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História do povo bíblico

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História do povo bíblico

Ao contrário das outras religiões, o Judaísmo não se pode considerar como o produto directo de uma única revelação, num determinado momento e espaço muito específicos. Trata-se de uma lenta construção colectiva que remete as suas origens para Abraão, alicerçada numa série de figuras significativas: o já referido Abraão, mas também Jacob, Moisés, os reis David e Salomão, os profetas, entre outros.

A ideia de construção colectiva inclui todo o percurso que a esse grupo se aplica, podendo identificar-se duas vertentes nesse caminho comum: uma, geográfica, e outra mais espiritual. No que respeita à primeira, temos toda uma narrativa que trata um movimento que leva um grupo humano reduzido, originário da Mesopotâmia até Canaã, posteriormente deslocado para Babilónia e depois, ainda,

espalhado numa diáspora que dura até hoje;

no que concerne à segunda, é-nos apresentado um outro caminho, no sentido da construção da ideia de um Deus universal, Uno e Único, caminho esse que é prenhe de vicissitudes, atrasos e lutas internas, para estabelecer, entre a generalidade da população e das autoridades, essa ideia de divindade. Neste sentido, o Judaísmo é, acima de tudo, uma religião de construção de memória e de memórias. Locais, personagens e momentos são especialmente importantes na construção desta identidade. (…)

O Tempo dos Patriarcas

Com Abraão, nasce, na narrativa do Génesis, a História Nacional de Israel, as acções que conduzem directamente ao estabelecimento da referida identidade colectiva pela memória comum. Com Abraão e sua mulher, Sara, é estabelecida a primeira Aliança, prometendo Deus, aqui um Deus claramente familiar, uma geração imensa e a posterior instalação em Canaã.

Templo Sumério em Ur

Da descendência de Abraão resultam os dois outros Patriarcas mais conhecidos dos textos bíblicos: Isaac, que Deus pede em sacrifício, testando assim Abraão, e Jacob. Israel é o nome atribuído a Jacob, como consequência de um misterioso combate que trava com um enviado de Deus, conseguindo resistir (Génesis [Parashat Vaishlach] 32, 29). Continuando a construção da identidade comunitária, Israel será o nome dos doze filhos de Jacob, origem das doze tribos e Israel, a estrutura colectiva do Povo de Israel.

A metáfora do Egipto

Historicamente, seria normal que alguns grupos de seminómadas, ou mesmo de povos sedentários, regularmente se instalassem no fértil delta do Egipto. As autoridades faraónicas possibilitariam essa forma de escape em alturas de piores colheitas.

Ora, a situação que a Bíblia nos descreve é totalmente oposta a esta, e nada benéfica, pois deu-se em circunstâncias muito diferentes das que estão narradas no episódio de José, filho de Jacob, que ascendeu a um lugar na hierarquia egípcia. Esta nova situação, que teve de ser resolvida por Moisés, era a de escravatura, de sofrimento. E, aqui, está o dado mais importante: o sofrimento era colectivo.

No tempo dos Patriarcas, temos um grupo familiar que é cada vez maior, mas não deixa de ser familiar. O que o texto do êxodo nos mostra já é uma realidade totalmente diferente: um grupo com uma identidade nacional. E vários factores surgem ao longo da experiência do Egipto e do Sinai que reforçam a unidade do colectivo:

- a fuga colectiva, possibilitada por um Deus que se afirma como o Deus de um povo, aparecendo em hierofania fulgurante na sarça ardente; - a atribuição de um Profeta que contacta directamente com Deus e que pode agir em seu lugar, lançando o medo, o respeito e a aflição, no bem organizado e egocentrado mundo egípcio; - a caminhada quase iniciática que advém de uma falha colectiva (o culto idolátrico no Sinai), onde toda uma geração terá de morrer até se dar, de facto, a chegada à Terra Prometida, Canaã.

Todo o conjunto Egipto/Sinai resulta numa certa pedagogia activa que é a constante memória de um Deus que livrou o seu povo da escravidão, tendo posteriormente esse seu povo caído numa enorme falha. (…)

Instalação em Canaã

A chegada a Canaã é o clímax de toda a História Bíblica até esse episódio. Toda a narrativa do colectivo, desde Abraão, numa geração totalmente diferente, até Moisés e a caminhada de 40 anos no deserto, estava direccionada para essa Terra onde “escorria leite e mel”. Logicamente, como sabemos, não era assim uma terra tão igual ao Paraíso, mas a verdade é que esta dimensão paradisíaca está fortemente marcada na ideia de dádiva de um Deus a um Povo, o seu Povo.

A instalação é um cântico ao poder de um Deus glorioso à frente do seu Povo, dos seus exércitos, ocupando de forma omnipotente o que havia sido acordado. No campo da memória e da identidade, é neste momento, mais que autorizado por Deus, por Ele comandado, que nasce a aliança entre um povo e um território.

Mas esta aliança entre um Deus, um Povo e um território ganha uma maior complexidade e força porque a estes três elementos junta-se um quarto: a Lei. Uma “versão” da Lei, os Dez Mandamentos, havia sido dada a Moisés, mas uma Lei mais completa e complexa, a que resultaria no Deuteronómio, era necessário cumprir para ter essa terra. (…)

A instauração da monarquia é consequência da conquista e instalação em Canaã. Povo nómada, dividido em tribos, os Hebreus tiveram de conquistar duramente a Terra Prometida aos seus antepassados. Cada tribo era chefiada por um Juiz, incapaz de unificar politicamente e derrotar militarmente os inimigos.

Assim, nasce a monarquia no ano 1000 a.E.C., a pedido dos próprios filhos de Israel a Samuel, último juiz. Os três primeiros reis, Saul, David e Salomão realizam a unificação das tribos, impõem uma administração central, vencem os filisteus e outros povos.

Monarquia

Os mais importantes monarcas na ideia de construção colectiva são David e Salomão. São os obreiros de uma unidade política descrita na Bíblia que foi cantada e desejada ao longo dos milénios. David conquista Jerusalém, faz dela a capital, aí instala a Arca da Aliança, contendo as Tábuas da Lei.

Salomão constrói o Templo de Jerusalém por volta do ano de 996 a. E.C., desenvolveu o expandiu o comércio, instaurando uma poderosa rede de alianças políticas e comerciais. Estes dois monarcas criaram a identidade entre o Povo e o seu Deus e uma cidade. Antes, Jerusalém não passaria de uma normal cidade onde se prestava culto a diversas divindades. Com estes monarcas, e com a construção do Templo, dá-se um forte avanço na construção da ideia de um Deus único, cultuado apenas num local, mediante regras muito bem estabelecidas.

Por volta de 930 a.E.C., com a morte de Salomão, o povo de Israel cindiu-se em dois reinos separados e autónomos. O reino de Israel (no Norte) com capital em Siquém, agruparia dez das doze tribos, sob a direcção de Jeroboão, e o reino de Judá (no sul), com capital em Jerusalém, com duas tribos, sob a direcção de Roboão (filho de Salomão).

Fim dos reinos de Israel e Judá

Em 722 a.E.C., o Reino de Israel é destruído pelos Assírios, desaparecendo para sempre. O reino de Judá, constituído pelas tribos fiéis à dinastia de David, terá o seu fim dois séculos mais tarde, no ano de 586 a. E.C., com a destruição do Templo de Salomão, por Nabucodonosor, rei da Babilónia. Nesta fase, tem início um cativeiro que consolidará a ideia de identidade nacional, ideia catapultada quando, ainda no séc. VI a.E.C., se der o regresso e se reconstruir o Templo.

Este Segundo Templo foi construído a partir de 515 a.E.C., com a chegada a Jerusalém dos judeus deportados para a Babilónia, conduzidos por Esdras e Neemias. Dá-se uma profunda reforma religiosa e social que coincide com uma das maiores etapas de formação do texto bíblico, nomeadamente dos textos normativos do Deuteronómio.

Com a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.E.C., o seu império foi repartido pelos seus generais, dando origem a diversos estados. Os Selêucidas ficaram com um largo domínio na Mesopotâmia, Síria e Palestina, impondo uma

dura e intransigente aculturação nesses espaços.

Os Macabeus

A resistência a essa influência, por parte dos Judeus, foi encabeçada pela família dos Macabeus, que venceu as forças sírias do selêucida Antíoco IV e rededicou o Templo (em 165 a.E.C.), que havia sido profanado com a edificação de um

altar dedicado a Zeus.

O Hanukka (Festa das Luzes ou da dedicação), normalmente celebrado na segunda ou terceira semana de Dezembro, é a festividade que comemora este acontecimento (1 Mac 4, 36 – 61 e 2 Mac 10, 1 – 8). Durante oito dias, todas as famílias acendem, escalonadamente, uma das oito velas, mais a central, do candelabro de nove braços, culminando com a sua iluminação completa no último dia. Nesta quadra festiva, oferecem-se presentes às crianças.

Em 63 a.E.C., Jerusalém foi tomado pelo general romano Cneu Pompeu, e o domínio macabeu terminou, em 39 a.E.C., com a nomeação de Herodes para rei da Judeia, pelo Senado Romano. É deste período, do reinado de Herodes, o Grande (40 – 4 a.E.C.), a grande leva de obras no Templo, da qual resta o chamado “Muro das Lamentações” que retinha, a oeste, a plataforma onde estava construído o Templo.

A destruição do Templo por Tito

A chamada segunda destruição de Jerusalém deu-se em 70 E.C., pelas legiões de Tito, depois do cerco à cidade, e teve como centro simbólico a destruição do Segundo Templo.

Esta destruição integrou-se na Grande Revolta Judaica (66 – 73 E.C.), por vezes chamada de Primeira Guerra Judaico-Romana, e que foi a primeira de duas grandes rebeliões dos Judeus da Judeia contra o Império Romano – a segunda foi a Revolta de Bar Cochba, em 132 – 135. Uma parte da população judaica foi massacrada ou escravizada. Este acontecimento é um evento central na história da Diáspora Judaica, a expulsão dos Judeus da Terra Prometida, o centro nevrálgico da identidade medieval e moderna.