cap tulo 5 enzimas

Upload: amanda-luize

Post on 07-Jul-2015

781 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Captulo 5 Enzimass enzimas so protenas especializadas na catlise de reaes biolgicas, ou seja, elas proporcionam que as reaes qumicas tornem-se muito mais rpidas que a reao no catilada (a enzima nuclease estafiloccia acelera a reao em 5,6x1014 vezes!),o que as coloca entre as biomolculas mais importantes para o ser vivo havendo situaes onde uma pequena queda ou aumento na atividade enzimtica acarreta problemas fisiolgicos srios. A prpria evoluo do conhecimento bioqumico tem nas enzimas sua gnese, com a descoberta do poder cataltico do suco gstrico sobre as protenas e da saliva sobre o amido no incio do sculo XIX. Louis Pasteur, em 1850, postulou que as reaes fermentativas do levedo, convertendo acar em lcool, eram devidas a substncias existentes dentro do levedo, as quais foram posteriormente denominadas de enzimas (derivado do latim en = dentro + zima = levedo). Com o isolamento das enzimas fermentativas do levedo em 1897, teve incio a era mais produtiva da pesquisa em bioqumica surgindo as principais hipteses do funcionamento das enzimas dentro da clula. Em 1926, o isolamento da enzima urease, estabeleceu a natureza protica das enzimas, criando-se o conceito de que todas as enzimas so protenas, mas nem todas as protenas so enzimas. Na dcada de 80, entretanto, foram identificadas molculas de RNA que possuem atividade cataltica, as ribozimas, o que ps abaixo aquele conceito quase que dogmtico. As enzimas, entretanto, so um captulo parte no estudo das protenas e, sem dvida nenhuma, possuem suas bases de conhecimento voltadas para a compreenso da estrutura tridimensional protica. Como uma protena, uma enzima depende da estrutura terciria (ou quaternria) para exercer sua funo catalisadora, uma vez que tem que interagir com as molculas dos

A

reagentes (aqui denominados de substrato) para convert-las nos produtos, de uma maneira a diminuir a energia necessria para levar estes substratos ao estado de ativao energtica caracterizado por uma molcula em transio entre o substrato e o produto. Freqentemente, utiliza-se a analogia da chave-e-fechadura para designar a especificidade de uma enzima para seu substrato. Porm esta comparao perde fora quando se conhece enzimas que possuem mais de um tipo de substrato ou substratos que sofrem ao enzimtica por mais de uma enzima. Alm disso, o prprio espao existente para a realizao da ao enzimtica no to apertado quanto pode sugerir uma chave-efechadura. Entretanto o encaixe espacial entre a molcula do substrato com a enzima demonstra um preciosismo prprio das melhores chaves-e-fechaduras, abrindo as portas para as reaes bioqumicas. A ligao entre uma enzima a outra molcula se d de maneira complexa, uma vez que h a formao de muitas ligaes fracas entre os tomos componentes das molculas. As nicas ligaes fortes que ocorrem nesta interao enzimtica so as que ocorrem entre partes das molculas que se encaixam perfeitamente no plano tridimensional. A regio da enzima onde ocorre este encaixe denominada de stio de ligao ou stio cataltico e corresponde, geralmente, a um entalhe na estrutura da molcula da enzima formado por uma seqncia de aminocidos que garante a forma de uma cavidade (Figura 5-1). Os demais aminocidos da enzima so responsveis por manter a forma deste stio de ligao, havendo um ou mais stios de posicionamento que facilitam a ligao com a molcula de substrato formando um complexo reversvel enzima-substrato. No substrato, h sempre um grupamento que favorece uma ligao suscetvel com o stio cataltico da enzima.

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

54

A ligao do substrato com a enzima forma um complexo enzima-substrato que logo se dissocia liberando a enzima intacta e o substrato, agora convertido no produto. Dependendo do tipo de enzima, esta reao pode ocorrer entre mais de uma molcula e liberar uma ou mais molculas de produto.

Existem vrias enzimas que so produzidas em tecidos diferentes e catalisam a mesma reao, porm apresentam caractersticas qumicas ou fsicas diferentes. Elas so chamadas de isoenzimas e, freqentemente, podem apresentar afinidade diferente pelo substrato.

Figura 5-1 A ligao entre a enzima (estrutura maior, em vermelho) e o substrato (estrutura menor, em amarelo): A) o encaixe se d pelo stio cataltico da enzima.; B) h a formao de um complexo enzima-substrato; C) o substrato convertido no produto (a estrutura em azul); D) o produto liberado, regenerando a molcula de enzima.

Algumas enzimas so formadas exclusivamente por aminocidos (p.ex.: a ribonuclease pancretica), porm, a maioria precisa de um co-fator que funciona como uma espcie de calo molecular permitindo o encaixe perfeito da enzima com o substrato e proporcionando a quebra da estrutura original da molcula do substrato, iniciando a formao do produto final da reao enzimtica (Figura 5-2). Esses co-fatores podem ser ons metlicos (Fe++, Mn++, Zn++) ou compostos orgnicos denominados coenzimas (p.ex.: vitaminas hidrossolveis como a B6, B12, biotina0 etc.). Algumas enzimas utilizam um ou outro tipo de co-fator ou ainda ambos, com a parte protica denominada apoenzima e o complexo enzima/co-fator denominado holoenzima. Em alguns casos, a ligao da enzima com o co-fator no se faz de maneira permanente, porm quando esta ligao estvel, o co-fator faz parte da enzima e denominada de grupo prosttico.

Figura 5-2 A ligao da enzima com um co-fator o permite a ao enzimtica sob um substrato. Neste caso, a enzima sem o co-fator (apoenzima) no possui ao cataltica, ma somente o complexo enzima/co-fator (holoenzima).

As isoenzimas possuem importncia em interpretaes clnicas por interferir no diagnstico laboratorial de certas doenas. o cso da fosfatase alcalina, uma enzima heptica que tem a concentrao plasmtica aumentada na obstruo heptica, e que possui uma isoenzima produzida pela placenta em mulheres grvidas. Neste caso, mulheres grvidas podem ter um diagnstico errneo de obstruo heptica se o clnico no avaliar a possibilidade de um aumento da fosfatase alcalina ser em virtude da gravidez e no de um problema heptico.

Classificao das enzimasPrimariamente, as enzimas foram denominadas pela adio do sufixo ase ao noRicardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

55

me do substrato (p.ex.: amilase, urease, arginase) ou por nomes empricos (p.ex.: pepsina, tripsina). Normalmente, ao invs das denominaes empricas, as enzimas so denominadas pela reao que executam sobre determiando substrato, podendo, entretanto, ser denominada pelo nome comum quando o nome se mostrar extenso ou complexo de ser denominado. Assim sendo, a enzima hexoquinase, que catalisa a transferncia de um grupamento fosfato do ATP para a glicose, denominada de ATP-glicose transferase, porm mais conhecida pelo primeiro nome. Atualmente, existe uma classificao de uso internacional para as enzimas, onde so agrupadas em seis classes de acordo com a reao que catalisa e cada classe subdividida em vrias subclasses. As classes e subclasses recebem nmeros que as identificam e, desta maneira, permitem a classificao das enzimas em grupos de ao enzimtica. Por exemplo, a amilase, enzima que degrada o amido, identificada pelo nmero 3.2.1 (classe 3 = grupo das hidrolases; primeira subclasse de nmero 2 = grupos das hidrolases que quebram de carboidratos; segunda subclasse de nmero 1 = as glicosidases). Esta forma de classificao enzimtica no tem grande popularidade em virtude da dificuldade de fixao de todas as subclasses existentes, porm a forma internacionalmente aceita e obrigatoriamente uma enzima emzima estudada em trabalhos cientficos deve ser devidamente identificada por esta nomenclatura. Entretanto, acima de forma complicada de identificao das enzimas, esta classificao internacional possui o metido de agrupar as enzimas em seus principais grupos e facilitar o estudo dos diversos tipos de ao enzimtica. Na tabela 5-1 esto citadas as principais classes e subclasses das enzimas. A seguir, esto descritas as classes de enzimas e suas principais subclasses, especificando-se a reao a qual catalisa. CLASSE 1 - Oxirredutases: catalisam reaes onde h troca de eltrons (oxi-reduo). Desidrogenases: facilita a transferncia de hidrognio. De uma maneira geral, desi-

drogenases OH =O e C-NH2 NH possuem o NAD(P) como coenzima, enquanto que as C-C C=C so ligadas ao FAD. Desaturases: formao de ligao dupla em cido graxo. Hidroxilases: facilita a oxidao de dois doadores com a incorporao de oxignio em um dos doadores. O outro substrato oxidado, sendo formado gua. O produto final identificado pela incorporao de uma OH em sua molcula. Oxidases: h a reduo do oxignio molecular Oxigenases: h a adio de oxignio em uma molcula Redutase: uma hidrogenase que reduz o substrato.

Tabela 5-1: Classificao das enzimas Classes Reao catalisada Subclasses Oxirreduta- Transferncia de Desidrogenases ses eltrons Desaturases Hidroxilases Oxidases Oxigenases Redutases Transferases Transferncia de Quinases grupos algumas Mutases Fosforilases Polimerases Transaldolases Transcetolases Transaminases Hidrolases Transferncia de Esterases grupos funcionais Lpases para a gua Nucleosidases Nucleotidases Peptidases Fosdatases Sulfatases Liases Adio de grupos a Aldolases duplas ligaes ou Descarboxilases o inverso Hidratases Sintases Isomerases Transferncia de Epimerases grupos dentro da algumas Mutases molcula produRacemases zindo ismeros Ligases Formao de liga- Carboxilases es CC, CS, Sintetases CO e CN por condensao com gasto de energia do ATP

Ricardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

56

CLASSE 2 - Transferases: transferncia de grupos de uma molcula para outra. Quinases: transfere grupos de alta energia. Mutases: move grupo de um ponto para o outro da molcula Fosforilases: quebra de uma ligao CO pela adio de Pi. Polimerases: reaes de adio de uma unidade de polimerizao. Transaldolases: transfere um grupamento aldedo de um substrato para outro. Transcetolases: o grupamento cetona movido de uma molcula para outra. Transaminases (aminotrasnferase): transfere um grupamento amino de um aminocido para um cetocido. CLASSE 3 - Hidrolases: quebra molculas por hidrlise. Esterases: hidrolisa um ster em lcool e cido. Lipases: promovem a quebra de ligaes steres entre um cido graxo e o glicerol. Nucleosidases: degrada nucleosdeos em base nitrogenada + ribose. Nucleotidases: degrada nucleotdeos em nucleosdeos + Pi. Peptidases: quebra de ligaes peptdicas. Fosfatases: hidrlise de steres, liberando Pi. Sulfatases: hidrlise liberando sulfato. CLASSE 4 - Liases: corta ou sintetiza ligaes CC, CO e outras, por reaes que no oxidao ou hidrlise e sem envolvimento de reaes de transferncia de grupamentos de uma molcula para outra. Aldolases: forma ligao CC aps a ligao de um aldedo ou cetona com outro composto bioqumico. Descarboxilases: catalisa a remoo de CO2. Hidratases: liberao de gua durante a formao do produto. Sintases: catalisa uma sntese onde no h gasto de ATP. CLASSE 5 Isomerases: formao de ismeros.

Epimerases: promove a interconverso de epmeros (carboidratos que diferem pela posio de apenas uma hidroxila). Mutases: transferncia de grupamentos em uma mesma molcula formando ismeros. Racemases: formao de ismeros especulares inversos. CLASSE 6 - Ligases: unio de duas molculas acopladas quebra de ATP. Carboxilases: adio de CO2. Sintetases: ligao de duas molculas com quebra de pirofosfato (PP).

Por que as enzimas so catalisadores to eficazes?As enzimas so essenciais para o metabolismo celular devido a vrios fatores que envolvem seu papel que vo desde uma economia energtica celular at a extrema adaptao s condies biolgicas intracelulares. a) Aes na economia energtica celular: As enzimas so excelentes catalisadores biolgicos por diminuir a necessidade energtica para que as reaes bioqumicas aconteam, o que, por si s, j torna a reao mais rpida e eficiente. Outros efeitos levam a aumentar a eficcia da reao enzimtica, mas sem dvida essa economia celular fundamental para a compreenso da importncia das enzimas para a biologia celular. Entretanto, as enzimas no alteram a energia livre (G) da reao, em vez disso, exercem sua funo catalisadora reduzindo a energia de ativao (GAt) das reaes qumicas, promovendo uma via de reao onde os produtos so formados de maneira mais rpida, com menos gasto de energia (Figura 5- 3). Um aumento na energia livre em um sistema reacional corresponde liberao da energia existente dentro das molculas e que liberada quando os substratos so convertidos em produtos. Assim, as reaes exotrmicas (aquelas que provocam um aumento da temperatura do meio) possuem valores negativos para a variao da energia livre (G) uma vez que os produtos situam-se em patamares deRicardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

57

energia livre menores do que quando eram substratos, pois liberaram energia para o meio (e por isso o meio aquece). Pelo raciocnio inverso, as reaes endotrmicas (aquelas que consumem calor do meio) possuem valores de G positivos, pois os substratos acumularam energia alm daquela que tinham inicialmente. Nesta situao, evidencia-se uma queda da energia livre no sistema reacional, com os produtos roubando calor do meio para poderem ser formados.

Figura 5-3 As enzimas diminuem a energia de ativao necessria para converter os substratos em produtos. A variao da energia livre, entretanto, no alterada em relao reao no catalisada.

A energia de ativao corresponde a uma determinada quantidade de energia que os substratos necessitam receber para atingir um nvel energtico de instabilidade que desencadeie sua converso em produto. De uma forma geral, esta energia advm do meio reacional e est relacionada afinidade existente entre os substratos, alm da direo energtica da reao. Logo, para que uma reao ocorra, necessrio que o substrato receba energia elevando seu estado de excitao molecular at um ponto em que possibilite sua converso em produto. Todas as reaes qumicas ocorrem desta maneira, tanto as exotrmicas quanto s exotrmicas. Nas reaes exotrmicas a energia de ativao recebida devolvida completamente para o meio, acrescida de mais energia decorrente do processo exotrmico. Nas reaes endotrmicas, a energia de ativao recebida no liberada totalmente para o

meio deixando um dficit energtico aps a converso dos substratos em produtos. Na natureza, as reaes qumicas tendem a ocorrer espontaneamente na direo onde h a dissipao da energia, ou seja, no sentido em que a entropia (grau de desorganizao) aumenta. Isto significa dizer que em reaes espontneas, o produto final possui uma variao de energia livre com valores negativos, indicando a natureza exotrmica das reaes. Em bioqumica, tal calor de reao utilizado para a realizao de trabalho celular e o termo mais adequado para esse tipo de reao exergnica. Ento, h uma tendncia natural de ser mantida os nveis energticos antes e depois da formao dos produtos, havendo apenas a redistribuio da energia entre os produtos e o meio reacional. Esses conceitos dizem respeitos aos princpios gerais da termodinmica, onde a conservao da energia (primeira lei) e a mudana para nveis de maior entropia (segunda lei) so leis universais para as reaes envolvendo a produo e consumo de energia (para maiores informaes, ver Captulo sobre Bioenergtica). As enzimas no modificam o processo de produo ou consumo energtico de uma reao qumica, no alteram o equilbrio da reao, mas aumentam a velocidade da reao por diminuir a energia de ativao dos substratos. Isto acontece devido converso dos substratos em produtos ocorrer pela facilitao do alinhamento tridimensional entre os substratos, exigindo uma energia bem menor para a quebra do limiar energtico para a formao dos produtos. Esta poderosa ao cataltica possvel graas forma tridimensional do stio de cataltico da enzima (e o co-fator, na maioria das vezes) com o substrato que permite uma rpida reao, ao invs da reao no catalisada que necessitaria de um movimento e alinhamento aleatrios. Poderamos, portanto, generalizar uma reao enzimtica como: S+E ES EP P+E Onde S = substrato(s); E = enzima (mais cofator, quando for o caso); ES = complexo enzima substrato, EP = estgio que antecede a liberao de P = produto(s).Ricardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

58

Nota-se que a formao de ES limitante para a reao e ocorre em um tempo mais rpido do que ocorreria se no houvesse a catlise enzimtica. Apesar de, teoricamente, as reaes catalisadas por enzimas poderem ocorrer na sua ausncia, em termos fisiolgicos isto, na maioria das vezes, impossvel. Por exemplo, um mol de glicose (180g) quando convertida totalmente em energia em equipamentos de laboratrio, libera cerca de 680 kcal aps gastar quase 200 kcal como energia de ativao para convert-la em H2O e CO2. Entretanto a mesma reao realizada nas clulas gasta somente cerca de 20 kcal (10 vezes menos energia) a ttulo de energia de ativao, liberando os mesmos 680 kcal, isso graas incrvel economia proporcionada pelas enzimas do metabolismo energtico. Portanto, estas reaes realizadas sem enzimas na clula exigiriam uma temperatura corprea 10 vezes maior (algo como 370oC) para poderem ocorrer, fato impossvel para os seres vivos (pelo menos por aqueles que conhecemos neste planeta). b) A ao na ordem das reaes celulares: Apesar da pouca energia necessria ser um motivo muito forte para a eficcia das reaes enzimticas, muitas vezes, a reao no-catalisada impossvel em termos fisiolgicos devido rapidez que se espera na formao dos produtos para a continuidade do ciclo biolgico, ou mesmo pela necessidade de nveis energticos de ativao superior ao suportado pela clula. Ou seja, mesmo que a diferena energtica entre a reao catalisada e a no catalisada no se constitua em impedimento para que a reao ocorra, a lentido na formao dos produtos simplesmente emperraria a maquinaria bioqumica celular, levando a um colapso qumico, modificando a ordem de reaes devido ao acmulo do substrato (por ser lentamente degradado) e pela deficincia do produto (j que lentamente formado). Isto , na maioria das vezes, simplesmente impossvel em termos biolgicos ou traz efeitos secundrios graves para o organismo. Por exemplo, a enzima glicose-6fosfatase permite a liberao de glicose do

fgado para o sangue. Quando o indivduo no consegue sintetiz-la em concentraes adequadas (em virtude de uma doena gentica denominada de Doena de von Gierke) a glicose tende a se acumular nas clulas hepticas e acaba sendo degradada por uma outra enzima que, naturalmente, a degradaria em menor velocidade. Esta nova enzima que passa a trabalhar mais, a glicose-6-desidrogenase, leva sntese de pentoses em grande quantidade e esta, por sua vez, acaba sendo convertida em bases nitrogenadas de onde a adenina e a guanina em excesso iro ser convertidas em cido rico que, finalmente, acaba se depositando nas articulaes e causando uma doena extremamente dolorosa denominada gota. Esta apenas uma das muitas rotas metablicas em que o cido rico pode ser sintetizado devido a uma modificao na eficcia de enzimas do metabolismo heptico (maiores detalhes sero abordados no Captulo sobre metabolismo de bases nitrogenadas). c) Alta eficincia mesmo em baixas concentraes: Um outro fator importante na consagrao das reaes enzimticas como esteio qumico do ciclo da vida celular est no fato das enzimas serem regeneradas ao final do processo, podendo reagir com novas molculas do substrato sendo necessrias, portanto em quantidades bastante inferiores das do substrato, situao ideal para o meio extremamente diludo do citoplasma exigindo um gasto menor na sntese da enzima pelo mecanismo gentico celular. d) Especificidade enzima substrato como fator acelerador da reao: fundamental para o sucesso da reao enzimtica o fato que os substratos permanecem "presos" no stio cataltico, reduzindo os movimentos aleatrios da molcula (reduo da entropia) permitindo a catlise mais rpida. Alm disso, quando se forma o complexo enzima-substrato, as pontes de hidrognio que venham a se formar fixando o substrato na enzima, ocorrem entre o substrato os grupamentos dos aminocidos do stio cataltico (e na molcula do co-fator) e quase nuncaRicardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

59

com a gua do meio reacional. Esta ao denominada retirada da capa de solvatao e diminui a resistncia fsica das molculas dos substratos em reagirem. Tambm fundamental para a eficcia da reao enzimtica, a modificao tridimensional que a molcula da enzima sofre no momento que se liga com o substrato, favorecendo a formao das ligaes necessrias para que os produtos sejam liberados, com o alinhamento das partes afins das molculas com o gasto mnimo de energia. A falta de especificidade entre o stio cataltico da enzima com o produto formado fundamental para a liberao da enzima para nova reao (Figura 5-4).

Figura 5-4 Representao da complementaridade espacial e qumica entre enzima e substrato. A) regies do substrato possuem regies complementares no stio cataltico da enzima (aqui representado uma ponte de hidrognio, atrao inica e interaes fracas apolares); B) o complexo enzima-substrato se forma com a retirada da capa de solvatao, o que diminui a resistncia da molcula; C) o produto formado no tem especificidade com a enzima; D) as regies que antes se atraiam, agora se repelem, regenerando a enzima.

Quando h a formao do complexo enzima-substrato o cenrio molecular est armado para que haja a formao dos produtos. Note que estes fatos ocorrem de uma maneira muito rpida e dentro no stio cataltico e a especificidade das ligaes fracas que ocorrem entre os grupamentos da enzima (e cofator) com o(s) substrato(s) proporcionam um aumento da velocidade da reao. e) A ao das enzimas regulvel: Uma vez so produzidas, as enzimas iniciam sua ao cataltica at que a ltima molcula de substrato seja convertida em produtos. Esta fato pode ser fatal para a clula

por retirar um composto (o substrato) que pode ter outras vias metablicas importante e produzir uma quantidade exagerada de um composto (os produtos) que podem ser indesejveis clula. Logo, no basta que uma enzima deixe de ser sintetizada para que ela pare de fazer efeito, uma vez que continuamente regenerada. Portanto, um mecanismo de regulao da ao enzimtica torna-se indispensvel para o sucesso da ao cataltica. Em outras palavras, a enzima tem se saber quando parar e quando comear a trabalhar. Isto ocorre graas a vrios mecanismos de controle onde o principal uma diminuio (ou aumento) de sua atividade de acordo com o aumento (ou diminuio) de compostos relacionados com o produto da reao, o que estabelece um mecanismo de feedback (retroalimentao, ou seja, informao a algo de trs por algo da frente) que pode ser negativo ou positivo, de acordo com a natureza da reao. Por exemplo, o aumento da concentrao de ATP celular favorece a inibio da atividade da maioria das enzimas do metabolismo energtico atravs de um mecanismo de feedback negativo o que impede que as molculas energticas produzam indefinidamente ATP o que levaria destruio da clula pelo excesso de calor liberado no processo. No entanto, no h a necessidade do longo processo de sntese de mais enzimas para reiniciar o processo em virtude de a queda de ATP ativar as enzimas do metabolismo energtico induzindo a produo de mais ATP (esse processo denominado de regulao alostrica e ser melhor detalhado ainda neste captulo).

Mecanismos de ao enzimticaVrios mecanismos para a reao enzimtica so propostos a partir da natureza qumica dos substratos e cada reao enzimtica possui uma peculiaridade que a torna nica. Entretanto, podemos agrupar os mecanismos de reao enzimtica em trs mecanismos principais que abrangem a maioria das reaes enzimticas. So eles:

Ricardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

60

Catlise cido-bsica: Utiliza os ons H+ (catlise cida) ou OH (catlise bsica) da gua, ou a propriedade cido-bsica de alguns aminocidos, para promover a formao de um intermedirio entre os substratos e os produtos que se quebra rapidamente impedindo o retorno forma de substrato (Figura 5-5).

a)

uma reao dependente do pH uma vez que o grupamento R de vrios aminocidos varia sua carga eltrica com o pH o que interfere neste tipo de catlise. Os aminocidos Aspartato, Glutamato, Histidina, Lisina, Cistena e Tirosina so os que, freqentemente, esto presentes no stio cataltico de enzimas que funcionam atravs deste mecanismo de ao.

Figura 5-5 Modelo de catlise cido-bsica de converso de uma cetona em um enol. A) a reao no catalisada ocorre espontaneamente somente com alta energia de ativao; B) modelo de catlise cida com o grupamento cido representado por A-H ligado ao stio ativo da enzima (curvas sinuosas em cinza); C) modelo de catlise bsica onde :B o grupamento bsico ligado enzima. Tanto em B quanto em C, h o envolvimento do H+ da gua que esteqiometricamente regenerada ao final (OH- + H+) assim como a enzima em sua configurao original cida ou bsica. Observe que H a formao de um composto traasnitrio onde o substrato est ligado por ponte de hidrognio enzima. (Adaptado de Voet & Voet, 2000). Ricardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

61

Este tipo de reao enzimtica bastante comum e o grupamento cido da enzima representado A-H e o grupamento bsico por :B, representando o H+ da enzima que se ligar com o substrato e o ponto de ligao da enzima com um H+ do substrato, respectivamente. Os demais mecanismos de ao enzimticos tm sempre alguma semelhana catlise cido-bsica. Uma reao que exemplifica bem este tipo de catlise a converso espontnea de cetonas a enol, cuja energia de ativao muito alta sem a catlise enzimtica. Na presena de enzimas, a reao ocorre com menor gasto energtico para a formao do complexo de transio. Catlise Covalente: H a formao de uma ligao covalente entre a enzima (ou o co-fator) e o substrato impedindo que haja a regenerao do substrato e a rpida formao dos produtos. Portanto, h sempre a necessidade de uma reao adicional que permita a regenerao da enzima. A catlise covalente ocorre sempre entre um agente nucleoflico (afinidade por prtons) da enzima e um agente eletroflico (afinidade por eltrons) do substrato. Os principais nuclefilos so a hidroxila (-OH), sulfidrila (-SH), amino (-NH3+) e o imidazol (da histidina). Esses nuclefilos esto presentes em aminocidos polares, conforme pode ser observado na figura ver figura 4.2 do Captulo sobre Aminocidos e Protenas. Os eletrfilos mais comuns nos substratos so o on hidrognio (H+), ctions metlicos, o carbono da carbonila (COO-) e iminas (R2C=NH+, tambm denominada de Base de Schiff). Normalmente, este tipo de reao ocorre em trs etapas: 1) o nuclefilo (enzima) se liga com o eletrfilo (substrato), formando a ligao covalente; 2) retirada de eltrons pelo eletrfilo; e 3) reverso da primeira etapa com a sada do catalisador. Este tipo de reao semelhante catlise bsica, envolvendo a adio de H+ ao substrato, havendo a retirada e posterior (e posterior adio) de OH. A diferena deste mecanismo de ao para a catlise bsica b)

formada uma ligao covalente entre a enzima e o substrato no composto intermedirio. Na Figura 5-6, est exemplificada uma reao enzimtica por catlise covalente na converso de oxalacetato (cido carboxlico) em acetona pela perda de CO2, reao extremamente lenta sem a ao enzimtica. c) Catlise por on metlico: Os ons presentes na molcula da enzima (ou do co-fator, principalmente Fe+2, Fe+3, Cu+2, Zn+2, Mn+2 e Co+2) ou captados do meio no momento da formao do complexo enzima-substrato (Na+, K+, Mg+2 ou Ca+2), favorecem o alinhamento tridimensional do substrato, estabilizao do complexo transitrio ou mediar reaes de oxi-reduo.

Figura 5-6 Catlise covalente. A) reao de descarboxilao espontnea no catalisada de oxalacetato em acetona; B) pormenorizao dos passos da reao catalisada enzimaticamente, onde os diversos hbridos de ressonncia formados permitem a ligao covalente do substrato com a enzima (3) e a total regenerao da enzima, quebrando a ligao covalente e liberando o produto (8). Note que h sada e entrada de ons H+ e OH- (1, 3, 5 e 7) resultantes da ao enzimtica. Ricardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

62

Esta interao favorece uma maior estabilidade eletrosttica, o que permite que a reao ocorra com menor necessidade energtica para atingir o estado de transio. O papel desses ons metlicos semelhante ao on hidrognio nas reaes enzimticas, ligando-se a grupos carregados negativamente (p.ex.: a OH da H2O) e transferindo-os para o substrato (mecanismo que lembra a catlise cida). Porm, os ons metlicos so mais eficazes por que podem estar presentes em concentrao maior que os H+ sem modificar o pH, alm do que podem possuir carga positiva maior que +1, favorecendo uma reao mais eficaz. Um mecanismo clssico por catlise por on metlico a hidratao de CO2 em bicarbonato (HCO3-) mediada pela anidrase carbnica (Figura 5-7). A reao no catalisada forma cido carbnico somente em altas concentraes de CO2 o que acarreta a necessidade de altas condies de presso, incompatvel com o ambiente celular. Entretanto, a anidrase carbnica possui um on Zn+2 em seu stio ativo que permite a transferncia de OH para o substrato (CO2) favorecendo a formao do bicarbonato e liberando o H+ para o meio.

cado em vrias enzimas, apesar de no ter seu mecanismo totalmente elucidado atravs de experimentos laboratoriais.

Mecanismos que aceleram a reao enzimticaOs mecanismos de ao enzimtica baseados na catlise cido-bsica, catlise covalente e catlise por ons metlicos explanam a grande maioria das reaes enzimticas. Porm, algumas condies adicionais favorecem um aumento considervel na velocidade da reao enzimtica, quando presentes na molcula de enzima. o caso da existncia de pontos de atrao eletrosttica entre a enzima e o substrato que excluem totalmente a gua no stio de ligao favorecendo uma reao em condies de extrema rapidez devido aproximao mxima entre enzima e substrato. A ausncia de gua no stio ativo leva a reao condio de reao orgnicas em meio apolar que so mais rpidas que as que ocorrem em meio aquoso. Este tipo de mecanismo denominado de catlise eletrosttica e verifi-

Figura 5-7 Catlise por on metlico. A) a hidratao de dixido de carbono (CO2 )em bicarbonato (HCO3-) no catalisada; B) a catlise da reao pela enzima anidrase carbnica. O Zn+2 no stio ativo (1) absorve -OH da gua o que permite a atrao do CO2 (2). A absoro de nova -OH pelo Zn+2 (4) favorece a liberao do HCO3- e a regenerao da enzima (5). Observe que somente uma molcula de H2O degradada por mol de bicarbonato formado.

Um outro tipo de mecanismo de reao que incrementa a velocidade da reao observado quando esto envolvidos mais de um substrato e as enzimas favorecem um alinhamento tridimensional entre as molculas estabelecendo um grau de toro ideal para que os substratos reajam entre si de maneira mais rpida e com menor necessidade de energia para atingir o estado de transio. Este tipo de mecanismo denominado de catlise por efeitos de proximidade e orientao e uma maneira eficaz de acelerar a velocidade da reao enzimtica. Por fim, um efeito fundamental para a garantia de uma alta eficcia cataltica est atrelado ao fato de a enzima possuir maior afinidade pela molcula do estado de transio do que pelo substrato. Este mecanismo deRicardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

63

ao de catlise por ligao preferencial molcula do estado de transio facilita a formao rpida do estado de transio para diminuir a tenso energtica causada pela ligao com o substrato. Observe que as enzimas que possuem tal propriedade possuem alta afinidade pelo substrato, mas afinidade ainda maior pela molcula do estado de transio, porm promovem sua liberao, uma vez que o estado de transio um estgio rpido onde logo se forma o produto, com a enzima liberando-o e se regenerando rapidamente.

Cintica enzimticaComo j percebemos, a velocidade da reao no proporcional a existncia de um equilbrio de reao favorvel, ou seja, a formao de produtos em nveis de energia livre (G) mais baixos que os substratos. A diminuio da energia de ativao (GAt) o principal efeito da ao enzimtica. A velocidade da reao est atrelada, portanto, no a um valor negativo alto de G, mas uma menor variao de GAt, como observado na reao enzimtica. Qualquer reao qumica tem sua velocidade aumentada pelo aumento da concentrao dos reagentes. Nas reaes catalisadas por enzimas, um aumento da concentrao do substrato tambm aumenta a velocidade de reao, mas somente at um determinado ponto que corresponde a um valor da concentrao do substrato em que a capacidade cataltica da enzima est no mximo e a reao atinge, portanto, sua velocidade mxima, no aumentando mesmo que se aumente a concentrao do substrato (Figura 5-8). Na prtica, isto acontece quando existe mais enzima disponvel que substrato, ou seja, quando a concentrao da enzima est saturada em relao ao substrato. Quando os substratos esto em concentrao bastante inferior a da enzima, h a predominncia da forma livre da enzima uma vez que poucas molculas de enzimas so necessrias para as poucas molculas de substrato.

Figura 5-8 - A velocidade da reao enzimtica aumenta com o aumento da concentrao do substrato at o ponto em que atinge sua velocidade mxima. A partir deste ponto, a velocidade torna-se constante, independente do aumento da concentrao do substrato. KM (constante de MichaelisMenten) corresponde concentrao de substrato suficiente para atingir a metade da velocidade mxima. O valor de KM igual a [S] quando a enzima encontra-se na metade de sua velocidade mxima.

H a um aumento da velocidade da reao com o aumento da concentrao do substrato devido ainda haver enzima disponvel para a catlise. Isto, entretanto, ocorre at um determinado ponto onde h a equivalncia entre a concentrao da enzima e do substrato, o ponto de saturao da enzima. Na verdade, a saturao da enzima no ocorre quando h partes equivalentes entre o substrato e a enzima, uma vez que h uma relao distinta entre as concentraes necessrias de enzima para degradar o substrato em uma unidade de tempo, usualmente, um minuto. Assim, algumas enzimas esto funcionando a pleno vapor quando existem, por exemplo, 3 moles de enzima para cada trs moles de substratos ou, ainda, 5 moles de substratos para cada mol de enzima. Na Figura 5-9 est representada a variao da velocidade da reao enzimtica em funo da concentrao do substrato, para uma enzima hipottica que trabalhe em concentraes fictcias de 1 mol de enzima degradando 1 mol de substrato em um minuto. Como pode ser observado, quando h a saturao da enzima, a adio de mais substrato no promove o aumento da reao, no entanto, a enzima poder degradar todo o substrato adicionado, desde que tenha tempo disponvel para isso. Esta observao acresRicardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

64

centa um fator fundamental para o estudo da cintica enzimtica: o tempo.

Km = constante do equilbrio estacionrio de Michaelis-Menten [S] = concentrao do substrato Uma correlao matemtica importante observada no caso especial em que a velocidade inicial da reao exatamente a metade da velocidade mxima, isto , quando Vo = Vmx, ento teremos: Vmx Vmx [S] = 2 KM + [S] Deduzindo esta frmula, teremos que Km=[S], conforme demonstrado na anlise grfica da Figura 5-8. Podemos afirmar, ento, que a constante de Michaelis-Menten igual concentrao de substrato na qual a velocidade inicial da reao metade da velocidade mxima. Esta constante um valor importante na caracterizao da cintica enzimtica, pois uma enzima pode ter a mesmo valor de velocidade mxima que outra enzima, porm dificilmente ter o mesmo valor de KM, que ir indicar que a concentrao de substrato necessria para saturar a enzima diferente. Desta forma, reaes enzimticas que possua baixo KM iro atingir a velocidade mxima em valores de [S] bem menor, o que indica que a enzima ser bem mais rapidamente saturada com o substrato do que uma enzima que tenha o KM maior, indicando que quanto maior o KM mais lenta a reao enzimtica. Esta e outras observaes so melhores visualizadas atravs de uma modificao do grfico da Figura 5-7 atravs do grfico do duplo-recproco de Linewaver-Burk descrito na Figura 5-10. Este tipo de grfico resultante da relao dos valores inversos dos dois eixos cartesianos, no caso a velocidade inicial (Vo) e a concentrao do substrato [S]. Esta correlao permite que seja visualizado ponto importante no estudo da cintica enzimtica atravs da simples inverso dos termos na equao geral e MichaelisMenten: KM + [S] 1 = Vo Vmx [S]Ricardo Vieira

Figura 5-9 Representao esquemtica da velocidade de reao enzimtica. As figuras de A a E representam a adio crescente de substrato (crculo) em relao a uma concentrao constante de enzima (meia lua) formando um complexo enzima substrato e liberao do produto (cruz). A partir de C, a enzima encontra-se saturada e a velocidade mxima de 3 moles/mim no se altera.

Na Figura 5-8, note que existe um valor de concentrao de substrato [S] em que atingida a velocidade mxima (Vmx). Obviamente a concentrao da enzima [E] permanece constante durante a anlise, pois se aumentar [E], a tal ponto de ela no se encontrar saturada, a velocidade da reao tambm aumentar atingindo a velocidade mxima em outro patamar de [S]. Ainda no grfico da figura 5-8, observa-se que existe um determinado valor da concentrao do substrato que necessrio para se atingir a metade da velocidade mxima (1/2Vmx). Este valor de [S] denominado de Km, a constante de Michaelis-Menten, casal de pesquisadores que determinou a expresso quantitativa da relao de [S] e a velocidade da reao enzimtica, atravs da equao geral: Vo = Vmx [S] KM + [S]

Onde: Vo = velocidade inicial de uma reao enzimtica Vmx = velocidade mxima da reao

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

65

Ou, deduzindo a expresso: KM 1 1 1 x + = Vo Vmx [S] Vmx Este tipo de anlise grfica permite determinar com mais preciso a Vmx, o que se torna difcil pela anlise dos valores verdadeiros da equao de Michaelis-Menten.

A anlise do grfico duplo-recproco de Linewaver-Burk ser melhor esplanada durante o estudo dos inibidores enzimticos, ainda neste captulo.

Regulao enzimticaComo na clula existe um verdadeiro emaranhado de reaes qumicas onde os produtos de uma reao so os substratos de outras, muito comum que uma das enzimas de uma via metablica determine a velocidade de todo o processo diminuindo a velocidade da reao, limitando a velocidade para o conjunto de reaes seguidas. Este fator provoca o cmulo do substrato e o seu deslocamento para outras vias metablicas acessrias. A atividade enzimtica tambm pode sofrer alteraes com a variao do pH intracelular. Todas as enzimas possuem um pH timo de atuao onde qualquer variao para mais ou menos, modifica a eficcia da reao enzimtica. Isto se deve pelo fato de haver aminocidos cujo radicais R funcionam como cidos ou bases, doando ou cedendo prtons para o meio. Em vista disso, h a alterao da carga no stio cataltico ou na conformao tridimensional da protena de maneira que impea a ligao de forma eficaz com o substrato. Variaes na temperatura tambm diminuem a eficcia da reao enzimtica por modificar o equilbrio qumico. Variaes extremas de pH (geralmente abaixo de 4,0 e acima de 8,0) e temperatura (acima de 56oC) in vitro terminam por desnaturar de maneira irreversvel as enzimas Existem vrios tipos de enzimas de regulao, dos quais enfatizaremos trs: a) Enzimas alostricas: Neste importante tipo de regulao, h a formao de uma ligao no-covalente e reversvel da enzima com o seu produto ou (mais freqentemente) com um dos produtos das reaes seguintes, levando a desestabilizao da sua forma tridimensional o que impede a regenerao para consumir nova molcula do substrato. Na molcula da enzima h um ponto especial para o encaixe com esse metablito regulador, denominado stio de regulao ouRicardo Vieira

Figura 5-10 O grfico do duplo-recproco de Linewaver-Burk onde so determinados pontos importantes no estudo da cintica enzimtica. Os valores de 1/VMx so visualizados na interseo no eixo da 1/Vo, enquanto que o valor de -1/KM corresponde interseo com o eixo de 1/[S]. Como correspondem a valores inversos, quanto maior o KM, mais para a esquerda o ponto de interseo e quanto menor a velocidade mxima, mais abaixo o ponto de interseo, e viveversa.

Por essa anlise, o grfico adota uma configurao linear onde a inclinao corresponde a relao KM/Vmx. Note que como os valores plotados so os inversos dos reais, quanto maior a inclinao para cima, maiores sero os maiores os valores do eixo 1/Vo, ou seja, menor a velocidade e, portanto, mais lenta ser a reao enzimtica. Logo, quanto maior a inclinao para baixo, mais veloz a reao. Da mesma forma, quanto mais para a direita, menor o valor de KM. Portanto, como a inclinao est diretamente relacionada com o KM uma queda em seu valor leva a uma queda na inclinao do grfico o que revela que quanto maior for o KM, mais lenta ser a velocidade reao. Esta queda na velocidade pode ocorrer, ainda, sem a modificao do valor do KM, bastando para isso que diminua somente o valor da velocidade mxima, mantendo-se o KM inalterado, como o caso de certos inibidores que se ligam ao stio ativo da enzima e a impedem de catalisar a reao.

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

66

alostrico (do latim alos = outros e estereo = espao, lugar). Ocorre um feedback negativo entre o produto e a enzima, impedindo que nova lomlcula de produto seja produzida. Esse regulador pode ser um ativador da atividade enzimtica aumentando a velocidade da reao por aumentar a especificidade com o substrato (feedback positvo). O prprio substrato pode desempenhar o papel de regulador (nas enzimas ditas homotrpicas). Quando o regulador diferente do substrato, a enzima denominada de heterotrpica. O trmino da regulao ocorre com a retirada do regulador da molcula da enzima, uma vez que a ligao que os une no covalente irreversvel. Esta sada est condicionada ao requerimento da molcula reguladora para a via metablica e se d quando sua concentrao cai o que vai estimular a enzima (que estava inibida) a produzir mais produto. Esta regulao paradoxal onde o produto inibe sua prpria sntese extremamente eficaz e controla a velocidade de formao do produto e degradao do substrato. Um exemplo clssico deste tipo de regulao observado durante o metabolismo energtico, onde o ATP promove a inibio alostrica na maioria das enzimas na via metablica do ciclo de Krebs (ver Captulo sobre Bioenergtica). Enzimas reguladoras por ligaes covalentes reversveis: H a formao de uma enzima inativa pela adio de grupamentos fosfato inorgnico (Pi = PO3-), AMP (adenosina mononucleotdeo fosfato), UMP (uridina mononucleotdeo), ADPribose (adenosina difosfato + ribose) ou metil (CH3), atravs de ligao covalentes por intermdio de outras enzimas. Este tipo de regulao gera enzimas inativas quando ligadas ao grupamento, havendo sua ativao com a retirada do grupamento. um mtodo, tambm, bastante eficaz uma vez o grupamento adicionado pode ser o produto de sua prpria via metablica (uma regulao alostrica) ou, mais freqentemente, o produto de uma via metablica paralela sujeita regulao prpria. b)

A ativao e inativao das enzimas da glicogenlise (degradao do glicognio) atravs de enzimas fosforilases oriundas de via metablica regulatria do metabolismo de hormnios como o glucagon um bom exemplo deste tipo de regulao (ver o Captulo sobre metabolismo de carboidratos). c) Enzimas reguladas por clivagem proteoltica: Neste tipo de regulao, h a participao de um precursor inativo da enzima, denominado zimognio que corresponde a uma enzima com aminocidos a mais dos que os necessrios para a funo cataltica. Na forma de zimognio, esses aminocidos adicionais impedem a ao cataltica da enzima. Esse tipo de enzimas regulador retira peptdeos ou aminocidos do zimognio proporcionando a sua ativao. Note que a retirada dos aminocidos mediada por enzima que possuem mecanismos prprios de regulao, na maioria das vezes alostricos. Uma bom exemplo deste tipo de regulao o mediado pela enzima renina, produzida pelas clulas justaglomelurares renais, que retira aminocidos da molcula de angiotensinognio (o zimognio) e a converte em angiotensina I. Ainda nesta mesma via metablica, a angiotensina II tem aminocidos retirados por outra enzima, a ECA (enzima conversora de angiotensina) gerando a angiotensina II, potente vasoconstritor e ativador de outras reaes biolgicas. Alm desses trs mecanismos bsicos, a atividade enzimtica tambm pode sofrer alteraes com a variao do pH intracelular. Todas as enzimas possuem um pH timo de atuao onde qualquer variao para mais ou menos, modifica a eficcia da reao enzimtica. Isto se deve pelo fato do grupamento funcional estar ionizado nas ligaes peptdicas (ver Captulo 4 sobre protenas) e de haverem aminocidos cujo radical R funcionam como cidos ou bases, doando ou cedendo prtons para o meio. Em vista disso, h a alterao da carga no stio cataltico ou na conformao tridimensional da protena de maneira que impea a ligao de forma eficaz com o substrato.Ricardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

67

Variaes na temperatura tambm diminuem a eficcia da reao enzimtica por modificar o equilbrio qumico. Variaes extremas de pH (geralmente abaixo de 4,0 e acima de 8,0) e temperatura (acima de 56oC) in vitro terminam por desnaturar de maneira irreversvel as enzimas. Entretanto, a variao de pH e temperatura no podem ser encarados como um mecanismo regulador, uma vez que h o decrsmo generalizado de todas as enzimas dentro de uma mesma via metablica. Tais fatores so, portanto, acessrios no estudo da regulao enzimtica.

Mecanismos de inibio enzimticaA reao enzimtica pode, ainda, sofrer ao de agentes inibidores que diminuem a velocidade da reao, agindo por mecanismos diversos que podem ser produtos do prprio metabolismo celulares ou externas ao organismo, como o caso de vrios tipos de medicamentos. Essa ao inibidora, longe de ser um empecilho reao, mostra um eficaz mecanismo de regulao quando associado a uma via metablica onde o inibidor um dentre os muitos produtos da via. Os mecanismos de inibio so, em sua maioria, reversveis, havendo a regenerao da ao enzimtica quando cessa ao do inibidor. Entretanto, alguns inibidores agem de forma mais drstica ligando-se irreversivelmente enzima, destruindo sua ao cataltica. Neste caso, somente a sntese de nova molcula de enzima restaura sua ao, o que nem sempre possvel, pois a inibio pode levar morte da clula como o caso de vrios antibiticos desenhados para destruir enzimas chaves do metabolismo bacteriano. Os principais tipos de inibio podem ser agrupados em trs grupos distintos: a) Inibidores enzimticos competitivos: Reagem reversivelmente com a enzima livre no stio cataltico em competio com o substrato, para formar um complexo enzima-inibidor. A inibio ocorre em virtude de uma extrema similarida tridimensional do inibidor

com o substrato, entretanto a enzima no promove sua quebra, ao invs disso fica impedia de ligar-se com o substrato, que passa a se acumular. Com o aumento da concentrao do substrato, aumenta a probabilidade da enzima ligar-se ao substrato e no ao inibidor o que leva ao fim da inibio. Desta forma, o efeito inibidor se d de maneira mais eficaz em concentraes baixas do substrato e revertido por grandes concentraes de substrato. Esses efeitos podem ser observados no grfico de velocidade de reao (Figura 5-11) onde o ponto chave da anlise fica por conta da no mudana da velocidade mxima da reao, que se torna, entretanto, mais lenta devido diminuio do valor do KM, conforme discutido anteriormente. b) Inibidores no-competitivos: Reagem com a enzima livre, mas no no stio cataltico. o tipo clssico de regulao alostrica. Como a ligao do inibidor no se faz no stio cataltico, no h diminuio da inibio com o aumento da concentrao de substrato como na inibio competitiva. Logo, a nica maneira de reverter a inibio a retirada do inibidor da molcula da enzima, o que feito, geralmente, por ao de outra enzima. Como a queda na velocidade da reao ocorre independentemente da concentrao do substrato, o KM sofre mnima ou nenhuma variao, o que indica que o aumento da inclinao do grfico de Linewaver-Burk (queda na velocidade) induzido pela queda da Vmx, Na Figura 5-12 esto descritas as implicaes de uma inibio no competitiva na anlise grfica da cintica enzimtica. Alguns tipos de inibidores no competitivos podem combinar-se reversivelmente com o complexo enzima-substrato ao invs do substrato, evitando a formao de produtos. Este tipo de inibio freqentemente denominada de incompetitiva e obedece aos mesmos princpios cinticos da inibio nocompetitiva. c) Inibidores irreversveis: Promovem uma alterao permanente, qumica, de algum grupo funcional essencial na molcula da enzima. Muitos medicamentos modernos so inibidores irreversveis de umaRicardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

68

reao enzimtica especfica o que confere uma alta especificidade e poucos efeitos colaterais. A destruio do stio cataltico promove a queda sumria da velocidade da reao enzimtica, com a observao do aumento do valor de KM e a queda da Vmx. Este efeito o mesmo observado quando se analisa uma mesma reao enzimtica frente a concentraes diferentes de enzima, devido ao efeito inibitrio ser definitivo e retirar as enzimas do meio.

Figura 5-12 O efeito de inibidores nocompetitivos na anlise grfica da cintica enzimtica. A) devido ao impedimento no stio cataltico, a enzima inibida no pode atingir a velocidade mxima e um aumento de substrato no reverte a inibio. B) a queda da Vmx a causa do aumento da inclinao do grfico enquanto que o valor de KM apresenta pouco ou nenhum aumento.

Figura 5-11 Anlise grfica da ao de inibidores enzimticos competitivos. A) o efeito do inibidor leva a uma queda na curva, com aumento do KM e manuteno dos valores de Vmx; B) grfico de LinewaverBurk onde os valores inversos da velocidade e de [S] revelam que a inibio competitiva ocorre com o aumento do KM (aumento da inclinao).

EXERCCIOS 1. Descreva a estrutura molecular bsica das protenas. 2. Conceitue isoenzimas, co-enzimas e holoenzimas. 3. No que se baseia a classificao das enzimas? 4. Quais as principais classes enzimticas? 5. Por que as enzimas so catalizadores to eficazes? 6. Descreva os mecanismos de ao enzimtica. 7. Comente sobre alguns fatores que aceleram a ao enzimtica. 8. Quais as caractersticas bsicas da cintica enzimtica? 9. Quais os mecanismos de regulao enzimtica?Ricardo Vieira

Fundamentos de Bioqumica Captulo 5: Enzimas

69

Para navegar na internet Fundamentos de Bioqumica www.fundamentosdebioquimica.hpg.com.br Image Library of Biomolecules: www.imb-jena.de/IMAGE.html Webioqumicawww.pucpr.br/disciplinas/bioquimica/Webio1.html

3D Images of proteins www.imb-jena.de/IMAGE.html

Ricardo Vieira