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Novo Testamento

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Novo Testamento

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ORAÇÃO

Lc 4, 16‐43 – 16Jesus veio a Nazaré, onde tinha sido criado. Segundo o seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou‐se para ler.17Entregaram‐lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando‐o, deparou com a passagem em que está escrito:18*«O Espírito do Senhor está sobre mim,porque me ungiu para anunciar a Boa‐Nova aos pobres;enviou‐me a proclamar a libertação aos cativose, aos cegos, a recuperação da vista;a mandar em liberdade os oprimidos,19a proclamar um ano favorável da parte do Senhor.»20Depois, enrolou o livro, entregou‐o ao responsável e sentou‐se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. 21*Começou, então, a dizer‐lhes: «Cumpriu‐se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» 22*Todos davam testemunho em seu favor e se admiravam com as palavras repletas de graça que saíam da sua boca. Diziam: «Não é este o filho de José?»

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ORAÇÃO

23Disse‐lhes, então: «Certamente, ides citar‐me o provérbio: 'Médico, cura‐te a ti mesmo.' Tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum, fá‐lo também aqui na tua terra.»24*Acrescentou, depois: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria. 25*Posso assegurar‐vos, também, que havia muitas viúvas em Israel no tempo de Elias, quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande fome em toda a terra;26contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas sim a uma viúva que vivia em Sarepta de Sídon. 27*Havia muitos leprosos em Israel, no tempo do profeta Eliseu, mas nenhum deles foi purificado senão o sírio Naaman.»28Ao ouvirem estas palavras, todos, na sinagoga, se encheram de furor. 29E, erguendo‐se, lançaram‐no fora da cidade e levaram‐no ao cimo do monte sobre o qual a cidade estava edificada, a fim de o precipitarem dali abaixo. 30*Mas, passando pelo meio deles, Jesus seguiu o seu caminho.31Desceu, depois, a Cafarnaum, cidade da Galileia, e a todos ensinava ao sábado. 32E estavam maravilhados com o seu ensino, porque falava com autoridade.

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ORAÇÃO

33*Encontrava‐se na sinagoga um homem que tinha um espírito demoníaco, o qual se pôs a bradar em alta voz: 34*«Ah! Que tens que ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem Tu és: o Santo de Deus!» 35Jesus ordenou‐lhe: «Cala‐te e sai desse homem!» O demónio, arremessando o homem para o meio da assistência, saiu dele sem lhe fazer mal algum.36Dominados pelo espanto, diziam uns aos outros: «Que palavra é esta? Ordena com autoridade e poder aos espíritos malignos, e eles saem!»37A sua fama espalhou‐se por todos os lugares daquela região.38Deixando a sinagoga, Jesus entrou em casa de Simão. A sogra de Simão estava com muita febre, e intercederam junto dele em seu favor. 39*Inclinando‐se sobre ela, ordenou à febre e esta deixou‐a; ela erguendo‐se, começou imediatamente a servi‐los.40Ao pôr‐do‐sol, todos quantos tinham doentes, com diversas enfermidades, levavam‐lhos; e Ele, impondo as mãos a cada um deles, curava‐os. 41Também de muitos saíam demónios, que gritavam e diziam: «Tu és o Filho de Deus!» Mas Ele repreendia‐os e não os deixava falar, porque sabiam que Ele era o Messias.

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ORAÇÃO

‐ 42Ao romper do dia, saiu e retirou‐se para um lugar solitário. As multidões procuravam‐no e, ao chegarem junto dele, tentavam retê‐lo, para que não se afastasse delas.43Mas Ele disse‐lhes: «Tenho de anunciar a Boa‐Nova do Reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado.»

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O MUNDO DO NOVO TESTAMENTO

Ao desejarmos compreender melhor o Novo Testamento, sentimos a necessidade de ‘mergulhar’ em todo o ambiente onde nascem as tradições orais, onde se realiza a redacção; procuramos ver quem está na génese dos textos, entender melhor os grupos destinatários, e assim perceber melhor o próprio texto.É óbvio este enquadramento cultural. Vários campos são inultrapassáveis neste estudo: político, social, económico e religioso. Devemos tê‐los em conta, para nos situarmos e penetrarmos no sentido mais profundo dos textos.

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Há uma pequena introdução, que já realizámos na propedêutica Bíblica, que podemos retomar agora. Nesse sentido, proponho a revisão de duas dessas aulas, disponíveis nos seguintes links:

http://escoladeleigos.weebly.com/uploads/1/7/5/1/17517527/nsamp_aula_13.pdf

http://escoladeleigos.weebly.com/uploads/1/7/5/1/17517527/nsamp_aula_14.pdf

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OS EVANGELHOS SINÓPTICOS

Os textos que agora vamos trabalhar, desempenharam um papel fundamental na vida da Igreja, ao longo dos séculos, tanto no culto oficial como na religiosidade popular. São os chamados “Evangelhos Sinópticos”. 

São um conjunto de três textos, escritos na segunda metade do século I. Contém tradições recolhidas acerca de Jesus de Nazaré. São composições anónimas, que foram reunidas numa única colecção por volta do ano 125. Os autores não lhes deram qualquer título. Os títulos mais antigos que conhecemos foram acrescentados ao texto, muito provavelmente na altura da constituição da colecção. 

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Esses títulos constavam de duas palavras: “segundo” (“kata”) + o nome do evangelista. A associação de cada uma das obras com um autor determinado, baseou‐se em tradições antigas. Esses títulos, sempre de duas palavras, generalizaram‐se rapidamente: “evangelho segundo X”. Os “Evangelhos Sinópticos” são os tradicionalmente chamados “de Mateus”, “de Marcos” e “de Lucas”. 

Nós consideramos também um quarto texto que não pode ser desligado do “Evangelho segundo Lucas”: o livro dos “Actos dos Apóstolos”.

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1. O QUE SÃO “EVANGELHOS SINÓPTICOS”

De onde vem e que significa a expressão “evangelhos sinópticos”?

Sentido originário do conceito: O termo “evangelho” ( ‐“euangelion”) era conhecido e usado pelos autores gregos profanos. Num primeiro momento, significou o “presente” que se dava ao portador de uma boa notícia.

No grego clássico, além desse sentido de “presente”, veio a designar o “sacrifício” oferecido aos deuses por ocasião de uma boa notícia. 

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Finalmente, no grego helenístico, equivale à “boa notícia” em si mesma; e usa‐se sobretudo para designar o anúncio de uma vitória militar. Temos muitos exemplos e testemunhos deste uso, como por exemplo no historiador Plutarco (45‐120), contemporâneo do início do cristianismo.

O termo também é empregue em relação com o imperador romano. O anúncio do nascimento do príncipe herdeiro, da sua maioridade, ou da sua subida ao trono eram outras tantas “boas notícias” (“euangelion”).

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Utilização na Sagrada Escritura: O verbo “evangelizar” e o substantivo “evangelho” aparecem também na tradução grega do Antigo Testamento (vinte e seis vezes). É particularmente significativo o uso que é feito deste termo no Deutero‐Isaías e no Trito‐Isaías: a “boa notícia” que se anuncia é a da próxima chegada do Reino de Deus e, como sinais, dão‐se a paz, a libertação (do cativeiro na Babilónia) e a felicidade (cfr. Is 40,9; 52,7; 61,1; 62,7). Para os judeus, não há senão uma “boa notícia”: a notícia da chegada do Reino de Deus. É este o sentido desta palavra quando utilizada por Jesus.

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No Novo Testamento, a palavra aparece 54 vezes na forma de verbo (“euangelizein”) e 76 vezes na forma de substantivo (“euangelion”). Podemos distinguir três dimensões na interpretação desta palavra:

a) na boca de Jesus, a palavra significa a mesma coisa que no Livro de Isaías: a “boa notícia” da chegada do Reino. Jesus tem consciência de que, através de si próprio, por causa do seu ministério, o Reino de Deus chegou à vida dos homens. Essa é a “boa notícia” que Ele pretende anunciar (cfr. Mt 4,23; 9,35; 11,5; 24,14; Mc 1,14; Lc 4,18‐43; 7,22; 8,1; 16,16). Chegou a paz, chegou a libertação, chegou a felicidade.

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b) no anúncio dos discípulos, a “boa notícia” já não é apenas a chegada do Reino de Deus; Jesus de Nazaré é a “boa notícia” (cfr. Act 10,36; Ef 2,15‐18). O “evangelho” deixa de ser apenas um anúncio sobre algo, para ser o anúncio de uma pessoa. Para os cristãos, a “boa notícia” consiste num acontecimento único, capital, fundamental: em Jesus Cristo, Deus veio ao encontro dos homens de modo decisivo e definitivo. Em Jesus Cristo, manifesta‐se na história o Deus do amor e da relação, de quem os homens podem aproximar‐se como filhos reconciliados. Tal é o único e exclusivo “evangelho”, a “boa notícia” que muda o curso da história e que transforma o sentido e os horizontes da existência humana.

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c) o evangelista Marcos introduz uma novidade no significado de “evangelho”. Com ele, a palavra passa a designar um texto escrito sobre Jesus (cfr. Mc 1,1). Numa altura em que as testemunhas oculares começavam a desaparecer, Marcos reúne diversos elementos da tradição oral sobre Jesus e organiza‐os. Chama a esse texto “evangelho”. Nasce assim o género literário “evangelho”.

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Mais tarde, na segunda metade do século II, a palavra “evangelho” começou a ser usada no plural para designar os vários relatos escritos sobre Jesus.

Quanto à palavra “sinópticos”, ela provém do grego “synoptikós”. É formada a partir do advérbio “syn” (“juntamente”) e do verbo “orau” (“ver”). Significa “visão de conjunto”.Os “evangelhos” de Mateus, de Marcos e de Lucas, pelas suas semelhanças, apresentam uma “visão de conjunto” sobre Jesus de Nazaré. Os “evangelhos “ ditos “sinópticos” são três irmãos siameses, embora cada um apresente a sua personalidade própria e as suas características específicas, como veremos oportunamente, estão intrinsecamente unidos entre si.

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INTERPRETAÇÃOBreve abordagem 

histórica

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Dogmatismos

Durante 18 séculos, a Igreja usou ‘pacificamente’ os textos evangélicos. Os “evangelhos” eram considerados ‘memórias dos apóstolos’ e, portanto, indiscutíveis. Saboreavam‐se os textos; através deles definia‐se claramente a figura de Jesus Cristo. Nesta linha, temos os comentários de Orígenes, Cirilo, Santo Agostinho e até de S. Tomás de Aquino.

Alguns dos problemas que hoje nos ocupam eram já aflorados. Celso (séc. II) notava que, segundo Mateus e Marcos, apenas um anjo se encontrava no túmulo vazio; já em Lucas e João eram dois os anjos.Orígenes e Agostinho identificavam as diferenças entre os evangelhos; mas não propuseram a explicação, que hoje nos parece elementar, das diversas fontes e dos diversos géneros literários.

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Na segunda metade do séc. II, surgem os “Diatessarôn” ou “harmonia dos quatro evangelhos”. Consistem em textos que procuravam conciliar os aspectos opostos dos relatos e os dados divergentes das cronologias a fim de obter uma sequência satisfatória dos acontecimentos. Este trabalho foi continuado ao longo de toda a Idade Média... A sua proliferação encanta, como um sinal da fome que os crentes sempre tiveram da boa nova do Evangelho. 

No entanto, o material produzido quer por estas tentativas de harmonização, quer pelas “vidas de Jesus” que durante algum tempo estiveram em moda, não é Sagrada Escritura. A fé das comunidades sempre deu importância central aos evangelhos com as suas contradições, em detrimento destes materiais harmonizados. É como se a razão visse na diversidade dos quatro evangelhos um sentido válido.

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O modo de ler os evangelhos foi sempre com critério racional. Alguns autores são deveras críticos. Celso (por volta de 180) e Porfírio (fim do séc. III) ridicularizam o conteúdo dos textos sagrados dos cristãos e negam a historicidade dos factos narrados. 

Duas linhas começam uma longa história de oposição: por um lado a razão com a fé, por outro a razão sem a fé, entram em confronto. Esta confrontação continua hoje.

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No séc. XVIII, muitos racionalistas pronunciam‐se contra os evangelhos: é o caso de Voltaire e de Reimarus (este último via nos apóstolos uns falsários e na pessoa de Jesus um Messias político cujo sonho revolucionário fracassou). Também Paulus (1761‐1851) afirmava, por exemplo, que se os apóstolos diziam ter visto Jesus a caminhar sobre as águas, era por causa de um nevoeiro que lhes confundia os planos da visão; e se Jesus foi reanimado após a morte, teria sido efeito do frio do túmulo... Tanta imaginação faz sorrir, hoje, mesmo os não crentes. Periodicamente recomeçam tentativas de explicação que, quanto à imaginação, nada ficam a dever às de Paulus...

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Em 1835 D.F. Strauss na sua “Vida de Jesus” dá um passo em frente. Conservando embora uma atitude dogmática racionalista, ele dá os primeiros passos, embora timidamente, para determinar a evolução literária dos relatos evangélicos. Parte do pressuposto da verdade: considera, que houve acontecimentos que estiveram na base dos relatos; no entanto, afirma ele, a comunidade crente recriou, transformou, embelezou posteriormente esses acontecimentos. O resultado terá sido inclusivamente uma reconstrução dos próprios factos a partir das profecias bíblicas. Desse trabalho, diz Strauss, resultam os evangelhos.

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Strauss tem numerosos discípulos. Bruno Bauer (1841‐1850), W. B. Smith (1906), A. Drews (1909‐1910): seguindo a mesma linha, aplicam os seus conhecimentos de mitos no estudo dos relatos evangélicos. Renan, por sua vez, apresenta os evangelhos como o retrato do “doce sonhador galileu”, definido e traçado pela piedade popular...

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Em meados do séc. XIX (1850), a “Escola de Tubinga” pronuncia‐se sobre a questão a partir da perspectiva da filosofia hegeliana. Para os autores desta escola, sendo a igreja católica a síntese de duas tendências opostas ‐ o judeo‐cristianismo e o pagano‐cristianismo ‐ os evangelhos reflectem a evolução anterior a esta síntese. F. C. Baur, líder nesta escola, vê no Evangelho de Mateus a deformação tendenciosa de um escrito petrino de tendência judeo‐cristã ‐ o evangelho aramaico dos Hebreus (segundo Baur, teria aparecido por volta do ano 130); Lucas, de tendência anti‐petrina, é um novo arranjo do evangelho paulino de Marcião (segundo Baur, aparecido por volta de 140‐180). O Evangelho de Marcos, enfim, é a síntese destinada a neutralizar as duas primeiras tendências. Quanto aos dados da tradição sobre os autores e as datas dos evangelhos, Baur rejeita‐os categoricamente.

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Também nós hoje criticamos as posições destes racionalistas: na verdade, apontamos que eles nunca fizeram uma crítica literária séria aos textos; limitaram‐se a analisá‐los filosoficamente. A perspectiva racionalista é sobretudo um ensaio filosófico; mas não é um trabalho sério de compreensão dos textos.

Durante os séc. XVIII e o XIX, o tesouro evangélico foi usado em todos os sentidos. Identifica‐se, por parte dos racionalistas, uma tentativa de delapidar o evangelho sem uma base séria. Também se pode apontar que os crentes se recusaram a abordar os textos com um trabalho sério de crítica exegética (embora sublinhem bem as suas riquezas). Ambos ‐crentes e racionalistas ‐ entrincheiraram‐se em pressupostos dogmáticos e não realizam um verdadeiro, necessário e útil trabalho crítico sobre os textos evangélicos.

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Atitude crítica

Citamos Richard Simon como o percursor da atitude crítica face aos evangelhos. A sua “História crítica do texto do Novo Testamento” (1689) é um marco na história da exegese.

Será, no entanto, a obra de Strauss (1835) que realça a necessidade de examinar os textos em si mesmos. No seguimento de Simon e Strauss, C. H Weisse e C. G. Wilke têm, em 1838, conclusões análogas: na base da tradição evangélica há dois documentos ‐ o texto de Marcos e uma colecção de “sentenças” de Jesus (os “logia”). Tal é a origem da famosa “teoria das duas fontes”, de que falaremos adiante. 

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Em 1863, H. J. Holtzmann dá uma dura machadada nas teorias racionalistas ao defender que o estudo crítico dos textos não contradiz formalmente os dados tradicionais sobre os autores e as datas de redacção dos evangelhos.

São atacadas, sobretudo, as conclusões da “Escola de Tubinga”. A. von Harnack defende, por sua vez, que a data do Evangelho de Marcos oscila entre o ano 64 e o ano 80 e que os outros evangelhos, embora posteriores a Marcos, datam também do primeiro século.

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Nos anos seguintes, os estudos críticos orientam‐se nesta linha. Nota‐se o esforço para se fazer um trabalho honesto de crítica interna, olhando para os textos, estudando‐os e tirando as respectivas conclusões. Aceita‐se a “teoria das duas fontes” e procura‐se estudar criticamente essas fontes com o intuito de alcançar o ‘Jesus histórico’. Aceitando‐se o texto de Marcos como o mais antigo, parte‐se dele para se definir o quadro da vida de Jesus.Nesta linha, por exemplo, temos autores como E. de Pressensé (1866), J. Bovon (1893) e A. Westphal (1915).Outros autores negam que seja possível, apenas a partir de Marcos, definir o quadro da vida de Jesus. W. Wrede (em 1901), procurou demonstrar que o Evangelho de Marcos não é um escrito de recordações de uma testemunha ocular, mas uma obra teológica. Mesmo contendo dados históricos, o escrito de Marcos não terá a pretensão de ser uma biografia de Jesus... 

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Reacção da Igreja católica

Se por um lado os investigadores faziam um esforço para precisarem as fontes válidas no conhecimento histórico de Jesus, por outro, os crentes estavam muito confundidos. Alguns defendiam tenazmente aquilo que acreditavam ser a “tradição”.

É neste ambiente de confusão que o magistério intervém. Mais do que tomar uma posição crítica na discussão, pretende afirmar o valor histórico dos evangelhos. Não o fazer, seria correr o risco de perder a base objectiva da fé cristã. 

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A Pontifícia Comissão Bíblica pronuncia‐se contra tudo o que pudesse arruinar o valor histórico dos fundamentos da fé. Reafirma que os evangelhos são testemunhos directos ou indirectos dos acontecimentos; condena a “teoria das duas fontes” porque ela corre o risco de atribuir a Marcos ‐ um não apóstolo ‐ o testemunho mais antigo sobre Jesus; e afirma que a ausência de cronologias ou a existência de perspectivas teológicas em cada evangelho não conduzem à conclusão da não veracidade de todos os factos e palavras. 

O decreto da Pontifícia Comissão Bíblica não foi bem lido nem bem interpretado. Aos olhos dos não católicos, equivaleu à supressão da liberdade de investigação. Na realidade, o decreto queria somente indicar os excessos possíveis e não suprimir a liberdade de investigação.

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Hoje, toda esta problemática está ultrapassada. Certas questões ‐ como a autenticidade apostólica ou as datas precisas dos evangelhos ‐ não apresentam a mesma importância que nessa época. As investigações actuais vão noutros sentidos.

No fundo, o apelo da Pontifícia Comissão Bíblica foi útil para impedir soluções sem fundamento e concessões pueris à moda.

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Caminhos da investigação crítica , hoje

A fase crítica da investigação pôs em relevo a necessidade de análise literária. Mas depressa se percebe que não é suficiente olhar para os textos, compará‐los entre si ou procurar as fontes primordiais. Depois avançou‐se para o estudo dos vários géneros literários e para a tentativa de definição do género literário de cada perícopa. É um trabalho muito útil para entendermos o que está realmente em causa em cada texto. Mas, como avançar ainda mais?

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Os trabalhos sobre os evangelhos progridem hoje em várias direcções. Estuda‐se a  história das fontes; a história da redacção dos evangelhos; procura‐se a ligação destes textos às comunidades que estão na sua génese; procura‐se perceber o “meio de origem” (“sitz im leben”) de cada evangelho; procura‐se perceber o que significava determinado género literário no meio ambiente onde o texto surgiu... Nesta interdisciplinaridade se processa o chamado método histórico‐crítico. 

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Há outras tentativas mais recentes de abordar o texto. Uma delas consiste na aplicação dos estudos semióticos ao estudo do texto bíblico. Pretende‐se examinar o texto em si próprio, tal como ele chegou até nós, nas relações internas que os seus diversos elementos apresentam. Ao estudar a função relativa desses elementos, determina‐se as significações respectivas... Este novo enquadramento dos elementos origina novas perspectivas.

Importa antes de tudo alcançar um conhecimento mais autêntico da Palavra de Deus e tornar essa Palavra (no seio de cada cultura, sempre em constante mutação) em Palavra viva, dinâmica, actual, e com impacto real na vida.

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Novo Testamento