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Notas de Curso Ivan Pan 14 de Maio de 2008

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Notas de Curso

Ivan Pan

14 de Maio de 2008

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Capıtulo 1

Numeros Complexos

Comecaremos este capıtulo fazendo uma brevıssima introducao aos sistemasnumericos (poderıamos dizer, numeros reais) cuja unica intencao e chamara atencao do leitor para, em primeiro lugar, a naturalidade da concepcao denumero real e, em segundo lugar, da necessidade de construir os numeroscomplexos na medida que queremos desenvolver uma teoria razoavel dasequacoes algebricas. Ou seja, ao desenvonvolvermos o conceito de numero,na parte introdutoria do capıtulo, isso nao sera suficiente, nem minimamente,para que um leitor leigo possa apreender como utiliza-los sem antes ter tidoum apreendizado, nem que seja superficial, abordando este conceito; vamoscomecar argumentando com alguns exemplos do cotidiano e logo depois comexemplos mais abstratos vinculados a resolucao de equacoes, de forma a sug-erir que a “invencao” dos numeros e bem mais natural do que muitas vezespode parecer. Logo apos, introduziremos o conceito de numero complexo, eestudaremos detalhadamente as suas propriedades basicas. Finalmente, for-malizamos a concepcao de algumas estruturas algebricas estreitamente rela-cionadas aos sistemas numericos.

1.1 Introducao

Os numeros que conhecemos sao de fato de natureza diversa, o que esta as-sociado de forma bastante clara a utilizacao que fazemos deles. Por exemplo,contamos objetos de qualquer tipo com os numeros 1, 2, 3, . . . , etc; estes saoos chamados Numeros Naturais ; denotamos por N o conjunto constituıdopor estes numeros e suporemos que o numero 0 esta em N. Sem duvida, os

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4 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

naturais e o primeiro tipo de numeros que a humanidade concebeu; mesmoantes de possuir uma linguagem tao evoluıda como a que hoje possuımos, jasabıamos contar: basta constatar a presenca de um objeto, e logo a de umoutro objeto diferente sem ter esquecido a do primeiro, que estamos contando.1.

Suponhamos agora que uma determinada pessoa que usufrui das vanta-gens (ou desvantagens) do chamado cheque especial, paga uma dıvida de 200reais com um cheque quando ha na sua conta bancaria tao somente 123 reais.Assim que o cheque for descontado pela administracao do banco, dizemos queficamos com “saldo negativo” de 77 reais, que poderıamos convencionar es-crever na forma -77 R$; estamos entao insinuando a existencia de numerosmuito parecidos com os naturais, mas com uma qualidade especial que os fazopostos (ou simetricos) com aqueles em certo sentido: se depositarmos 77reais na nossa conta (logo depois de contrairmos a dıvida com o banco paranao termos de pagar juros), o resultado e que ficamos sem dinheiro e semdıvida, isto e: -77+77=0. O conjunto dos naturais acrescentado destes novos“naturais negativos” e o que chamamos de Numeros Inteiros ; denotaremospor Z o conjunto dos numeros inteiros. Resumindo, e de maneira heurıstica,podemos dizer que estes numeros permitem-nos contar “para frente e paratras”.

Quando precisamos dividir alguma coisa (por exemplo um bolo) em partesiguais, os numeros inteiros nao sao adequados para “contar” as diferentespartes, pois precisamos de uma contagem das partes, relativa ao todo, deforma a sabermos quanto do total do bolo as respectivas partes representam;podemos pensar nesta contagem relativa em contraposicao a contagem “ab-soluta” realizada com os numeros naturais. Estamos entao obrigados a intro-duzir o conceito de fracao. Dizemos que comemos dois tercos do bolo ou queficamos uma meia hora esperando, etc; tambem precisamos de fracoes neg-ativas, pois tambem podemos dever meia hora de trabalho ao nosso servicopor termos saıdo antes no dia anterior. Estes novos numeros sao os NumerosRacionais que nos permitem de certa forma, contar, para frente e para tras,de maneira “relativa”; como tambem podemos comer o bolo inteiro comendotodas as partes em que foi previamente dividido, os numeros inteiros de-veriam ser considerados como casos particulares de numeros racionais. Oconjunto dos numeros racionais sera denotado por Q.

1Pesquisadores de Biolinguıstica acreditam hoje que mesmo criancas com pocos mesesde vida sabem contar ate tres (ver por exemplo [5] e artigos relativos)

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1.1. INTRODUCAO 5

Finalmente, quando tentamos medir a diagonal de um triangulo retangulo,pode acontecer (e de fato acontece “quase sempre” embora esta afirmacaonao seja tao simples de ser demonstrada rigorosamente) que o resultado damedicao, nao seja uma fracao; porem deveria de existir um numero comsua medida, ja que tanto as diagonais de triangulos como seus comprimentosparecem existir. Para entender isto, consideremos um triangulo retangulo cu-jos catetos tem comprimento 1. Pelo teorema de Pitagoras, o comprimentoda diagonal deveria ser um numero a tal que

a2 = 2.

Suponhamos que a = p/q onde p e q sao numeros inteiros sem fatores comuns(isto e, cujo maximo divisor comum e 1), ou seja, suponhamos que a e umnumero racional. Vamos ver que isto nos conduz a uma contradicao. Comefeito, neste caso a = p2/q2 donde

p2 = 2q2.

Como p divide 2q2 e nao divide q (logo nao divide q2), terıamos que p divide2; para isto acontecer, deveriamos ter p = 1 ou p = 2 (e entao p2 = 4), o quenao e possıvel como o leitor podera facilmente verificar.

O conjunto dos numeros que permitem representar com precisao qualquermedida de um certo comprimento, como por exemplo aquele da diagonal deum triangulo retangulo, ou o negativo de qualquer comprimento, chama-se o conjunto dos Numeros Reais, que denotaremos R (tente dar algumautilidade para os comprimentos negativos !). O leitor pode observar queenquanto os racionais podem ser construıdos tomando fracoes de numerosinteiros e os inteiros tomando opostos (negativos) de numeros naturais, ouseja, que em ultima instancia parece bastar a existencia dos naturais parachegarmos a existencia dos racionais.Os numeros reais possuem uma naturezaum tanto diferente, pois nao podem ser construıdos a partir de numeros “maissimples” por meio de operacoes elementares (soma, substracao, multiplicacaoe divisao); de fato, os primeiros reais nao racionais que conseguimos conceber,a partir de nosso exemplo, provem de realizar uma operacao de naturezadiferente, a raiz quadrada.

E sabido que todo numero real positivo possui duas raızes tambem reais,uma positiva e uma negativa (a prova deste resultado nao e inteiramentebanal e se faz nos cursos de analise real: veja por exemplo [6, Cap. III, §3]).Por definicao de raiz quadrada, esta pode ser extraıda daqueles numeros reaisque forem positivos ou zero.

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6 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

Observe-se que, de acordo com o que temos concluıdo acima, temos asseguintes inclusoes estritas de conjuntos

N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ R.

Vejamos agora como os diferentes conjuntos de numeros que conhece-mos surgem naturalmente como uma necessidade, na tentativa de resolverequacoes polinomiais.

Consideremos a equacao linear

ax + b = 0,

onde a, b ∈ R. Se a = 0, entao nao temos equacao alguma (pois a incognitasumiu !); entao suponhamos que a 6= 0. Como sabemos desde o ensinofundamental, se a 6= 0, o unico valor possıvel de x e

x = − b

a.

Para obter este resultado, devemos somar o oposto −b de b aos dois lados daigualdade (pois duas magnitudes iguais nao podem ser alteradas ao somar ummesmo numero a cada uma delas) e logo devemos multiplicar a ambos ladosda nova igualdade, por 1/a, que e chamado de inverso de a, para enfim obtero resultado conhecido por todos. Em particular, observe-se que precisamosdas operacoes elementares para resolver esta simples equacao! Mesmo sendoa e b numeos naturais, e facil ver que a solucao obtida deixa de se-lo namair parte dos casos. Precisamos entao, no mınimo, dos numeros racionaispara resolver uma equacao linear. De fato, os numeros racionais podem serdefinidos, como o conjunto das solucoes de equacoes lineares da forma

qx = p

onde p e q sao numeros inteiros arbitrarios com q 6= 0.Consideremos agora uma equacao quadratica, isto e, da forma

ax2 + bx + c = 0, (1.1)

onde a, b, c ∈ R e a 6= 0. Multiplicando por 1/a podemos escrever a equacaoacima na forma equivalente seguinte

x2 +b

ax +

c

a= 0.

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1.1. INTRODUCAO 7

Mais ainda, um pequeno calculo nos mostra que esta equacao e de fato equi-valente a seguinte: (

x +b

2a

)2

− b2

4a2+

c

a= 0.

Desta forma obtemos (x +

b

2a

)2

=b2

4a2− c

a,

o que mostra que a expressao

x +b

2a

deve ser uma raız quadrada de b2/4a2 − c/a; em particular para podermoscalcular as solucoes da equacao quadratica, precisamos que esta expressaoseja nao negativa. Formalmente podemos escrever

x = − b

2a±

√b2

4a2− c

a. (1.2)

Observamos, por um lado, que devemos ter

b2

4a2− c

a≥ 0

para podermos calcular as raızes quadradas; mais ainda, mesmo tendo a, b, c ∈Z, o resultado, mesmo que exista, pode nao ser racional: faca por exemplob = 0, a = 1, c = −2.

Por outro lado, se quisessemos resolver a equacao quadratica para quais-quer valores de a, b e c, entao deverıamos conhecer um conjunto de numerosque contivesse no seu interior raizes de numeros reais negativos; isto aparente-mente nao faz muito sentido (pense sobre isso!!).

Vejamos um exemplo. Vamos admitir que o leitor conheca, o que e as-sunto de ensino medio (e que analisaremos em detalhe no capıtulo 2), quequando temos uma solucao x0 de uma equacao polinomial, podemos dividiro polinomio por x − x0 obtendo assim uma fatoracao deste como produtode x − x0 por um polinomio de grau um a menos. De qualquer modo, va-mos aceitar este fato apenas para podermos dar um exemplo que, esperamos,motive o leitor a fazer o esforco de continuar a leitura.

Exemplo 1.1.1. Consideremos a equacao cubica (??)

x3 − 4ax2 + a2x− 1 = 0.

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8 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

Um calculo facil envolvendo derivadas nos mostra que a funcao

f(x) := x3 − 4ax2 + a2x− 1

possui um maximo relativo em x = 2a e um mınimo relativo em x = 6a;obtemos diretamente

f(2a) = −6a3 − 1 < 0, f(6a) = 214a3 − 1.

Como o sinal de f(x) coincide com o sinal de x para valores de x cujo valorabsoluto seja o suficientemente grande, concluımos que o grafico de f(x)corta a reta y = 0 uma unica vez, donde segue que a equacao cubica acimapossui uma unica raiz real.

Suponhamos agora que temos a mao a solucao real, digamos x0, destaequacao. Dividindo por x− x0, podemos fatorar a equacao na forma

x3 − 4ax2 + a2x− 1 = (x− x0)g(x),

onde g(x) e uma expressao de grau dois; estamos entao na situacao ondeg(x) = 0 nao possui solucao real, isto e, b2/4a2 − c/a < 0 para a equacaoquadratica g(x) = 0. Se tivermos um metodo para encontrar as solucoesnao reais desta equacao como em (1.2), digamos x1 e x2, entao poderıamosdividir por (x− x1) e por (x− x2), obtendo finalmente a solucao real x0.

1.2 Definicao e operacoes elementares

Retomemos a equacao (1.1). Trabalhando de maneira puramente formal coma solucao (1.2) (isto e, nao se preocupando com o fato da solucao existir ounao) e escrevendo, para simplificar,

∆ := b2 − 4ac,

podemos escrever (1.2) na forma

x = − b

2a±√

2a.

Evidentemente o resultado faz sentido como numero real se e somente se∆ ≥ 0.

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1.2. DEFINICAO E OPERACOES ELEMENTARES 9

Por outro lado, se ∆ for negativo, podemos escreve-lo como

∆ = (−1)|∆|,

onde as barras indicam o valor absoluto do numero real ∆ que neste caso seraestritamente positivo. Se continuaramos trabalhando de maneira formal, eesperando que as propriedades usuais dos numeros que conhecemos sejamainda validas, teremos

x = − b

2a±

√(−1)|∆|

2a

= − b

2a±√−1

√|∆|

2a;

aqui a unica expressao que nao faz sentido dentro dos numeros reais e√−1.

Concluımos que para resolver a equacao quadratica em todos os casos soprecisamos de dar um sentido a expressao

√−1. Todas as solucoes podemser entao escritas na forma

x = A + B√−1

onde

A = − b

2a±√

2a

se ∆ ≥ 0, e

A = − b

2a, B = ±

√|∆|2a

quando ∆ < 0; observemos que A e B sempre sao numeros reais.Para simplificar a notacao, escreveremos ı no lugar de

√−1. Esquecamospor um momento a equacao e trabalhemos com “numeros” da forma a + bıonde a, b ∈ R. Se quisermos que expressoes desta forma sejam verdaderosnumeros (embora nao reais !), devemos saber operar com eles, isto e, de-vemos saber como soma-los, sustraı-los, multiplica-los e dividı-los, quandoesta ultima operacao for possıvel (lembrar do que acontece com os inteirosque nao possuem divisao exata sempre). Mais ainda, estas operacoes de-vem satisfazer as propriedades basicas de associatividade, comutatividadee distributividade, como as satisfazem todos os numeros que conhecemos.

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10 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

Finalmente, seria necessario que os numeros reais pudessem ser considera-dos como um caso particular destes novos numeros, afim de poder usa-lospara resolver a equacao quadratica sem ter que diferenciar o caso em que oresultado e real do caso onde nao o e.

Tomando b = 0 em a+bı parece bem razoavel que so obtenhamos numerosreais, ja que a ∈ R. Para definir a soma, dado que cada expressao da formaa + bı possui duas partes distintas, uma real, o numero real a, e outra, onumero real b, que vem acompanhada de um objeto novo (o ı =

√−1 quecertamente nao e real), parece natural entao somar dois destes numeros naomisturando suas partes; mais precisamente, vamos somar a+ bı e c+dı como

(a + bı) + (c + dı) = (a + b) + (c + d)ı,

que faz sentido pois sabemos o que significa a + b e c + dDe maneira analoga, multipliquemos formalmente dois destes numeros

usando as propiedades que conhecemos das operacoes elementares:

(a + bı) · (c + dı) = ac + adı + bıc + bıdı

= ac + adı + bcı + bd(ı)2

= ac + adı + bcı + bd(−1)

= ac− bd + (ad + bc)ı;

observe-se que ac − bd + (ad + bc)ı e uma expressao da forma A + Bı ondeA,B ∈ R. Quando nao houver perigo de ambiguidade, tambem escreveremoszw para indicar a multiplicacao z · w de dois numeros complexos z = a + bie w = c + di.

Isto motiva a seguinte

Definicao 1.2.1. O conjunto dos numeros complexos e o conjunto

C := {a + bı : a, b ∈ R}com as operacoes de soma e multiplicacao definidas por

(a + bı) + (c + dı) = (a + b) + (c + d)ı

e(a + bı) · (c + dı) = ac− bd + (ad + bc)ı,

respectivamente.Si z = a + bı ∈ C dizemos que a e b sao as partes real e imaginaria,

respectivamente; denotamos a = <(z) e b = =(z).

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1.2. DEFINICAO E OPERACOES ELEMENTARES 11

Se z = a + bı, dizemos que a + bı e a Notacao Binomica ou Cartesiana; asegunda denominacao e motivada em certa medida pela seguinte observacao.

Observacao 1.2.2. A existencia de um numero complexo equivale entao aexistencia de dois numeros reais, sua partes real e sua parte imaginaria, demaneira independente. Desta forma podemosrepresentar um numero com-plexo z ∈ C como um par ordenado (a, b); de fato esta observacao permiteentender que os numeros complexos efetivamente existem, e sua existenciaesta vinculada a existencia dos numeros reais: observe que nossa construcaodos numeros complexos pressupoe a existencia de um numero bastante sin-gular que denotamos ı; a forma de entender que este “numero” efetivamenteexiste, e pensar os numeros complexos como pares ordenados da forma (a, b)junto com as operacoes definidas acima, reinterpretadas em termos de pares,isto e:

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d), (a, b) · (c, d) = (ac− bd, ad + bc).

Deixamos como exercıcio para o leitor verificar que o par ordenado (0, 1)satisfaz

(0, 1) · (0, 1) = (−1, 0);

como (0, 1) corresponde exatamente ao nosso ı, isto mostra que o quadradodele corresponde ao nosso numero complexo −1 = −1 + 0ı.

A representacao de um numero complexo como um par ordenado, permite-nos representar geometricamente tal numero na forma de um vetor do plano;a ponta do vetor ou ponto do plano correspondente tera como abscissa eordenada as parte real e imaginaria do numero complexo, respectivamente.

a+ib

a

b

Figura 1.1: Representacao geometrica de um numero complexo

Geometricamente podemos obter a soma de numeros complexos z = a+ıbe w = c+ıd pela chamada Regra do Paralelograma, que consiste em construir

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12 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

a+ib

a

b

c+id

(a+c)+i(c+d)

Figura 1.2: Representacao geometrica da soma de complexos

um paralelogramo, cujos lados adjacentes sao os vetores (a, b) e (c, d) queest øsendo somados,

Como nosso objetivo e resolver equacoes polinomiais, e claro que,deverıamospoder operar com nossos novos numeros. Para isto, precisamos nao so mul-tiplicar e somar, mas tambem subtrair e dividir.

Mais concretamente, tendo em mente o exemplo 1.1.1, podemos conceberque os numeros complexos possam nos auxiliar no intuito de encontrar assolucoes reais de uma equacao algebrica (polinomial) mediante obtencao deuma solucao arbitraria; mesmo sendo esta imaginaria. Para isto podemosdividir a expressao de nossa equacao por x − α, onde α e a solucao achadaem primeira instancia; desta forma, nossa equacao original fatora-se comoproduto de x − α por uma expressao de grau um a menos do que o graudaquela. Nao e dificil de se convencer que para dividir expressoes polinomiaiscom coeficientes em C (observe que agora α pode nao ser real), e necessariopoder subtrair e dividir numeros complexos (para divisao de polinomios vejacapıtulo 2.

O Modulo de um numero complexo z := a + ıb e o numero real naonegativo

|z| :=√

a2 + b2.

Da representacao geometrica concluımos que |z| e o comprimento do vetor(a, b) correspondente; evidentemente Z = 0 se e somente se |z| = 0.

Como caso particular, observa-se que se z = a e um numero real, entao|a| e o valor absoluto usual de a.

De acordo com a definicao de multiplicacao de numeros complexos, obse-vamos que

a2 + b2 = (a + ıb)(a− ıb);

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1.2. DEFINICAO E OPERACOES ELEMENTARES 13

o numero complexo z := a−ıb chama-se o Conjugado de z = a+ıb. Obtemosentao

z · z = |z|2. (1.3)

Com a ajuda da equacao (1.3) podemos demonstrar a existencia de inversode um numero complexo nao nulo de maneira muito simples. Com efeito, sez 6= 0, teremos que r := |z| e um numero real nao nulo (de fato positivo)donde

z · ( 1

r2z) = 1,

o que mostra que o inverso de z existe e escreve-se na forma

z−1 =1

rz;

em notacao binomica

z−1 =a

a2 + b2+

(− b

a2 + b2

)ı.

Se z, w ∈ C com w 6= 0, definimos a divisao de z por w como

Z : w := z · w−1;

como para numeros reais, denotamos tambem

z : w =z

w.

Como exercıcio o leitor pode tentar demonstrar o seguinte resultado queresume as propriedades algebricas do conjunto dos numeros complexos:

Teorema 1.2.3. A terna (C, +, ·) e um corpo.

Para terminar esta secao, enunciamos sem demonstracao as propriedadesmetricas mais importantes do modulo; consideramos estas propriedades comoconhecidas dos leitores, ja que sao as mesmas consideradas para vetores doplano e que, gracas a representacao geometrica dos numeros complexos, con-tinuam validas para estes ultimos; em todo o caso, tentar uma demonstracaodestas propriedades e um exercıcio util para obter desenvoltura no calculocom numeros complexos.

Proposicao 1.2.4. Sejam z1, z2 ∈ C e λ ∈ R. Temos as seguintes afirmacoes:(a) (Desigualdade Tringular) |z1 + z2| ≤ |z1|+ |z2|;(b) |λZ1| = |λ||z1|;(c) Se Z2 6= 0, entao |z1z

−12 | = |z1|/|z2|.

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14 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

1.3 Coordenadas polares

Analogamente ao que acontece com os vetores do plano, temos uma repre-sentacao polar para numeros complexos. Por razoes historicas se z = a + bıe um numero complexos, o angulo na representacao polar do vetor (a, b)chama-se o Argumento de z. Antes de definir o argumento precisamos dealguns preliminares.

Da mesma maneira que para dar posicoes de pontos numa reta e necessarioantes fixar um ponto de referencia nesta, a partir do qual as coordenadas depontos arbitrarios da reta serao definidas, precisamos de uma semireta dereferencia com relacao a qual a inclinacao dos vetores do plano sera deter-mida. Mais precisamente, fixemos um sistema de coordenadas cartesiano cujaorigem (0, 0) denotamos O, que representa o numero complexo 0 = 0 + 0ı.Fixemos uma semireta l com origem em O; denotamos λ ∈ [0, 2π) o anguloformado por l e a semireta constituıda pelos pontos de abscissa nao nega-tiva, medido em sentido anti-horario. Nosso objetivo e definir coordenadasangulares para um vetor nao nulo v do plano. Quando o vetor v for nulo,isto e, estiver representado pelo ponto O, a coordenada angular nao estaradefinida.

Entao a coordenada angular de v relativa a reta l, e um numero realθ(v) ∈ [λ, λ + 2π), que por definicao, e o valor do angulo formado por ve vetor (1, 0) medido em sentido anti-horario. Desta forma, a coordenadaangular esta bem determinada sempre que v 6= 0, dependendo seu valor, dasemireta l pre-fixada; na literatura sobre o assunto, quando fixada a semiretal, diz-se as vezes que fixamos uma determinacao da coordenada angular. Porconvencao se θ ∈ [λ, λ+2π), os identificamos com θ, os valores θ+2kπ, ondek ∈ Z: observe que tais valores definem o mesmo angulo que θ.

As semiretas mais comumente utilizadas para determinar a coordenadaangular sao as duas semiretas determinadas pela origem O no eixo x: a dospontos cujas abscissas sao nao negativas e nao positivas respectivamente.No primeiro caso a coordenada θ(v) varia no intervalo [0, 2π) e no segundocaso no intervalo [−π, π). Aos efeitos da utilizacao que faremos dos numeroscomplexos, e sufuciente considerarmos apenas a primeira determinacao dacoordenada angular; determinacao esta que fixamos e que consideraremossem mensao explıcita a partir de agora.

Exemplo 1.3.1. O vetor v = (−1,−1) tem coordenada angular θ = 7π/4, ousomando −2π, tambem θ = −π/4.

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1.3. COORDENADAS POLARES 15

Seja z ∈ C um numero complexo. Se z 6= 0, a coordenada angular dovetor que representa z chama-se o argumento, que denotamos arg(z) ou arg z.As coordenadas polares de z e o par (|z|, arg z); se z = 0 arg z nao existe mas|z| = 0 neste caso, o que determina z (ou seja, nao precisamos de argumentopara determinar z = 0).

Se z = a + bı 6= 0 com coordenadas polares (r, θ), temos evidentemente

a = r cos θ, b = r sin θ;

concluımos que as coordenadas polares de z determinam a parte real e ima-ginaria de z. Reciprocamente, dados a e b podemos determinar as coorde-nadas polares mas temos que ter certo cuidado com o argumento; com efeitoo modulo r, como ja sabemos vale

√a2 + b2, mas para o argumento devemos

utilizar as funcoes trigonometricas inversas e alguma das relacoes

cos θ =a

r, sin θ =

b

r;

podemos ainda utilizar

arctanb

a.

E preciso, na hora de calcular θ, representar geometricamente o numerocomplexo, de forma a poder interpretar corretamente os valores das funcoesarcos: vejamos um exemplo.

Exemplo 1.3.2. Seja z = −1 − ı; esta representado pelo vetor (−1,−1) noterceiro quadrante. Temos |z| = √

2. Se calculamos ingenuamente

arctan

(−1

−1

)= arctan(1)

obteremos o valor π/4, pois os valores da funcao arctan variam entre −π/2 eπ/2; devemos entao corrigir este valor subtraindo-o de π, pois nosso vetor estade fato no terceiro quadrante. Analogamente, para o complexo z = −1 + ıque esta no segundo quadrante, devemos corrigir o valor arctan(−1) = −π/4somando-lhe π. O leitor pode refletir sobre o que devemos corrigir no casode utilizar as funcoes arccos e arcsin.

Exemplo 1.3.3. Consideremos z = bı; e um numero complexo imaginariopuro, isto e, sua parte real e nula. Se tratarmos de calcular seu algumentoutilizando arctan, observaremos que em princıpio isto nao e possıvel, pois

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16 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

a = 0. Mas um momento de reflexao nos mostra que nao e necessaria autilizacao de formula alguma, pois evidentemente o argumento de um talnumero e π/2 quando b > 0 e 3π/2 quando b < 0.

Se z = a + bı, usando as formulas acima, podemos escrever

z = r(cos θ + ı sin θ).

Dizemos que z esta escrito em Notacao Trigonometrica, em contraposicaocom a escrita z = a+ bı que e chamada de Notacao Cartesiana ou Binomica.

Exemplo 1.3.4. A notacao trigonometrica do numero complexo 1 + ı√

3 e

z = 2(cosπ

3+ ı sin

π

3).

1.3.1 Formulas de De Moivre

Vamos agora multiplicar dois numeros complexos escritos em notacao trigonometrica.Sejam

zj = rj(cos θj + ı sin θj), j = 1, 2;

ou seja que rj = |zj|, θj = arg zj para j = 1, 2.Entao

z1z2 = r1(cos θ1 + ı sin θ1)r2(cos θ2 + ı sin θ2)

= r1r2(cos θ1 + ı sin θ1)(cos θ2 + ı sin θ2)

= r1r2 [(cos θ1 cos θ2 − sin θ1 sin θ2) + ı(cos θ1 sin θ2 + sin θ1 cos θ2)]

= r1r2 [cos(θ1 + θ2) + ı sin(θ1 + θ2)] ,

onde usamosa conhecida formula para seno e cosseno de uma soma de angulos.Concluımos que o modulo de z1z2 e o produto dos modulos de z1 e z2, e

o seu argumento e a soma dos argumentos de z1 e z2, respectivamente.

Exercıcio 1.3.1. Interprete geometricamente as conclusao acima sobre as co-ordenadas polares do produto de numeros complexos.

Consideremos n numeros complexos

zj := rj(cos θj + ı sin θj), j = 1, . . . , n.

Por inducao matematica no numero de fatores podemos demonstrar (o quemostramos para dois fatores e o caso n = 2)

z1 · · · zn = r1 · · · rn [cos(θ1 + · · ·+ θn) + ı sin(θ1 + · · ·+ θn)] .

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1.4. RAIZES N -ESIMAS 17

Como caso particular, escolhendo z = z1 = · · · = zn obtemos uma formulapara a potencia n−esima

[r(cos θ + ı sin θ)]n = rn [cos(nθ) + ı sin(nθ)] , (1.4)

onde r = r1 = · · · = rn e θ = θ1 = · · · = θn. Aplicando esta formula para umnumero complexo z de modulo r = 1 obtemos a formula equivalente

(cos θ + ı sin θ)n = cos(nθ) + ı sin(nθ). (1.5)

Tanto a formula (1.4) quanto a formula (1.5) sao conhecidas como Formulade De Moivre. Esta ultima pode ser utilizada para escrever cos(nθ) e sin(nθ)como funcoes polinomiais em cos θ e sin θ com coeficientes inteiros:

Exemplo 1.3.5. Seja n = 2. Neste caso a formula (1.5) fornece

cos(2θ) + ı sin(2θ) = (cos θ + ı sin θ)2

= (cos2 θ − sin2 θ) + ı(2 cos θ sin θ);

donde, igualando partes real e imaginarias, obtemos

cos(2θ) = cos2 θ − sin2 θ, sin(2θ) = 2 cos θ sin θ.

Para os casos n = 3, 4 veja o exercıcio 1.7.7. Mais geralmente, o leitorpode tentar obter uma formula geral como sugerida no seguinte:

Exercıcio 1.3.2. Utilizando a formula do binomio de Newton (caso nao aconheca veja o exercıcio 2.4.19 no final do capıtulo), escreva cos(nθ) e sin(nθ)como funcoes polinomiais em cos θ e sin θ com coeficientes inteiros.

1.4 Raızes n-esimas

Seja w ∈ C. Uma raiz n-esima de w e um numero complexo z ∈ C tal que

zn = w.

Se w = 0, aplicando modulos de ambos lados da equacao obtemos

|zn| = |z|n = 0,

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18 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

donde |z| = 0, isto e, z = 0. Ou seja, a unica raiz n-esima de 0 e o proprio0. Suponhamos agora que w 6= 0; escrevamos w em notacao trigonometrica:

w = s(cos φ + ı sin φ),

com s = |w| > 0 e φ = arg w. Procuramos raızes n-esimas tambem escritasem notacao trigonometricas da forma

z = r(cos θ + ı sin θ),

com r = |z| e θ = arg z. Por definicao zn = w; da formula de De Moivre(1.4) obtemos

zn = = rn [cos(nθ) + ı sin(nθ)]

= s(cos φ + ı sin φ)

= w.

Primeiramente concluımos que o modulo de w e s = rn, donde obtemos omodulo r de z: como r > 0, seu valor e a raiz n-esima (real) positiva s

1n de

s. Simplificando rn com s obtemos

cos(nθ) + ı sin(nθ) = cos φ + ı sin φ,

que igualando partes real e imaginaria equivale ao sistema de equacoes trigonometricas

{cos(nθ) = cos φsin(nθ) = sin φ.

(1.6)

Analisando o grafico das funcoes cos e sin (ou equivalentemente as projecoesnos eixos x e y de um ponto variando no cırculo trigonometrico, respectiva-mente), constatamos que dois angulos distintos com valores entre 0 e 2π quepossuem o mesmo cosseno estao nos quadrantes primeiro e quarto, nos qua-drantes segundo e terceiro, ou sao π/2 e −π/2. Analogamente, se possuemo mesmo seno, estao nos quadrantes terceiro e quarto ou nos quadrantesprimeiro e segundo. Concluımos que dois angulos nao podem, ao mesmotempo, possuir o mesmo cosseno e o mesmo seno. Portanto, a unica formapara que angulos distintos, agora com valores arbitrarios, possuam o mesmocosseno e o mesmo seno e que seus valores difiram por multiplos inteiros de2π.

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1.4. RAIZES N -ESIMAS 19

Da digressao acima, concluımos que as solucoes do sistema de equacoestrigonometricas (1.6) e

nθ = φ + 2kπ, k ∈ Z;

o argumento procurado θ tem entao varios valores possıveis que dependemde k:

θk =φ

n+

2kπ

n, k ∈ Z.

Fazendo k variar entre 0 e n− 1 o angulo θ toma os n valores distintos

φ

n,φ

n+

n,φ

n+

n, . . . ,

φ

n+

2(n− 1)π

n;

quando k varia entre n e 2n− 1 reobtemos os valores de θ = θ0, θ1, . . . , θn−1,pois estes diferem daqueles por 2π (nossa convencao para valores de angulos:veja pagina 14). Raciocinando desta forma nao e difıcil de se convencer queos unicos valores distintos para o argumento θ sao o n valores acima.

Demostramos entao o seguinte resultado:

Teorema 1.4.1. Seja w ∈ C um numero complexo nao nulo; escrevemos

w = s(cos φ + ı sin φ).

Entao existem n raızes (distintas)

zk = r(cos θk + ı sin θk), k = 0, 1, . . . , n− 1,

onde

r = s1n , θk =

φ

n+

2kπ

n.

Observacao 1.4.2. Todas as raızes n-esimas de w possuem o mesmo moduloque e exatamente a raiz n-esima positiva real do modulo de w; para obteros argumentos das raızes n-esimas, podemos proceder da forma seguinte:primeriro dividimos o argumento de w por n, o que fornece o argumento dez0; logo apos acrescentamos ao argumento de z0 o valor 2π/n, o que fornece oargumento de z1; logo apos acrescentamos ao argumento de z1 o valor 2π/n;e assim por diante, ate obtermos o argumento de zn−1. Se repetirmos maisuma vez o procedimento, reobteremos o argumento de z0.

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20 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

Figura 1.3: representacao geometrica de raızes

A observacao acima fornece a seguinte interpretacao geometrica: as raızesn-esimas de w 6= 0 representam-se no plano como os vertices de um polıgonoregular de n lados inscrito numa circunferencia de raio s

1n .

Exemplos 1.4.3. (a) Consideremos w = −1− ı. Evidentemente

w = cos5π

4+ ı sin

4.

Ou seja que s = 1 e φ = 5π/4. As raızes quintas de w sao

z0 = cosπ

4+ ı sin

π

4

z1 = cos

4+

5

)+ ı sin

4+

5

)

z2 = cos

4+

5

)+ ı sin

4+

5

)

z3 = cos

4+

5

)+ ı sin

4+

5

)

z4 = cos

4+

5

)+ ı sin

4+

5

)

(b) Seja w 6= 0 arbitrario; temos

w = s(cos φ + ı sin φ).

As raızes quadradas de w sao

z0 = s12 (cos

φ

2+ ı sin

φ

2), z1 = s

12

[cos(

φ

2+ π) + ı sin(

φ

2+ π)

];

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1.4. RAIZES N -ESIMAS 21

como somar π troca o sinal do cosseno e do seno, concluımos que z1 = −z0.Em outras palavras, as raızes quadradas de numeros complexos sao numeroscomplexos simetricos.

(c) Seja w = a ∈ R um numero real nao nulo. Temos dois casos:(c1) a > 0: temos arg a = 0. Entao

zk = a1n (cos

2kπ

n+ ı cos

2kπ

n), k = 0, 1, . . . , n− 1;

em particular, quando e par, digamos n = 2m, as duas raızes reais sao z0 ezm−1; quando n e ımpar, z0 e a raiz real de a.

(c2) a < 0: temos arg a = π. Entao

zk = |a| 1n (cos(2k + 1)π

n+ ı cos

(2k + 1)π

n), k = 0, 1, . . . , n− 1;

em particular quando n e ımpar, novamente z0 e a raiz real.

Exemplo 1.4.4. Raızes da unidade. As raızes n-esimas da unidade complexaw = 1 (ou seja, o neutro da multiplicacao) obtem-se como caso particular doexemplo 1.4.3(c1):

zk = cos2kπ

n+ ı cos

2kπ

n, k = 0, 1, . . . , n− 1;

todas sao numeros complexos de modulo um. Observamos que estao rep-resentadas no plano como os vertices de um polıgono regular de n lados,inscrito numa cisrcunferencia de raio um; um dos vertices e o ponto (1, 0)que representa o complexo 1, a raiz n−esima real positiva de 1.

A raiz nesima z1, que denotaremos ωn chama-se a Raiz n-esima Primitivada unidade. Pela formula de De Moivre (1.5) temos que ωn

n = 1 e

zk = ωkn, k = 0, . . . , n− 1.

Esta propriedade implica que o conjunto Cn := {1, ωn, . . . , ωn−1n } e fechado

para a multiplicacao, isto e, z, w ∈ Cn implica z · w ∈ Cn (mostre estaafirmacao !).

Finalmente, por definicao de raiz n-esima, observamos que o conjunto Cn

das raızes n-esimas da unidade e o conjunto de solucoes da equacao

xn − 1 = 0.

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22 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

1.4.1 Raızes quadradas em forma binomica

Consideremos um numero complexo w = a + bı. Podemos estar interes-sados em obter as raızes n-esimas deste numero na forma binomica; nocaso onde n = 2, isto pode ser feito diretamente, ou seja, sem passar pelaforma trigonometrica, essencial para extrair raızes pelo metodo descrito noparagrafo precedente.

Um numero complexo z = x + yı e raiz quadrada de w se e somente se

a + bı = (x + yı)2

= x2 − y2 + (2xy)ı.

Isto e, igualando partes real e imaginaria, se e somente se

{x2 − y2 = a2xy = b

Suponhamos w 6= 0, pois o caso w = 0, como sabemos, fornece z = 0. Seb = 0 obtemos x = 0 ou y = 0, e a 6= 0; se a > 0, como x e y sao reais,devemos ter y = 0, donde obtemos os pares (x, y) seguintes:

(√

a, 0), (−√a, 0),

isto e, as raızes quadradas reais de w = a:

z = ±√a.

Analogamente, se a < 0 obteremos as raızes imaginarias puras de w = a:

±√|a|ı.

Suponhamos agora que b 6= 0; em particular x 6= 0 e y 6= 0. Podemossubstituir y = b/2x na equacao de cima para obter

x2 − b2

4y2= a;

multiplicando por 4x2 esta equacao encontramos

x4 − ax2 − b2 = 0,

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1.5. TRANSFORMACOES DO PLANO 23

que e uma equacao biquadrada. Como o leitor certamente sabe, esta podeser resolvida utilizando a formula de Baskara numa nova variavel u := x2,pois e uma equacao quadratica em x2; mais precisamente, temos

u = x2 =a±√a2 + b2

2.

Como b 6= 0 temos 0 ≤ a2 < a2+b2, donde |a| < √a2 + b2; desta desigualdade

concluımos que x2 e um dos dois valores

a +√

a2 + b2

2> 0,

a−√a2 + b2

2< 0.

Como x deve ser real, so pode ser

x2 =a +

√a2 + b2

2;

daqui obtemos dois valores x1 e x2 para x donde os valores de y correspon-dentes y1 = b/2x1 e y2 = b/2x2.

O leitor podera obter formulas explıcitas para as duas raızes quadradas(uma simetrica da outra) x1 + y1ı e x2 + y2ı. De todas maneiras nao enecessario termos tais formulas explıcitas, pois nao e difıcil de repetir o pro-cedimento cada vez que precisemos calcular raızes quadradas desta forma.

1.5 Transformacoes do plano

Denotemos R2 o plano real. Chamaremos de transformacao do plano qual-quer bijecao T : R2 → R2 que pode ser escrita como composicao dos seguintestipos de Transformacoes elementares que supomos conhecidas dos cursos degeometria elementar:

1. Translacao; 2. Homotetia; 3. Rotacao de angulo θ e 4. Reflexao comrelacao a uma reta do plano.

A representacao geometrica dos numeros complexos nos permite pensarC como se fosse R2 do ponto de vista geometrico; de fato, para sermos rig-orosos, C e exatamente R2 como conjunto, so que introduzimos operacoesque o fazem um objeto matematico diferente do plano usual; digamos que o“enriquecem” de certa forma, pois isto nos permite fazer outras coisas comos pontos do plano que nao podıamos fazer quando pensavamos neles apenasgeometricamente.

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24 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

De acordo com a interpretacao que demos para a soma de complexos, umatranslacao nada mais e do que uma aplicacao (isto e, funcao) T : C→ C daforma

T (z) = z + α,

onde α ∈ C e um numero complexo fixo dado e nao nulo; diz-se que T e umatranslacao de vetor α. Da mesma forma, da interpretacao que demos para oproduto em termos do modulo e o argumento, se α = r(cos θ + ı sin θ), umaaplicacao H : C→ C da forma

H(z) = αz

transforma um numero complexo do plano num outro numero complexo cujomodulo fica multiplicado por r e cujo argumento fica acrescido de θ. Con-cluımos que a transformacao H tem o efeito de uma homotetia de razao rcombinada (ou seja, composta) com uma rotacao de angulo θ; no caso par-ticular onde r = 1 teremos apenas uma rotacao de angulo θ e no caso ondeθ = 0 e r 6= 1 uma homotetia de razao r.

Finalmente, a transformacao S : C→ C definida por

S(z) = z

e uma reflexao em relacao ao eixo x; deixamos para o leitor refletir sobrecomo definir corretamente uma reflexao em relacao a uma reta arbitraria:observe, por um lado, que uma reta paralela ao eixo x pode ser vista comouma translacao de um vetor que e um complexo imaginario puro; por outrolado, que uma reta nao paralela ao eixo x corta este num ponto e podeser vistacomo uma translacao adequada combinada com uma rotacao cujo angulo eo angulo entre as retas.

Como veremos no proximo capıtulo, para conseguirmos entender de formaadequada a resolucao de equacoes polinomiais, seremos obrigados a com-preender melhor os polinomios e a relacao de seus coeficientes (o que cor-responde aos dados num problema pratico que queiramos resolver) com assuas raızes, que sao nada mais nem menos que as solucoes das equacoes cor-respondentes. Por outro lado, a “manipulacao” com polinomios so e possıveloperando com eles, ou seja, efetuando, a semelhanca do que fazemos com osnumeros, operacoes elementares; e entao de se esperar que as propriedades doconjunto dos polinomios sejam o mero reflexo, em ultima instancia, da formacom que operamos com eles, isto e, das propriedades que estes polinomiostem em relacao as operacoes elementares.

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1.6. ESTRUTURA SUBJACENTE DE C 25

1.6 Estrutura subjacente de COs objetos nos quais nos interessamos, sejam estes numeros de algum dostipos conhecidos, sejam estes polinomios (que sera tratado minuciosamenteno capıtulo 2), possuem em comum alguns atributos. Primeiramente, aque-les de uma mesma natureza constituem um conjunto, digamos A, que vamosconsiderar, evidentemente, diferente do conjunto vazio. Segundo, existem“maneiras” de operar com os elementos do conjunto A que tem sido chaa-madas de operacoes elementares ; aparentemente ha em todos os casos umaforma de somar “+” e uma forma de multiplicar “·”, e em alguns casos, umaforma de subtrair e outra de dividir.

Aceitando a filosofia segundo a qual e atraves das propriedades destasoperacoes que poderemos entender qualquer outra propriedade algebrica doselementos de A, e entao razoavel pensar que muitos dos fenomenos que nosparecem propios, por exemplo dos numeros inteiros, sejam de fato fenomenosque podem ser observados em qualquer outro conjunto sobre o qual saibamosoperar de forma similar que com numeros inteiros: por exemplo, nao e dificilmostrar que

x2 + 1 = (x + ı)(x− ı)

e a melhor fatoracao que podemos obter da expressao x2 + 1, pois a equacaox2 + 1 = 0 tem ı e −ı como unicas solucoes e evidentemente qualquer outrafatoracao deveria ter uma ou outra das solucoes. Entao, se so permitirmosnumeros reais nos nossos calculos, a expressao (polinomio) x2+1 nao poderiase fatorar! Nos ja encontramos este tipo de fenomeno no caso dos numerosinteiros: quando um numero inteiro nao pode ser fatorado de maneira naoobvia (isto e, salvo escrevendo o proprio numero vezes 1), dizemos que elee primo. No proximo capıtulo veremos como muitas das nocoes sobre divis-ibilidade tais como a de numero primo podem ser “estendidas” ao caso depolinomios.

Vamos resumir muitas das propriedades dos numeros (e como veremosno proximo capıtulo, tambem dos polinomios) na seguinte definicao. Vamoschamar de operacao2 num conjunto A 6= ∅ a uma funcao de A× A em A.

Definicao 1.6.1. Seja A um conjunto nao vazio e sejam + : A×A → A e · :A×A → A duas operacoes em A, que chamaremos de soma e multiplicacao.

2Diz-se tambem operacao binaria interna pelo fato de estar definida para pares deelementos do conjunto A e o resultado desta ser tambem um elemento de A.

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26 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

Dizemos que (A, +, ·) e um Anel Commutativo com Unidade se se verificamas seguintes oito propriedades:

S1) Associativa: a + (b + c) = (a + b) + c, ∀a, b, c ∈ A.

S2) Commutativa: a + b = b + a, ∀a, b ∈ A.

S3) Neutro: ∃e ∈ A tal que e + a = a + e = a, ∀a ∈ A; denotamos esteelemento e = 0.

S4) Simetrico: ∀a ∈ A,∃a ∈ A tal que a + a = a + a = 0.

M1) Associativa: a · (b · c) = (a · b) · c, ∀a, b, c ∈ A.

M2) Commutativa: a · b = b · a, ∀a, b ∈ A.

M3) Neutro: ∃u ∈ A tal que u · a = a · u = a, ∀a ∈ A; denotamos esteelemento u = 1.

SM) Distributiva: a · (b + c) = a · b + a · c, ∀a, b, c ∈ A.

Se alem disso tambem verifica-se

D) Cancelamento: Se a·b = a·c e a 6= 0 entao b = c,∀a ∈ A−{0},∀b, c ∈A,dizemos que o anel e um Domınio de Integridade.

Exercıcio 1.6.1. Convenca-se do fato que todo sistema numerico e um domıniode integridade. Que pensa do conjunto dos polinomios ?

A propriedade de simetrico nos permite subtrair: diremos que a − b ea + b.

Na definicao acima nada e dito sobre a divisao, que, a semelhanca doque acontece com a subtracao, dependera da existencia de um “simetrico”mas com respeito a multiplicacao, que chamamos de inverso. Podemos entaodefinir um novo tipo de estrutura algebrica sobre um conjunto que e maisrica, no sentido que possui mas atributos: e o conceito de Corpo.

Definicao 1.6.2. Seja K um conjunto nao vazio e sejam + : · : K×K → Ke · : K×K → K duas operacoes em K. Dizemos que (K, +, ·) e um Corpo sefor um anel commutativo com unidade e alem disso verifica-se a propriedadeseguinte:

M4) Inverso: ∀a ∈ K − {0}, ∃a ∈ K tal que a · a = 1.

Denotaremos o inverso de um elemento a ∈ K\{0} como a = a−1. Numcorpo podemos entao dividir um elemento a por um elemento b 6= 0 fazendo

a : b = a · b−1;

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1.7. EXERCICIOS 27

isto motiva a notacao (tambem muito utilizada):

b−1 =1

b.

Tambem escreveremos ab ao invez de a · b, desde que isto nao induza aconfusao.

Exercıcio 1.6.2. Mesma questao que no exercıcio anterior mas substituındodomınio de integridade por corpo.

Exemplo 1.6.3. Vejamos que um corpo tambem possui a propriedade de can-celamento, isto e, que tambem e um domıno de integridade. Com efeito,suponhamos que K e um corpo e que a, b, c ∈ K, com a 6= 0, tais que

ab = ac.

Basta multiplicar pelo inverso de a aos dois lados da equacao.

Exercıcio 1.6.3. Mostre que a propriedade de cancelamente (D) e equivalente(ou seja, pode ser substituıda por) a propriedade

(D′) ab = 0 implica a = 0 ou b = 0, para todo a, b ∈ A.

1.7 Exercıcios

1.7.1

Reduza a forma a + bı cada uma das expressoes seguintes:a)√

3− 2ı− ı[2− ı(√

3 + 4)]; b) (3− 5ı)(−2− 4ı); c) (3ı− 1)(ı/2 + 1/3);d) (2 + 3ı)2.

1.7.2

Mostre que as seguintes igualdades sao validas:a) (x+ ıy)2 = x2−y2 +2ıxy; b) (1+ ı)3 = −2+2ı; c) 1+ ı5 +2ı10 +3ı13 =

−1 + 4ı;

1.7.3

Idem que no exercıcio 1.7.1 com as seguintes fracoes:

1

2 + 3ı;

1 + ı

3− 2ı;

3− ı

−1 + 2ı;

4− 3ı

−1 + ı− 1− ı√

2− ı;

(1

1 + ı

)2

;

(1 + ı

1− ı

)2

.

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28 CAPITULO 1. NUMEROS COMPLEXOS

1.7.4

Represente graficamente os numeros complexos z1, z2, z1z2 e z1/z2:a) z1 = 3 + 4ı, z2 = (1− ı)/5

√2; b) z1 = (1 + ı)

√3/2, z2 = (

√3 + ı)/2; c)

z1 = (1 + ı)/2√

2,z2 = 1 + ı

√3.

1.7.5

Calcule a parte real e imaginaria dos seguintes numeros complexos:

−ı(2− 3ı)2,(1− ı

√3)2

−2 + ı.

1.7.6

Escreva os seguintes numeros complexos na forma polar e represente-os geometricamente:

−2 + 2ı,1

−1− ı√

3,−1− ı,

−3 + 3ı

1 + ı√

3,−4√3− ı

.

1.7.7

Obtenha formulas para cos 3θ e sin 3θ em funcao de sin θ e cos θ. Idem paracos 4θ e sin 4θ.

1.7.8

Calcule as raızes dos seguintes numeros complexos e represente-as geometricamente:

√−4, (1 + ı√

3)1/2, 3√

ı, 3√−ı, (−1 + ı

√3)1/4;

√−1− ı

√3.

Encontre todas as solucoes da equacao P (z) = 0 nos casos em que P (z)e um dos polinomios

seguintes:

z6− 64, z3− 1, 5z3 +8, z2− 2z +2, 2z2 + z +1, z2 +(1− 2ı)z +(1+5ı), z4 +9.

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Capıtulo 2

Equacoes de grau ≤ 4

2.1 Generalidades sobre equacoes polinomi-

ais

Uma equacao polinomial e uma equacao da forma

anxn + an−1xn−1 + · · ·+ a1x + a0 = 0, (2.1)

onde n e um numero natural, an, an−1, . . . , a1, a0 ∈ C sao chamados de coefi-cientes da equacao e x e uma indeterminada ou variavel. Uma solucao destaequacao e um numero (em geral) complexo α que substituıdo no lugar do xsatisfaz a igualdade, isto e,

anαn + an−1α

n−1 + · · ·+ a1α + a0 = 0.

Consideremos a seguinte expressao polinomial

f(x) = (x− α1)(x− α2) · · · (x− αn)

onde αi e um numero complexo para todo i = 1, . . . , n. E evidente queα1, . . . , αn sao solucoes da equacao polinomial

f(x) = 0.

Como veremos no proximo capıtulo toda equacao polinomial pode serescrita na forma f(x) = 0 para certos numeros complexos α1, . . . , αn.

Vamos analisar quais sao os coeficientes da expressao f(x). Basta efetuaro produto dos fatores da forma (x − αi) entre si. Comecemos observando

29

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30 CAPITULO 2. EQUACOES DE GRAU ≤ 4

que cada termo do produto obtido como resultado de multiplicacao dos nfatores forma-se escolhendo um dos termos de cada fator e multiplicando-os entre si. Por exemplo quando escolhemos o termo x em cada binomiox − αi e os multiplicamos entre si obtemos xn pois temos n fatores; dondesegue que o coeficiente an que acompanha xn deve ser 1. Analogamente,para obtermos o coeficiente que acompanha xn−1 devemos escolher n − 1vezes a indeterminada x e apenas uma vez o numero −αi. Como temos npossibilidades para escolher −αi (pois i = 1, . . . , n) obteremos n termos comxn−1, a saber, os termos −αix

n−1; somando-os, concluımos que

an−1 = −α1 − · · · − αn = −n∑

i=1

αi.

Raciocinando de maneira analoga, teremos que an−2 e a soma dos produ-tos da forma (−αi)(−αj) = αiαj para cada escolha de i e j. Um pouco dereflexao nos mostra que

an−2 = α1α2 + · · ·+ α1αn + α2α3 + · · ·αn−1αn =∑i<j

αiαj.

Ou seja que an−1 constitue-se somando os n =(

n1

)valores de αi; para formar

an−2 escolhemos todos os pares αi, αj possıveis, tem(

n2

), multiplicamos-los e

finalmente somamos estes produtos.Generalizando este raciocınio, obtemos a forma geral de um coeficiente

ak arbitrario: constitui-se escolhendo as(

nk

)combinacoes possıveis de k ele-

mentos do conjunto{α1, . . . , αn},

multiplicando os k elementos de cada combinacao e somando os(

nk

)resultados

obtidos; observe que, em particular, o ultimo coeficiente a0 sera o produtode todos os numeros −αi, ou seja

a0 = (−1)nα1 · · ·αn.

Podemos escrever o coeficiente que acompanha xk para k > 0 como

an−k =∑

i1<...ik

αi1 · · ·αik , k = 1, . . . , n.

Estas igualdades chaman-se, relacoes entre coeficientes e raızes de uma equacao.

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2.1. GENERALIDADES SOBRE EQUACOES POLINOMIAIS 31

Exercıcio 2.1.1. a) Mostre estas relacoes diretamente no caso n = 1, n = 2 en = 3.

b) Demonstre o caso geral usando inducao matematica em n.

Uma das utilidades destas relacoes e a de construir equacoes com solucoesprescritas. Por exemplo, se queremos construir uma equacao cujas solucoessejam ı,−ı, 5, entao pegamos n = 3 e α1 = ı, α2 = −ı e α3 = 5. Obtemos

a3 = 1, a2 = 5, a1 = 1, a0 = 5.

Para terminar este breve paragrafo de generalidades, dada uma equacaopolinomial como na equacao (2.1), vamos descobrir uma mudanca de variaveis(linear) da forma x = y + h para h ∈ C de forma que o termo de grau n− 1(agora em y) nao apareca, isto e, seu coeficiente seja nulo.

Substituındo x por y + h na equacao (2.1) obtemos

an(y + h)n + an−1(y + h)n−1 + · · ·+ a1(y + h) + a0 = 0. (2.2)

Ao desenvolver as potencias de cada binomio da forma (y + h)k e claro queobteremos uma expressao polinomial de grau k em y. Por outro lado, quer-emos escolher h para que o coeficiente em yn−1 da expressao (2.2) se anule.Basta entao entender quais sao as contribuicoes para tal coeficiente da partean(y +h)n +an−1(y +h)n−1 da expressao, pois os termos restantes terao graumenor do que n− 1 e portanto nao contribuırao.

Usando a formula do binomio de Newton (veja exercıcio 2.4.19), ou direta-mente a relacao entre coeficientes e raızes obtida acima aplicada a expressao

(y + h)(y + h) · · · (y + h)

(uma vez com n fatores e outra com n− 1) concluımos que o coeficiente queem yn−1 de an(y + h)n e nanh e aquele de an−1(y + h)n−1 e an−1. Portanto otermo de grau n− 1 de (2.2) e (nanh + an−1)y

n−1. Concluımos que

h = −an−1

nan

e o numero procurado.Observemos que dada uma equacao de grau n, digamos em x, podemos

sempre fazer uma mudanca de variaveis x = y + h de forma que a novaequacao, agora em y tenha termo de grau n− 1 nulo. Encontrar as solucoesdesta nova equacao equivale a encontrar as solucoes da antiga, pois dada uma

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32 CAPITULO 2. EQUACOES DE GRAU ≤ 4

solucao y = α da equacao transformada, basta considerar α − h obteremosuma solucao da equacao original; reciprocamente, somando h as solucoes daequacao em x obtemos as solucoes da equacao em y. Para ver a utilidadedeste procedimento o leitor pode fazer o exercıcio seguinte:

Exercıcio 2.1.2. a) Aplicando a mudanca de variaveis acima no caso n = 2mostre que resolver uma equacao geral de grau 2 reduz-se a resolver umaequacao da forma

y2 + b = 0.

b) Deduza uma outra forma de resolver a equacao de grau 2 que nao sejautilizando a formula de Baskara.

2.2 Equacao de grau 3

No restante do capıtulo seguiremos de perto o capıtulo XIII de [2].

2.2.1 Metodo e Hudde e Equacoes de Cardano

Agora vamos utilizar os numeros complexos para resolver a equacao geral degrau 3. E uma equacao da forma

Ay3 + By2 + Cy + D = 0, (2.3)

onde A,B,C,D sao numeros reais; como estamos trabalhando num corpo,basta dividir por A, podemos supor que A = 1: com efeito, escrevemos

B′ :=B

A,C ′ :=

C

A,D′ :=

D

A,

e obtemos uma equacao da forma

y3 + B′y2 + C ′y + D′ = 0,

cujas solucoes sao exatamente aquelas da equacao (2.3); entao ficamos coma equacao (2.3), mas com A = 1.

Como vimos no paragrafo precedente, fazendo a mudanca de variaveislinear da forma y = x + h, onde h = −B′/3 obtemos uma equacao em x daforma

x3 + ax + b = 0; (2.4)

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2.2. EQUACAO DE GRAU 3 33

dizemos que a equacao cubica esta escrita na forma reduzida.As solucoes de (2.3) obtem-se a partir das solucoes de (2.4) somando o

valor de h achado.Vamos agora encontrar as solucaoes da equacao (2.4) utilizando um pro-

cedimento desenvolvido por Juan Hudde (1633-1704) e conhecido como Metodode Hudde. Cabe salientar que foi Scipione Dal Ferro (1465-1526) quem re-solveu pela primeira vez a equacao de grau tres mas nao publicou seu tra-balho. Outro Matematico, Nicolas de Brescia, conhecido sob o pseudonimode Tartaglia (1499-1557) tambem resolveu esta equacao e tampouco publicoua solucao achada; sob promessa de nao divulga-lo Tartaglia comunicou seudescubimento a Girolamo Cardano (1501-1576), quem o publicou em 1545como sendo seu, no seu compendio titulado Ars Magna.

Na equacao de grau 2, as solucaos sao obtidas como soma de dois numeros,que dependem dos coeficientes, cuja natureza pode ser diversa. E de esperarque no caso de grau 3 que, pelo menos em princıpio, deveria ser mais compli-cado, muito possivelmente as solucoes encontradas escrevam-se como somade pelo menos dois termos.

Suponhamos entao que existe uma solucao x = u + v da equacao (2.4)onde u, v ∈ C. Entao

(u + v)3 + a(u + v) + b = 0.

Por outro lado, ao desenvolver (u + v)3 e facil observar que

(u + v)3 − 3uv(u + v)− (u3 + v3) = 0.

Entao, se encontrarmos u e v tais que

a = −3uv, b = −(u3 + v3),

teremos achado uma solucao. Elevando ao cubo a primeira igualdade, obte-mos

−a3

27= u3v3,

donde segue que u3 e v3 sao as raızes da equacao de grau dois seguinte:

z2 + bz − a3

27= 0.

Esta equacao chama-se a resolvente da equacao 2.4.

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34 CAPITULO 2. EQUACOES DE GRAU ≤ 4

Concluımos que se z1, z2 sao as solucoes da equacao resolvente, bastaescolher como u e v quaisquer raızes cubicas ζ1, ζ2 ∈ C de z1 e z2, respecti-vamente, satisfazendo a seguinte relacao:

−3ζ1ζ2 = a; (2.5)

temos entao uma solucao x := ζ1 + ζ2 da equacao cubica reduzida (2.4).Observemos nao obstante que este procedimento e sempre possıvel mas requerum certo cuidado: com efeito, as solucoes z1 e z2 da equacao resolventeverificam a equacao

−a3

27= z1z2

e entao −a/3 e uma das (em princıpio) tres raızes cubicas do produto z1z2

que, pelas propriedades de raızes complexas, devem ser necessariamente pro-duto de raızes cubicas de z1 com raızes cubicas de z2. Porem, observe-se queno caso onde z1 6= 0 e z2 6= 0 (isto e, quando a 6= 0) temos tres raızes cubicaspara z1 e tres para z2 o que nos da nove produtos; em geral estaremos obriga-dos a escolher adequadamente as raızes cubicas de z1 e z2. Uma forma facilde fazer isto e a seguinte: Quando a 6= 0 (se a = 0 a equacao (2.4) resolve-sesem necessidade do metodo de Hudde), escolhemos u = ζ1 uma qualquer dasraızes cubicas de z1 e logo calculamos v = ζ2 a partir da equacao (2.5): istoe,

v := − a

3u.

Nao e difıcil de se convencer que

x′ := ωu + ω2v e x′′ := ω2u + ωv

tambem sao solucoes de (2.4), onde ω e a raiz cubica primitiva da unidade,isto e,

ω := −1

2+ ı

√3

2.

Com efeito, se x′ = u′ + v′ com u′ = ωu e v′ = ω2v, temos

(u′)3 + (v′)3 = u3 + v3, u′v′ = uv;

analogamente para x′′.Resumindo, as tres solucoes da equacao (2.4) estao dadas pelas seguintes

equacoes conhecidas como Equacaoes de Cardano:

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2.2. EQUACAO DE GRAU 3 35

x1 = u + vx2 = ωu + ω2vx3 = ω2u + ωv.

Ou equivalentemente

x1 = u + v,

x2 = −u+v2

+ ı√

3u−v2

x3 = −u+v2− ı√

3u−v2

.

Exemplo 2.2.1. Consideremos as seguintes equacoes cubicas na forma re-duzida:

a) x3 − 6x− 9 = 0,b) x3 − 12x− 16 = 0,c) x3 − 15x− 4 = 0.No caso (a) a resolvente e

z2 − 9z + 8 = 0,

cujas solucoes sao z1 = 8, z2 = 1. Escolhemos u = 2, a raiz cubica real de8. Da equacao de compatibilidade uv = 2 obtemos v = 1 que e a raiz cubicareal de 1. Observemos que dado que as outras raızes cubicas de 8 e de 1sao imaginarias, podemos concluir de forma direta que v = 1 e a unica raizcubica de z1 = 1 que pode satisfazer a equacao de compatibilidade.

Das equacoes de Cardano, obtemos as tres solucoes da equacao cubica:

x1 = 3, x2 = −3

2+ ı

√3

2, x3 = −3

2− ı

√3

2.

No caso (b) a resolvente e

z2 − 16z + 64 = 0,

cujas solucoes sao z1 = z2 = 8. Entao podemos escolher u = v = 2 dondeobtemos

x1 = 4, x2 = x3 = −2.

Finalmente, no caso (c) a resolvente e

z2 − 4z + 125 = 0,

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36 CAPITULO 2. EQUACOES DE GRAU ≤ 4

dondez1 = 2 + 11ı, z2 = 2− 11ı.

Observemos que (2 + ı)3 = 2 + 11ı, o que mostra que podemos escolheru = 2 + ı; da equacao de compatibilidade obtemos

v =15

3(2 + ı)= 2− ı.

As solucoes obtidas sao:

x1 = 4, x2 = −2−√

2, x3 = −2 +√

3.

Observe que se u 6= v, estas solucoes sao efetivamente diferentes, tendoentao atingido o numero maximo de raızes diferentes para uma equacao degau 3, e que se u = v, como

ω2 + ω = −1,

obtemos as solucoes 2u e −u, sendo esta ultima dupla.

2.2.2 Discussao da equacao cubica

Consideremos a equacao cubica na sua forma reduzida

x3 + ax + b = 0,

com a, b ∈ R. Vamos tentar responder as perguntas seguintes:Existem raızes multiplas ?Existem solucoes reais ? E em caso afirmativo: Quantas ?Para comecar, consideremos alguns casos especiais:Se b = 0, as solucoes da equacao sao

x = 0, x = ±√−a;

ou seja que existe sempre a raiz real x = 0 e so havera outras raızes reaisquando a for negativo.

Se a = 0, as solucoes estao dadas pelas raızes cubicas de −b; entao sempreexiste raiz real e, quando b 6= 0 mais duas raızes imaginarias.

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2.2. EQUACAO DE GRAU 3 37

Consideremos agora o caso geral, isto e, quando a 6= 0 e b 6= 0. Paravalors de x diferentes de zero, podemos escrever a equacao cubica na forma

x2 + a = − b

x.

De maneira analoga a como vimos no capıtulo de introducao, as raızesreais correspondem aos valores da abscissa dos pontos de intersecao dosgraficos das funcoes reais

y = x2 + a, y = − b

x.

Existem tres situacoes possıveis para valores de b negativos e tres para valoresde b positivos. Por exemplo, suponhamos b < 0. Se a e suficientemente neg-ativo, e claro que os graficos se interceptarao em tres pontos cujas abscissassao diferentes, fornecendo tres solucoes reais e distintas da equacao cubica.Se, pelo contrario, o valor de a for positivo e suficientemente grande, entaoexistira uma unica intersecao obtendo desta forma uma unica solucao real.Finalmente, se imaginarmos o valor de a percorrendo todos os valores reaispossıveis, podemos antecipar que havera um unico valor de a onde a equacaodeixa de ter tres solucoes reais e nao tem ainda uma unica solucao real; paraeste valor preciso de a os graficos se cortam transversalmente num ponto,isto e, possuem retas tangentes distintas neste ponto (na figura, isto acon-tece no primeiro quadrante) e possuem a mesma reta tangente num outroponto. Isto fornece duas unicas raızes reais. Porem, a raız obtida a partirdo ponto onde ambos graficos sao tangentes, parece ser de natureza difer-ente da outra: com efeito, suponhamos que a0 e o valor de a para o qual ograficos tem um ponto cujas retas tangentes coincidem. Se considerarmos asinstancias onde a < a0, entao estaremos na primeira situacao, onde o pontode tangencia bifurca em dois pontos distintos onde ha transversalidade (naomais tangencia). Entao, podemos entender este ponto como a posicao limitede dois pontos diferentes; em linguagem moderna um tal ponto de intersecaodos graficos chama-se um ponto duplo ou ponto de multiplicidade dois. Nestasituacao, teremos entao uma solucao da nossa equacao cubica que conta duasvezes, o que chamaremos uma solucao dupla1

1Aqui nao fomos suficientemente rigorosos, pois formalisar adequadamente estasituacao nao e completamente trivial. Mas o leitor pode considerar uma situacao analogacom a equacao quadratica x2 + bx + c = 0 e observar que quando b2 se aproxima de 4acas duas solucoes tendem a uma so, o que ocorre unicamente quando b2 = 4ac.

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38 CAPITULO 2. EQUACOES DE GRAU ≤ 4

Figura

Em particular concluımos que para toda equacao cubica, existe pelomenos uma solucao ou raız real.

Vamos agora obter um criterio analogo ao que conhecemos para a equacaoquadratica, onde basta conhecer o sinal de um certo numero, chamado dis-criminante, para decidir sobre a qualidade e quantidade de raızes.

Analisando o Metodo de Hudde, nao e dificil de se convencer que umaequacao cubica possuira certamente solucoes duplas se esse for o caso daequacao resolvente associada.

Por outro lado, a equacao resolvente possui solucoes duplas se e somentese

4a3 + 27b2 = 0,

pois um calculo facil mostra que o discriminante da equacao resolvente eprecisamente

b2 +4a3

27=

27b2 + 4a3

27.

Isto sugere que este numero esteja relacionado com a existencia e naturezadas solucoes de forma analoga ao que acontece com a equacao quadratica, oque motiva a seguinte definicao.

Definicao 2.2.2. Chamamos discriminante da equacao cubica reduzida (1.2)o numero real

D := −(4a3 + 27b2).

O sinal na frente e por razoes historicas; como veremos a continuacaodesta forma obteremos um resultado analogo ao da equacao quadratica, ondea presenca de solucoes imaginarias corresponde ao caso onde D < 0.

Mantemos todas as notacoes introduzidas no metoto de Hudde acima.Distinguimos tres casos:

(i) Caso onde D < 0. Neste caso as raızes z1 e z2 da equacao resolventesao reais. Se u e a raiz cubica real de z1, da relacao de “compatibilidade”

uv = −a

3,

teremos que v tambem e a raiz cubica real de z2. Como u 6= v, a equacaocubica reduzida de coeficientes reais tera uma raiz real e duas imaginariasconjugadas que, segundo as equacoes de Cardano sao:

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2.2. EQUACAO DE GRAU 3 39

x1 = u + v, real

x2 = −u+v2

+ ı√

3u−v2

x3 = −u+v2− ı√

3u−v2

.

(ii) Caso onde D = 0. Neste caso z1 = z2 = −b/2. A equacao reduzidapossui tr es raızes, uma simples e uma dupla:

{x1 = 2 3

√−b/2, simples

x2 = x3 = 3√−b/2.

(iii) Caso onde D > 0. Agora z1 e z2 sao imaginarias; mais precisamente,como o leitor pode verificar logo de um calculo facil,temos:

z1 = −−b

2+ ı

√D

108, −−b

2− ı

√D

108.

Escrevamos u = α+ ıβ uma das raızes cubicas de z1; como ja observamosanteriormente, uma das raızes cubicas de z2 deve ser conjugada desta, poisz1 e z2 o sao. Tomamos v = α− ıβ. O produto

uv = α2 + β2

satisfaz a equacao de compatibilidade. Aplicando as formulas de cardano,como o leitor podera verificar sem maiores problemas, obtemos

x1 = 2α

x2 = −α + β√

3

x3 = −α− β√

3.

Podemos entao resumir o estudo qualitativo da equacao cubica na suaforma reduzida no teorema seguinte.

Teorema 2.2.3. Consideremos a equacao cubica

x3 + ax + b = 0; (2.6)

denotemos D seu discriminante. Temos as seguintes afirmacoes.a) Si D = 0, entao (2.6) possui raiz dupla, sendo todas as solucoes reais;b) Si D > 0, entao (2.6) possui tress solucoes reais e distintas;c) Si D < 0, entao (2.6) possui duas solucoes imaginarias conjugadas e

uma solucao real.

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40 CAPITULO 2. EQUACOES DE GRAU ≤ 4

Exemplo 2.2.4. Retomamos o exemplo 2.2.1. Um calculo facil mostra que odiscriminante D e negativo no caso (a), zero no caso (b) e positivo no caso(c), em concordancia com a natureza das solucoes encontradas.

Exemplo 2.2.5. Consideremos a equacao cubica

x3 + x + b = 0, b ∈ R.

Analisemos quando e que esta equacao possui uma unica raiz real em funcaodo parametro b. Basta encontrar b para que −D = 27b+4 seja zero (observeque a = 1 nesta equacao). Concluımos que b = −4/27.

2.3 Equacao de grau 4

Neste paragrafo vamos resolver a equacao geral de grau 4, ou Equacao Quartica.Uma equacao quartica e uma equacao da forma

Ay4 + By3 + Cy2 + Dy + E = 0,

com A 6= 0; embora o metodo que utilizaremos independe da natureza doscoeficientes A,B, C, D, E, como no caso de grau 3, estaremos interessadosapenas no caso de coeficientes reais, isto e, suporemos

A,B,C, D,E ∈ R.

Comecamos escrevendo nossa equacao na forma

y4 +B

Ay3 +

C

Ay2 +

D

Ay +

E

A= 0

Mediante a mudanca de variaveis

y = x +B

4A,

encontramos a equacao equivalente cujo coeficiente cubico e nulo; ou seja,uma equacao da forma

x4 + px2 + qx + r = 0, (2.7)

com p, q, r ∈ R.

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2.3. EQUACAO DE GRAU 4 41

Antes de passar a resolucao propriamente dita, obteremos a relacao entrecoeficientes e raızes de uma equacao polinomial de grau 3, o que e um casoparticular de uma relacao geral que desenvolveremos no capıtulo 2 (ver....);cabe lembrar que o caso de grau 2, que e bem conhecido, foi utilizado paraintroduzir a equacao resolvente da equacao cubica reduzida. De fato, nointuito de generalizar a construcao do metodo de Hudde, precisamos con-hecer apenas como construir os coeficientes de uma equacao de grau 3 quepossua como raızes tres numeros predeterminados; no caso de grau 2, o fatocorrespondente e que α, β sao raızes da equacao

z2 − s1z + s2 = 0,

onde s1 = α + β e s2 = αβ.Sejam α, β, γ ∈ C. Um calculo direto mostra que

(t− α)(t− β)(t− γ) = t3 − s1x2 + s2x− s3,

ondes1 = α + β + γ, s2 = αβ + βγ + αγ, s3 = αβγ.

Ve-se entao que α, β, γ sao raızes da equacao

t3 − s1t2 + s2t− s3 = 0.

2.3.1 Metodo de Euler

O metodo desenvolvido por Leonard Euler (1707-1783) e uma generalizacaomais ou menos imediata do metodo de Hudde, com a complicacao subja-cente do aumento de grau. Cabe salientar, nao obstante, que foi LudovicoFerrari (1522-1565), aluno de Cardano, quem resolveu a equacao quarticana forma reduzida; Cardano tambem publicou o trabalho de Ferrari no seuArs Magna, desta vez com a devida autoria (Veja [2, pag. 422] para maisresenhas historicas).

Comecamos testando uma solucao hipotetica da equacao quartica re-duzida (2.7) da forma

x = u + v + w, (2.8)

com u, v, w ∈ C.Elevando ao quadrado (2.8)obtemos

x2 − (u2 + v2 + w2) = 2(uv + uw + vw);

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42 CAPITULO 2. EQUACOES DE GRAU ≤ 4

elevando mais uma vez ao quadrado e tendo em conta (2.8)obtemos

x4−2(u2 +v2 +w2)x2−8uvwx+(u2 +v2 +w2)2−4(u2v2 +u2w2 +v2w2) = 0.

Comparando esta ultima equacao com (2.7), concluımos que basta deter-minar u, v, w de forma que sejam satisfeitas as seguintes condicoes:

−2(u2 + v2 + w2) = p−8uvw = q(u2 + v2 + w2)− 4(u2v2 + u2w2 + v2w2) = r,

(2.9)

pois u + v + w verifica a equacao (2.7).Finalmente, elevando ao quadrado a segunda das equacoes (2.9) e sub-

stituındo a primeira na terceira, obtemos

u2 + v2 + w2 = −p2

u2v2w2 = q2

64

u2v2 + u2w2 + v2w2 = p2

16− r

4.

Portanto, para x = u+v+w ser solucao de (2.7), devemos necessariamenteter que u2, v2, w2 sao raızes da equacao cubica

t3 +p

2t2 +

(p2

16− r

4

)t− q2

64= 0. (2.10)

A equacao (2.10) e a Resolvente da Equacao Quartica Reduzida.De maneira analoga a como fizemos no metodo de Hudde, se t1, t2, t3 sao

as raızes de (2.10), escolhemos u, v, w de forma que

(i) u2 = t1, v2 = t2, w2 = t3, e (ii) uvw = −q

8.

Mais precisamente, de (i) obtemos

u = ±√t1, v = ±√t2, w = ±√t3,

donde temos oito possibilidades para u+v+w. Utilizando (ii), eliminaremosquatro destas; na pratica, escolhemos os quatro pares de valores de, porexemplo, u e v, segundo (i), e de (ii) obtemos os correspondentes valors dew.

Embora o discriminante tambem possa ser definido para a equacao quarticanao e possıvel fazer uma discussao sobre a natureza das raızes (no caso de

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2.4. EXERCICIOS 43

p, q, r ∈ R, que embora nao seja necessario para a aplicacao do metodo deEuler, estamos supondo desde o inıcio) de maneira tao contundente comono caso de grau 3. Nao obstante, temos uma descricao bastante precisa emtermos da natureza da equacao resolvente, cuja demonstracao fica a cargo doleitor:

(i) Se (2.10) possui tres raızes positivas, entao (2.7) possui quatro raızesreais.

(ii) Se (2.10) possui uma raiz positiva e duas negativas distintas, entao(2.7) possui quatro raızes imaginarias conjugadas duas a duas.

(iii) Se (2.10) possui uma raiz positiva e uma negativa doble, entao (2.7)possui uma raiz doble real y duas imaginarias conjugadas.

(iv) Se (2.10) possui uma raiz positiva e duas complexas conjugadas, entao(2.7) possui duas raızes reais diferentes y duas imaginarias conjugadas.

Observacao 2.3.1. No caso onde q = 0, a equacao (2.7) e biquadrada e pode-mos resolve-la de maneira elementar. Se r = 0 entao x = 0 e solucao e bastaentao resolver uma equacao de grau 3. Por outro lado, o caso geral requere, namaior parte das situacoes, de calculos intrincados, pois geralmente a equacaoresolvente nao estara na forma reduzida; porem, quando p = 0, estaremoslidando com um caso suficientemente geral como para estarmos obrigadosa usar o metodo de Euler, mas com uma significativa simplificacao, pois aresolvente estara na forma reduzida: daremos exemplos so nesta situacao.

Exemplos 2.3.2. ...exemplos onde a resolvente seja uma das dos exemplosanteriores....

2.4 Exercıcios

2.4.1

Resolva as equacoes cubicas seguintes: a) x3+9x−6 = 0; b) x3−18x−30 = 0;c) x3 + 18x + 50 = 0; d) x3 − 2x + 1 = 0; e) y3 − 9y2 − 9y − 15 = 0; f)y3 − 3y2 + 12y + 16 = 0.

2.4.2

Faca a discussao das equacoes cubicas do exercıcio 2.4.1.

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44 CAPITULO 2. EQUACOES DE GRAU ≤ 4

2.4.3

Encontre a para que a equacao x3 + ax + 1 = 0 possua solucoes multiplas.

2.4.4

Mostre que a equacao x3 − ax + 2 = 0 possui tres raızes reais se e somentese a ≥ 3.

2.4.5

Escreva as seguintes equacaoes quarticas na forma reduzida e monte a resol-vente correspondente a cada uma delas: a) x4 + x3 − 3x2 + 6x − 2 = 0; b)y4 + 2y3 − y2 + 2y − 1 = 0.

2.4.6

Escreva as equacoes quarticas na forma reduzida cuja resolvente e cada umadas tres primeiras equacoes cubicas do exercıcio 2.4.1.

2.4.7

Determine as solucoes das seguintes equacaoes quarticas: a) x4− 3x2 + 6x−2 = 0; b) y4 − y2 + 2y − 1 = 0.

2.4.8

Encontre o quociente e o resto de dividir a(x) por b(x) onde o par (a(x), b(x))e um dos seguintes:

a) (3x4−x2−2, x2−1); b) (ıx3+(4−2ı)x+1, x2+1); c) (x5+3x3, x3+x+1);d) (xn − 1, x− 1), n ∈ N; e) (x4 + 1, x + ı); f)(x6 − 1, x− 1− ı

√3).

2.4.9

Mostre que para todo inteiro n ≥ 1 vale a seguinte igualdade:

yn+1 − zn+1 = (y − z)(yn + yn−1z + yn−2z2 + · · ·+ yzn−1 + zn)

(sugestao: divida por zn+1 e introduza a nova variavel x := y/z).

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2.4. EXERCICIOS 45

2.4.10

Para os polinomios abaixo analise a irredutibilidade e encontre os divisorescorrespondentes em R[x] e C[x] respectivamente, quando isto fizer sentido:

a) 3x4 − x2 − 2; b) x2 + x + 1; c) x4 + x; d) x2 − ıx + 1; e) x3 − 6x− 9.

2.4.11

Considere o polinomio f(x) = 2x4 − 4x3 + 4x − 2. Sabendo que f(1) =f(−1) = 0, encontre todos os divisores monicos de f(x) em R[x].

2.4.12

Idem que no exercıcio 2.4.11, mas em R[x] e tambem em C[x], para com opolinomio g(x) = x4 + x3 − x− 1 sabendo que

g

(−1

2+ ı

√3

2

)= g

(−1

2− ı

√3

2

)= 0.

2.4.13

Encontre um polinomio de grau 5, a coeficientes reais, que possua as raızes0, ı e 1− ı. Quantos polinomios existem com esta propriedade ?

2.4.14

Sem fazer a divisao, mostre que o polinomio f(x) := x3 + 6x2 + 11x + 6 edivisıvel por x + 1, x + 2 e x + 3; deduza que f(x) e um produto de trespolinomios lineares.

2.4.15

De exemplos de:

a) polinomio irredutıvel em R[x] de grau 2; b) polinomios irredutıveis emQ[x] de graus 2 e 3 que sejam redutıveis em R[x].

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46 CAPITULO 2. EQUACOES DE GRAU ≤ 4

2.4.16

Encontre o polinomio b(x) de grau 3 que satisfaz as condicoes seguintes:

b(0) = 0, b(1) = 0, b(−1) = 1, b(2) = −1.

2.4.17

Considere um polinomio monico de grau n ≥ 1. Mostre que o termo inde-pendente e (−1)n vezes o produto das suas raızes e que o termo de grau n−1e o oposto da soma destas. Pode dizer alguma coisa sobre os outros termos?

2.4.18

Seja f(x) =∑n

k=0 akxk ∈ C[x] um polinomio monico de grau n tal que

f(0) = 1; notemos α1, . . . , αn ∈ C suas raızes. Mostre que

−a1 =n∑

i=1

1

αi

(sugestao: utilize o exercıcio 2.4.17).

2.4.19

Utilizando a relacao entre coeficientes e raızes de um polinomio, demonstrea formula

(x + a)n =n∑

i=0

(n

i

)xn−iai,

onde(

ni

)indica o numero de combinacoes de n elementos tomados de i em

i, isto e (n

i

)=

n!

(n− i)! i!,

cenhecida como formula do Binomio de Newton.

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Capıtulo 3

Polinomios

3.1 Introducao

Neste capıtulo estudaremos de maneira mais abstrata as expressoes que de-finem nossas equacoes algebricas. Mais precisamente analisaremos o vınculoexistente entre a natureza dos coeficientes encontrados numa tal expressao ea natureza da expressao em si; afim de esclarecer, vejamos um exemplo.

Exemplo 3.1.1. Consideremos a equacao x2−3 = 0; como sabemos e possıvelescrever x2−3 = (x−√3)(x−√3), onde±√3 sao as solucoes da equacao. Ob-servemos, por um lado, que os coeficientes envolvidos na equacao de grau doissao numeros racionais enquanto as solucoes desta sao irracionais; por outrolado, a existencia das solucoes nos permitiu fatorar a expressao quadraticacomo produto de duas expressoes lineares cujos coeficientes deixam de serracionais. Nao e dificil de se convencer que a equacao quadratica original,nao pode ser fatorada como produto de duas expressoes lineares com coefi-cientes racionais (tente demonstrar isto).

3.2 O Anel de polinomios

Seja D um domınio de integridade (veja definicao 1.6.1).

Definicao 3.2.1. Um polinomio com coeficientes em D e uma expressao daforma

f(x) = a0 + a1x + · · ·+ an−1xn−1 + anxn,

47

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48 CAPITULO 3. POLINOMIOS

onde n e um inteiro nao negativo e a0, a1, · · · , an−1, an ∈ D; ai chama-seo coeficiente i-esimo de f(x), i = 0, . . . , n. Se an 6= 0 dizemos que an e ocoeficiente lıder e que o inteiro n e o grau de f(x).

Dois polinomios

f(x) =n∑

k=0

akxk, g(x) =

m∑j=0

bjxj

sao iguais se para todo inteiro nao negativo i tal que ai 6= 0 ou bi 6= 0, temos

ai = bi;

desta forma o polinomio f(x) e igual, por exemplo, ao polinomio

n∑

k=0

akxk + 0xn+1.

Definimos o Polinomio Nulo que denotaremos 0(x) ou, quando nao hou-ver motivo para ambiguidade, simplesmente 0 como sendo qualquer um dospolinomios iguais cujos coeficientes sao todos nulos; de maneira equivalente,o polinomio nulo e qualquer polinomio que nao possui coeficiente lıder. Demaneira analoga, o Polinomio Unidade ou Polinomio Um e o polinomio degrau 0 cujo coeficiente lıder e

a0 = 1.

Denotaremos D[x] o conjunto de todos os polinomios com coeficientes emD, isto e

D[x] := {n∑

k=0

akxk : n ≥ 0, a0, . . . , an ∈ D}.

Por outro lado, os polinomios de grau 0 sao aqueles cujo coeficiente lıderacompanha a potencia x0 de x, isto e, aqueles polinomios que nao possuemindeterminada. Segundo nossa nocao de igualdade acima, podemos consid-erar estes polinomios como sendo iguais a um unico elemento do domınio D;desta maneira, podemos considerar o domınio D como estando contido noconjunto dos polinomios com coeficientes em D; simbolicamente, podemosentao escrever

D ⊂ D[x];

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3.2. O ANEL DE POLINOMIOS 49

em particular estamos identificando o zero e a unidade de D com o polinomionulo e o polinomio unidade respectivamente.

Aos efeitos do objetivo destas notas, podemos supor que o domınio D eum dos seguintes:

Z,Q,R,C;

nao obstante, e a tıtulo informativo (e porque nao, formativo), vamos ver al-guns exemplos de polinomios com coeficientes em outros domınios e tambemcom coeficientes em um anel comutativo com unidade (veja definicao 1.6.1)que nao e um domınio.

Comecemos lembrando os conjuntos de inteiros modulo um inteiro posi-tivo. Formalmente, e o conjunto de classes de equivalencia em Z associadoa relacao de equivalencia ser congruo a. Mais precisamente, seja r ∈ N uminteiro positivo; dados m,n ∈ Z, dizemos que m e congruo a n (ou que m en sao congruos) modulo r, o que denotamos

m ≡ n (mod r) ,

se m − n e multiplo de r. Pela teoria da divisibilidade de numeros inteiros,e claro que dado um inteiro m arbitrario ele pode ser congruo a apenas umdos r inteiros

0, 1, . . . , r − 1.

Denotamos por i o conjunto de todos os inteiros congruos a i ∈ {0, 1, . . . , r−1}; podemos imaginar que aqueles inteiros que sao congruos a um mesmointeiro i possuem uma mesma cor, tendo cores diferentes aqueles nao congruosa ele; desta forma existirao r cores diferentes de inteiros, onde cada corcorresponde a uma unica classe.

DenotamosZr := {0, 1, . . . , r − 1},

o conjunto de classes de congruencia modulo r (ou cores diferentes). Us-ando as propriedades da divisibilidade (como apreendidas nos cursos ele-mentares de aritmetica) ve-se sem dificuldade que Zr e um anel comutativocom unidade. Alem disso, Zr e um domınio se e somente se n e um numeroprimo, pois ab = 0 se e somente se r divide ab: se r for primo, entao n dividea ou b; reciprocamente, se r nao for primo entao ele e produto de dois inteirospositivos a, b ≤ n− 1.

Observacao 3.2.2. De fato Zr e um corpo se e somente se r e um numeroprimo. Com efeito, e suficiente mostrar que todo elemento diferente de 0

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50 CAPITULO 3. POLINOMIOS

possui inverso se e so se p e um numero primo; se a ∈ Z nao e divisıvel porp entao mdc(p, a) = 1. Portanto existem m,n ∈ Z tais que

am + pn = 1.

Entao am ≡ 1 ( mod p) o que significa que m e inverso de a em Zr. Deix-amos como exercıcio para o leitor a verificar que a recıproca desta afirmacaotambem e verdadeira.

Exemplo 3.2.3. Consideremos Z6. Temos que 2 · 3 = 6 = 0 em Z6. Como2 6= 0 e 3 6= 0 concluımos que Z6 nao e um domınio de integridade.

Vamos agora observar como as operacoes elementares em D “induzem”operacoes elementares em D[x] compatıveis com a inclusao D ⊂ D[x].

Sejam f(x) =∑n

i=0 aixi e g(x) =

∑mj=0 bjx

j polinomios em D[x]. Semperda da generalidade suporemos n ≥ m. Podemos entao escrever

g(x) =n∑

j=0

bjxj

onde bm+1 = bm+2 = · · · = bn = 0.Soma: A soma f(x) + g(x) de f(x) e g(x) e a expressao

f(x) + g(x) :=n∑

k=0

(ak + bk)xk.

Como ak + bk = bk +ak ∈ D concluımos por ou lado que f(x)+ g(x) ∈ D[x] epor outro lado que f(x)+g(x) = g(x)+f(x), isto e, que a soma e comutativa;o leitor podera verificar sem dificuldade que tambem e associativa.

E facil verificar que o polinomio nulo 0(x) e o neutro da soma (faca-o !).Denotamos −f(x) :=

∑ni=0(−ai)x

i onde −ai e o simetrico do elementoai. Temos entao f(x) + (−f(x) = 0(x) donde concluımos que −f(x) e osimetrico de f(x).

Multiplicacao O produto f(x) · g(x) de f(x) e g(x) e a expressao

f(x) · g(x) :=n+m∑

k=0

ckxk,

onde

ck :=∑

i+j=k

aibj = (a0bk + a1bk−1 + · · ·+ akb0), k = 0, . . . , n + m.

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3.3. TEORIA DA DIVISIBILIDADE EM D[X] 51

Evidentemente f(x) · g(x) = g(x) · f(x) ∈ D[x]. O leitor pode verificar queeste produto ou multiplicacao de polinomios e uma operacao associativa.Quando nao houver lugar para confusao denotaremos f(x) ·g(x) = f(x)g(x).

Da definicao de produto concluımos que se f(x) e g(x) nao sao nulos, ouseja an 6= 0 e bm 6= 0. Como D e um domınio de integridade anbm = cn+m 6= 0o que implica que f(x)g(x) 6= 0 (propriedade (D) de domınio de integridade(1.6.1)). Entao

grau(f(x)g(x)) = grau f(x) + grau g(x) = n + m.

Como ja vimos no caso de domınios de integridade, a propriedade (D)equivale a dizer que f(x)g(x) = 0 implica f(x) = 0 ou g(x) = 0.

O polinomio unidade 1(x) e o neutro da multiplicacao (demonstre isto !).Analisemos agora a existencia de inverso para a multiplicacao. Suponhamosque f(x) nao e o polinomio nulo, isto e, an 6= 0. Suponhamos tambem quef(x)g(x) = 1(x). Entao f(x)g(x) tem grau 0, donde colcluımos que f(x) eg(x) tem graus 0. Portanto a0 6= 0, b0 6= 0 e a0 = b0 = 1 e entao os unicospolinomios que possuem inverso sao os polinomios constantes, onde as con-stantes correspondentes sao invertıveis em D; dito de outra forma, o conjuntode poinomios invertıveis em D[x] e o conjunto de elementos invertıveis de D.

O seguinte teorema resume as propriedades estruturais de D[x] relativasas operacoes de soma e multiplicacao, cuja demonstracao deixamos para oleitor.

Teorema 3.2.4. A tripla (D[x], +, ·) e um domınio de integridade cujos in-vertıveis sao os invertıveis de D.

3.3 Teoria da Divisibilidade em D[x]

Dado que D[x] nao e um corpo, sabemos que nao teremos uma divisao exataem D[x], da mesma forma que ocorre com Z. Gostariamos entao de ter umargorıtmo da divisao “nao exata” analogo ao que temos no domınio Z deforma a poder dividir um polinomio por outro obtendo um quociente e umresto. Mais precisamente, consideremos polinomios f(x), g(x) ∈ D[x]; nosperguntamos se existem polinomios q(x) e r(x), tambem em D[x], tais que

(i) f(x) = g(x)q(x) + r(x)onde r(x) e “menor” que g(x) em algum sentido que nao e muito claro

pois ate o momento nao temos definido uma relacao de ordem no conjuntoD[x] dos polinomios.

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52 CAPITULO 3. POLINOMIOS

De acordo com as propriedades das potencias, quando pegarmos f(x) =xn e g(x) = xm, nosso metodo deverıa fornecer um quociente q(x) = xn−m eum resto r(x) = 0 (o polinomio nulo); como xn−m e um polinomio so no casoonde n ≥ m, deveriamos pedir grau(f) ≥ grau(g).

Como inspiracao, lembremos a divisao nao exata de numeros inteirosescritos na base dez. Sejam

a = an10n + an−110n−1 + · · ·+ a110 + a0,

com 0 ≤ an, an−1, . . . , a1, a0 ≤ 9 inteiros, e b > 0 um inteiro ≤ a. O algorıtmoda divisao que apreendemos na escola e mais ou menos assim: calculamos onumero de vezes que b “cabe” dentro de an10n (an e o numero de unidadesquando n = 0, de dezenas quando n = 1, de centenas quando n = 2, etc)digamos q1, que seria um quociente parcial, e subtraımos bq1 de a obtendoum resto parcial r1; se r1 e zero, a divisao acabou e dizemos que b dividea. Se r1 6= 0, nos perguntamos se r1 e ≥ b; caso negativo, a divisao acaboue escrevemos q = q1 e r = r1. Caso afirmativo, o procedimento se repetesubtraındo de r1 o numero maximo q2 de vezes que b cabe em r1; obtemos

a− bq1 − bq2 = r2,

com r2 < r1 e q2 < q1. E recomecamos ate obter um resto parcial que seja0 ou menor que b. Como os restos parciais diminuem a cada passo, estamoscertos que o procedimento deve para. O ultimo resto parcial e a soma dosquocientes parciais sao, respectivamente, o resto e o quociente da divisao.

Exercıcio 3.3.1. Faca a divisao de 1235 = 103 + 2 · 102 + 3 · 10 + 5 por 4 dojeito descrito acima.

Voltando aos polinomios, para generalizar o procedimento descrito acimaao caso destes, podemos tratar as potencias de x como as potencias de 10para os numeros; em particular isto nos sugere que o “tamanho”, que seriaa magnitude a fazer decrescer no processo de divisao do polinomio, seraentendido como sendo o grau deste. Alem disto, o numero de vezes que bcabe em an10n deve ser substituıdo pelo numero de vezes que o termo demaior grau de g(x) cabe dentro do termo de maior grau de f(x) e assim pordiante; em particular, no caso dos polinomios, um quociente parcial, deveraforcosamente ter grau menor ou igual que o grau de f(x) e cada quocienteparcial tera grau menor que o anterior.

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3.3. TEORIA DA DIVISIBILIDADE EM D[X] 53

Guiados pela disgressao precedente, estamos prontos agora para construirum algorıtmo da divisao de polinomios de forma coerente com o que ja sabe-mos. Escrevamos

f(x) = anxn + f(x), g(x) = bmxm + g(x),

onde n ≥ m e f(x), g(x) sao polinomios de graus menores que n e m respec-tivamente. Como xn−m ∈ D[x], podemos escrever

q1(x) =an

bm

xn−m, r1(x) = f(x)− g(x)q1(x) = f(x)− g(x)q1(x);

se r1(x) = 0 a divisao acabou e temos q(x) = q1(x). Se r1(x) 6= 0, nos pergun-tamos se grau r1(x) ≥ grau g(x). Se a resposta e negativa, a divisao tambemacabou e temos r(x) = r1(x) e q(x) = q1(x). Caso afirmativo, recomecamoso procedimento, ate obter um resto parcial que, ou e zero, ou possui graumenor que grau g(x). Como o grau dos restos parciais diminui a cada iteracaodo procedimento, desde que nao tenha se tornado nulo, concluımos que estedeve parar apos um numero finito de iteracoes; de fato, precisamos nao maisdo que grau f(x) aplicacoes do procedimento.

Por outro lado, observemos que no procedimento empregado, precisamosdividir por bm a cada passo. Se pretendermos que os resultados obtidos dadivisao sejam polinomios com coeficientes no domınio D onde f(x) e g(x)tem os seus, devemos pedir que bm seja um invertıvel em D. Por exemplo,no caso onde D = Z, as unicas possibilidades sao bm = 1 ou bm = −1. Nocaso onde D for um corpo, a divisao sera possıvel para todo bm 6= 0.

De fato temos o seguinte teorema:

Teorema 3.3.1. Sejam f(x), g(x) ∈ D[x] polinomios de graus n e m re-spectivamente (em particular, ambos diferentes de zero). Se n ≥ m e ocoeficiente lıder de g(x) e invertıvel em D, entao existem unicos polinomiosq(x), r(x) ∈ D[x] tais que

(i) f(x) = g(x)q(x) + r(x), (ii) r(x) = 0 ou grau(r) < grau(g).

Demonstracao. A existencia de q(x) e r(x) foi demonstrada de maneira maisou menos rigorosa acima. Para demonstrar a unicidade, suponhamos que

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54 CAPITULO 3. POLINOMIOS

temos q′(x), r′(x) ∈ D[x] tambem satisfazendo (i) e (ii) e demonstremos queentao q(x) = q′(x) e r(x) = r′(x).

De (i) obtemos

g(x)(q(x)− q′(x)) = r′(x)− r(x). (3.1)

Suponhamos por um momento que r′(x) 6= r(x). Entao r′(x) − r(x) 6= 0,donde q(x) − q′(x) 6= 0, pois g(x) 6= 0 e D[x] e um domınio de integridade.Mas entao o lado direito da equacao (3.1) tem grau ≥ graug(x) enquanto olado esquerdo, gracas a condicao (ii), tem grau < graug(x): contradicao !

Concluımos que nossa suposicao, isto e, que r′(x) 6= r(x) nao esta correta.Logo r′(x) = r(x), e entao q(x) = q′(x), pela equacao (3.1).

Observacao 3.3.2. No caso onde f(x) = 0, a divisao por qualquer g(x) 6= 0e evidentemente possıvel obtendo q(x) = r(x) = 0. No caso onde f(x) eg(x) forem polinomios em Z[x], o coeficiente lıder de g(x) deve ser 1 ou−1, pois sao estes os unicos inverıtiveis em Z; em particular, quando f(x) eg(x) forem polinomios constantes em Z[x], isto e, numeros inteiros, a divisaoentre eles pensados como numeros inteiros nao esta contemplada no teoremaprecedente, salvo quando g(x) = ±1.

Definicao 3.3.3. Sejam f(x), g(x) ∈ D[x], onde g(x) 6= 0. Dizemos que f(x)e divisıvel por g(x) em D[x], o que denotamos g(x)|f(x), quando podemosdividir f(x) por g(x) obtendo resto 0.

Exemplos 3.3.4. (a) Se D e um domınio e g(x) = b0 e um polinomio constantecom b0 invertıvel em D (isto e, existe a ∈ D tal que ab0 = 1), entao

f(x) = b0 · ( 1

b0

f(x)).

Pela unicidade do teorema, temos

q(x) =1

b0

f(x), r(x) = 0.

(b) Se g(x) e um polinomio monico, entao a divisao como no teorema esempre possıvel. E facil ver que neste caso o coeficiente lıdr do quociente e omesmo que o coeficiente lıder de f(x).

(c) Seja g(x) = x + a, a ∈ D. Pelo teorema,

f(x) = (x + a)q(x) + r(x) (3.2)

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3.3. TEORIA DA DIVISIBILIDADE EM D[X] 55

onde r(x) = 0 ou grau(r) < grau(g) = 1. Concluımos que r(x) e constante,isto e, zero ou uma constante nao nula r = r(x). Substituindo x por −a naequacao (3.2), obtemos o resto

r = f(−a).

(d) Consideremos f(x) = 3x4−5x3 +2x2−x+6, g(x) = x2−3x+1; peloteorema obteremos quociente e resto q(x), r(x) em Z[x]. Usando as notacoesintroduzidas anteriormente, obtemos

q1(x) = 3x2, r1(x) = 4x3 − x2 − x + 6.

Como graur1(x) ≥ graug(x) repetimos o procedimento, obtendo

q2(x) = 4x, r2(x) = 11x2 − 5x + 6;

repetindo mais uma vez

q3(x) = 11, r3(x) = 28x− 5.

Concluımos

q(x) = q1(x) + q2(x) + q3(x) = 3x2 + 4x + 11, r(x) = r3(x) = 28x− 5.

O exemplo (c) acima e conhecido como Teorema do Resto:

Teorema 3.3.5 (do Resto). O resto da divisao de f(x) ∈ D[x] por x + a ef(−a).

Este teorema, que parece apenas uma simples observacao e muito impor-tante. De fato, e a chave para compreender o vınculo entre a teoria algebricaque comecamos a desenvolver neste capıtulo e o nosso objetivo principal, asaber, o de resolver equacaoes polinomiais. Para precisar isto, comecamoscom uma definicao, onde estamos considerando a situacao em que D e umdomınio qualquer contido dentro do corpo dos numeros complexos, como porexemplo Z, Q, R ou mesmo o proprio C.

Definicao 3.3.6. Sejam f(x) ∈ D[x] e α ∈ C. Dizemos que α e raiz de f(x)se f(α) = 0.

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56 CAPITULO 3. POLINOMIOS

O teorema do resto nos da imediatamente o seguite vınculo espetacularque traduz esta nocao em termos de divisibilidade, conhecido como Teoremade Ruffini, e cuja demonstracao e deixada para o leitor:

Corolario 3.3.7 (Teorema de Ruffini). Um numero complexo α ∈ C e raizde um polinomio f(x) ∈ D[x] se e somente se f(x) e divisıvel por x− α.

A sguir descrevemos o chamado esquema de Ruffini (veja figura abaixo)para dividir um polinomio da forma

f(x) =n∑

i=0

aixi,

por x − a. Como no algoritmo da divisao comecamos dividindo por x, oprimeiro quociente parcial e q1(x) = anxn−1; multiplicando por x− a e sub-traındo de f(x) obtemos

r1(x) = (ana + an−1)xn−1 + an−2x

n−2 + · · ·+ a1x + a0.

Repetindo o procedimento obteremos entao

q2(x) = (an−1+aan)xn−2, r2(x) = (ana2+an−1a+an−2)x

n−2+an−3xn−3+· · ·+a0.

Nao e difıcil de se convencer que os coeficientes do quociente e o restor(x) podem ser obtidos da seguinte forma: escrevemos numa linha horizon-tal todos os coeficientes de f(x), da direita para a esquerda, comecando pelolıder e nao esquecendo aqueles que sao nulos. Os coeficientes do quocientesao, escritos na mesma ordem: o lıder e o proprio an; para o seguinte multi-plicamos o anterior (isto e, o lıder neste caso) por a e somamos o resultadocom o proximo coeficiente da linha horizontal, ou seja, com an−1; para obtero terceiro coeficiente de q(x) repetimos o procedimento arterior, ou seja, mul-tiplicamos o coeficiente obtido precedentemente por a e somamos o resultadocom o terceito da linha horizontal, isto e, com an−2; etc...O resto r(x) sera oultimo resultado obtido pelo procedimento anterior, que e precisamente

f(a) = anan + an−1an−1 + · · ·+ a1a + a0;

em particular redemonstramos o teorema do Resto 3.3.5.Figura com esquema de Ruffini

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3.3. TEORIA DA DIVISIBILIDADE EM D[X] 57

Exemplo 3.3.8. Consideremos o polinomio

f(x) = x4 + bx2 − cx + 4

com b, c ∈ R. Encontremos b, c para que o polinomio tenha raızes 1 e −1.Aplicando o corolario 3.3.7 temos um sistema de equacoes

b− c = −5; b + c = −5.

Concluımos b = −5 e c = 0.

Exemplo 3.3.9. Consideremos o polinomio

f(x) = x2 + bx + c

com b, c ∈ R. Se quisermos encontrar b, c para que o polinomio tenha raizdupla igual a 1, o metodo utilizado no exemplo anterior nao funciona poisobteremos a mesma equacao duas vezes (verifique isto !). Por outro lado, se ofato de um polinomio possuir raiz 1 equivale a este polinomio ser divisıvel por(x−1), e razoavel pensar que ter raiz dupla 1 equivalha ao fato do polinomiopoder ser dividido duas vezes por (x − 1) (observe que talvez ainda naotenhamos muito claro o que significa um polinomio ter raiz dupla); comoveremos, a e esta a definicao correta da nocao de raiz dupla. Levando istoem consideracao, podemos dividir f(x) por (x− 1) e logo dividir o quocienteobtido tambem por (x − 1): ambos restos deverao ser nulos. Aplicando oesquema de Ruffini o primeiro resto e 1 + b + c, o primeiro quociente temcoeficientes 1 e b + 2 e e o segundo resto e b + 2. Concluımos que b = −2 ec = 1.

Exercıcio 3.3.2. Trabalhando como no exemplo precedente obtenha condicoespara que o polinomio geral de grau 2 possua uma raiz dupla α; compare oresultado obtido com o que ja sabe da discussao da equacao quadratica.

O teorema de Ruffini (corolario 3.3.7) pode ser generalizado; no momentoestamos em condicoes de generalizar apenas uma das implicacoes (para aimplicacao recıproca veja proposicao 3.5.1):

Proposicao 3.3.10. Sejam f(x), g(x) ∈ D[x]. Se g(x)|f(x), entao toda raizde g(x) e raiz de f(x).

Demonstracao. Temos f(x) = g(x)q(x) para certo q(x) ∈ D[x]. Se α ∈ C euma raiz de g(x), entao

f(α) = g(α)q(α) = 0,

donde segue o resuntado.

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58 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Quando estudamos aritmetica em Z partimos do algorıtmo da divisaopara logo definirmos o conceito de divisor de um numero. Entre os divisores,encontramos alguns muito especiais: por um lado, aqueles “triviais” que saoo proprio numero ou seu oposto, e ±1. Por outro lado, encontramos certosnumeros que admitem apenas divisores trivias como estes; quando positivos,chamamos esses numeros de numeros primos. Depois demonstramos o teo-rema fundamental da Aritmetica que diz que todo numero positivo fatora-secomo produto de numeros primos; se o numero e negativo, multiplicamos por−1 a fatoracao do seu valor absoluto.

Agora que temos em D[x] um algorıtmo de divisao, podemos nos pergun-tar sobre a fatoracao de um polinomio como produto de fatores “primordiais”,que nao acietam mais fatoracao que aquelas trivias; observe que fatores dotipo x − α correspondem a raızes do polinomio em questao. Vamos entaodefinir os conceitos equivalentes, para polinomios, daqueles de numero primoe divisor trivial de um numero inteiro.

A seguinte definicao e bastante intuitiva e omitimos comentarios (reflitasobre ela; veja o exemplo (a) acima)

Definicao 3.3.11. Seja f(x) ∈ D[x]. Os divisores triviais de f(x) sao ospolinomios constantes d(x) = d ∈ D e os polinomios da forma df(x), onde de invertıvel em D.

Depois de termos a nocao de divisor trivial, o equivalente ao conceito denumero primo decorre imediatamente:

Definicao 3.3.12. Seja f(x) ∈ D[x] um polinomio de grau ≥ 1. Dizemosque f(x) e irredutıvel, se seus unicos divisores em D[x] sao os trivias. Casocontrario dizemos que f(x) e redutıvel.

Vejamos alguns exemplos para exclarecer esta nocao.

Exemplos 3.3.13. (a) Seja f(x) = ax+ b ∈ D[x]. Suponhamos primeiramenteque D = Z. Seja d = mdc(a, b) ∈ Z. Temos

f(x) = d(a′x + b′),

onde mdc(a′, b′) = 1. Se d > 1, entao d e um divisor nao trivial em D[x] poisnao e invertıvel em D. Concluımos que, neste caso, f(x) e redutıvel.

Se d = 1, suponhamos que f(x) possui um divisor g(x) ∈ Z; entao

ax + b = g(x)q(x).

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3.3. TEORIA DA DIVISIBILIDADE EM D[X] 59

Por causa do grau de f(x) ser um, concluımos que g(x) ou q(x) devem serconstantes; digamos g(x) = a1x + b1 e q(x) = c ∈ Z. Entao

a = a1c, b = b1c,

donde c|mdc(a, b). Como mdc(a, b) = d = 1, que e invertıvel, concluımos quef(x) e irredutıvel.

Finalmente, no caso onde D e um corpo, e evidente que f(x) = ax + bsera sempre irredutıvel.

(b) Consideremos o polinomio

f(x) = x2 − 2 ∈ Z[x].

E claro que temos a fatoracao

x2 − 2 = (x−√

2)(x +√

2),

o que mostra que f(x) e redutıvel em R[x] e tambem em C[x]. Porem elee irredutıvel em Q[x]: com efeito, soponhamos que f(x) possui um divisornao trivial em Q[x]. Por causa do grau de f(x) ser 2, a unica possibilidadee termos

x2 − 2 = (ax + b)(a1x + b1),

com a, b, a1, b1 ∈ Q. Um calculo facil mostra que

aa1 = 1, ab1 + ba1 = 0, bb1 = −2.

Multiplicando por ab1 a igualdade do meio, obtemos

a2b21 − 2 = 0,

que nao possui solucao em Q (observe que ab1 6= 0). Entao a fatoracao acimanao e possıvel em Q[x].

Um calculo ainda mais simples mostra que o polinomio x2−2 e irredutıvelem Z[x]: com efeito, de aa1 = 1 obtemos a = ±1 e a1 = ±1; de bb1 = −2obtemos b = ±1, b1 = ±(−2). Estes valores para a, a1, b, b1 sao incompatıveiscom a equacao do meio ab1 + ba1 = 0.

(c) Seja f(x) = 3x2 − 6. E redutıvel em Z[x] pois fatora-se como

3(x2 − 2)

sendo 3 ∈ Z um divisor nao trivial em Z[x]; trabalhando como no exemplo(b) mostra-se que o polinomio e irredutıvel em Q[x] e redutıvel quando D = Rou D = C.

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60 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Quando estudamos aritmetica em Z, um inteiro n e seu oposto −n pos-suem os mesmos divisores; isto deve-se ao fato de podermos passar de umpara o outro multiplicando por −1 que e um invertıvel de Z. Temos umfenomeno analogo em D[x], e o conteudo da seguinte definicao.

Definicao 3.3.14. Dizemos que dois polinomios f(x), g(x) ∈ D[x] sao asso-ciados em D[x] (ou sobre D), denotando f(x) ∼ g(x), se possuem os mesmosdivisores.

Se f(x) ∼ g(x) em D[x], como f(x)|g(x) e g(x)|f(x), temos

f(x) = g(x)q(x), g(x) = f(x)q′(x).

Entao f(x) = q(x)q′(x)f(x), donde segue que, ou f(x) = g(x) = 0, ou, casocontrario q(x) e q(x) sao invertıveis em D[x], isto e, sao constantes invertıveisem D. Isto demonstra o seguinte resultado:

Proposicao 3.3.15. Dois polinomios f(x), g(x) ∈ D[x] sao associados emD[x] se e somente se f(x) = ag(x) com a ∈ D invertıvel; neste caso g(x) =bf(x) com b ∈ D tal que ab = 1.

Exemplo 3.3.16. Os polinomios 3x2 − 6 e x2 − 2 nao sao associados em Z[x],pois o primeiro e multiplo do segundo via uma constante que nao e invertıvelem Z.

A demonstracao do seguinte corolario (da proposicao precedente) e deix-ada como exercıcio para o leitor.

Corolario 3.3.17. Se f(x), g(x) ∈ D[x] sao polinomios associados, entaof(x) e irredutıvel em D[x] se e somente se g(x) e irredutıvel em D[x] .

Definicao 3.3.18. Seja f(x) =∑n

i=0 aixi ∈ Z[x]. O conteudo de f(x) e o

maximo divisor comum dos coeficientes

c(f) := mdc(a0, . . . , an).

Exemplo 3.3.19. Se f(x) = 3x2 − 6, temos c(f) = 3.

A seguinte proposicao, cuja demonstracao daremos mais adiante (veja ademonstracao antes do lema 3.6.2) explica o fenomeno aparentemente naointuitivo que acontece com o polinomio 3x2−6 que e irredutıvel sobre Q masnao sobre Z que e um domınio muito menor (e entao com menos possibilidadede escolha para os coeficientes).

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3.3. TEORIA DA DIVISIBILIDADE EM D[X] 61

Proposicao 3.3.20. Seja g(x) ∈ Z[x]. Suponhamos que g(x) e irredutıvelem Q[x]. Se c(g) = 1, entao g(x) e irredutıvel em Z[x].

Vamos agora introduzir os conceitos de maximo divisor comum e mınimomultiplo comum de dois ou mais polinomios. Comecemos pelo primeiro: eimportante observar as diferencas entre os casos onde D e Z e D e um corpo(de fato arbitrario contendo Z, mas nos sempre pensaremos nos casos ondeo corpo e um dos dos tres corpos Q, R e C).

Definicao 3.3.21. Sejam f(x), g(x) ∈ D[x] polinomios nao ambos nulos.Seja d(x) ∈ D[x] um polinomio que, quando D for um corpo suporemosmonico e quando D = Z suporemos de coeficiente lıder positivo. Dizemosque d(x) e o maximo divisor comum de f(x) e g(x) se satisfaz as seguintescondicoes:

(i) d(x)|f(x) e d(x)|g(x).(ii) se c(x)|f(x) e c(x)|g(x), entao c(x)|d(x). Neste caso denotamos

mdc(f, g) := d(x)

Exemplo 3.3.22. Se f(x) = −3x2 + 6 e g(x) = 12x2 − 24 e mais ou menosevidente que mdc(f, g) = 3x2 − 6 em Z[x] mas x2 − 2 em D[x] para D sendoum corpo pois o maximo divisor comum e monico por definicao neste caso.

Vamos agora introduzir o Algoritmo de Euclides para calcular o mdc dedois polinomios. Por simplicidade concentraremos nossa atencao no casoonde D e um corpo; o leitor interessado, podera tentar obter o mdc parapolinomios em Z[x] usando o algorıtmo no caso de Q[x] com ligeiras modi-ficacoes.

Precisamos do seguinte lemma cuja demonstracao e deixada para o leitor.

Lema 3.3.23. Sejam f(x), g(x) ∈ D[x]. Se d(x) ∈ D[x] e um divisor com-mun de f(x) e g(x), entao d(x) divide o polinomio

f(x)h(x) + g(x)k(x)

para todos h(x) ∈ D[x] e k(x) ∈ D[x].

Seja D um corpo que contem os numeros inteiros (o leitor pode pensarno caso onde D e um dos tres corpos numericos). Sejam f(x), g(x) ∈ D[x]

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62 CAPITULO 3. POLINOMIOS

polinomios nao nulos com grau(f) ≥ grau(g). Pelo algorıtmo da divisao,existem unicos q(x) e r(x), polinomios em D[x], tais que

(i) f(x) = g(x)q(x) + r(x) e (ii) r(x) = 0 ou grau(r) < grau(g).Por outro lado, do lema precedente segue facilmente que todo divisore

comum de f(x) e g(x) e divisor comum de g(x) e r(x): com efeito, se d(x)|f(x)e d(x)|g(x), entao o lema aplicado com h(x) = 1 e k(x) = −q(x) mostra qued(x)|r(x), pois

r(x) = f(x) + g(x) (−q(x)) .

Reciprocamente, se d(x)|g(x) e d(x)|r(x), aplicamos o lema aos polinomiosg(x) e r(x) multiplicando o primeiro por h(x) = q(x) e o segundo por k(x) = 1para concluir que d(x)|f(x).

Do raciocınio acima concluımos mais ou menos diretamente o seguinteresultado, que e a clave para construir o algorıtmo de Euclides.

Lema 3.3.24. Temosmdc(f, g) = mdc(g, r)

Algorıtmo Dados de entrada: f(x) e g(x) com g(x) 6= 0 e grau(f) ≥grau(g).

1. Primeiro passo: Dividimos f(x) por g(x), obtendo

f(x) = g(x)q(x) + r(x)

Usando o corolario, temos duas situacoes:(1) r(x) = 0; neste caso, o mdc procurado e o g(x) multiplicado pelo

inverso de seu coeficiente lıder (para “tornar” monico o polinomio, de acordocom a definicao de mdc).

(2) r(x) 6= 0; neste caso grau(r) < grau(g). Entao repetimos o feito noprimeiro passo:

2. Segundo passo: Dividimos g(x) por r(x), obtendo

g(x) = r(x)q1(x) + r1(x).

Novamente temos duas situacoes:(1) r1(x) = 0; neste caso o mdc procurado e r(x) multiplicado pelo inverso

de seu coeficiente lıder.(2) r1(x) 6= 0; neste caso grau(r1) < grau(r). Pelo corolario teremos

mdc(f, g) = mdc(g, r) = mdc(r, r1)

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3.3. TEORIA DA DIVISIBILIDADE EM D[X] 63

Entao recomecamos, dividindo agora r(x) por r1(x), e assim em diante.Os restos r(x), r1(x), r2(x), etc, serao chamados de restos parciais.E claro que o procedimento acima para em algum momento: isto e,

nao pode acontecer que toda vez que dividimos, a primeira situacao naoaconteca (ou seja, o resto da divisao correspondente nao seja zero), pois acada repeticao do procedimento o resto obtido, quando nao nulo, tem graumenor que o anterior. De fato, teremos no maximo, grau(g) passos a realizar.Concluımos desta forma, que o mdc(f, g) e o ultimo resto parcial diferentede zero, multiplicado pelo inverso de seu coeficiente lıder.

Teorema 3.3.25. Sejam f(x), g(x) ∈ D[x] com D um corpo. Entao existeum unico maximo comum divisor de f(x) e g(x).

Demonstracao. A existencia foi provada usando o algorıtmo de Euclides. Ademonstracao da unicidade e deixada para o leitor.

Numa primeira instancia o mdc de dois polinomios depende do domınioD[x] onde estamos trabalhando; nao obstante, no caso onde D for um corpo,segue do algorıtmo de Euclides que mdc(f, g) independe de D, isto e, opolinomio achado pelo algorıtmo e o mesmo independentemente do fato detrabalharmos com Q,R ou C, quando isto fizer sentido (ou seja, quando ospolinomios f(x) e g(x) puderem ser considerados com coeficientes em um ououtro corpo): e o conteudo do seguinte corolario.

Corolario 3.3.26. Suponhamos que D e um corpo. Entao mdc(f, g) inde-pende de D.

Demonstracao. Basta observa que os dois lemas utilizados para demonstraro algorıtmo de Euclides independem de D.

Exemplo 3.3.27. Sejam

f(x) = x8+5x7−3x6−42x5−25x4+92x3−+78x2−35x−15, g(x) = x5+5x4−27x2−25x+10.

Dividindo f(x) por g(x) obtemos

q(x) = x3 − 3x, r(x) = x3 + 3x2 − 5x− 15;

dividindo g(x) por r(x) obtemos

q1(x) = x2 + 2x− 1, r1(x) = x2 − 5.

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64 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Finalmente, ao dividir r(x) por r1(x) obtemos

q2(x) = x + 3, r2(x) = 0.

Concluımosmdc(f, g) = x2 − 5.

Em particular temos que mdc(f, g) = g(x) + r(x)(−q1); utilizando quef(x) = g(x)q(x) + r(x) podemos eliminar r(x) para obter

mdc(f, g) = g(x) + (f(x) + g(x)(−q(x))(−q1(x)),

dondemdc(f, g) = (−q1(x))f(x) + (1 + q(x)q1(x))

o que mostra que mdc(f, g) e uma combinacao linear de f(x) e g(x) comcoeficientes em D[x]; neste caso podemos supor D = Q.

O raciocınio feito no exemplo precedente pode ser generalizado, obtendo oseguinte resultado (a demonstracao pode ser omitida numa primeira leitura):

Teorema 3.3.28. Sejam f(x), g(x) ∈ D[x]. Existem polinomios h(x), k(x) ∈D[x] tais que

mdc(f, g) = f(x)h(x) + g(x)k(x).

Demonstracao. .....

Corolario 3.3.29. Sejam f(x), g(x) ∈ D[x] e α ∈ C. Entao α e uma raizcomum de f(x) e g(x) se e so se α e uma raiz de mdc(f, g).

Demonstracao. Se α e raiz de f(x) e de g(x), pelo teorema α tambem e raizde mdc(f, g). Reciprocamente, seja α uma raiz de d(x) = mdc(f, g); comod(x) e um divisor comum de f(x) e g(x) temos

f(x) = d(x)q1(x), g(x) = d(x)q2(x)

para certos q1(x), q2(x) ∈ D[x]. Entao

f(α) = d(α)q1(α) = 0, g(α) = d(α)q2(α) = 0,

donde segue a afirmacao.

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3.3. TEORIA DA DIVISIBILIDADE EM D[X] 65

O corolario precedente mostra o vınculo existente entre o mdc e a res-olucao de sistemas de equacoes, como mostra o exemplo seguinte.

Exemplo 3.3.30. Vamos resolver o sistema de equacaoes:{

x4 + x3 + 3x− 2 = 0x3 − 3x + 2 = 0.

Se f(x) = x4 + x3 + 3x − 2 e g(x) = x3 − 3x + 2, queremos encontrar asraızes comuns de f(x) e g(X); denotemos d(x) = mdc(f, g). Pelo corolario,isto corresponde a encontrar as raızes de d(x).

Utilizando o algorıtmo de Euclides, obtemos

d(x) = x + 2,

donde concluımos que x = −2 e a unica solucao do sistema de equacoes.

Definicao 3.3.31. Dois polinomios f(x), g(x) ∈ D[x] sao primos entre si semdc(f, g) = 1.

Proposicao 3.3.32. Suponhamos que existem k(x), h(x) ∈ D[x] tais que

1 = k(x)f(x) + h(x)g(x).

Entao mdc(f, g) = 1.

Demonstracao. Se d(x) e um divisor comum de f(x) e de g(x), entao d(x)divide 1 pelo lema 3.3.23. Entao mdc(f, g) = 1

Corolario 3.3.33. Sejam f(x), g(x) ∈ D[x]. Se d(x) = mdc(f, g), entao

f(x) = d(x)f1(x), g(x) = d(x)g1(x),

onde f1(x) e g1(x) polinomios em D[x] primos entre si.

Demonstracao. Pelo teorema 3.3.28

d(x) = k(x)f(x) + h(x)g(x),

donde segue facilmente

1 = k(x)f1(x) + h(x)g1(x).

O corolario e entao consequencia da proposicao precedente.

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66 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Teorema 3.3.34 (Teorema de Euclides). Sejam f(x), g(x), g1(x) ∈ D[x]. Sef(x)|g(x)g1(x) e mdc(f, g) = 1, entao f(x)|g1(x).

Demonstracao. Pelo teorema 3.3.28 existem h(x), k(x) ∈ D[x] tais que

1 = f(x)h(x) + g(x)k(x). (3.3)

Por outro lado g(x)g1(x) = f(x)q(x) para certo q(x) ∈ D[x].Multiplicando a igualdade da equacao (3.3) por g1(x) obtemos entao

g1(x) = f(x)g1(x)h(x) + g(x)g1(x)k(x)

= f(x)g1(x)h(x) + f(x)q(x)k(x)

= f(x) (g1(x)h(x) + q(x)k(x))

demonstrando que f(x) divide g1(x).

O seguinte corolario do teorema de Euclides e deixado como exercıciopara o leitor.

Corolario 3.3.35. Sejam f(x), g(x), h(x) ∈ D[x]. Se f(x) e irredutıvel ef(x)|g(x)h(x), entao f(x)|g(x) ou f(x)|h(x).

Exercıcio 3.3.3. Sejam f(x), f1(x), . . . , f`(x) ∈ D[x]. Suponha que f(x)|f1(x) · · · f`(x).Demonstra por inducao matematica no numero ` de fatores que se f(x) e ir-redutıvel, entao existe j, 1 ≤ j ≤ ` tal que f(x)|fj(x).

A continuacao introduzimos o conceito de Mınimo Multiplo Comum.

Definicao 3.3.36. Seja f(x) ∈ D[x]. Um multiplo de f(x) em D[x] e umpolinomio da forma f(x)q(x), onde q(x) ∈ D[x].

Um polinomio m(x) e multiplo de f(x) em D[x] se e somente se f(x)|m(x)(demonstre isto !).

Definicao 3.3.37. Sejam f(x), g(x) ∈ D[x]. Sejam a, b os coeficienteslıder de f(x) e g(x) quando D for um corpo e seus conteudos quando Dfor Z, respectivamente. O Mınimo comum multiplo de f(x) e g(x) e opolinomio em D[x], que denotaremos mmc(f, g) quociente de dividir f(x)g(x)por abmdc(f, g).

Com esta definicao fica claro que mmc(f, g) esta univocamente definido,porem nao e claro que seja um multiplo comum de f(x) e g(x) nem que sejao menor possıvel.

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3.3. TEORIA DA DIVISIBILIDADE EM D[X] 67

Teorema 3.3.38. Sejam f(x), g(x),m(x) ∈ D[x]. Entao m(x) e o mınimomultiplo comum de f(x) e g(x) se e somente se satisfaz as seguintes condicoes:

(i) f(x)|m(x), g(x)|m(x).(ii) Se h(x)|f(x) e h(x)|g(x), entao m(x)|h(x).(iii) m(x) e monico quando D for um corpo e um inteiro positivo quando

D for Z.

Demonstracao. Faremos a prova no caso onde D e um corpo; o caso ondeD = Z e deixado para o leitor interessado e pode ser demonstrado adaptandoa demonstracao que faremos.

Denotemos d(x) = mdc(f, g). Temos f(x) = d(x)f1(x) e g(x) = d(x)g1(x)com mdc(f1, g1) = 1.

Suponhamos que m(x) = mmc(f, g) e demonstremos que m(x) satisfazas condicoes (i), (ii) e (iii). Observemos que a condicao (i) segue diretamenteda definicao; a condicao (ii) e consequencia do fato que d(x) e monico.

Como f(x) e g(x) dividem h(x), temos

h(x) = d(x)f1(x)q(x) = d(x)g1(x)q′(x)

para certos q(x), q′(x) ∈ D[x]; em particular g1(x)|d(x)f1(x)q(x). Pelo teo-rema de Euclides, g1(x)|d(x)q(x).

Finalmente, dado que m(x) = abd(x)f1(x)g1(x) concluımos que m(x)|h(x),o que demonstra (ii).

Reciprocamente, suponhamos que m(x) satisfaz (i), (ii) e (iii). Temos

f(x)g(x) = abd2(x)f1(x)g1(x).

A primeira parte da demonstracao nos diz que o polinomio abd(x)f1(x)g1(x)satisfaz (i), (ii) e (iii). Basta entao mostrar que dois polinomios que satis-fazem estas tress condicoes sao iguais.

Seja m′(x) um polinomio satisfazendo (i), (ii), e (iii). Temos m′(x)|m(x)e m(x)|m′(x). Entao

m(x) = cm′(x), m′(x)c′m(x),

com c, c′ ∈ D. Como ambos polinomios sao monicos eles devem coincidir.

Exemplo 3.3.39. Sejam f(x) = x8 +5x7−3x6−42x5−25x4 +92x3−+78x2−35x− 15, g(x) = x5 + 5x4− 27x2− 25x + 10. Como vimos no exemplo 3.3.27temos

mdc(f, g) = x2 − 5.

Basta dividir f(x)g(x) por x2 − 5 para obter mmc(f, g) (faca-o !).

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68 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Terminamos este paragrafo generalizando o conceito de maximo comumdivisor e mınimo multiplo comum para o caso de um numero finito depolynomios (o que pode ser omitido numa primeira leitura). Porem, naodemonstraremos so enunciaremos, sem demonstracao, as principais propriedadesdestes.

Definicao 3.3.40. Sejam f1(x), . . . , f`(x) ∈ D[x]. O Maximo divisor comumdos polinomios f1(x), . . . , f`(x) e um polinomio d(x) ∈ D[x] tal que:

(i) d(x)|fi(x) para i = 1, . . . , `.(ii) Se c(x)|fi(x) para i = 1, . . . , `, entao c(x)|d(x).(iii) d(X) e monico se D for um corpo e com coeficiente lıder positivo se

D = Z.Denota-se d(x) = mdc(f1, . . . , f`).

De maneira analoga ao que acontece no caso ` = 2 pode-se demonstrarque dois polinomios satisfazendo (i), (ii) e (iii) sao necessariamente inguais,o que prova que a definicao esta bem posta, isto e, que nao pode haver doispolinomios diferentes virificando a definicao acima.

Por exemplo se ` = 3, nao e difıcil demonstrar que mdc(mdc(f1, f2), f3)e mdc(f1, mdc(f2, f3)) satisfazem as condicoes (i), (ii) e (iii), donde que elesconcidem (ambos) com o mdc dos tres polinomios. O leitor pode imagi-nar como e que devemos proceder para obter o mdc de mais do que trespolinomios...

Analogamente, o mmc de ` polinomios f1(x), . . . , f`(x) ∈ D[x], que denota-se mmc(f1, . . . , f`), pode ser definido como satisfazendo

f1(x) · · · f`(x) = a1 · · · a`mdc(f1, . . . , f`),

onde a1, . . . , a` ∈ D os coeficientes lıder dos respectivos polinomios.

3.4 Irredutibilidade e Fatoracao Canonica

Agora vamos estudar o problema da fatoracao de polinomios, com coeficientesnum corpo, como produto de polinomios irredutıveis.

Comecemos analizando alguns casos particulares. Seja f(x) ∈ D[x] degrau n ≥ 1.

1 Se n = 1, como sabemos pelo exemplo 3.3.13a), o polinomio e irredutıvele nada temos a fatorar.

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3.4. IRREDUTIBILIDADE E FATORACAO CANONICA 69

2 Se n = 2, temos duas possibilidades mutuamente excluentes:(i) f(x) e irredutıvel em D[x], e nada temos para fatorar, como acontece

por exemplo com o polinomio x2 − 2 em Q[x] (ref. 3.3.13b)) ou x2 + 1 emR[x].

(ii) f(x) e redutıvel, como acontece com x2 − 2 = (x−√2)(x +√

2) emR[x] ou x2 + 1 = (x− ı)(x + ı) em C[x]. Neste caso podemos escrever

f(x) = f1(x)f2(x),

onde f1(x) e f2(x) sao divisores nao triviais de f(x); isto e, sao polinomios degrau 1. Concluımos, pelo visto no item (i) que f1(x) e f2(x) sao irredutıveis,e entao a fatoracao acima e a fatoracao procurada.

3 Se n = 3 temos novamente duas possibilidades mutuamente excluentes:(i) f(x) e irredutıvel (conhece algum exemplo ?).(ii) f(x) e redutıvel, entao

f(x) = f1(x)g(x),

com f1(x) de grau 1 e g(x) de grau 2. Se g(x) for irredutıvel, esta e a fatoracaoprocurada. Senao, aplicamos o feito no caso de polinomios de grau 2 acima eobtemos uma fatoracao para g(x) como g(x) = f2(x)f3(x) com f2(x) e f3(x)de grau 1; neste caso

f(x) = f1(x)f2(x)f3(x)

e uma fatoracao de f(x) como produto de polinomios irredutıveis.Este raciocınio pode ser continuado agora para grau 4, utilizando o ja

feito para grau 3, e asim por diante. Este procedimento e um caso particulardo que chama-se um procedimento “indutivo”, onde a “inducao” aconteceno grau dos polinomios envolvidos. O caso geral, demonstra-se por inducaomatematica, no grau n do polinomio f(x). Mais precisamente, temos:

Teorema 3.4.1 (Teorema de fatoracao). Seja f(x) ∈ D[x] um polinomio degrau n ≥ 1. Entao

i) Existem polinomios irredutıveis f1(x), . . . , f`(x) ∈ D[x] tais que

f(x) = f1(x) · · · f`(x).

ii) Se temos outra fatoracao

f(x) = g1(x) · · · gm(x)

onde g1(x), . . . , gm(x) sao irredutıveis, entao m = ` e cada gi(x) e associadoa algum fj(x).

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70 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Demonstracao. Existencia. Vamos mostrar a parte (i) por inducao matematicano grau n.

Se n = 1, o resultado e claro, pois todo polinomio de grau um comcoeficientes num corpo e irredutıvel.

Suponhamos como hipotese de inducao que o resultado e verdadeiro paratodo polinomio de grau menor que k. Vamos entao demonstrar que o resul-tado tambem e verdadeiro para todo polinomio de grau k.

Seja f(x) um polinomio de grau k. Se f(x) e irredutıvel, nada temos ademonstrar. Se f(x) e redutıvel, entao

f(x) = g(x)h(x)

com g(x) e h(x) divisores nao triviais de f(x); em particular o grau de g(x)e de h(x) nao pode ser nem 0 nem k.

Por hipotese de inducao existem fatoracoes para g(x) e h(x) como produtode polinomios irredutıvis

g(x) = f1(x) · · · fr(x), h(x) = fr+1 · · · f`(x).

Concluımos

f(x) = f1(x) · · · f`(x),

como queriamos demonstrar.

Unicidade. Agora mostraremos a parte (ii). Suponhamos que

f(x) = g1(x) · · · gm(x),

com g1(x), . . . , gm(x) irredutıveis em D[x]. Fixemos i ∈ {1, . . . , m} e denote-mos g(x) = gi(x). Temos

g(x)|f1(x) · · · f`(x).

Como g(x) e irredutıvel, pelo exercıcio 3.3.3 existe j tal que g(x) divide fj(x);como gi(x) = g(x) e fj(x) sao ambos irredutıveis, eles sao associados. Emparticular m ≤ `.

Refazendo o argumento com fi(x) no lugar de gi(x) tambem obtemos quecada fi(x) divide algum gj(x) e entao ` ≤ m, o que completa a demonstracao.

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3.4. IRREDUTIBILIDADE E FATORACAO CANONICA 71

Observacao 3.4.2. a) Os polinomios irredutıveis em (i) podem aparecer muitasvezes, como mostra o seguinte exemplo:

(3x2 − 6)2(x2 + 1)3(4x− 1)

que e uma fatoracao em Q[x].

b) A parte (ii) do teorema significa que dadas duas fatoracoes, o numerode fatores irredutıveis deve ser o mesmo em ambas, e, alem disso, os polinomiosque aparecem nestas ou sao, a menos da ordem de aparicao, os mesmos, oudiferem pela multiplicacao de uma constante. Por exemplo, a fatoracao dadaacima, pode ser modificada como

1

9(4x2 − 8)(3x2 − 6)(3x2 + 3)3(x− 1

4).

Observe que pondo em evidencia os coeficientes lıderes de cada fator irre-dutıvel da fatoracao e multiplicando-os entre si, devemos obter o coeficientelıder de f(x). Isto, junto com a observacao acima mostra o seguinte corolario:

Corolario 3.4.3. Seja f(x) ∈ D[x] um polinomio de grau n ≥ 1 com coefi-ciente lıder an. Entao Existem polinomios irredutıveis e monicos f1(x), . . . , fk(x) ∈D[x] tais que

f(x) = anfn11 (x) · · · fnk

k (x).

Vamos chamar a fatoracao de f(x) enunciada no corolario 3.4.3 da fa-toracao canonica de f(x) em D[x].

A continuacao vamos analizar, separadamente, o que acontece quando De C,R ou Q. Comecamos enunciando o famoso e mais imporante teoremana teoria de polinomios com coeficientes complexos: o Teorema Fundamentalda Algebra cujo enunciado e adjudicado ao matematico frances A. Girard ecuja demonstracao foi obtida por Gauss em 1799 na sua tese de doutorado.Existem hoje em dia muitas demonstracoes deste teorema, algumas delasrelativamente elementares, mas todas envolvendo conceitos qeu escapam doescopo deste livro, motivo pelo qual sera omitida.

Teorema 3.4.4 (Teorema Fundamental da Algebra). Seja f(x) ∈ C[x] degrau maior ou igual que 1. Existe α ∈ C tal que f(α) = 0.

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72 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Como sabemos, todo polinomio de grau 1, em particular aqueles comcoeficientes complexos, e irredutıvel. Se f(x) ∈ C[x] e de grau maior queum, pelo teorema fundamental, existe uma raız α ∈ C; pelo corolario 3.3.7temos entao

f(x) = (x− α)q(x)

para certo q(x) ∈ C[x], com grau(q) > 0. Concluımos que f(x) e redutıvel.Ou seja:

Corolario 3.4.5. Os unicos polinomios irredutıveis em C[x] sao os polinomiosde grau um.

Como consequencia se f(x) e um polinomio de grau n ≥ 1 com coeficientelıder an, o corolario 3.4.3, no caso onde D = C, fica na forma seguinte

f(x) = an(x− α1)n1 · · · (x− αk)

nk , (3.4)

onde n = n1 + · · ·+ nk e α1, . . . , αk sao as raızes distintas de f(x).Diremos que esta e a fatoracao canonica complexa de f(x). O expoente

ni e a multiplicidade da raız αi, i = 1, . . . , k. Dizemos tambem que αi e umaraiz simple quando ni = 1 e multipla quando ni > 1, sendo este ni a ordemou multiplicidade. Se ni = 2, 3,etc. tabem diremos que a raiz e dupla, triplaetc. No fim do paragrafo analisaremos mais detalhadamente a relacao entrea multiplicidade de uma raiz e a divisibilidade (ref. corolario do teorema doresto 3.3.7).

Um corolario importante da fatoracao de f(x) como produto de fatoresirredutıveis monicos de grau um e a relacao entre coeficientes e raızes deum polinomio, problema este que ja tratamos no (ver §2 do capıtulo 1) demaneira menos sistematica do que o faremos agora; em particular o leitorpodera verificar as relacoes obtidas surgiam como consequencia de considerarexpressoes que estavam fatoradas como produto de binomios de grau 1. Paraisso comecemos observando que

∏i=1

(x− γi) = xn −(∑

j

γj

)+

(∑i<j

γiγj

)+ · · ·+ (−1)nγ1 · · · γn.

Esta expressao e entao um polinomio monico de grau n com coeficientes, forao lıder que e um, certas funcoes cujas variaveis sao precisamente as raızesγ1, . . . , γn.

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3.4. IRREDUTIBILIDADE E FATORACAO CANONICA 73

Mais explicitamente, definimos as funcoes simetricas s1, . . . , s` de γ1, . . . , γn,como sendo

sj(γ1, . . . , γn) =∑

i1<...,ij

γi1 · γi2 · · · γij , j = 1, . . . , n.

Por simplicidade, e quando nao houver perigo de confusao, denotaremos

sj = sj(γ1, . . . , γn), j = 1, . . . , n;

sj e a j-esima funcao simetrica de γ1, . . . , γn.A demonstracao do seguinte corolario deveria ser um exercıcio relativa-

mente facil para o leitor

Corolario 3.4.6. Seja g(x) ∈ C[x] um polinomio monico de grau n; denote-mos γ1, . . . , γn as raızes (eventualmente repetidas) de g(x). Entao

g(x) =n∑

j=1

(−1)nsjxj,

onde s0 = 1 e, para j ≥ 1, sj e a j-esima funcao simetrica de γ1, . . . , γn.

Para analisar a fatoracao de polinomios com coeficientes reais, precisamosde um resultado preliminar que e interessante em si mesmo.

Lema 3.4.7. Sejam f(x) ∈ R[x] e α ∈ C um numero complexo imaginario.Entao f(α) = 0 se e so se f(α) = 0.

Demonstracao. Escrevemos

f(x) =n∑

i=0

aixi, ai ∈ R, 0 ≤ i ≤ n.

Por hipotese

f(α) = 0 =n∑

i=0

aiαi.

Comecemos observando que, por um lado αi = αi; por outro lado ai = ai

para todo i = 0, . . . , n, pois ai ∈ R.

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74 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Tendo em conta que o conjugado de uma soma de numeros e a soma dosconjugados destes numeros, concluımos

0 = f(α)

=n∑

i=0

aiαi

=n∑

i=0

aiαi

= f(α)

o que termina a demonstracao.

Exemplo 3.4.8. No lema precedente e essencial que os coeficientes do polinomiosejam reais. Por exemplo se

f(x) = x2 − ı,

as duas raızes de f(x) sao as raızes quadradas da unidade imaginaria ı, istoe √

2

2+ ı

√2

2e −

√2

2− ı

√2

2.

O seguinte e um exercıcio facil que deixamos para o leitor.

Exercıcio 3.4.1. Seja f(x) ∈ R[x] um polinomio de grau 2. Mostre que f(x)e irredutıvel sobre R se e somente se ele possui uma raiz imaginaria.

Seja f(x) ∈ R[x] um polinomio com coeficientes reais de grau n ≥ 1.Suponhamos que suas raızes em C sejam

α1, . . . , αr, α1, . . . , αr, β1, . . . , βs,

onde αj e imaginaria para todo j e βk e real para todo k. A fatoracao def(x) em C[x] pode ser escrita na forma

f(x) = an(x−α1)n1(x−α1)

m1 · · · (x−αr)nk(x−αr)

nk(x−β1)m1 · · · (x−βs)

ms .

Por outro lado, um calculo direto mostra que se α e imaginario, entao opolinomio

(x− α)(x− α) = x2 − 2<(α)x + |α|2,

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3.4. IRREDUTIBILIDADE E FATORACAO CANONICA 75

que e evidentemente um polinomio com coeficientes reais, e irredutıvel (videexercıcio 3.4.1); se α = a + ıb, o polinomio acima tambem escreve-se como

(x− a)2 + b2,

o que evidencia a existencia de solucoes imaginarias. Aplicando este calculoa fatoracao de f(x) concluımos

f(x) = an

((x− a1)

2 + b21

)n1 · · · ((x− ar)2 + b2

r

)nr(x− β1)

m1 · · · (x− βs)ms .

(3.5)Diremos que esta e a fatoracao canonica real de f(x)Como vimos no exemplo 3.3.4, todos os fatores de grau 2 e 1 nesta fa-

toracao sao irredutıveis em R[x]. Em particular, podemos enunciar o seguintecorolario:

Corolario 3.4.9. Um polinomio com coeficientes reais e irredutıvel se e so-mente se for de grau 1 ou de grau 2 com raızes imaginarias.

Exemplo 3.4.10. O polinomio

(x2 + 1)(x2 + 2)

possui todas suas raızes imaginarias, mas e redutıvel.

Exemplo 3.4.11. Consideremos o polinomio

f(x) = x4 + x2 + 1.

Se ω e a raiz cubica primitiva da unidade, e claro que ω e seu oposto −ω saoraızes de f(x); logo ω e −ω tambem o serao. Estas sao quatro raızes de f(x).Um calculo direto mostra que a fatoracao canonica real de f(x) e entao

f(x) = (x2 + x + 1)(x2 − x + 1).

Agora nos resta compreender a fatoracao canonica no caso racional; emoutras palavras, precisamos saber que polinomios com coeficientes racionaispodem aparecer como fatores irredutıveis. Isto e um problema bem maisdelicado como iremos vendo aos poucos. Uma forma de obter a fatoracaocanonica no caso racional de um polinomio Q[x], e de escrevermos primeiroa fatoracao canonica real de f(x); se os fatores que aparecem nesta forem

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76 CAPITULO 3. POLINOMIOS

polinomios com coeficientes racionais, pela unicidade da fatoracao, esta seraa fatoracao canonica racional de f(x): com efeito, todo polinomio irredutıvelem R[x] o sera tambem em Q[x]. A fatoracao canonica real do polinomio doexemplo 3.4.11 e entao a fatoracao canonica racional.

Quais sao os graus possıveis de um polinomio irredutıvel em Q[x] ?Analizaremos, para comecar, alguns exemplos do que pode acontecer.

Exemplo 3.4.12. Seja f(x) = x3 − 5. As raızes de f(x) sao precisamente astres raızes cubicas de 5, isto e,

3√

5, ω3√

5, ω2 3√

5.

E entao claro quex3 − 5 = g(x)(x− 3

√5),

onde g(x) e o polinomio monico de grau 2 em R[x] cujas raızes sao ω 3√

5, ω2 3√

5(como exercıcio o leitor poderia escrever explicitamente g(x)). E conhecidoque 3

√p e um numero irracional sempre que p ∈ Z for um numero primo (por

que ?). Concluımos entao que f(x) e irredutıvel.

Outra forma de estudar o polinomio do exemplo 3.4.12 pode ser a partirda propria definicao de irredutibilidade. Mais geralmente, seja f(x) ∈ Q[x]um polinomio de grau 3. Ele e redutıvel se e somente se

f(x) = f1(x)f2(x),

com f1(x) e f2(x) polinomios com coeficientes racionais de graus 1 e 2 respec-tivamente. Em particular f1(x) = ax + b para certos a, b ∈ Q, com a 6= 0.Mas entao α := −b/a, que e um numero racional, sera raiz de f(x), necessari-amente. Entao, um polinomio de grau 2 sera irredutıvel quando nao possuirraızes racionais. Em particular, isto mostra, de uma outra forma, que x3− 5e irredutıvel; porem como sabemos, calcular as raızes de um polinomio degrau 3, salvo casos particulares, nao e tarefa facil. Mas no nosso raciocınio,precisamos apenas conhecer a natureza das raızes, isto e, nao queremos cal-cular todas as raızes, mas apenas saber se ha alguma racional: isto e muitomais facil, como observaremos a continuacao.

Seja f(x) ∈ Z[x] um polinomio de grau n com coeficientes inteiros, ouseja

f(x) =n∑

i=0

aixi, an, . . . , a0 ∈ Z.

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3.4. IRREDUTIBILIDADE E FATORACAO CANONICA 77

Suponhamos que α = p/q e uma raız racional de f(x) com p, q ∈ Z numerosprimos entre si. Entao f(p/q) = 0, ou, de maneira equivalente

qnf(p

q) = 0,

isto e

anpn + an−1pn−1q + an−2p

n−2q2 + · · ·+ a1pqn−1 + a0q

n = 0.

Portanto p divide a0qn e q divide anp

n. Como p e q sao primos entre si, tantop e qn como q e pn serao primos entre si; pelo teorema de Euclides no casodos numeros inteiros, concluımos que

p|a0, q|an. (3.6)

Estas relacoes de divisibilidade sao conhecidas como condicoes necessariaspara existencia de raiz racional.

No caso do polinomio x3 − 5, q so pode ser 1 ou −1 e p ∈ {1,−1, 5,−5}.As unicas raızes racionais deste polinomio podem ser entao 1,−1, 5,−5; efacil de verificar que nenhum destes numeros anula o polinomio.

Observacao 3.4.13. (a) Se a0 = an = 1 as unicas raızes racionais possıveissao 1 e −1. Isto mostra facilmente que o polinomio do exemplo 3.4.11 naopossui raızes racionais; observe nao obstante que ele e redutıvel em Q[x],o que mostra que nosso metodo acima funciona apenas para polinomios degrau 3 (evidentemente tambem para polinomios de graus 1 e 2).

(b) Se os coeficientes de f(x) forem numeros racionais da forma

ai =bi

ci

, i = 0, 1 . . . , n,

com bi, ci ∈ Z para todo i = 0, 1 . . . , n, escolhemos um multiplo comum m dosdenominadores (por exemplo o produto deles ou o mmc). E facil constatarque mf(x) e um polinomio com coeficientes inteiros. Como as raızes de f(x)e de mf(x) sao as mesmas, podemos aplicar o metodo acima a este ultimopara saber se f(x) possui ou nao raızes racionais.

Resumindo, se f(x) for de grau 3, ou ainda menor, ele sera irredutıvelem Q[x] so quando nao tiver raızes racionais; na direcao contraria, se umpolinomio, agora de qualquer grau maior que um, tiver uma raiz racional,digamos α ∈ Q, entao sera divisıvel por x−α em Q[x]. Logo, todo polinomiode grau maior que um em Q[x] que possui raiz racional e redutıvel.

Vejamos agora um exemplo um pouco mais complicado.

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78 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Exemplo 3.4.14. Sejaf(x) = 2x4 − 20x + 2.

E f(x) irredutıvel em Q[x] ? Encontrar todas as raızes de f(x) e aindamais difıcil que nos casos anteriores; elem disto, corremos o risco de obte-lasde maneira aproximada, o que impederia de encontrar a fatoracao canonicareal e em consequencia a correspondente fatoracao racional.

E facil constatar que f(x) nao posui raızes racionais, mas isto nao implicaque o polinomio seja irredutıvel. Com efeito, nao possuir raızes racionais nosdiz apenas que f(x) nao aceita fatores de grau um, como ja sabemos (eutilizamos, novamente, acima). Consequententente, f(x) sera redutıvel emQ[x] so se pudermos escrever

f(x) = 2g(x)h(x)

com g(x) e h(x) polinomios monicos de grau 2; ou seja, se existirem a, b, c, d ∈Q tais que

x4 − 10x + 1 = (x2 + ax + b)(x2 + cx + d).

Neste caso, logo de desenvolver o produto de polinomios acima, deveremoster

c + a = 0, ac + b + d = 0, ad + bc = −10, bd = 1.

Substituındo c = −a nas duas equacoes do meio, obtemos

b + d = a2, a(d− b) = −10;

donde:

2b = a2 +10

a, 2d = a2 − 10

a.

Como bd = 1, multiplicando as duas equacoes temos

a6 − 4a2 − 100.

Ou seja que a2 e uma solucao racional da equacao com coeficientes inteiros

y3 − 4y − 100 = 0.

Finalmente, e facil constatar que esta equacao nao possui raızes racionais(observe que toda raiz racional desta equacao deve ser inteira, positiva emenor que 10). Isto mostra que a suposicao de termos uma fatoracao def(x) como produto de polinomios de grau dois, nos leva a uma contradicao,demonstrando entao que f(x) e efetivamente irredutıvel.

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3.5. MULTIPLICIDADE DE RAIZES 79

Se considerarmos agora um polinomio de grau 5, as possıveis fatoracoes(nao triviais) sao como produto de dois poinomios de graus 1 e 4, ou 2 e 3;nao e difıcil de imaginar que os argumentos utilizados no exemplo 3.4.14 pos-sam ser adaptados, mas a complexidade dos calculos cresce rezoavelmente.De fato, na medida que o grau do polinomio e maior, tanto maior sera acomplexidade dos calculos. Isto torna inviavel o tratamento da irredutibil-idade nesta perspectiva, desde que o grau do polinomio e “sufucientementegrande”. Como veremos mais adiante, existe um criterio muito eficaz quenos permite concluir que certo tipo de polinomios e irredutıvel; infelizmentenao existe um criterio geral. Mas postergaremos esta analise para o ultimoparagrafo do presente capıtulo.

3.5 Multiplicidade de raızes

Quando obtivemos a fatoracao canonica de um polinomio f(x) ∈ C[x] emC[x], chamamos os expoentes de cada polinomio irredutıvel (de grau 1) demultiplicidade ou ordem da raiz, digamos α, correspondente. Neste paragrafoanalisaremos mais detalhadamente este conceito. De fato, caracterizaremoso conceito de multiplicidade de tres maneiras: a primeira, em termos dede divisibilidade por potencias do polinomio irredutıvel (x − α); a segundaem funcao da anulacao do polinomio f(x) e de outros polinomios associadosa este, chamados de derivadas de f(x): e o criterio das derivadas para amultiplicidade de uma raiz. Ambas caracterizacoes podem ser interpretadascomo generalizacoes do teorema de Ruffini (corolario 3.3.7).

Finalmente, caracterizaremos a multiplicidade de uma raız de f(x) emtermos da multiplicidade com que aparece no mdc de f(x) e a sua primeiraderivada f ′(x).

Proposicao 3.5.1. Sejam f(x) ∈ D[x] e α ∈ C. Entao α e uma raiz demultiplicidade m de f(x) se e somente se m e o maior inteiro positivo talque (x− α)m divide f(x).

Demonstracao. Seja m como no enunciado da proposicao. Consideremos afatoracao canonica complexa de f(x); nela f(x) escreve-se na forma

f(x) = a(x− α)nq(x),

onde a e o coeficiente lıder de f(x) e q(x) e um produto de fatores da forma(x− β) com β 6= α; em particular q(α) 6= 0. Temos de mostrar que m = n.

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80 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Como (x − α)n|f(x), pela maximalidade de m temos diretamente quem ≥ n.

Por outro lado observamos que d(x) := mdc(q(x), (x − α)m) = 1: comefeito, como d(x)|(x−α)m, a unica raiz possıvel para d(x) e α; mas d(x)|q(x) eα nao e raiz de q(x). Como (x−α)m|f(X), do teorema de Euclides concluımosque (x− α)m divide (x− α)n, donde n ≥ m.

Seja

f(x) =n∑

i=0

aixi ∈ D[x].

A Derivada de f(x) e o polinomio

f ′(x) :=∑i=1

iaixi−1 :

e um polinomio em D[x].Por inducao matematica definimos as derivadas superiores de f(x). A

derivada n-esima f (n)(x) de f(x) e a derivada da derivada (n − 1)-esimaf (n−1)(x). Tambem denotaremos f ′′(x) para a derivada segunda, f ′′′(x) aterceira, f IV (x) para a quarta, etc.

Observacao 3.5.2. A proposicao acima generaliza o teorema de Ruffini (corolario 3.3.7).

Exemplo 3.5.3. Consideremos o polinomio

f(x) =1

3x6 + x5 − 2

7x4 − 6x2 − 2.

Entao

f ′(x) = 2x5 + 5x4 − 8

7x3 − 12x, f ′′(x) = 10x4 + 20x3 − 24

7x2 − 12.

O leitor pode calcular as restantes derivadas observando que a sexta seraconstante e igual a 6!/3 e da setima em diante nulas.

Exercıcio 3.5.1. Mostre que um polinomio tem grau n se e somente se f (n)(x)e uma constante nao nula.

O conceito de derivada pode ser definido para funcoes de uma variavelnum contexto muito mais alplo, o que e feito nos cursos de calculo. Con-siderando um polinomio como uma tal funcao, a derivada definida desta

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3.5. MULTIPLICIDADE DE RAIZES 81

forma coincide com nossa definicao. O resultado na proposicao abaixo e bemconhecido nos cursos de caculo neste contexto mais geral; nos daremos umademonstracao da proposicao adaptada ao nosso contexto podendo a leituradesta ser omitida sem comprometer a compreensao do conceito.

Proposicao 3.5.4. Sejam f(x), g(x) ∈ D[x]. temos(a) (f(x) + g(x))′ = f ′(x) + g′(x).(b) Formula de Leibnitz: (f(x)g(x))′ = f ′(x)g(x) + f(x)g′(x).

Demonstracao. A parte (a) e deixada para o leitor. Para demonstrar (b)escrevemos

f(x) =n∑

i=0

aixi, g(x) =

m∑j=0

bjxj.

Entao

f ′(x) =n−1∑i=0

iaixi, g′(x) =

m−1∑j=0

jbjxj−1.

Pela formula do produto de polinomios temos

f(x)g(x) =n+m∑

k=0

ckxk

onde ck = a0bk + · · · + akb0. Derivando f(x)g(x) escrito como acima, obser-vamos que o coeficiente do termo de grau (k − 1)-esimo e

kck = k(a0bk + · · ·+ akb0).

Por outro lado, pela mesma formula (do produto de polinomios) o coefi-ciente do termo de grau (k − 1) de f ′(x)g(x) e

(k − 1)a1bk−1 + 2(k − 2)a2bk−2 + · · ·+ (k − 1)ak−1b1 + kakb0;

analogamente o coeficiente do termo de grau (k − 1) de f(x)g′(x) e

(k − 1)a0bk−1 + (k − 1)a1bk−1 + · · ·+ ak−1b1.

Concluımos que o coeficiente do termo de grau (k − 1) de f ′(x)g(x) +f(x)g′(x) e k(a0bk + · · ·+ akb0), donde segue a afirmacao.

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82 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Exemplos 3.5.5. (a) Seja f(x) = (x− α)n. A derivada k-esima de f(x) e

n(n1) · · · (n− k)(x− α)n−k.

(b) A derivada de um polinomio constante e evidentemente 0. Se h(x) =ag(x) com a ∈ D, pela formula de Leibnitz (proposicao 3.5.4, parte (b))teremos entao

h′(x) = ag′(x).

Demonstramos entao o seguinte corolario da proposicao 3.5.1:

Corolario 3.5.6 (Criterio da Derivada). Um numero α ∈ C e raiz de umpolinomio f(x) ∈ D[x], de multiplicidade m se e somente se

f(α) = f ′(α) = · · · = f (m−1)(α) = 0, f (m)(α) 6= 0.

Demonstracao. E claro que se m = 0 nada temos a provar. Entao suporemosm > 0.

Se α e raiz de multiplicidade m, pela propisicao 3.5.1

(x− α)m|f(x) e (x− α)m+1 6 |f(x).

Em particularf(x) = (x− α)mq(x);

observe que entao α nao e raiz de q(x) (veja a prova da proposicao).Pela formula de Leibnitz

f ′(x) = m(x− α)m−1q(x) + (x− α)mq′(x). (3.7)

Entao (x − α)m−1 divide f ′(x) e (x − α)m nao o divide: com efeito, casocontrario (x−α) dividiria q(x), o que nao e possıvel por hipotese; em partic-ular, se m = 1 o corolario esta demonstrado. Para demonstrar o caso geralprocedemos por inducao matematica em m.

Suponhamos que m > 1. Pela formula (3.7), (m− 1) e a maior potenciade (x−α) que divide h(x) := f ′(x). Aplicando a hipotese de inducao a h(x)concluımos que

h(α) = h′(α) = · · · = h(m−2)(α) = 0, h(m−1)(α) 6= 0.

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3.5. MULTIPLICIDADE DE RAIZES 83

Como h(i−1)(x) = f (i)(x) para i = 1, . . . , m, por definicao de derivada, obte-mos a tese de inducao.

Reciprocamente, suponhamos que

f(α) = f ′(α) = · · · = f (m−1)(α) = 0, f (m)(α) 6= 0.

Entao α e uma raiz de multiplicidade, digamos, n: temos

f(x) = (x− α)nq(x)

onde, como ja vimos, q(α) 6= 0. A primeira parte da prova nos mostra emparticular que [f(α) = f ′(α) = · · · = f (m−1)(α) = 0, f (n)(α) 6= 0, dondesegue que m = n.

Exemplos 3.5.7. (a) Consideremos o polinomio

f(x) = ax2 + bx + c ∈ D[x], a 6= 0.

Uma raiz α ∈ C de f(x) e dupla se e somente se f(α) = f ′(α) = 0, f ′′(α) 6= 0.Um calculo facil de derivadas mostra que

f ′(x) = 2ax + b, f ′′(x) = 2a;

observemos que f ′′(x) e um polinomio constante nao nulo e portanto acondicao f ′′(α) 6= 0 e automaticamente satisfeita. Entao a condicao paraα ser raiz dupla e de ser uma raiz tal que 2aα + b = 0, isto e

α = − b

2a;

substituındo este valor de α em f(x) = 0 obtemos

ab2

4a2− b2

4a+ c = 0

que equivale b2 − 4ac = 0, nossa conhecida condicao de discriminante nulopara a equacao quadratica.

(b) Encontraremos as raızes de

f(x) = 2x4 + 5x3 + 3x2 − x− 1,

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84 CAPITULO 3. POLINOMIOS

sabendo que possui uma raız tripla α. A raiz tripla tem de ser tambem raizda derivada segunda, que e

f ′′(x) = 24x2 + 30x + 1

cujas raızes sao −1 e −4. Como −1 tambem e raiz da derivada primeira

f ′(x) = 8x3 + 15x2 + 6x− 1

concluımos que α = −1. Entao (x + 1)3 divide f(x); efetuando a divisaoobtemos

f(x) = (x + 1)3(2x− 1),

e entao 1/2 e a raiz diferente de α.

Exercıcio 3.5.2. Trabalhando de maneira analoga a como fizemos no exemplo(a) acima reobtenha a condicao de discriminante nulo para a existencia deraiz de multiplicidade pelo menos 2 da equacao cubica na forma reduzida

x3 + ax + b = 0.

Do criterio da derivada (corolario 3.5.6) concluımos imediatamente oseguinte corolario.

Corolario 3.5.8. α e raız de multiplicidade m de f(x) se e somente se α eraiz de multiplicidade m− 1 de f ′(x).

Observacao 3.5.9. O corolario precedente pode ser generalizado da seguinteforma: Sejam f(x) ∈ D[x] um polinomio de grau n e α ∈ C; fixemos uminteiro k tal que 1 < k < n. Entao α e raız de multiplicidade m de f(x) se esomente se α e raiz de multiplicidade m− k da derivada k-esima f (k)(x) def(x).

Exercıcio 3.5.3. Demonstre a generalizacao do corolario 3.5.8 enunciada naobservacao precedente.

Proposicao 3.5.10. Sejam f(x) ∈ D[x] e α ∈ C; denotemos d(x) :=mdc(f, f ′). Entao α e raiz de multiplicidade m de f(x) se e somente seela e raiz de multiplicidade m− 1 de d(x).

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3.5. MULTIPLICIDADE DE RAIZES 85

Demonstracao. Suponhamos que α seja raiz de multiplicidade m de f(x);pelo corolario 3.5.8 α e raiz de multiplididade m−1 de f ′(x). Entao (x−α)m

divide f(x) mas (x−α)m+1 nao o divide e (x−α)m−1 divide f ′(x) mas (x−α)m

nao o divide; como caso particular temos que (x−α)m−1 divide f(x) e f ′(x).Por outro lado, pelo teorema 3.3.28 existem polinomios h(x), k(x) tais

qued(x) = f(x)h(x) + f ′(x)k(x).

Concluımos que (x− α)m−1 divide d(x), mas (x− α)m nao o faz, pois seo dividisse, tambem dividiria f ′(x). Entao α e raiz de multiplicidade m− 1de d(x).

Reciprocamente, suponhamos que α e raiz de multiplicidade m de d(x).Como (x−α)m−1 divide d(x), tambem dividira f(x) e f ′(x) pela proposicao 3.3.10;

donde tiramos que a multiplicidade de f ′(x) e pelo menos m− 1 e entao a def(x) pelo menos m pelo corolario 3.5.8. Como (x−α)m nao divide d(x) entaonao pode dividir f(x) e f ′(x) ao mesmo tempo, mas ja sabemos que dividef(x); portanto nao divide f ′(x) o que nos diz que α e raiz de multiplicidadem− 1 de f ′(x) e (exatamente) m de f(x), de novo pelo corolario 3.5.8. Istotermina a demonstracao.

A proposicao 3.5.10 fornece uma outra abordagem para o calculo dasraızes multiplas de um polinomio. A tıtulo de exemplo resolveremos, desdeesta nova otica, o exercıcio 3.5.2.

Exemplo 3.5.11. Consideremos o polinomio

f(x) = x3 + ax + b ∈ C[x].

Sua derivada e f ′(x) = 3x2 + a. Executando o algorıtmo de Euclides vemosque o ultimo resto parcial diferente de zero e de fato constante (isto e, quenao depende mais de x) e vale

27b2

4a2+ a, ou b

dependendo que a 6= 0 ou a = 0. No caso onde a 6= 0, podemos escrever esteresto

− D

4a2,

onde D e o discriminante da equacao f(x) = 0. Em qualquer caso, docorolario precedente concluımos entao que f(x) possui raızes multiplas se e

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86 CAPITULO 3. POLINOMIOS

somente se D = 0, o que demonstra novamente que a anulacao do discrimi-nante equivale a existencia de solucoes multiplas de uma equacao cubica (naforma reduzida).

O exemplo nos mostra um caminho para definir o discriminante de umpolinomio generico (isto e pensando os coeficientes como “indeterminadas”)da forma

f(x) = xn + an−1xn−1 + · · · a1x + a0.

Como os coeficientes sao genericos, ao executar o algorıtmo de Euclides, oprimeiro resto parcial e um polinomio onde aparece xn−2, no segundo aparecexn−3, e assim por diante, ate chegarmos no caso em que o resto parcial cor-respondente nao mais depende de x; se dividirmos mais uma vez o resto seranecessariamente nulo. Este ultimo resto nao nulo e uma expressao polino-mial nos coeficientes an−1, . . . , a1, a0 de f(x) com numeros racionais comocoeficientes (observe que ja quando dividimos f(x) por f ′(x) o coeficiente doprimeiro termo do quociente e 1/n). Extraındo comum denominador nestescoeficientes racionais escrevemos este resto parcial como um quociente cujonumerador e uma expressao polinomial em a0, a1, . . . , an−1, mas agora comcoeficientes inteiros; denotemos esta expressao

∆ = ∆(a0, a1, . . . , an−1).

Pela proposicao 3.5.10 existem raızes multiplas de f(x) se e somente sef(x) e f ′(x) nao sao primos entre si, isto e, se e somente se d(x) 6= 1. Masd(x) 6= 1 significa que no algorımo de Euclides o ultimo resto parcial diferentede zero tem que ser um polinomio de grau ≥ 1. Entao este resto parcial naopode ser independente de x; isto significa que nosso ∆ acima deve ser nulo.

Motivados pelo raciocınio que fizemos, podemos definir ∆ como o discrim-inant de f(x) pois a sua anulacao equivale a existencia de raızes multiplas (osinal deste e irrelevante no que diz respeito a existencia de solucoes multiplas);observe em particular que o raciocınio independe da natureza dos coeficientesa0, a1, . . . , an de f(x).

Exercıcio 3.5.4. (a) Calcule o discriminante δ dos seguintes polinomios (nocaso da equacao cubica compare com o visto no capıtulo 1.

f(x) = x3 + ax2 + bx + c, g(x) = x4 + px2 + qx + r.

(b) Modificando adequadamente o raciocınio feito acima, defina o dis-criminante ∆(a0, . . . , an) para um polinomio generico de grau n que nao seja

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3.6. LEMA DE GAUSS E CRITERIO DE EINSENSTEIN 87

momico; teste seu resultado com polinomios de graus 3 e 4, comparando coma parte (a).

Terminamos o paragrafo com o seguinte corolario, cuja demonstracao edeixada como exercıcio para o leitor.

Corolario 3.5.12. O polinomio

f(x)

mdc(f, f ′)

e um polinomio cujas raızes sao as raızes de f(x), todas de multiplicidade 1.

Exercıcio 3.5.5. Considere o polinomio

f(x) = x5 − 13x4 + 68x3 − 176x2 + 220x− 100.

Encontre o polinomio monico cujas raızes simples sao as raızes de f(x), todascom multiplicidade 1.

3.6 Lema de Gauss e Criterio de Einsenstein

Agora retomamos o estudo da irredutibilidade em Q[x]. Seja f(x) ∈ Q[x],isto e

f(x) =pn

qn

xn + · · ·+ p1

q1

x +p0

q0

,

onde pi, qi ∈ Z sao inteiros primos entre si. Se m := mmc(q0, · · · , qn) e omınimo multiplo comum de todos os denominadores, entao m e o menornumero positivo tal que mf(x) e um polinomio com coeficientes inteiros;denotemos g(x) = mf(x). Evidentemente f(x) sera irredutıvel sobre Q see somente se g(x) o e, pois ambos polinomios diferem por uma constantemultiplicativa, que e um divisor trivial em Q[x]. Porem, o polinomio g(x)tem uma vantagem de termos de trabalhar com numeros inteiros: observepor exemplo que se quisermos implementar um algoritmo em computadorpara decidir sobre a irredutibilidade de um determinado polinomio, e de seesperar que isto so possa ser feito trabalhando com numeros inteiros, poisum numero racional e substituıdo pelo computador apenas por uma de suasaproximacoes decimais. Por outro lado, nao e claro por enquanto que istopossa nos ajudar a decidir se g(x) e ou nao e irredutıvel sobre Q. Vejamosnao obstante um exemplo concreto onde decidimos sobreum polinomio g(x)ser ou nao irredutıvel em Z[x], de forma a podermos “imaginar” um eventualalgorıtmo.

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88 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Exemplo 3.6.1. Consideremos o polinomio

g(x) = x4 − 5x + 2 ∈ Z[x]

Para comecar, e claro que o conteudo c(g) de g(x) e 1. E facil observar queg(x) nao possui raızes racionais, logo o polinomio nao pode ser fatorado comoproduto de dois polinomios de graus 1 e 3 respectivamente. Suponhamos acontinuacao que

g(x) = (αx2 + βx + γ)(α′x2 + β′x + γ′),

onde todos os coeficientes sao inteiros. Como g(x) e monico, αα′ = 1, e entaoou α = α′ = 1, ou α = α′ = −1. Multiplicando, quando no segundo caso,por (−1)(−1) = 1, podemos finalmente escrever

g(x) = (x2 + ax + b)(x2 + cx + d), a, b, c, d ∈ Z.

Ou seja

x4 − 5x + 2 = x4 + (a + c)x3 + (b + d + ac)x2 + (ad + bc)x + bd;

Obtemos o seguinte sistema de equacaoes diofantinas (isto e, com coeficientesinteiros e cujas solucoes sao procuradas em Z)

a + c = 0, b + d + ac = 0, ad + bc = −5, bd = 1.

Da ultima equacao deduzimos b = 1, d = 2 ou b = 2, d = 1 ou b = −1, d = −2ou b = −2, d = −1. Substituındo c = −a na terceira equacao, vemos facil-mente que nenhuma das quatro possibilidades para b e d podem efetivamenteacontecer. Concluımos entao que g(x) e irredutıvel sobre Z.

Qual e a relacao entre a irredutibilidade em Z[x] e em Q[x] ? Se pudermosresponder a esta pergunta, de repente poderiamos nos auxiliar da maiorfacilidade de lidar com numeros inteiros, para decidirmos se um polinomio eou nao e irredutıvel sobre Q. Comecamos demonstrando a proposicao 3.3.20,que nos da certa informacao nesta direcao.

Demonstracao da Proposicao 3.3.20 Suponhamos que g(x) ∈ Z[x] temconteudo 1. Se g(x) for redutıvel sobre Z, entao

g(x) = h(x)k(x)

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3.6. LEMA DE GAUSS E CRITERIO DE EINSENSTEIN 89

com h(x), k(x) ∈ Z[x] polinomios de grau maior que 0, ja que c(g) = 1.Esta fatoracao tambem e valida em Q[x], mostrando que g(x) tambem seraredutıvel em Q[x], donde segue a nossa proposicao.

Mas o que que acontece na direcao contraria ? isto e, quando g(x) forredutıvel emQ, podera ou nao se-lo em Z[x] ? Para responder a esta perguntacomecamos com um resultado tecnico que e a chave para responder a estasperguntas. Usualmente a demonstracao deste faz parte da demonstracao doresultado principal (teorema 3.6.3 abaixo), ambos conhecidos na literaturacomo Lemma de Gauss . Nos reservaremos esta denominacao para o teorema.

Lema 3.6.2. Se g(x), h(x) ∈ Z[x] sao polinomios com coeficientes interos,entao

c(gh) = c(g)c(h).

Demonstracao. Faremos a demonstracao em duas etapas:1. Nesta primeira etapa mostraremos que c(g)c(h) e c(gh) possuem os

mesmos divisores primos.Se

g(x) =n∑

i=0

aixi, h(x) =

m∑j=0

bjxj,

como sabemos, o coeficiente k-esimo de g(x)h(x), digamos ck, escreve-se naforma

ck = a0bk + a1bk−1 + · · ·+ ak−1b1 + akb0,

onde evidentemente a` = 0 se ` > n e b` = 0 se ` > m.Se p e um divisor primo de todos os coeficientes de g(x), isto e, se p e um

primo tal que p|c(g), e claro que p|ck para todo k = 0, 1, . . . , n + m, ou sejap|c(gh); analogamente p|c(h) implica p|c(gh).

Reciprocamente, seja p um primo que divide c(gh). Suponhamos porabsurdo que p nao divide o produto c(g)c(h), donde p nao divide c(g) nemc(h). Entao g(x) e h(x) possuem coeficientes que nao sao multiplos de p;sejam k ∈ {0, 1, . . . , n} e ` ∈ {0, 1, . . . ,m} sub-ındices tais que

p|a0, . . . , ak−1, b0, . . . , b`−1, e p 6 |ak, p 6 |b`.

Por outro lado, o coeficiente (k + `)−esimo de g(x)h(x) e

ck+` = a0bk+` + · · ·+ ak−1b`+1 + akb` + ak+1b`−1 + · · ·+ ak+`b0.

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90 CAPITULO 3. POLINOMIOS

Como p|ck+` concluımos que p|akb` o que fornece uma contradicao. Entaoa primeira etapa da demonstracao esta completa.

2. Escrevendo

g(x) = c(g)g1(x), h(x) = c(h)h1(x),

obtemos g(x)h(x) = c(g)c(h)g1(x)h1(x); observemos que g1(x) e h1(x) saopolinomios de conteudo 1. Pelo demonstrado na primeira etapa, c(g1)c(h1) =1 se e somente se c(g1h1) = 1, donde segue que c(g)c(h) e o conteudo deg(x)h(x), terminando a demonstracao.

Suponhamos agora que f(x) e um polinomio em Z[x] que e redutıvel sobreQ; entao existem polinomios g0(x), h0(x) ∈ Q[x] nao constantes, tais que

f(x) = g0(x)h0(x).

Sejam m1 e m2 os menores inteiros positivos tais que

g(x) := m1g0(x) ∈ Z[x], h(x) := m2h0(x) ∈ Z[x].

Utilizando o lema 3.6.2, obtemos

m1m2f(x) = g(x)h(x)

= c(g)c(h)g1(x)h1(x)

= c(gh)g1(x)h1(x),

onde, como na demonstracao do lema precedente, g1(x) e h1(x) tem conteudo1.

Suponhamos que f(x) e irredutıvel sobre Z; entao c(f) = 1. Portanto,aplicando o lema 3.6.2 ao polinomio m1m2f(x), deduzimos que c(gh) =m1m2. Entao

f(x) = g1(x)h1(x),

o que contradiz a irredutiblidade de f(x) sobre Z. Isto demonstra o Lemmade Gauss:

Teorema 3.6.3 (Lema de Gauss). Se f(x) ∈ Z[x] e irredutıvel sobre Z,entao tambem o sera sobre Q.

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3.6. LEMA DE GAUSS E CRITERIO DE EINSENSTEIN 91

Exemplo 3.6.4. Consideremos o polinomio

k(x) =1

5x4 − x +

2

5.

Pelo exemplo 3.6.1, o polinomio 5k(x) e irredutıvel sobre Z; entao k(x) eirredutıvel sobre Q, pois, pelo teorema, 5k(x) o e.

Para terminar este paragrafo enunciaremos sem demonstracao o criteriode Eisenstein, que e um dos poucos criterios conhecidos para tratar a ir-redutibilidade sobre Z, que pelo lemma de Gauss (teorema) e essencial-mente equivalente a irredutibilidade sobre Q (de acordo a proposicao 3.3.20o polinomio em Z[x] considerado deve ter conteudo 1). O leitor interessadoem estudar a demonstracao deste belo teorema pode consultar [4, ...]; umaversao mais geral do criterio pode ser encontrada em [3, Teo. III.2.8]

Teorema 3.6.5 (Criterio de Eisenstein). Seja f(x) = anxn + · · · + a1xa0 ∈Z[x]. Suponhamos que existe um numero primo p tal que

(i) p 6 |an, (ii)p|a0, a1, . . . , an−1, (iii)p2 6 |a0.

Nestas condicoes, f(x) e irredutıvel em Z[x]

Exemplos 3.6.6. (a) Consideremos os seguintes polinomios

f(x) = x3+2x+10, g(x) = 2x7+6x2−18, h(x) = 5x6+70x4 = 14x3+98x−28.

p = 2 esta nas hipoteses do teorema referente ao polinomio f(x). Entao ocriterio se aplica e f(x) e irredutıvel sobre Z, logo sobre Q. Como 18 = 232,no caso de g(x) o criterio nao se aplica, pois p = 2 divide o coeficiente lıderde g(x) e 32 divide o coeficiente do termo independente; ou seja que nadapodemos afirmar neste caso. Finalmente, h(x) tambem e irredutıvel sobreQ, pois o criterio se aplica com p = 7; observe que nao se aplica com p = 2.

(b) O criterio se aplica com p = 2 ou p = 5 para o polinomio f(x) =x6 + 10.

(c) O polinomio xn + 5 e irredutıvel sobre Q para todo n ∈ N: bastapegar p = 5; analogamente para xn + p, para todo primo p.

Como foi evidenciado nos exemplos, o Criterio nao pode ser aplicado paracqualquer polinomio. Um momento de reflexao, nos convencera do seguintefato que sao raros os polinomios para os quais o Criterio de Eisenstein eaplicavel, pois o primo p do enuneciado esta sujeito a condicoes bastante

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92 CAPITULO 3. POLINOMIOS

restritivas. Porem, polinomios para os quais o criterio nao se aplica podemas vezes ser “modificados” de forma a poderemos aplicar o criterio. Vejamosdo que estamos falando:

Se f(x) ∈ Z[x] e a ∈ Z, e facil ver que

f(x) = g(x)h(x) =⇒ f(x + a) = g(x + a)h(x + a),

pois basta substituir x por x + a na igauldade da esqueda para obtermosaquela da direita e, reciprocamente. Como a ∈ Z, a expressao f1(x) :=f(x + a) e um polinomio em Z[x]; analogamente para g1(x) := g(x + a)e h1(x) := h(x + a). Isto mostra que f(x) sera irredutıvel (sobre Z) se esomente se f1(x) o for.

Como aplicacao do “truque” acima, vamos demonstrar, no exemplo abaixo,a irredutibilidade de um polinomio muito especial. Como veremos no proximocapıtulo, este polinomio esta estreitamente vınculado a construtibilidade comregua e compasso de polıgonos regulares.

Exemplo 3.6.7. Seja n ∈ N. O Polinomio Ciclotomico (n+1)-esimo, denotadoφn+1(x), e o quociente de dividir xn+1−1 por x−1: um calculo direto mostraque

φn+1(x) = xn + xn−1 + · · ·+ x + 1.

Decidir sobre a irredutibilidade deste polinomio, para um certo valor de n, nospermite, a posteriori, decidir sobre a construtibilidade com regua e compassode um polıgono regular de (n + 1) lados (veja pagina ??). Evidentemente ocriterio de Eisenstein nao se aplica para este polinomio.

Consideremos, por simplicidade, o caso n = 4. Entao

φ5(x) = x4 + x3 + x2 + x + 1.

Com um pouco de paciencia, podemos substituir x por x + 1 em φ5(x) paraobtermos

φ5(x + 1) = x4 + 5x3 + 10x2 + 10x + 5,

que e irredutıvel pelo criterio de Eisenstein aplicado com p = 5.

De fato, se n + 1 = p e um primo qualquer, mostra-se analogamente, oque deixamos como exercıcio para o leitor, que φp(x) e irredutıvel (sugestao:use o binomio de Newton para desenvolver (x + 1)` para ` = p− 1, . . . , 2.

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3.7. EXERCICIOS 93

3.7 Exercıcios

3.7.1

Demonstre que se f(x), g(x) sao polinomios associados, digamos em D[x],entao f(x) e irredutıvel se e somente se g(x) e irredutıvel. De exemplos depares de polinomios com coeficientes em Z que nao sao associados em Z[x]mas sim em Q[x].

3.7.2

Sejam f(x), g(x) polinomios associados em Q[x]. Mostre que f(x) e g(x)tambem sao associados em R[x] e C[x].

3.7.3

Encontre mdc(f, g) onde f(x) e g(x) sao os seguintes pares de polinomios

x4 + x3 + 2x2 + x + 1 e x3 + 4x2 + 4x + 34x5 + 7x3 + 2x2 + 1 e 3x3 + x + 1x4 + x3 + 2x2 + 3x + 1 e x4 + x3 − 2x2 − x + 1

3.7.4

No exercıcio precedente, encontre a(x), b(x) tais que mdc(f, g) = a(x)f(x) +b(x)g(x).

3.7.5

Demonstre as seguintes afirmacoes onde a(x), b(x), c(x) ∈ D[x] sao polinomiose D e um corpo (sugestao: faca uma revisao das principais propriedades domdc que apreendeu no curso de aritmetica)

a) Se a(x)|b(x) e mdc(b, c) = 1, entao mdc(a, c) = 1.b) Se a(x)|c(x), b(x)|c(x) e mdc(a, b) = 1, entao a(x)b(x)|c(x).c) Se d(x) = mdc(a, b), entao a(x) = d(x)a′(x) e b(x) = d(x)b′(x) com

mdc(a′, b′) = 1.

3.7.6

Calcule o mmc dos pares de polinomios do exercıcio 3.7.3.

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94 CAPITULO 3. POLINOMIOS

3.7.7

Seria capaz de definir o maximo divisor comum e o mınimo multiplo comumde tres ou mais polinomios ? Em caso afirmativo, de uma definicao, pelomenos no caso de tres polinomios; construa exemplos.

3.7.8

Obtenha a decomposicao em fatores monicos irredutıveis em R[x] para osseguintes polinomios:

a) x4 − 1, b) x4 + x2 + 1, c) x5 − 1, d) f(x) = x4 − 2x3 + 2x2 − 2x + 1;observe que f(ı) = 0.

3.7.9

Considere o polinomio f(x) = x3 + αx + 1 com α ∈ Ra) Encontre α sabendo que 1/2 e raiz de f(x).b) Encontre a decomposicao de f(x) em fatores monicos irredutıveis em

R[x].

3.7.10

Indique quais dos seguintes polinomios sao redutıveis em R[x] e/ou em Q[x](justifique).

a) x3 +√

2x2 − x + 1, b) x2 + x− 2, c) x4 + 3x2 + 2.

3.7.11

Considere o polinomio f(x) = x6−1 (lembre a representacao geometrica dasraızes de um numero complexo).

a) Mostre que f(x) possui unicamente duas raızes reais; quais sao estasraızes ?

b) Deduza que f(x) e o produto de quatro fatores irredutıveis em R[x]:dois de grau um e dois de grau 2.

3.7.12

Encontre as raızes multiplas, com as suas respectivas ordens, dos seguintespolinomios:

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3.7. EXERCICIOS 95

a) 13x3 − x2 + x, b) x5 − 4x4 + 4x2, c) f(x) = x4 − 2x3 + 2x2 − 2x + 1.

3.7.13

Considere o polinomio f(x) = x3 + αx2 + 3x + 1 com α ∈ C. Encontre αpara que f(x) possua uma raiz multipla de ordem tres; qual e a raiz ?

3.7.14

Faca o exercıcio 3.7.12 utilizando o mdc.

3.7.15

Considere o polinomio f(x) = x4 + ax3 + (b + 1)x2 + ax + b, com a, b ∈ R.a) Mostre que f(x) = (x2 + ax + b)(x2 + 1).b) Encontre a e b para que x− 1 e x− 2 dividam f(x).c) Idem que na parte b) mas para que x2 + 2 divida f(x).

3.7.16

Encontre o polinomio monico de grau tres que possui as raızes

4, 1 + 3ı, 1− 3ı.

3.7.17

Construa polinomios monicos com coeficientes reais, e de grau o menorpossıvel, de forma que:

a) Contenha a raiz −3 dupla e 2 simples.b) Idem que na parte a) mas com (2 + ı) dupla e 1 simples.

3.7.18

Achar o polinomio monico cujas raızes tenham ordem 1 de forma que estastambem sejam raızes de

f(x) := x5 − 13x4 + 68x3 − 176x2 + 220x− 100.

Deduza a decomposicao em fatores monicos irredutıveis de f(x).

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96 CAPITULO 3. POLINOMIOS

3.7.19

Considere um polinomio da forma

f(x) = x4 + ax2 + bx + 25, a, b ∈ R.

Sabendo que f(x) possui raızes da forma α,−α, β,−β, encontre a, b, α e β.

3.7.20

Encontre o menor inteiro positivo m tal que mf(x) ∈ Z[x], e logo calculec(mf), para os seguintes polinomios f(x):

f(x) = x3 − 9

8x2 +

27

4x− 1

30; f(x) =

34

45x4 +

6

110x3 − 30

49x− 4

13.

3.7.21

Estude a irredutibilidade em Q[x] dos seguintes polinomios:

a) x4 +2x3 +2x2 +2x+2, b) 8x7− 31, c) x6 +15, d) x3 +30x2 +5x+25,e) 7x4 + 10x3 + 20x2 + 30x + 22, f) 2/3x6 − 1/2x + 1, g) x4 + x − 1, h)6x10 − 9x + 18.

3.7.22

Sabendo que m e uma raiz inteira da equacao x2 − 289 = 0, mostre que opolinomio f(x) = x2n + mxn + 102 e irredutıvel sobre Q para todo n ∈ N.

3.7.23

(a) Se f(x), g(x) ∈ Z[x], demonstre que o mdc dos conteudos de f(x) e deg(x) divide o conteudo de f(x) + g(x), que denotamos c(f + g), ou seja:mdc(c(f), c(g))|c(f + g); com um exemplo mostre c(f + g) pode nao dividirmdc(c(f), c(g)).

(b) Se m(x) ∈ Z[x] e um monomio, isto e, um polinomio com um unicotermo, demonstre diretamente (sem utilizar o lema de Gauss) que c(mf) =c(m)c(f), onde f(x) e como na parte (a).

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3.7. EXERCICIOS 97

3.7.24

Seja g(x) = x4 + b onde b ∈ Z e um inteiro que possui pelo menos um divisorprimo p tal que p2 6 |b. Mostre que g(x) e irredutıvel. E o polinomio xn + birredutıvel para todo n ∈ N ?

3.7.25

Demonstre que o polinomio ciclotomico φ7(x) e irredutıvel sobre Q (fazendoa mudanca de variaveis x = y + 1) e que o polinomio ciclotomico φ6(x) eredutıvel sobre Q.

3.7.26

Considere o polinomiof(x) = 2x3 + 5x + 5p,

onde p e um numero primo arbitrario. Analise a irredutibilidade de f(x) emQ[x].

3.7.27

Idem que no exercıcio precedente para os polinomios(a) f(x) = x4 + 7x2 + 7p, onde p e um primo.(b) g(x) = x3 + 3px2 + 5qx + pq, onde p, q sao primos.

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98 CAPITULO 3. POLINOMIOS

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