárias de autores negros que analisem o movimento revolucionário atualmente em curso na América. Os livros que focam a história dos Chicanos (2) ou dos povos africanos ou asiáticos na podem entrar aqui na prisão. É-me, pois, impossível lê-los.

P - Porque o acusam de pertencer aos oito conspiradores de Chicago (3), tendo em conta que as suas relações com os outros sete acusados eram quase inexistentes e que só passou doze horas em Chicago, na época do motim?

BS - Bom, eu era, com Huey Newton e Eldridge Cleaver um dos dirigentes que tinham decidido que os Panteras Negras participariam no combate revolucionário. Huey estava preso, Cleaver no exílio. Tinham portanto de me apanhar também. Na época em que fui acusado estava na Escandinávia fazendo uma série de conferências. Talvez tivessem pensado que eu não voltaria. As razões por que me apanharam são as mesmas que os levaram a perseguir o irmão (David) Hilliard e outros dirigentes do Partido. Não têm quaisquer testemunhos contra mim. Tudo o que fiz foi um discurso (em Chicago) no qual disse que tínhamos o direito de nos defendermos contra os ataques injustificados e brutais. Sempre o dissemos nos nossos discursos mas deturparam as minha palavras e disseram que eu tentei fomentar um motim. Ora, a existência do Partido das Panteras Negras mostra claramente que não acreditamos na eficácia de motins espontâneos. E não acreditamos nisso porque muitos dos nossos foram já mortos por causa da falta de organização. Uma outra razão pela qual me acusaram é porque o poder começa a aperceber-se que cerca de trinta milhões de negros começam a prestar atenção às palavras de ordem do Partido. Se fossemos racistas, poderiam facilmente isolar-nos, mas isso não acontece.

P - O Partido foi criticado pela sua teoria. Que pensa disso?BS - Como resposta dar-lhe-ei um exemplo. Quando empregamos o termo porcos (4),

estamos designando as pessoas que violam sistematicamente os direitos constitucionais -

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sejam capitalistas monopolistas ou simplesmente policiais -. O termo é agora empregado corretamente pelos radicais, pelas minorias e pelos “hippies”. Mesmo os operários, quando os porcos ajudaram os furadores de greve, como aconteceu na Union Oil de Richmond, onde cem policiais das forças locais espancaram os grevistas, começaram a chamá-los pelo verdadeiro nome. Mas eu penso que as pessoas, particularmente os brancos, devem compreender que a linguagem do ghetto é uma linguagem especial e que o Partido - do qual a maior parte dos militantes provêm do ghetto - deseja falar ao povo, deve usar a linguagem do povo.

P - As acusações contra si e o próprio processo terão alguma relação com as contínuas tentativas do mayor Daley (5) e das autoridades de Chicago para destruir o Partido das Panteras Negras, tentativas essas que, desde dezembro, tiveram como resultado a morte de Fred Hampton e de Mark Cleark? Teriam medo da crescente influência do Partido nos bairros ocidentais de Chicago?

BS - Com certeza. Mas eu não penso que a utilização do processo dos conspiradores, como ponto de partida para um ataque ao Parido provenha unicamente de uma fração da classe dirigente mais demagoga e avara. Toda a classe dirigente participou nesta tentativa de liquidação do Partido. Quando vemos o que aconteceu ao irmão Fred Hampton e ao irmão Mark Cleark no ataque na madrugada (6), quando assistimos a este tipo de atuação, estamos perante ao fascismo. Eles julgam que se conseguem safar porque pensam que enganaram toda a gente. Quando acusam alguém, os mass media (7) desacreditam totalmente o acusado. Sabemos, por exemplo, o que aconteceu aos membros do Partido em Connecticut e em Nova York ... E, no caso do irmão Hilliard, que não houve qualquer compreensão da parte da imprensa não só em relação à maneira como ele fala, mas também ao que é a língua do ghetto. Por exemplo, as suas observações constituíram uma forte crítica a Nixon e a estrutura do poder por ele encarnado. Os mass media isolaram as suas observações deste contexto, criando assim, na opinião pública, o clima que permitia acusa-lo de ter proferido ameaças de morte contra o presidente. As autoridades consideravam então que a opinião pública estava já suficientemente mistificada e intoxicada pelos mass media para poderem atacar diretamente o Partido.

P - Julgo que depois de terem decapitado o aparelho dirigente do Partido, pensaram que lhes era possível atacar diretamente a massa dos militantes.

BS - Exatamente.P - E porque razão, pensa você, que o tiro lhes saiu pela culatra?BS - Não conseguiram lavar o sangue das mãos com suficiente rapidez. Já tinham feito

este gênero de coisa no passado. Por várias vezes foram assassinados muitos irmãos. Os jornais reproduziam simplesmente os relatórios da policia e ninguém sabia mais nada. Mas, no caso presente, as coisas passaram-se de outro modo. Julga-se que 80 mil pessoas vieram visitar a casa onde F. Hampton foi abatido, e puderam ver os buracos das balas na parede. Essas pessoas sabem agora o significado da palavra genocídio.

P - No caso do ataque da policia em Chicago, as pessoas puderam fazer as mesmas constatações edificantes, não é verdade?

BS - Com certeza. A policia de Chicago esperava fazer um ataque matinal de cerca de dez a quinze minutos e abandonar o local, sem qualquer dificuldade de ter abatido quem muito lhe apetecesse. Mas o Partido foi mais esperto e uma irmã, que se encontrava no escritório conseguiu fazer uma chamada telefônica antes deles cortarem as linhas, de modo que apareceu logo uma grande multidão, incluindo jornalistas, quando se iniciou o assassinato. Assim, quando a versão policial foi publicada na imprensa, as pessoas puderam compará-la com o que tinham visto.

P - É significativo que no caso de Chicago, cerca de 300 a 500 policiais, com as armas mais modernas, tenham necessitado de cinco horas para vencer um grupo de 14 Panteras Negras onde havia mulheres.

BS - É um ponto importante. Você sabe que eles tinham, mesmo, um tanque, e isso tem um nome - fascismo. Apesar dos relatórios da policia que afirmam que os policiais bateram à porta pedindo aos irmãos para sair, a verdade é que estes se encontravam dormindo no mo-mento em que eles crivaram de balas o escritório, e quando arrombaram a porta e entraram

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disparando, não tiveram outra hipótese senão defender-se. Estas táticas revelam a natureza das intenções da policia: primeiro, matar o maior número de Panteras; segundo, prender os sobreviventes recorrendo a falsas acusações. Por outras palavras, as autoridades querem eliminar os Panteras. Não escondem os seus objetivos. A imprensa revelou que, imediatamente antes do ataque de Los Angeles, Reagan (o governador Ronald) e Hoover (o Chefe do FBI) tiveram uma conversa telefônica. Assim, quando o Ministério d Justiça afirma que não pretende eliminar o Partido das Panteras Negras, sabemos que é falso e serve simplesmente para mascarar a repressão.

Notas:1) Foi libertado em agosto de 1971.2) Nome injurioso dado aos mexicanos e, por extensão, aos americanos de descendência espanhola. Claro que aqui a palavra chicano não envolve qualquer intenção injuriosa.3) O processo dos 8 de Chicago tinha como acusados, além de Bobby Seale, Rennie Davis (29 anos, coordenador nacional do New Mobilization Comittee to End the War in Vietnam), Davis Dellinger (53 anos, dirigente pacifista americano e diretor da revista Liberation, John R. Froines (30 anos, professor da Universiade de Oregon), Tom Hayden (29 anos, antigo dirigente do Students for a Democratic Society, ensaísta), Abbie Hoffman (31 anos, militante de diversos grupos de direitos cívicos, antigo dirigente do movimento Yippie), Jerry Rubin (30 anos, participou no Berkelley Free Speech Movement, dirigente pacifista), Lee Weiner (30 anos, assistente de sociologia na Northwestern University).

Estes oito homens foram considerados como promotores da grande manifestação de protesto que se desenrolou em Chicago durante a Convenção Democrata (1968). Foram acusados e violar uma nova lei federal que considera crime atravessar uma fronteira interestadual com a intenção de causar um motim!!!

Para maiores esclarecimentos, cfr. The Conspiracy, Dell Book, NY, USA, 1969.4) No original: pig. A tradução é literal, mas a palavra porco carece da força e da intencionalidade do termo inglês. N. T.5) Referência ao mayor (prefeito) de Chicago que se celebrizou ao ordenar a brutal intervenção da policia contra os manifestantes na época da Convenção do Partido Democrata.6) Ataque à sede do PPN e, Chicago (dezembro de 1969).7) Meios de comunicações.

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II PARTE

TODO O PODER AO POVO, A TODOS OS POVOS

CONTRA-ATAQUEDon Cox

Há já 400 anos que os negros são vítimas, nesta Babilônia, de todas as barbáries imagináveis: atrocidades, torturas, brutalidades e assassinatos. Desde o princípio, que alguns membros da comunidade negra têm resistido com uma inabalável coragem. Houve numerosas revoltas de escravos durante o período escravagista. A mais célebre foi chefiada por Nat Turner. Eram contra-ataques, medidas de autodefesa, tentativas de colocar um fim aos sofrimentos diários dos negros nas mãos dos escravagistas e dos seus esbirros. Nos nossos dias também alguns negros resistem com a mesma inabalável coragem. Desde 1964, eclodiram em todo o território mais de 400 revoltas da comunidade negra. Em 1966, Huey P. Newton começa a organizar estes implacáveis resistentes no seio do Partido das Panteras Negras. O nosso ministro da Defesa, Huey Newton, compreendeu que as formas de resistência das massas demonstravam que estas estavam decididas a tudo par pôr cobro às brutalidades e à privação que atingiam o povo negro. Compreendeu também que a tática empregada pelas massas era incorreta: depois das rebeliões, feito o balanço, apercebíamo-nos que as perdas dos negros em vidas humanas eram mais pesadas do que as destruições materiais sofridas pelo poder racista. Sob a direção do nosso ministro da Defesa, Huey Newton, o Partido das Panteras Negras decidiu-se, tanto na teoria como na prática, a ensinar às massas a estratégia correta de resistência. Num artigo de 3 de julho de 1967, intitulado In defense of self-defense (Em defesa da autodefesa), o camarada Huey Newton escreve: “As massas negras, reconhecendo os implacáveis (1) no mais profundo do seu desespero, sentiram-se irresistivelmente atraídas e depositaram neles uma esperança nunca desmentida, o que assusta o opressor e os seus porta-vozes, lançando-os num pânico frenético, levando-os a atos insensatos - crimes, prisões, exílios - para reduzir os implacáveis ao silêncio e permitir que ‘a festa continue’”.

A história do Partido das Panteras Negras mostra bem o gênio de Huey P. Newton e o bem fundado da sua análise da nossa situação presente. O nosso chefe e camarada, Huey P. Newton, está preso (2) cumprindo pena de 1 a 15 anos por assassinato, depois da tentativa fracassada de assassinato contra ele; Bobby Seale, presidente do Partido, foi condenado a 4 anos por ter exigido que respeitassem os direitos da defesa, baseado na 6ª Emenda Constituição; o camarada Bobby Seale é também acusado de assassinato , em Connecticut, onde o querem mandar para a cadeira elétrica; Eldridge Cleaver, ministro da Informação do Partido, foi obrigado a exilar-se depois do assassinato de Bobby Hutton, no decurso do qual Eldridge foi ferido; Davis Hilliard, secretário de Organização do Partido, tem atualmente contra ele uma quádrupla acusação (duas tentativas de assassinato e duas tentativas de resistência violenta à autoridade, tudo isso em consequência de uma única atuação desordeira. É preciso dizer que David recentemente preso por agentes dos serviços secretos é acusado de ameaças de morte contra o presidente (Nixon o rato); Emory Douglas, ministro da Cultura do Partido, arrisca-se a uma pena que vai desde 5 anos até à prisão perpétua se for considerado culpado de uns recursos de violência no decurso de uma discussão em que ele mesmo foi atacado no tribunal de S. Francisco; Don Cox, field marshall (3) do Partido, é acusado de um duplo ataque à mão armada contra a policia (cada acusação é passível de uma pena que vai de 5 anos até à prisão perpétua); e foi também preso recentemente por agentes de justiça federais pela mesma acusação. Estes são só alguns exemplos das acusações que pesam sobre os membros do Comitê Central. Há atualmente cerca de 300 membros (4) do Partido presos por razões políticas, em todo o território da Babilônia, arriscando-se alguns à pena de morte, e outros à de prisão perpétua; 21 de Nova York, 14 de Connecticut, os 16 de Chicago etc. ...; 28 Panteras

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foram assassinados: Bobby Hutton, Alprentice, Bunchy Carter, John Jerome Huggins, Fred Hampton, Tower Pope, para só citar alguns (5).

Desde a organização do Partido pelo nosso chefe, o camarada Huey Newton, em 1966 foram assassinados no território da Babilônia, centenas de negros, milhares foram presos. Huey P. Newton - preso

Chegou a época de intensificar a luta. É necessário ampliar o âmbito dos nossos métodos de resistência e passar ao CONTRA-ATAQUE. Temos de destruir o mecanismo que re-duz o mundo à escravatura, o opressor tem de ser esmagado até à destruição total, dia e noite, sem tréguas como disse muito justamente o nosso secretário à Organização - eliminaremos quem quer que se atrevesse no caminho da nossa libertação, inclusive Nixon. A história ensina-nos que só aqueles que se bateram e que mataram conseguiram libertar-se. Um escravo que morre e morte natural não vale meio tostão furado. Se não estivermos prontos a CONTRA-ATA-CAR, a matar ou morrer, então temos de aceitar o destino, qualquer que ele seja, que o poder racista e fascista dos Estados Unidos nos quiser impor. Não temos tempo para teorizar a nossa situação. Perante os atuais acontecimentos, a única realidade é a luta

armada e o CONTRA-ATAQUE. O poder nada cede sem que lhe seja exigido. Quando vamos que o meio a que recorrem os racistas para nos submeter e relegar para o nível mais baixo da escala social, é a violência, é evidente que será pela violência que nós eliminaremos os obstáculos e poremos o poder nas mãos do povo, conquistando a nossa libertação. A divisa do Partido das Panteras Negras é: Somos partidários da abolição da guerra. Não queremos a guerra. Mas a guerra só pode ser abolida pela guerra. Para abandonarmos as armas é preciso pegar em armas. O nosso chefe, o camarada Huey P. Newton, diz: “Quando um mecânico quer reparar o motor de um carro, precisa de ferramentas necessárias para isso. Quando o povo se põe em marcha para se libertar, necessita da ferramenta fundamental da libertação - isto é, de armas”. Só o poder das armas permitirá às massas negras pôr cobro ao terror e à brutalidade que o poder racista lhe impõe. E, em certo sentido, não é senão pelo poder as armas que o mundo será transformado nesse paraíso terrestre sonhado pela humanidade desde tempos imemoriais.

CHEGOU O MOMENTO DE INTENSIFICAR O COMBATE!CONTRA-ATACAI!

Don Cox

Notas:1) Tradução literal. O termo é aqui empregado em conexão com a mesma expressão acima usada e referida aos resistentes negros do passado.2) Este texto foi escrito antes da libertação de Huey Newton. Nota do editor.3) Agente de Campo.4) Este número tem aumentado. Em março de 1971 Guerre en Babylone (boletim de solidariedade editado em Paris) anunciava 400 prisioneiros de guerra.5) Em agosto de 1971, Georges Jackson, um dos Soledad Brothers foi morto na prisão quando tentava fugir (!)

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PRISÃO, ONDE ESTÁ A TUA VITÓRIA?Huey P. Newton

Quando se estuda matemática, aprende-se que há numerosas leis matemáticas que determinam o caminho a adotar quando se quer resolver os problemas que se nos põem. No estudo da geometria, uma das primeiras leis a ser ensinada é a seguinte: “O total nunca excede a soma das partes”. Isto significa que não podemos ter uma figura geométrica, por exemplo um círculo ou um quadrado, que contenha, na sua totalidade, mais elementos do que quando estava dividida em partes. Assim, se a soma de todas as partes representa uma determinada quantidade, a figura inteira não pode representar uma quantidade mais importante. A prisão nunca pode vencer o prisioneiro, porque os que a dirigem têm um ponto de vista idêntico e supõem que, se possuem o corpo de um prisioneiro fechado numa cela, possuem também aquilo que faz dele um ser humano. Mas um prisioneiro não é uma figura geométrica, e o que em matemática é correto falha totalmente quando aplicado aos homens.

No caso do homem, não podemos cingir-nos a um simples indivíduo, temos igualmente que considerar as ideias e as convicções que o motivaram e que o apoiam, mesmo quando seu corpo está preso. No caso da humanidade, o todo é muito maior do que a soma das partes, pois que o todo comporta não só o corpo que se pode medir e aprisionar mas também as ideias que não podem ser medidas nem aprisionadas. As ideias não estão só na cabeça do prisioneiro, onde se não podem ver nem controlar, as ideias estão também na cabeça das massas onde igualmente não podem ser vistas nem controladas. As ideias que podem apoiar e realmente apoiam o nosso movimento pela libertação total e pela dignidade do povo, não podem ser aprisionadas pois estão no povo, em todas as pessoas, onde quer que estejam. Enquanto o povo viver com os ideais de libertação e de dignidade no pensamento, nenhuma prisão poderá conter o nosso movimento. As ideias passam de pessoa para pessoa entre os nossos irmãos e irmãs que sabem que um dos mais diabólicos sistemas, o sistema capitalista, nos lançou uns contra os outros, quando afinal o único inimigo é o explorador que se aproveita da nossa miséria. Quando nos compenetrarmos desta ideia, começamos a amar e a apreciar os nossos irmãos e irmãs que antes considerávamos inimigos; e esses exploradores, que considerávamos amigo, apareceram-nos, então, tal como na realidade são e agem face aos oprimidos.

O respeito e a dignidade do povo - o avanço para a libertação é uma ideia do povo - é a força que nos apoia no exterior e que invade as prisões. Os muros, as grades, as armas e os guardas nunca poderão cercar ou vencer os ideais do povo. E o povo deve erguer sempre bem alto o seu ideal de dignidade e de beleza.

A prisão funciona segundo este princípio: “Quando se dispõe do corpo de alguém, dispõe-se de tudo, possui-se tudo... porque o todo não pode ser maior do que as partes.”. Atiram com o corpo para uma cela, e isso basta-lhes para se sentirem seguros e aliviados. A ideia de que a prisão permite vencer é, portanto, a seguinte: quando um indivíduo começa a pensar e a agir como lhe é ordenado, então eles ganharam a batalha e diz-se que o indivíduo em questão está “reabilitado”. Mas isso nunca sucede - pois os carcereiros não souberam examinar atenta-mente a sua própria ideologia e não conseguem compreender o gênero de pessoas que tentam manipular. Consequentemente, nem quando a prisão pensa ter alcançado uma vitória, essa vi-tória não existe.

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Há duas espécies de prisioneiros. A maioria é formada por aqueles que aceitaram a legitimidade das hipóteses sobre as quais se baseia a sociedade. Querem ter as mesmas ambições dos outros: dinheiro, poder, avareza e os gritantes sinais externos de riqueza. Para o conseguir empregam, no entanto, métodos e técnicas que a sociedade definiu como ilegítimos. Quando estas pessoas são descobertas, são presas. Podemos chamar-lhes “capitalistas ilegítimos” pois seu objetivo é adquirir tudo o que a sociedade capitalista definiu como sendo legítimo. A segunda espécie de prisioneiros é composta por aqueles que rejeitaram a legitimidade das hipóteses sobre as quais a sociedade se funda. São aqueles que afirmam que as pessoas do escalão mais baixo da sociedade são exploradas em proveito dos que se encontram no cume da escala social. Existem, portanto, oprimidos que serão sempre utilizados pelos opressores para manter o seu estatuto de privilegiados. Não há nada de sagrado, nada de digno em explorar ou em ser explorado. Embora este sistema possa permitir a esta sociedade um alto nível de eficácia técnica, nem por isso deixa de ser um sistema ilegítimo, dado que se funda no sofrimento de homens que são tão preciosos e dignos de respeito como os que não sofrem. Assim, o prisioneiro da segunda categoria afirma que a sociedade é corrupta, ilegítima e deve, por isso, ser destruída. Este segundo tipo de prisioneiro é o prisioneiro político. Não aceita os argumentos da sociedade e não pode participar no seu sistema de exploração corrupta, esteja preso ou em liberdade.

A prisão não pode vencer nenhum destes dois tipos de prisioneiros por maiores esforços que faça. O “capitalista ilegítimo” apercebe-se de que se cumprir as regras do jogo que o sistema prisional lhe impõe conseguirá uma comutação da pena e sairá para continuar suas atividade. Assim, está de acordo, concorda em aceitar as regras da prisão e “canta a música que o carcereiro quer que ele cante”. O carcereiro pensa que ele está reabilitado e apto a poder sair e retomar a vida em sociedade. O prisioneiro, na realidade, fez o jogo da prisão para pode sair a fim de retomar o caminho da realização das suas ambições capitalistas. Desde o princípio não há qualquer vitória porque o prisioneiro sempre aceitou a ideia de base da sociedade. Ele finge aceitar a ideia de prisão como um dos avatares do jogo que sempre jogou.

A prisão não pode vencer o prisioneiro político, porque não há nada de que (ou para que) ela o possa “reabilitar”. Recusa-se a aceitar os argumentos do sistema e recusa-se, mesmo, a participar dele. Participar significa admitir que a sociedade procede corretamente ao explorar os oprimidos. É esta a ideia que o prisioneiro político rejeita, foi pela sua oposição a ela que ele foi metido na prisão e é por isso que ele não pode cooperar com o sistema. O prisioneiro político cumprirá realmente a sua pena tal como o “capitalista ilegítimo”. No entanto, o ideal que motiva e apoia o prisioneiro político radica-se no povo, e a prisão não dispõe nunca senão do seu corpo.

A dignidade e a beleza do homem residem no espírito humano que faz dele algo mais do que um mero ser físico. Este espírito nunca deve ser suprimido para servir a exploração de outrem. Enquanto o povo tiver consciência da beleza do espírito humano e souber revoltar-se contra a destruição e a exploração, estará pondo em prática o mais alto ideal de todos os tempos. O todo humano é muito maior do que a soma das partes que o compõem. O ideal estará sempre no seio do povo. A prisão poderá vencer porque as muralhas, as grades, os carcereiros não poderão jamais vencer ou conter a ideia de liberdade.

TODO O PODER AO POVO!

Huey P. NewtonMinistro da Defesa do

Partido das Panteras Negras

PARA UMA NOVA CONSTITUIÇÃOHuey P. Newton

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No atual momento é muito importante uma convenção constitucional porque devemos redefinir e clarificar nossas as ações e os nossos planos futuros e simultaneamente darmos a conhecer ao nosso povo e a todo o mundo as razões da nossa luta contra o capitalismo burocrático e contra o imperialismo britânico.

A luta pelos “direitos cívicos” não é mais do que a continuação da revolução americana de 1776. Todos devem tomar consciência disso; e depois desta tomada de consciência, devemos concluir que esses direitos obtidos pela população branca de 1776, a separação e a fundação de uma nação - por outras palavras, a descolonização em relação à Inglaterra - lhe conferiu a autonomia assim como os direitos humanos que então exigiam.

Insisto neste fato - foi em 1776 que a população branca dos Estados Unidos obteve os seus direitos humanos. Foi um combate verdadeiramente revolucionário. Infelizmente, dada a existência de racismo neste país, os negros não adquiriram esses direitos, visto estarem reduzidos à escravidão. É esta a razão porque organizamos o movimento dos “direitos cívicos” para obter os mesmos direitos que os brancos conquistaram em 1776. Passaram-se já mais de duzentos anos e continuamos sem esses direitos fundamentais.

É claro que embora tenha havido um movimento revolucionário o país já não era revolucionário. Não o era pela simples razão de que a produção ainda se não encontrava numa fase tal em que outras forças pudessem encorajar um desenvolvimento socialista. Por outras palavras, depois da separação da Inglaterra, o capitalismo democrático entrou em ação. Havia muitos terrenos a conquistar e a cultivar. Era um país essencialmente agrícola com uma pequeníssima indústria. Desse modo, a competição entre os homens processava-se sob uma forma quase democrática. Um homem podia ganhar a vida cultivando a terra; e havia muita terra. É claro que, insisto, os negros não participavam em nada disto.

À medida em que os anos passavam e a indústria se desenvolvia, as terras aráveis concentravam-se nas mãos de uma minoria. Isto originou novos problemas tanto mais que os negros não tinham sido incluídos nesta primeira fase de desenvolvimento - período do capitalismo democrático.

Na nossa época (anos setenta do século XX), o país não está não só desenvolvido, está “superdesenvolvido”. A economia está superdesenvolvida e a indústria também. A classe dirigente já não investe a mais valia do capital no país. Isto conduz à época imperialista em que o capital investe a sua mais valia nos países em vias de desenvolvimento do Terceiro Mudo, para obter lucros dado que não há lugar para a expansão no interior da sua economia demasiado “amadurecida”.

Na mesma época, os negros continuam a lutar pelos direitos humanos fundamentais: o direito de voto, o direito ao bem estar econômico. Sem liberdade econômica não poderemos obter liberdade política. Não podemos ser integrados no sistema capitalista, pois mesmo que tivéssemos a riqueza ou a mais-valia de capital a investir, não haveria mercado. Não há mercado com interesse no qual possamos investir. Pelo menos neste país.

Regressemos à época de 1863-65, depois da proclamação da Emancipação e depois da chamada Reconstrução. O gabinete de Freedman foi formado durante a Reconstrução para estabelecer um dos pontos mais importantes discutidos no Congresso por Thadeus Stevens: os negros deveriam receber 40 hectares de terra e uma mula. Pois que se chegou à conclusão que sem terra nunca haveria liberdade. Mas isso não aconteceu. Insisto neste ponto par demonstrar que a América comprometeu frequentemente a nossa libertação. O compromisso de Hayes em 1877 destruiu todo o período da Reconstrução e as poucas migalhas que tínhamos obtido durante esse período.

Falo, portanto, da época em que fomos colocados à margem da sociedade, excluídos da proteção igualitária da lei e também do respeito humano. E isto nos coloca numa situação na qual nada temos a perder e tudo a ganhar; porque já perdemos tudo. E é evidente que, quando tudo se perdeu, a única coisa que ainda é possível é a rebelião total. Rebelião contra essa força e essas condições que inclusive nos roubaram a dignidade de seres humanos.

Quais são as alternativas? Concluímos que não há lugar para nós no sistema capitalista, dada a natureza de “superdesenvolvimento” do país. Vemos que também não podem existir sob um regime capitalista a autonomia em todos os domínios das nossas comunidades, nem a

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autogestão das nossas instituições, pois que este sistema está nas mãos de uma pequena classe dirigente de cerca de 76 companhias que controlam toda a indústria e todas as riquezas do país. São elas: General Motors, Ford, Chrysler, General Dynamics, Standard Oil, Dupont, Chase Manhattan Bank, Bank of América, etc. ... A única maneira de conseguirmos a liberdade, hoje em dia, é modificarmos o sistema que nos conduziu à escravatura. Fomos escravizados para maior lucro dos escravagistas e dos capitalistas. Assim, colocamos em questão o próprio sistema: não só a ordem estabelecida mas o próprio sistema em si. Depois de muitas observações e experiências sobre as condições do país, pensamos que, neste momento, o único modo de obtermos a liberdade é estabelecer uma representação proporcional no quadro de uma sociedade socialista. Isto significa que as indústrias que atualmente se encontram nas mãos de uma minoria de dirigentes, deverão ser nacionalizadas e que todos os grupos étnicos, incluindo as minorias nacionais, terão uma representação proporcional ao seu número no país, tanto a nível administrativo como no controle da produção. Qualquer outra solução que exclua esta clausula será mais uma vez comprometedora da nossa liberdade, e isto nunca o poderemos admitir.

Na verdade, qualquer compromisso seria um suicídio. É o que eu chamaria de um suicídio reacionário. Aceitar um compromisso, um suicídio reacionário, significa que as condições, condições reacionárias, seriam a causa do nosso suicídio. Se não reagirmos, se não fizermos nada, será um autoassassinato. Pessoalmente, se for necessário, preferiria o contrário, isto é o suicídio revolucionário. É um suicídio provocado pelo desejo de modificar o sistema ou de morrer tentando modificar um sistema reacionário. Mas neste caso trata-se de algo em que é possível a escolha. E eu escolhê-lo-ia pela geração vindoura, pela simples razão de que recuso, de que a nossa geração recusa, viver na escravidão.

Exigimos, portanto, uma Constituição que tome em linha de conta os numerosos grupos étnicos e a natureza heterogênea desta sociedade. Exigimos uma constituição que nos garanta o direito de viver. Exigimos uma Constituição que respeite o povo, uma Constituição que sirva o povo, em vez de uma constituição a serviço da classe dirigente.

Sabemos que neste país há um certo número de instituições públicas, que se apresentam como criadas pelo povo, mas que na realidade são criadas pelos círculos dirigentes, com a pretensão de responder às necessidades fundamentais do povo. Refiro-me à Segurança Social, aos subsídios de desemprego, aos abonos de família e ao auxílio às pessoas sem rendimento. A classe dirigente criou estas instituições públicas para subornar o povo com um pequeno exemplo de socialismo. Mas nós sabemos que, efetivamente, a classe dirigente se serve destes serviços públicos em seu próprio proveito. Na verdade, a classe dirigente utiliza estes fundos públicos em grande escala para servir os próprios interesses.

Um exemplo disto é o dos grandes proprietários ferroviários que recebem subvenções. Dito de outra maneira: recebem os subsídios destinados aos necessitados. Os grandes proprietários rurais, como o senador Eastland, recebem subvenções das instituições públicas deste país enquanto que o povo delas tem necessidade, quando as pede, é atormentado, acossado a tal ponto que para obter, é obrigado a revelar com quem dorme; entretanto, Eastland e os outros recebem milhões de dólares todos os anos sem que ninguém lhes vá perguntar o nome da mulher ou do homem com quem dormiram pela última vez. Julgo que este é um bom exemplo de uma ditadura burguesa. Por nosso lado, o que queremos é a ditadura do povo. Com isto não pretendo dizer que o povo tiranizará o burguês, mas apenas que as necessidades do povo serão tomadas em consideração e que serão sempre o objetivo primordial, sejam quais forem as outras considerações. E que nenhuma classe, nenhum grupo de homens receberá somente para si os benefícios e os bens do povo.

Depois de um longo período de sofrimentos devido ao capitalismo e ao racismo, a população negra deste país tem direito ao controle exclusivo das instituições da comunidade negra. Todos os outros grupos étnicos terão também o controle das suas comunidades de modo cooperativo nacionais (chamo empresas nacionais aos grandes monopólios) serão nacionalizados a fim de cada grupo étnico esteja representado nos diversos conselhos administrativos. Mas os outros grupos étnicos, os membros destes grupos étnicos, que habitam nas nossas comunidades, terão possibilidade de participar em todas as atividades de um modo

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democrático, porque o racismo já terá deixado de existir. No entanto, manteremos o direito à representação proporcional porque o racismo destruiu a confiança mútua. A população negra já não confia neste país. E, para nossa salvaguarda, temos de ter, pelos menos, o controle exclusivo das nossas comunidades.

Se não conseguirmos estas modificações, então certamente, teremos de aceitar o suicídio reacionário, suicídio causado por condições reacionárias. A isso me oponho, se tiver possibilidade de optar, e como, na realidade, a tenho, chegamos a um ponto tal em que só há uma alternativa: aceitar ou o Suicídio Revolucionário ou o Suicídio Reacionário, e nesse caso, eu aceitarei, optarei pelo Suicídio Revolucionário.

Julgo não ser necessário explicar o fato de os negros terem o absoluto direito de proclamar uma República ou de declarar um território como território libertado, se chegarem à conclusão que lhes é impossível realizar a sociedade multinacional que desejam. A única alternativa é a de proclamar a República, e, como disse, fazer frente ao covarde exército dos imperialistas e, ou derrotá-los ou sofrer o suicídio revolucionário que é glorioso pelo simples fato de ter sido escolhido por nós e porque não nos deixamos matar uma um; assassinados de tantas maneiras: assassinados espiritualmente, assassinados pela falta de tudo o que necessitamos: assistência médica, alimentos para os nossos filhos e todas as coisas que são de tal modo essenciais que nem sequer é de colocar em questão de saber se nos são ou não devidas.

Enquanto revolucionários, quero explicar, para clarificar o nosso programa, como fomos completamente esmagados como membros desta civilização. E quando digo “completamente esmagados como revolucionários”, quero dizer que não só recusamos um lugar ao lado do repressor (esses lugares que nos oferecem não são senão migalhas), mas recusamos também o “arranjinho em família” que nos sufocaria, pois que também não é mais do que um compromisso. O que quero dizer é que, para ter uma mulher e filhos, em casa e um emprego qualquer, somos obrigados a comprometermo-nos. É um compromisso para os negros do Sul. É um compromisso para eles, o fato de viver simplesmente como qualquer homem vive com a sua família e com aqueles que ama, porque o Estado burguês dita-lhes as condições em que pode ter uma família. Por outras palavras, se quero constituir família devo aceitar as condições que o capitalismo prescreve. Se tiver que viver no Sul, deverei aceitar as condições de miséria, os vermes na barriga dos meus filhos, a fome, a falta de roupa.

Se quiser viver na região urbana de Harlem, deverei aceitar o compromisso de ter uma família, como eles prescrevem, uma família que será mordida pelos ratos, que deverá viver em casas inaceitáveis para qualquer ser humano.

Assim, enquanto revolucionários, não só rejeitamos esses lugares ao lado do opressor, mas rejeitamos ainda a “tradição” (falo em “tradição” à falta de melhor termo). Nós nem sequer aceitamos as relações básicas da célula familiar. E sentimo-nos encolerizados porque não podemos aceitar estas coisas. Coisas devidas a qualquer homem. Estamos encolerizados e sentimo-nos lançados para um poço de trevas odiando a nossa situação e os seus causadores. Para dizer a verdade as nossas convicções são de tal modo fortes que não descansaremos e não daremos por cumprida a nossa tarefa enquanto não nos sublevarmos e não destruirmos essa gente e essas condições que nem sequer nos concedem as coisas fundamentais a que cada homem tem direito. Nomeadamente, uma casa, uma família, filhos. Para ter família há que aceitar a contaminação racista dos filhos, e todas as suas sequelas, a partir do momento em que se tornam conscientes do que os rodeia. É por isso que nós somos, de fato, verdadeiros “fora-da-lei” (1), como muito bem disse o Ministro da Informação (2), somos mesmo os “fora-da-lei” da Humanidade, pois fomos desumanizados. Mas justamente porque fomos desumanizados, tornamo-nos perigosos. Perigosos para os que não nos deixam ser humanos. Quero acrescentar que é preciso lembrar a todos sempre que o nosso único objetivo é esmagar o capitalismo americano, porque sem isso nada podemos fazer.

TODO O PODER PARA O POVO!

Huey P. NewtonMinistro da Defesa do

Partido das Panteras Negras

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Notas:1) Outlaw no original.2) Eldridge Cleaver.

MENSAGEM DE HUEY NEWTON À SESSÃO PLENÁRIA DA CONVENÇÃO CONSTITUCIONAL DOS POVOS REVOLUCIONÁRIOS, 5 de setembro de 1970, Filadélfia

Camaradas e amigos de todos os estados americanos e de todo o mundo:Estamos aqui reunidos em paz e amizade, para exigir os nossos direitos inalienáveis,

para exigir os direitos de uma ininterrupta sucessão de abusos e de espoliações nos dá e para levar a cabo a tarefa que nos é exigida. Sofremos durante muito tempo e pacientemente. A nossa prudência durou até hoje mas a nossa dignidade de homens, a nossa força exigem que sejam substituídas as vozes da prudência pelos gritos do nosso sofrimento.

É por isso que nos reunimos em nome do amor e da amizade revolucionários por todos os povos oprimidos, qualquer que seja sua raça, ou a dos opressores, qualquer que seja a ideologia que professem. Reunimo-nos para proclamar ao mundo que durante dois séculos sofremos esta longa sucessão de abusos e de usurpações, apegados à esperança de que algum dia ela viria a acabar. Afirmamos hoje que ela acabou, que somos um povo que não é protegido pela lei e que a nossa atuação futura deverá ser guiada pelo nosso sofrimento e não pela prudência.

Há dois séculos os Estados Unidos eram uma jovem nação, criada na liberdade, dedicada à vida e à busca da felicidade; no entanto, as condições de vida que reinavam no país e os seus princípios básicos eram tais que asseguravam que os Estados Unidos atingiriam a sua maturidade de um modo tal que para uma grande parte dos cidadãos a vida não seria senão uma prisão de miséria e a única felicidade que poderíamos alcançar seria rir para não chorar.

Os Estados Unidos nasceram numa época em que dispunha de relativamente pouca terra - uma estreita faixa da divisão administrativa da costa oriental. Os Estados Unidos da América nasceram numa época em que a população era numericamente fraca e homogênea, não só do ponto de vista racial como do cultural. Deste modo, as pessoas que então se intitulavam americanos eram um povo diferente do atual e habitavam um território diferente do que de hoje. Mais: viviam sob um sistema econômico diferente.

Com sua pequena população e terras aráveis, isto significa que do ponto de vista da atividade fundamental, a agricultura, as pessoas podiam desenvolver-se de acordo com seus ideais e capacidades. Era uma economia agrícola e com o desenvolvimento harmônico dos fatores econômicos desenvolveu-se o capitalismo democrático nesta nação.

Os anos que se seguiram viram esta jovem nação desenvolver-se rapidamente e tornar-se num gigante tentacular. Foram conquistados novos territórios, a nação estendeu-se a partir da costa até ocupar, com pequenas exceções, o continente inteiro. A nova nação aumentou de população para povoar as terras recentemente adquiridas. Essa população foi arrancada da África, da Ásia, da Europa e da América Latina. Assim, uma nação com um povo homogêneo e pouco numeroso, situada num território restrito, transformou-se numa nação com uma população heterogênea, numerosa e que se espalhava por todo o continente. Esta transformação das características fundamentais do país e do seu povo modificou consideravelmente a fisionomia da sociedade americana. Além disso, as transformações sociais assinalavam transformações econômicas. Uma economia rural e agrícola tornou-se uma economia urbana e industrial, dado que a indústria substituía a agricultura.

O capitalismo democrático dos primeiros tempos seguiu uma evolução inexorável para estabelecer lucros até o momento em que as tendências egoísticas para o lucro eclipsaram os princípios altruístas da democracia.

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Assim, decorridos dois séculos, estamos na presença de uma economia superdesenvolvida que está de tal modo invadida pela corrida ao lucro que substituímos o capitalismo democrático pelo capitalismo burocrático. A possibilidade de todos os homens livremente conseguirem atingir os seus objetivos econômicos foi substituída pela coação imposta ao cidadão americano pelas grandes corporações que controlam e dirigem a nossa economia.

Elas procuram aumentar a sua margem de lucro em detrimento do povo, e mais especialmente, em detrimento das minorias raciais e étnicas.

A história dos Estados Unidos, à semelhança das promessas contra as promessas do ideal dos Estados Unidos, leva-nos a concluir que os nossos sofrimentos estão na base do funcionamento do governo dos Estados Unidos.

Isto verifica-se logo que se analisam as contradições que se encontram na história deste país. O governo, as condições sociais e as leis que substituíram a opressão pela liberdade, que reconheceram dignidade humana e que concederam os direitos fundamentais a uma parte do povo desta nação tiveram um efeito exatamente contrário relativamente aos restantes habitantes. Enquanto os grupos dominantes proclamavam os seus direitos fundamentais, as minorias receberam em troca das terras dos seus antepassados a alienação e a escravidão. As provas disto são evidentes e não admitem argumentação em contrário.

As provas da liberdade da maioria e da opressão da minoria encontramo-las no fato da expansão do governo dos EUA e da aquisição de território terem sido feitas em detrimento dos índios americanos, proprietários históricos da terra e, hoje, seus legítimos herdeiros. A longa marcha dos Cherokee na “Rota das Lágrimas” e o desaparecimento total de muitas outras nações indígenas provam a incapacidade e a recusa deste governo e da constituição, no capítulo integração das minorias.

As provas da liberdade da maioria e da opressão da minoria encontramo-las no fato dos colonos, mesmo quando proclamavam o seu direito à liberdade, privarem sistematicamente os africanos da deles. Estas contradições fundamentais foram exacerbadas por atos que demonstravam claramente que a maioria não tinha razão nem vontade de proceder com justiça. Deste modo, quando a Declaração de Independência foi proclamada, os Pais Fundadores consideravam o escravo como 3/5 de um homem. Quando os escravos foram emancipados, os descendentes dos Pais Fundadores apenas tinham como objetivo conseguir mais terras. Esta ideia apenas, estava de tal modo implícita no modo de pensar dos nossos antepassados que todas as tentativas legais para resolver essas contradições por emendas à Constituição e por leis de direitos cívicos não trouxeram qualquer modificação para a nossa condição e continuamos a ser um povo sem proteção legal nem possibilidade de recorrer à lei. Afirmamos, portanto, que os atos opressivos do governo dos EUA, frente às proclamações de liberdade, evidenciam uma contradição fundamental, que, de resto, é visível e todos os documentos em que este governo se baseia.

Geração após geração, o grupo majoritário nasceu, trabalhou e viu frutos do seu trabalho, a liberdade e a felicidade dos seus filhos e netos.

Geração após geração, o povo negro nasceu, trabalhou e viu os frutos do seu trabalho: a liberdade e a felicidade dos descendentes dos seus opressores, enquanto os seus próprios filhos se debatiam entre a miséria e a privação, não se agarrando senão à esperança de uma mudança no futuro. Foi essa esperança que nos sustentou todos estes anos, foi ela que nos fez suportar as sucessivas administrações de um governo corrupto.

No início do século XX, essa esperança levou-nos a organizar um Movimento de Direitos Cívicos na crença de que o governo cumpriria o seu dever em relação ao povo negro. Nós não compreendíamos, no entanto, que qualquer tentativa de cumprir as promessas de uma revolução do século XVIII no quadro de uma economia e de uma sociedade do século XX estava voada ao fracasso.

Os descendentes dessa pequena comunidade que era constituída pelos primeiros colonos, não se encontram as pessoas simples de hoje; tornaram-se numa pequena classe dirigente que controla o sistema econômico mundial. A Constituição proclamada pelos seus antepassados para servir o povo, desde há muito que é inútil porque o povo não é o mesmo. O

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povo da sociedade do século XVIII transformou-se na classe dirigente do século XX, e o povo do século XX é constituído pelos descendentes dos escravos e da camada pobre do século XVIII. A Constituição criada para servir o povo do século XVIII serve a gora a classe dirigente do século XX, e o povo atual continua à espera de leis que lhe garantam a vida, a liberdade e a procura da felicidade. O Movimento dos Direitos Cívicos não conseguiu a promulgação dessas leis e, de fato a conseguiria dada a natureza da sociedade e da economia americana. A perspectiva do movimento de Direitos Cívicos era a de alcançar objetivos que dois séculos de transformações violentas modificaram profundamente.

Consequentemente, o Movimento dos Direitos Cívicos - e os movimentos similares - não conseguiu criar quaisquer bases para vida, a liberdade ou para ad felicidade. Só criaram humilhantes programas de ajuda social, de compensação contra o desemprego, programas que, embora conseguindo enganar o povo, são incapazes de modificar a repartição fundamental do poder e dos recursos deste país.

Além disso, enquanto estes movimentos tentam integrar as minorias no sistema, vemos que o governo prossegue a sua política, a qual contradiz a sua retórica democrática.

Compreendemo-lo muito bem, agora que se vê a história repetir-se, tanto à escala internacional como nacional. A incessante corrida ao lucro levou esta nação a colonizar, oprimir e explorar as suas minorias. Esta corrida ao lucro levou esta nação do capitalismo democrático ao capitalismo burocrático e a uma indústria superdesenvolvida.

Atualmente, verificamos que esta pequena classe dirigente prossegue na corrida ao lucro pela opressão e exploração dos povos do mundo. Em todo o mundo o “lupemproletariado” é esmagado para que os lucros da indústria americana continuem a aumentar. Em todo o mundo as lutas pela libertação dos povos oprimidos são combatidas por este governo porque elas representam uma ameaça para o capitalismo burocrático dos Estados Unidos.

Reunimo-nos para que se saiba, aqui e em todo o mundo, que uma nação concebida na liberdade e dedicada à vida, à liberdade e à procura da liberdade se transformou, uma vez chegada à sua maturidade, numa potência imperialista consagrada à Morte, à opressão e à busca do lucro.

Não seremos enganados pelos nossos companheiros, não seremos enganados por transformações menores e formais que não alteram em nada a natureza da expansão imperialista. O nosso sofrimento durou muito tempo, os nossos sacrifícios foram demasiado importantes e a nossa dignidade humana é demasiado forte para que sejamos, ainda e sempre, prudentes.

O PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS EXIGE A LIBERDADE E O PODER DE DETERMINAR O SEU DESTINO.

O PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS EXIGE O PLENO EMPREGO PARA TODO O NOSSO POVO.

O PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS EXIGE A IMEDIATA CESSAÇÃO DA EXPLORAÇÃO CAPITALISTA DA NOSSA COMUNIDADE.

O PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS EXIGE ALOJAMENTO DECENTE PARA TODO NOSSO POVO.

O PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS EXIGE EDUCAÇÃO AUTÊNTICA PARA O NOSSO POVO.

O PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS EXIGE A ISENÇÃO DO SERVIÇO MILITAR.O PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS EXIGE O FIM IMEDIATO DA BRUTALIDADE

POLICIAL.O PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS EXIGE A LIBERTAÇÃO DE TODOS OS

PRISIONEIROS POLÍTICOS.O PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS EXIGE QUE OS PROCESSO SEJAM JUSTOS

E QUE TODOS OS HOMENS SEJAM JULGADOS PELOS SEUS PARES.O PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS EXIGE UM PLEBISCITO SUPERVISIONADO

PELA ONU PARA DETERMINAR A VONTADE DO POVO NEGRO QUANTO AO SEU DESTINO NACIONAL.

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O povo negro, e os oprimidos em geral, perderam a confiança nos dirigentes da América, no governo da América, e na própria estrutura do governo americano - isto é, a Constituição, as suas bases legais -. Esta perda de confiança baseia-se nas inúmeras provas de que este governo não respeitará essa Constituição, porque ela não é feita para a classe que ele representa.

Por isso, apelamos para uma Convenção Constitucional a fim de discutir as alternativas racionais e positivas. Alternativas que tomarão em consideração, em primeiro lugar, o homem da rua. Alternativas que criarão um novo sistema econômico onde as vantagens serão, tal como o trabalho, repartidas equitativamente pelo povo... num quadro socialista. Alternativas que garantirão que, no quadro socialista, todos os grupos estarão justamente representados sempre que haja decisões a tomar e nas administrações que se relacionam com a sua vida. Alternativas que garantirão que todos os homens poderão obter a totalidade dos seus direitos de homem, que poderão viver, ser livres e prosseguir estes objetivos que lhes conferem a dignidade e o respeito, permitindo que cada homem tenha os mesmos privilégios sem tomar em linha de conta a sua condição ou o seu estatuto.

O caráter do homem e do espírito humano exige que a dignidade humana e a integridade sejam sempre respeitadas por cada homem. Não aceitaremos nada de diferente, porque nesta etapa histórica qualquer compromisso significaria a morte em vida. NÓS SEREMOS LIVRES e estamos aqui para criar uma nova Constituição que garantirá a nossa liberdade conservando a dignidade do espírito humano.

TODO O PODER PARA O POVO!

MENSAGEM DO PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS AO GOVERNO REVOLUCIONÁRIO DO VIETNÃ DO SUL E À FRENTE NACIONAL DE LIBERTAÇÃO

Aos corajosos revolucionários da Frente Nacional de Libertação e do Governo Revolucionário Provisório do Vietnã do Sul as nossas saudações.

Em nome do espírito de solidariedade revolucionário internacional, o Partido das Panteras Negras propõe pela presente carta à Frente Nacional de Libertação e ao governo Revolucionário Provisório do Vietnã do Sul o envio de um número indeterminado de combatentes como ajuda no vosso combate contra o imperialismo americano.

Justifica-se que o PPN tome esta atitude, no momento atual, reconhecendo que a vossa luta é igual à sua luta, pois sabe que o nosso inimigo comum é o imperialismo americano, o qual dirige a dominação burguesa internacional.

Neste momento não há no mundo um único governo fascista ou reacionário que se posas manter se a ajuda do imperialismo dos Estados Unidos.

Assim, o nosso problema é internacional e como reconhecimento da necessidade de alianças internacionais para o resolver, oferece estes combatentes.

Estas alianças farão a luta aproximar-se da sua etapa final que consiste num ajuste de contas com o imperialismo americano.

O PPN considera os Estados Unidos como a “cidade do mundo” e as nações da Ásia, da África e da América Latina como o “campo do mundo”.

Os países do mundo representam a Sierra Maestra e os Estado Unidos representam Havanas. Lembramos que em Cuba, o Exército Popular estabeleceu as suas bases na Sierra Maestra e sufocou Havana, pois esta dependia das matérias-primas fornecidas pelo campo. Depois de ter vencido todas as batalhas no campo, a tarefa última do povo cubano foi marchar contra Havana.

O PPN está convencido que o processo revolucionário se desenvolverá de modo idêntico a nível internacional.

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Um pequeno círculo dirigente de 76 grandes companhias controla a economia americana. Esta elite não só explora e oprime o povo negro no interior dos Estados Unidos como também explora e oprime o mundo inteiro, dada a natureza superdesenvolvida do capitalismo. Tendo desenvolvido, até á saturação, a sua indústria, nos Estados Unidos, tendo esgotado as matérias-primas desta nação, eles parecem loucos furiosos no exterior das suas fronteiras, na tentativa de estender o seu domínio econômico. Para por termo a esta opressão, devemos libertar as nações em via de desenvolvimento - os “campos do mundo” - e em seguida a nossa tarefa final será atacar a “cidade”.

Cada nação que liberta é mais um passo no caminho da nossa libertação.O PPN reconhece que tem alguns problemas nacionais específicos, mas também está

plenamente consciente de que mesmo que os seus opressores tenham problemas internos isso não os impedirá de oprimir os povos em todo o mundo. Por isso continuará a combater e a resistir no interior da “cidade” para criar a maior confusão possível e ajudar os seus irmãos, dividindo as tropas do círculo dirigente.

O PPN propõe o envio destes combatentes porque é o Partido de Vanguarda de Internacionalistas Revolucionários que abandonou toda e qualquer pretensão nacionalista. O PPN toma esta atitude porque os Estados Unidos agiram com extremo chauvinismo e perderam o direito ao nacionalismo. Os Estados Unidos constituem um império que despojou à força o mundo para construir aqui a sua própria riqueza.

Consequentemente, os Estados Unidos não são uma nação. São um governo de capitalistas internacionais e dado que eles exploram o mundo para acumular riquezas, este país pertence ao mundo.

O PPN afirma que os Estados Unidos perderam o direito de se afirmar como nação ao recorrerem ao nacionalismo como ponto de partida chauvinista para erguer um império.

Por outro lado, os países em vias de desenvolvimento tem todo o direito de reivindicar as suas nacionalidades, porque eles não exploraram ninguém. O nacionalismo de que falam é simplesmente uma exigência de autonomia, de autodeterminação e uma base livre a partir da qual possam lutar contra burguesia internacional.

O PPN apoia os países em vias de desenvolvimento na sua luta pelo direito de constituir uma nação, e compreende esse combate como partido de internacionalismo revolucionário que é.

Não podemos ser nacionalistas quando o nosso país não é uma nação mas um império. Afirmamos que chegou o momento de abrir as portas deste país de partilhar os conhecimentos tecnológicos e a abundância com todos os povos do mundo.

A História confiou ao PPN a tarefa de dar esse passo em frente e de, ao fazê-lo, levar o marxismo-leninismo a uma etapa superior na via que conduz ao estado socialista, primeiro, e à abolição do estado, depois.

Esta tarefa provém não só das forças dialéticas operantes neste momento, mas também da nossa história de colônia negra oprimida. O fato dos nossos antepassados terem sido raptados e deportados para os Estados Unidos destruiu o nosso sentimento nacional. E porque a nossa herança cultural foi interrompida, contamos menos com a nossa história para nos guiar do que com o futuro no qual procuramos uma direção.

Tudo o que fazemos é baseado no pragmatismo e como nos viramos para o futuro, estamos prestes a nos tornar no povo mais progressista e dinâmico do mundo, em constante movimento, em constante progresso, em vez de estagnar nas malhas do passado. Considerando todos estes elementos, não é de espantar que o partido de vanguarda - sem chauvinismo nem sentimento nacionalistas - seja o PPN.

A nossa luta pela libertação é baseada na justiça e igualdade para todos. Daí que sejam importantes para nós os povos de todos os países em que se ouça o chicote opressor. Nós temos a obrigação histórica de levar o conceito de internacionalismo à sua conclusão definitiva: a destruição do próprio estado.

Isso nos conduzirá a uma época em que o contínuo enfraquecimento do estado ocorrerá e em que os homens poderão dar-se fraternamente as mãos.

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Esta concepção do mundo do PPN, e em nome do espírito de internacionalismo revolucionário, de solidariedade e de amizade, o PPN propõe estes combatentes à Frente Nacional de Libertação, ao Governo Revolucionário Provisório do Vietnã do Sul e aos povos do mundo.

Huey P. NewtonMinistro da Defesa

Partido das Panteras Negras31 de agosto de 1970

AOS PANTERAS NEGRAS

Excertos da carta de Nguyen Thi Dinh, comandante adjunto das Forças Armadas Populares de Libertação do Vietnã do Sul à direção do Partido das Panteras Negras, publicada em “Sud Vietam en lutte”

e reproduzida em “Guerre dans Babylones”, N° 2.

Queridos Amigos

Recebemos a carta na qual nos dão a conhecer a intenção do Partido das Panteras Negras de nos auxiliar, enviando ao Vietnã do Sul um número não limitado de voluntários para combater os agressores americanos, ao nosso lado. Ficamos profundamente comovidos com essa oferta, e informamos todos os quadros e todos os combatentes das FAPL. Eles alegram-se muito por saber que mesmo nos Estados Unidos tem corajosos companheiros de armas.

Queria em nome deles, dirigir-vos as minhas felicitações pelo vosso gesto e os meus sinceros agradecimentos pelo caloroso apoio que trazeis à nossa luta contra a agressão americana e pela salvação nacional. Nós vemos na vossa decisão uma grande contribuição à nossa luta, um importante acontecimento no seio do movimento para a paz e a democracia nos Estados Unidos que nos apoia ativamente e uma bela prova da vossa determinação de servir a causa comum ao enviar os vossos filhos combater lado a lado com a população sul-vietnamita.

Animados por um profundo sentimento de solidariedade internacional, haveis tomado a responsabilidade perante a história, perante a necessidade de coordenar as nossas atividades na luta contra o imperialismo americano, de partilhar conosco a alegria e o sofrimento. O Partido das Panteras Negras viu a estreita ligação que há entre as lutas sem compromisso que travamos contra o imperialismo americano, nosso comum inimigo, e deu um enorme valor a esta relação. É evidente que o governo americano, o mais belicista que se conhece, oprime e explora não somente o povo americano, sobretudo os Negros e os miscigenados, mas também numerosos povos no mundo, com inteiro desprezo da moralidade e da justiça. Sedento de dólares e de lucros, ele apodera-se da riqueza pelos mais bárbaros meios, inclusivamente recorrendo ao massacre, como os seus atos no Vietnã do Sul, nos últimos anos, bem testemunham.

A justa luta que o Partido das Panteras Negras empreendeu no decurso destes últimos anos levou-nos a reforçar a nossa união e a dar um passo em frente para alcançar novas vitórias...

Queridos Amigos

A nossa luta defronta-se com inúmeras dificuldades, mas nós temos a firme determinação de as ultrapassar, de nos unir com todas as forças progressistas, de redobrar a vigilância revolucionária e de perseverar na nossa luta, pois queremos vencer. E ao fazê-lo asseguramos a nossa vitória final.

Consideramos que, no momento atual, todas as lutas, sejam elas travadas nos Estados Unidos ou nos campos de batalha do Vietnã do Sul, são igualmente contribuições importantes para a causa da libertação nacional e pela força da paz mundial. Desse modo, a vossa luta perseverante e cada dia mais ampliada constitui um dos mais ativos apoios à nossa guerra de resistência contra os agressores americanos e pela salvação nacional.

Page 27: Os Panteras Negras

Com a nossa mais profunda gratidão, tomamos nota da vossa generosa oferta e termos a maior alegria em vos convidar, se isso for necessário, para vir combater ao nosso lado.

Estamos firmemente convencidos que a vossa justa luta beneficiará da simpatia e do apoio do povo americano e dos povos do mundo. Ela trará decerto a vitória total, e nós acreditamos que, coordenando de cada vez mais intimamente as nossas ações, conseguiremos fazer parar a mão sangrenta dos imperialistas americanos, reconquistar a nossa independência e a nossa liberdade e obter uma democracia e uma paz verdadeiras.

Calorosas saudações de “solidariedade e determinação de vencer” da parte dos combatentes das Forças Armadas Populares de Libertação do Vietnã do Sul.

Nguyen Thi Dinhcomandante adjunto das FALP

do Vietnã do SulELOGIO FÚNEBRE

DITO POR HUEY P. NEWTON, COMANDANTE DO PPN, NO FUNERAL REVOLUCIONÁRIO DOS

CAMARADAS JONATHAN JACKSON E WILLIAM CHRISTMAS, em 15 de agosto de 1970.

No momento em que alguns veem nisto uma tragédia e em que muitos choram Jonathan Jackson e William Christmas, o PPN afirma que não devemos chorar os irmãos Jonathan Jackson e William Christmas.

Eles alcançaram a liberdade e nós continuamos na escravidão. Se devemos chorar, façamo-lo por aqueles que, entre nós, continuam submetidos.

O PPN seguirá o exemplo destes corajosos revolucionários. O povo recusa submeter-se à escravatura e à servidão que nos exigem em troca de mais alguns anos de vida na terra.

SE A PENA PELA BUSCA DA LIBERDADE É A MORTE, ENTÃO PELA MORTE ALCANÇAREMOS A LIBERDADE.

Sem liberdade, a vida não tem qualquer sentido. Nós nada temos a perder senão as nossas cadeias, e temos a liberdade a ganhar. Reunimo-nos, hoje, não só para homenagear os nossos camaradas Jonathan Jackson e William Christmas, mas também para fazer o voto das nossas vidas à realização dos objetivos postos em evidência pela ação exemplar dos nossos irmãos Jonathan Jackson e William Christmas.

OS OPRIMIDOS NÃO TÊM QUE RESPEITAR QUALQUER LEI ELABORADA PELOS OPRESSORES.

As leis devem ser feitas para servir o povo. O povo não deve ser feito para servir as leias. Quando as leis já não servem o povo, este tem o direito e o dever de se libertar do jugo destas leis.

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Os povos oprimidos em geral, e o povo em particular sofreram durante demasiado tempo e nós devemos colocar fim a esse sofrimento. Há uma grande diferença entre 30 milhões de negros desarmados e trinta milhões de negros armados até os dentes.

Não estamos sós. Temos aliados em toda a parte. Encontramos camaradas nossos em todos os países do mundo em que se ouve o chicote do opressor. Em todo o mundo há povos que se revoltam, a maré da revolução invadirá, brevemente, as margens da América... e fará desaparecer toda a aristocracia podre e os oficiais corruptos.

Os nossos camaradas Jonathan Jackson e William Christmas deram-nos uma lição revolucionária. Intensificaram o combate e levaram-no a uma fase superior.

Por vezes são necessários longos discursos, mas é a ação a forma suprema de luta. Os nossos camaradas Jonathan Jackson e William Christmas não recuaram perante o maior dos sacrifícios. Deram a vida à Revolução.

A PRISÃO DE ANGELA DAVIS

(declaração de Huey P. Newton, em nome da direção do Partido)

Manifestação pela liberdade de Angela DavisO PPN acusa as autoridades reacionárias da

Califórnia e dos Estados Unidos de se servirem de Angela Davis como um bode expiatório. A justiça tradicional é responsável pelos acontecimentos do tribunal do condado de Marin, a policia é responsável pelo assassinato do juiz, de Jonathan Jackson, de William Christmas e de James Mc Clain, assim como do ferimento dos reféns. Para desviar a atenção dos verdadeiros responsáveis, Angela Davis foi perseguida, capturada e acusada de crimes cujo único culpado é o sistema

reacionário estadunidense. Nada disso teria se passado se houvesse justiça para os negros nos tribunais. Regra geral, os tribunais não atendem aos pedidos de justiça do povo negro e continuam a servir os interesses do círculo dirigente capitalista e racista. Basta observar, para que tudo isto se torne evidente, que o procurador do processo de Marin é sobrinho por afinidade do juiz que presidia ao julgamento. Por outro lado, Jonathan Jackson e os prisioneiros de guerra, W. Christmas, J. McClaine e Ruchelle McGee agiram levados pelo seu desejo de justiça e de liberdade. CONSIDERAMOS QUE QUANDO SE ESGOTARAM TODOS OS MEIOS PACÍFICOS, O POVO TEM O DIREITO E O DEVER DE TOMAR OUTRAS MEDIDAS PARA OBTER JUSTIÇA E LIBERDADE.

Os guardas de St. Quetin e a policia do condado de Marin devem ser acusados do assassinato dos nossos camaradas Jackson, Mc Clain e Christmas, assim como da morte do juiz. Salientamos o fato de ninguém no “establishment” ter dado qualquer importância ao fato de 11 tiros trocados durante o incidente terem sido disparados pelas armas dos policiais e do procurador. É evidente que a policia-gestapo não concedia qualquer importância à preservação de vidas humanas. O seu principal objetivo é prender ou matar e se, porventura, alguém conseguiu escapar, isso deve-se a um mero acaso e não à atuação da policia. O que demonstra claramente que a policia nem sequer se preocupou com a sorte dos seus irmãos de classe: o juiz e o procurador.

Parece que a América está sendo atacada pela loucura. Não se deve tentar encontrar qualquer laivo de bom senso nos opressores pois o fato de as autoridades reacionárias terem tido a audácia de acusar Angela Davis de um crime, demonstra não só uma injustiça mas também a mais completa ausência de inteligência. Os verdadeiros culpados escapam a qualquer suspeita e são acusados os inocentes e as vítimas.

O PPN pede ao povo negro, em particular, e a todos os povos oprimidos do mundo em geral, que se ergam e façam tudo o que for necessário para libertar Angela Davis. Angela Daviis deu exemplo de sacrifício sem limites pelo povo. Nós, o povo, devemos mostrar o nosso

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reconhecimento pela sua conduta, ajudando-a hoje, porque, neste momento, é ela que tem necessidade da nossa ajuda.

Angela consagrou todas a sua energia e o seu entusiasmo à causa do povo sem nunca pensar na sua segurança ou no seu bem-estar. Deu-se de uma maneira livre e muito pura, de uma maneira exemplar para todos os povos. Hoje não podemos faltar ao nosso dever com Angela Davis.

Huey P. Newton

O CASO ANGELA DAVIS ANALISADO POR ELDRIDGE CLEAVER

No dia 7 de janeiro de 1971, Eldridge Cleaver, em nome da Seção Internacional do Partido, torna pública uma declaração em que são visíveis as discordâncias com a posição da direção do Partido, definida por Huey P. Newton.

Este texto foi publicado em Guerre dans Babylone,boletim do Black Panther Party Solidarity Committe

(janeiro-fevereiro de 1971).

A 7 de agosto de 1970, um jovem revolucionário negro, Jonathan Jackson (1), entrou no tribunal do condado de Marin, no estado da Califórnia, EUA, e, de armas em punho, assenhoreou-se do tribunal. Trazia escondidas outras armas que entregou a três outros negros que a policia tinha trazido da prisão estadual de St. Quentin para serem julgados sob a acusação de assassinato de um guarda da prisão. Os três jovens negros - James McClain, William Christmas e Ruchelle McGee - cumpriam uma pena pelo assassinato de um agente da policia de Oakland (Califórnia).

Os quatro camaradas eram revolucionários que tinham consagrado a sua vida à luta de libertação do seu povo contra o sistema de opressão conhecido pelo nome de E. U. A.

Três de entre eles - Jackson, McClain e Christmas - foram mortos ao sair da sala do tribunal no decurso de um tiroteio com as forças da ordem que tentavam impedir a sua fuga. O juiz também foi morto durante a troca de tiros e o procurador foi ferido.

Alguns dias mais tarde, as autoridades tornavam público um mandato de captura contra Angela Davis, acusando-a de ter comprado as armas utilizadas pelos seus camaradas quando da histórica tentativa revolucionária para se libertar das garras da injustiça fascista que é aquilo a que se resume o tratamento dispensado pelos tribunais americanos ao povo negro.

Insistimos nestes fatos, os quais nunca é demais relembrar porque eles estão na origem do caso Angela Davis, e porque é exatamente esta ação de violência revolucionária que o povo negro oprimido no interior dos EUA pede aos povos do mundo para defender e apoiar, porque é somente por tais ações que nós poderemos conquistar a nossa liberdade e a nossa libertação do sistema fascista e imperialista americano.

Quando se examina o caso Angela Davis e, se considera-se em primeiro lugar a ação de violência revolucionária, vê-se claramente como os fascistas americanos, com a cumplicidade ativa do Partido Comunista Americano, transformaram este caso numa cortina de fumaça para obscurecer os dados reais da ação.

O caso Angela Davis é um instrumento nas mãos das forças reacionárias mundiais, que se opõem ao direito dos povos em pegar em armas para se libertarem da opressão.

O caso Angela Davis é utilizado pelas forças reacionárias para desviar a atenção do processo de Bobby Seale, presidente do Partido das Panteras Negras, que está, agora, sendo julgado em New Haven (Connecticut), e em que corre o risco de ser condenado à morte. Os fascistas acusaram Bobby de ter ordenado a execução de um informante da policia.

É por isso que é necessária a maior vigilância em relação a certas “manobras”, como por exemplo, a troca de observadores entre a União Soviética e os imperialistas fascistas dos EUA.

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É preciso notar que estes dois países são acusados de injustiça judiciária pelos seus próprios cidadãos.

E o Partido das Panteras Negras toma em consideração o fato da União Soviética se julgar obrigada a denunciar e injuriar o nosso partido através da sua imprensa.

Neste momento, vemos o aparelho de propaganda dos fascistas americanos e os aparelhos de propaganda de todos os seus amigos em todo o mundo engajados na histeria do “caso Angela Davis”. Isto não passa de uma bem calculada tática das forças reacionárias para, perante a opinião pública, esconder o processo de Bobby Seale, porque é com o caso Bobby Seale que a luta do povo negro pela sua libertação da opressão americana é julgada.

O Partido das Panteras Negras lança um apelo aos povos do mundo para que se não deixem enganar pelo processo de Angela Davis e atentem no que se passa no processo de Bobby Seale.

Só fazendo isto é que os verdadeiros dados do problema podem ser realmente compreendidos.

Eldridge CleaverMinistro da Informação

Partido das Panteras NegrasSeção Internacional

Argel, Argélia.

Notas:1) Irmão de Georges Jackson, um dos Soledade Brothers, autor de Lettar fron Soledade e assassinado um ano depois durante uma “tentativa de fuga”. G. J. estava preso desde 1960 por cumplicidade num assalto. Em 1966 é acusado da morte de um dos guardas da prisão. Sobre Jonathan, escreve George: “a partir deste momento, o tempo será contado a partir do dia em que foi morto o homem-menino. Homem-menino, homem-menino negro com uma metralhadora nas mãos, foi livre durante um momento. É sem dúvida mais do que a maior parte de nós poderá esperar”.

III PARTE

SOBRE A CISÃO DAS PANTERAS NEGRAS

CRONOLOGIA DOS ACONTECIMENTOS

A cisão do PPN está consumada; o partido dividiu-se em dois: de um lado, a direção nacional, cuja sede é em Oakland (Califórnia) e cujos porta-vozes mais conhecidos são Huey Newton e David Hilliard; do outro lado, a seção internacional, instalada em Argel, onde se encontram Eldridge e Kathleen Cleaver, Don Cox, responsável do “ramo militar”, Michael Tabor, um dos 21 de Nova York, a sua mulher, Connie Mathews Tabor, que representou o PPN na Europa antes de se tornar uma íntima colaboradora de Huey Newton. Os “21” e o conjunto da seção de N. York puseram-se ao lado de Cleaver. A direção nacional continua controlando o jornal “Black Panther” semanário nacional do PPN.

11 de dezembro de 1970 - Comunicado N° 6 dos Weathermen: New morning-changing wearthher (publicado no jornal Liberated Guardian). O grupo conhecido pelo nome weatherman nasceu de uma cisão do S. D. S. (1) em junho de 1969. Tornou-se clandestino em 1970. É composto quase totalmente por estudantes e antigos estudantes brancos (na sua maioria garotas). Os Weathermen foram associados à onda de atentados que se registraram nos Estados Unidos, desde há um ano.

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...janeiro de 1971 - Elmer Pratt, conhecido por “Geronimo” é excluído do partido, “Geronimo”, responsável as seção de Los Angeles, tinha dirigido a espetacular defesa do cerco desta seção pela policia em dezembro de 1969.

19 de janeiro de 1971 - Uma carta escrita pelos nove membros do grupo dos “21”, que ainda estavam presos é publicada pelo jornal underground de Nova York, East Village Other (2).

8 de fevereiro de 1971 - Michael “Cetewayo” Tabor e Richard “Dharuba” Moore, dois dos “21” em liberdade sob fiança, não se apresentam na audiência do seu julgamento. O juiz tomou imediatas medidas de desforra, suprimindo a liberdade provisória a dois outros acusados dos “21”, Joan Bride e Afeni Shakur.

9 de fevereiro de 1971 - A direção nacional do PPN publica uma declaração (que a 13 será transcrita no jornal) na qual Tabor, Moore e Connie Mathews são denunciados como “inimigos do povos”. Sabe-se que um terceiro membro do grupo dos “21”, Eddie “Jamal” Josephs passou à clandestinidade e também - por uma nota de rodapé - que os nove signatários da carta a Weathermen foram excluídos do partido.

26 de fevereiro de 1971 - Huey Newton aparece na televisão na Califórnia. Durante a transmissão, telefona a Eldridge Cleaver que fala de Argel. Cleaver faz referencias às divisões no interior do partido e indigna-se com o fato de militantes, tratados como heróis um dia, se encontram excluídos, no dia seguinte, sem razão aparente. Eldridge acusa David Hilliard e pede a suspensão deste da direção nacional (a que Hilliard pertence com o título de “chefe de estado maior”).

Pouco depois, Huey volta a telefonar a Cleaver a critica-o por ter, publicamente, revelado as dissenções internas do partido e anuncia-lhe que decidiu excluir toda a seção internacional. Cleaver grava o telefonema; e o torna público em 4 de março.

1 de março de 1971 - A seção de Nova York aprova a exclusão de Hilliard, sob as acusações de totalitarismo e de autoritarismo. A seção decide, igualmente, suspender, provisoriamente, Huey Newton e os outros membros da Comissão Central que se encontra na Califórnia (Emory Douglas, Ray “Masai” Hewitt) até haver oportunidade para eles se explicarem diante de um tribunal popular.

5 de março de 1971 - No jornal “Black Panthers” aparece um artigo intitulado “Libertem Kathleen Cleaver” da autoria de Elaine Brown, ministro da informação, que acusa Cleaver de ter assassinado o amante da mulher, de a sequestrar e de lhe bater. O artigo acrescenta que Cleaver teria tido numerosas amantes.

8 de março de 1971 - Um “panther” de Nova York, Robert Webb, é morto em plena rua a tiros de revólver. Webb, membro do partido desde 1967, era originário da Califórnia. Tinha par-ticipado na organização da conferência de imprensa de 4 de março. Como razão da sua morte, aponta-se uma querela que o opunha a um grupo de vendedores do jornal “Black Panther”. A seção de Nova York acusa Huey Newton, a quem apelida de “louco drogado”, de ter enviado “pistoleiros” da Califórnia para assassinar Webb. A direção replica, acusando a seção de Nova York de ter organizado um golpe montado para fazer recair as suspeitas sobre Huey e Hilliard.

13 de março e 1971 - Saída de um novo número do jornal que não contém qualquer referência específica à cisão, se excetuar-se um desenho de Emory Douglas, na última página, que representa Bobby Huton de espingarda na mão ao lado de Eldridge, nu, assexuado, com as calças caídas e uma insígnia pacifista no pescoço.

3 de abril de 1971 - Aparecimento do jornal “Right On”, semanário da “nova direção nacional do PPN”. Cleaver, Michel Tabor, membros dos “21”, Connie Mathews e outros, expõem aí os seus pontos de vista sobre a crise.

5 de abril de 1971 - Texto dos “Young Lords” no seu jornal “Palante”, sobre a crise no PPN. “Young Lords”é o nome de uma Organização revolucionária porto-riquenha. Inspiraram-

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se no PPN, no que se refere a programa e a trabalho organizativo. Os “Young Lords” lutam pela libertação de Porto Rico e pela revolução socialista.

10 de abril de 1971 - Bobby Seale, presidente do partido e co-fundador do mesmo, toma posição a favor da seção de Oakland (tendência de Newton).

17 de abril de 1971 - Texto de Newton sobre a cisão, aparecido no jornal “Black Panther Party”.

19 de abril de 1971 - O responsável pela difusão do jornal “Black Panther Party” para costa oriental dos Estados Unidos é encontrado assassinado na sede do PPN no Harlem.

Notas:1) S. D. S. (Students for a Democratic Society), organização estudantil que dirigiu grande parte das manifestações estudantis em 1967 e 1968. Um dos seus mais conhecidos dirigentes foi Mario Savio (N. T.).2) Existem nos EUA - e hoje em dia em vários países da Europa - muitos jornais e revistas underground. Esta “imprensa paralela” atinge milhões de leitores e é animada, sobretudo, por hippies, estudantes universitários, grupos de esquerda extraparlamentar, grupos feministas, etc.

WEATHERMEN

NEW MORNING-CHANGING WEARTHER

Comunicado N° 6, de 6 de dezembro de 1970

Esta comunicação não acompanha um atentado à bomba ou qualquer outra ação particular. Queremos nos exprimir perante o movimento de massas, não como chefes militares mas como uma tribo nos conselhos das tribos. Já se passaram nove meses desde que houve a explosão de Greenwich Village (1). Posteriormente, as perspectivas da nossa revolução modificaram-se radicalmente. Uma organização, cada vez maior, de jovens dos dois sexos consegue viver, lutar e amar no seio da Babilônia. O FBI não nos pode apanhar; nós esburacamos-lhe o seu colete à prova de balas. Porém, a explosão de Greenwich Village fez-nos perder definitivamente a ideia de que a luta armada é a única forma de luta verdadeiramente revolucionária.

Chegou, agora, para o movimento, o momento de aparecer para todos, de se mostrar, de se organizar, de se arriscar a convocar meetings e manifestações para demonstrar que as ações de massa contra a guerra ou de apoio a qualquer atividade revolucionária trazem, efetivamente, algo de novo. Só agindo abertamente, denunciando publicamente Nixon, Agnew (Spiro Theodore - vice-Presidente dos EUA) e Mitchell (2), partilhando a nossa força com todos os jovens irmãos e irmãs, conseguiremos eliminar o medo que se apoderou dos estudantes de Kent (3), a heroína que devasta o Lower East Side (4) e o silêncio geral que se seguiu à retomada dos ataques contra o Vietnã do Norte.

A morte de três camaradas (na explosão de Greenwich Village) colocou fim à concepção militarista que devia, pensávamos, orientar o nosso trabalho. Isso levou-nos semanas e semanas de árdua discussão, mas permitiu-nos redescobrir as nossas raízes: lembramo-nos que, se alguma vez nos interessamos pelas possibilidades da revolução, isso aconteceu graças à nossa recusa da escola, do trabalho e da ideologia (uma ideologia da “morte”) para os quais nos “educavam”. Lembramo-nos desses tempos: de como começamos a viver em comum, de como descobrimos que a revolução deixaria intacta a escravidão das mulheres, se estas não lutassem para acabar com ela, para a mudar, todas juntas.

E lembramo-nos da marijuana, do LSD, da falta de dinheiro, dos nossos olhos que se abriam para a revolução negra e para os povos de todo o mundo. Nós “descondicionávamo-

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nos”; reaprendíamos a história americana. E as nossas primeiras manifestações, e a primeira vez que tentamos convencer amigos discutindo sobre política. Depois da explosão de Greenwich Village, apercebemo-nos que nos conhecíamos muito mal, que ignorávamos praticamente tudo das nossas experiências passadas, que não fazíamos ideia dos nosso talentos, dos nossos gostos, das nossas divergências.

Foi a revolucionarização dos jovens, cada vez mais determinados a rejeitar o racismo e a exploração do Terceiro Mundo pelos Estados Unidos, que nos uniu. Dado que estávamos de acordo quanto à criação de um movimento clandestino, não experimentamos qualquer dificuldade em fazer desaparecer toda nossa Organização nas poucas horas que se seguiram à explosão. Mas já era evidente que os defeitos da nossa orientação não se reduziram a uma simples inexperiência técnica (ignorância das medidas de segurança que é preciso adotar quando se mistura a nitroglicerina à dinamite).

Diana, Teddy e Terry eram membros do SDS desde há muitos anos. Diana e Terry eram professores; ambos passaram muitas semanas em Cuba com os vietnamitas. Terry tinha trabalhado politicamente na Universidade de Kent e num grupo de bairro em Cleveland; Diana tinha trabalhado na Guatemala. Eles lutaram na rua durante os “dias de cólera” de Chicago (5). Depois do assassinato de Fred Hampton (6) estávamos todos dominados pela cólera. O seu grupo tinha definido a luta armada como única forma autêntica de luta revolucionária. Também não acreditavam na revolucionarização da juventude de raça branca. Parecia-lhes que só os negros e os povos do Terceiro Mundo eram capazes de se mobilizar contra o imperialismo americano.

Duas semanas antes da explosão, quatro membros deste grupo atacaram com “coquetel Molotov” a casa do juiz Murtaugh, em Nova York, para manifestar a sua solidariedade com os “21 Panteras” (7), cujo processo se iniciava. Esta ação foi considerada como muito positiva por muita gente. Mas no interior do grupo começou a desenvolver-se a ideia de que a ação não tinha sido assim tão importante visto que não se tinha conseguido atingir os “porcos” fisicamente. Consequentemente, o grupo passou, apenas em 15 dias, da simples sabotagem ao atentado contra personalidades escolhidas. Muitos membros do coletivo se recusaram a participar na ofensiva prevista, que consistia numa série de atentados à bomba, em grande escala, contra objetivos escolhidos quase à sorte. Houve uma luta, no grupo, que durou muitos dias e, finalmente, o grupo minoritário concordou em reconhecer as decisões tomadas e aceitou tomar parte na ofensiva.

Eles acabaram por se convencer de que os revolucionários tinham de se fazer matar para provar a sua condição, e basearam a sua atuação nessa ideia. Muitos dentre eles tinham sido persuadidos a fazer algo em que eles não acreditavam, outros não conseguiram dormir, noites e noites, às voltas com este problema. As suas relações pessoais estavam maculadas pela culpabilidade e pelo medo. O grupo tinha consagrado tanto tempo a se convencer que ES-tava disposto a agir que negligenciaram o mínimo de segurança técnica. Eles não tinham pensado no futuro; não saberiam o que fazer das bombas caso se verificasse ser impossível atingir os objetivos, e, no caso contrário, eles não saberiam o que fazer depois. Nós chamamos de erro militarista a esta tendência que consiste em não considerar como revolucionário senão os que manejam ou pegam em armas, tendo como corolário a glorificação do “golpe duro”.

Depois da explosão, suspendemos todas as operações aramadas até o momento em que tivéssemos a certeza de que tais acidentes não voltariam a acontecer e tivéssemos tirado as lições que se impunham. Descobrimos que alguns dentre nós, assim como noutros coletivos, tinham já iniciado a retificação. Nós compreendemos que um grupo de “foras da lei” desligados das comunidades da juventude, não tem uma percepção justa da realidade do movimento, não pode propor uma estratégia à qual poderiam aderir amplas massas. Nós estávamos separados: “nós” de um lado, “eles” do outro.

O elemento determinante era a cultura revolucionária. Ou se encarava a nova cultura da juventude como decadente e burguesa e, portanto, tratando como inimiga da revolução, ou então via-se nela o complexo de forças de que nós éramos o efeito, uma cultura à qual pertencíamos, uma sociedade jovem e ainda sem forma - uma nação.

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Nestes últimos meses, entusiasmamo-nos com as novas possibilidades que se nos deparam. Doravante, podemos, enquanto militantes revolucionários, intervir na revolução cultural da juventude para transformá-la e de modelar. Temos, mesmo, possibilidades de fazer tomar um caminho positivo. Os homens, que são machos chauvinistas, podem transformar-se em verdadeiros revolucionários que nunca mais participarão numa cultura que oprime as mulheres e lhes barre o caminho de uma verdadeira liberdade. Aconselhamos os “hippies” e os estudantes, que ainda temem o “poder negro”, a ler os livros de Rap Brown e de George Jackson (8). Continuaremos a atacar aqueles que querem explorar a nossa cultura, libertando e desmistificando os seus empreendimentos comerciais. A revolucionarização tem lugar nos liceus, nas universidades, no exército, nas prisões, nas comunas e na rua - em toda a parte exceto em grupos de ação clandestina.

Estando na clandestinidade e sendo procurados nós tivemos de evitar todo e qualquer contato com militantes. Foi uma boa experiência, porque nos permitiu encontrar gente de toda a espécie, sob as nossas identidades; foi na companhia de vizinhos e de amigos que não sabiam que éramos Wearthermen, que vimos na televisão reportagens sobre os atentados que pouco antes tínhamos executados. Durante muito tempo tivemos medo, mas aprendemos a nos comportar com naturalidade; já não “armamos” em duros. Esta disciplina, de que antes tínhamos receio pois pensávamos que ela nos transformaria numa espécie de autômatos, tem, na prática, o efeitos de um exercício de ioga: estamos sempre alertas, temos uma consciência mais aguda do que nunca do que se passa à nossa volta... É como se tivéssemos olhos e orelhas novas.

Apesar e não termos falado de nós próprios até este momento, as nossas ações são suficientemente reveladoras. É óbvio que nós não tentamos provocar prejuízos materiais elevados. Do ponto de vista militar, as nossas ações não tiveram maior efeito do que uma picada de vespa. Mas o seu impacto político foi enorme. O mundo sabe, agora, que até a juventude branca da Babilônia está disposta a recorrer à violência para colocar fim ao imperialismo.

Nós tínhamos escolhido como alvo o Tribunal de Marin (9) e a prisão municipal de Long Island, porque pensávamos que os espíritos de resistência e a politização que começam a esboçar-se nas prisões tem necessidade de um apoio maciço e imediato a prestar pelos jovens. Para os George Jackson, os Afeni Shakur, para todos os outros revolucionários potenciais que estão presos, o movimento deve servir de boia de salvamento. Eles revoltaram-se com a esperança de um apoio maciço do exterior.

É ao movimento que incumbe a tarefa essencial de organizar manifestações de apoio às revoltas nas prisões; mas é necessário que haja alguém que as convoque, que distribua comunicados, que convença as pessoas de que se trata de uma questão prioritária. Estamos de tal modo habituados e nos sentimos impotentes que acabamos por acreditar na propaganda dos “porcos” sobre a morte do movimento ou por adotar uma política doentia segundo a qual as manifestações estariam fora de moda e seriam inoperantes. Há um ano, perante as sevícias de que foi vítima Bobby Seale, em Chicago (10), o movimento não reagiu aos “porcos” pulso livre para assassinar Fred Hampton. E agora são dois camaradas porto-riquenhos que foram mortos pelos “porcos” das prisões nova-iorquinas, como represália da revolta dos presos. As nossas ações ou a nossa passividade, mudam muito o que se passa.

Para levar a bom resultado este trabalho militante, vai ser necessária muita coragem, vão ser necessárias “famílias” solidamente unidas. Um pequeno grupo não vale muito, é insuficiente para organizar uma conferência sobra a guerra, e ainda menos para realizar umas operação armada com êxito. A nossa força vem também do fato de que, uma vez reunidos, continuamos com uma total mobilidade, descentralizados, flexíveis, e podendo entrar em qualquer lar burguês em que os filhos consigam captar a música da liberdade e da vida.

As mulheres e os homens presos são prisioneiros de guerra dos Estados unidos da Amérikkka. Quando um piloto amerikkkano é abatido no decurso de uma missão contra aldeias norte-vietnamitas, vê-se muitas vezes rodeados por milhares de pessoas que acabam de assistir à destruição dos seus lares e à morte dos seus familiares. E, apesar disso, eles não atacam, eles não o matam, eles tratam-no como prisioneiro. Nixon está tentando lançar uma

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piedosa cruzada contra o tratamento de que “são vítimas” estes criminosos amerikkkanos. Ele quer, deste modo, justificar desde já as atrocidades que eles se dispõem a cometer.

No passado mês de maio, as manifestações e as greves que se sucederam à Indochina e os assassinatos de Jackson e de Kent, demonstraram uma real força, e mudaram o curso dos acontecimentos. Novos grupos entraram em combate, e o governo viu-se forçado a passar à defensiva. Os atentados ajudaram então a desencadear ações que exprimiram a nossa fúria contra Laird (11) o hipócrita; os laboratórios de guerra, as administrações escolares e universitárias, os políticos em campanha eleitoral, estão à mercê dos nossos comunicados, dos nossos comícios, das nossas pedradas. Os grupos de “Women’s Lib” (12) podem encontrar em Nguyen Ti Binh uma irmã de luta que merece todo o nosso amor e todo o nosso apoio. Devemos explicar às massas as suas propostas de paz e, ao mesmo tempo, denunciar o verdadeiro sentido (genocídio e aumento) dos planos colocados atualmente em prática por Nixon-o-Vampiro para suprir, por um amento de bombardeiros, os soldados que se recusam a combater (13). “Vietnamização”, “duração limitadas”, “reação preventiva”, “hostilidades defensivas”, p. que as pariu. Dir-se-ia que, por vezes, nos esquecemos que há no Vietnã, mulheres e homens fortes e livres que vivem e que combatem. Não se trata de guerrilheiros abstratos que batem o imperialismo americano no Sudoeste asiático, é um povo, com as suas tradições, os seus amores, os seus familiares e as suas esperanças no futuro.

Eles são como Thai, combatente do Exército Popular de Libertação, que lutou em Hué, durante a ofensiva do Tet e em Hamburger Hills, um ano mais tarde, ou como Than Tra, dirigente da organização de massas das mulheres e do movimento estudantil nas grandes cidades, que passou nove anos sem ver o namorado. Elas tinham feito uma viagem de mais de um mês para vir ao nosso encontro em Cuba, cantar, dançar e dizer como se passam as coisas no Vietnã. Nas suas mãos, os fuzis e as bombas não têm nada de brutal nem de “macho” (14). Não podemos deixar de pensar que se elas fossem melhor conhecidas aqui, o movimento contra a guerra não teria nunca permitido que Nixon e Agnew falassem com tanta à vontade em tantas cidades durante a campanha eleitoral, durante a qual só os “contestatários” da Universidade de Kansas (15) e a população de San José (16) mostraram ao mundo a nossa cólera contra a sua propaganda racista.

O coração do nosso povo pulsa no ritmo dos acontecimentos. Nos últimos tempos, os hippies, os marginais e muitos militantes começaram a preparar-se para afrontar um inverno rigoroso. Kent, Augusta e Jackson marcaram para nós uma espécie de passagem à maioridade; é com uma nova gravidade que nos apercebemos que a luta na América será dura e que demorará muito. Começamos a compreender o que os cubanos queriam dizer quando nos falavam da necessidade de criar um homem e uma mulher novos.

Os jovens levaram a cabo um número enorme de experiências durante a sua vida, ao lutar ferozmente contra o modo de vida do homem branco. Eles aprenderam a sobreviver juntos nas cidades envenenadas, e a viver pelas estradas e no campo. Eles foram viver em comunidades rurais e encontraram métodos novos de educação para que os filhos sejam livres e naturais. Eles purificaram-se, comendo alimentos orgânicos, lutaram pela liberdade sexual, deixaram crescer os cabelos. Aproximaram-se uns dos outros, aprenderam que a marijuana e as outras drogas que alargam o campo da consciência são armas da revolução. Ninguém é obrigado a tomá-las, não é necessário tomá-las para provar a coragem, são apenas utensílios, um método de conhecimento (o dos índios Yaquis). Mas enquanto nós cantamos em louvor da droga, o inimigo, sabe qual a ameaça que ela representa contra o seu domínio, a nova cultura da juventude, serve-se dos seus aliados, as drogas de morte (heroína e anfetaminas) para “pacificar” e destruir os jovens. Em os jovens não há revolução possível e é essa falta que nos espreita se não combatermos esse perigo.

Novas “famílias” aparecem. Os coletivos aparecem em todos os lados desde Seattle a Atlanta, de Buffalo ao Vermont; são unidades formadas por pessoas que têm suficiente confiança umas nas outras para viver em conjunto, militando e lutando juntas. A revolução ocupa a totalidade das nossas vidas; nós não somos soldados em “part-time” (meio período), nós não somos revolucionários na clandestinidade. É graças aos laços íntimos que se estabeleceram entre nós, graças ao metabolismo das nossas vidas pessoais e do trabalho

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revolucionário que os ‘porcos” têm tanta dificuldade em se infiltrar nos nossos coletivos. Uma coisa é assistir a algumas reuniões, mesmo às reuniões de um grupo clandestino. Outra é o viver durante muito tempo numa das nossas “famílias” sem ser detectado (17).

Entre as coisas mais importantes que mudaram, depois que se começou a trabalhar em coletivos, temos a noção de dirigente. Ninguém (e sobretudo nos grupos femininos) quer continuar seguindo ideólogos universitários ou chefes autoritários. Os discursos de Fidel e os poemas de Ho Chi Minh fazem-nos compreender que um verdadeiro dirigente nasce de um contato profundo com o seu movimento. Crazy Horse e os outros chefes índios ensinaram-nos que os chefes respeitam a sua tribo e as suas necessidades são seguidos de bom grado e com amor pelo seu povo. Os Dakota riram-se quando os brancos designaram um único homem como chefe de todas as tribos Dakota; isso não impediu o povo de seguir os chefes que agiam de um modo considerado justo.

Estas mudanças devem-se em grande parte à obra das mulheres, nos coletivos mistos e mesmo em coletivos inteiramente femininos. A formidável energia que emana das “irmãs” desde que elas trabalham em conjunto não transformou o movimento somente no interior; no exterior, o movimento das mulheres lança a Amérikkka no terror e na confusão. Quando perguntam a Cao Ky (18) o que ele pensava da sinceridade da senhora Binh (19), ele respondeu: “Em política, nunca nos devemos confiar em mulheres”. Os “porcos” recusam-se a aceitar o fato de que as mulheres são capazes de redigir proclamações ou de construir bombas com mecanismos complicados. Mas agora que vimos o potencial de forças que milhares e milhares de mulheres representam, em manifestações na rua, é necessário que as mulheres revolucionárias tomem a iniciativa de manifestações militantes, organizem as garotas, desfraldem a bandeira da FNL e impeçam Nixon e Agnew de passear a seu bel-prazer pelo País vendendo o lamento dos “prisioneiros do Vietcong”, exatamente na mesma época em que centenas de mulheres são submetidas à tortura nos cárceres do Vietnã do Sul.

Cabe-nos a tarefa de dar a conhecer às mulheres americanas, mulheres como Nguyen Thi Binh, como Pham Ti Quyen, combatente do maquis (resistência) de Saigon e a viúva de Nguyen Van Troi, como Thi Dinh que comandava a unidade do Exército de Libertação Popular (ELP) que iniciou o combate em 1961, no Vietnã do Sul, em Ben Tre; como Célia Sanchez e Haydee Santamaria, combatentes de Moncada e Havana (20), como Bernardette Devlin (21), Leila Khaled (22), Lolita Leblon (23), e como as nossas irmãs de cá, Joan Bird (24), Afeni Shakur e Mary Moyland (25).

Não podemos esperar até estarmos reunidas para organizar as massas, mas também não podemos agir sem estar unidas. O processo é o mesmo. As mudanças que assistimos não são nem regras nem princípios. Encontramo-nos em todos os pontos do País e construímos diferentes organizações, com diferentes tipos de dirigentes. Não se trata de unificar numa única organização que não existiria senão no papel, graças ao trabalho de facções e de alianças. É uma NOVA NAÇÃO que nascerá das lutas do próximo ano.

11 de dezembro de 1970BERNADINE DOHRN

Notas:1) Explosão que destruiu uma casa de G. V., em março de 1970, no decurso da qual, 3 dirigentes “W.” (Ted Gold, Diana Oughton e Terry Robbins) morreram. Os dois sobreviventes, Kathy Bondin e Cathy Wilkerson continuam em fuga. A casa servia para depósito de explosivos e para laboratório.2) Ministro da Justiça dos EUA, tem também funções de Ministro do Interior.3) Local do assassinato de 4 estudantes em maio de 1970.4) Bairro de Nova York, centro da “nova cultura”.5) Referência às manifestações que assinalaram a Convenção Democrática para as eleições presidências.6) Presidente da seção de Illinois do PPN, assassinado na sua própria cama, pela policia de Chicago em dezembro de 1969.7) Os “21 de Nova York” foram acusados de “querer fazer explodir” uma série de grandes armazéns durante as compras de Natal e de querer destruir os Jardins Botânicos do Bronx (!!!).

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8) Rap Brown, líder negro autor de “Crève, sale nègre, cràve” (François Maspero, ed. Paris, 1970). George Jackson, autor de “Letters from Soledad” (ed. Francesa na editora Seuil).9) Conforme: “Elogio fúnebre de Jonathan Jackson” e “O caso Angela Davis” incluídos nesta antologia.10) Bobby Seale foi alvo de um tratamento exemplar: no julgamento de Chicago, quando tentou intervir no debate foi esmurrado por guardas e posteriormente foi amarrado à sua cadeira e amordaçado!!!11) Ministro da Defesa dos EUA.12) “Women’s Lib”: grupo feminista americano. A referência a Nguyen Ti Binh, delegada do FLN do Vietnã do Sul às conferências de Paris, não significa, da parte desta, uma total adesão às teses propagandeadas pela maioria dos grupos feministas ocidentais (como por exemplo, o Movement de Libération des Femmes, cujas proclamações nem sempre poderão merecer a concordância dos marxistas, dada a confusa ideologia “sexista” em que muitas vezes se baseiam).13) É conhecida a situação de grande número de unidades combatentes no Vietnã: regimentos inteiros à beira da insubmissão, altíssima percentagem de drogados (a tal ponto que já nem são perseguidos os soldados que se entregam à marijuana e ao LSD, mas somente os que se drogam com heroína ou morfina), oficiais “severos” que morreram “por acidente” (executados pelos subordinandos), o crescente número de desertores, desobediência, etc. Sobre isto, cfr, números recentes de Paris-Match, L’Express, Le Nouvel Observateur e Triunfo (entrevista com Jane Fonda).14) Em espanhol no original.15) Na cidade de Lawrence, onde, em agosto de 1970, dois estudantes foram mortos pela policia durante uma manifestação e onde um Yippie - não confundir com hippie - foi eleito juiz de paz, como candidato democrata. 16) Cidade em que Nixon foi apedrejado em novembro de 1970, à saída de uma reunião eleitoral.17) Para além do que se lerá na resposta dos “21”, parece necessário ao tradutor (responsável porque traduz este documento), chamar a atenção do leitor para a evidente confusão que estes últimos parágrafos encerram:

1°) Não está provado que a marijuana e o LSD não tenham nocivos, nem o seu consumo por parte de uma certa juventude não seja acompanhado pelo consumo de heroína. Essencialmente, pode dizer-se que o uso destas drogas “fracas” se deve sobretudo ao seu preço inferior e à inegável dificuldade que os traficantes de drogas experimentam em a passar a preços “compensadores”.2°) Não está provado que os coletivos tenham eliminado as relações humanas falseadas que se encontram nas organizações tradicionais.3°) Não está provado que uma policia suficientemente interessada não penetre com facilidade - pelo menos com tanta facilidade - nos coletivos que, de resto, num número bastante grande, não têm conseguido continuar.4°) Dizer, ou subentender, que os membros dos coletivos são, ao contrário, dos militantes clandestinos (ou de alguns, pelo menos) soldados a “full-time” (tempo integral), é pura demagogia, é ignorar o que se passa no interior de muitos grupos políticos revolucionários. A questão que se deve colocar é a de saber se um grupo é ou não verdadeiramente revolucionário. Se o for, com certeza que os seus membros serão revolucionários em tempo integral. Justamente o exemplo dos vietnamitas, aqui posto em destaque.5°) A recusa global das relações de vida que o sistema capitalista engendra não pode ser acompanhada por uma recusa dos elementos determinantes desse processo. Por exemplo: é estúpido revoltarmo-nos contra os computadores só porque é através de computadores que foram organizadas ofensivas no Vietnã, ou porque um computador substitui o trabalho de muitos homens - o desemprego tecnológico não se combate pela destruição das máquinas mas sim pela sua apropriação social, pela eliminação da propriedade privada.

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18) Nguyễn Cao Kỳ - primeiro-ministro do Vietnã do Sul em 1965.19) Nguyen Thi Binh, na época Ministra dos Negócios Estrangeiros do Governo Provisório do Vietnã do Sul e membro da direção da Frente Nacional de Libertação.20) Célia Sanchez e Haydee Santamaria - participaram na preparação do ataque ao quartel de Moncada (1953), entre outros, morreu Abel Santamaria, irmão de Haydee, ambas pertencem ao Comitê Central do PC Cubano.21) Bernardette Devlin - ativista dos direitos civis na Irlanda do Norte (Grã-Bretanha).22) Leila Khaled - militante da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP).23) Lolita Leblon - heroína do movimento de independência portorriquenho.24) Afeni Shakur - ativista militante do PPN25) Mary Moyland - ativista contra a guerra no Vietnã, passou à clandestinidade em abril de 1970.26) Joan Bird - uma dos “21”.

RESPOSTA DOS “21” AOS WEATHERMEN

Nós, do grupo dos “21”, aproveitamos esta ocasião para vos saudar com um sentimento de solidariedade e de amizade revolucionários - com esse sentimento que os nossos inimigos não podem compreender nem experimentar - esse sentimento que desafia a sua vontade de dividir para reinar, que é própria deles - é com este sentimento quer vos saudamos.

Queremos dizer-vos que pensamos que um ato injusto foi cometido em relação a vós, pelos partidos da chamada vanguarda revolucionária, pela sua evidente negligência em não vos apoiar abertamente - pelo desinteresse evidente do seu silêncio perante os vossos justos atos revolucionários. Mas eles também nos ignoram - portanto, vistas as coisas por este prisma estamos no mesmo barco. Mas temos de vos afirmar que os irmãos mais progressista que encontramos na Babilônia vos consideram sempre como uma das vanguardas (ou até a única) no interior das fronteiras artificiais dos Estados Unidos da América. Vocês encontrar-vos-eis na ação - a única sem equívoco - pela qual os revolucionários se avaliam.Esta carta tem como objetivo reconhecer as vossas ações - e dizer como nós acompanhamos o vosso crescimento - e dizer-vos da alegria revolucionária que sentimos no que diz respeito a estes dois pontos. Esta carta é também uma resposta ao vosso último comunicado “New morning-changing weather”. Nele reconhecemos e sentimos a vossa frustração e a vossa sensação de isolamento, tendo-o nós sentido, igualmente, durante os últimos 21 meses.

Nós também nos ressentimos, de forma muito evidente, da perda de direção, da confusão e do caos que reinam no exterior. Nós vemos como os traidores fazem horas suplementares para tentar “lixar” tudo. Mas nós vemos também como muito da má orientação vem desses partidos ditos de vanguarda. Como esses partidos “onipresentes” semeiam os germes da confusão, a alienação e como eles perderam muito do seu potencial, devido às suas erradas táticas - na realidade, péssimas táticas: “igrejinhas”, pseudo-masoquismo, arrogância, desinteresse, dogmatismo, regionalismo, controle rígido, lamentações. Deste modo, a situação no exterior tornou-se numa situação tal que se vê a ignorância conduzir a cegueira. Nós temos visto os nossos camaradas de combate comportar-se com toda a prudência e “topar” as contradições na rua, e não as poderem enfrentar, porque tinham saído da cadeia sob fiança. O que finalmente fez com que eles também ficassem atolados na merda e não pudessem olhar-nos de frente, olhar-nos olhos nos olhos. Também respondemos ao vosso comunicado baseando-nos na nossa experiência porque, ainda que compreendamos o vosso ponto de partida, pressente-se, no vosso documento, uma certa disposição e leem-se certas declarações que nos arrepiam.

Compreendemos muito bem a vossa atitude em relação à “contra cultura” na mãe pátria - como ela foi “às forças que nos engendraram”, uma cultura da qual vocês fizeram parte, uma

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sociedade jovem e sem organização. Também vemos as possibilidades que, para vós, existem de desenvolver o movimento de maneira a que, enquanto revolucionários, “vocês possam modificar e modelar a revolução cultural” - vocês têm a possibilidade de a melhorar. Vemos também que vocês sentem, muito justamente, uma maior necessidade de apoio por parte dos jovens da mãe pátria. Mas parece-nos que a maior parte das comunidades de jovens são sobretudo usadas como fuga - um perigo com que deveis contar e de que vos deveis defender.

Outra coisa que é necessário ter em conta também, é que há uma diferença enorme entre um movimento e a Revolução. Os movimentos podem dirigir-se a um grande número de objetivos - ou, por vezes, a todos - que não podem ser utilizados senão até certo ponto. Exatamente como a essência poder do governo foi a FORÇA e a sua habilidade em manter o afastamento entre as esperanças do povo e as realidades sociais. Porque o que as pessoas não compreendem não é passível de controle por elas. Um movimento pode lutar contra a antinomia esperança-realidade, mas não contra a FORÇA. A única maneira de lutar contra a força e a violência reacionária é recorrer à contra-violência e à contra-força revolucionárias. Outro fato a ter em linha de conta: não é pelo fato de abandonar a clandestinidade que se passa estando mais perto do povo, basta atentar no que se passa com os chamados partidos de vanguarda.

Muita gente está no movimento para a paz não porque se sinta solidária com os vietnamitas, mas apenas porque se trata de pessoas que são contra a guerra - coisa inevitável no combate entre oprimidos e opressores. Ou, então, trata-se de verdadeiros Amerikkkanos. Inconscientemente eles não querem que este país imperialista, a sua pátria, seja vencido. Nós não fazemos a mínima ideia de como vocês vão resolver o problema, no que diz respeito à última questão. Quanto a nós, no que toca ao primeiro problema, parece-nos útil citar Sartre: “...se a violência se desencadeasse hoje mesmo e se a exploração e a opressão nunca tivessem existido na terra, talvez os slogans de não-violência impedissem as querelas. Mas se o regime inteiro, e até as vossas ideias de não-violência estão condicionados por uma opressão, cujas origens se perdem na noite dos tempos, a vossa passividade apenas serve para vos colocar à mercê dos opressores”.

Vocês devem atacar o racismo no interior da vossa cultura de jovens - ainda que, como diz Sartre, “na melhor alma há um preconceito racial”. Referimo-nos ao preconceito racial “aberto”. Vocês fazem alusão às manifestações de Kent e de Jackson. Mas há uma diferença enorme entre elas. Uma diferença “racial”, uma diferença “racial aberta”. Quando se deram os acontecimentos de Kent, a nação parou, as bandeiras foram postas a meia haste, a ansiedade dominava toda a gente. Isto em nada se assemelha à amplidão - ou melhor, à falta de amplidão - dos acidentes de Jackson. O primeiro, como vocês disseram, “provocou uma verdadeira força”, “demonstrou uma real força e mudou o curso dos acontecimentos”. O último não colocou ninguém “na defensiva”, se excetuar-se o povo negro.

Podemos compreender a vossa necessidade de estabelecer um poderoso sentido de comunidade. É uma necessidade para vocês, na “mother country”, exatamente como o é para nós , nas colônias. Mas, ao fazê-lo, devemos nos servir dessa nova tomada de consciência e tomá-la pelo que ela, de fato, é: uma percepção da realidade. Devemos - vistas as circunstâncias - dar-nos conta de que “a erva (1) e a drogas que aumentam a consciência orgânica”, NÃO são armas da revolução. Elas podem ser um instrumento para vos aproximar, em certo sentido, da comunidade, mas elas não “explodirão” com o sistema amerikkkano. Lembrem-se, o total de drogas duras aumentou proporcionalmente ao crescimento de consciência política da comunidade negra, e isso não se deve ao acaso. E o regime utiliza como utensílios, não somente as drogas duras para pacificar e destruir os jovens, mas também as drogas que aumentam a consciência orgânica, as quais são perigosamente traficadas. Também estas coisas - estes instrumentos - podem ser utilizados para a fuga. E para citar de novo Sartre: “por outras palavras, os povos coloniais protegem-se da alienação colonial lançando-se noutra: na alienação religiosa, no vício da droga e na organização de petições ou de congressos”.

E depois, nas vossas comunidades de jovens da “mother country”, acentua-se sobretudo a liberdade individual, ao passo que nós damos a primazia à liberdade dos grupos. Assim, de

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que modo é que o Terceiro Mundo e os Negros amerikkkanos entram na vossa concepção de vida em comunidade? Vejam: vocês dizem que “as mudanças a que se assiste não são nem regras nem princípios”. Dizem depois que há uma nação que cresce. Mas, como resolveram a contradição “mother country” - povo negro? Ao não equacionar os problemas da “mother country” ou a relação Negros-Terceiro Mundo, ao mesmo tempo em que se ocupam com o problema da revolução, das necessidades do homem novo e da mulher nova, vocês defendem princí-pios ou tentam nos dizer que estas contradições foram já resolvidas. Nós não acreditamos nisso. Apercebemo-nos de que será um “combate prolongado”. Mas... e quando “combate prolongado” se torna estagnação ou fuga, isolamento e conservadorismo? Na luta armada, há que enfrentar e resolver todas estas contradições, rapidamente, sem pausas de qualquer espécie. Como Dowbar (2) diz do Brasil: “Não se pode construir uma consciência revolucionária num país, por meio de explicações políticas. Mas, ações revolucionárias podem criar essa consciência”.

E, como foi demonstrado pela história, as táticas de Martin Luther King não são eficazes até certo ponto. É dever vosso, enquanto revolucionários, “modificar e preparar a revolução cultural” numa cultura revolucionária verdadeira que prepare para o combate.

Tome-se, por exemplo, um grupo, um partido e os seus simpatizantes e os seus ativistas. Ele pode avançar de um modo revolucionário contra os “porcalhões” OU então pode funcionar - ter um jornal, organizar comícios, assembleias, congressos, etc. ... - nessa altura os re-tóricos “retoricam”, os funcionários funcionam, as tipografias imprimem, os delegados viajam, as relações internacionais estreitam-se, os dirigentes ficam “esgotados pelo trabalho (3) - e, entretanto, o projeto da luta armada, a verdadeira revolução, diminui. Perde-se no meio de tanta tarefa, começa a ser considerado como “aventureirismo”. Sempre prematuro. Poderia “sabotar” a legalidade do partido (que se fosse verdadeiro seria de fato ilegal). Poderia suscitar demasiado a repressão. Durante todo este tempo, os fascistas predem os ativistas, que se não são tão ruidosos, são pelo menos considerados como mais perigosos. Isto não vos é já conhecido?

Nós dizemos “AVANTE”! Sirvam-se da nova consciência, MAS lembrem-se que essa nova consciência de amor, de criatividade e de libertação não travará a exploração do Terceiro Mundo. Vocês dizem que “tinham vindo todos juntos” agrupando-se à volta do militantismo dos jovens brancos com a determinação de rejeitar o racismo e a exploração do Terceiro Mundo pelos EUA. Isso compreende uma coisa fundamental, absolutamente primária que não é suscetível de quaisquer dúvida: a fome do povo. Dois terços do mundo - o Terceiro Mundo - morre de fome com uma esperança de vida de 33-35 anos em média. Acreditam vocês que “agir abertamente, denunciar Nixon, Agnew e Mitchell” e partilhar os vossos “efetivos e a vossa sabedoria” com os jovens camaradas, poderá - tendo em conta o vampiro que a Amérikkka é - agir de modo significativo contra situações como as da África do Sul, da América Latina, da Palestina, da Rodésia (4), fazer cessar a fome do povo, ou, pelo menos, rebentar uma que seja das cadeias do homem vermelho, do homem negro, do chicano, do portorriquenho? Há já quatro anos que a nova consciência conhece as contradições a propósito do Vietnã. E, no entanto, as maiores manifestações de massa só tiveram lugar em maio de 1970. Quanto tempo exigirá isso para que todas as contradições sejam conhecidas e se façam sentir? Contradições contidas no problema da situação dos povos do Terceiro Mundo neste país, no problema da África do Sul e de Portugal, no problema das relações EUA-URSS (5), no problema de contenção da China (6), etc. ... Será que os comícios e as manifestações - mesmo a nível de massas - farão muito pelo combate contra o racismo e a exploração do Terceiro Mundo pelos EUA? Lembrem-se que a economia dos EUA se baseia nesta exploração e que os EUA são um país guerreiro, uma potência capitalista dinâmica, necessitando de guerras periódicas para sobreviver! Nenhuma masturbação filosófica nem qualquer outro “...ismo” fornecerá resposta respostas a esta questão. A máquina amerikkkana e a sua economia têm de ser destruída. E isto só poderá ser levado a cabo por uma consciência inteligente e pela luta armada - a REVOLUÇÃO! Ou será que, porventura, vocês acreditam que esta nova consciência poderá verdadeiramente atingir Westmoreland (7) ou Laird (8) ou Stennis (9) ou Eastland (10) ou...?

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Ficamos desolados por saber que a explosão de Greenwich Village destruiu para sempre a vossa fé na luta armada como único modo verdadeiro de luta. Isso coloca-vos numa posição única, pois, como diz o “Che”: “A luta armada é a única solução para as pessoas que lutam para se libertarem.” E perdemos camaradas de que muito gostávamos. Também - cada revolucionário experimentou-o - nos damos conta que há riscos a correr - alguns morrerão, outros substituí-los-ão (ou nós) como as pessoas que se manifestam para acabar com o racismo, o colonialismo, o sexismo e todos os outros “ismos” dos porcos (11), a exploração etc. ... Mas estas coisas não podem ser vencidas senão pela revolução e a revolução é - em última análise - a LUTA ARMADA - a revolução é a VIOLÊNCIA - a revolução é o SANGUE. Durante quanto tempo diferentes frentes nacionais de libertação combateram antes de adquirirem um verdadeiro apoio popular?

O “Che” disse: “Uma revolução é um punhado de homens e de mulheres a quem nada resta senão esta alternativa - liberdade ou morte.”. No momento em que a morte é um conceito mil vezes real e a vitória um mito que só um revolucionário se sente capaz de sonhar. Vocês gostam de Marighella? - Carlos Marighella: a ação revolucionária desencadeada por pequenos grupos de homens armados foi a grande força que amparou a nossa luta”. A organização revolucionária cresce normalmente através de duas importantes formas:

1) Reagrupamento e preparação dos quadros políticos para dirigir os comícios e para discutir os documentos e os programas;2) A ação revolucionária. Os seus métodos são a violência e a extrema radicalização.

Nós escolhemos a segunda porque pensamos que é o método mais convincente e porque a primeira leva - se não estiver relacionada com a segunda - a táticas burguesas e a perda de iniciativa. É a ação que despertará a energia revolucionária no nosso povo, será a ação que determinará a formação de uma força de batalha tal que ninguém a poderá refrear. Os nossos métodos e as nossas formas de organização estão subordinadas à ação revolucionária e nós não admitimos o que quer que seja que possa impedir e limitar uma tal ação - cada uma das nossas ações revolucionárias tem por fim alcançar o poder por meio da violência revolucionária.

Tivemos demasiados mártires. Temos uma desesperada necessidade de revolucionários que não só aceitem como também estejam a todo o momento prestes a MATAR para modificar a situação. Estar apenas pronto a morrer não faz um revolucionário - só faz um mártir -, o “suicídio revolucionário” e “só são revolucionários os que morrem”: isso não passa de merda, de merda e de “escapismo”.

Um revolucionário escapa à morte como a um fenômeno natural e deve estar pronto a matar para modificar a situação. A revolução é LUTA ARMADA, a revolução é VIOLÊNCIA, a revolução é GUERRA, a revolução é SANGUE e o dever de todo o revolucionário é fazer a revolução.

Sejamos claros, agora. Estamos de acordo convosco quanto ao fato dos comícios e das manifestações poderem ser úteis, e como vocês o dizem, “alguém tem de os convocar, distribuir os comunicados, convencer as pessoas de que existe uma prioridade.” Mas o único modo de adquirir um verdadeiro apoio, para citar Marighella uma vez mais: “a rebelião da guerrilha urbana e a sua persistência intervindo nas questões públicas é a melhor maneira de garantir um apoio público à causa que defendemos”. Nós repetimos, nós insistimos na repetição: “é a melhor maneira de garantir um apoio público”. Desde que uma parte considerável da população comece a levar a sério a ação da guerrilha urbana. Vocês dizem que as pessoas se tornam revolucionárias nas escolas, no exército, na prisão, nas comunidades e na rua. Mas a única coisa que acabará com o medo dos estudantes de Kent, com a droga do Lower East Side e com o silêncio nacional depois dos bombardeamentos do Vietnã do Norte é a ação vitoriosa militar dos revolucionários, aqui na Babilônia, que estão totalmente solidários com os revolucionários do Terceiro Mundo. Deve ser fornecida toda a informação possível sobre as contradições originadas pela exploração do Terceiro Mundo pelos EUA. Mas mesmo quando vemos que os comícios e as manifestações de massa são uma boa contribuição - por exemplo, impedir Nixon & companhia de ocupar a rua - também

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pensamos que a este nível as manifestações de massa intensificadas não servirão um duplo fim e não serão tão funcionais se não forem utilizadas em coordenação com a luta armada, a ação militar. Por exemplo - nós sabemos muito bem, sentimos e compreendemos a vossa frustração - como quando participávamos na rebelião da prisão de Long Island City (Branch Quenes) - nós pensamos que as pessoas de fora teriam podido apoiar-nos de um modo absolutamente revolucionário, por meio de duas ou três maneiras:

1) Manifestações de massa em cada prisão nela envolvida.2) Ações de guerrilha urbana enquanto que os policiais (em grande quantidade) cercavam as prisões deixando a cidade vulnerável (dessa vez durante cinco dias) e, ao mesmo tempo, manifestações de massa.3) Libertação de prisioneiros numa qualquer prisão desde que para tal houvesse possibilidades.

Assim, vejam vocês, as melhores táticas na revolução estão na LUTA E NA CONFRONTAÇÃO CONTÍNUA.

Como diz George Jackson: “Cada movimento de massas na história foi dirigido por uma pessoa ou por um pequeno grupo de pessoas. Ainda que toda a pessoa nasça com um cérebro, só alguns pensam em servir-se dele. A diferença entre o movimento de massa fracassados e os movimentos de massa vitoriosos está nas pessoas que os dirigem. Os que são vitoriosos são dirigidos por pessoas cuja capacidade mental e a capacidade física estão equilibrados. O cérebro é inútil sem os nervos e os músculos necessários para executar as suas ordens”. Portanto é necessário que vocês, quando tiverem a vosso cargo as comunidades de jovens da “mother country”, usem essa nova consciência de amor e a redefinam de tal modo que ela se transforme em amor revolucionário: vontade de destruir o inimigo, vontade de destruir esta vida de merda para criar uma vida humana. Portanto, como vocês dizem, é verdade: “as pessoas tornam-se revolucionárias na escola, na tropa, na prisão, nas comunidades e nas ruas”. Como Kent mostrou o que pode acontecer nas escolas, na tropa - ele podem mudar de lado ou desertar - vocês viram mais ou menos tudo o que pode ser levado a cabo nas prisões; e na Wall Street, em maio, no que toca a manifestações de rua, se estas revoltas são levadas a cabo sós, sem coordenação e sem a ajuda exterior. Por isso, as ações militares e de resistência são absolutamente necessárias, e é absolutamente necessário que elas estejam intimamente unidas. Vocês devem também espalhar a vossa sabedoria e encorajar as vossas comunidades de jovens para o combate.

Nós não aceitamos as fronteiras que foram estabelecidas por politiqueiros, daí que, quando falamos de Revolução Americana, falemos da América do Norte, do Sul, da América Latina, de toda a América. Portanto, mesmo aqui, falamos duma Revolução do Terceiro Mundo. Aqui também estamos numa situação de Terceiro Mundo, porque a Amérikkka é o maior monstro branco. E, na América do Norte - isto é, na Amérikkka -, a Revolução dos negros, dos portorriquenhos, dos chicanos e dos índios é o coração e o próprio centro da Revolução na América do Norte. Também para apoiar há que se levar em conta que as Revoluções partem de baixo para cima. A base torna-se a bandeira, o dirigente. Poderão as vossas comunidades de jovens aceitar isto? Vocês devem moldar a consciência da mãe pátria, sociedade jovem e desorganizada. Eles, como nação, se progredirem poderão tomar uma posição semelhante à da França (reacionária, mas dando, no entanto, pequenas alfinetadas à América) ou à da Suécia (neutra, mas dando um pequena ajuda ao Terceiro Mundo) ou à Albânia (completamente comprometida na luta - e não se pode manifestar senão uma completa solidariedade com a Albânia). Pois que se vocês e a vossa nação de jovens não continuarem lutando, não só através de manifestações de massa mas também por meio de ações militares, então, como vocês dizem, “os povos negros e do Terceiro Mundo” serão obrigados a lutar praticamente sozinhos “contra o imperialismo americano”. Nesse caso, nós diremos à vossa nação de jovens que se, de fato, não nos podem ajudar, saiam do nosso caminho!

Até agora, nenhuma guerra de libertação foi travada sem se recorrer à violência. A questão está em saber como utilizá-la inteligentemente. Devemos combater com fuzis, com bombas, com o espírito e com o coração.

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A nossa resposta ao inimigo deve ser, PELO MENOS, olho por olho, dente por dente. PELO MENOS. Vejam que para nós a situação é crítica. Em cada dia, em cada hora, quantos dos nossos não sofrem? Quanto não morrem! É por isso que o nosso combate não parará enquanto houver em Washington alguém mais importante do que no Harlem. Não há na Wall Street ninguém mais importante que uma pessoa qualquer na Guatemala, nenhum homem de Londres, Paris, Moscou, Estocolmo ou Roma é mais importante do que qualquer outro em Hanoi, Pequim, nos campos de concentração da África do Sul, em Dar-es-Salam ou em Kingston. Por outras palavras, enquanto o mundo não for livre ninguém estará em segurança. Nós, do Terceiro Mundo, devemos por imperiosa necessidade, destruir esta sociedade altamente automatizada, cibernetizada, ou sermos destruídos por ela.

Nós temos necessidade de aliados – temos um poderoso inimigo que não pode ser vencido sem um esforço comum. Quem quer que tenha o mesmo interesse que nós - a destruição desta sociedade - é um aliado. Todos os outros são inimigos. Então como é que nossos aliados nos vão ajudar? Vocês falam de uma ofensiva, ataques à bomba quase sem fim nem método, e a maior parte das vossas ações políticas não tiveram, sobre o inimigo, no plano militar, maior efeito de que uma picada de vespa. Mas o efeito político foi devastador. O mundo sabe que a juventude branca da Babilônia recorrerá à força para destruir o imperialismo. Vejamos o que vocês dizem. Porque, por exemplo, Mohamed Ali vangloriava-se de “voar como uma borboleta”, de “picar como uma vespa” e com um número suficiente de ferroadas poder destruir o inimigo. Pensamos que o mesmo princípio se poderia aplicar aqui. Escolher, também, os alvos. Tentemos todos escolher os alvos com mais cuidado e com maior preparação. O fim é o seguinte:

1) Destruir a economia - atacar à bomba nos locais em que a economia mais se ressentirá.2) Arranjar dinheiro, armas, etc. ...3) Levar a cabo ataques por atiradores isolados.

As fábricas de bombas, de minas e as balas são necessárias Falemos de “estragos materiais em grande escala”. Esta economia tem de se arruinar. Há uma guerra, sabiam? E nós sabemos que dois, três homens podem levar a cabo uma ação armada sem se deixarem prender... Como vocês dizem, o vosso poder está no fato de vocês serem móveis, descentralizados, flexíveis, etc. ...

Concluindo: queríamos deixar-vos estas ideias. Vos desejamos uma vitória revolucionária em tudo o que empreenderem. Mas lembrem-se: o grau de coexistência racial depende muito dos vossos sucessos. Em segundo lugar, lembrem-se que não estamos perante uma guerra racial, mas perante uma guerra global, e que estando no território deste monstruoso vampiro, estando no ventre da besta muito depende de nós. Em terceiro lugar, lembrem-se: “Numa revolução tu ganhas ou tu ‘lerpas’”. Vocês perguntam-se o que podem fazer pelo vosso país!... Destruam-no. Mentalmente, moralmente, psicologicamente e fisicamente. Destruam-no e seja o que for que vocês fizerem, façam-no bem.

Vossos co-guerrilheiros na Revolução.Vossos companheiros de guerrilha na RevoluçãoOS 21 PANTERAS.

Notas:1) Erva: nome dado à marijuana.2) Ladislau Dowbor.3) Todo este período é, no original, mercê de um jogo de palavras intraduzível, de uma grande ironia. Haveria que dizer “tipografam”, por exemplo.4) Atual Zimbabwe.5) Antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que não mais existe.6) Sobre o problema da China nos EUA, conforme “La Nouvelle Chine”, N° 2 e 3 e as recentes declarações de Huey Newton, durante e depois a sua viagem República Popular da China (outubro de 1971).7) William Childs Westmoreland, general comandante na guerra do Vietnã.8) Melvin Robert Laird, Secretário de Defesa .

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9) Jonh Cornelius Stennis, senador pelo Mississipi.10) James Oliver Eastland, senador pelo Mississipi.11) Os negros americanos usam muito esta expressão quando se referem aos opressores; é habitual ler-se em textos deles as expressões “pigs” ou “fascist pigs”. A palavra portuguesa, porco, não tem a mesma violência, ao contrário, por exemplo da francesa “cochon”. De qualquer modo optou-se sempre por “porco” à falta de uma expressão rigorosamente idêntica.

POSIÇÃO DE ELDRIDGE CLEAVER“Right On” N° 1 de 3 de abril de 1971

Numa organização revolucionária marxista-leninista comprometida na guerra popular, sempre foi colocado o problema de manter a unidade entre a direção política e a direção militar. O ideal seria que uma organização revolucionária marxista-leninista, comprometida na guerra popular e nas lutas populares, abolisse a forma clássica e burguesa de organização na qual a direção militar da organização é representada por uma pessoa; organização na qual existe um exército profissional para se ocupar dos problemas militares. Nas lutas populares não há distinção entre o político e o militar porque cada um deve ocupar-se dos dois aspectos da luta.

Houve um partido, o Partido das Panteras Negras, que não tinha problemas a esse nível. Quando o partido ainda era uma pequena organização, quando ainda não era praticamente conhecido, quando não havia prisioneiros de guerra a favor dos quais devíamos levar a cabo atividades de massa. Havia apenas panteras, policiais e fuzis. A direção era unitária e devia ocupar-se das tarefas do partido. Até ao momento em que Huey foi preso (1), o problema não foi colocado.

É muito importante observar que, quando Huey foi preso, o partido deixou de concentrar a sua atenção na rua. Em primeiro lugar, quando Huey foi preso, Bobby Seale estava já na prisão. Estava preso não só por causa dos acontecimentos de Sacramento, mas também por uma questão de uso e porte de arma no Condado de Alameda. Quando Huey foi preso em outubro de 1967, Bobby Seale continuou preso até fins de dezembro, princípios de janeiros; e nós não dispúnhamos nem de uma análise nem de um aparelho político particularmente aptos para resolver problemas desta importância; tivemos que recorrer à experiência na prática. É evidente que tínhamos princípios para nos guiar mas tivemos imediatamente problemas sobre a direção a tomar. Criaram-se meios de comunicação entre o partido e Huey, e depois Bobby Seale saiu da prisão (2). Deste modo, na prática, pode-se, uma vez mais, evitar discussões sobre o problema da orientação geral em benefício da unidade.

Neste momento, a contradição desenvolve-se num aparelho muito burocratizado que se ocupa das manifestações de massa a favor dos presos políticos, publica jornais, imprime comunicados e todo este aparelho de mobilização de massas reúne todos os que querem trabalhar nestas tarefas. A maior parte dos recursos e do pessoal do partido estão empenhados nesta atividade. Os que se inclinavam para as mobilizações de massas tentaram

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favorecer a selecionar no partido as pessoas que lhes assemelhavam, e os tipos que não convinham eram afastados, rejeitados pelo partido, de toda a ação. Esta contradição tomou o aspecto de uma situação crítica que era preciso resolver quando os Panteras começaram a recusar os tribunais; porque, em primeiro lugar, há aí o problema da posição a tomar frente ao sistema: a principal relação com o sistema acabava por ser por intermédio do tribunal; e toda esta mobilização de massa estava centrada nos prisioneiros políticos, nos processos, nas audiências, e por aí fora. Deste modo, a campanha de mobilização de massas é o símbolo da posição do partido quanto a esta questão.

O melhor exemplo que temos de uma atitude diferente é o de Jonathan Jackson. E apesar de J. Jackson não ter sido membro do PPN, não há qualquer ambiguidade em citar a grande iniciativa revolucionária que ele tomou. Desde logo, o PPN, é uma organização de vanguarda. Não é uma organização que recrute muita gente, e o seu trabalho é procurar táticas e propagar as informações de tal modo que o povo possa saber como deve agir e contra que alvos. O gênero da ação que J. Jackson levou a cabo é absolutamente conforme à orientação do PPN (3) que ajudava a criar o clima adequado para desacreditar o sistema judiciário e a fazer com que as pessoas pegassem em armas (4). Jonathan Jackson é o fruto do trabalho do PPN. Do mesmo modo, quando há camaradas que começam a recusar os tribunais para se tornarem clandestinos, e recusar toda esta situação, há ainda necessidade de uma organização de massas mas não é justo dizer-se que um homem que recusou o tribunal e passou à clandestinidade, abandonou a política, porque isto é política, é mesmo a forma suprema da política: é a GUERRA. Por isso devemos considerar todos estes elementos para analisar a situação.

Uma das acusações contra “Geronimo” foi a de que ele ousou pedir dinheiro ao comitê central. É evidente que um camarada procurado por todos os policiais do país, tem uma grande necessidade de dinheiro, e quando a política se transforma em guerra - e nós sabemos que é essa a forma que as coisas estão tomando, o modo como a história evolui, o modo como queremos que isto mude, então os deveres do aparelho não clandestino são os de assimilar-se aos clandestinos e os de ajudá-los no máximo.

Uma das mais importantes responsabilidades dos que não passaram à clandestinidade é a de ajudar os clandestinos a fim de que estes disponham dos meios suficientes para continuar trabalhando, senão não há qualquer razão para conservar um aparelho não clandestino; porque os objetivos da nossa luta são travar a guerra popular, e esse é um ponto justo da vanguarda de todo o nosso aparelho, e deve-se fazer saber isso porque é daí que virá a nossa vitória. Isto não significa que não tenhamos o dever e a necessidade de mobilizar, a nível não clandestino, a favor dos prisioneiros políticos ou de qualquer outra causa. Temos ainda necessidade disso, mas quando as pessoas começam a se interrogar, quando vêm uma contradição entre os clandestinos e os outros, nós devemos resolvê-las. As lutas vitoriosas não são alcançadas por uma organização fossilizada. Também, quando as divisões aparecem, quando é um dos lados a ter o direito de informar, tem-se tendência a desacreditar os outros, a tornar-se egoísta, todas as espécies de pequenos problemas pessoais vêm destruir a harmonia, enquanto nos defrontamos com problemas de importância vital. E as pessoas que transformaram a política em guerra, veem de modo muito confuso as outras que não compreendem a sua atitude; a sua paciência não dura muito. Eles pensam que não é a época indicada para serem muito pacientes e para discutir longamente. Esta contradição desenvolveu-se quando estava preso, porque antes tudo estava unificado por Huey. Neste momento, Huey sai da prisão e a contradição continua. Poder-se-ia pensar que se podia confiar em Huey, que ele poderia resolver esta contradição. Mas Huey caiu diretamente nos braços da ala burocrática do aparelho. O PPN tem neste momento uma ala direita e uma ala esquerda. A ala direita tem o seu centro de gravidade sobre o aparelho que se dedica às manifestações de massa legais, à organização não clandestina, no outro lado estão os camaradas que se tornaram “foras da lei”, clandestinos, os que fizeram da política guerra, são eles que constituem a ala esquerda do partido. É que Huey esteve preso de outubro de 1967 até agosto de 1970. Enquanto Huey esteve livre - antes de outubro de 1967 - o partido tinha pequenos efetivos e era muito localizado. Começou a ser conhecido depois dos incidentes de

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Sacramento, e particularmente quando um policial, Frey, foi encontrado morto em Oakland. O PPN estava constituído e cresceu a partir de um pequeno núcleo até se tornar uma organização nacional e internacional, antes de Huey ser libertado em outubro de 1970.

Contudo, isto não quer dizer que Huey não soubesse nada do que se passava aqui fora, visto estar na prisão; ele tinha uma certa informação que lhe chegava por Garry (advogado do PP) e pelos seus outros advogados e eu sei por experiência própria que se podem ler todos os jornais e ouvir na rádio tudo o que se quiser, mas que não se consegue ter uma ideia concreta do que se passa no exterior. E isso é duro. Isto limita a capacidade de tomar decisões sobre questões importantes. E podemo-nos aperceber disto, vocês sabem-no. Temos um trabalho enorme para medir a situação. Podemos estar amplamente informados, refletir sobre a informação, podemos, a este nível, sair da prisão e não estranhar a realidade, mas no que toca às questões cotidianas que continuamente se coloca ao comitê central, estamos fora do circuito. E pode acreditar-se que cada vez que apareciam conflitos, a informação vinha de pessoas que a falseavam. A informação de Huey vinha de Hillard, de Garry ou de outras pessoas do mesmo gênero. Desta maneira, a informação era dirigida de tal modo que se vê como, ao fim de um certo tempo., Huey não estava suficientemente informado para poder tomar decisões relativamente a todas estas contradições e a todos estes conflitos.

Isto é muito importante, porque Huey assinou a decisão sobre “Geronimo”. Mas se analisam-se os documentos, pode ver-se que as queixas que os camaradas clandestinos faziam, são dirigidas contra David e June Hilliard. O primeiro pedido deles era que estes se demitissem; mais tarde, decidiram que os iam derrubar. Vê-se que os camaradas tentavam consagrar-se a isto e agir de modo a que Huey soubesse o que se passava. Porém, à velocidade a que Huey progredia e com a falta de informações sobre os detalhes da situação dado que ele tinha saído da prisão apenas há alguns meses, tudo isto o fez pensar que ele compreendia o que se passava, mas, de fato, tal não acontecia. Quando Huey saiu da prisão, a atitude de David Hilliard e do seu estado maior tornou-se exemplar, eles não persistiram na merda que tinha tornado toda a gente furiosas. Eles mostraram-se camaradas magníficos, sem dívida, cheios de boa vontade, eficazes, fazendo tudo o que Huey dizia que se devia fazer. Deste modo, tudo estava perfeito para ele, tudo estava bem, era o que ele desejava. E, ao fim e ao cabo, ele queria esquecer as queixas passadas que se tinham verificado durante a sua ausência, porque uma quantidade de coisas tinham sido esquecidas (no original de Portugal - tinham sido “quilhadas”) - tudo tinha de ser refeito - por isso Huey tinha tendência para ver todas estas reclamações apenas como assuntos de que se devia tratar e organizar de tal modo que fossem evitados os antagonismos. Mas as pessoas que tinham uma profunda experiência e queixa a fazer não estavam dispostas a esquecer tudo; no entanto, eles baixaram a cabeça. E vocês podem ver que eles aguentaram sem se manifestar porque nada aconteceu durante este período. “Geronimo” não estava na clandestinidade nesse momento.

Uma outra coisa importante é a centralização que Huey iniciou no partido depois de sair da prisão; antes, David comandava enquanto Huey “estava à sombra”. Davis comandava o barco. Agora David continua no seu posto, e Huey está exatamente atrás dele, secundando-o. Isto aumenta a sua autoridade, de tal modo que quando ele age, não é automaticamente que Huey verá as consequências da sua escolha e das suas decisões e que verá como a situação progride. Ele não pode analisá-las e confrontá-las com atividades mais antigas. Isso é muito importante porque toda esta situação se mantém na mesma.

Que Davis e June podem ser substituídos é coisa que não suscita qualquer espécie de dúvida. Este gênero de organização deve renovar-se constantemente e seria altamente chocante ouvir alguém dizer que a vida ou a morte do PPN depende de continuação de David e de June como chefes do estado maior das Panteras. Isso é muito importante porque é a questão da destituição que tinha sido posta pelos camaradas clandestinos.

Deste modo, camaradas, aquilo com que estamos confrontados é a destruição eventual do PPN que se mostraria incapaz de ultrapassar as suas contradições internas. Isso não travará o desenvolvimento das lutas de libertação do povo negro. O que sucederá será apenas a eliminação de uma organização que não é capaz de se adaptar à novas condições de luta.

3 de abril de 1971

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Eldridge Cleaver

Notas:1) Huey Newton foi preso em 1967, sob a acusação de assassinato de um policial em Oakland (Califórnia). Já compareceu três vezes perante o júri, tendo o julgamento sido anulado nas duas primeiras vezes por não se verificar unanimidade entre os membros do júri quanto à sua culpabilidade (N.T.).2) Bobby Seale foi novamente preso devido aos acontecimentos de Chicago. É esta a sina dos militantes do PPN: serem periodicamente presos pelas acusações mais estranhas. Neste momento, há cerca de 400 prisioneiros de guerra do PPN nas prisões americanas, sujeitos ao mesmos tratamentos que levaram à revolta de Attica (1971). Conforme declarações de Bobby Seale a este respeito.3) O que Huey sempre reconheceu. Conforme “Elogio Fúnebre” (N.T.).4) Por várias vezes se fizeram nestes textos referências aos tribunais e aos juízes. Convêm esclarecer que nos direitos anglo-saxônicos - ou melhor: nos sistemas jurídicos baseados na “common law”, o juiz e o tribunal desfrutam de um respeito enorme, em nada comparável ao que se passa nos sistemas jurídicos romano-germanísticos. As regalias do juiz, a importância do tribunal e a própria proteção do acusado (que conta ele vê um acusador ao mesmo nível e não dotado de poderes especiais, como acontece com o Ministério Público, entre nós) são tidas em grande conta. O que não evita - sobretudo nos EUA - os juízes corruptos, os júris ineficazes, a predominância dos aparelhos partidários nas regiões em que estas autoridades são eleitas pelos cidadãos. Por outro lado, importa acentuar que os júris devem ser compostos pelos pares do acusado. Ora verifica-se que raro é o julgamento de negros em que o júri tenha membros da comunidade negra. E mesmo quando os tem, trata-se de uma representação de burgueses negros, mais preocupados em provar que são bons cidadãos americanos do que em velar pelos direitos do acusado.

DOS “YOUNG LORDS” AOS “BLACK PANTHERS”“Palante” de 5 de abril

O Partido dos Young Lords publicou recentemente uma declaração sobre o PPN. Ele apareceu antes do anúncio da divisão na direção do PPN. Depois da divisão, as duas facções publicaram declarações e um irmão foi morto. Para o povo negro e também para a revolução americana, o PPN era a organização de vanguarda. Agora, as duas organizações do PPN estão empenhadas numa guerra destrutiva e o povo negro, como nós todos, sofre as consequências. As duas facções gastam o tempo se injuriando reciprocamente enquanto os policiais gozam o espetáculo. Mais do que a quaisquer outro, esta mensagem é dirigida ao PPN.

Enquanto revolucionários, nós devemos ter a liberdade de nos autocriticarmos e de criticarmos uns aos outros. Quando alguém dentre nós faz asneiras, os outros devem ser severos em relação a ele ou então nos tornamos culpados do pior dos liberalismos. A crítica deveria vir do desejo de unidade e seguidamente nos unificar. É isso que é “Unidade, Crítica, Unidade”. Devemos criticar-nos para nos ajudarmos. A mexeriquice que a facção Hilliard-Newton publicou num número recente do “BPP” com o título “Libertai Kathleen Cleaver” não ajuda a construir mas a destruir. Isto criticamo-lo violentamente. Desde há muito tempo que os Young Lords criticaram a falta de centralismo democrático no PPN. Esta crítica é agora feita pela facção de Eldridge Cleaver. Há ainda mais críticas feitas por esta facção contra a de Hilliard-Newton. Abordá-las-emos daqui a pouco. Mas tais críticas da política de um partido, de uma estrutura, não deverão nunca servir para fundamentar antagonismos violentos. É um erro acreditar que uma facção deve destruir a outra para mostrar que somente ela serve melhor o povo. O objetivo deve ser não a “destruição” mas uma melhor organização. Acreditamos que o

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povo escolherá, na prática, o grupo mais justo. O PPN pertence ao povo. O povo deve decidir quem representa seus interesses. Vendo o que se passa, só os interesses de Nixon e de Hoover estão sendo representados, enquanto os do povo estão sendo negligenciados.

Richard Webb (1) era um irmão cheio de qualidades e agora está morto. O seu assassinato é da responsabilidade de agentes inimigos nas duas facções que escolheram esta via fatal, que os dois grupos desencadearam. Esta via impede a luta revolucionária contra o inimigo.

As contradições, as diferentes opiniões estão no seio do povo, mas não devem se tornar antagônicas e devem ser resolvidas entre amigos. As contradições entre o povo e o inimigo são antagônicas e normais e devem ser resolvidas pela guerra. Por vezes confundimos contradições no seio do povo e contradições antagônicas enquanto o verdadeiro inimigo se diverte. Que os nossos objetivos sejam dirigidos no mesmo sentido.

No momento da morte de Webb, a facção de Cleaver declarou que a sua morte devia ser paga “com sangue”. Em consequência disto há uma guerra; uma guerra que não é nem desejada nem útil ao povo. A luta indochinesa não é apoiada por esta loucura. Não há uma única irmã na África nem um único irmão no Oriente Médio ou em qualquer outra parte que tire proveito desta loucura. É um contrassenso envolver os outros povos do mundo nestas mexeriquices.

Os dois grupos se fazem mútuas acusações de sexismo. No entanto, nos parece que estas duas facções têm ainda que enfrentar o “chauvinismo” dos irmãos e a passividade das irmãs. As duas facções devem no que toca a esta questão se de fato elas desejam progredir. É inútil lutar com um potencial de luta reduzido.

Nós criticamos a facção Newton-Hilliard pelo modo com a nossa declaração original sobre os Panteras foi publicada no jornal (2). Esta declaração tinha sido escrita antes da cisão. Ela não foi publicada nesse momento - saiu depois da cisão, e saiu sem um parágrafo que dizia que o povo deve continuar fiel à direção e onde dávamos os nomes do ex-comitê central do PPN. A nossa intenção era a de dizer ao povo que este comitê era a direção e que ele devia trabalhar coletivamente. Ao eliminar este parágrafo e ao imprimir a nossa declaração, parecia que o partido dos Young Lords apoiava a facção Hilliard-Newton.

A facção Cleaver declara que uma divisão reacionária existia entre os aspectos militares e políticos do partido. Esta facção declarou que existe um estados de guerra nos EUA. Nós criticamos esta análise política porque o povo americano, seja ele negro, asiático, indígena, latino ou branco, não considera a situação como propícia a uma guerra militar. O nosso povo é vítima de uma terrível repressão. É preciso ainda levar a cabo muito trabalho político no seio do povo para desencadear desta guerra militar. Um exército revolucionário que tem as suas raízes nas massas deve ser organizado para assumir a guerra popular. Quando o nosso povo, pelo nosso trabalho, tiver atingido o nível de consciência suficiente para utilizar os seus conhecimentos preparando a clandestinidade, preparando os refúgios, organizando fábricas de armamento, tipografia etc. ... então poderemos afirmar que a fase da luta armada chegou. Mas nos tornarmos peixe sem água é morrer idolados.

Também nós pensamos que não é só o “lumpen” (as prostitutas, os drogados, as mães sem assistência pública) que será a ponta de lança da luta. É verdade que, cada vez mais, na América, os operários estão no desemprego, logo farão parte do “lumpen”; eles não perderão a mentalidade operária e isso fará surgir contradições entre eles e o “lumpen”. No entanto, trata-se de uma contradição no seio do povo e deverá ser resolvida dessa maneira. Trabalhando agora com os operários, poderemos construir uma aliança “lumpen” - operariado que será uma base durável para a revolução.

Nós trabalharemos com a facção que nos mostrar, pela sua prática, que é correta, nós devemos basear a nossa análise e o nosso julgamento sobre a teoria e a prática. Nós não podemos nos permitir a envolvermo-nos em mexeriquices. É preciso compreender que o povo negro será a vanguarda; não porque ele seja o mais oprimido, mas porque o nível da luta do povo negro é o mais elevado. Deste modo, os negros colocados em todo o território americano em postos econômicos e militares importantes estão nos locais estrategicamente mais propícios para conduzir a segunda revolução americana.

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Pedimos às duas facções que se tornem razoáveis e que evitem os escândalos e os assassinatos de irmãos.

Perguntamos como servir o povo da melhor maneira?Por exemplo, que fazemos, nós todos, para libertar Bobby e Erica?Essa é a contradição principal.Pedimos ao PPN, aas duas facções, que escutem o povo; deixemos o povo decidir.Temos coisas muito importantes a fazer.

YOUNG LORDS

Notas:1) Conforme cronologia.2) Não foi possível incluir este texto anterior dos YL nesta antologia. De qualquer modo, este texto retoma e desenvolve as posições então assumidas pelos revolucionários portorriquenhos. O jornal a que se refere é o “Black Panther Party”.

A PROPÓSITO DA RUPTURA* DE ELDRIDGE CLEAVERCOM O PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS E O AFASTAMENTO**

DO PARTIDO DA COMUNIDADE NEGRA

Huey P. Newton

As ideologias e a filosofia do PPN baseiam-se na análise concreta das situações concretas, utilizando o materialismo dialético como método de análise. Enquanto materialistas dialéticos, reconhecemos que as contradições podem levar a um desenvolvimento. A luta dos contrários, baseadas sobre a sua unidade, traz um certo dinamismo ao processo de desenvolvimento. Nós reconhecemos que na natureza nada espaça às leis dialéticas, incluindo, pois, o PPN. Mas ficamos satisfeitos por aparecerem estas contradições porque elas clarificarão e farão avançar a nossa luta. Estivemos em contradição com o nosso ministro da informação, Eldridge Cleaver, mas consideramos isso necessário ao nosso crescimento. Desta contradição nasceu uma nova maturação e um regresso à visão original do Partido.

No início da existência do PPN, escrevi um ensaio com o título “sobre a correta direção de uma Revolução“ (The corret Handling of a Revolution, N. T.). Este texto foi escrito como res-posta a uma outra contradição - as críticas feitas contra o PPN pelo movimento de Ação Revolucionária (1). Naquela época o MAR criticava-nos por causa das nossas ações democráticas. Quando se ostentavam as armas (2) e se falava da necessidade da comunidade se armar para assegurar a sua autodefesa, o MAR sustentava que era um grupo na clandestinidade, e afirmava que essa era a maneira correta de fazer a Revolução. Respondi-lhe que se deve construir uma organização de um modo aberto, de maneira a que as pessoas se possam real e progressivamente ligar a ela. Quando se passa à clandestinidade sem ter feito isso, enterramo-nos tão profundamente que as pessoas não têm qualquer possibilidade de se juntarem a nós e de nos contatar. Nesse caso, o terrorismo da organização terá justamente, por resultado, assustar o povo de quem diz defender os interesses, porque as pessoas não podem ter relações com os “revolucionários” e não há ninguém que interprete as suas ações. Deve-se estabelecer um programa de ações práticas e ser um modelo que a comunidade possa seguir e apreciar.

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A ideia original do Partido era desenvolver uma ligação necessária com s massas, indo ao encontro das suas necessidades e defendendo-as contra os opressores que intervém na comunidade sob diversas formas - desde a policia armada até aos exploradores capitalistas. Nós sabíamos que esta estratégia aumentaria o nível de consciência das pessoas e, ao mesmo tempo, nos traria o seu apoio. Então, se fossemos forçados pela repressão a passar à clandestinidade, haveria pessoas que nos apoiariam e defenderiam: pois saberiam já que, apesar da propaganda dos opressores, o nosso único objetivo era servir os seus verdadeiros interesses; por isso defender-nos-iam. Deste modo, pode acontecer que se seja obrigado a passar à clandestinidade, mas já há uma sólida ligação com a comunidade que continuam nos apoiando, porque as pessoas identificam-se conosco e não com o nosso inimigo comum.

Durante algum tempo o PPN perdeu o seu objetivo inicial e separou-se da comunidade. Com a ruptura de Eldridge Cleaver, no entanto, nós podemos atingir, novamente, um grande desenvolvimento do nosso projeto original e sair da “penumbra” na qual o Partido esteve mergulhado até há pouco tempo.

A única razão que mantém vivo o Partido, no momento atual, e a única razão pela qual sobrevivemos à repressão e aos assassinatos de alguns dos nossos camaradas mais ativos, é o programa em dez pontos - o nosso programa de sobrevivência. Os nossos programas seriamInsignificantes e não teriam razão de existir se não fossem os da comunidade. Eis porque a minha opinião é de que o PPN existirá enquanto na América do Norte existirem uma comunidade negra e oprimidos. O Partido sobreviverá, enquanto veículo estruturado, porque serve os verdadeiros interesses dos oprimidos e age segundo as suas necessidades - era o projeto inicial do partido. A ideia original não existiu nem por retórica nem por ideologia. Ela nasceu das necessidades práticas das pessoas e os que a conceberam estavam armados duma ideologia que proporcionava um método sistemático de análise dos melhores meios para satisfazer essas necessidades.

Quando Bobby Seale e eu fundamos o PPN, já tínhamos passado por muitos grupos. Alguns dentre eles eram de tal modo dedicado à retórica e aos rituais artísticos que tinham abandonado a realidade da vida do século XX. As suas análises eram, por vezes, muito interessantes, mas eles não tinham programas práticos que levassem as suas ideias às pessoas. Eles tentavam desenvolver programas concretos que não surtiam efeito muitas vezes, devido a uma falta de sistematização que os teria ajudado a fazer uma análise concreta das condições concretas para obter uma compreensão total da comunidade e das suas necessidades. Quando eu era membro da Associação Afro-Americana de Donald Warden, observei as suas tentativas para criar uma autonomia da comunidade por meio do capitalismo negro. Mas Warden (3) não tinha uma ideologia de sistematização e os seus esforços para concretizar o seu programa frustraram-se continuamente e frustraram a comunidade. Eles não sabiam porque é que o capitalismo lhes não covinha, mesmo que porventura conviesse a outros grupos étnicos.

Quando criamos o partido, fizemo-lo porque queríamos aliar sistematicamente a teoria à prática, através do nosso programa em dez pontos. Na verdade tratava-se, antes, de um programa em vinte pontos, exprimido-se a prática em “No que queremos” e a teoria em “No que acreditamos”. Este programa estava concebido para servir de base a um veículo político estruturado.

As ações de levamos a cabo, nesse momento eram puramente estratégicas, tinham fins políticos. Elas destinavam-se as mobilizar a comunidade. Toda a ação que não mobilize a comunidade para o objetivo não é revolucionária. A ação pode ser um maravilhoso exemplo de coragem, MS se ela não mobiliza a pessoas para uma grande ação libertadora, não é política, ela pode mesmo ser contrarrevolucionária.

Apercebemo-nos depressa, quando do nosso desenvolvimento, que a Revolução segue um processo. Ela não é uma ação particular nem uma conclusão. Ela é um processo. Eis porque, quando o feudalismo varreu a escravatura, o feudalismo era revolucionário. A análise concreta das condições concretas revelará a verdadeira natureza da situação e aumentará o nosso conhecimento. Este processo cresce de maneira dialética e nós compreendemos a lutas dos contrários baseados na sua unidade.

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Disseram-nos muitas vezes, que o programa em dez pontos era reformista; mas isso é ignorar que a Revolução é um processo. Deixamos o programa “aberto” para que ele possa desenvolver-se e que as pessoas possam se reconhecer nele. Não o oferecemos às pessoas como uma conclusão; oferecemo-lo como uma etapa que as faria avançar para um nível superior. Na sua caminhada para a liberdade e nas suas tentativas para impedir que o opressor lhes roube tos os meios necessários de existência, as pessoas consideram o processo como que evoluindo de A para B e depois para C; elas não o vêm evoluir de A a Z. Dito de outro modo, é preciso que elas vejam, primeiro, realizações fundamentais a fim de que descubram que são possíveis sucessos ainda mais importantes. Durante a maior parte do tempo, o revolucionário deve guiá-las para essa compreensão. Mas ele nunca as poderá fazer evoluir de A a Z num único salto. Por isso, quando o revolucionário começa por se dedicar a Z ou às conclusões finais, as pessoas não se identificam com ele. Por isso, se de fato a Revolução é um processo, ele não é um revolucionário. Isto nos leva a dizer que toda a ação ou função que não segue o processo é não-revolucionária.

Quando o partido foi a Sacramento, quando o partido desafiou os policiais frente aos serviços do jornal “Ramparts” (4) e quando o partido seguiu, armado, as patrulhas dos policiais, nós agíamos (em 1966) numa época em que as pessoas abandonavam as ações diretas não-violentas e começavam a levar a cabo ações mais rudes (5). Nós queríamos fazer-lhes compreender as possibilidades de autodefesa armada, disciplinada e organizada, comparando-a com as revoltas espontâneas e desorganizadas. Havia patrulhas de vigilância de policiais em todo o lado, pelo país afora, mas não éramos a primeira patrulha armada negra de vigilância contra a polícia. Nós intitulávamo-nos “Partido das Panteras Negras para a Autodefesa”. Em tudo isto nós tínhamos em mente objetivos políticos e revolucionários, mas sabíamos que não podíamos ser bem sucedidos sem o apoio das pessoas.

A nossa estratégia foi baseada numa ideologia forte que nos ajudava a compreender a situação que nos rodeava. Nós sabíamos que as forças da ordem não estavam preparadas para s nossas ações, e os policiais ficaram de tal modo surpreendidos que não souberam o que fazer. Vimos que as pessoas sentiam um novo orgulho e uma nova força pelo exemplo que nós lhes dávamos e começaram a esperar da organização, que se estava erguendo, soluções.

Mais tarde, abandonamos o termo “Autodefesa” e nos tornamos o “Partido das Panteras Negras”. Desencorajávamos atos como o de Sacramento assim como as campanhas de vigilância dos policiais porque compreendemos que elas não eram obrigatoriamente as ações que havia que levar a cabo em cada situação ou em todas as ocasiões. Nós nunca qualificamos estas ações como revolucionária senão quando as pessoas agem em relação a ela de modo revolucionário. Se elas não se servem do exemplo que se lhes oferece, a nossa ação não é revolucionária seja qual for a quantidade de armas de que se disponha.

A própria espingarda não é forçosamente revolucionária, porque os fascistas também as usam - de fato, eles têm mesmo mais fuzis do que nós. Muitos dos chamados revolucionários não conseguem compreender a citação de Mao Tsé-Tung: “O poder está na ponta do fuzil”. Eles pensam que o Presidente Mao diz que o poder é o fuzil, mas esquecem o termo “na ponta” (do fuzil). O ponto culminante do poder é a propriedade e o controle da terra e das instituições, para que se possam abandonar os fuzis. Eis porque o Presidente Mao escreveu: “Nós somos pela abolição da guerra, nós não queremos a guerra, e para abandonar as armas é preciso pegar em armas”. Ele fala sempre em abandonar as armas. Se ele não tivesse equacionado o problema nestes termos, não seria revolucionário. Dito de outra maneira, o fuzil, segundo todos os princípios revolucionários, é um instrumento utilizado para a nossa estratégia; mas não é um fim em si. Este princípio foi um dos aspectos da nossa visão original do PPN.

Pedi a Eldridge Cleaver para se juntar ao Partido, muitas vezes. Mas ele só se juntou a nós depois da confrontação com os policiais diante da sede do jornal “Ramparts”: estes não se atreveram a sacar as armas. Não compreendi, nesta altura, que Cleaver considerou isto a Revolução e o Partido. Mas no nosso programa de base não é antes do ponto sétimo que nós mencionamos o recurso às armas, e isso é intencional. Nós estávamos na etapa de construção de um projeto e de uma organização política através da qual as pessoas poderiam exprimir os

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seus desejos revolucionários. Nós tínhamos visto perfeitamente que nenhum partido, nenhuma organização pode fazer a Revolução; só o povo a pode fazer. Tudo o que podíamos fazer, era agir como guia do povo. Porque a Revolução é um processo, e este processo evolui de maneira dialética. A uma certa fase, uma ação pode ser adequada, mas na fase seguinte pode já não ser correta. Fizemos sempre uma análise concreta das condições concretas e por isso a reposta apropriada a estas condições é o meio de mobilizar o povo e de o conduzir a um nível superior de consciência política.

As pessoas pensaram, muitas vezes, que nós éramos vigias, uma polícia da comunidade ou qualquer coisa deste gênero. Foi essa a razão porque suprimimos o termo “Autodefesa” do nome do Partido e dirigimos atenção das pessoas mais para o fato de que a única maneira delas se libertarem consiste no seu próprio controle das instituições que servem a comunidade. Isso os obrigará a constituírem uma organização política que se apoie no programa de base. As pessoas se dirigiram a esta organização para serem aconselhadas e guiadas. A organização não serviria para propor candidatos para um posto político mas teria apenas a utilidade de um guarda para controlar os administradores que o povo coloca em certos lugares.

O PPN evolui segundo a situação e as necessidades dos oprimidos, nós interessamo-nos a tudo o que interessa as pessoas, mesmo quando não consideramos estes interesses particulares como respostas finais aos nossos problemas. Nós nunca nos apresentaremos às eleições, mas nós seguiremos e apoiaremos os candidatos que defendem os verdadeiros interesses do povo. Nós poderemos mesmo proporcionar-lhes voluntários para os ajudar na sua campanha eleitoral. Essa será a maneira de levar o povo a assumir voluntariamente certas situações que lhe dizem diretamente respeito. Nós exigiremos também que tais candidatos assumam a sua responsabilidade face à comunidade seja qual for a distância que separe o seu local de trabalho da comunidade. Deste modo, conduziremos o povo, seguindo os seus interesses, para a aquisição de uma consciência que possa ir para além de objetivos particulares.

Foi depois de confrontação com a polícia que Eldridge se juntou ao Partido, o que o deixou aferrado a uma atitude de “de duas, uma”. Quer isso dizer que, para ele, não havia meio termo: ou a comunidade pegava em armas com o Partido, ou havia aí covardes que nele não teriam lugar. Ele não via que o povo não se identificava com o Partido, e que não havia nenhuma possibilidade do Partido fazer qualquer Revolução, porque a história mostra que é o povo o artífice da Revolução e da história mundial.

Por vezes, há pessoas que expressam os seus problemas pessoais em termos políticos e, se não eloquentes, estes problemas parecem realmente políticos. Nós acusamos Eldridge Cleaver de ser uma destas pessoas. Muito disto está provavelmente fora do seu controle, por demasiado pessoal. Mas nós não sabíamos que, ao tornar-se membro do Partido, ele o fazia penas dado o acontecido na manifestação diante do “Ramparts”. Nós não queríamos nos provar nada; tudo o que tentávamos fazer nesse preciso momento era defender Betty Shabazz. E o povo admirava-nos.

Sob a influência de Eldridge, o Partido não deu à comunidade qualquer alternativa para trabalhar conosco que não fosse o pegar em armas. Esta mudança de atitude era reacionária porque a comunidade não tinha ainda alcançado esse nível de consciência. Em vez de sermos um grupo de culto cultural, nós tornamo-nos devido a essa mudança, num grupo de culto revolucionário. Mas isso é uma contradição primordial porque a Revolução é um processo e, se os atos que levamos a cabo não correspondem ao processo, então nós somos contrarrevolucionários.

Do que o movimento revolucionário e a comunidade têm necessidade é de uma estrutura realmente sólida. Esta estrutura não pode existir sem o apoio do povo, e não pode obter esse apoio senão servindo o povo. Eis porque estabelecemos os diversos serviços correspondendo ao programa - é a coisa mais importante do Partido. Nós responderemos às necessidades das pessoas para que elas possam sobreviver a toda essa opressão. Depois, quando elas estiverem prontas a empunhar os fuzis, será a vez dos problemas mais graves. Eldridge Cleaver influenciou-nos de tal modo que nós nos desligamos da comunidade negra,

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de tal modo que houve uma guerra entre o opressor e o PPN e não entre o opressor e a comunidade oprimida.

O PPN separou-se da comunidade muito antes de Eldridge Cleaver se separar do Partido. As nossas relações com os radicais brancos não nos deram uma audiência entre a comunidade branca porque estes últimos não a guiam. Mais, a comunidade negra não se refere a eles, e nós fomos deixados na penumbra, daí que não pudéssemos entrar na comunidade com um programa concreto de educação política; por outro lado, não fazíamos nada para mobilizar os brancos. Nós não tínhamos nenhuma influência para despertar a consciência da comunidade negra, e essa foi a nossa derrota.

Passamos por um período de livre expressão no Partido, o que não era necessário e nos afastou ainda mias de comunidade negra. No nosso jornal escreviam-se injúrias de toda a ordem, que, uma vez em cada duas, passavam sem qualquer reparo. Isso não aconteceu antes da minha prisão, porque eu não teria concordado. Isso se deve à influência de Cleaver. Não o censuro inteiramente, censuro o Partido por o ter aceitado.

Eldridge nunca controlou inteiramente o Partido. Mesmo quando Bobby Huton nos deixou (assassinado), não coloquei Eldridge num lugar diretivo; isso não o interessava. Eu sabia que Eldridge não faria nada para elevar o nível de consciência dos camadas do Partido. Mas também sabia que ele podia dar uma contribuição; e incitei-o a isso. Incitei-o a escrever e a editar o jornal, mas ele não o queria fazer. O jornal não foi sequer hebdomadário antes de Eldridge ser preso. Mas Eldridge contribuiu muitíssimo para o PPN com os seus discursos e com os seus escritos. Queremos conservar essa recordação, porque um tudo há aspectos positivos a aspectos negativos. A maneira correta de conduzir uma Revolução não está em oferecer ao povo uma alternativa do tipo ultimatum. Em vez disto, nós devemos conquistar o apoio do povo, pela satisfação das suas necessidades. Então, quando a polícia ou qualquer outro aparelho repressivo, tentar destruir o programa, as pessoas elevar-se-ão a um nível de consciência superior. Nessa altura, a estrutura organizada poderá guiar o povo até o ponto em que este poderá enfrentar os problemas de diversas maneiras. Esta foi a nossa estratégia em 1966 quando mantivemos com as pessoas relações muito positivas.

Deste modo, o PPN chegou a uma contradição com Eldridge Cleaver, que se desligou do Partido porque nós não ordenávamos a todos na rua, que fizessem a Revolução. Nós reconhecemos que isso é impossível, porque a nossa dialética e a nossa ideologia, a nossa análise concreta das situações concretas nos dizem que isso é pura fantasia, porque o povo não atingiu, por enquanto, essa fase. Esta contradição e este conflito poderão parecer, a alguns, lamentáveis, mas fazem parte de um processo dialético. A resolução desta contradição nos libertou duma análise incorreta.

Presentemente estamos livres para progredir para a construção de uma organização da comunidade que se tornará a verdadeira voz do povo, assumindo a defesa dos seus interesses de múltiplas maneiras. N podemos continuar defendendo o nosso programa mínimo fundamental. Nós podemos continuar servindo o povo enquanto advogados dos seus verdadeiros interesses. Podemos nos tornar uma verdadeira organização política revolucionária que conduzirá o povo a um nível mais elevado de consciência, para que ele saiba o que deve de fato fazer na sua busca da felicidade, e ele terá a coragem de recorrer aos meios necessários para “aproveitar o momento propício” e conquistar essa liberdade.

HUEY P. NEWTONMinistro da DefesaPartido das Panteras NegrasServidor do Povo.

Notas:* Defecção, no texto de Portugal.** Idem.1) O MAR foi fundado por Robert Williams, antigo membro dos comandos da US Navy, militou na NAACP (National Association for the Advancement of Colored People - em português: Associação Nacional para o Progresso de Pessoas Negras) que depressa abandonou por não concordar com a linha não violenta e reformista desta organização. Partindo para Monroe

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(Carolina do Norte) criou os primeiros grupos de negros de autodefesa. A reação dos brancos não se fez esperar e Williams foi obrigado a exilar-se em Cuba. Conforme: “Des nègres et des fusils” em “La Revolution aux Etats-Unis?” de Robert Boggs e R. Williams, Maspero, Ed. Paris.2) Em certos estados dos EUA é permitido o uso de armas desde que estas sejam visíveis (por exemplo, na Califórnia, onde desde sempre os Panteras se mostraram armados).3) CAPITALISMO NEGRO: Foi sempre grande a tentação da comunidade negra americana de criar organizações econômicas próprias. Talvez o exemplo mais interessante seja o que nos é dado pelo Movimento Garvey. Garvey criou companhias financeiras muito importantes, paralelamente ao movimento de massas que propunha o regresso a África. Condenado por “fraude na utilização dos serviços postais”, acabou os seus dias deportado na Jamaica. Mais modernamente o movimento “Black Muslims” acentuava no seu programa em doze pontos: “Construam as vossas próprias casas, hospitais e fábricas” (6°), “Gastem o vosso dinheiro entre vocês” (9°) “Construam um sistema econômico entre vós” (11°).4) A primeira prisão de Bobby Seale foi justamente por ter tomado parte nesta manifestação. “Ramparts” é um dos mais conhecidos jornais da nova esquerda americana.5) 1966: ano de Watts e de Halem. No ano seguinte foi a vez de Newark, Cairo, Plainfield, Mineapolis e Detroit.

APÊNDICE

PROGRAMA EM 10 PONTOSDO PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS

1) QUEREMOS A LIBERDADE: QUEREMOS O PODER DE DETERMINAR O DESTINO DA NOSSA COMUNIDADE NEGRA.

Não acreditamos que o nosso povo seja livre enquanto não tiver a possibilidade de decidir o seu próprio destino

2) QUEREMOS O PLENO EMPREGO PARA O NOSSO POVO.Consideramos que o governo federal tem a obrigação e a responsabilidade de

fornecer a cada homem um emprego ou então um rendimento certo. Consideramos que, se os homens de negócios americanos não nos querem garantir trabalho, ENTÃO é necessário retirar-lhes os meios de produção e colocá-los nas mãos da comunidade negra, para que o povo da comunidade possa organizar-se e empregar todos os seus membros e fornecer-lhes um nível de vida elevado.

3) QUEREMOS QUE CESSE A PILHAGEM DA COMUNIDADE NEGRA PELOS CAPITALISTAS.

Consideramos que este governo racista nos roubou, e hoje exigimos a devolução da dívida de 40 acres (1 acre = pouco mais de 4.000 m²) e 2 mulas que foram prometidas, há um século atrás, a título de indenização do trabalho de escravo e do assassinato maciço do nosso povo.

Aceitaremos o pagamento em espécies e distribuiremos nas nossas numerosas comunidades. Os alemães ajudam hoje os sionistas de Israel a título de reparação do genocídio do povo judeu. Os nazistas assassinaram cerca de 6 milhões de judeus. O americano racista tomou parte no assassinato de cerca de 50 milhões de negros; eis a razão por que consideramos que a nossa exigência é bastante modesta.

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4) QUEREMOS ALOJAMENTOS DECENTES, CONCEBIDOS PARA ABRIGAR SERES HUMANOS.

Consideramos que, se os proprietários brancos não querem fornecer alojamento à nossa comunidade, então os alojamentos e a terra deverão ser transformados em cooperativas para que a nossa comunidade, com a ajuda do governo, possa construir e fornecer alojamentos corretos ao seu povo.

5) QUEREMOS A EDUCAÇÃO DO NOSSO POVO, UM ENSINO QUE NOS MOSTRE A VERDADEIRA NATUREZA DECADENTE DA SOCIEDADE AMERICANA, QUEREMOS UM ENSINO QUE NOS MOSTRE A VERDADEIRA HISTÓRIA E O NOSSO PAPEL NA SOCIEDADE DE HOJE.

Acreditamos num sistema de educação quedará ao nosso povo o conhecimento de si próprio. Se um homem não se conhece, ignora o seu lugar na sociedade e no mundo, então tem poucas possibilidades de se situar em relação a tudo que o cerca.

6) QUEREMOS QUE TODOS OS NEGROS ESTEJAM ISENTOS DO SERVIÇO MILITAR.Consideramos que o povo negro não devia ser obrigado a bater-se, durante o

serviço militar, pela defesa de um governo racista branco que não nos protege.Nós não combateremos, não mataremos os outros povos por sua cor no mundo,

tal como os negros, são vítimas do governo racista americano. Nos protegeremos contra a brutalidade e violência da polícia americana racista e do exército racista, por todos os meios necessários.

7) EXIGIMOS QUE CESSEM IMEDIATAMENTE AS BRUTALIDADES POLICIAIS E OS ASSASSINATOS DE NEGROS.

Consideramos que podemos acabar com a brutalidade policial contra a comunidade negra, organizando grupos de autodefesa que terão por tarefa a defesa da nossa comunidade negra contra a opressão e a violência da polícia racista. A segunda emenda da Constituição dos Estados Unidos confere o direito de uso e porte de arma. Consideramos, consequentemente, que todos os negros deveriam se armar para a autodefesa.

8) QUEREMOS A LIBERDADE IMEDIATA DE TODOS OS PRISIONEIROS NEGROS DETIDOS NAS PRISÕES E PENITENCIÁRIAS FEDERAIS, DE ESTADO, DE CONDADO E DAS CIDADES.

Consideramos que todos os negros deviam ser libertados das inúmeras prisões, pois não foram julgados com toda a justiça e imparcialidade.

9) QUEREMOS QUE TODOS OS NEGROS, QUANDO PERANTE UM TRIBUNAL, SEJAM JULGADOS POR UM JÚRI COMPOSTO PELOS SEUS PARES, COMO O PRECISA A CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS.

Consideramos que os tribunais deviam ater-se à Constituição dos Estados Unidos, a fim de os negros serem julgados imparcialmente. A 14ª Emenda da constituição dos Estados Unidos da América dá direito a qualquer homem de ser julgado pelos seus próprios pares. Um par é uma pessoa de um meio econômico social, religioso, geográfico, histórico e rácico idêntico. Para assim proceder, o tribunal será obrigado a selecionar um júri na comunidade negra, de onde provém o acusado negro. Fomos e temos sempre sido julgados por júris totalmente brancos que não têm a mínima compreensão do que realmente é um membro “médio” da comunidade negra.

10) QUEREMOS A TERRA, O PÃO, O ALOJAMENTO, O VESTUÁRIO, A JUSTIÇA E A PAZ. E, COMO OBJETIVO PRINCIPAL: UM PLEBISCITO SUPERVISIONADO PELA O. N. U. FEITO NA COMUNIDADE NEGRA E NO QUAL SÓ PODERÃO PARTICIPAR INDIVÍDUOS NEGROS COLONIZADOS, A FIM DE DETERMINAR A VONTADE DO POVO NEGRO, ASSIM COMO O SEU DESTINO NACIONAL.

Outubro de 1966

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INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICA

Julgamos conveniente fornecer ao leitor uma pequena lista de obras sobre o problema negro norte-americano. Esta lista apenas reúne obras editadas depois de 1960, dado que muitos dos mais importantes livros anteriormente publicados ou foram reeditados ou perderam muito da sua importância por desatualização. Também só se indicam títulos em português, francês e inglês porque se julgou serem essas línguas mais acessíveis ao leitor português. A presente lista comporta vários romances e peças de teatro (de Baldwin, Ellison, Himes, Jones, Walker e Wright) cuja importância documental é imensa.

A título meramente informativo se oferece uma lista de revistas que publicaram artigos de grande importância sobre o problema. São elas:1º) Africasia (Paris);2º) Analyses et Documents (fichas Amerique Du Nord) (Paris);3º) L’Evenement (Paris); 4º) The Inner City Voice (órgão da Liga dos Operários Negros Marxistas-Leninistas (Detroit);5º) Monthly Revew (N. York);6º) The Movement (órgão do S. N. C. C.);7º) New Politics (Chicago);8º) Le Nouvel Observateur (Paris); 9º) Ramparts (N. Y.) (Sacramento); 10º) Les Temps Modernes (Paris);11º) Tricontinental (Havana).

Nota:1) As revistas citadas em 2º, 3º, 5º, e 9º lugar já não se publicam mas foram citadas porque nos anos 65-68 publicaram artigos de grande importância sobre o movimento.

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LIVROS

1) Aptheker, Herbert - A Documentary History of the Negro People in the U. S. - The Citadel Press, N. York.2) Aptheker, Herbert - Toward the Negro Freedom - New Century Publishors, N. York.3) Baldwin, James - Another Country - Dell Books, N. York.4) Baldwin, James - Nobody knows my Name - Dell Books, N. York.5) Baldwin, James - The fire next time - Delta Books, N. York.6) Boggs, James e Williams, Robert - Negros with Guns - Marzani & Musel, N. York.7) Boggs, James - Racismo e luta de classes - Moraes Ed., Lisboa.8) Butcher, Margareth J. - O Negro na Cultura Americana - Ed. Fundo de Cultura, R. de Janeiro9) Brown, Rap - Crève, sale nègre, crève - Maspero, Paris.10) Carmichael, Stokeley - Black Power - Penguin Books, N. Y.11) Clark, Kenneth - Dark Ghetto - Haper & Row, N. Y.12) Cleaver, Eldridge - Panthère noire - Seuil, Paris.13) Cleaver, Eldridge - Un noir a l’ombre - Seuil, Paris.14) Cleaver, Eldridge - Sur la revolution americaine - Seuil, Paris.15) Ellison, Ralph - Invisible Man - Signet Books, N. Y.16) Ellison, Ralph - Shadow and Act - Random House, N. Y.17) Essien-Udom (E. U.) - Black Nationalism: a Search for an Identity - University of Chicago Press, Chicago.18) Fohlen, Claude - Les Noirs aux Etats-Unis - P. U. F., Paris.19) Forman, James - La Libération viendra d’une Chose Noire - Maspero, Paris.20) Frazier, Franklin - Black Bourgeoisie - Schoken Books, N. Y.21) Guerin, Daniel - A descolonização do Negro Americano - Ulisseia Editora, Lisboa.22) Harrington, Michael - A outra América: Pobreza nos E. U. - Ed. Civilização Brasileira, R. J.23) Killian, Lewis - Racial Crisis in America - Englewood Cliffs, N. Jersey.24) King, M. Luther - Strike Toward Freedom - Ballantine Book, N. Y.25) Kopkind, Andrew - America: the mixed curse - Penguin Books, Harmondsworth.26) Jones Leroy - Dutchman, The Slave - Morrow & Co. N. Y.27) Jones Leroy - Home-Social Essays - Morrow & Co. N. Y.28) Himes, Chester - La coisade de Lee Gordan - Livre de Poche, Paris (1)29) Malcolm X - The Autobiography of Malcolm X - Gorve Press, N. Y.30) Malcolm X - Le pouvoir noir - Maspero, Paris.31) Malcolm X, Baldwin, James e M. Luther King - Nous les nègress - Maspero, Paris.32) Masnata, François - Pouvoir Blanc Révolte Noire - Payot, Paris.33) Michel Fabre - Les Noirs Americains - A. Collin, Paris.34) Silberman, Charles - Crise em Preto e Branco - Publ. D. Quixote, Lisboa.35) Vários - Black Power - Poder Negro - Publ. D. Quixote, Lisboa.36) Vários - A Revolta dos Negros Americanos - Publ. D. Quixote, Lisboa.37) Vários - Black Power - Etudes et Documentation Internationales, Paris.38) Walker, Margareth - Jubilee - Seuil, Paris.39) Wright, Richard - White Man, listen! - Doubleday, N. Y.40) Wright, Richard - Filho Nativo - Ulisseia, Lisboa.41) Wright, Richard - Um negro que quis viver - Ulisseia, Lisbos.42) Wright, Richard - Os filhos do Pai Tomaz - Arcádia, Lisboa.

Notas:1) Chester Himes é autor de vários romances policiais que descrevem com notável realismo e num estilo vigoroso e agradável a vida do ghetto. Estão publicados numa coleção e em francês: Poche Noire, Ed. Gallimard.

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2) Não se inclui George Jackson cuja obra vai ser publicada nas Ed. Gallimard como nome provável de Lettres de Soledad.3) As obras com os números 3, 4, 5, 6, 10, 11, 20 e 24 estão traduzidas em francês. Em português (ed. brasileira) há traduções de 3, 4, 10, 15 e 24.4) Extremamente importante, ainda que não se debrucem especificamente sobre os negros americanos há: 1) Jean Paul Sartre - Reflexões sobre o racismo - Difusão Europeia do Livro, São Paulo; 2) Frans Fanon - Os Condenados da Terra - Ulisseia, Lisboa; 3) Albert Memmi - Portrait du Colonisé - Jean Jacques Pauvert, Paris; 4) Janheinz Jahn - Muntu: las Culturas Neo-africanas - Fondo de Cultura Económica, México.

Este livro, edição do tradutor, foi composto e impresso nas oficinas daTipografia da Borralha Ltda., em Águeda, no mês de dezembro de 1971.

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QUARENTA ANOS DEPOISMarcelo Correia Ribeiro

Há quarenta anos, ou ainda menos organizei, com Maria João Delgado (que traduziu os textos de origem inglesa enquanto eu traduzia os que vinham originariamente em francês) este livro cuja capa se mostra. Chamava-se "Os Panteras Negras" trazia textos de Eldridge Cleaver, de Huey Newton e de vários coletivos negros pertencentes à órbita do Black Panther Party ou dos "Weathermen". A edição esteve a cargo da Editorial Centelha (Coimbra - Portugal). Como pormenor curioso o livro foi proibido a partir do momento em que, ainda antes de impresso, a polícia descobriu numa tipografia as capas. Nem sabiam do que se tratava, mas, à cautela, pimba!

Claro que o livro saiu, foi vendido às escondidas, sempre proibido, como, aliás, ocorria com grande número das edições da Centelha.Ver mais em: http://incursoes.blogspot.com.br/2009/01/estes-dias-que-passam-137.html).