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Multitemáticas - Ano III - nº 03 - Jan/Jun 2005

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Revista da Faculdade de Educação

ReitorProf. Tais ir Mahmudo Kar im

Vice ReitorProf . Almir Arantes

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós GraduaçãoProf . Laudemir Luiz Za rt

Pró-Reitor de Ensino e GraduaçãoPro f. Neodir Paulo Travess ini

Pró-Reitora de Extensão e CulturaPro fª. Solange Kimie Ikeda Castr i l lon

Pró-Reitor de Adm. e FinançasPro f . Wi lbum de Andrade Cardoso

Pró-Reitor de Planejamento e Desenv. InstitucionalProf. Marcos Francisco Borges

Diretor da Faculdade de EducaçãoProf. A fonso Maria Pereira

EDITORA UNEMATAv. Tancredo Neves, 1095 - CavalhadaCáceres-MT – CEP: 78.200-000Fone: 65 221 0081 – Fax: 65 221 [email protected]

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO

REVISTA DA FACULDADE DE EDUCAÇÃOAv. Tancredo Neves, 1095 Cavalhada IIICáceres/MT CEP: 78.200-000Fone: 65 221 [email protected]

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Ademar de Lima CarvalhoCláudio Luis de Alvarenga Barbosa

Eliseu Picitelli/ Izumi NozakiHeloisa Salles Gentil

Ilma Ferreira MachadoIrton Milanesi

Maria Aparecida MorgadoMaria Luján MattiaudaMônica Vasconcellos

Sonia Maria Vieira NegrãoTerezinha Fonseca de Carvalho Araújo/ Fábio Reis Coronel

Valdir Silva/ Danilo Cristófaro A. da Silva/ Paulo Henrique Celestino

REVISTA DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO

Conse l ho Edi tori a l

Afonso Maria Pereira – UNEMATAlmeri Carlos Bampi – UNEMATBeleni Salete Grando – UNEMAT

Eliane Siqueira de Medeiros Lázari – UNEMATJosiane Magalhães – UNEMAT

Ilma Ferreira Machado - UNEMATIrton Milanesi - UNEMAT

Manuel Francisco de Vasconcelos Motta -UFMTMaria Aparecida Morgado - UFMT

Maria Izete de Oliveira – UNEMAT (Coord)Tânia Maria Maciel Guimarães – UNEMAT

Tatiane Lebre Dias - UNEMAT

Conse l ho Consu l t i vo

Ana Canen - UFRJAbigail Alvarenga Mahoney – PUC/SP

Claudia Davis – PUC/SPFarid Eid - UFSCAR

Filomena Maria de Arruda Monteiro – UFMTJadir Pessoa – UFG

José Cerchi Fusari – FEU/SPLaurinda Ramalho de Almeida – PUC/SP

Luiz Carlos de Freitas – UNICAMPMarilucy Bittar – UCDB/MSMauro Cherobim – UNESPMelania Moroz – PUC/SP

Vera Placco – PUC/SP

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Revista da Faculdade de Educação

Revista da Faculdade de Educação: Política EducacionalRevista da Faculdade de Educação/Unemat. Ano III n.3 /Jan-Jun.2005, Cáceres-MT

Conse l ho Edi tori a lAfonso Maria Pereira - UNEMATAumeri Carlos Bampi - UNEMATBeleni Salete Grando - UNEMATEliane Siqueira de Medeiros Lázari - UNEMATIlma Ferreira Machado - UNEMATJosiane Magalhães - UNEMATMaria Aparecida Morgado - UFMTMaria Izete de Oliveira (Coordenadora) - UNEMATManoel Francisco de Vasconcelos Motta - UFMTTânia Maria Maciel Guimarães - UNEMAT

Rev i s ãoMaristela Abadia Guimarães - Editora Unemat

C a p aGuilherme Angerames R. VargasCarlos Roberto Batista Júnior

Edi tor Responsáve lMarilda F. Dias Pereira - Editora Unemat

Pro jeto Gráf ico, Edi toração e Diag ramaçãoValter Gustavo Danzer - Editora Unemat

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UnematISSN 1679-4273_______________________________________________________Revista da Faculdade de Educação-FAED/Universidade do Estado de Mato Grosso: Multitemática. Coordenação de Maria Izete deOliveira.Cáceres-MT: Editora Unemat, 2005.187 p.Semestral (Jan-Jun-2005) ano III nº 3.(Jan-Jun.2005). Cáceres-MT : Faculdade de Educação/ Editora Unemat,2005.

1. Educação 2. Multitemática

CDU: 37 (051) ______________________________________________________

Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem aprévia auto r ização por escr i to da edi tora.

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APRESENTAÇÃO .............................................................. 07Maria Izete de Oliveira

A COR DO TOM: A AVALIAÇÃO AO SABOR DA TRAMA DE UMJUÍZO DE VALOR ...................................................................... 09Ademar de Lima Carvalho

AVALIAÇÃO ESCOLAR COMO ATITUDE FILOSÓFICA ................. 23Cláudio L. de A. Barbosa

O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E A CAPACIDADEDE APRENDIZAGEM DA CRIANÇA EM FASE DE ALFABETIZAÇÃO .. 43Elizeu Pichitelli/Izumi Nozaki

DESAFIOS POSTOS PARA A AVALIAÇÃO DE ENSINO ................... 55Ilma Ferreira Machado

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR ............................. 62Irton Milanesi

APROVAÇÃO POPULAR DE EXECUÇÃO LEVADAS A TERMO PORPOLICIAIS MILITARES: um desafio político-pedagógico para omovimento de direitos humanos .................................................. 74Maria Aparecida Morgado

ENSEÑAR A COMUNICARSE EM UMA LINGUA EXTRANJEIRA: eltranscurso de los ....................................................................... 96Maria Luján Mattiuda

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR PESQUISADOR: uma possívelalternativa para melhoria da qualidade do trabalho docente ............ 107Mônica Vasconcellos

O ATENEU: a organização do trabalho escolar ............................. 116Sonia Maria Vieira Negrão

SUMÁRIO

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O USO DO COMPUTADOR COMO RECURSO PEDAGÓGICO:contribuições para uma postura mais autônoma do professor e doaluno no processode aprendizagem de língua inglesa ..................... 140Valdir Silva

RESENHADEMOCRACIA E CONSTRUÇÃO DO PÚBLICO NOPENSAMENTO EDUCACIONAL BRASILEIRO ................................ 166Terezinha Fonseca de C. Araújo/ FábioReis Coronel

COMU NICAÇÃOCURRÍCULO, CULTURA E FORMAÇÃO DE IDENTIDADES NOPROJETO PARCELADAS.............................................................. 169Heloisa Salles Gentil

SOBRE OS AUTORES ....................................................... 184

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS TEXTOS ................. 186

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APRESENTAÇÃO

A Revista Faculdade de Educação da UNEMAT tem como objetivoviabilizar a dissiminação do conhecimento produzido pelos docentesdas licenciaturas da UNEMAT e de outras Instituições de Ensino Superior.Esta Revista, composta de artigos, comunicações e resenhas, traduz-seem um instrumento que pretende estimular a produção dos profissionaisda educação originados de pesquisas advindas de cursos de pós-graduação ou institucionais, de resultados de práticas pedagógicas,experiências em atividades de extensão universitária ou de análise ediscussões das teorias existentes na área educacional. Nesse sentido,visa oportunizar a veiculação das produções universitárias, estendendo-as à comunidade interna e externa da Instituição.

A Revista da FAED é registrada junto ao Instituto Brasileiro deInformações em Ciência e Tecnologia – IBCT, sob o ISSN 1679-4273. Asua publicação é semestral e temática e está aberta para receberdemanda contínua. Seu lançamento ocorreu em dezembro 2003,abordando “Política Educacional”. O segundo número, lançado emjulho/2004, tratou sobre “Profissionais da Educação”. Este número,“Multitemático apresenta contribuições de pesquisadores em várias áreasde conhecimento.

Nesta terceira edição, obtivemos uma conquista que foi acomposição da equipe de Conselheiros Consultivos e Consultores Adhoc formados por profissionais da educação de várias instituiçõesreconhecidas nacionalmente.

Na seção Artigos apresentamos dez textos, conforme descriçãoa seguir:

Ademar de Lima Carvalho aborda a questão da avaliaçãodo processo ensino e aprendizagem refletindo sobre a prática avaliativa,cujo eixo norteador é a experiência educativa de “ensinante e aprendiz”,ancorado ao aporte teórico da pedagogia crítica na dimensão dopensamento epistemológico e educativo freiriano. Cláudio Luis deAlvarenga Barbosa, em seu artigo, defende a idéia de que a dimensãopolítica só pode se manifestar em toda sua plenitude na prática docentequando subsidiada pela dimensão técnica do processo ensino-aprendizagem. Eli seu Pichitel l i e Izumi Nozaki discute odesenvolvimento da linguagem como condição necessária àaprendizagem. Ilma Ferreira Machado discute a avaliação de ensinoafirmando que, no meio acadêmico, professores e alunos manifestam

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uma grande preocupação em relação a esse tema, caracterizando-ocomo um processo carregado de desafios, diante do qual se vêem,muitas vezes, confusos, sem saber como agir. Irton Milanesi apresentareflexões teóricas sobre o pensamento dos estudiosos da avaliação daaprendizagem, com base nos pressupostos que a sustentam no atualcontexto escolar, o estudo caracteriza as práticas estabelecidas,principalmente na relação entre os seus agentes. Maria AparecidaMorgado aborda as recorrentes manifestações de aprovação àsexecuções de civis levadas a termo por policiais militares, destacando oentrelaçamento de fatores históricos, culturais e psicológicosdeterminantes do fenômeno e suas implicações para o Movimento deDireitos Humanos. Maria Luján Mattiauda mostra o transcurso dosmétodos de ensino de língua estrangeira, tendo como parâmetro alinha histórica que destaca uma grande variedade de enfoques emétodos. Mônica Vasconcellos propõe uma análise sobre o papelda formação professores nos dias atuais e discute as contribuições quea formação pode proporcionar às escolas frente às transformaçõesocorridas nos últimos tempos. Sonia Maria Vieira Negrão realizauma análise da organização pedagógica que se encontra representadano romance O Ateneu, de Raul Pompéia, como forma da perceber ascontradições e as determinações sociais aludidas pelo romancista, afim de provocar reflexões sobre uma prática pedagógica alternativapara o ensino superior. Valdir Silva, Danilo Cristófaro A. daSilva e Paulo Henrique Celestino neste artigo, analisam o uso docomputador como recurso pedagógico na/para a construção demateriais didáticos. Terezinha Fonseca de Carvalho Araújo eFábio Reis Coronel resenharam a obra Democracia e Construçãodo público no pensamento educacional brasileiro de Fávero e Semeraro,Heloisa Salles Gentil apresenta a comunicação Currículo, culturae formação de identidades no Projeto Parceladas.

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A COR DO TOM: A AVALIAÇÃO AOSABOR DA TRAMA DE UM JUIZO DE

VALOR1

Ademar de Lima Carvalho

RESUMO:O presente artigo aborda a questão da avaliação do processo ensinoe aprendizagem. Para refletir sobre a prática avaliativa, tomo como eixonorteador de inspiração metodológica a experiência educativa de “ensinante eaprendiz”, ancorado ao aporte teórico da pedagogia crítica na dimensão dopensamento epistemológico e educativo freiriano. Parto da compreensão quea avaliação é resultado da concepção de educação e tem uma relaçãoindissociável à organização do trabalho pedagógico da escola. Nestemovimento, entende-se que, o ato de avaliar não é neutro, obedece a regrastécnicas e políticas. Desta feita, aqui a avaliação está sendo compreendidacomo um ato político que potencializa o desenvolvimento da capacidade de oaluno pensar, construir e reconstruir conhecimento.

PALAVRAS-CHAVE: avaliação; prática educativa; aprendizagem.

ABSTRACT: The current article approaches the question of lhe teaching andlearling assessment practive. Taking as a turn point o methological inspiration,the educative experience of being teacher-and-lernar; based on the theoricalsupport of the critical pedagogy in the dimension of Freire´s epistemologicalend educative thoghtes. I start from the comprehension that the assessment isthe result of na educational conception and it has a strct relation to theorganization of the pedagical work oh the school. Like this, on can understandthat, the act of evaluating isn´t neuter, it obeys the tecnical and political rulus. Inthis sense, the assessment here is being understood as a poliitical act thepowers the studentes´development in thinking, building and rebuilding theknowlege.

KEY WORDS: evaluation; practical educative; learning.

O objetivo que se pretende com este texto é apresentar umareflexão sobre a avaliação e sua função política no processo de ensinoe aprendizagem. Portanto, o título que dei a este artigo, a cor do tom:a avaliação ao sabor da trama de um juízo de valor, parece não soarbem aos nossos ouvidos. O educador, o professor e o estudante podem

1 Este artigo é resultado de uma palestra proferida na XII Semana de Pedagogia/2004 – Departamentode Educação/CUR/UFMT

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ter ficado surpreendidos por ser agora convidados a mergulhar/navegarcomigo no universo da educação e libertar-se do preconceito acercada avaliação. O meu desejo é que todos os educadores e estudantessintam-se convidados a percorrer comigo um caminho possivelmenteárduo, porém, necessário para diagnosticar a aprendizagem e a própriaprática dos atores envolvidos no processo educativo na perspectiva demelhorar a qualidade do desenvolvimento humano dos sujeitos. Nãose assuste, tal desafio pressupõe a compreensão de que a tarefa doeducador, do estudante é muito simples, ou seja, basta que aprenda aremover as pedras do caminho para que possa compreender a novidadeoriginal de seu tempo.

Mas, antes de adentrar no âmago da questão da avaliação epensar no amanhã, faço referência à necessidade de viver o presente.Neste meio século de existência, no movimento do processo de estudantee educador, de tanto ouvir falar de avaliação, reprovação, progressãoautomática, ciclo e, assim, de tanto me encharcar das implicações queincidem nesses processos e na sua relação com a formação deprofessores – especialmente os da escola pública -, transformei-menuma espécie mutante da lucidez do “maluco beleza”.

Nessa dimensão da maluquice mutante, o ato de assumir aopção de trilhar o caminho profissional do ser professor é ter a coragemde envolver no processo de desatar os “nós-mutantes” que impulsionamo educador e, assim, o educando, a descobrir o sentido da vida,sobretudo, a entender que a prática pedagógica no cotidiano da salade aula é decorrência do projeto assumido como sujeito histórico social.Educar, ensinar, aprender, avaliar configuram como um tecidoepidérmico dessa realidade.

Por outro lado, vale ressaltar que, escrever sobre avaliaçãopara um público especial como professores e estudantes constitui semprenum desafio, deixa-me perplexo e, por isso, - começo dizendo - quenesta reflexão sobre a avaliação e sua função política, a minha atitudediante da realidade objetiva é de um mero espectador, contudo, com afinalidade de ficar simplesmente numa posição nuclear necessária paramelhor compreender o significado do jogo. Ao me colocar na posturado espectador, no entanto, não me eximo da responsabilidade doenvolvimento ativo na realidade. Trata-se, meramente de uma opçãometodológica quanto à perspectiva apenas de ocupar uma posiçãofocal que tem por finalidade contemplar o todo. É que, como coadjuvantedo espetáculo, o cenário despertou-me a curiosidade para entenderque pensar a prática é o instrumento – eficiente e eficaz - que o professor

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dispõe para apreender a dimensão significativa de toda a experiênciaeducativa de “ensinante e aprendiz”.

Portanto, é importante destacar que a ação educativa só passaa ter significado quando todos estão imbuídos da necessidade e desejode responder a um desafio. Hoje somos induzidos a compreender anovidade original da arte de ensinar: a avaliação. Em suma, o quesustenta nossa perspectiva é a certeza de que o que move o educadoré a paixão pela compreensão e a decisão de inovar a prática.

Não se amedronte! Avaliar o eu, o outro e o universo circundantefaz parte da dinâmica cotidiana da vida. Logo, aprender conjugar overbo avaliar - fazer juízo de valor - é uma necessidade inerente aodesejo humano. Avaliar é “interrogar e interrogar-se”. É acreditar que,a cada dia que nasce, a cada aula ministrada, ressurge a esperançade uma educação de qualidade social que projeta o ser humano, comosujeito autônomo na construção da existência. A avaliação implicanum comprometimento político da escola e do professor com aaprendizagem significativa do aluno, no sentido de colaborar com asua atuação crítica como cidadão no mundo. Por isso, que a açãoavaliativa do professor tem como conseqüência o compromisso político,visando potencializar o desenvolvimento qualitativo da aprendizagemdo educando, tanto no aspecto formal como na dimensão político social.

Avaliar, como afirma Correa (2003), é compreender que o “nãoaprender é parte indissociável do processo de aprender” e que “aprenderé condição de sobrevivência de qualquer organismo vivo”. Isso nos fazcompreender que pensar sobre a questão da avaliação implicaindispensavelmente partir da premissa de que o ser humano está sempreem processo de aprendizagem. Como o ser humano é um ser queavalia permanentemente, já que está envolvido diretamente numconjunto de relações permeadas de valores, exige-se que o sujeitopromova a auto-avaliação, visando à afirmação de sua identidadecomo sujeito social.

O fato real é que o desejo de saber é inerente ao ser humano,porém a forma de ensinar no cotidiano escolar pode levar a exaurir avontade de o estudante construir conhecimento na dimensão informale formal. Um projeto educativo que distancia o fazer pedagógico davida estimula no educando o desejo de não aprender. Por outro lado,vale lembrar que é função da escola criar as condições necessáriasque seduzem o sujeito a querer aprender e produzir conhecimento.Frente a esse universo de contradição que separa a escola da históriade vida do sujeito, o “desejo desse aluno poder ser de não aprender,

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porque, para ele, aprender, inconscientemente, pode significar morrerenquanto sujeito, perder a sua identidade, sofrer etc. O não-aprenderé a melhor saída que esse aluno encontrou para salvar-se como sujeito”(CORREA, 2003, p.72).

A identidade do sujeito é uma construção social e histórica que,sem dúvida, é desenvolvida mediante o encontro com diferentes vertentesda realidade que, por ser esta sempre sujeita a uma imensa gama deinterpretações e reações. Assim, a prática educativa no cotidiano escolar,por intermédio da avaliação, vai plasmando no aluno um conceitodaquilo que sabe a seu respeito, de sua capacidade de aprender eproduzir conhecimento que, por sua vez, pode apresentar-se pelasnoções de sucesso ou fracasso. A perda da capacidade de auto-avaliar, retira do sujeito a percepção do sentido e do significado quetem do valor de sua existência e, conseqüentemente, o resultado destasituação é a produção do esvaziamento da memória histórica,degradação da identidade social do sujeito.

A questão nuclear que desafia a todos nós é a tomada deconsciência do lugar onde estamos-representamos quando avaliamos.A bem da verdade, para compreender a avaliação escolar na suaampla dimensão é preciso penetrar no processo da organização escolarformal, seriação, ciclo e pressupostos que os fundamentam, naperspectiva de entender como está organizada a sua concepção deespaço e tempo, da finalidade social da educação e do processo deensino e aprendizagem e descortinarmos os efeitos que essas estruturaspromovem sobre o processo educativo, sobre a formação dos sujeitos.Outro aspecto que precisa ser considerado é que, subjacente ao ato deavaliar, está presente uma rede de relações que precisa ser desvelada.É a compreensão do significado do processo social e educativo queenvolve a trama dessas relações e o engajamento político como sujeitode transformação que indicam o caminho a ser percorrido - peloprofessor- no movimento de ensinar, aprender, construir e avaliar.

O ato de avaliar não é neutro, obedece a regras - sociais,concepção de educação e conhecimento-, diz respeito à “como seorganizam os tempos e os espaços da escola”. Na compreensão deFreitas (2003, p. 14) “o espaço mais famoso da escola é a sala de aulae o tempo mais conhecido é o da seriação das atividades e dos anosescolares. Essa construção obedece a certas finalidades sociais, já quea escola é uma instituição social”. Portanto, refletir sobre o papel políticoque a avaliação desempenha no processo de ensino e aprendizagemdo aluno é fundamental para que o professor compreenda a política deorganização da escola na atualidade, bem como o processo histórico

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de seu distanciamento e aproximação em relação à vida e à práticasocial.

Nesse sentido, vale ressaltar que a educação formal desempenhauma função central no processo de formação dos sujeitos históricos. Épor isso que, para melhor entender a questão da avaliação, faz-senecessário que esta seja perspectivada em sua relação com as políticaspúblicas e concepção de educação que as produzem historicamente.Diante dessa situação, faço as seguintes interrogações: que funçãodesempenha a escola aonde você trabalha? A escola, de modo particulara pública, promove o ensino de qualidade para todos os estudantes? Éo nível socioeconômico ou o pedagógico na escola que faz a diferençana aprendizagem do aluno?

A razão maior, como diz Freitas (2003), é que “há uma hierarquiaeconômica fora da escola que afeta a constituição das hierarquiasescolares” que pode ser ou não determinista na forma de compreendera prática social. O fato real é que “há uma sociedade construída sobrea égide da competição” que produz a seletividade social e a escolapública foi gestada e está sendo gerida no seio dessa organizaçãosocial excludente. Essa prática seletiva e excludente vem sendoreproduzida no cotidiano da sala de aula por uma ação educativaeivada de ingenuidade desconfigurada pela falta de apropriação deum suporte teórico que dá conta da compreensão da realidade quetrabalha (explicar, captar a essência para poder intervir). É importanteque seja compreendido pelo professor que há uma ideologia propagadapelo sistema, que existe uma educação básica para todos, porém “aunificação dos tempos” dissemina a idéia da diversificação dosdesempenhos.

A sociedade que se organiza a partir da dinâmica dahierarquização econômica é por natureza seletiva. Logo imprime umapolítica educativa que pede que a escola também distribua seletivamenteo conhecimento. Este modelo de escola que separa a sua ação educativada vida do sujeito aprendiz

foi ditado por uma necessidade ligada à formaçãosocial capi tali sta, a qual, para apoiar odesenvolvimento das forças produtivas, necessitoude uma escola que preparasse rapidamente, e emsérie, recursos humanos para alimentar a produçãode forma hierarquizada e fragmentada e isso sóera possível ser feito de forma escolarizada(FREITAS, 2003, p.26-27).

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A questão relevante que está sendo enfocada é que, numa escolaem que a vida fica fora de seu projeto educativo, a avaliação setransforma num artifício técnico e mecânico, corporifica-se numa espéciede mercadoria visto que a aprendizagem gira fundamentalmente emtorno da nota.

A dificuldade básica da avaliação hoje diz respeito à concepçãode educação, de como “organiza o trabalho pedagógico, as relaçõesde produção de conhecimento, de poder” social e na escola. Mas, arealidade objetiva da escola pública obriga-me a pensar que, apesardo desejo de alguns professores e do discurso oficial, visando contrariara lógica da escola seriada e seu modo de avaliação, a estrutura daorganização escolar e, nesta, a dinâmica da sala de aula ainda sofreas conseqüências e continua seguindo o jeito de pensar e organizar otempo e espaço escolar, de acordo com os procedimentos da seriação.Logo, se a lógica do ensino, da avaliação está associada à concepção,ao modo de organização escolar, enquanto reflexo e produto do projetoideológico que historicamente vem determinado à forma de organizaçãosocial, há um empecilho real para mudar a prática pedagógica eavaliativa no contexto da sala de aula.

Partindo do movimento da metáfora da “água mole e pedradura tanto bate até que fura” como premissa básica para tessituradeste texto no que se refere à avaliação, entende-se que há necessidadede lançar o olhar em águas mais profundas para que se aprenda anadar. Acredito que avaliar é descobrir o caminho das pedras, a fim deque o professor e aluno possam andar com segurança no processo deensinar, apropriar e construir conhecimento na relação pedagógica nasala de aula. Porém, as pedras podem ser classificadas, pelo menos,em três vertentes: rústica, semipreciosa e preciosa. Mas, a qualificação,o valor de uso e troca depende do sentido, da finalidade estabelecidapelo lapidário. Impulsionado, ainda pela metáfora das pedras, grossomodo, pode-se assim dizer que a avaliação significativa é aquela emque o educando faz a produção que agrada a quem está fazendo ojuízo de valor.

Partindo do pressuposto de que no processo de avaliação estásempre presente o projeto de sociedade, concepção de educação eideologia do professor, ratifica-se a tese de que a avaliação se configuranuma questão técnica e política simultaneamente. Dessa forma, pensoque a avaliação só é significativa se permitir aos educandos identificarseus “erros, acertos e lacunas” e aos professores identificar os avançose dificuldades dos alunos, com o objetivo de melhor reconstruir

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criticamente o conhecimento. Vale aqui perguntar: onde está o problemada avaliação? Na imagem de homem que a sociedade coloca comoideal e sua relação com o aluno real na sala de aula? Na formaçãodocente? Na cisão entre o fazer e pensar a prática? Na dificuldade dedialogar com a complexidade do real, com a multiplicidade dosconhecimentos e as particularidades dos sujeitos? Na postura socialassumida pela organização escolar? O que e como a escola ensinaestão propiciando o crescimento, o desenvolvimento e a evolução doeducando?

A escola na sociedade capitalista, de certa forma, reproduz alógica de classe. A concepção de educação baseada no modelo desociedade que se organiza, balizada na lógica da hierarquizaçãoeconômica, imprime uma política educativa que determina que a escolatambém distribua seletivamente o conhecimento. Partindo doentendimento que há uma relação de interdependência entre a educaçãoe o contexto histórico – político e hegemônico, e que o atual modelo deorganização do trabalho escolar determina e controla o fazer do professor,a prática avaliativa desenvolvida no cotidiano da sala de aula alicerçadaa este pressuposto teórico é também produtora da seletividade social.

Como a avaliação é indissociável do ensinar há, subjacente asua prática, uma “imagem ideal de homem” preconizada pela sociedadede classe recheada do desejo de seletividade do indivíduo, apesar de odiscurso incluir o cenário da totalidade. Na questão da avaliação,muitas vezes, o professor passa a assumir uma postura como se vivesseno demiurgo. No cotidiano da sala de aula, reproduz o substrato doprojeto da perversidade social que reforça a separação entre o desejadoe o vivido. Para transpor o universo da alegoria da caverna éindispensável que o educador tenha uma razoável clareza sobre asreais funções que o capital desempenha em relação ao seu trabalhopedagógico.

Diante desta situação, entendo que a prática pedagógica eavaliativa não pode ficar alheia aos vínculos entre trabalho e educação,visto que o processo educativo visa levar o educando a assumir edesenvolver uma determinada postura a ser seguida tomando comoreferência o patrimônio cultural produzido historicamente pelahumanidade a ser apropriado e reelaborado no presente. Porém,para que a avaliação seja significativa, é preciso que o professor passea olhar de uma maneira nova a realidade do ensino. Mas, somenteuma atitude crítica pode ajudar a perceber a avaliação de uma maneiramais ampla.

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Portanto, há de se compreender que educar o sujeito real, nocotidiano da sala de aula implica em ultrapassar a simples função detransmitir conhecimentos e penetrar na dimensão do “capacitar a pessoapara que possa assumir um papel ativo e responsável dentro dacoletividade”. Partindo desse olhar, é sempre salutar uma avaliaçãocrítica do processo educativo, no sentido de que o educador possaassumir uma “atitude crítico-criativa diante de toda imagem ideal, doconteúdo, da finalidade, dos métodos e dos objetivos da educação”(GILES, 1983, p. 29). Nesse sentido, no processo de avaliação deveser, ainda, considerados três aspectos essenciais: a forma que o ensinoconduz à assimilação da dimensão da passividade ou de sujeito doprocesso; dimensão que envolve a relação com o outro no sentido deque o educando possa perceber as exigências da integração com acoletividade; dimensão crítica que procura aguçar a capacidade doeducando para avaliar o processo de aprendizagem e realidade emvive (op. cit.).

Por outro lado, vale lembrar que, diante de um mundo emconstante mudança, o ofício de ensinar, de conduzir à aprendizagemtambém está em permanente transformação, por isso, a exigênciaprecípua de que a formação docente seja contínua. Ser professor hoje,afirma Gadotti, “é viver intensamente o seu tempo, com consciência esensibilidade”. Tendo presente que sua tarefa básica de ensinar nãoressume simplesmente em transformar a informação em conhecimentoe em consciência crítica, mas também formar pessoas. Neste movimentode transformação do mundo, penso como Gadotti, (2003), que

a escola precisa passar de uma concepção deeducação como produção em série e de repetiçãode saberes da sociedade industrial, daparcelarização do conhecimento, para umaconcepção transdiciplinar, intertranscultural,própria da era da informação pós-industrial, ondepredomina a autonomia e a aprendizagemcolaborativa, onde todos podem dizer a sua palavra(p.21).

Contudo, assinala Estaban (1999), “a transformação no processode avaliação se configura no âmbito de um movimento mais amplo dereconstrução do sentido da escola e se articula ao movimento globalde redefinição das práticas sociais”, (p.26-27).

Partindo do pressuposto que educar “é impregnar de sentido avida” transformando o conhecimento estruturado a ser apropriado em

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prazeroso para o aluno, a avaliação constitui-se numa questão técnicae política. Na perspectiva da educação de qualidade social, a avaliaçãoé intrinsecamente um fenômeno político que deve estar a serviço daqualidade, promoção e desenvolvimento do sujeito. Aqui, a avaliaçãoestá sendo compreendida como ato político que potencializa odesenvolvimento da capacidade de pensar, construir e reconstruirconhecimento do aluno. Pensa-se no desenvolvimento qualitativo doaluno para que ele, como afirma Demo (1996), “saiba pensar, aprendaa aprender, para poder melhor intervir. Pensar bem, para intervirmelhor”(p.92). Então, alicerçado numa concepção de educação quecompreende que o professor tem a função nuclear de propiciar ascondições pedagógicas que fazem fluir o saber, no aspecto de construirsentido para vida do aluno e da humanidade, ao mesmo tempo, busca,numa visão emancipadora, um mundo mais justo para todos. Assim, aavaliação passa a adquirir um estatuto emancipador de promoção daaprendizagem humana.

No entanto, é fundamental que o professor, como agenteorientador do processo educativo na sala de aula, descubra o sentidoradical do processo pedagógico que seja mais coerente com asnecessidades fundamentais do aluno. Essa “compreensão abre ocaminho para aquilo que pode vir a ser” uma educação, docência eavaliação de melhor qualidade.

A experiência cotidiana de ensinar e avaliar ajuda-nos a identificaro que é realmente essencial para construção da existência do sujeito. Étambém fundamental que o professor faça um diagnóstico dasnecessidades existenciais e lacunas do conhecimento do aluno, bemcomo uma auto-avaliação de seu processo de formação docente, a fimde que ambos possam engajar no movimento de busca que vislumbrao querer aprender, visto que uma polarização do ato de querer aprenderimplicaria no esfacelamento da relação indissociável entre educador-educando. É essa postura que nos leva a criar coragem para “lançarem águas mais profundas”, quiçá descobrir o caminho das pedras nointuito de compreender a nossa verdadeira face de “ensinante eaprendiz” permanente. É o movimento da busca do sentido da existência,da apropriação do saber estruturado, vinculado à novidade originalque atende às necessidades de aprendizagem do educando, visandoampliar o exercício da cidadania. É ainda, por intermédio do diálogoproblematizador na sala de aula, cujo conteúdo perfaz a relação como saber escolar e a sociedade, que a ação educativa se constitui numaoportunidade essencial para que os sujeitos envolvidos no processo deensino e aprendizagem possam reavaliar projetos, valores e prioridades

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que orientam a prática docente e de estudante.O fato real é que os procedimentos da avaliação estão

relacionados com a forma que a escola se organiza como instituiçãosocial. Isso exige que o educador e educando passem a perceber quea avaliação não é um ato isolado, mas um instrumento que se configurana articulação com todos os aspectos do processo de ensino eaprendizagem. Frente a uma prática pedagógica alicerçada num modelode sociedade que concebe a escola como uma entidade separada davida, da prática social, avaliar configura-se num caráter artificial, fatoque, sem dúvida, “colocou como centro da aprendizagem a aprovaçãodo professor, e não a capacidade de intervir na prática social. Aprenderpara mostrar conhecimento para o professor tomou o lugar do aprenderpara intervir na realidade” (FREITAS, 2003, p.40).

De maneira oposta, na dimensão da educação, do conhecimentoe da ação pedagógica como movimento e resultado da prática social,a avaliação, na perspectiva do diálogo construtivo do conhecimento,propicia um reencontro do aluno consigo mesmo e com o resultado desua produção.

A possibilidade de se dedicar um precioso tempo de diálogosobre a sua produção, verificando o movimento de sua aprendizagem,ora de sucesso, ora de fracasso, parece ser a principal razão queimpulsiona o aprendiz a querer dedicar/envolver numa tarefa de construirconhecimento. É mediante o diálogo problematizador entre o processopedagógico e a produção do aluno que o professor encontra osingredientes necessários para construção e reconstrução de sua práticada educativa. É o exercício dialógico de debater, pensar, construirjuntos no cotidiano da sala de aula que seduz o aluno a refletir sobre asua experiência de aprendizagem e, nesse movimento, propicia odesenvolvimento da autonomia do pensar e agir.

Neste espaço do pensar a avaliação ao sabor da trama de umjuízo de valor, vale lembrar que

as relações entre professor e aluno, em nossa escolacorrente, vão sendo marcadas por juízos construídosinformalmente no dia-a-dia da sala de aula, numplano informal. Esse julgamento informal começaa construir para os alunos es tratégiasmetodológicas diferenciadas em sala de aula, nadependência dos juízos. Quando a avaliaçãoformal entra em cena, a avaliação informal jáatuou no plano da aprendizagem, de maneira queaquela tende apenas a confirmar os resultados desta(FREITAS, 2003, p.45).

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Portanto, se o professor não fizer uma opção política que visealterar a lógica da exclusão seletiva do sujeito está subjacente àconcepção de avaliação herdada do modelo de escola organizada apartir da seriação no ensino ciclado, por mais que se deseje a inovação,na relação cotidiana, permanecerá a mesma lógica da seletividade eambigüidade no processo avaliativo. Embora, no ensino organizadoem ciclos de formação esteja presente o germe da resistência/contestaçãoda organização escolar vigente, na perspectiva de encontrar um outrocaminho que possa diminuir a seletividade no ensino fundamental,faz-se necessário ser mais ousado no processo de alteração darepresentação profissional que reproduz a lógica da seletividade socialdo aluno. Faz-se necessário uma oxigenação da auto-estima,autoconceito da profissão e concepção da finalidade social da educaçãoe, assim, do processo de ensino e aprendizagem. Faz-se necessárioassumir a postura /solidariedade de classe no processo de ensinar,avaliar, aprender e construir conhecimento com o aluno na sala deaula.

A grande questão da avaliação é compreender “o que sabequem erra na perspectiva que o sujeito possa ampliar os conhecimentosque já possui, partindo de seu tempo, com seu caminho, com seusrecursos, com ajuda do coletivo” (ESTABAN, 1999, p.24). Enfim, comosou otimista, continuo acreditando que, das ruínas do conflito humano,venha nascer a possibilidade da ruptura com as regras do jogo daescola seletiva, visto que o ser humano é um ser brincante que senotabilizou por sua capacidade de estar incessantemente em busca,em processo.

Por isso, que alicerçado ao aporte teórico freiriano, nospressupostos construtivistas sobre o ensino e aprendizagem e, levando-se em conta a teoria implícita que ilumina o currículo, o professor temo dever de reconhecer que um

bom ensino contribui positivamente para tornarboa a aprendizagem e que uma boa atividade deensino e aprendizagem torna boa a avaliação”.Assim como, “uma boa avaliação torna boa aatividade de ensino e boa a atividade deaprendizagem. O fato é que quem aprende temmuito a dizer do que aprende e da forma como faz(ÁLVAREZ MENDEZ, 2002, p.36-37).

O ensino organizado em ciclos de formação não parte dapremissa de abolir a avaliação. Ao contrário, exige uma avaliação

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rigorosa mais abrangente que consiste em envolver todo o processo derelação entre ensino aprendizagem proporcionada pelo professor.

A organização por ciclos de formação objetivaassegurar ao educando o tempo necessário para aaquisição de conhecimentos e habilidades. Oconhecimento é tratado como processo de naturezadinâmica, o qual é construído continuamente peloaluno, através da relação com o mundo que oenvolve”(MENDES E RICHTER, 2003, p.24).

Que papel você quer assumir frente à avaliação: de agente decontrole (de seleção social) ou como sujeito comprometido com ocrescimento do aluno e melhoria da escola? .

Avaliar implica em resultado que precisa ser analisado de modorigoroso para compreender o que está escondido “em suas entranhas”.Então, a conclusão é óbvia, como bem disse Mantoan (2003), “temosde saber aonde queremos chegar para encontrar um caminho, porquenão existe o caminho, mas caminhos a escolher, decisões a se tomar. Eescolher é sempre correr riscos”. Porém, é preciso reconstruir acapacidade de sonhar, porque “para construir o futuro é preciso primeirosonhá-lo e imaginá-lo” (p.12).

Apesar da descrença e do pessimismo dos acomodados, temosde reinventar o cotidiano e a escola pública a fim de que possa ressurgiro seu verdadeiro poder a serviço do desenvolvimento integral doeducando. É a concretização do óbvio, do que é possível, do simplescom originalidade. É o caminho da inovação. É a cor do tom, aavaliação ao sabor da trama de um juízo de valor na perspectiva decontribuir com o desvelar da prática educativa excludente e seletiva,visando desenvolver uma prática pedagógica na dimensão que propõea educação inclusiva.

Para desenvolver uma prática avaliativa significativa, éinteressante observar como Freire (1997), que o ato de ensinar.

exige o reconhecimento e assunção da identidadecultural. Exige a experiência profunda do assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante,comunicante, transformador, criador, realizador desonhos, capaz de Ter raiva porque capaz de amar.Assumir-se como sujeito porque capaz dereconhecer-se como objeto. A assunção de nósmesmos não significa a exclusão dos outros (p.46).

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Nesse sentido, o ato de avaliar se constitui num processo dialógicoque sedimenta a comunicação entre o professor e os alunos como atocomum de conhecer e construir coletivamente o conhecimento e temcomo eixo norteador de referência o mesmo objeto de estudo. Por isso,no campo da produção do conhecimento, o ato de avaliar o processode ensino e aprendizagem requer que o professor assuma uma posturadialógica de caráter interdisciplinar no espaço da sala de aula.

Finalizando, reafirmo que a avaliação é um juízo de valor, poréma sua finalidade essencial é proporcionar mecanismo para que o “alunoaprenda mais e melhor”. Nisso reside a importância fundamental doprofessor na condução do processo de ensino para exercer a sua tarefade avaliador. Ele necessita de se apropriar de um conteúdo teórico emetodológico que garanta a aprendizagem significativa do aluno. Euma prática educativa, sobretudo de avaliação, tem de tornar presentena sua ação a diversidade sócio, político, econômica e cultural doaluno.

Data de recebimento: 14/12/2004Data de aceite para publicação: 18/03/2005

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ÁLVAREZ MENDEZ, Juan Manuel. Avaliar para conhecer: examinarpara excluir. Porto Alegre: Artmed, 2002.

CARVALHO, Ademar de Lima. Os caminhos perversos da educação:a luta pela apropriação no cotidiano da sala de aula. Marília. SãoPaulo. 2002. (Tese de doutorado).

CORREA, Rosa Maria. “O não-aprender”. In: Presença pedagógica.V.9 n.54. Nov/dez. 2003. p. 68-72.

DEMO, Pedro. Avaliação sobre olhar propedêutico. Campinas:Papirus, 1996.

ESTABAN, Maria Teresa. “Avaliação no cotidiano escolar”. In:Avaliação: uma prática de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A,1999, p.7-27.

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FREITAS, Luiz Carlos. Ciclo, seriação e avaliação: confronto delógicas. São Paulo: Moderna, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários àprática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

GADOTTI, Moacir. “Entrevista”. In: Professor. Ano 1. n.2. Nov/2003.

GILES, Thomas Ransom. Filosofia da educação. São Paulo: EPU,1983.

MENDES, Olenir Maria; RICHTER, Leonice Matilde. Avaliação daaprendizagem no sistema de ciclos de formação. In: Presençapedagógica. V.9. n.54.Nov/dez. 2003. p. 21-29.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é/ Por quê?Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.

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AVALIAÇÃO ESCOLAR COMOATITUDE FILOSÓFICA

Cláudio Luis de Alvarenga Barbosa

RESUMO: Neste artigo, partimos do pressuposto de que a dimensão políticasó pode se manifestar em toda sua plenitude na prática docente, quandosubsidiada pela dimensão técnica do processo ensino-aprendizagem. Enquantoponto de referência dessa prática docente, a avaliação não foge a essepressuposto. Para atuar numa perspectiva de transformação social, a avaliaçãodeve aparecer como expressão da articulação entre as dimensões técnica,humana e política. Sendo assim, este trabalho tem por objetivo mostrar que acompetência técnica do professor é condição essencial para que seucompromisso político possa se manifestar em sua prática avaliativa.

PALAVRAS-CHAVES: técnicas de avaliação; competência técnica; compromissopolítico.

ABSTRACT: In this article, we begin of the presupposition that the politicaldimension can only manifest in all its fullness in practice teacher, when subsidizedby the technical dimension of the process teaching-learning. While one of thepoint of reference of that educational practice, the evaluation doesn’t flee tothat presupposition. To act in a perspective of social transformation, the evaluationshould appear as expression of the articulation among the dimensions technique,human and politics. Therefore, this work has for objective to show that theteacher’s technical competence is essential condition so that his politicalcommitment can manifest in his evaluation’s practice.

KEY-WORDS: evaluation technical; technical competence; political commitment.

IntroduçãoApesar de não nos darmos conta, passamos boa parte de nossa

vida fazendo avaliações. Avaliar é algo tão corriqueiro em nosso dia-a-dia que, a todo momento, deparamo-nos com situações que requeremuma avaliação sem termos, na maioria das vezes, consciência disso,como por exemplo:.• Quando somos apresentados a alguém nunca visto anteriormente,imediatamente, em nosso pensamento, fazemos uma primeira avaliaçãodessa pessoa (“Este indivíduo é tão pedante!”, “Esta mulher se vestesem nenhuma discrição”);• Ao nos prepararmos para sair de casa, avaliamos sobre as

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possibilidades de chover, para colocarmos ou não um guarda-chuvaem nossa bolsa;• Avaliamos se o prazer de comer um churrasco com aquela“gordurinha” compensa o sofrimento que se possa vir a ter no futuro,com o entupimento de vasos sangüíneos, dietas e remédios.

Várias são as ocasiões em que necessitamos avaliar algumasituação. Mas, ao mesmo tempo, em que emitimos juízos de realidadeao aceitar que uma mulher, um guarda-chuva ou um pedaço de carneexistem, também emitimos juízos de valor quando esse mesmo conteúdonos mobiliza afetivamente, atraindo-nos ou provocando nossa repulsa.Nessa perspectiva, dizemos que algo possui valor quando nãoconseguimos ser indiferentes em sua presença. Diante de um determinadoser, animado ou inanimado, somos mobilizados pela afetividade queele nos incita. De alguma forma, somos afetados por estímulos suscitadospelo encontro com esse “outro”. Quando essas relações, que seestabelecem entre os seres e o sujeito que os aprecia, acontecem numespaço institucional chamado escola e os papéis de seres e sujeito sãoexercidos respectivamente por alunos e professor, estamos diante deuma forma especial de juízo de valor, que chamamos de “avaliaçãoescolar”.

Assim, por se ocupar dos juízos de valores que se estabelecemapenas entre seres humanos, a avaliação escolar deve ser pensadacomo um constante exercício de filosofar. Adotar uma atitude filosóficaperante a avaliação é encará-la com “espanto”, “admiração”, ou seja,devemos nos afastar do nosso mundo cotidiano — aquele que já estamosacostumados a ver — tomar distância desse mundo através dopensamento e olhá-lo como se fosse a primeira vez que o vemos (CHAUI,2003). No caso da avaliação, devemos olhar para o “ato” de avaliarcomo se nunca o tivéssemos “visto” antes e perguntar: por que pensamossobre avaliação escolar do jeito que pensamos? Por que avaliamosnossos alunos do jeito que avaliamos?

No entanto, o professor consegue complicar essa tarefa queaparece no cotidiano como algo tão familiar. Mas é justamente porisso — por essa “familiaridade” — que a avaliação acaba não sendoobjeto de sua reflexão. Em alguns casos, na maioria das vezes, semperceber, o professor acaba usando a avaliação a serviço dos gruposque controlam o Estado e, conseqüentemente a escola, selecionandoquem pode ou não continuar no processo de escolarização. Ou seja,escolhe quem pode ter acesso ao conhecimento selecionado pelosgrupos dirigentes. Nesse contexto, quem sai perdendo com essa maneira

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de entender a avaliação são os alunos provenientes das camadaspopulares. Ao não refletir sobre sua atitude frente à avaliação, o professorpode estar reforçando a visão de mundo disseminada pelos gruposque controlam a escola, usando-a apenas como legitimadora dasdesigualdades sociais.

Diante dessa perspectiva, o que podemos fazer para reverter arealidade tão injusta no meio escolar? Onde temos uma prática avaliativaque mais se parece com um “jogo de cartas marcadas”, ondeprovavelmente já se sabe quem serão os “ganhadores” e os“perdedores”?

Faz sentido falar em tipos de avaliação?Não são poucos os livros que discutem sobre avaliação escolar,

classificando-a, geralmente, em três tipos, conforme a função que exerça:diagnóstica, formativa e somativa (HAYDT, 1992; TURRA, 1988; NÉRICI,1984; PILETTI, 1984). Vejamos, de maneira breve, em que sentido essaclassificação pode nos ajudar a refletir sobre a avaliação.

Em se tratando de escola, a avaliação diagnóstica é aquelarealizada no início do ano letivo ou do curso e tem por objetivo dar aoprofessor informações sobre o nível de conhecimento ou habilidadesque o aluno já possui. A partir dos dados coletados por essa avaliação,o professor poderá adaptar seu planejamento à realidade da maioriade seus alunos.

Já a avaliação formativa é aquela realizada durante todo o anoletivo ou do curso e pela qual o professor tentará detectar as falhasexistentes no processo ensino-aprendizagem, tendo em vista possíveismudanças na maneira de ministrar suas aulas de acordo com a evoluçãode seus alunos. Poderá, por exemplo, aumentar ou diminuir aquantidade de conteúdos passados em cada aula, explicando-os maisou menos, de acordo com a necessidade da turma, poderá criar novosexemplos, mais próximos à realidade do aluno etc.

E, por fim, temos a avaliação somativa cujo objetivo é verificaro resultado do processo ensino-aprendizagem ao final de uma unidadeou ano letivo. Geralmente, associamos a essa avaliação uma nota ouconceito que permitirá ao aluno ter acesso ou não à próxima série, noano seguinte. O que distingue a avaliação somativa da avaliaçãoformativa é o nível de abrangência. A primeira é mais genérica,abrangendo um conteúdo maior. Já a formativa é mais setorizada,avaliando pequenas partes do conteúdo ministrado.

Cabe destacar, que, à medida em que for vista com fins didáticos,

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essa classificação tem um valor considerável. O estudo desses três tiposde avaliação pode, por exemplo, facilitar, àquele que ingressa em umcurso de formação de professores, o primeiro contato com a problemáticada avaliação escolar. No entanto, muitas vezes — por conta de umaformação pedagógica precária — alguns professores acabamentendendo essas funções da avaliação como momentos independentesum do outro e descontextualizados do processo educativo mais amplo.

A conseqüência dessa visão cristalizada se materializa na práticade muitos professores que avaliam seus alunos de forma mecânica,sem uma reflexão sobre o que estão fazendo e sobre as conseqüênciasque podem advir de uma avaliação “mal elaborada”. Não é difícilencontrarmos professores que avaliam porque precisam dar uma notaao aluno (já que é uma exigência da própria escola); avaliam seguindomodelos de avaliação preestabelecidos pelo sistema escolar, pela tradiçãoou modismos; avaliam porque na maioria das vezes isso significa “sairmais cedo do trabalho”; avaliam pois “em dia de prova não precisadar aula” e assim por diante. Ou seja, na maioria das vezes o professorleva em consideração apenas o aspecto aprendizagem, esquecendo-se do aspecto ensino.

Por uma atitude filosófica diante da avaliaçãoEsses três tipos de avaliação, vistos anteriormente, não são

momentos estanques, cumprindo cada um o seu papel, mas, pelocontrário, são partes de um processo que só pode existir como umtodo. Devem coexistir num mesmo espaço de tempo, ou seja, durantetodo o transcorrer de seu trabalho pedagógico, o professor deve avaliarseu trabalho, o desempenho do aluno e a relação que se estabeleceentre eles. Ratificando o que já dissemos, a divisão em etapas temapenas a finalidade didática de facilitar a compreensão do processoensino-aprendizagem. E como a própria expressão “ensino-aprendizagem” nos indica, a ênfase da avaliação deve ser dadaigualmente ao aspecto “ensino” — que prioritariamente éresponsabilidade do professor — e ao aspecto “aprendizagem” — queprioritariamente é de competência do aluno — pois como bem noslembra Paulo Freire (1998), não há docência sem discência.

A aplicação de uma “prova” ao final de uma unidade de ensinonão é uma situação incomum no cotidiano de um professor. No entanto,a postura que o professor assume diante dos resultados dessa prova éque pode gerar problemas. Alguns professores — e não são poucos —ao se depararem com um percentual alto de resultados negativos após

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a aplicação de uma prova tendem a culpabilizar os alunos: “— Também!Eles não querem nada! Só sabem brincar e conversar durante as aulas.E o resultado só podia ser esse!”.

Com essa constatação não estamos querendo dizer que sejafácil “segurar a atenção” de uma turma de adolescentes do EnsinoMédio durante as aulas, por exemplo. Mas quando um professor assumeuma postura rígida, em que ele já sabe de antemão “quem são osculpados” pelo fracasso em uma prova, ele descarta qualquerpossibilidade de questionamento a sua prática.

Entretanto, vejamos a questão com mais atenção. O que significaa palavra professor? De acordo com o dicionário da língua portuguesa,professor é “aquele que professa, ou ensina uma ciência, uma arte,uma técnica, uma disciplina” (FERREIRA, 1999, p. 1644). E se ensinaré transmitir conhecimentos de alguma coisa para alguém, o ensino sófaz sentido se parte de uma pessoa ou grupo para outra pessoa ougrupo. E, nesse caso, não se pode falar de ensino se não existir umapessoa ou grupo para aprender, ou seja, se não há alguém para “tomarconhecimento de” (ibid., p. 171). Esse alguém é o aluno, aquela “pessoaque recebe instrução e/ou educação de algum mestre, ou mestres, emestabelecimento de ensino ou particularmente” (ibid., p. 110).

O que podemos concluir das proposições anteriores é que apalavra professor só pode ser adequadamente compreendida em relaçãoa alguém: o aluno. Por sua vez, a palavra aluno, enquanto alguémque “recebe instrução” está implícita na definição da palavra professor.Sendo assim, o fracasso crônico de uma turma de alunos representa ofracasso de um professor, pois este não conseguiu “professar” ou“ensinar” uma disciplina adequadamente. Se é normal encontrarprofessores que assumem a responsabilidade pelo sucesso dos alunosque têm boas notas ou são aprovados em concursos públicos,vestibulares etc, por que não encontramos também aqueles queassumam o fracasso dos alunos diplomados no Ensino Fundamentalou Médio sem saberem escrever uma redação ou ler instruções técnicas,por exemplo?

Dessa forma, podemos afirmar categoricamente que o sucessodo aluno é o sucesso do professor, assim como o fracasso do aluno éo fracasso do professor. O professor só se realiza no aluno: é incoerenteum professor sem aluno. Aluno e professor são as duas faces de umamesma moeda. O professor deve encarar cada fracasso do aluno comoum estímulo para repensar sua própria prática avaliativa, os instrumentosque utiliza, a construção de suas provas etc.

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Em muitas ocasiões, quando o professor se propõe a avaliar oque ele considera aspecto cognitivo, limita-se a querer saber dos alunosseus conhecimentos referentes às regras dos vários “campos do saber”:regras desportivas; leis da radiatividade; lei geral dos gases perfeitos;leis de Mendel; regras de concordância verbal; relações trigonométricasetc.

Qual o objetivo do professor ao elaborar modelos de avaliaçõessemelhantes aos que acabamos de ver? Verificar se seu aluno tem boamemória? Será que ele também leva em consideração a realidadeconcreta do aluno, tentando aproveitá-la? Será que ele (professor)percebe-se como um ser autônomo, capaz de definir a melhor formade avaliar seus alunos (e seu próprio trabalho)?

Com uma atitude ingênua em relação ao verdadeiro papel quea escola desempenha numa sociedade como a que vivemos, o professorelabora “avaliações” que não avaliam, mas apenas classificam os alunospara encaminhá-los a uma determinada posição da produção social.Com isso, a escola acaba ajudando na reprodução das relações deprodução do sistema capitalista, ou seja, pela atitude assumida peloprofessor em relação à avaliação, ele acaba colaborando para:• reproduzir o individualismo — típico das sociedades capitalistas —através da competição entre alunos;• reproduzir seres obedientes e passivos, acostumados a seguirem regrasimpostas de cima para baixo;• reproduzir seres que não pensam por si mesmos, pois tudo já foipensado anteriormente pelo professor, bastando ao aluno executar osmovimentos mentais e corporais;• reproduzir o padrão de consumo e de beleza corporal, impondomodismos de roupas, alimentação, diversão etc.

A capacidade de perceber e interpretar essa realidade queexpomos até o momento é reflexo de uma atitude filosófica diante daavaliação. Atitude essa que deve ser buscada por todos os professoresque se preocupam com sua prática pedagógica e com as conseqüênciasdessa prática. Segundo Chauí (2003), “a atitude filosófica inicia-seindagando ‘O que é?’, ‘Como é?’, ‘Por que é?’, dirigindo-se ao mundoque nos rodeia e aos seres humanos que nele vivem e com ele serelacionam” (p. 21). Ao assumir essa atitude filosófica, o professor nãomais se compromete apenas com os resultados positivos de sua práticaavaliativa, mas também com os resultados negativos. Estaráconstantemente revendo e contextualizando seus pressupostos sobre oque avaliar, sobre como se avalia e por que devemos avaliar.

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A competência técnica como suporte para a atitudefi losófica

O descompromisso com a consolidação de uma atitude filosóficana formação pedagógica é percebida facilmente quando observamosa prática avaliativa de alguns professores. Até mesmo daqueles que sepropõem a fazer algo para mudar, o que vimos no item anterior e quechamamos de “avaliação ingênua”, esbarram na sua própria ignorânciasobre o processo de avaliação escolar.

Para clarificar essa colocação, citaremos um caso ocorrido numaescola pública de uma rede municipal. Nessa escola, um professor deEducação Física — indivíduo politizado e que tinha compromisso comseu trabalho — ao aplicar uma avaliação escrita com questõesdissertativas, fez o seguinte questionamento a seus alunos: “Quecondições devemos respeitar para praticarmos esportes?”.

Ora, uma pergunta tão vaga como essa abre espaço para umainfinidade de respostas. E como o aluno saberá qual a resposta quemais agradará ao professor? Adivinhando? Um pequeno exemplo derespostas que poderiam ser dadas a essa questão: “devemos evitaratividades físicas quando estamos gripados”; ou “devemos evitar correrem solo muito duro sem estarmos devidamente calçados”; ou ainda “oimportante é competir” etc... Será que esse professor consideraria essadiversidade de respostas como corretas? No mínimo, ele queria umadeterminada resposta que estava em seu pensamento e caberia aoaluno, portanto, adivinhá-la caso quisesse acertar a questão.

Um outro exemplo, também interessante, encontra-se no livroEscola e transformação social, do professor Danilo Gandin (2000), emque ele relata que certa vez seu filho estava preocupado com umquestionário de História, em que a professora perguntou: “o queaconteceu na Grécia no ano 500?” O professor Gandin sugeriu aofilho que respondesse que, no ano 500, na Grécia, homens e mulheresse casaram, tiveram filhos etc. Mas é claro que ele e seu filho“adivinhavam” que não era essa a resposta que a professora de Históriaqueria, mas provavelmente que o “tal Péricles fez isso e aquilo...”.

É interessante notar que a consolidação de uma atitude filosóficana prática avaliativa não requer apenas um compromisso político doprofessor. Há também a necessidade de domínio das técnicas dos váriostipos de provas utilizadas no interior da escola. É o domínio dessastécnicas, aliado à consciência crítica do professor, que o impedirá decair nas “armadilhas do processo avaliativo”.

Acreditamos, portanto, que o compromisso político do professor

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só pode se manifestar adequadamente na prática avaliativa, na medidaem que ele tenha um mínimo de condições técnicas para exercer essaprática. Entretanto, a inclusão de recomendações técnicas num textode cunho filosófico não é a manifestação de uma decisão arbitrária doautor. Mas, pelo contrário, o domínio dessas técnicas se impõe comouma necessidade histórica na formação de um educador politizado.

A partir da década de 70, aproximadamente, com a chegadaao Brasil das teorias reprodutivistas em educação, inicia-se ummovimento de repulsa a tudo que se associava ao uso que a DitaduraMilitar fazia da escola. E uma característica marcante imposta duranteo Regime Militar foi justamente a exacerbação do uso da técnica aplicadaao processo ensino-aprendizagem. Nesse contexto, a técnica eraapresentada como algo “neutro”, a serviço de todos os homens. Mas,por trás desse discurso de neutralidade em busca de um “Brasil queprecisava crescer”, havia uma clara intenção de afastar o professoradode todo o processo decisório, avaliativo, reduzindo-o a mero “aplicadorde técnicas”. Ao aluno cabia apenas utilizar-se adequadamente dastécnicas, sem maiores questionamentos.

Toda essa utilização da técnica e, em sentido mais amplo, daescola como mecanismos de inculcação da ideologia militar foiduramente atacada pelas teorias reprodutivistas, que viam na técnica(e na escola) um dos mais eficazes aparelhos ideológicos de estado(AIE). Alertado por essas teorias, o professorado começou a se politizarcada vez mais, questionando seu próprio papel social, a escola e suarelação com o contexto sócio-econômico. Alguns professores chegarama ponto de terem verdadeira ojeriza a qualquer aspecto técnico daeducação por considerá-lo um “instrumento de reprodução”.

Nesse caminho, que parte de uma ingenuidade quase romântica(por ver a escola como “redentora” da sociedade capaz de livra-la detodos os males) e chega ao extremo oposto de ver a escola — cujoobjetivo é apenas garantir um “saber fazer” e um “saber comportar-sesocialmente” — como uma instância de reprodução totalmentecontrolada pela “classe dominante”, não se deixou um espaço medianopara a técnica entre esses pólos. Por conta dessa polarização, aindahoje encontramos professores que acreditam que a “técnica” é umaferramenta poderossísima capaz de conduzir à erradicação dos malessociais — uma verdadeira “pedra filosofal” capaz de transformar todasas mazelas humanas. Ou, em contrapartida, temos aqueles queacreditam que a “técnica” assemelha-se ao “ferro de marcar gado”que deixa obrigatoriamente sua marca indelével em cada indivíduo

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que passa pela escola: em cada aluno a escola deixa um grilhão.No entanto, acreditamos que o “bom professor” surja do

encontro equilibrado entre compromisso político e competência técnica.Como bem nos lembra o próprio Saviani, de nada adianta um professorser profundamente politizado e

ficar sempre repetindo o refrão de que a sociedadeé dividida em duas classes fundamentais, burguesiae proletariado, que a burguesia explora oproletariado e que quem é proletário está sendoexplorado, se o que está sendo explorado (o aluno)não assimila os instrumentos através dos quais elepossa se organizar para se libertar dessa exploração(1996, p. 66).

Como garantir ao aluno essa assimilação de conteúdos, se oprofessor não domina minimamente algumas técnicas de ensino e/oude avaliação?

Mas também, de nada adianta um professor ter total domíniodas técnicas (de planejamento, de ensino, de avaliação etc), se nãotem clareza das finalidades sociais e políticas da educação. Sem essaclareza, o professor acaba reforçando os pressupostos da pedagogialiberal, sustentando

a idéia de que a escola tem por função preparar osindivíduos para o desempenho de papéis sociais,de acordo com as aptidões individuais, por isso osindivíduos precisam aprender a se adaptar aosvalores e às normas vigentes na sociedade de classesatravés do desenvolvimento da cultura individual.(LUCKESI, 1994, p. 55)

Não se trata aqui de condenar uma técnica de ensino, ou umatécnica de construção de provas, como se ela fosse um mal em simesma. Devemos entender que a técnica em si não pode ser submetidaa um julgamento moral, a um julgamento de valor. Apesar de sabermosque não existe neutralidade na ciência e que toda técnica é criada paraatender determinados interesses situados no tempo e no espaço, issonão quer dizer que essa ciência e/ou técnica só possa ser usada emconformidade com esses interesses iniciais que a engendraram.

Tomemos o exemplo de uma faca. Em algum momento da históriada humanidade, alguém construiu uma faca — a partir de um pedaçode osso ou chifre — para que ela cumprisse um determinado objetivo.Ou seja, nesse exemplo, o instrumento “faca” foi criado para atender

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um fim específico e, portanto, não havia “neutralidade” nessa criação.Mas nem por isso as facas foram usadas sempre com a mesmafinalidade. Hoje em dia, podemos encontrar uma faca tanto na mão deuma cozinheira que a utiliza para cortar carne para o preparo da merendaescolar, como também na mão de um indivíduo que a utiliza paracometer um latrocínio.

Esses dois usos da faca estão descontextualizados dasnecessidades que levaram nosso antepassado a construir uma faca demarfim, por exemplo. Com isso, queremos dizer que aodescontextualizarmos um instrumento ou técnica de sua fonte criadora,amenizamos os propósitos nocivos que, porventura, essa técnica teveum dia. Voltando ao exemplo, a faca em si não pode ser julgada eclassificada como “boa” ou “má”. Boa ou má é a intenção e/ou aação de quem a usa. Nesse sentido, a faca em si é neutra, pois, apesarde ter sido criada para atender a um determinado fim, ela não temvontade própria e fará apenas a vontade de quem a utiliza.

Quando alguns professores condenam as técnicas de construçãode questões objetivas, por exemplo, associando essas técnicas a umperíodo dominado pelo tecnicismo, cometem, no mínimo, uma injustiça.Pois, apesar de terem sido elaboradas e/ou aperfeiçoadas para atendera interesses autoritários de um determinado período da educaçãobrasileira, isso não quer dizer que não possamos nos utilizar dessastécnicas de avaliação para um trabalho sério e comprometidopoliticamente com as camadas populares.

Assumindo o pressuposto de que “a técnica pela técnica nadavale e ao mesmo tempo que a ausência de técnica leva a um trabalhoàs cegas também sem valor” (CASTANHO, 1993, p. 91), não podemosconceber um professor progressista incompleto. O domínio das técnicasde avaliação em nada obscurece o compromisso político de um professorprogressista. Mas, muito pelo contrário, acreditamos que quanto maiscompetência técnica tenha um professor, melhores condições ele terápara materializar seu compromisso político durante uma aula: de nadaadiantaria seu “alto nível de politização”, por exemplo, se ele nãoconseguisse dar boas aulas ou se não soubesse avaliar adequadamenteessas aulas.

Vejamos então, algumas recomendações técnicas para aelaboração de provas e como elas podem nos auxiliar na condução doprocesso ensino-aprendizagem em que se equilibrem competência técnicae compromisso político.

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Desmistificando a prova objetivaDizemos que algo foi mistificado quando foi vítima de mistificação,

ou seja, sofreu ato de mistificar, iludir, enganar, embaçar (FERREIRA,1999). Se existem equívocos em relação à utilização da prova objetivacomo instrumento de avaliação, isso se deve ao fato de ela ter sidovítima de mistificação. Por conta de ter sido amplamente utilizada emum período de cerceamento das liberdades educacionais, muitosprofessores simplesmente afastaram de sua prática pedagógica qualquerresquício dessa técnica. Isso inviabilizou o correto entendimento desseinstrumento de avaliação, criando em torno dele uma visão distorcidade sua utilização.

Assim, quando falamos em desmistificar a prova objetiva, nossointuito é mostrar que as técnicas de construção de questões objetivas— que alguns professores consideram o ícone mais representativo dotecnicismo — não estão contra o aluno e a favor da opressão. Pelocontrário, conforme o uso que delas se faça pode contribuir para umprocesso ensino-aprendizagem comprometido com as necessidades doaluno.

Segundo Medeiros (1986, p. 49), enquanto instrumento demedida, a prova objetiva compõe-se “de questões tão precisamenteespecificadas, que cada qual só admita uma resposta, previamentedefinida, o que lhe assegura a impessoalidade do julgamento e inteiroacordo entre examinadores diferentes”. As questões objetivas podemser classificadas em dois tipos básicos, conforme as habilidades mentaisrequeridas por elas. Dessa forma, temos as questões em que é necessáriorememorar a resposta (questão de lacuna) e as questões em que énecessário reconhecer a resposta (questões de certo-errado; questõesde múltipla escolha; questões de associação e questões de ordenação),conforme especificado a seguir:

1) Questões de lacuna: a tarefa proposta ao examinado é a decompletar uma ou mais frases, preenchendo as lacunas nelas existentes,de maneira que a proposição torne-se verdadeira. Cuidados naelaboração:• verificar se há possibilidade de apenas uma resposta para a lacuna;• procurar colocar a lacuna ao final da frase (pois permite ao alunoacompanhar o desenvolvimento da proposição, o que aumenta suaschances de chegar a uma conclusão correta);• evitar usar frase do livro utilizado nas aulas;• usar lacunas de igual tamanho (pois evita levantar pistas sobre aresposta correta, não permitindo ao aluno o acerto casual);

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• não usar artigos antes da lacuna;• omitir palavras realmente importantes.

Exemplo:Escreva nos espaços em branco, as palavras que completam as

frases:a) Aos vasos sangüíneos que transportam o sangue que sai do

coração humano chamamos de artériasb) Em condições fisiológicas normais, pelas cavidades situadas

no lado direito do coração humano circula apenas sangue venoso.

2) Questões de certo-errado: compete ao examinado indicar sejulga certa ou errada cada uma das várias afirmações que lhe sãoapresentadas. Cuidados na elaboração:• cada declaração dever ser incondicionalmente falsa ouincondicionalmente verdadeira (não se admitindo meio termo);• evitar declarações longas;• evitar palavras como todo, nunca, nenhum, às vezes, habitualmente(pois gera imprecisão nas proposições);• evitar frases negativas (pois podem confundir o aluno);• usar número proporcional de frases verdadeiras e falsas, pois diminuia possibilidade de acerto casual. Essa possibilidade de acerto casualpode ser ainda mais reduzida ao solicitarmos (no enunciado da questão)que o aluno, ao considerar errada uma proposição, escreva nas linhasque estão abaixo de cada proposição, o que tornaria certa a afirmação.

Exemplo:Leia cada uma das frases abaixo. Se a afirmação estiver certa,

coloque um C (de certo) no espaço em branco que antecede cadafrase. Se a afirmação estiver errada, coloque um E (de errado). Casomarque a afirmação com a letra E, justifique a razão dessa escolha naslinhas que se encontram logo abaixo de cada questão, escrevendo oque tornaria certa a afirmação.

( E ) A reprodução da força de trabalho do ponto de vistaqualitativo (cultural) nas sociedades complexas, se dá prioritariamentena própria prática cotidiana.

Nas sociedades complexas essa reprodução se dáprioritariamente na escola

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( C ) Na tentativa de entender como se estrutura a sociedade,podemos dizer que na concepção marxista, a forma como se organizaa infra-estrutura determinará a organização da superestrutura.

( C ) Na visão de Althusser — citado pro Luckesi (1994) quandofala da educação como reprodução — em linhas gerais, a escola tempor objetivo assegurar àqueles que por ela passam o “saber fazer” e o“saber comportar-se”.

( E ) A força de trabalho é reproduzida em duas vertentes: umavertente biológica (aspecto quantitativo) e uma vertente econômica(aspecto qualitativo).

Uma vertente biológica (quantitativo) e uma vertente cultural(qualitativo)

3) Questões de múltipla escolha: diante de uma pergunta ouproblema, o examinado deve optar por uma dentre algumas respostasapresentadas. Cuidados na elaboração:• elaborar as opções de resposta de modo que cada uma delas — enão apenas a opção correta — possa completar coerentemente a parte-tronco (enunciado);• evitar negativas na parte-tronco (pois podem confundir o aluno);• fazer todas as opções erradas atraentes para quem não domina oassunto;• usar sempre o mesmo número de opções para todas as questões: 4ou 5. (Com 4 opções o aluno tem apenas 25% de chance de acertarcasualmente uma questão. Com 5 opções as chances de acerto casualcaem para 20%);• usar mais ou menos o mesmo tamanho de frases nas diferentes opções(pois facilita a visualização da questão e também não levanta pistassobre a resposta corrteta).

Exemplo:Assinale com um risco a letra que corresponde à resposta correta.Etimologicamente a palavra filosofia vem do grego, significando:A) Sabedoria de DeusD) Amor à sabedoriaB) Estudo da vidaE) Sabedoria infinitaC) Estudo da sociedade

4) Questões de associação: nessas questões, cabe ao examinadoestabelecer associações entre elementos que são apresentadas em duascolunas. Esse acasalamento deve acontecer de maneira que a informação

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dada por uma palavra ou proposição de uma coluna complementeuma palavra ou proposição da outra. Cuidados na elaboração:• elaborar com o máximo de precisão a base do acasalamento, deixandoclaro ao aluno o que ele deve fazer;• abordar em cada questão apenas um assunto;• construir listas relativamente curtas, mas nunca com menos de 4itens a acasalar;• construir uma das colunas com mais itens do que a outra, informandono enunciado se cada letra só poderá ser usada apenas uma vez, ounão ser usada ou ainda, ser usada mais de uma vez.

Exemplo:Na coluna da esquerda estão os nomes de alguns tipos de

raciocínio; na coluna da direita, exemplos desses raciocínios. Nosespaços em branco que precedem os exemplos da coluna da direitacoloque a letra que corresponde ao tipo de raciocínio que estárepresentado pelo exemplo. Cada letra só pode ser usada uma vez ounão ser usada:

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5) Questões de ordenação: a tarefa solicitada ao examinado é ade arrumar por ordem, de acordo com as instruções, os elementos deum conjunto. Esse conjunto é formado por fenômenos quenecessariamente acontecem numa determinada seqüência. Cuidadosna elaboração:• incluir nas instruções a base da ordenação, de maneira detalhada;• construir listas relativamente curtas, mas nunca com menos de 4itens a ordenar (para evitar o acerto casual).

Exemplo:Indique a ordem seqüencial que ocorre entre a captação de um

estímulo ambiental e sua respectiva resposta motora, sendo colocado on

o 1 para o primeiro acontecimento, e os números maiores para os

seguintes:( 4 ) Vias motoras( 5 ) Sistema muscular( 1 ) Órgãos de sentido( 2 ) Vias sensitivas( 3 ) Sistema nervoso central

A prova discursiva como técnica de avaliaçãoAo contrário do que pensam alguns professores, a construção

de uma questão discursiva também necessita balizar-se por algumastécnicas. Quem de nós nunca presenciou alguma injustiça cometidapor um professor ao aplicar ou corrigir uma questão discursiva? Não édifícil encontrarmos casos, por exemplo, em que dois alunos, aocompararem suas respostas a uma questão discursiva, percebem que,apesar de idênticas, foram avaliadas de maneira completamente diferentepelo professor. Também não são incomuns, situações em que o alunosimplesmente não entende o que o professor “quer saber” com a questãoformulada.

Situações como essas podem ser encontradas em todos os níveisescolares — do Ensino Fundamental à Educação Superior. Mas porque isso ocorre? Não cabe aqui apontarmos todas as causas, masuma delas, com toda certeza, é a incompetência técnica do professor.Ou seja, o professor desconhece que para uma questão discursiva serbem formulada e sua resposta adequadamente corrigida, faz-senecessário a utilização de algumas técnicas. Diferentemente do quepensam aqueles que condenam completamente o uso de técnicas,apenas o “compromisso político” do professor não é suficiente para

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que ele consiga avaliar adequadamente o processo ensino-aprendizagematravés do uso de questões discursivas (e/ou objetivas). Se esse usonão vier acompanhado do domínio adequado da técnica, ele corre orisco de ser apenas uma manifestação do senso comum pedagógico.

Comecemos, então, pela caracterização dessa técnica tãodifundida pelas salas de aula, mas, ao mesmo tempo, inadequadamentecompreendida. A questão discursiva (ou dissertativa) é aquela em queo aluno tem um certo grau de liberdade na escolha do vocabulário ena organização de sua resposta. Escreve a resposta utilizando suaspróprias palavras. Segundo Haydt (1992, p. 114),

a prova de dissertação é indicada para avaliarcertas habilidades intelectuais, como a capacidadede organizar, anali sar e aplicar conteúdos,relacionar fatos ou idéias, interpretar dados eprincípios, realizar inferências, analisar criticamenteuma idéia emitindo juízos de valor, e expressar asidéias e opiniões por escrito, com clareza e exatidão[...]. É possível elaborar tipos variados de itens dedissertação, de acordo com o comportamento ouhabilidade intelectual que mobilizam.

1) Vantagens:

• Permite avaliar processos mentais mais elaborados — adequados àfilosofia, por exemplo — tais como analisar, organizar e sintetizar oconhecimento, além de exprimir opiniões e idéias;• Ao contrário do que pode acontecer nas questões objetivas, aprobabilidade de acerto casual é reduzida;• O tempo de elaboração de uma prova de questões discursivas é bemmenor do que o tempo gasto para elaboração de questões objetivas;• Não precisa ser datilografada ou digitada, pois as questões podemser ditadas aos alunos no momento da prova.

2) Limitações:• A prova de questões discursivas dá margem a uma discrepância naatribuição de escores às respostas;• Requer muito tempo e cuidados especiais para correção.

3) Cuidados na elaboração:• planejar a prova com antecedência;• usar linguagem compreensível para que todos percebam igualmente

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o que se pede (não arme “ciladas”);• usar termos que digam claramente o que o aluno deve fazer (Ex:diferencie, relacione, compare, descreva, defina, explique...);• formular um número de itens possíveis de serem respondidos notempo disponível para a prova.

4) Como reduzir a subjetividade na correção:• elaborar chave de correção, ou seja, selecionar as idéias básicas oupalavras “chaves” que devem aparecer na resposta do aluno, paraque seja considerada correta;• ignorar o nome do aluno durante a correção;• não corrigir cada prova separadamente, mas pelo contrário, corrigiro mesmo item de todas as provas para depois passar ao item seguinte;• fazer correção sem interrupção.

Exemplos:a) Entendidas como as duas principais fontes de que dispomos

para o conhecimento dos filósofos pré-socráticos, diferencie doxografiade fragmentos.

Resposta: A doxografia consiste em sínteses do pensamento dosfilósofos pré-socráticos e comentários a eles, geralmente breves, feitospor autores de períodos posteriores, indo basicamente de Aristóteles aSimplício. Já os fragmentos são citações de passagens dos própriosfilósofos pré-socráticos encontradas em obras posteriores.

b) Sintetize a maiêutica, enquanto um método filosófico que erapraticado por Sócrates.

Resposta: A maiêutica utilizada por Sócrates era um procedimentodialético no qual ele partia das opiniões que seu interlocutor tinhasobre algo, procurando fazer com que esse interlocutor caísse emcontradição ao defender seus pontos de vista e assim reconhecessesua ignorância acerca daquilo que julgava conhecer.

Palavras finaisPoderíamos falar muito mais sobre os tipos de avaliação, sobre

o seu lugar no interior da escola e da sociedade ou sobre as técnicasde elaboração de provas escritas. Mas para o nosso propósito, o expostoaté agora já é o suficiente para começarmos a repensar nossa práticaavaliativa.

A avaliação ingênua, citada neste trabalho, utiliza como

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instrumento de opressão a própria língua oficial (língua portuguesa). Aescola, por adotar como única forma aceitável, a língua falada pelosgrupos colocados em vantagem nas relações de poder, tenderá afavorecer os filhos desses grupos. Pois como eles já estão ambientadosa esse vocabulário, não terão dificuldades para “adivinharem” asrespostas das questões propostas pelo professor.

Por outro lado, todo o saber que os filhos das camadas popularestrazem ao chegarem à escola é ignorado. Eles entram na escolatotalmente esvaziados de seus conhecimentos anteriores que em nadasão aproveitados pelo professor. Sendo assim, esses alunos terãodificuldades em “acertar” (ou adivinhar?) as respostas desejadas nasprovas e serão “naturalmente” eliminados da escola, assumindo seu“devido lugar” no mercado de trabalho.

O professor, muitas vezes, assume o papel de selecionador deum processo que, na verdade, já está selecionado. Mas o sistema deveparecer justo, portanto devem ser dadas “chances iguais a todos”,mesmo que os pontos de partida sejam diferentes. Nesse contexto, oprofessor que não tem uma visão crítica da relação entre escola esociedade assume o papel de legitimador de uma realidade injusta,servindo de árbitro de um jogo cujas regras só são conhecidas por umdos adversários.

Mas, por outro lado, não podemos perder de vista que “a didáticapassa por um momento da revisão crítica. Tem-se a consciência danecessidade de superar uma visão meramente instrumental epretensamente neutra do seu conteúdo” (CANDAU, 1996, p. 14). Nestesentido, uma didática crítica — chamada por Candau (1996) de didáticafundamental — busca superar o intelectualismo do enfoque tradicional,o espontaneísmo escolanovista e a orientação desmobilizadora dotecnicismo, procurando compreender a realidade social onde se inserea escola para poder agir em seu interior e contribuir na transformaçãoda sociedade.

Será apenas a partir da segunda metade da década de 70 queveremos surgir, de maneira consistente e sistemática, críticas à concepçãoda didática dominada pelo silenciamento político. Surgem, no cenárioeducacional, denúncias da falsa neutralidade da dimensão técnica,além da constatação da impossibilidade de uma prática pedagógicaque não seja social e politicamente orientada de maneira implícita eexplícita. Todavia, juntamente com essas denúncias, surgiram autoresmais radicais que chegaram a negar a possibilidade da existência dequalquer aspecto da dimensão técnica na prática docente.

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Para esses “radicais”, a exaltação da dimensão política da práticapedagógica vem associada à execração da dimensão técnica vista comonecessariamente vinculada a uma perspectiva tecnicista, do uso datécnica pela técnica. Nessa perspectiva equivocada, competênciatécnica e política se contrapõem e a afirmação de uma dimensão doprocesso de ensino-aprendizagem leva à negação das demais.

Contudo, não podemos deixar de entender que, apesar de acrítica ao tecnicismo acusá-lo de partir de uma visão unilateral e valorizarapenas a dimensão técnica, essa dimensão é um aspecto que nãopode ser ignorado para uma apropriada compreensão e execução doprocesso de ensino-aprendizagem. Na verdade, “competência técnicae competência política não são aspectos contrapostos. A práticapedagógica, exatamente por ser política, exige competência técnica”(CANDAU, 1984, p. 21).

Podemos afirmar que a formação de educadores — e a práticapor eles exercida — deve assumir uma perspectiva multidimensional doprocesso de ensino-aprendizagem em que a articulação das trêsdimensões (técnica, humana e política) seja colocada no centroconfigurador da didática. Somente a partir dessa visão contextualizadada educação, em que sejam considerados todos os seus condicionantessociais, políticos e econômicos, é que podemos repensar a didática deforma que ela assuma a articulação das três dimensões do processo deensino-aprendizagem, associando-se a uma perspectiva detransformação social.

Data de recebimento: 10/12/2004Data de aceite para publicação: 26/01/2005

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O DESENVOLVIMENTO DALINGUAGEM E A CAPACIDADE DEAPRENDIZAGEM DA CRIANÇA EM

FASE DE ALFABETIZAÇÃO1

Eliseu PichitelliIzumi Nozaki

RESUMO: Considerando o desenvolvimento da linguagem como condiçãonecessária à aprendizagem, o presente estudo analisou a realização verbal de10 alunos oriundos da classe trabalhadora, de 1ª série da escola pública,especificamente quanto ao uso do código restrito ou elaborado, a funçãoheurística e a função representativa ou informativa,com base nas teorias deBernstein e Halliday. O estudo revelou que as crianças apresentam quasenenhum recurso lingüístico disponível para a aprendizagem escolar, poucoutilizam a linguagem com a função heurística para aprender sobre tudo e sobretodos, assim como a função representativa de transmissão de mensagens eapresentam baixos indícios de uso do código elaborado em contextos decomunicação e de aprendizagem. Com isso, concluiu-se que é preciso pensarna educação das crianças da classe trabalhadora com o devido cuidado demodo a reduzir as discrepâncias sociais e educacionais entre as crianças dasdiferentes classes sociais.

PALAVRAS-CHAVE: crianças; linguagem; aprendizagem.

ABSTRACT: Based on the consideration that the desenvolopement of thelanguage is a necessary condition for the apprenticeship by children in initialstage of school education, the present work analysed the verbal performance of10 students of 1st grade elementay public school, specially in reference ofsociolinguistic code and heuristic and representative function of language,according to Bernstein´s and Halidday´s theories. The results showed thatchildren a) have no much linguistic resource available for learning at school, b)do not use the language in the heuristic function to learn about everything andeverybody, and the representative function which is crucial for the transmissionof messages, and c) do present low evidence of using the elaborated code incontexts of communication and learning. In conclusion, the study revealed thatis fundamental to think carefully about the work class children´s education sothat to reduce the social and educational gap between different social classstudents.

KEYWORD: children; language; apprenticeship.

1 Texto apresentado na 24ª Reunião Anual da ANPED, em Caxambu, no ano de 2001, com algumasalterações.

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IntroduçãoAo longo da história da humanidade, o homem vem pensando

o próprio homem, interrogando e refletindo sobre si mesmo, suasociedade e sua cultura. Esse esforço de pensar do homem sobre ohomem, segundo Bandeira (2000, p. 30), tem sido,historicamente,estimulado, e a cada enfrentamento do homem com um outro homemdiferente de si faz crescer o desejo de conhecer os elos que os une ou oselementos que os diferencia. Nesse processo de entendimento do homemsocial e das diferenças entre si, segundo a autora, surge nos homensuma estranheza que provoca insegurança porquanto abala a certezada ordem social.

Essa insegurança leva a valorações que geram pré-conceitos, ecom base neles é que é atribuído ao outro a marca da diferença, isto é,define-se que a diferença é um atributo do outro. E, nesse sentido, ooutro é o diferente e responsável pela desordem.

Contudo, não bastando a mera identificação do outro comodiferente, este reconhecimento constrói um novo ordenamento que incluie regula a diferença, ora colocando o outro como ser superior, oracomo inferior.

Diante da vontade de explicar as diferenças entre os gruposhumanos, o próprio homem buscou comparar as práticas culturais, oscostumes, o progresso cultural, a evolução das formas de organizaçãosocial e as formas de viver em sociedade dos diferentes povos. Entretanto,aos poucos, o interesse pelas diferenças entre as características maisgerais dos homens de culturas distintas, deu lugar às diferenças naunidade psíquica fundamental dos homens de diferentes sociedades,ou seja, na forma como a mente humana funciona de acordo com asorganizações societais. Contudo, com o avanço dos estudos e dacompreensão sobre a humanidade, o interesse pelas diferenças macro-sociológicas voltou sua atenção para o estranhamento no interior daprópria sociedade, do outro próximo. Passou-se, assim, a se ocupardos grupos sociais diferenciados em suas formas de viver em uma mesmasociedade, isto é, de grupos sociais culturalmente distanciados da formade viver característica da sociedade urbano-industrial, embora nelaenvolvidos e dela sendo parte. E constituindo novos objetos e novasabordagens do outro próximo, a identificação das diferenças e o desejode um novo ordenamento tornaram-se mais específicos e maisexpressivos.

Tal ordenamento, construído com base em concepçõesparticulares sobre o homem em relação ao outro homem, ao regular

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uma relação de superioridade-inferioridade, refletiu-se em todas asinstâncias e, notadamente, no campo da educação.

Na escola, então, descobriu-se que existe um “outro”, que nãoconsegue aprender, que não tem sucesso e que desiste. E esse outrodiferente foi identificado como sendo, de um modo geral, oriundo dasclasses mais desfavorecidas da sociedade.

E como explicar o insucesso desse “outro”? Muitas explicaçõese suposições sobre esse fenômeno das crianças desfavorecidas na escolaforam construídas a partir de diversas hipóteses, ao longo dos últimoscem anos.

Inicialmente, as crianças que não acompanhavam seus colegasna aprendizagem escolar foram designadas como anormais escolarese as causas de seu fracasso foram procuradas em alguma anormalidadeorgânica (PATTO, 1999, p. 59).

Segundo Patto (1999, p. 62), a avaliação dos “anormaisescolares” - legitimada segundo os quadros clínicos da época - tornou-se, praticamente, sinônimo de avaliação intelectual e “os testes de QIadquiriram um grande peso nas decisões dos educadores a respeito dodestino escolar de grandes contingentes de crianças que, na Europa ena América, conseguiam ter acesso à escola”.

Além da perspectiva da medicina, outras formas de explicar ofracasso escolar foram apresentadas. Soares (1999, p. 10-6), porexemplo, apresentou e discutiu as três ideologias que explicavam ofracasso escolar das crianças do povo: a) a ideologia do dom, em queo bom aproveitamento escolar depende do dom, aptidão, inteligênciae talento de cada aluno; b) a ideologia da deficiência cultural, em quea não aprendizagem pelos alunos provenientes das classesdesfavorecidas deve-se à desvantagens, ou déficits, resultantes deproblemas de deficiência cultural, carência cultural ou privação cultural;e c) a ideologia das diferenças culturais, em que embora se reconheçaa diversidade de culturas entre os alunos, justifica que alunos dedeterminadas culturas fracassam porque a cultura que estes trazem aoingressar na escola é diferente daquela requerida por ela.

Ainda no esforço de explicar o fracasso escolar das criançasdesfavorecidas, outras várias hipóteses foram levantadas, dentre elas,a da pobreza financeira e a desnutrição, as desigualdades sociais, aspráticas pedagógicas, as políticas públicas inadequadas, etc., tendosido todas elas refutadas por inúmeros autores, respaldados em diferentesparadigmas conceituais.

Porém, na perspectiva antropológica da compreensão do outro

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diferente, este sempre foi compreendido como sendo o portador deatributos inferiores e, quando fracassa na sociedade, esse resultadoreforça a sua identificação como sendo um outro próximo diferente quefracassa e, portanto, um ser inferior na escala humana social.

Na contrapartida desse ordenamento, ocorre um intensomovimento de valorização das características particulares desse outrodiferente, em defesa do respeito pelo outro e da igualdade para todos,ou seja, da derrubada da discriminação e das desigualdades.

Pagotti (1988) e Freitag (1985), analisando esse movimento dereivindicação pelo reconhecimento das diversidades, alertaram para ocuidado diante da supervalorização das qualidades específicas dessegrupo, atitude esta que pode caracterizar-se como sendo conservadora,das diferenças e da relação superior-inferior. Nesse sentido, os autoresdefendem que é preciso atentar para os atributos que esse grupo tem,sem perder de vista, contudo, os atributos de que seus membros nãodispõem, atributos estes que sem os quais os sujeitos mantêm-se nopatamar inferior da sociedade, ou seja, atributos estes que são vitais àpopulação desfavorecida para modificar suas condições de vida.

Cabe ressaltar que, no contexto dessas discussões, não é válidodefender tão somente o reconhecimento do outro diferente, ou tãosomente exigir da sociedade uma mudança na sua forma hierarquizadade se relacionar com o outro diferente. Mais do que isso se faz crucial,de um lado, respeitar e valorizar os atributos peculiares do outro próximodiferente, e de outro, dar-lhe condições de desenvolver suaspotencialidades e condições capazes de lhe permitir e garantir o acessoà cultura, à informação, ao conhecimento, enfim, à cidadania universal.

Segundo Charlot (2000), em princípio, cada ser é um exemplarúnico, cria do homem. Se assim é, em uma sociedade, o importantenão é desejar uma identidade única de todos os seres, em que todos ossujeitos devem ser genuinamente idênticos. Pelo contrário, o que importaé fornecer oportunidades para que cada um desenvolva as suaspotencialidades. E, em caso de fracasso na escola, não se trata deidentificar o sujeito fracassado como um ser inferior ou diferente, e nemtampouco tratar todos os casos de fracasso como um único fenômeno.Isso porque, segundo Charlot (2000, p. 16), “o «fracasso escolar» nãoexiste, o que existem são alunos fracassados, situações de fracasso,histórias escolares que terminam mal. Esses alunos, essas situações,essas histórias é que devem ser analisados, e não algum objetomisterioso, ou algum vírus resistente chamado «fracasso escolar»”.

Uma vez entendido isso, fica claro que não existe o fracasso

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escolar, mas apenas alunos fracassados, situações de fracasso e históriasescolares que terminam mal. Nesse sentido, são os alunos, suassituações e suas histórias escolares que devem ser cuidadosamenteestudados. Assim se fazendo, buscar-se-á compreender quais atributosessas crianças não dispõem e, com base nesse resultado, avaliar asações necessárias para que elas as passem a dispor, não apenas paraobterem um sucesso imediato na escola, mas para que possam teracesso às diversas oportunidades sociais e educacionais e, dentro delas,desenvolverem suas novas potencialidades.

A l inguagem e o desenvolv imento do códigosociolingüístico

Com o intuito de melhor compreender a relação, entre a classesocial e o sucesso na escola, mais especificamente, entre a situaçãodas crianças desfavorecidas e o seu fracasso escolar, Bernsteinconcentrou-se no estudo da forma como as crianças estabelecem asrelações com a aprendizagem a partir dos recursos lingüísticosdisponíveis e em desenvolvimento. Em termos gerais, o autor buscoucompreender o que determina o complexo de atitudes que são favoráveisà mobilidade na escola e à mobilidade social.

Segundo a teoria de Bernstein, conforme Soares (1999, p. 23),diferentes formas de relações sociais geram diferentes códigossociolingüísticos, que criam para o falante diferentes ordens de relevânciae de organização da realidade.

Essa explicação do autor, implica em compreender quedependendo das formas e da qualidade das relações sociais mantidas,estas podem orientar o sujeito para uma linguagem cujos significadossão lingüisticamente explicitados ou particularistas e dependentes docontexto, ou então, para uma linguagem cujos significados sãolingüisticamente implícitos ou universalistas e independentes do contexto.

Essas formas de orientação do uso da linguagem determinamopções gramaticais e léxicas que resultam em um código restrito ou emum código elaborado. O uso do código restrito é perfeitamenteapropriado em relações em que existe uma afinidade entre os sujeitosfalantes como, por exemplo, entre familiares, amigo, etc. Por sua vez, ouso do código elaborado é apropriado em relações em que, mesmohavendo afinidade entre os falantes, é de fundamental importânciauma maior elaboração da fala tendo em vista que o contexto requeruma maior explicitação das informações e do pensamento. O uso docódigo elaborado pressupõe, entretanto, uma apropriação da

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capacidade de uso do código restrito e do código elaboradoadequadamente a cada contexto.

Assim, na visão de Bernstein, ocorre uma tendência ao uso docódigo restrito pelos sujeitos oriundos de algumas frações da classetrabalhadora, particularmente da classe trabalhadora mais baixa, emrazão das formas de relações próximas e de solidariedade entre seusmembros. Por outro lado, ocorre uma tendência ao uso do códigoelaborado pelos sujeitos oriundos da classe média e estratos associadosem razão das formas de relações diversificadas vividas no interior dadivisão social do trabalho e de um leque mais amplo de oportunidadessociais por seus membros.

Para Bernstein (apud DOMINGOS et al., 1986, p. 64), essasdiferenças na capacidade de uso de um tipo ou outro de linguagem,não se refere às diferenças de vocabulário e nem na capacidade físico-anatômica do cérebro, significa o acesso a formas de pensamentoqualitativamente diferentes, sobretudo no que diz respeito à capacidadede adequar a linguagem ao contexto. Não significa dizer também queo uso predominante de um código restrito pela criança da classe baixaresulte necessariamente de uma deficiência intelectual, considerandoque esse uso, na verdade, surge como conseqüência das relações sociais.

Essas diferenças na capacidade de uso da linguagem têm assuas implicações na aprendizagem na escola, conforme se vê na tesede Bernstein apreciada por Soares (1999):

Essas diferenças, segundo Berns tein, sãoparticularmente importantes para a área deeducação, uma vez que a escola se preocupa coma transmissão de significados universalistas, usa equer ver usado o código elaborado; pressupõe,portanto, nos alunos, a vivência das formas desocialização que conduzem a esse código e àsformas de pensamento a que ele dá acesso. Isso éque explica, na perspectiva de Bernstein, o fracassoescolar das crianças da classe trabalhadora: eleseria culturalmente produzido, através da mediaçãodo processo lingüístico que essas crianças teriamvivenciado em sua socialização. Para a criançaque dispõe do código elaborado, a experiênciaescolar representa apenas um desenvolvimentosimbólico e social; para a criança ‘limitada’ a umcódigo restrito, a experiência escolar significa umatentativa de transformação simbólica e social (p.29-30).

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A linguagem e o desempenho da função heurística eda função representativa ou informativa

Um outro autor que estudou questões relacionadas aodesenvolvimento da linguagem foi Halliday. Para Halliday (1973), acriança, ao utilizar a linguagem, tenciona satisfazer suas necessidades,e por essa razão, para ela a linguagem desempenha várias funçõessociais, variando de acordo com cada situação de fala.

Segundo este autor, há sete funções específicas da linguagemidentificadas na fala da criança e variam de acordo com asoportunidades de desenvolvimento.

Segundo Halliday, as sete funções sociais da linguagem dacriança, são: função instrumental, regulatória, interacional, pessoal,heurística, imaginativa e função representativa.

Entre essas funções, a heurística refere-se à linguagem comomeio de investigação da realidade, ou seja, uma forma de aprendersobre tudo e sobre todos, caracterizada pela elaboração de perguntascom a finalidade de buscar explicações sobre os fatos e as generalizaçõessobre a realidade que a linguagem torna possível explorar.

A função representativa ou informativa refere-se à linguagemcomo meio de transmitir uma mensagem que tem referência específicaao processo, pessoa, objetos, abstrações, qualidades, estados e relaçõesdo mundo real à sua volta, ou melhor, de transmitir uma informação,um conteúdo que é visto pelo orador como sendo desconhecido peloreceptor.

Algumas implicações do desenvolvimento da linguagemno processo de aprendizagem

Considerando que, segundo Bernstein, a aprendizagem se dá apartir dos recursos lingüísticos disponíveis e em desenvolvimento pelacriança e que, segundo Halliday, a criança utiliza a função heurísticapara aprender sobre tudo e sobre todos e a função representativa ouinformativa como meio de transmitir uma mensagem por meio dalinguagem, o presente estudo buscou compreender se alguns complexosde atitudes desenvolvidos pelas crianças de classes desfavorecidas sãofavoráveis ao processo de aprendizagem na escola.

Para tanto, buscou-se analisar o uso de um código restrito ouelaborado pelas crianças através do uso de significados dependentesdo contexto ou de significados, independentes do contexto, e as funçõesheurística e representativa ou informativa da linguagem, através darealização ou não de perguntas investigativas e da exposição verbal de

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forma descritiva ou narrativa pelas crianças.Para avaliar o uso do código sociolingüístico e as funções sociais

da linguagem pela criança, foram realizadas duas atividades verbais.Na primeira delas, à criança foi solicitado que ensinasse como se brincade esconde-esconde. Caso a criança não conhecesse essa brincadeira,perguntava-lhe sobre uma outra brincadeira, tal como o pega-pega, aamarelinha etc. Nessa atividade, procurou-se verificar se a criançaexplicaria a brincadeira através da forma descritiva ou narrativa e,também, com significados dependentes ou independentes do contexto.A forma descritiva foi considerada como característico de um códigoelaborado por se tratar de uma representação pormenorizada de umcomplexo de ações e a narrativa foi considerada como característicode um código restrito por se tratar de um relato de um fato, umacontecimento, um episódio. Nesse caso, conforme Bernstein (apudDOMINGOs et al., 1986, p. 25), o código restrito reforça uma forterelação inclusiva, enquanto o código elaborado reforça uma relaçãoanalítica e de distanciamento do contexto. Desse modo, a formadescritiva com significados independentes do contexto indicaria o usode um código elaborado e a narrativa com significados dependentesdo contexto indicaria o uso de um código restrito.

Na segunda atividade, à criança foi entregue dois embrulhos,um de cada vez, que continham objetos diferentes, tais como pregos,pedra, arroz, moedas, chaves etc, e a ela foi solicitado que adivinhasseo seu conteúdo. Em seguida, a criança foi informada de que oentrevistador tinha o conhecimento do conteúdo contido no interior doembrulho; isso com o intuito de instigar a criança a se utiliza do adultopara obter informações precisas para a descoberta do objeto. Nessaatividade, o fato de a criança realizar ou não perguntas investigativaspara obter informações sobre o objeto seria um indicativo de maior oumenor desenvolvimento da função heurística.

Ao analisar o uso da linguagem por um grupo de 10 criançasde escolas públicas de Cuiabá, Mato Grosso, em fase de alfabetizaçãoinicial, com idade entre 5 a 6 anos, observou-se que, 50% das crianças(N=5) apresentaram forma descritiva e 50% (N=5) apresentaram formanarrativa, b) 80% das crianças (N=8) apresentaram uso de significadosdependentes do contexto e 20% (N=2) apresentaram uso de significadosindependentes do contexto e c) apenas 20% das crianças (N=2)realizaram perguntas investigativas.

Estes dados, ainda que obtidos com base em um grupo pequenode sujeitos, indicam que apenas 20% (N=2) das crianças apresentam

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um desenvolvimento da função heurística; apenas 10% (N=1)apresentam um desenvolvimento da função representativa e apenas20% (N=2) apresentam indícios de uso de um código elaborado dalinguagem.

Em síntese, os dados revelam que as crianças da amostra,oriundas da classe desfavorecida, apresentam pouco ou quase nenhumrecurso lingüístico disponível para a aprendizagem escolar. Ademais,essas crianças pouco utilizam a linguagem com a função heurísticapara aprender sobre tudo e sobre todos, assim como pouco utilizam alinguagem com a função de transmissão de mensagens.

À guisa de conclusãoSegundo Halliday, as funções representativa e heurística são

funções básicas do desenvolvimento da linguagem da criança edependem de ser desenvolvidas pela família, durante a infância e desdea tenra idade. No caso das crianças do estudo, viu-se que estas estãochegando à escola sem essas funções desenvolvidas para dar início aoseu processo formal de aprendizagem escolar. A situação dessas criançascoloca-as em estado de grande dependência do adulto, em especial,do professor, para o desenvolvimento dessas funções que consideradascomo básicas e fundamentais à aprendizagem.

Os resultados deste pequeno estudo levam-nos a crer que, naescola, ao professor caberá, primeiramente, avaliar a situação particularde cada criança que chega para aprender e, em seguida, promoversituações de desenvolvimento e de aprendizagem contínua das crianças,entendendo que elas são oriundas das classes mais desfavorecidas dasociedade e não têm com quem contar para o desencadeamento edesenvolvimento dos processos psíquicos e verbais superiores dalinguagem.

Esses resultados mostram, também, que as crianças são diferentese que, assim devem ser tratadas, porém, uma vez respeitadas asdiferenças, é preciso cuidar para não deixar de lado a importância deagir sobre elas, em interação com o professor e com a sua mediação,para que elas possam se desenvolver no meio escolar e se tornaremiguais a todas as crianças em seu direito de aprender.

O estudo, ainda, leva a refletir sobre o modo de conceber acriança como ser único, que não é igual a nenhuma outra criança eque apresenta condições diferenciadas de recursos lingüísticos e deaprendizagem. E como tal, cada uma delas merece ser tratada comdistinção. Assim sendo, as crianças, uma vez reunidas em uma classe

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não podem ser educadas de maneira absolutamente igual, com umúnico modo pedagógico.

Entretanto, as crianças diferentes, que não aprendem quefracassam, não podem ser vistas como um outro próximo diferente inferior.Elas merecem ser compreendidas, respeitadas, e desenvolvidas conformeseus direitos universais de ser humano e de criança. Somente dessaforma, essas crianças poderão prosseguir desenvolvendo e aprendendoe assim, mudando suas condições desfavoráveis de vida.

Ainda no sentido de entender os resultados do estudo, importanteobservar o fato de as crianças não terem desenvolvido a funçãoheurística, de modo a fazer uso da linguagem para obter informaçõescomo meio de investigação da realidade, ou seja, uma forma deaprender sobre tudo e sobre todos, caracterizada pela elaboração deperguntas com a finalidade de buscar explicações sobre os fatos e asgeneralizações sobre a realidade que a linguagem torna possível explorar(HALLIDAY, 1973).

Entende-se que à medida que a criança aprende a usar alinguagem com a função heurística, ela pode buscar explicações sobreos fatos e as generalizações ocorridas em sala de aula e explorar melhorsuas dúvidas junto ao professor. Até lá, a criança permanecerá emrelação passiva com o ensino, com os conteúdos escolares, com asatividades de aprendizagem, e se distanciará gradativamente darealidade que a envolve no mundo escolar.

Segundo Bernstein, uma das características do código restrito éo baixo nível de curiosidade, e a diferença no nível de curiosidadeentre as crianças e de orientação dessa curiosidade podem removerum poderoso estímulo para a aprendizagem na aula (apud DOMINGOSet al., 1986, p. 29).

Em outras palavras, para a criança com baixo nível de curiosidadee com pouco desenvolvimento da função heurística da linguagem, oestímulo à aprendizagem torna-se reduzido e as condições deaprendizagem limitadas.

O fato de a criança ter pouco desenvolvimento da funçãorepresentativa ou informativa da linguagem também a desencoraja atransmitir suas idéias, seus pensamentos, suas descobertas, seus desejos,suas vontades, especificamente referentes a processos, pessoas, objetos,abstrações, qualidades, estados e relações do mundo real à sua volta.Essa criança deixa de ter condições de transmitir uma informação, umconteúdo que é visto pelo orador como sendo desconhecido peloreceptor. Assim, ela deixa de criar contextos de interação com o outro,

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o que acentua as condições desfavoráveis de desenvolvimento de suacapacidade de comunicação consigo mesmo e com os outros.

Se o pouco desenvolvimento da função heurística é adicionadoao pouco desenvolvimento da função representativa da linguagem pelacriança, ocorre que essa criança encontra-se em uma situação dedificuldade de aquisição e de transmissão de informações. Ao contráriodo que se espera, essa criança, em lugar de se construir como um serúnico social, encontra-se no desvio dos caminhos que a levariam paraa formação de um cidadão crítico e questionador.

Considerando a importância do desenvolvimento das funçõesda linguagem e dos códigos sociolingüísticos, Bernstein (apudDOMINGOS et al., 1986, p. 91) adverte para o fato de que o sistemade classes marca, profundamente, a distribuição do conhecimentodentro de uma sociedade capitalista, confere acesso diferencial aosentimento de que o mundo é permeável, isola as comunidades umasdas outras e as estratifica, segundo uma escala ofensiva de valores.Seria ingênuo acreditar, portanto, que as diferenças no conhecimento eno sentido do possível, conjuntamente com o isolamento, não vãoafetar as formas de socialização das crianças de diferentes classes sociais.Se nos centrarmos nas crianças da escola pública podemos verificarque, quer ao longo da história quer nos tempos atuais, têm-lhes sidodifícil o acesso a uma linguagem elaborada utilizada pela escola comoforma de aquisição do conhecimento universal. Desse modo, é precisopensar na educação das crianças da classe trabalhadora com o devidocuidado tendo em vista que os fins da educação não podem legitimarainda mais as diferenças e as desigualdades sociais.

Data de recebimento: 10/01/2005Data de aceite para publicação: 30/01/2005

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DESAFIOS POSTOS PARA AAVALIAÇÃO DE ENSINO

Ilma Ferreira Machado

RESUMO: No meio acadêmico, professores e alunos manifestam uma grandepreocupação com a avaliação de ensino, caracterizando-a como um processocarregado de desafios, diante do qual se vêem, muitas vezes, confusos, semsaber como agir. Este texto, fruto de meus estudos e de minhas vivências comoeducadora, procura instigar o debate e, ao mesmo tempo, trazer algumascontribuições para o entendimento dessa questão.

PALAVRAS-CHAVE: avaliação de ensino; avaliação formativa e criterial;organização do trabalho pedagógico.

ABSTRACT: The evaluation teaching has been very much concerned by professorsand students on the academic field. It has been characterized as a process full ofchallenges and it has let professors and students confused and not knowinghaw to react. In this text, which comes after my teaching experience and mygraduation, I try to investigate this debate and at the same time I try to bringsome contributions to the understanding of this question.

KEY WORDS: evaluation teaching; formative and criterial evaluation;organization of pedagogic work.

Apesar de ser uma prática largamente empregada por pessoas einstituições, a avaliação nem sempre é considerada algo tranqüilo.Pelo contrário, sobre ela recaem muitas reclamações e dúvidas. Demodo que, avaliar, geralmente, é angustiante, conflitante e, por quenão dizer, desafiador.

Os desafios postos para a avaliação são formulados a partir depreocupações vivenciadas no processo pedagógico, e que se evidenciamcom mais vigor no momento da avaliação. Podem ser de duas ordens:

Primeira - questionamentos sobre o “que” e “como” avaliar:O “que” implica em reflexão sobre a definição de prioridades

no programa de ensino (quais conteúdos/habilidades avaliar) e,conseqüentemente, em pensar os objetivos das áreas de conhecimentoe de cada conteúdo.

O “como” implica em reflexão sobre a forma, correspondendoà seleção dos instrumentos e técnicas de avaliação (provas, testes,

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observação, trabalhos), definição da periodicidade e dos tipos de registro(notas, conceitos, parecer).

Segunda - questionamentos sobre as finalidades que a avaliaçãodeve cumprir, envolvendo:

reflexões sobre a finalidade da educação: educar para que, quetipo de homem e mulher formar?;

reflexões quanto ao senso de justiça:· Como tornar o processo de avaliação algo mais justo?· Como eliminar conflitos entre avaliador e avaliado?· Como conseguir equilíbrio objetividade-subjetividade?· Como resguardar a democracia do processo avaliativo

(participação dos sujeitos; auto-avaliação)?Quando as preocupações são de natureza mais técnica e

objetivista, a discussão tende a ficar centrada nas questões da primeiraordem - lembrando que as escolhas técnicas também têm implicaçõespolíticas, embora nem sempre isso esteja claro para muitos professores.

Numa perspectiva mais política, avança-se para questões dasegunda ordem, num imbricamento entre os dois tipos de questões,procurando analisar a problemática da avaliação numa dimensão maisabrangente, estabelecendo as interconexões entre “o que”, o “como” eo “para que”.

Muitos dos conflitos relativos à avaliação são decorrentes domodelo de escola em que atuamos: a escola capitalista, cuja essênciaé a preparação técnica do aluno para inserção no mercado de trabalho/sociedade capitalista, que objetiva, em última instância, alimentar ocapital, perpetuando a separação entre classes e a exploração da classetrabalhadora. Essa escola tem sua prática assente na fragmentação doconhecimento, na separação entre trabalho manual e intelectual, naênfase ao individualismo e competição, na centralização do poder deavaliação nas mãos do professor, nas relações pedagógicascaracterizadas pela relação professor-aluno-conhecimento e pelodistanciamento do mundo do trabalho socialmente produtivo e entreteoria-prática.

Assim, a escola, muito embora seja colocada como ummecanismo de equalização social via distribuição do saber, acabacumprindo a finalidade de reprodução de um padrão cultural baseadoem valores da classe dominante, reafirmando as desigualdades sociaise o processo de exclusão social, em que o trabalhador é formado como“mão-de-obra”, negando-lhe um desenvolvimento na amplitude desua condição humana que envolve outras dimensões (política, lúdica,

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estética, cultural) e potencialidades.A avaliação joga grande peso nesse processo todo, seja de forma

explícita - dando a conhecer as apuradas técnicas e os diversificadosinstrumentos de avaliação, ocorrendo sistemática e formalmente -, sejade forma velada e sutil - ocorrendo informalmente, enfatizando aspectossubjetivos e comportamentais que, em grande medida, interferem noresultado final da avaliação. Em ambos os casos, a avaliação nãodeixa de cumprir finalidade de controle e classificação e nem de serautoritária e excludente.

Há situações também em que a adoção do sistema de avaliaçãocontínua leva à “ditadura da avaliação”: tudo é avaliado, em todos osmomentos, fazendo com que o processo pedagógico passe a girar emtorno da avaliação e não o contrário ou numa relação dialética: umem função do outro.

Indubitavelmente, já avançamos bastante nas discussões sobreavaliação de ensino. Ultrapassamos, de certa forma, aquela fase dacrítica à prova ou à nota como as principais vilãs desse processo.Vimos que simplesmente deixar de adotar a prova ou mudar de notapara conceitos não é suficiente para eliminar os conflitos em avaliação.Com o passar do tempo outros questionamentos foram aparecendo(faz parte da dialética do ser humano):

· Como efetivar uma nova modalidade de avaliação, sem cairna prática mecanicista e formalística de avaliação, que acabaatendendo ao imperativo de classificar e cujo objetivo principal é apenasaferir o aproveitamento do aluno em relação aos conteúdos trabalhados,tendendo a se repetir o viés academicista de ensino?

· Além da postura do educador, o que precisa mudar para queessa avaliação seja definitivamente colocada em prática?

Embora se reconheça que a avaliação não é algo descolado doprocesso pedagógico como um todo, esse “todo”, que é a escola, éreticente à mudança, centrando todas as cobranças na figura doprofessor. Por outro lado, há situações em que a escola adere àsmudanças, porém, interpretando-as exclusivamente do ponto de vistametodológico. Promove mudança na metodologia de ensino, mas logo“as coisas” voltam ao mesmo lugar ou não andam, frustrando asexpectativas de mudança porque não se mexeu nos espaços e temposda escola. A estrutura da escola não foi permeável à mudança.

Algumas questões dizem respeito mais especificamente aosencaminhamentos teórico-práticos da avaliação. Contudo, os desafiosda avaliação atualmente são desafios que estão colocados para a

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organização do trabalho pedagógico na escola. Ou seja, não é possívelalterar a sistemática de avaliação sem mudar a dinâmica e as relaçõesde trabalho no conjunto da escola. Avaliação, objetivos, conteúdos emetodologia de ensino são partes integrantes e indissociáveis do processopedagógico. Parece algo óbvio, mas a escola, de um modo geral,atribui ênfase aos conteúdos e metodologias, mascarando, assim, asreais intencionalidades do ato pedagógico.

Como, por exemplo, tomar a participação do aluno como critériode avaliação se a escola cerceia o exercício da autonomia e daparticipação discente no processo de gestão da escola?

Como resguardar as diferenças individuais que levam àaprendizagem em tempos diferenciados, se a escola não oferececondições de atendimento a tais diferenças, em termos de estrutura,material didático e apoio pedagógico?

Uma questão que precisa ficar clara nessa discussão é que nãose minimiza os conflitos relativos à avaliação sem promover mudançana forma de tratar o conhecimento: como algo abstrato, distante darealidade dos alunos. Isso significa, conforme Freitas (1995), que asrelações pedagógicas devem deixar de ocorrer entre aluno econhecimento, mediadas pelo professor, passando a se estabelecer entrealuno, professor, conhecimento e mundo do trabalho, dialética ehorizontalmente, numa relação dinâmica prática-teoria-prática, de modoa se tornarem mais significativas e totalizantes. O diálogo e a participaçãosão elementos indispensáveis nessa dimensão educativa: ao dizer oque pensa e sente, ao questionar e criticar, o aluno não só participa doprocesso de construção e reconstrução do conhecimento, como tambémconstrói a sua própria autonomia como sujeito.

É imprescindível pensar, então, numa perspectiva de formaçãointegral que trabalhe todas as dimensões e potencialidades do serhumano, aliando saber intelectual e manual, pensar e fazer, o queimpõe a necessidade de estabelecimento da relação entre escola e vidaou escola e trabalho socialmente produtivo. O trabalho no seu sentidogenérico, e não sob a ótica capitalista, é positividade, potencialidadecriadora e condição de humanização do sujeito (LUKÁCS, 1981).

Nesse sentido, conceber o trabalho como princípio educativo(PISTRAK, 2002) implica tomar as relações sociais e os conteúdos dotrabalho como eixo de estudo, propiciando a articulação entre teoria eprática que subentende a necessidade da investigação e pesquisa comoprincípio metodológico, a prática pedagógica interdisciplinar e coletivae a construção do conhecimento numa perspectiva totalizante; implica,

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ainda, em uma mudança nas relações de poder: pensar a auto-organização dos alunos e a organização do coletivo docente comoelementos essenciais da gestão democrática da escola e para aconstrução de um projeto coletivo de educação.

Tomar o trabalho como princípio educativo significa, enfim,promover mudanças substanciais na organização do trabalhopedagógico na escola, incluindo-se sua estrutura político-administrativade modo que suas concepções e práticas tenham como finalidade aformação integral do sujeito no sentido do pleno desenvolvimento desuas potencialidades criadoras.

A organização do trabalho pedagógico na perspectiva deformação integral da criança e do jovem exige o redimensionamentoda avaliação de ensino:

· A avaliação não pode ser unilateral, incidindo apenas sobre aaprendizagem ou sobre o aluno, devendo envolver todos os sujeitos edimensões do processo pedagógico, numa dimensão de crítica eautocrítica e enfatizar a prática de trabalho coletivo. Portanto, implicaem responsabilidade e compromisso por parte dos sujeitos envolvidos:alunos e professores;

· A avaliação não pode ser inócua e academicista baseadaexclusivamente em tarefas e exercícios escolares, devendo traduzir-seem aplicações práticas do conhecimento, impondo a necessidade deorganização de atividades estreitamente articuladas com o trabalhosocial, numa concepção de prática que ultrapassa o caráter pragmáticoe assume a dimensão de projeto social e coletivo, e de movimento:pensar, questionar, interferir e mudar, constituindo melhorias para oconjunto da sociedade (MANACORDA, 1991);

· Não serve a avaliação normativa, baseada num padrão deexcelência que analisa o desempenho do aluno pela “média”,comparando uns em relação aos outros. A avaliação deverá serformativa e criterial (PERRENOUD, 1986), isto é, pautada em critériosclaramente definidos e discutidos com os alunos. Dessa forma,assegurará a participação do aluno e dará mais segurança e coerênciaao processo, procurando equilibrar aspectos subjetivos e objetivos.

· A finalidade da avaliação deve ser acompanhar odesenvolvimento profissional/acadêmico dos sujeitos e contribuir parao redimensionamento da prática pedagógica, indicando pontos deavanços e dificuldades sobre os quais é necessário interferir no sentidode se fortalecer ações ou mudar estratégias. Nesse sentido, a avaliaçãodeve ser concebida como componente inseparável do planejamento eda ação pedagógica.

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O desafio maior que está posto para os educadores é construiressa perspectiva de organização do trabalho pedagógico e de avaliaçãono contexto da sociedade que temos e que impõe amarras e limitaçõespor se contrapor a uma concepção de educação como processo deformação humana integral.

É preciso ainda saber lidar com as limitações que nós educadorese educadoras, temos para trabalhar nessa linha - limitações que sãofrutos da nossa cultura de formação. Fazer isso poderá nos dar umanoção mais exata do “terreno” onde estamos pisando, ajudando aenfrentar com um pouco mais de tranqüilidade as contradições que senos apresentam na prática pedagógica.

Não há receita pronta. É importante conhecer os fatores limitantesdesse processo, como forma de evitar frustrações e de se cavar osespaços do possível. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que ascondições nunca estarão completamente dadas. Elas têm de serconstruídas gradativamente, exigindo, dentre outros fatores, grande dosede persistência e empenho pessoal e coletivo, dentro do qual se colocaa necessidade da realização permanente de novos estudos e discussõessobre a prática pedagógica e o modo de organização do trabalhoescolar.

Por fim, cabe lembrar que o processo reprodutivo da escola nãoé uniforme e pacífico, mas sim contraditório e conflitante. Por isso, aescola não é só reprodução. É, também, questionamento,transformação.

A transformação não é um processo linear e simples, mas épossível começar a mudança definindo claramente o que é avaliação,qual sua finalidade e estabelecendo critérios e objetivos coerentes.

Não podemos nos resignar diante das dificuldades e nem tãopouco ter medo de tentar construir relações pedagógicas e sociais decunho democrático e coletivista. Nesse processo, é preciso dizer não àapatia e ao medo.

(...) Não ao medo de dizer, ao medo de fazer, aomedo de ser. O colonialismo visível proíbe dizer,proíbe fazer, proíbe ser. O colonialismo invisível,mais eficaz, nos convence de que não se podedizer, não se pode fazer, não se pode ser. O medose disfarça em realismo: para que a realidade nãoseja irreal, dizem os ideólogos da impotência, amoral haverá de ser imoral (GALEANO, 1990 p.12-13).

Data de recebimento: 10/01/2005Data de aceite para publicação: 30/01/2005

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREITAS, Luiz Carlos de. Crítica da organização do trabalhopedagógico e da didática. Campinas: Papirus, 1995.

GALEANO, Eduardo. Nós dizemos não. Rio de Janeiro: Revan,1990.

LUKÁCS, G..O trabalho - por uma ontologia do ser social (traduçãode Ivo Tonet). Universidade Federal de Alagoas, 1981.

MANACORDA, M. Marx e a pedagogia moderna. São Paulo: Corteze Autores Associados, 1991.

PERRENOUD, P. Das diferenças culturais às desigualdades escolares:a avaliação e a norma num ensino diferenciado. In: Allal, L;Cardinet, J.. A avaliação formativa num ensino diferenciado.Coimbra: Almedina, 1986.

PISTRAK, M. M.. Fundamentos da escola do trabalho. 2. ed. SãoPaulo: Expressão Popular, 2002.

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A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEMESCOLAR1

Irton Milanesi

RESUMO: O presente estudo é fruto de reflexões teóricas desenvolvidas peloautor na interlocução com o pensamento dos estudiosos da temática daavaliação. Perpassa esse campo dando um enfoque especial à avaliação daaprendizagem escolar. Com base nos pressupostos que a sustentam no atualcontexto escolar, o estudo caracteriza-a com base nas práticas estabelecidas,principalmente na relação entre os seus agentes e, finalmente, centra esforçosno sentido de ensaiar passos rumo à transformação dessas práticas no contextodas escolas.

PALAVRAS-CHAVE: avaliação, ensino-aprendizagem.

ABSTRACT: The present study is the result of theoretical reflections developedby the author according to the specialist’ thoughts of the theme of the evaluation.It goes through that field giving a special focus to the evaluation of the schoollearning. Based on the presuppositions that sustain it in the current schoolcontext, the study characterizes it sustained by the established practices, mainly,in the relationship among their agents and, finally, it centers efforts in theattempt of rehearsing steps heading for the transformation of those practices inthe context of the schools.

KEY WORDS: evaluation, teaching-learning.

1- Caracte ri zando as p ráti cas aval ia t i vas daaprendizagem escolar

Há um acordo unânime no meio educacional sobre a importânciaque a avaliação deve ter nas práticas educativas, mas é preciso sebuscar um sentido mais ampliado a esse fenômeno. De que avaliaçãose fala? Com quais objetivos? Então, necessário se faz, como ponto departida, caracterizá-la numa perspectiva centrada nas práticas escolaresestabelecidas. Por que caracterizá-la a partir das práticas existentes? Setemos como hipótese que a avaliação não se apresenta nas instituiçõesescolares de forma satisfatória

2 e, ao mesmo tempo, pretendemos tecer

1 O estudo surgiu a partiu das reflexões teóricas do autor como aluno do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação/UNICAMP, disciplina: Avaliação de Ensino– Ideologia e Procedimentos.

2 Ver por exemplo a percepção negativa que os alunos têm a respeito da avaliação. SORDI, M.R.L de.Repensando a Prática de Avaliação no Ensino de Enfermagem. Tese de Doutorado. FE - UNICAMP,1993.

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nossa crítica, então, caracterizá-la necessariamente deve ser nosso pontode partida. É o ponto em que levantamos os seus principais elementos,os quais são reveladores das condições, em que essas práticasavaliativas escolares se materializam objetivamente nas ações entreprofessores, alunos, pais e gestores educacionais com maior peso aosprimeiros agentes.

Partimos da constatação3 de que as práticas avaliativas da

aprendizagem escolar se apresentam em pelo menos dois níveis inter-relacionados de operacionalização: um formal e outro informal. Elessão provenientes de uma matriz teórica

4 e operam nas instituições

escolares como materializadores dos objetivos educacionais propostos,numa acepção de avaliação como processo de julgamento dodesempenho do aluno pelo professor. Por mais que o formal seja omais explicitado nos programas das disciplinas escolares através detestes padronizados, provas e outros tipos de atividades que controlamo quantitativo de conhecimento apreendido pelo aluno, o informaltambém aparece implícito nestas práticas, com um poder controladorde comportamentos e de ações muitas vezes até com muito mais força.

O formal da avaliação tem como finalidade medir e testar oquantitativo de conhecimento em face de objetivos pré-estabelecidospor especialistas, “iluminados” em planejamento educacional, os quais“sabem” o que se faz necessário para uma formação “adequada” dosalunos frente às exigências do mercado de trabalho. O formal sematerializa através das provas, testes padronizados elaborados pelosprofessores ou por outrem no mercado educacional.

O informal, por sua vez, parece ocorrer com mais freqüência.Se no nível formal da avaliação há a presença controladora do professor,isso ocorre em períodos mais ou menos estabelecidos, não acontecendodesta mesma forma com o nível informal da avaliação, este ocorredurante todo o processo do trabalho pedagógico: são os olhares epalavras que censuram e reprimem determinados comportamentosdo aluno, (os professores agem assim por acreditar que estão fazendobem ao aluno), todo tipo de verbalizações corretivas quase sempre o

3 Estudo das práticas avaliativas escolares como os de: SOUZA, S. Z. L. Revisando a teoria daavaliação da aprendizagem. In: SOUZA C. P. (Org.) Avaliação do rendimento escolar. Campinas:Papirus, 1991; FREITAS, Luiz Carlos de. Crítica da organização do trabalho pedagógico e daDidática. Campinas: Papirus, 2000; e LUDKE, M. & MEDIANO, Z. Desvelando a realidade daavaliação na escola in: LUDKE, M. & MEDIANO, Z. (Coords) Avaliação na escola de 1º grau:uma análise sociológica. Campinas: Papirus, 1992.

4 Podemos encontrar os fundamentos dessa matriz teórica em TYLER (1949); TABA (1962); MAGER(1962); POPHAM (1969); e outros.

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expondo a comparações, tendo por base o perfil de um aluno ideal -existe aluno na sala de aula que é tido como “espelho” para os demais.

Essas práticas avaliativas presentes em nossas instituiçõeseducacionais provêm de matrizes teóricas

5 de pelo menos de duas

vertentes: uma, digamos tradicionalista mais alicerçada numa taxionomiados objetivos educacionais e outra, já numa vertente tecnicista posteriora 1960, com forte ênfase utilitarista na formação e o currículo um tantodirigido para atender as “demandas” do mercado de trabalho e, assim,a avaliação é tratada enquanto mensuração das mudançascomportamentais esperadas e desejáveis pelo avaliador.

Como os níveis formal e informal operam no interior das escolas,materializando ações que se alinham com essas duas matrizes teóricas?Há uma complexidade de relações em que, nas quais, envolve poder,muitas vezes autoritário, estruturação de hierarquias, controle, melhorana auto-estima de uns (os que são aprovados, selecionados) e baixana de outros (os reprovados, excluídos). Em se tratando da sala deaula, esse poder encontra-se centrado majoritariamente no professorque, por sua vez, desenvolve os conteúdos curriculares junto a seusalunos e os avalia para medir o quantitativo de elementos dessesapreendidos e só abrindo mão desse poder quando convida o estudantea uma pseudoparticipação ou quando o julgamento chega num estágiodecisivo para o aluno em passar para a série (ou ciclo) seguinte oureprovar, aí se estabelece um outro poder na hierarquia mais direta navida escolar dos alunos, o CDE - Conselho Deliberativo Escolar.

As práticas avaliativas existentes reduzidas ao espaço da escola,mais especificamente em sala de aula, por sua vez, são incorporadaspelos alunos e seus pais. Os alunos que, pela cultura da obediência,incorporam-nas mais pelo nível do formal, da prova, do teste, os quaisaté exigem essas práticas avaliativas. Eles solicitam essas práticas nointuito de se receber algo em troca, como mercadoria, esperam poruma nota, um conceito ou qualquer outro instrumento que indique apromoção para a série seguinte.

Os pais, até por não compreenderem bem como esse processoocorre, e mais de olho no “futuro” dos filhos, leia-se “bom” emprego,“bons” salários, e mesmo por presenciarem a formalidade da avaliaçãopresente nas seleções de funcionários para cargos nas instituições, o

5 SAUL, Ana Maria, em sua obra Avaliação Emancipatória faz uma revisão da literatura sobre aavaliação da aprendizagem enfocando os teóricos brasileiros que fazem a transposição do modelonorte-americano para o nosso sistema de ensino.

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vestibular para o ingresso no ensino superior e tantos outros testes,acham isso normal e até cobram dos professores quando percebemque seus filhos não passaram por provas, testes e todo tipo deinstrumental que possa medir o quantitativo de conhecimento deles.

Todo o processo pedagógico seja ele mais tradicionalista oumais tecnológico, o que perpassa é o controle, mas não só do que osalunos aprenderam pela avaliação dos conteúdos como também e,principalmente, o do comportamento. A avaliação neste enfoquepositivista de ciência está a serviço da “ordem” e da “disciplina”, asquais levam os alunos ao “progresso”, ao “subir na vida” pelo esforçoe pela obediência. Não encontrando espaço de participação, o quesobra para os alunos é a obediência e a submissão. Por isso, acabamincorporando essa forma de avaliação a exemplo dos pais, como normale necessária para “ser alguém na vida”, no mercado de trabalho eassim por diante.

Mas, nesse processo apesar de ser incorporado como normal,nem todos se dão bem: há aqueles alunos que são aprovados ecertamente sua auto-estima é elevada, são tidos numa acepçãopedagógica tradicional como portadores de “dons naturais” ao sucesso,“são mais inteligentes” e “menos rebeldes”. Por outro lado, há àquelesque não conseguem acompanhar o ritmo da turma “normal”. Noentanto, são “anormais”, “rebeldes”, “indisciplinados”, é-lhes imputadaa culpa pelo fracasso e nunca às suas condições, ou melhor, falta decondições objetivamente materiais e culturais, conforme salientamBOURDIEU & PASSERON

6, ou seja, ausência de capital econômico e

capital cultural, sem os quais os alunos provenientes de famílias declasses populares já têm sua eliminação anunciada no sistema escolar.

Qual a função da avaliação em todo esse processo? Prevalecea função somativa com forte ênfase na instrução, ou seja, de tempo emtempo ou de período a período os conteúdos que foram instruídos sãocobrados e cabe aos alunos responderem nos tempos estabelecidospara que paulatinamente sejam somados conceito a conceito ou notaa nota até que se chegue a um total ou média que certifica o alunocomo “qualificado” ou não. Em síntese, podemos dizer que prevalececomo função da avaliação nessas práticas pedagógicas: mensuraçãodo quantitativo de conteúdo apreendido pelo aluno, estabelecimentode conceitos ou notas os quais indicam controladamente o nível de

6 Maiores esclarecimentos, ver: BOURDIEU, P.; PASSERON, J.S. A reprodução: elementos para umateoria do ensino. E também: BOURDIEU, P. Escritos sobre educação.

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conhecimento deste e as conseqüências desse processo: aprovação oureprovação, classificação em séries (ou ciclos), ou mesmo sub-classificação dentro de uma mesma série (ou ciclo), alunos adiantadose atrasados, fortes e fracos etc.

Nesse sentido, o processo avaliativo segue um ritual com vista aatingir os objetivos previstos num currículo oficial, ou não tão oficialassim, por estar presente também alguns elementos ocultos e que serevelam durante a prática pedagógica. Mas no geral, há um currículoque é apresentado ao aluno e que se espera que seja apreendido. Nomais das vezes, um currículo inacessível de apreensão por parte dosfilhos provenientes de classes populares, fora do seu contexto vivencial.Mas a escola, por sua vez, proclama-o, numa concepção liberal, comoum currículo de “igualdade para todos”, o que não se confirma pelasdesigualdades presentes nas condições materiais e culturais dos alunosdas classes populares. Se o currículo oficial da cultura dominante éapresentado a todos os alunos, certamente os que não pertencem aesse meio estarão fadados ao fracasso.

Por que as práticas avaliativas se mostram inadequadas?Primeiramente por apresentar e avaliar o aluno com base em standards,um currículo inadequado aos filhos de trabalhadores; por outro lado,por limitar os conteúdos trabalhados nos currículos somente ao nívelescolar, conteúdos fragmentados, apartados da dimensão da práticasocial mais abrangente, matriz donde provêm os alunos filhos detrabalhadores das camadas mais pobres da sociedade.

2- Alguns fundamentos sobre a avaliação: por queesse fenômeno ocorre assim? A que interesses ela representano campo educativo?

As práticas avaliativas não são algo neutro, limitado, que sematerializam somente no lócus escolar. Para entender as manifestaçõesde sua materialização pelo acentuado peso na meritocracia, naseletividade, exclusão etc, faz-se necessário um exame mais acurado eamplo do sistema social de produção material e simbólica da existênciahumana no mundo a que esse fenômeno representa.

Ao vislumbrarmos a teoria do conhecimento e remetermos nossoolhar para a historicidade, veremos que é a partir da Revolução Industrial(a qual encontra a base do seu nascedouro desde o Século XVI), ummovimento que se acentua nas relações sociais duma forma que maistarde vai se constituindo com uma força voraz de exploração do trabalhoalheio. As relações sociais de produção da existência pelo trabalho,

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que deveriam ser naturais, em harmonia entre os homens, no entanto,as coisas não são tranqüilas assim. Na historicidade, foram seconstituindo as formas de interesse - as relações sociais foram seconstituindo com suas contradições centradas na base de relações dosistema de produção capitalista. Neste, uma pequena minoria dapopulação de um determinado país detém os meios de produção(econômica e cultural) sob seu domínio, enquanto uma expressivamaioria resta apenas à venda de sua força de trabalho. Assim, otrabalhador ao vender sua força de trabalho a um outro, aliena-se.Segundo Marx, o que produz não lhe pertence, torna-o alheio. Destaforma, “(...) o trabalhador se torna tão mais pobre quanto mais riquezaproduz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. Otrabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto maismercadoria cria” (MARX In: FERNANDES, 1989, p.148).

No campo educativo, o fenômeno da avaliação como está dado,não é um problema apenas interno da escola, ele nasce fora dela, respondeaos interesses das relações sociais baseadas nas relações capitalistas,sendo a escola a instituição encarregada em reproduzí-las (e como o fazeficientemente) através da função que lhe é atribuída, qual seja, a deformar mão-de-obra “qualificada” para o mercado de trabalho combase em alguns standards preestabelecidos, mas, conforme o pensamentode Hextall, citado por Freitas (2000, p. 227), eles:

(...) não existem em um vácuo cultural. Eles nãopossuem alguma qualidade absoluta, universalque os torne inquestionáveis e acima de discussão.(...) a escolarização é parte de (...) um ‘processo delegitimação’ o qual serve de sustentação a umaestrutura econômica particular e à ordem política.

Dessa forma, o campo da avaliação encontra-se estreitamentevinculado ao movimento das “reformas educativas” muito semelhantes(apesar de algumas particularidades) nos diversos países de orientaçãofilosófica de uma política neoliberal. É um movimento de constantes“reformas”. Parte com uma força mais acentuada desde os anos 80, depaíses centrais (do ponto de vista do desenvolvimento econômico ecultural) em direção à implementação dessas políticas em paísessemiperiféricos e periféricos.

Esse movimento de reforma educativa, sobretudo, surgiu comforça para responder à crise de acumulação capitalista a partir dosEstados Unidos da América na década de 80

7, coincidindo com a

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administração Reagan, segundo (AFONSO, 2000, p. 65):

(...) na origem deste ciclo de reformas esteve areação política e social que se seguiu à divulgaçãode baixos níveis de sucesso dos alunos americanosem testes internacionais relativos a matériasescolares consideradas fundamentais . Adivulgação destes resultados alcançou uma grandevisibilidade social com a publicação de váriostrabalhos importantes, com destaque para o muitoreferido relatório A Nation At Risk que deu impulsoa uma ampla discussão pública sobre educação.

Qual o critério levado em conta para o aludido relatório? Oque sempre ocorre quando o sistema de produção capitalista entra emcrise, qual seja, imputar a responsabilidade sobre a educação. Nessesentido, há um movimento de “reforma” que caminha a passos largosem direção à vinculação com os

(...) pressupostos que subjazem as propostas desteprimeiro período de reforma dizem respeito àpresumida relação entre educação e a capacidadede enfrentar a competição econômica – o que seconsidere, desde logo, que uma força de trabalhoeducada é crucial para elevar a produtividade eaumentar a adaptabilidade às rápidas mudançasnos mercados internacionais (KIRST op.ci t.:AFONSO, 2000, p. 66).

Como desmembramento dessa “reforma” educacional surge umavaga de pressupostos cada vez mais acirrada em direção à acepção deum Estado-Mínimo e este, por sua vez, cada vez mais vai se eximindoda responsabilidade de gestor e promotor da oferta de ensino público,aliado a uma forte centralização no controle dos recursos financeiros eda “qualidade” através da aplicação de testes padronizados. Nessesentido, os pressupostos dessa reforma vão alterar radicalmente osvalores, objetivos e meios perseguidos pela educação até, então seuspressupostos básicos, assim, se expressam:

7 Mas originada desde a década de 70.

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(...) da regulação a desregulação; da escola públicapara as escolhas educacionais e para a competiçãoentre escolas; das preocupações sociais para aspreocupações com a economia e com aprodutividade; da igualdade de oportunidades paraa excelência; das necessidades educativas para ascapacidades individuais e para a seletividade(AFONSO, 2000, p. 67).

Outro país central nessa direção “reformadora” da educaçãodos anos 80 é a Inglaterra, na administração Thatcher que, na reformaeducativa daquele país, a exemplo dos EUA, estabelece um currículobásico nacional numa política de descentralização de ações nodesenvolvimento pedagógico e administrativo acompanhado mais tardepor um acirrado controle avaliativo centralizado da “qualidade” daoferta, “(...) estabelecendo-se um novo sistema de exames oficiais arealizar aos sete, onze, catorze e dezesseis anos (Key Stages) que passaa ter em consideração critérios de avaliação fixados centralmente” (idem,2000, p. 71).

Qual a tendência dessa vaga reformadora tanto dos EUA comoda Inglaterra enquanto países centrais? Com a centralização do currículoem suas diretrizes gerais, orientado para o mercado em todo o sistemaeducativo e o controle da “qualidade” da oferta - via exames gerais,conforme o pensamento de Murphy, elucidado por AFONSO (idem,2000, p. 71), há uma tendência “que se verificou nesse mesmo períodopara alargar o ethos da empresa privada ao sistema educativo”.

Esse movimento reformista vai se alastrando pelos paísescapitalistas semiperiféricos e periféricos como: Espanha e Portugal; naAmérica, inicialmente Chile, mais tarde, Argentina, México, Brasil, eassim por diante. É de se notar o impacto dessas reformas especialmenteno Brasil na década de 90 com as políticas neoliberais eneoconservadoras que através do discurso da descentralizaçãoadministrativa e pedagógica e da centralização de controle de“qualidade” da oferta de educação acabam por encurtar cada vezmais os recursos financeiros destinados às instituições educacionais e,ao mesmo tempo, que estimulam a oferta por um ensino em instituiçõesprivadas.

Mas, enfrentar esse quadro globalizado: de pressão econômico-cultural sobre a escola, a despolitização da educação, a desqualificaçãodo professor, o silenciamento dos interesses, a falsa descentralização, aimposição da avaliação-produto, tudo isso em um quadro de velocidade

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das mudanças, implica em devolver a avaliação às demais categoriaspara uma análise conjuntural, ou seja, resgatar a estreita relação entreo currículo e a didática

8 como forma de melhor controlar nossos juízos

de valores.

3- Em que direção queremos caminhar?A avaliação materializada nos níveis formal e informal é permeada

de juízos nas suas relações complexas. Conforme os questionamentosde FREITAS (1998, p.15): “o que pode controlar melhor a formaçãodos juízos? As recomendações didáticas sobre como avaliar ou aproposta curricular?” Esse mesmo autor já nos antecipa que “(...) talvezambos, mas sem dúvida que sem uma proposta curricular que estabeleçao tipo de homem que se quer formar com o currículo proposto, cadaprofessor está livre para utilizar seus próprios referenciais de classe social”.Assim, falar de avaliação hoje implica falar também em um núcleocomum da formação que certamente deverá ser explicitado nos objetivosdo projeto político-pedagógico da instituição educacional que se propõea formar cidadãos: para o mercado de trabalho ou para a vida produtiva,através do trabalho não alienado como núcleo da formação. Issoimplica numa recomposição de nossos referenciais e, certamente, namodificação de nossas práticas pedagógicas, nas relações de poder ena reorganização curricular do tempo e do espaço de nossas instituiçõeseducacionais.

O que temos em vista (pelo menos enquanto projeto histórico eutópico ou enquanto finalidade)? É inverter a ordem: de um isomorfismoda relação educação e trabalho para uma relação conflitual; de umaescola tradicional para uma escola crítica, de uma avaliação positivistapara uma avaliação cidadã, inclusiva, formativa, processual, iluminativa,o que certamente alterará a rigidez das estruturas institucionais deeducação e as relações de poder entre professores e alunos.

Inverter a lógica de funcionamento da escola capitalistacertamente não será tarefa fácil, talvez pudéssemos começarvislumbrando uma “nova” estrutura organizacional das relaçõeseducacionais na formação. É Pistrak quem nos aponta em suapedagogia social pelo menos três princípios básicos com seusfundamentos da escola do trabalho, com base: nas reflexões sobre a

8 Maior aprofundamento da questão, ver: FREITAS, L.C. de. Interações possíveis entre a área deCurrículo e a Didática: o caso da avaliação. Caxambu-MG: – REUNIÃO ANUAL DA ANPED(sessão conjunta dos GTs Currículo e Didática), 1998.

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relação escola e trabalho; a auto-organização dos alunos através dotrabalho coletivo; e a organização do ensino pelo sistema decomplexos. É no primeiro princípio que o trabalho pedagógico da escolaganha sentido e importância: “O trabalho na escola, enquanto baseda educação, deve estar ligado ao trabalho social, à produção real, auma atividade concreta socialmente útil, sem o que perderia seu valoressencial, seu aspecto social (...)” (PISTRAK, 2000, p. 38).

Quanto à organização científica do trabalho, propõe queinversamente ao sistema capitalista, faz-se debaixo para cima, o quecertamente remete ao segundo princípio, o da auto-organização dosalunos pelo coletivo: “(...) na medida em que se desenvolve o coletivodas crianças, na medida em que o círculo das preocupações se amplia,crescendo a idéia da necessidade da organização (...) cria condiçõesfavoráveis ao surgimento nas crianças de novos interesses, aoaparecimento de uma curiosidade sã e maior” (idem, p.180).

Mas, é preciso esclarecer que esse princípio é uma construçãogradativa, com a fusão entre o ensino e o processo geral de educaçãoe o professor aparece aí como sujeito ativo e mediador do processo deensino aprendizagem. Processo este que passa a ser organizado emforma de complexos, conforme o terceiro princípio, o que nos dá umaidéia de temas sociais geradores de curiosidades e descobertas. Nessesentido, qual o conceito de complexo? Utilizamos aqui a concepção deRabotnik citado por (FREITAS, 1998, p. 8), o qual, salienta que:

(...) complexo significa composto. Por complexodeve-se entender a complexidade concreta dosfenômenos, tomados da realidade e reunidos aoredor de temas ou idéias centrais determinadas.(...) a ligação, a reunião constitui-se de fato namarca essencial do sistema por complexo, mas oessencial não está na ligação das disciplinas, masna ligação dos fenômenos, nas suascomplexidades, nas interações, nos estudoscorrelacionais entre os fenômenos. (...) o trabalhoé o fundamento da vida das pessoas. Daí arealidade do trabalho colocar-se como o centrodo ensino. A realidade do trabalho das pessoas é opivô central, ao redor do qual concentra-se todo orestante.

Neste último princípio, percebe-se que as disciplinas escolaresde um determinado currículo não se isolam, apesar de gozarem deuma certa independência, é importante se destacar, “(...) que cada

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disciplina não perca de vista, em seu trabalho independente, a relaçãoque a liga ao complexo geral, e faça tudo para esclarecê-la, fixando aatenção dos alunos na idéia fundamental que é comum a todo ocomplexo” (idem, p.150).

Nessa “nova” estrutura institucional, como a avaliação ocorre?Ou melhor, como ela é tratada? É necessário salientar que nesseredimensionamento de tempo e espaço, alteram-se também as relaçõesde poder e há a incorporação de sentido entre a escola e a vida dosestudantes. Assim, o fenômeno da avaliação perde tratamento especiale passa a ser incorporado na rotina do trabalho pedagógico, na próprianatureza da educação, ou seja, educar é antes de tudo, “(...) submeterum homem à educação social, e oferecer-lhe dados para resolver aantítese, ‘eu e o outro’, ‘indivíduo e sociedade’, ou seja, é dotá-lo deprincípios que lhe possibilitarão uma avaliação moral de sua própriapessoa, enquanto membro da sociedade (...)” (idem, p.106).

Quanto às questões controversas, elas são resolvidas no própriocoletivo, nas assembléias, o que certamente aumenta cada vez mais oprincípio da autonomia nos sujeitos da educação em contraposição àheteronomia centrada no docente e, assim, a avaliação deixa de seralgo externo, impositivo, de cima para baixo e passa a ser incorporadana reflexão constante dos processos pedagógicos de ensino-aprendizagem por seus agentes.

Data de recebimento: 10/01/2005Data de aceite para publicação: 30/01/2005

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FREITAS, Luiz Carlos de. Crítica da organização do trabalhopedagógico e da Didática. 3. ed., Campinas: Papirus, 2000.

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______. Interações possíveis entre a área de Currículo e a Didática:o caso da avaliação. Caxambu-MG: – reunião anual da Anped(sessão conjunta dos GTs Currículo e Didática), 1998.

______. É necessário radicalizar: curvando a vara em outra direção[s.d.].

LUDKE, M. & MEDIANO, Z. Desvelando a realidade da avaliaçãona escola. In: LUDKE, M. & MEDIANO, Z. (Coords) Avaliação naescola de 1º grau: uma análise sociológica. Campinas: Papirus,1992, (p. 27-104).

MARX, Karl. Trabalho alienado e superação positiva da auto-alienação humana (Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844) In:FERNANDES, Florestan. Marx/Engels: história. São Paulo: Ática,1989. p. 146-164.

NOGUEIRA, Maria Alice & CATANI, Afrânio (Org.). Escritos sobreeducação - BOURDIEU. 3. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

PISTRAK. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: ExpressãoPopular, 2000.

SORDI, M.R.L. de. Repensando a Prática de Avaliação no Ensino deEnfermagem. Tese de Doutorado. FE - UNICAMP, 1993.

SOUZA C. P. (Org.) Avaliação do rendimento escolar. Campinas:Papirus, 1991.

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APROVAÇÃO POPULAR DEEXECUÇÕES LEVADAS A TERMO PORPOLICIAIS MILITARES: UM DESAFIOPOLÍTICO-PEDAGÓGICO PARA O

MOVIMENTO DE DIREITOS HUMANOS*

Maria Aparecida Morgado

Quando o viajante canta no escuro, pode espantarseu medo, mas nem por isso vê mais claro. (FREUD)

RESUMO:Abordam-se as recorrentes manifestações de aprovação às execuçõesde civis levadas a termo por policiais militares, destacando o entrelaçamentode fatores históricos, culturais e psicológicos determinantes do fenômeno esuas implicações para o Movimento de Direitos Humanos. Após relato de doiscasos emblemáticos, a fundamentação freudiana mostra que a identificação,constitutiva da subjetividade humana, também propicia os vínculos sociaisfundantes da intersubjetividade grupal e da adoção de valores morais. Nessaperspectiva, o rechaço e a aprovação popular das execuções dependem maisda identificação que do apego a valores universais. A relação casuística dacultura brasileira com a lei é o grande desafio político-pedagógico dos DireitosHumanos, na mobilização da sociedade contra as recorrentes violações.

PALAVRAS-CHAVE :Aprovação da v iolência pol ic ia l ; desaf iopolít ico-pedagógico; Movimento de Direitos Humanos .

ABSTRACT: This paper approaches the current manifestations of approval ofcivilian executions taken to the term by military police, pointing out the interlacinghistorical, cultural and psychological factors which are determinat in suchphenomenon as well as its implications in the Human Rights Movement. Afterreporting two symbolic cases, a Freudian basis can show that the identificationconstitutive of the human subjectivity can render favorably to social attachmentsfounders of the group intersubjectivity and adoption of moral values. In thisperspective, the approval or disapproval of the population of the executionsdepend more on the identification than on the universal values affection. Acasuistic relation between the Brazilian culture and the law is the great political-pedagogical challenge of the Human Rights Movement attempting to mobilizethe society against the current law violations.

KEY WORDS: Approval of police violence; Political pedagogical challenge:Human Rights Movement.

* Versão modificada do trabalho apresentado no GT Movimentos Sociais e Educação, na 24ªReunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação — ANPEd —ocorrida em Caxambu, MG, de 07 a 11 de outubro de 2001 (CD-ROM).

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Em 1972, oito anos após o golpe de Estado por meio do qual seimpôs o totalitarismo

1 Militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985,

foi fundada a Comissão de Justiça e Paz, entidade de defesa dos direitoshumanos vinculada à Arquidiocese de São Paulo. Conforme Dom PauloEvaristo Arns, então Arcebispo de São Paulo, essa Comissão foiconstituída por “representantes da classe média, os melhores professoresde universidades, bem como personalidades eminentes da sociedadebrasileira”. A entidade participou da luta pela redemocratização,combatendo a tortura e demais violações aos direitos humanos peloaparato estatal repressivo. O registro dessas violações resultou o livroBrasil: nunca mais — um relato para a História

2, que vendeu mais de

trezentos mil exemplares (ROSSIAUD e SCHERER-WARREN, 2000, p.39-44). Apoiou o ressurgimento das greves do Movimento Operárioem 1978, especialmente na Região do ABC paulista. Com aintensificação do Movimento e com o aumento do número de grevistasnos anos seguintes, junto de setores da Igreja Católica quedisponibilizaram sua estrutura física para reuniões mobilizatórias ecolocaram sua rede de organizações a serviço do recolhimento decontribuições financeiras para os fundos de greve, a Comissão tambémcontribuiu para a manutenção da “solidariedade entre os trabalhadoresconfrontados com a repressão” do aparato policial Militar (SANDOVAL,1994, p. 148).

Data de 1985 o primeiro número de Princípios de justiça e pazque enfoca a violência no jornalismo policial radiofônico. Essapublicação da Comissão de Justiça e Paz analisa três exemplares dopopular gênero em rádios AM paulistanas na época, gravados duranteduas semanas do mês de abril de 1984, totalizando 80 horas degravação transcritas em aproximadamente 1.200 horas e traça os perfise compara semelhanças e diferenças entre os programas de AfanásioJazadji, da Rádio Capital, de Wagner Montes, da Rádio Record, e deGil Gomes, da Rádio Globo

3.

Na apresentação do estudo, lê-se:

1 O conceito é utilizado na mesma acepção que lhe confere Hannah Arendt, 1979.

2 Cf. Arquidiocese de São Paulo, 1985.

3 Nos anos finais da década de 90 do Século XX, parte desse tipo programas deixou de existir e partejuntou-se aos congêneres já existentes na Televisão, como o “Cidade Alerta” da Rede Record. Ojornalismo policial radiofônico sobreviveu apenas em emissoras de cidades do interior e nosprogramas líderes de audiência nas capitais.

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Estamos convencidos de que não devemos recuarpara uma posição defensiva, apesar da virulênciados ataques aos defensores dos direitos humanos.Sabemos, também, que nossa mensagem estásendo mal recebida não apenas por setores declasse média, já mui to inf luenciados pelaexacerbada propaganda do ‘pânico urbano’ nosmeios de comunicação. Essa reação ocorre no seiodas classes populares e mesmo nas faixassocioeconômicas desfavorecidas, aquelas que,supomos, teriam maior interesse na defesa dosdireitos humanos (COMISSÃO DE JUSTIÇA E PAZ,1985, p. 04).

O programa radiofônico de Afanásio Jazadji, Deputado Estadualpelo PFL de São Paulo, Partido da Frente Liberal, é o histórico líder deaudiência dentre aqueles analisados. Mesmo considerando que oalcance do Rádio se restringe à região da grande São Paulo ondeopera a emissora, a média de 5% de audiência do Programa, referenteao universo total de ouvintes do veículo, equivalia a mais de um milhãode pessoas em 1984. Constatou-se que o radialista, advogado e ex-professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), éprestigiado por todos os segmentos sociais: 50% dos seus ouvintesintegram a denominada classe C; os demais 50% integram asdenominadas classes A, B e D (COMISSÃO DE JUSTIÇA E PAZ, op.cit., p. 26).

O caso do vendedor Antônio Viterbo é exemplar do padrãosegundo o qual o Programa de Afanásio Jazadji aborda ações policiaisque resultam na morte de supostos transgressores. Segundo relato damulher do vendedor, ele apanharia a ela e a filha pequena para jantaremem restaurante próximo à casa da família. Antes disso Antônio Viterbofoi executado em decorrência de inimizade com policiais. Afanásio Jazadjiapresentou, então, a seguinte versão do ocorrido: “Rota mata ladrãode lingüiça! Bem feito, ladrão tem que morrer!”. Também é exemplar ocaso do comerciário Daniel Bispo de Oliveira, adepto da pena de morte,ouvinte assíduo do Programa, que foi executado por engano quandosaia de um bar. Jazadji divulgou o seguinte: “Rota mata bandidão doJaraguá! A cidade fica livre de mais um assaltante!... mais um que vaipro inferno!”; apresentando documentos comprobatórios da honestidadedo marido, a mulher procurou o radialista pedindo retratação e não foiatendida (BARCELLOS, 1992, p. 148-150 e p. 162).

O radialista Afanásio Jazadji equipara defensores dos direitoshumanos às vítimas das violações:

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E há ainda esses defensores de direitos para essesmalditos, que (...) têm a desfaçatez, a petulância,a coragem de defender, de dizer que eles são gente,são homens. São nada, são canalhas como essesdefensores deles. (...). E não venham esses bobocas,doutores de uma figa, doutores de meia pataca,professores não sei de que (...), aqueles que nãoentendem bulhufas, que não têm competência (...).Esses achólogos (...) nunca vão aos locais. Osachólogos não vão tentar assistir às famílias (...)destruídas por esses bandidos (...). É para esse tipode crime, ouvintes, que o Deputado Farabulini Jr.está mandando uma emenda à Constituição,visando instituir no Brasil a pena de morte (...).Não me venham aqui essas mal-amadas, essessapatões da vida aí, que pertencem a entidadesespúrias, sabe, tentar defender um cafajeste destes(COMISSÃO DE JUSTIÇA E PAZ, op. cit., p. 13).

O restabelecimento do regime democrático em 1988, com aaprovação da Constituição elaborada pelo Parlamento

4, não suplantou

a histórica prática estatal de recorrente violação aos direitos humanos.A manutenção da Polícia Militar no trabalho civil de policiamentopreventivo e ostensivo da sociedade e a manutenção dos tribunaisespeciais de justiça para julgar crimes comuns de policiais militaresimplicam incompatibilidade com os requesitos básicos da democracia(BICUDO, 1994). Já na raiz do projeto político hegemônico

5, de que

resultaram as normas constitucionais correlatas, não se previu rupturacom aquela que talvez seja uma das distorções institucionais maismarcantes do totalitarismo: a repressão violenta e tantas vezes letal asupostos infratores. A reiteração da legalidade desse importantecomponente da estrutura repressiva totalitária concorreu para reproduziras usuais práticas de violação aos direitos humanos, agora tambémvoltadas contra o real ou suposto transgressor comum. Essas práticasforam reconstruindo sua legitimidade junto à sociedade civil na medidaem que não foram confrontadas pela coerção institucional estatal.

Em 1989, a Comissão de Justiça e Paz encomendou ao InstitutoBrasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) um levantamentoque foi realizado com uma amostra de mil e duzentas pessoas dossegmentos médio e médio baixo, nas cidades de São Paulo, Rio de

4 Cf. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

5 O conceito de hegemonia utilizado tem o significado mais comum de domínio.

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Janeiro e Recife. Com a finalidade de avaliar a percepção popularsobre os direitos humanos, o levantamento constou de uma faseexploratória baseada em discussões grupais para a elaboração dequestionário, e da segunda fase em que os questionários foram aplicadosna amostra referida (IBOPE, 1989; IBOPE, 1990).

Do levantamento, destaca-se que a maioria dos entrevistadosmanifestou relativo ceticismo quanto à veracidade das notícias dojornalismo impresso e dos programas de Rádio e de Televisão. Apossibilidade de manipulação da informação, não descartada pelosentrevistados justamente em decorrência do alto índice de exposição aesses veículos de comunicação, não faz com que deixem de ler aspáginas policiais ou deixem de conceder audiência a programas queabordam temáticas referentes à violência.

A leitura da transcrição das discussões subseqüentes ao términodo levantamento de opinião, ocorridas em três reuniões entre integrantesda Comissão de Justiça e Paz e comunicadores, mostra que a Entidadebuscava definir estratégias de intervenção em pelo menos duas direçõescomunicacionais: ampliação do reduzido apoio da sociedade civil àdefesa dos direitos humanos e humanização das vítimas para reverter atendência de aprovação às violações (COMISSÃO DE JUSTIÇA E PAZ,24/01/91, 28/02/91 e 04/04/91).

Entende-se que uma intervenção político-pedagógica, como apretendida pela Comissão de Justiça e Paz, impõe algumas ponderaçõesteóricas sobre o funcionamento da sociedade e sobre as possibilidadese limitações das pretendidas estratégias comunicacionais para “contra-influir, sobretudo no que diz respeito à deturpação da justiça e dosdireitos humanos” (COMISSÃO DE JUSTIÇA E PAZ, 1985, p. 03).

Primeiro, a ponderação de até que ponto levantamentos deopinião podem esclarecer sobre o funcionamento da sociedade e doindivíduo sobre os quais se quer “contra-influir”. Considerada a débilorganização da sociedade civil brasileira, é razoável ter em conta apossibilidade de que essa maioria politicamente desarticulada e repletade nuanças tenda a projetar e a reproduzir mais ou menos como seusos valores e práticas da minoria dominante (MARX; ENGELS, 1982;GIANOTTI, 1986). Também é razoável considerar que levantamentosdessa natureza mostram as dimensões mais superficiais e não asdimensões mais profundas dos eventos psico-sociológicos (SANDOVAL,1994).

Em segundo lugar, é necessário dimensionar até onde os veículosde comunicação podem interferir na sociedade. De fato, cada vez mais,

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concorrem na interação, mas convém observar que não produzemrealidades sociais. “Tudo o que é sólido e estável se volatiza, tudo oque é sagrado é profanado, e os homens são finalmente obrigados aencarar com sobriedade e sem ilusões sua posição na vida, suas relaçõesrecíprocas” (MARX, apud THOMPSON, p.56). Assim, quando, porexemplo, privilegiam fatos de interesse restrito em detrimento de fatosde interesse mais amplo, o fazem reativamente ao interjogo de forçassociais dominantes. Portanto, é do seio da sociedade organizada quedeve partir a pressão sobre os veículos de comunicação e não ocontrário. Para evitar essa inversão, nunca é demais lembrar aadvertência crítica: “Todas as nossas invenções e progressos parecemdotar de vida intelectual às forças materiais, estupidificando a vidahumana” (MARX, apud BERMAN, 1992, p. 19).

Por fim, veículos de comunicação podem até mesmo conferirvisibilidade favorável à defesa de direitos humanos, desde que isso nãoimplique confrontações políticas substantivas: são numerosos osexemplos de propaganda positiva das ações coletivas de campanhascontra a violência. Observa-se, entretanto, que a mudança das práticassociais de que resultam a omissão, a conivência e mesmo a aprovaçãopopular às violações por agentes estatais, dificilmente poderá sustentar-se somente em propaganda humanizadora das vítimas, ainda que sejaminvocados valores sociais includentes e universalizantes (FREUD, 1933,v XXII, p. 251). Ao lado desse apelo moral, a mudança de práticasexcludentes demanda mudança nas relações sociais.

Os dois casos apresentados em seguida são contemporâneosao levantamento de opinião acima enfocado e se referem a execuçõesde civis levadas a termo por policiais militares. Pretende-se mostrarcomo interagiram autoridades estatais, veículos de comunicação esociedade nesse contexto de violação extrema do direito humano àvida. O primeiro deles mostra uma ocorrência de massacre individuale o outro, uma ocorrência de massacre coletivo. São casos emblemáticosda prática policial, das reações de autoridades e das manifestações deaprovação e de rechaço a esses crimes (MORGADO, 2001, p. 73 a134). Antes da exposição e da análise propriamente ditas, tecem-sealgumas mediações teóricas.

A aprovação popular da prática policial homicida pode serexclusivamente explicada por fatores socioculturais, ou, ao contrário, édeterminada por fatores peculiares às subjetividades dos indivíduosimplicados? Entende-se que, de um lado, as manifestações deaprovação resultam da interveniência de fatores psicológicos de ordem

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universal, operantes na psique de todos os indivíduos e que, de outro,decorrem da interveniência de fatores sociais, marcadamente enraizadosna cultura brasileira. Portanto, no todo, o fenômeno resulta daconcorrência de fatores socioculturais e psicológicos.

Por causa do privilegiamento desse entrelaçamento de fatores,não são focalizadas peculiaridades das subjetividades individuais emquestão. Diversamente, destaca-se o tipo de funcionamento psíquicoque é predominante e comum às subjetividades no momento em queos indivíduos se manifestam interagindo com os demais. Instante dainteração subjetividade individual e subjetividade coletiva,particularmente quando essa interação, desde já denominadaintersubjetividade, é mediada pelos veículos de comunicação.

Observa-se que a subjetividade aqui considerada não estáestruturada e nem funciona exclusivamente com base em processospsíquicos conscientes. Ao contrário, parte-se da concepção de sujeitohumano cuja autonomia não é natural e nem integral, mas histórica e,por isso mesmo, relativa (ALTHUSSER, 1991). Entende-se que asubjetividade não implica unidade, mas cisão entre processos psíquicosconscientes e processos psíquicos inconscientes (FREUD, 1915, v. XIV,p.183-245). Mais do que isso, a análise da aprovação popular àsexecuções de civis levadas a termo por policiais militares privilegiará osprocessos inconscientes, estudados pela Psicanálise

6, que concorrem

na determinação desse posicionamento político.O conceito freudiano denominado identificação permite a

abordagem do fenômeno porque articula as dimensões sociocultural esubjetiva (FREUD, 1921, v. XVIII, p. 87-179; MEZAN, 1985, p. 432).Referida à operação psicológica inconsciente que, a um só tempo,constitui a subjetividade individual e propicia os vínculos sociais, ourelações intersubjetivas, a identificação resulta do entrelaçamento detrês ordens de fatores: sociocultural, psicológica universal e psicológicaindividual.

Essa perspectiva de análise do psicossocial permite ageneralização daquilo que é comum às subjetividades na abordagemdo fenômeno intersubjetivo em questão. Feitas essas considerações,seguem-se a contextualização, o relato e a análise dos dois episódios

6 Psicanálise: método de investigação criado por Sigmund Freud concernente à vida psíquicainconsciente. Enquanto teoria, permite a compreensão dos fenômenos psicológicos individuais e dosfenômenos psicológicos coletivos ou sociais. Enquanto técnica, permite o tratamento das neuroses edas psicoses, por meio de uma investigação psicológica profunda dos processos mentais.

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de violência policial extrema, em que a identificação foi verificada nareação da sociedade, em manifestações de aprovação e de rechaço àação policial.

A origem da Polícia Militar remonta a 1831, quando foiestruturada a Guarda Nacional, uma polícia que teve por funçãoreprimir os movimentos populares. A mesma função coube à ForçaPública, criada nos estados da Federação pela ditadura Vargas de1930. Em 1967, na vigência da Constituição de exceção e da Lei deSegurança Nacional, o totalitarismo Militar criou, com a fusão daGuarda Civil e da Força Pública, as polícias militares estaduais —forças de reserva do Exército — para auxiliarem na repressão à guerrilhae aos demais movimentos de oposição política. Esse processo evidenciaa íntima vinculação entre a reduzida tradição de vivência democráticada sociedade civil brasileira e o perfil elitista e repressivo do Estado quea tem governado (MAZZEO, 1985). É a partir disso que se dão anaturalização e a predominância da identificação social com modelosabusivos de autoridade, o que tem ocorrido com a mediação cada vezmais acentuada dos veículos de comunicação, na medida em que seaprimoram os meios técnicos de difusão dessa “quase-interação”(THOMPSON, 1995, pp. 283-351).

O primeiro dos casos em foco, ocorreu em Cuiabá, Mato Grosso,na noite de 30 de maio de 1991, quando um soldado e um sargentoda Polícia Militar perseguiram, encurralaram em uma rua sem saídae executaram um jovem de 18 anos — Christian Eduardo Tupiná,filho de professora da Universidade Federal de Mato Grosso — que,saindo da lanchonete onde estivera com amigos, voltava sozinho decarro para casa

7.

Os principais jornais, veicularam as manchetes: “Jovem morreem troca de tiro com a Polícia Militar”; “Jovem resistiu à prisão e foimorto pela PM”; “Menor é morto por policiais militares”; “Morte dejovem pela PM causa revolta entre amigos” (Jornal do Dia, 01/06/91,p. 01; O Estado de Mato Grosso, 01/06/91, p. 01; Diário de Cuiabá,01/06/91, p. 01; A Gazeta, 01/06/91, 1A). As retransmissoras detelevisão noticiaram a versão dos policiais e manifestações de indignação

7 O relato desse primeiro caso, selecionado dentre outros similares pesquisados, baseia-se na observaçãodireta, empreendida junto de atores sociais envolvidos; na leitura dos Autos do processo criminalcorrespondente; na leitura do Dossiê organizado pela mãe do rapaz; na leitura do Relatório daAnistia Internacional de 1994, em que o episódio é citado e apreciado; e no acompanhamentosistemático do noticiário correlato de jornais, de emissoras de Televisão e de emissoras de Rádio.

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ocorridas durante o velório do rapaz. Antonio Martines Perez, entãoSecretário de Justiça e Segurança Pública do Estado, declarou: “Todossabiam que ele era altamente visado. (...) acredito na versão policial esó mudo de posição se os laudos provarem o contrário” ( A Gazeta,08/06/91, 8C).

Inicialmente verificado em manifestações de seus familiares e depessoas próximas desse círculo, o rechaço à execução do jovem Christianestendeu-se progressivamente ao conjunto da sociedade local,sobrepondo-se às manifestações de aprovação, concomitantemente àdesconstrução da pretensa identidade criminosa dele, forjada pelospoliciais implicados para conferir aparência de legitimidade aohomicídio. Para a mobilização da sociedade por justiça e paradesconstrução da identidade criminosa forjada, concorreram: asinformações do processo criminal que desmentiram as versões dosexecutores e a luta empreendida pela mãe do jovem, que, articulandoa indignação inicialmente espontânea a variadas formas dereivindicação e de mobilização social, assegurou ampla cobertura dosveículos de comunicação locais para os desdobramentos do ocorrido.

Exemplificam a luta empreendida pela mãe do rapaz: os artigosde autoria dela, publicados quase que diariamente nos principais jornaislocais que ressaltavam as qualidades do filho, reivindicação de justiçae apontamento dos problemas na tramitação do processo criminal; odepoimento por ela prestado, nos meses seguintes, à ComissãoParlamentar de Inquérito, da Câmara Federal dos Deputados, queapurou o extermínio de menores no país — CPI do Extermínio deMenores; a correspondência por ela travada com parlamentares,municipais, estaduais e federais; a correspondência por ela travadacom organizações nacionais e internacionais de direitos humanos; aparticipação dela em diversas manifestações públicas contra a violênciapolicial; as numerosas entrevistas por ela concedidas a jornais, àTelevisão e ao Rádio, bem como os vários debates sobre a problemáticade que participou nos dois últimos veículos de comunicação e, por fim,a reunião dos artigos de sua autoria em dois livros — o primeiro (TUPINÁ,1991), lançado sete meses após a execução do filho, quando os veículosde comunicação concediam reduzido espaço à cobertura da fasedecisiva em que se encontrava o processo criminal; o segundo (TUPINÁ,1994), lançado em fevereiro de 1994, quando, como se verá a seguir,o Tribunal de Justiça do Estado apreciava o recurso da acusação.

Às vésperas do julgamento, na Vara Especializada da JustiçaMilitar de Cuiabá, em junho de 1993, foram numerosas e incisivas asmanifestações populares que questionavam a isenção desse forocorporativo, cobrando a condenação dos policiais. Inicialmente

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privilegiando a versão militar, de que o jovem estava armado, drogadoe atirou nos policiais, em seguida os veículos de comunicação mato-grossenses se ativeram ao desmentido constante dos Autos do processoe à mobilização por justiça em torno do caso; por fim, investiram namesma direção reivindicatória da sociedade local: emissoras de televisãoe de rádio realizaram debates sobre o caso, alguns deles com aparticipação da mãe do jovem; jornais da imprensa escrita e ojornalismo televisado veicularam reportagens historiando as várias etapasdo processo criminal; a imprensa escrita divulgou numerosasmanifestações de leitores contrários à Justiça Militar; a Televisãoapresentou seguidamente a reconstituição da execução e divulgouenquetes em que os entrevistados opinavam pela condenação dospoliciais.

Diversamente dos termos da denúncia do Ministério Público,que pedia a condenação pela co-autoria de homicídio duplamentequalificado — “por motivo fútil” e “pelo recurso que impossibilitoua defesa da vítima” —, a sentença da Vara Especializada da JustiçaMilitar condenou os policiais pela co-autoria de homicídio simples

8.

Essa sentença foi posteriormente reformada pelo Tribunal de Justiça doEstado, que, nos primeiros meses de 1994, acatou parcialmente ostermos do recurso da acusação: o homicídio foi qualificado “pelo recursoque impossibilitou a defesa da vítima” e as penas imputadas ao sargentoe ao soldado foram ampliadas, respectivamente, de 7 para 12 anos ede 9 para 14 anos e meio.

O segundo caso ocorreu na cidade de São Paulo, na tarde de02 de outubro de 1992, quando a Tropa de Choque da Polícia Militarinvadiu a Casa de Detenção executando cento e onze presidiários, apretexto de conter uma rebelião

9. As manifestações majoritárias de

rechaço ao denominado massacre na Casa de Detenção, registradas

8 Conforme o “Pacote Abril” de 1977, editado pelo então Presidente da República, General ErnestoGeisel, policiais militares que praticassem qualquer tipo de crime contra civis, não apenas durante oserviço como à paisana e usando armas da corporação, eram processados e julgados pela JustiçaMilitar (cf. BICUDO, 1994, p.67). Em 23 de setembro de 1996, foi publicada no Diário de Justiça daUnião a transferência para a Justiça Criminal Comum da competência para processar e julgar policiaismilitares envolvidos em crimes dolosos (intencionais) contra a vida, permanecendo na esfera da JustiçaMilitar a competência para realizar o Inquérito Policial correspondente, assim como a competênciapara julgar os outros crimes comuns de militares. Essa alteração parcial da legislação foi aprovadapelo Congresso Nacional em meados de julho daquele ano e efetivada no mês seguinte por sançãopresidencial, (cf. Folha de S. Paulo: 17/07/96, 1-5; 08/08/96, 1-10; e 01/10/96, 3-8).

9 O relato desse segundo caso de grande repercussão nacional e internacional, selecionado dentreoutros pesquisados, baseia-se no acompanhamento sistemático do noticiário correlato dos veículos decomunicação, particularmente da Folha de S. Paulo — Jornal de maior circulação à época; na leiturade dois livros sobre o episódio (MACHADO, MARQUES, 1993; e PIETÁ, PEREIRA, 1993); e nasentrevistas informais travadas com dois juristas que apreciaram desdobramentos técnicos do episódio.

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na pesquisa de opinião pública divulgada por Jornal de grandecirculação nacional, não resultaram em mobilização socialcorrespondente. Nessa pesquisa, realizada pelo Instituto Datafolha, foiperguntado se a Polícia “agiu certo”, ou se “agiu errado”: dos mil eoitenta paulistanos entrevistados, 29% opinaram favoravelmente à açãomilitar, 18% responderam não saber se a polícia havia agido “certo”ou “errado” e 53% opinaram contrariamente à ação policial (Folha deS. Paulo, 08/10/92, 1-12). Três meses antes do ocorrido, o entãoSecretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, declarou àimprensa que o elevado número de mortes de civis imputadas a policiaismilitares resultava de alegados confrontos: “o policial precisa reagir namesma altura em que é recebido”.

Ao contrário do que foi verificado em Cuiabá, mais numerosase expressivas foram as manifestações públicas de aprovação à açãoque resultou na execução dos cento e onze detentos. Os fatos a seguirexemplificam essas manifestações: no dia 08 daquele mês de outubro,na sessão em que lideranças da Assembléia Legislativa de São Paulopediam a instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI),aproximadamente quatrocentas pessoas ocuparam as galerias da casa,pressionando para que as responsabilidades pelo episódio não fossemapuradas (FOLHA DE S. PAULO, 09/10/92, 1-12); na sessão do dia13 de outubro seguinte, que aprovou a instauração da CPI,aproximadamente cem pessoas contrárias à investigação ocuparam asgalerias da Assembléia — nessas duas ocasiões, os manifestantes, quevaiaram os parlamentares favoráveis ao inquérito e aplaudiram osparlamentares contrários, exibiram faixas e cartazes, com dizeres como:“PM é a reserva moral de São Paulo”, e “PM é feita de heróis” (FOLHADE S. PAULO, 14/10/92, 3-3); em clássicos do campeonato paulista,atendendo a parlamentares vinculados ao futebol e favoráveis à açãopolicial, torcidas organizadas ostentaram faixas, com dizeres como: “Apopulação paulista apoia a nossa Polícia Militar”, e “Onde está odireito das vítimas dos bandidos? Estamos com a PM” (FOLHA DE S.PAULO, 13/10/92, 3-3).

As ações reivindicatórias por justiça ficaram restritas a familiaresde vítimas do denominado massacre, nas setenta e seis açõesindenizatórias movidas contra o Estado de que se tem conhecimento(FOLHA DE S. PAULO, 28/09/97, 3-2 e 3-3); a jornais de grandecirculação da imprensa escrita nacional, que a cada 02 de outubrorememoram o episódio com extensas reportagens; a organismosinternacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA),

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que desde o ocorrido pede a condenação do país pela violação; e,principalmente, a organizações de defesa dos direitos humanos, comoo Movimento Nacional de Defesa dos Direitos Humanos e a AnistiaInternacional que sistematicamente cobram providências dasautoridades. O processo criminal tramitou sem julgamento durante quasenove anos e muitos dos crimes não julgados no prazo de dois anos,como lesão corporal, prescreveram. Cento e vinte policiais militares eum policial civil foram indiciados, fazendo desse um dos maioresprocessos criminais do planeta

10.

Em 1997, esse processo foi transferido da Justiça Militar para aJustiça Criminal Comum e as peças dos Autos foram desmembradasem dois processos: um, contra o coronel Ubiratan Guimarães, quecomandou a invasão do Presídio, e outro, contra os cento e dezenovepoliciais militares a ele subordinados (FOLHA DE S. PAULO, 16/04/97, 3-2). A partir de então, o julgamento de Ubiratan Guimarães foiadiado sucessivas vezes até 30 de junho de 2001, quando o réu foisentenciado a 612 anos de prisão, na maior pena já atribuída a umapessoa no país, pelo homicídio simples de cento e dois detentos (FOLHADE S. PAULO, 01/10/98, C-3; 23/03/99, C-2; 02/12/2000, C-3; 01/07/2001, A-14)

11. No dia 09 de julho seguinte, desfilando como civil

na comemoração oficial do aniversário da Revolução Constitucionalistade 1932, Ubiratan Guimarães foi aplaudido pela assistência,principalmente por convidados da tribuna de honra em que estavam oGovernador e outras altas autoridades do Estado de São Paulo (FOLHADE S. PAULO, A-1 e C-3).

Emblemática da maioria das execuções de jovens de todos ossegmentos sociais, cotidianamente protagonizadas por integrantes dacorporação Militar, a execução do jovem de 18 anos, ocorrida emCuiabá, revela o enraizamento de uma prática institucional. Mais rarano universo dos crimes de policiais, a execução dos cento e onzepresidiários é geralmente explicada por autoridades como resultante deum desatino, como um “caso isolado”. No entanto, o episódiorepresenta a expressão extremada da enraizada prática policial criminosaverificada nos recorrentes episódios de massacre individual.

10 O maior processo criminal do planeta ocorreu na cidade de Nuremberg, na Alemanha, entre 1947e 1949, quando foram julgados nazistas responsabilizados pelo extermínio em massa de judeus,durante a Segunda Guerra Mundial.

11 A promotoria excluiu da acusação de homicídio nove dos cento e onze detentos mortos com armascomo facas e estiletes, cuja autoria policial não pôde ser comprovada. Conforme o entendimento docorpo de jurados, na invasão do Presídio a PM não utilizou o “recurso que impossibilitou a defesada vítima”. Desse modo, a juíza sentenciou o réu à pena mínima de 6 anos pelo homicídioconsiderado não intencional, multiplicada pelos cento e dois detentos.

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Menos conhecido que o massacre dos cento e onze presidiários,o caso ocorrido em Cuiabá apresentou uma dinâmica e um desfechoinéditos. Primeiramente porque, até aquela época, praticamenteinexistiam registros de condenações de policiais militares por crimesdessa natureza. Em segundo lugar, porque, mesmo depois das alteraçõesparciais na legislação correspondente, ainda prevalecem impunidadeou condenação a penas mínimas nas ocorrências em que policiaismilitares estão envolvidos em homicídios dolosos. Em terceiro, porquenos numerosos outros casos de execução de jovens de classe médiapesquisados, não foram observadas mobilização social orgânica e nemmanifestações contundentes e persistentes de rechaço à ação policial.A absolvição dos policiais militares processados pela execução de trêsjovens da alta classe média paulistana, narrada em Rota 66, exemplificaesse ineditismo (BARCELLOS, 1992, p. 11-92).

Não somente as mais expressivas manifestações de aprovaçãoà ação que resultou na execução dos cento e onze presidiários, comoas amplas e recorrentes manifestações de rechaço à execução do jovemde 18 anos decorreram de identificação. Entretanto, o vínculoidentificatório operou em direções diferentes em cada um dos casos.Na Casa de Detenção, a identificação se deu com os policiais: namedida em que os mortos não foram vistos como vítimas, a açãopolicial não foi considerada transgressora. Em Cuiabá, o desmentidoàs versões dos policias neutralizou a tendência ao estabelecimento devínculos identificatórios com eles, propiciando a progressivaidentificação com a vítima e com a mãe da vítima, concomitantementeà ampliação da luta por justiça; essa perspectiva identificatória fezcom que a ação policial fosse considerada transgressora.

Portanto, o rechaço à violação ocorrida em Cuiabá dependeumais da identificação com o jovem e com sua mãe do que daobservância dos valores morais universalizantes. Na execução dos centoe onze detentos, a identificação com os policiais se sobrepôs àobservância da regra básica da convivência civilizada, resultando naaprovação justificadora da eliminação física daqueles que não foramconsiderados vítimas. Essas peculiaridades são reveladoras de um mal-estar cultural, de uma noção problemática de justiça, vinculada a umalei interna que individualiza, particulariza e exclui. No primeiro episódio,reivindicou-se que a lei fosse respeitada por causa de característicasidentificatórias compartilhadas com a vítima. No segundo, reivindicou-se que fosse desconsiderada por causa da identificação com aautoridade policial.

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No plano teórico, o processo identificatório remete à relaçãooriginal de autoridade e à construção da subjetividade a partir daíestabelecida: ego e superego se constituem, diferenciando-se do id

12,

por meio da identificação com os pais e, posteriormente, com os outrosadultos significativos que vêm integrar o âmbito de convivência dacriança. Ao mesmo tempo em que propicia a diferenciação psíquica, aidentificação — primária, secundária e terciária — propicia as relaçõessociais, consubstanciadas na escolha de modelos ideais, na partilhade características psicológicas comuns e na adoção de valores e ideáriosmorais em geral. A psicologia individual “é, ao mesmo tempo, tambémpsicologia social” (FREUD, 1921, v. XVIII, p. 91).

Em termos de suas bases pulsionais13

subjacentes, o processoidentificatório implica que na relação com o mundo exterior, temos: aspulsões de vida e as pulsões de morte do id, que clamam por satisfação;o ego, que procura atender a essas demandas do id — vivíferas oumortíferas, eróticas ou destrutivas, — levando em conta as possibilidadesdo mundo exterior e as exigências do superego; e, por fim, o própriosuperego, que pode interditar ou sancionar a descarga pulsional vivíferaou a descarga pulsional mortífera (FREUD, 1923, v. XIX, pp. 42-54).

Essa dinâmica psíquica alimenta-se do funcionamentointrinsecamente contraditório do superego, estruturado pela superposiçãode duas heranças. Uma vertente superegóica herdeira do complexo deÉdipo

14, que resulta da identificação regressiva com a autoridade

parental, ocorrida no apogeu desse conflito triangular: regida porprocessos psíquicos secundários que impõem a mediatização dadescarga pulsional, a tolerância do desprazer ou o adiamento do prazer,essa vertente representa a internalização da lei cultural que proíbe atransgressão (FREUD, 1920, v. XVIII, p. 17-22). E outra vertentesuperegóica herdeira do id, que resulta da dessexualização ocorridano mesmo momento identificatório edipiano: regida por processospsíquicos primários, que não toleram o desprazer ou o adiamento do

12 Para Freud, a psique humana é constituída pelo id, ego e superego. O id é a mais antiga dessastrês instâncias psíquicas e representa o legado inconsciente da vida mental; ao ego cabe buscar, nomundo exterior, satisfação para as demandas pulsionais que emanam do id; ao superego, instânciapsíquica moral, cabe permitir ou interditar a ação do ego.

13 A pulsão é abordada pela teoria psicanalítica como conceito limítrofe entre o somático e o psíquico.A fonte pulsional provém das imperiosas necessidades corporais que, provocando tensão, enviamsinais ao psiquismo. Freud se referiu a duas pulsões básicas: a pulsão de vida e a pulsão de morte.

14 Complexo de Édipo: processo extremamente conflitivo, cujo apogeu acontece mais ou menos entretrês e cinco anos de idade, quando um conjunto de sentimentos contraditórios de amor e ódioestruturam a relação da criança com os pais.

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prazer, impondo a descarga imediata. Essa vertente vinculada ao idrepresenta a lei pulsional que sanciona a transgressão da lei cultural(GEREZ-AMBERTIN, 1993, p. 79-91). Disso resulta que, à vida emsociedade não bastam as restrições que o próprio indivíduo pode seimpor em termos morais, por exemplo. Como não se trata de umindivíduo auto-regulado e sim de um ser social, o mundo exterior tambémtem de lhe impor restrições à pulsão, minorando os efeitos da face anti-social do superego.

Assim, não há por que compreender as manifestações popularesde aprovação às execuções em análise fora da dimensão social que,em última instância, as determina. As históricas característicassocioculturais, já abordadas, articulam- se a um funcionamentocorriqueiro do superego e não a um funcionamento excepcional: comoa própria sociedade, o superego tem a sua dupla face moral. Naaprovação da ação policial que resultou no massacre dos cento e onzedetentos, a descarga imediata da pulsão de morte intensificou acrueldade e a severidade supermoral da imago parental primariamenteintrojetada no superego porque não houve coerção exterior queobrigasse à mediação psíquica da pulsão. No rechaço à execução dojovem de 18 anos, ocorreu um duplo e concomitante movimentoidentificatório: o desmentido das versões dos policiais envolvidos subtraiu-lhes a autoridade, minando a tendência à identificação secundáriacom eles; ao mesmo tempo, à desconstrução da identidade criminosaforjada para o rapaz, foi-se articulando a construção de uma outra,em que muitos, em decorrência da identificação terciária, puderam sereconhecer. Mais calcada na identificação do que em valores moraisuniversais, a reivindicação pela condenação dos policiais violadorestambém decorreu de relativa mediação da cultura: afinal a descargapulsional imediata foi adiada, deixando-se à Justiça a punição.

A análise dos dois casos selecionados impõe uma visão realistado sujeito humano. O permanente esforço que esse sujeito faz paracosturar o rasgo inabordável da ferocidade superegóica que o arremessaà descarga impulsiva da destrutividade não impede que tantas vezes sesubmeta às exigências morais do mesmo superego que — nessemomento, afinado às exigências civilizadas — interdita a satisfaçãoque lhe traria a descarga pulsional imediata da agressividade: é possívelsupor que a expectativa de justiça canalizou, permitiu a sublimação daraiva, do ódio, da revolta, da indignação moral de muitas pessoasque, não fosse essa possibilidade de vazão socialmente aceita para adestrutividade, poderiam ter procurado meios diretos para justiçar os

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policiais executores do jovem Christian. Tal deslocamento das exigênciasda vida social para a vida psíquica individual e as dificuldades quetantas vezes se enfrenta para efetuá-lo está na base da relaçãonecessariamente tensa entre as imperiosas demandas pulsionais dosujeito e as restrições que a vida em sociedade lhe impõe (FREUD,1927, v. XXI, p. 11- 71; FREUD, 1930, v. XXI, p. 73-171).

Também o deslocamento das exigências da vida psíquica para avida social está na base dessa permanente tensão. Se esse deslocamentoé empreendido por uma coletividade mais ampla, produz a baseintersubjetiva das conquistas sociais no campo dos valores moraisquando decorre da renúncia às exigências pulsionais imediatas quesão sublimadas, adiadas e canalizadas em nome de um bem comum.Se esse deslocamento não é movido pela renúncia da satisfação imediatae sim pela descarga pulsional sem mediação psíquica, mesmo quandoé protagonizado por um coletivo mais amplo, representa a baseintersubjetiva de um retrocesso no campo moral: baseado na vazãoimpulsiva das exigências imediatas, expressa a incapacidade deadiamento sublimatório em nome de um bem comum universalizante,orientado para a inclusão e não para a exclusão — fenômenos dessetipo desnudam, no campo das relações sociais concretas, até que pontouma cultura consegue efetivar as exigências morais que idealmentecoloca para si. Essa segunda forma de funcionamento psicossocialproduz a base intersubjetiva do fenômeno aqui analisado: as recorrentes,não isoladas e tantas vezes organizadas, manifestações de aprovaçãoa execuções de civis levadas a termo por policiais militares.

Mas, o que dizer daquela maioria que parece rechaçar esse tipoviolação? Como já foi mostrado, em Cuiabá, o amplo rechaço àviolação decorreu mais da identificação do que do apego ao valormoral “não matar”. Mais: a pressão política gerada pela mobilizaçãosocial é que abriu espaço para a desconstrução da identidade criminosaforjada para o rapaz, propiciando a generalização do vínculoidentificatório e, com isso, o fortalecimento da luta para que se fizessejustiça . Esse meio caminho entre o interesse pulsional imediato e oadiamento sublimatório da pulsão, referenciado no valor moraluniversalizante Justiça, é emblemático do funcionamento intersubjetivoe das práticas sociais da cultura brasileira com relação ao ideárioexpresso em seus códigos legais. Permite a compreensão de um outrofenômeno, que transcende a aprovação da violação em foco, mas queao mesmo tempo parece engendrá-la: trata-se de um enraizamentocultural, da legitimação de uma prática institucionalizada enquanto

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costume de transgredir a lei que permeia as relações intersubjetivastravadas na sociedade brasileira. Eis o ponto crucial: ora despótica,ora permissiva, a cultura brasileira não interdita a descarga pulsionaldestrutiva conforme preceitos morais extensivos à coletividade. Comoas normas não são universalmente aplicadas, a interdição datransgressão também se vincula à conveniência casuística de interessesrestritos.

Nessa dinâmica psicossocial em que Estado, sociedade civil eveículos de comunicação concorrem para a aprovação da práticapolicial, é preciso hierarquizar responsabilidades, desnudandorecorrentes interpretações que compartem igualmente essasresponsabilidades para dissimular a natureza política da violação epara encobrir seus agentes sociais concretos. Ainda que consideradasas raízes histórico-culturais do assujeitamento da sociedade civilbrasileira, sua parcela de responsabilidade não deve ser menosprezada:pela omissão, pela cumplicidade e pela aprovação declarada, temcontribuído para a manutenção desse quadro em que a execução decivis por policiais se constituiu uma prática. Parcela ainda maior dessaresponsabilidade cabe aos veículos de comunicação: mediadores dainteração cada vez mais presentes na sociedade complexa, conferemvisibilidade e significados tais à violência, em geral, e à violência policial,em particular, que mais estimulam a aprovação das execuções e deoutras violações aos direitos humanos do que interferem para mudaressa tendência identificatória. A maior parcela de responsabilidade poresse drama social cabe ao Estado, mesmo se reconhecidos os limitesda democracia burguesa: primeiro, por ser ele o histórico agente daopressão econômica e política; segundo, por se valer da força bruta eletal da polícia para assegurar e reiterar esse processo de exclusão.Abusivamente investido de autoridade, tem recorrentementedesrespeitado as normas do estado de direito, no abuso da força, notratamento casuístico que dispensa às leis e no arbítrio mascarado nadisplicência de não fazer cumpri-las: através de suas autoridades e desuas instituições — muito bem exemplificadas na estrutura e na açãoda Polícia Militar —, o Estado tem se colocado como um modeloidentificatório despótico, reiterando a tendência à identificação calcadana vertente anti-social do superego.

A análise empreendida procurou focar a dimensão psicossocialda trama que vincula distorções estruturais institucionais no policiamentoda sociedade a processos intersubjetivos. Esses processos intersubjetivos,que ora se expressam enquanto aprovação de execuções e ora se

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expressam enquanto rechaço dessa prática policial, são maisdependentes das projeções identificatórias que do apego à justiçaenquanto valor universal. Supõe-se que esses processos intersubjetivostambém estejam na base da aprovação a outras violações aos direitoshumanos e na base da oposição ao trabalho das entidades que fazema defesa desses direitos, o que pode ser denominado “um mal-estar nacultura brasileira” (MORGADO, 2001). Assim, antes de estratégias deintervenção como, por exemplo, aquelas pretendidas pela Comissãode Justiça e Paz, procurou-se oferecer uma perspectiva diferenciada decompreensão do entrelaçamento de fatores históricos, culturais esubjetivos de que deriva o funcionamento intersubjetivo da sociedadebrasileira tão refratária à necessária e inadiável mobilização em tornoda defesa dos direitos humanos. Quanto menor a mobilização, sobretudoem torno do direito humano à vida, mais longo será o caminho parafortalecer a democracia no Brasil. Disso talvez se possa extrair diretrizespolítico-pedagógicas para o futuro.

Data de recebimento: 10/01/2005Data de aceite para publicação: 30/01/2005

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ENSEÑAR A COMUNICARSE EN UNALENGUA EXTRANJERA: El transcurso

de los métodosMaria Luján Mattiauda

RESUMO: Este texto, de base bibliográfica, pretende mostrar el transcurso delos métodos de enseñanza de lengua extranjera teniendo como paño de fondola línea histórica. En ésta, se destaca una grande variedad de enfoques ymétodos que se han ido sucediendo como consecuencia de la búsqueda de lacomunicación entre los pueblos de diferentes idiomas, culturas y procesoseconómicos y socio-históricos.

PALAVRAS-CHAVE: lengua extranjera; método; enseñanz.

ABSTRACT: This text bibliografic bases´intends to show the way of learningmethods to a foreign language, having as background the historical line. In thisway stands out a great variety of targets and methods that have been suceedingas consequense of the comunication search among people of different languages,culture,economic and social-historical processes.

KEYWORDS: foreign language; method; learning

IntroducciónDesde que en el mundo empezaron a desarrollarse las relaciones

entre los hombres de diferentes regiones por necesidades económicas ysociales, una de las barreras más evidentes fue la comunicación, unasveces por la falta de medios de transporte adecuados, otras por laincomprensión de las lenguas que se hablaban en cada una de lasregiones. Para los colonizadores y comerciantes, así como para loscolonizados y saqueados, la imposibilidad de la comunicación verbalera algo que dificultaba en gran medida cualquier tipo de entendimiento.En la medida en que la ciencia y la técnica se fueron desarrollando, lanecesidad de aprender otras lenguas se hacía cada vez más evidente.

Objetivos e importancia de los métodos aplicados a la enseñanzade lenguas extranjeras

La época actual no escapa a aquellas necesidades de antaño,la diferencia es que las soluciones deben buscarse con más rapidezdada la velocidad con que se suceden los cambios en el mundo dehoy. Aprender lenguas extranjeras es hoy una necesidad de profesionales,científicos, hombres de negocios, de cultura, políticos de todas partes

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del mundo. Es por eso que en cualquier curriculum escolar puedeencontrarse la disciplina Lengua Extranjera, o Segunda Lengua.

En la enseñanza de lenguas se distinguen dos grupos importantes:la enseñanza de lengua materna y la enseñanza de lenguas extranjeras.

El que enseña una lengua extranjera deberá aprender unametodología diferente a la metodología para enseñar la lengua maternapuesto que en este caso intervienen procesos psicológicos, fisiológicos,biológicos, sociales y culturales diferentes que tienen lugar en elaprendizaje y por tanto influyen en la enseñanza.

El objetivo no ha sido dar recetas para que sean usadas al piede la letra, sino despertar la motivación de los profesores para quelogren los objetivos a que se proponen. Cada profesor podrá enfocarlos procedimientos con creatividad de acuerdo a las características delgrupo, de cada alumno, teniendo en cuenta sus necesidades y lascondiciones contextuales en que se desarrolla el proceso de enseñanza-aprendizaje de la lengua extranjera.

La evolución de los métodos aplicados a la enseñanzade lenguas extranjeras

Para una mejor comprensión de los diferentes puntos de vistateóricos es necesario hacer una distinción entre los términos enfoque,método y técnica por lo común de su uso en el campo de la enseñanzade lenguas extranjeras a través de su historia y porque en muchasocasiones los encontramos mezclados, Anthony, Edward (1963; 199)establece un orden jerárquico en las definiciones de enfoque, métodoy técnica partiendo de una clave organizacional y distingue tres nivelesde contextualización y organización. De acuerdo con esta clave, lastécnicas llevan a cabo un método que es consistente con un enfoque.El enfoque es un conjunto de suposiciones correlativas que tienen quever con la naturaleza de la lengua y la naturaleza de la enseñanza y elaprendizaje. Establece una filosofía, un punto de vista. Algo que secree pero que no se puede probar. Es axiomático, describe la naturalezade la materia a enseñar. Mientras que el método es, para este autor, unplan general para la presentación ordenada del material lingüísticocuyas partes no se contradicen y se basan en un enfoque. Así como elenfoque es axiomático, el método es procesal. Dentro de cada enfoquepuede haber muchos métodos. La técnica es aplicable en el aula, esuna estratagema, es un arte que se usa para lograr un objetivo específicoatendiendo a las necesidades particulares de la realidad educativa. Latécnica es implementacional y tiene lugar dentro del aula. ( ANTHONY,EDWARD 1963, 200).

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Consideramos que el término enfoque es más nuevo que el demétodo y mucho más abarcador, como consecuencia de los aportesrealizados por la Lingüística, la Socio-lingüística, la Psico-lingüística yla Pedagogía, las que fueron enriqueciendo la teoría de la enseñanzade lenguas en su conjunto, además de la experiencia adquirida a travésde los diferentes intentos con diferentes métodos. Estos surgían comoconsecuencia de los cambios en la ciencia, la tecnología, lastransformaciones socio-históricas, culturales y económicas que tuvieronuna gran influencia en este proceso. Los métodos, en sus inicios,carecían, como veremos más adelante, de una base teórica sólida, laque fue surgiendo gracias a la investigación en las ciencias del leguaje,las ciencias pedagógicas, las ciencias psicológicas y otras ramas delsaber que permitieron dar respuestas a los fenómenos que se producíanen el campo de la enseñanza de lenguas. Ahora bien, ¿cómo hanevolucionado los métodos de enseñanza aprendizaje de lenguasextranjeras? En la búsqueda de la respuesta a esta interrogante debemosremontarnos a la época de la Roma Esclavista, donde se sentaron lasbases de la Escuela de Gramática que se caracterizó por la búsquedade la perfección en la expresión oral, lo que exigía el dominio de unagramática perfecta.

Estos primeros planteamientos evolucionaron hasta llegar alenfoque de Gramática traducción que era rígidamente memorístico yque se basaba en el principio de la traducción para fijar los significados,se aprendía tratando de economizar tiempo y esfuerzos. El objetivo eraaprender la lengua para leer su literatura a través de un análisis detalladode las reglas gramaticales aplicadas a la traducción de textos y oraciones.La lengua materna se mantenía como referencia en la adquisición de lalengua extranjera (STERN, 1983, 455 en J. C. RIDCHARDS y T. SRODGERS, 1986.) Tenía un carácter elitista, pues sólo los hijos de laaristocracia romana estudiaban el griego como los primeros pasos enla necesidad de aprender una lengua extranjera. Durante el Feudalismosolamente se enseñaba el Latín a través de los sermones de los curas.Se pretendían fijar los significados en las memorias de los pupilos afuerza de tanto escuchar las oraciones en ese idioma bajo el principiode la repetición memorística y mecanicista.

En el siglo XVI, aunque siguió prevaleciendo el método deGramática Traducción, se observó una apertura a la enseñanza devarias lenguas, cuyo precursor fue Comenio quien introdujo la teoríade la vinculación de la práctica en el proceso de enseñanza aprendizajede lenguas y planteó además de la importancia de la praxis en el proceso

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de interiorización de los conocimientos, la importancia de los órganossensoriales para el desarrollo de la percepción de los objetos yfenómenos. Estos planteamientos permitieron la introducción de losobjetos reales en la enseñanza de lenguas. No obstante, el método deGramática Traducción siguió siendo el más usado hasta los siglos XVIIy XVIII. Aunque este método carece de principios teóricos sólidos, seextendió hasta el siglo XX, fundamentalmente en los colegios donde sehacía poco énfasis en las habilidades orales y el objetivo fundamentalen la comprensión de textos del método de Gramática Traducción sereconoce que el estudio de la gramática y la traducción como técnica,jugaron un papel destacado en la enseñanza de lenguas y de unamanera u otra, el mismo ha seguido empleándose a lo largo de lahistoria hasta nuestros días.

Aunque no exista un criterio homogéneo acerca de los términosempleados para definir los diferentes métodos que subsiguieron al de laGramática Traducción, si hay coincidencia en cuanto a los rasgos quelos caracterizaron y las causas que los originaron. Rosa Antich (1988),por ejemplo, reconoce, a partir del método de Gramática Traducción,el método de Lectura basado en la idea de que la lectura era lahabilidad más indispensable y a partir de la cual se podría aprender ahablar. Este método tenía una base pragmática argumentada en elprincipio de limitar los objetivos de la enseñanza al desarrollo de lahabilidad de lectura. Esta concepción relegaba la gramática y latraducción a planes secundarios y enfatizaba el uso de la lectura confines de traducción.

Por su parte, J. Richards y T.S. Rodgers (1986, 16-20) en susestudios acerca de los enfoques de enseñanza de lenguas, lo hacen através de tres teorías diferentes. Desde el punto de vista estructural queve la lengua como un sistema de elementos estructuralmenterelacionados para establecer los códigos de significado. El dominio dela lengua será visto por el dominio de los elementos de su sistema, entérminos de unidades fonológicas (fonemas); unidades gramaticales(oraciones, frases, cláusulas); operaciones gramaticales (adición,sustracción unión, transformación de elementos). Elementos lexicales(palabras funcionales y estructurales.) Desde el punto de vista funcionalla lengua es un vehículo para la expresión de significado funcional.Enfatiza la dimensión comunicativa y semántica más que las simplescaracterísticas gramaticales de la lengua, lleva a la especificación yorganización del contenido a enseñar por categorías de significado yfunción más allá de los elementos de las estructuras gramaticales. Desde

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el punto de vista interaccional que ve la lengua como el medio para larealización de relaciones interpersonales y para la realización detransacciones sociales entre los individuos. La lengua es una herramientapara la creación y mantenimiento de las relaciones sociales.

Estas tres visiones se complementan con las teorías del aprendizajede la lengua, es decir, con los procesos psico-lingüísticos y cognitivosen el aprendizaje de lenguas extranjeras, así como las condiciones quese necesitan para activar los procesos de aprendizaje. Ya desde el sigloXIX, varios estudiosos de las lenguas y sus procesos de aprendizajetrataron de esclarecer tales dudas. Lo que para varios autores llevó a laconstitución del Movimiento de la Reforma, motor impulsor en latransformación del método de Gramática Traducción en Europa amediados del siglo XIX (J. RICHARDS Y T. S. RODGERS, 1986; LAURAPLA, 1989; JULIA FONT, 1998) Se buscaba un método que resolvieralas necesidades de comunicación, lo que hacía evidente la urgencia dedesarrollar las habilidades orales. Así surgieron libros para laconversación y el interés por la forma de enseñanza de las lenguasmodernas en la escuela media. Aparecieron nuevos enfoques enAlemania, Francia, Inglaterra y otras partes de Europa. En este períodose destacaron Lightbown Marcel; T. Prendergast; F. Govin.Lightbown,Marcel (1793–1896) propuso el aprendizaje de la lenguapor los niños como un modelo para la enseñanza de lenguas. Hacíaénfasis en la importancia del significado en el aprendizaje y proponíala enseñanza de la lectura antes de cualquier otra habilidad. Mientrasque T. Prendergast (1806–1886) observó que los niños usan lassituaciones y el contexto para interpretar los significados, y propuso lossílabos estructurales abogando porque a los aprendices se les debíaenseñar los padrones estructurales que ocurren en la lengua. Estospostulados serían retomados mucho más tarde, entre los años 1920 y1930. Govin (1831–1896) creía que el aprendizaje de una lengua sefacilitaba por el uso de la misma para acontecimientos que ocurrían ensecuencia de acciones relacionadas. Este enfoque usaba situaciones ytemas como vías de organización y presentación de la lengua oral.Hacía énfasis en el contexto que aclara el significado, el uso de losgestos y acciones para lograr la comprensión de los significados. Estosmétodos luego formaron parte del método situacional y la respuestafísica total.

El surgimiento del Movimiento de la Reforma consistió en laasociación para la reforma pedagógica más amplia y difundida que seconoció que realizaran lingüistas y profesores por cambiar los métodos

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y que contribuyó a la revitalización de la Lingüística, el surgimiento dela Fonética como análisis y descripción científica de los sistemas desonidos de las lenguas. Apareció el habla como la primera forma de lalengua. Se fundó la Asociación Internacional de Fonética en 1886 y suAlfabeto Internacional de Fonética que se designó para la trascripciónde los sonidos de cualquier lengua. Uno de los objetivos fundamentalesde la asociación fue el mejoramiento de la enseñanza de lenguasmodernas. Esta asociación abogaba por el estudio de la lengua hablada;el entrenamiento fonético para establecer hábitos de buenapronunciación; el uso de textos conversacionales y diálogos paraintroducir frases y proverbios; un enfoque inductivo para la enseñanzade la gramática; enseñar nuevos significados a través de asociacionesdentro de la lengua objeto de estudio más que a través de la traducción.

Para H. Sweet (1845–1912) propuso que los principiosmetodológicos debían basarse en un análisis científico de la lengua y elestudio de la psicología. En su libro The gramatical study of languages(1899) incluyó los siguientes principios para el desarrollo del métodode enseñanza: selección cuidadosa de lo que se debe enseñar; establecerlímites a lo que se debe enseñar; organizar lo que se debe enseñar entérminos de las habilidades de audición, habla, lectura y escritura.Gradación de los materiales de lo simple a lo complejo. William Viëtor(1850–1918) y otros reformistas de los finales del siglo XIX compartíanlas ideas acerca de los principios que debían regir un nuevo enfoquepara la enseñanza de lenguas extranjeras, y aunque discrepaban encuanto a procedimientos específicos, en su conjunto coincidían en lossiguientes principios: la lengua hablada ocurre primero y se debe reflejaren una metodología basada en el desarrollo del habla.

Los descubrimientos de la fonética debían ser aplicados a laenseñanza y el entrenamiento de los profesores; el aprendiz debe escucharla lengua primero antes de verla por escrito; las palabras deben serpresentadas en contextos significativos y no de forma aislada comoelementos desconectados; las reglas gramaticales se deben enseñarsolamente después que los estudiantes han practicado puntosgramaticales en contexto, es decir, debe enseñarse la gramática deforma inductiva; la traducción debe evitarse, aunque pueda usarse lalengua materna para explicar palabras nuevas o chequear lacomprensión.

El Movimiento de la Reforma se interesó por los principios de laenseñanza de la lengua a través de los métodos naturalistas del

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aprendizaje de la lengua materna. Esto llevó al Método Natural. Unode sus autores más destacados fue L. Sauveur (1826–1907) con lainteracción oral intensiva y la presentación de la lengua a través depreguntas. L. Sauveur y otros seguidores del método natural aseverabanque la lengua extrajera se podía enseñar sin traducción y que sí sepodía llegar al significado a través de la demostración y la acción.

Para F. Franke (1884) basándose en principios psicológicos dela asociación directa entre los significados en la lengua objeto de estudioproporcionó una justificación teórica para un enfoque monolingüe deenseñanza una lengua se puede enseñar mejor usándola activamenteen el aula a través del estímulo al uso espontáneo y directo de la lenguaextranjera en el aula en lugar de usar procedimientos analíticosenfocados a la explicación de la gramática. El libro de texto se reemplazóen las etapas iniciales por la lengua oral. Se prestaba atención sistemáticaa la pronunciación. Las palabras conocidas servían de base para laintroducción del nuevo vocabulario, usando la mímica, la demostracióny las láminas. Los principios de aprendizaje natural proporcionaron lasbases para lo que se conoce como el Método Directo, el más conocidodentro de los métodos naturales y se basaba en los siguientes principios:la instrucción en el aula se realiza exclusivamente en la lengua extranjera;se enseñan el vocabulario y oraciones cotidianas solamente; lashabilidades de comunicación oral se construyen en una progresióncuidadosamente graduada a través de preguntas y respuestas entre elprofesor y los alumnos en grupos pequeños de forma intensiva; lagramática se enseña de forma inductiva; los puntos nuevos a enseñarse introducen de forma oral; el vocabulario concreto se introduce através de la demostración, objetos y láminas; el vocabulario abstractose enseña por asociación de ideas; se enseña tanto el habla como lacomprensión auditiva; se hace énfasis en la pronunciación y lagramática. Titone (1968: 100-101) describe estos principios en las guíasmetodológicas para la enseñanza de la lengua escrita de la siguienteforma: Nunca traduzca: demuestre. Nunca explique, actúe. No hagadiscurso, pregunte; nunca imite los errores, corríjalos. Nunca hablecon palabras aisladas, use oraciones. Nunca hable mucho, haga a losalumnos hablar mucho más. Nunca salte pasos, use su plan de clases.Nunca use el libro, muestre. No vaya demasiado rápido, siga a losalumnos. No hable demasiado despacio, hable normal. No habledemasiado rápido, hable naturalmente. No se impaciente, tómelo concalma.

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Principios de la enseñanza comunicativaEl proceso de comunicación incluye mucho más que el simple

conocimiento de las formas. La comunicación depende de maneracrucial de la habilidad para usar las formas apropiadas. Se trata deque los alumnos puedan usar la lengua que aprenden paracomunicarse, sin tener en cuenta la forma en que dicha lengua estéespecificada. Los enfoques comunicativos se rigen por una serie deprincipios que sirven a los profesores de fundamento para el empleo delos procedimientos que se propongan.

Sea consciente de lo que está haciendo. El enfoque de cualquierclase de lengua debe ser la realización de alguna operación,aprendiendo como hacer algo. Por ejemplo, en una clase de lectura latarea pudiera ser comprender una serie de instrucciones; en redacciónpudiera ser una carta pidiendo un pronóstico del tiempo en la radio ola televisión, en el habla pudiera ser preguntar por una dirección enuna ciudad desconocida. Todas estas operaciones pueden serdesarrolladas en diferentes niveles de enseñanza teniendo en cuentaque en el proceso de aprendizaje siempre exista una respuesta clara alas preguntas de los alumnos: ¿por qué estoy aprendiendo esto?, ¿Quéestoy aprendiendo a hacer?.Una de las características fundamentalesdel enfoque comunicativo es que es un fenómeno dinámico y queayuda a pesquisar. No se puede ver en forma de características oelementos componentes sin que su naturaleza sea destruida en eseproceso. Es importante tener en cuenta que el método comunicativoopera más allá del nivel de la oración y con un lenguaje real ensituaciones reales. Considerando que las formas tengan lugar dentrodel proceso de comunicación, es necesario que exista lo siguiente, Unvacío de información. En una conversación real entre dos o máspersonas uno tiene una información que el otro desconoce, entoncesse produce el proceso de la comunicación estableciendo un puenteque cubre dicho vacío de información. La posibilidad de selección:Otra característica del enfoque comunicativo es que los participantestengan la posibilidad de seleccionar lo que van a decir y como lo vana decir, lo que conlleva a que el que escucha tenga que estar a laexpectativa de que será lo que va a escuchar próximamente. Laretroalimentación: Siempre que dos personas conversan existe un objetivoen sus mentes. Las estrategias y tácticas que se involucran en el uso dela lengua en esta forma son de gran importancia en la comunicación.Para aprender algo, hágalo: Lo que sucede en el aula debe involucraral alumno y debe ser juzgado en términos de sus efectos en él. De esa

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misma manera el alumno es responsable de lo que aprende, teniendoal profesor como guía y consejero en ese proceso de aprendizaje, Loserrores no siempre son errores: Un enfoque comunicativo noproporciona una solución rápida al problema de la corrección de loserrores. Sin embargo ofrece propuestas de cómo regresar al principio ydecidir cómo alcanzar los objetivos para llegar a las habilidadescomunicativas del estudiante. El alumno que tratando de decir algopara comunicarse comete errores en aquello que aún no ha recibido oque no domina todavía no está realmente cometiendo errores, sino quetrata de alcanzar la fluidez necesaria para comunicarse. La enseñanzacomunicativa ha evolucionado para ganar en conocimientos teóricos yse ha profundizado en los elementos que influyen en el proceso deenseñanza aprendizaje de lenguas extranjeras. Varios autores planteanla importancia de tener en cuenta no sólo los elementos lingüísticos,sino también otros elementos relacionados con el proceso de aprendizajeUno de los elementos que más ha influido en el surgimiento de nuevosenfoques ha sido el significado de la tarea de aprendizaje de la lengua,entendida como una actividad cooperativa que debe ser ademáscompartida. En el objetivo de la tarea (jugar a X, cantar, simular, describirelementos, explicar, extender), los roles de los que intervienen en laactividad comunicativa, deben ser claramente entendidos por losalumnos. Lo que ha permitido la aparición de nuevas tendencias en laenseñanza de lenguas extranjeras sin perder los principios del enfoquecomunicativo. Dentro de las nuevas tendencias se conocen: “losenfoques de proceso, la enseñanza por tareas, el enfoque pragmático,el enfoque oolítico y la enseñanza por proyectos”. (LICERAS, 1991).

Si tenemos en cuenta que la meta de la instrucción de la lenguadeberá ser la formación de la competencia comunicativa entendidacomo la capacidad de usar la lengua para expresar nociones y funcionesde comunicación, que se dan a través de las necesidades de uso de lalengua, donde los alumnos son el centro de las actividades (ALMEIDAFILHO 1999), entonces los contenidos han de ser presentados en formade bloques naturales, dotados de sentido y organización y no comoestructuras aisladas. En esta propuesta, los alumnos se van adentrandoen la organización semántica, morfológica y discursiva paulatinamentehasta que lleguen a la representación interna de la lengua extranjerapara lograr la competencia comunicativa (ALMEIDA FILHO, 1999),que incluye un componente lingüístico, emitir mensajes con el registroapropiado; un componente referencial o sociolingüístico, lascircunstancias concretas de uso, un componente referente a los

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conocimientos de la retórica o discurso el uso de los estilos, la coherenciay canales de expresión; un componente sociocultural la interpretaciónde mensajes y la habilidad de comunicarse con interrupciones eimprevistos que se resume en un componente estratégico.

Consideraciones finalesPara concluir podemos decir que el método directo tuvo mucho

éxito en las escuelas de lenguas privadas donde se contratabanprofesores nativos de la lengua, lo que hizo que fuera difícil de aplicaren las escuelas públicas. Se enfatizaban, al mismo tiempo que sedistorsionaban las semejanzas entre el método naturalista de aprendizajede la lengua materna y el aprendizaje de la lengua extranjera en elaula, sin tener en consideración la realidad práctica del aula. Por otraparte, carecía de un fundamento teórico lingüístico, lo que provocó lacrítica de muchos miembros del Movimiento de Reforma. La enseñanzadependía de las habilidades del profesor más que del seguimiento deun libro de texto y no todos los profesores eran lo suficientementecompetentes en la lengua. El hecho de no usar la lengua materna en elaula hacía que los profesores muchas veces tuvieran que enredarse enexplicaciones largas, en situaciones en las que con la lengua maternahubieran ahorrado tiempo y esfuerzos. Estas razones llevaron a que enla década de 1920 el método directo comenzara a decaer. Se comenzóa conciliar con actividades controladas basadas en la gramática. Hoydía estamos utilizando todavía de ese método y por esta razón muchospaíses no se encontraron para adquirir un método que ayude acomunicarse verdaderamente en lengua extranjera.

Data de recebimento: 10/01/2005Data de aceite para publicação: 30/01/2005

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A FORMAÇÃO DO PROFESSOR-PESQUISADOR: UMA POSSÍVEL

ALTERNATIVA PARA A MELHORIA DAQUALIDADE DO TRABALHO

DOCENTEMônica Vasconcellos

RESUMO: Este artigo propõe uma análise sobre o papel da formação nos diasatuais. Nosso intuito é, com base nas idéias difundidas pelos pesquisadores daárea, discutir as contribuições que a formação pode proporcionar às escolas,frente às transformações ocorridas nos últimos tempos. Nesse sentido, traçamosum breve panorama histórico, destacando as diferentes formas de atuação dosprofessores diante das exigências sociais de cada época. Destacamos a faltade sintonia que há entre aquilo que a academia produz e a prática do professor.Ressaltamos determinadas prioridades que merecem ser trabalhadas naformação e apontamos algumas perspectivas relacionadas ao papel da formaçãona atualidade.

PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores, prioridades, perspectivas.

ABSTRACT: This article proposes an analysis about the role of the formation inthe current days. Our intention is, based on spread ideas by the researchers ofthe area, the contributions which formation can provide to the schools to discuss,front to the transformations happened in the last times. In this sense, we willdraw a brief historical panorama, detaching the different forms of the teachers’performance before the social demands of each time. We are going to highlightthe lack of syntony that there is among which that the academy produces and theteacher’s practice. We will stand out certain priorities that deserve to be workedin the formation and, we will point some perspectives related to the role offormation at the present time.

KEY WORDS: Teachers’ formation, priorities, perspectives.

IntroduçãoNa atualidade, é indiscutível o valor que possui a formação na

vida dos profissionais que atuam na educação. Porém, na sua execução,enquanto algumas temáticas são abordadas por boa parte dos cursosde formação, outras, que também merecem relevância, são poucotrabalhadas (HERNÁNDEZ, 1998).

Destacamos como uma das tendências atuais o enfoque que

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vem sendo dado por alguns estudiosos a propósito da necessidade deinserção dos professores no campo da pesquisa. Entretanto, seria talinserção uma alternativa viável? Poderíamos cogitar a possibilidade deassociar pesquisa e formação de professores? Ou a graduação deveacomodar-se e continuar, de modo geral, centrando seu trabalho tantona difusão dos conhecimentos elaborados externamente como naformação prática dos acadêmicos?

Na verdade, esta é uma idéia pouco difundida nos cursos deformação que ainda não estabeleceram uma estreita relação entre ocampo da pesquisa e a prática docente. Tais cursos precisam criaroportunidades de aproximação entre o professor e as investigações daárea da educação. Essas oportunidades devem estar vinculadas aoambiente de trabalho deste profissional a fim de favorecer, por umlado, condições para que esse profissional elabore diferentesconhecimentos com base em reflexões críticas da sua própria prática.Por outro, romper com a dissociação que normalmente existe entre oconhecimento elaborado pela academia e o fazer dos professores.

Da maneira como está estruturada, a formação prioriza apenasa difusão das teorias elaboradas pelos estudiosos do assunto. O maisindicado, na opinião dos pesquisadores, seria superar esta tendênciade instrumentalização teórica e favorecer o conhecimento dessesprofissionais a propósito do trabalho que realizam, que, por sua vez,serviria de contexto para a construção de novas teorias (PIMENTA,1999).

Acreditamos que um trabalho como este se baseia emdeterminadas escolhas, que podem ou não vir a dar certo. Cabe àformação aprofundar tal discussão, na tentativa de validar ou refutaresse posicionamento.

No que se refere ao presente trabalho, nosso intuito é, com basenas teorias que abordam o assunto, discutir a função da formação deprofessores nos últimos tempos, considerando a redefinição de papéisque vêm contecendo no interior das escolas e os motivos quecontribuíram para que isso acontecesse. Nesse sentido, traçamos umbreve panorama histórico e destacamos as diferentes formas de atuaçãodos professores diante das exigências sociais. Ressaltamos determinadasprioridades que merecem ser trabalhadas na formação e apontamosalgumas perspectivas relacionadas ao papel da formação de professoresfrente às transformações e às necessidades da atualidade.

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A construção da epistemologia da prática docente:uma possibil idade de superação da crise profissional dosprofessores

Ao buscarmos compreender as dificuldades enfrentadas pelosprofessores, precisamos nos reportar à formação desses profissionaisque, nos últimos tempos, sofreu diversas alterações. Na década de 70,por exemplo, as discussões relacionadas à formação docente passarama ter maior aprofundamento. A tecnicidade, presente no mercado detrabalho naquela época, também passou a ser valorizada no ambienteescolar.

Segundo Pereira (2000), nos anos 70, a formação visavainstrumentalizar os professores por meio do acesso desses aosconhecimentos produzidos pela Psicologia, pela Sociologia e pelaFilosofia. Tais conhecimentos passaram a influenciar e a contribuir coma perspectiva funcionalista. Acreditava-se que os métodos de treinamentodos professores dariam conta de atender às necessidades da época.Além disso, a educação passou a ser reconhecida como fenômenosocial, ligada à política e à economia do momento. Os professoresdeixaram de ser encarados como abstrações e passaram a seridentificados como indivíduos portadores de opiniões, valores e crenças.

Essa perspectiva é definida por alguns autores (GÓMEZ, 1997;SCHÖN, 2000) como racionalidade técnica. Ou seja, “[...] trata-se deuma concepção epistemológica da prática, herdada do positivismo,que prevaleceu ao longo de todo o século XX, servindo de referênciapara a educação e socialização dos profissionais em geral e dos docentesem particular” (GÓMEZ, 1997, p. 96). Em outras palavras, o modelode formação vigente naquela época supunha que o trabalho doprofessor se tornaria mais eficiente e obteria melhores resultados se esseprofissional tivesse o domínio das técnicas adequadas no decorrer darealização do desse trabalho.

No entanto, tal concepção acentuou ainda mais as contradiçõesexistentes no interior das escolas. Na opinião do pesquisador, issoocorreu devido à impossibilidade que há de prevermos as soluçõesmais indicadas diante da complexidade que emerge da sala de aula.O autor acrescenta que a padronização técnica é ineficaz pelo fato deignorar a subjetividade dos indivíduos e não ser capaz de solucionartodos os problemas e conflitos encontrados na vida escolar.

No que se refere aos anos 80, o contexto exigia a superação demais de vinte anos de Ditadura Militar. Os educadores, pesquisadorese outros componentes da sociedade sentiam grande necessidade demudanças na escola. Era preciso romper com as práticas que

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reproduziam os interesses vigentes até aquele momento e avançar embusca da construção de uma nova organização social. Com essaconcepção, a educação poderia mudar a sociedade desde que aspessoas se tornassem agentes de mudança. Sendo assim, a educaçãopassou a valorizar a política no ato de ensinar. Houve, naquele período,uma expansão da rede pública de ensino, acompanhada de um grandenúmero de alunos matriculados e, obviamente, uma maior necessidadede formar profissionais para trabalhar nessas escolas.

De acordo com Roldão (1999), a expansão da escola, provocadapelo aumento do número de vagas, fez aumentar a oferta e a criaçãode novos cursos de licenciatura. Em decorrência desse fato, professoressem habilitação começaram a ocupar os cargos oferecidos pelasinstituições de ensino. Tudo isso contribuiu com a desqualificação ecom a desvalorização desse profissional.

Atualmente, os cursos de formação continuam valorizando apenassuas propostas e seus pontos de vista. Ignoram as experiências dosprofessores: o que pensam sobre sua prática e sobre as novas teoriaselaboradas externamente e transpostas para a escola. Desprezam, assim,as concepções e as experiências desses profissionais que tanto têm acontribuir.

Da forma como vem sendo praticada, a formação mostra-sepreocupada simplesmente em transformar a prática dos docentes,garantindo-lhes o acesso às novas teorias.

Hernández (1998) adverte que os professores não encontramcoerência entre o que ouvem nos cursos de formação e o que praticamdiariamente. Diz ainda que esse distanciamento colabora com oaumento do descrédito e com a falta de motivação dos educadores emrelação a futuras participações.

Segundo o autor, os cursos já mencionados ainda sãoestruturados nos moldes da racionalidade técnica. Ao participar, osindivíduos são imersos durante a maior parte do tempo no mundoteórico-científico. Com tal estruturação, os cursos são concebidos comose, em função do domínio dos conhecimentos ministrados, os alunospudessem futuramente solucionar os problemas do cotidiano escolar.Ou seja, acredita-se que os indivíduos atuarão em momentos oportunos,a partir das informações divulgadas durante a formação, que por elesserão processadas e transformadas em conhecimentos a serem utilizados.

A situação descrita anteriormente possui um forte vínculo comuma outra forma de distanciamento que também interfere e dificulta otrabalho escolar. Trata-se da pouca afinidade entre as pesquisasdesenvolvidas pela academia e as reais necessidades dos professores.

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Isso porque, assim como ocorre com os programas de formação,as investigações realizadas no campo da educação tambémdesconsideram, em sua maioria, os questionamentos e as necessidadesdos educadores. Normalmente, os pesquisadores priorizam assuntosde pouca sintonia com o que realmente acontece nas escolas. Tal atitudereforça a idéia de que a prática é de fato por eles entendida comoambiente propício à aplicação de teorias e necessária ao treino dediferentes métodos científicos, além de ser favorável à ampliação denovos conhecimentos (GÓMEZ, 1997).

Toda essa contradição de interesses gera uma crise nas instituiçõesque formam os professores, causada pelas falhas existentes no modelovigente que age como se todos os problemas pudessem ser solucionadoscom a aplicação de técnicas adequadas, ignorando a abrangênciados acontecimentos e a subjetividade dos indivíduos.

As necessidades da atualidade precisam ser contempladas pelasuniversidades a fim de desenvolver nos indivíduos a capacidade demobilizar diferentes saberes que contribuem com a tomada de decisõesdiante das incertezas da vida (SCHÖN, 2000). Sendo assim, torna-seineficaz fundamentar o modelo de formação na transmissão de métodose técnicas que visem a previsibilidade ou o sucesso a cada problemaenfrentado. Ao contrário, precisamos considerar que os indivíduosinterpretam de formas diferentes as particularidades do dia-a-dia e queestas, por sua vez, necessitam de soluções muitas vezes complexas eimediatas.

Compartilhar com a escola a responsabilidade de formarcontinuamente os professores no próprio ambiente em que trabalham éuma alternativa viável que merece ser apreciada pelos programas deformação. Um trabalho como esse para que seja realizado e obtenharesultados satisfatórios necessita de pelo menos quatro fatores: ocompromisso dos docentes com as possíveis mudanças; a disponibilidadede tempo e de recursos para que o trabalho seja efetivamentedesenvolvido; o fim do desperdício da energia do professor com umaenormidade de atividades burocráticas e o interesse dos dirigentes daprópria escola em inovar.

Huberman (1993) esclarece que ao inovar é importante conheceros diferentes pontos de vista dos indivíduos que trabalham nas escolassem que haja imposições externas de idéias. Ao inovar, a formaçãodeve vislumbrar a estreita relação e o comprometimento que a escolapossui com a sociedade na qual está inserida. Na opinião do autor,proporcionar aos alunos condições para que possam compreender eintervir no mundo do qual fazem parte é uma das funções da escola.

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Um fator que merece consideração quando nos propomos aanalisar o modelo de formação vigente, diz respeito às contradiçõesexistentes entre o modo como são formados os professores e às alteraçõesocorridas no interior das instituições de ensino nos últimos tempos. Emsimples palavras, os docentes não são preparados para enfrentar osconflitos que derivam, especificamente, da redefinição de papéisrelacionada a professores e alunos.

Quer dizer, em outras épocas, cabia ao professor transmitir e aoaluno armazenar os conhecimentos acumulados ao longo dos tempospela humanidade. O trabalho desempenhado pelos docentes erasocialmente valorizado e o modo como ministravam suas aulas erainquestionável. Em síntese, para desempenhar a atividade docente,bastava aos indivíduos dominar os conhecimentos que seriamtransmitidos para que fossem reconhecidos como bons professores(TARDIF, 1991).

Com a divisão e a especialização do trabalho, as escolastrouxeram para o seu interior a mesma fragmentação das fábricas. Odocente passou a ter a responsabilidade de transmitir um conhecimentoque não dominava.

A especificação da área de atuação restringiu o campo de atuaçãodos professores. Houve também a necessidade de ampliar o acesso àescola a um número cada vez maior de estudantes para que a demandado mercado de trabalho seja atendida e para que os sujeitos possamatuar com maior consciência no mundo em que vivem.

Quanto ao professor, uma das exigências refere-se à necessidadede esse profissional atrelar o ensino à sua aplicabilidade. Porém, nemsempre o professor tem a consciência ou a resposta adequada pararesponder ao aluno quais são os verdadeiros motivos que fazem daquelesconteúdos algo realmente significativo para a sua formação.

Diante de um contexto como este, Bolívar (2002) esclarece queos professores vivenciam um período de crise profissional, causadoprincipalmente pela falta de realização na profissão, que gera tambémconflito na realização pessoal desse sujeito. Para o autor, é freqüenteperceber o mal-estar vivido pelos professores. Muitas vezes, esse mal-estar se reflete tanto no desempenho da função como no dia-a-dia,dentro e fora do ambiente de trabalho, devido à íntima relação queexiste entre a paixão que há pela função que exerce e a dedicaçãoexigida daqueles que desempenham este trabalho.

Sem o reconhecimento social e sem a valorização econômica,os docentes acabam vivenciando uma crise de identidade decorrentedas dificuldades acarretadas com o exercício da ocupação profissional

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que possuem. De acordo com Carrolo (1997), todas estas aflições eangústias comprometem a estruturação da identidade do indivíduo que,mesmo possuindo uma formação adequada ao que está realizando,sente-se abalado tanto pelos fatores já mencionados como devido àimagem que os outros fazem dele.

Para que o professor dê conta de atender a tantas exigênciasimpostas pela modernidade, Tardif (1991, p. 227) destaca que osresultados obtidos com as pesquisas da área apontam que “para o (a)sprofessores (a)s, os saberes adquiridos através da experiência profissionalconstituem os fundamentos de sua competência”. O pesquisador sugereainda que os saberes desses professores sejam explanados econfrontados constantemente com os saberes de outros profissionaisda mesma área a fim de legitimá-los.

De fato, sabemos que é exatamente na interação que o professorvai adquirindo confiança e aprimorando sua prática, expondo suasnecessidades, seus anseios, seus acertos e seus erros. Com esse enfoque,os professores deixam de ser apenas executores de atribuições externase passam a ser também considerados formadores.

Esta é uma análise que propõe uma nova forma de ser e de agirdo profissional da educação. Afinal, a pessoa responsável pela construçãode novos conhecimentos será a mesma que possui o saber da experiênciainquestionavelmente atribuído ao professor. Assim sendo, será construídoum novo delineamento dentro das instituições de ensino que favoreceráa criação de diferentes condições para que a ciência e a docênciacaminhem juntas. Além disso, ao proporcionar aos docentes aoportunidade de estruturar uma prática diferenciada é importante valorizare suscitar “a aquisição de competências para ensinar. Competênciasestas que compreendem, então, conhecimento, habilidades, atitudes epensamento estratégico” (BOLÍVAR, 2002 p. 17).

Vale lembrar que, apesar da origem do conceito de competênciaser algo pertencente ao mundo do trabalho e posteriormente utilizadona educação, ele é bastante apropriado por exprimir com clareza oque se pretende em relação ao ato de educar. No entanto, seja emuma ou em outra situação, para que um currículo seja desenvolvidocom essa perspectiva, diversos saberes precisam ser mobilizados natentativa de assegurar ao aluno condições para que os saberestrabalhados criativamente nas escolas favoreçam a passagem doconhecimento alternativo para o científico e contribuam com acompreensão do mundo em que vivemos (MOREIRA, 1999) e nãoapenas a transmissão de alguns conceitos estabelecidos pelo professorcomo prioridades.

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Considerações finaisAcreditamos que as exigências da atualidade contribuíram com

a redefinição de papéis que hoje se fazem presente em nossas escolase favoreceram a elaboração de materiais que buscam explicar os conflitosexistentes no âmbito escolar sobre a formação do professor. Entretanto,sabemos que os materiais produzidos pela academia pouco têmcontribuído com a realização do trabalho escolar (ROLDÃO, 1999). Aprática docente, de modo geral, ainda é influenciada por suposiçõesdo senso-comum e executada com base em determinações externas.

Em contrapartida, advertimos que esse quadro pode ser superadocom a contribuição dos cursos de formação que, na sua execução,podem ampliar nos alunos o desenvolvimento da capacidade de refletircriticamente a propósito do trabalho que realizam em consonânciacom a real compreensão da sociedade da qual fazem parte.

A esse respeito, Pimenta (1999) propõe que seja elaborada aepistemologia da prática, na qual esta seja registrada, refletida,sistematizada e relacionada às diferentes teorias. Com essa ótica, oprofessor gradativamente deixará de ser compreendido como um meroexecutor de tarefas e passará a ser concebido como um intelectual, umcrítico, um investigador. A pesquisadora acrescenta que a formação éo cenário adequado para que as particularidades relacionadas ao serprofessor e suas implicações sejam abordadas de forma ética. Para queisso ocorra é importante que,discussões mais relevantes relacionadas,por exemplo, ao compromisso que temos com a busca de alternativasque favoreçam a constituição de uma educação mais adequada àformação dos cidadãos e menos comprometida com o preparo dosjovens para o mercado de trabalho façam parte desse ambiente.

Esse preparo deve estar implícito no ato de educar, já que, aoformar o cidadão, forma-se o indivíduo em sua totalidade (PERRENOUD,2000). No entanto, uma prática como essa exige dos cursos que formamprofessores um trabalho sério que discuta a necessidade de osprofissionais administrarem continuamente a sua profissão. E, alémdisso, esses cursos devem basear-se em reflexões críticas e éticas dosenvolvidos no que se refere à sua prática que deve ser comprometidacom a valorização da profissão sem a presença de corporativismos,chavões ou modismos, pois entendemos que a formação de professoresé parte essencial do esforço necessário que deve ser empreendido noque se refere à superação da atual situação em que se encontra aeducação.

Data de recebimento: 06/12/2004Data de aceite para publicação: 17/01/2005

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O ATENEU: A ORGANIZAÇÃO DOTRABALHO PEDAGÓGICO

Sonia Maria Vieira Negrão

RESUMO: O presente estudo faz a análise da organização pedagógica que seencontra representada no romance O Ateneu de Raul Pompéia, tencionamosperceber as contradições e as determinações sociais aludidas pelo romancista,a fim de provocar reflexões sobre uma prática pedagógica alternativa para oensino superior a partir de dois pontos: a) salientar os pressupostos queembasam a proposta pedagógica; b) relacionar a metodologia do professor àposição assumida diante de sua compreensão e explicação do contexto social.Nesse texto analisamos o contexto sócio-histórico-cultural por meio de umaexperiência apresentada pelo texto literário e os elementos pedagógicos daspráticas ali representadas, tais como: a organização do trabalho, a concepçãode ensino, de aprendizagem, de currículo e de conhecimento escolar, de relaçãopedagógica, de metodologia, avaliação e de profissão docente. No O Ateneu,a instituição escolar incorporou a divisão social do trabalho, a fragmentação,o controle burocrático da sociedade capitalista. No entanto, acreditamos quea organização do trabalho pedagógico pode propiciar o rompimento comessa realidade, quando assentada em princípios socializantes e democráticos.Nesse sentido, a opção do professor deve ser quanto ao tipo de organizaçãode sociedade que ele pretende participar da construção e, como decorrêncianecessária, ajudar na elaboração de um projeto pedagógico que vá contribuirna construção do tipo de sociedade pretendida. Com esse entendimento, ametodologia pode possibilitar a construção de novas formas do trabalhopedagógico em suas conexões com a organização social. No processo ensino-aprendizagem professores e alunos devem ser agentes críticos que interajamde forma a favorecer a produção do conhecimento alicerçada no diálogopropiciando a autonomia, independência e criatividade.

PALAVRAS-CHAVE: formação de professor; literatura; prática pedagógica;ensino superior; organização do trabalho escolar.

ABSTRACT: The present study analyzes the school organization represented inthe novel named O Ateneu, by Raul Pompéia. We aim at perceiving thecontradictions and the social determinations, mentioned by the novelist, withthe purpose of provoking reflections on the alternative school organization forthe university education from two points: a) to make evident the purposes onwhich the pedagogical proposal is based; b) to establish relations between theteachers’ methodology and the position assumed according to theirunderstanding and explanation of the social context. In this paper we analyze

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the social-historical-cultural context based on an experience showed by theliterary text, and the practice pedagogical elements it represents as well, suchas: the work organization, the teaching, learning, curriculum, and schoolknowledge conceptions, as well as the pedagogical relationship, methodology,evaluation, and teachers’ profession. In O Ateneu the school institutionincorporated the work social division, the fragmentation, the bureaucratic controlof the capitalist society. However, we believe that the pedagogical workorganization can propitiate the rupture with this reality, when based on socializingand democratic principles. In this sense, the teachers option must be related tothe kind of society organization of whose construction they intend to participateand, as a necessary consequence, to help in the elaboration of a pedagogicalproject that can contribute to the construction of a desired society. Therefore,the methodology can make the construction of new ways of pedagogical workpossible, in connection with the social organization. Considering the teaching-learning process, teachers and students must be critical agents who interact inthe sense of favoring the knowledge production based on the dialogue,propitiating autonomy, independence, and creativity.

KEY-WORDS: teacher’s formation; literature; practice pedagogical; universityeducation; school work organization.

No presente texto procuro fazer a análise da organizaçãopedagógica que se encontra representada no romance O Ateneu, deRaul Pompéia, onde destaco as contradições e as determinações sociaisque em que o Ateneu está contextualizado, a fim de provocar reflexõessobre uma prática pedagógica alternativa para o ensino superior apartir de dois pontos: a) salientar os pressupostos que embasam aproposta pedagógica aludidas no romance; b) relacionar a metodologiado professor à posição assumida diante de sua compreensão eexplicação do contexto social.

Como primeiras palavras quero dizer que tenho vivido algumasexperiências em que busco garantir a unidade teórico-prática de meutrabalho pedagógico. No entanto, percebo que, ora separo teoria eprática, ora acontece justaposição ou o predomínio de uma sobre aoutra, o que pode gerar no meu grupo de alunos a valorização, de umlado, da posição idealista, ou seja, do discurso de falar sobre, ficandoa prática relegada a segundo plano e, de outro, a ênfase da prática,que viabiliza o pragmatismo e o utilitarismo. Tentando avançarmetodologicamente, procuro exercitar uma abordagem relacional.

Segundo Veiga, o processo de ensino precisa ser consideradocomo um todo, como um fluxo composto de elementos inter-

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relacionados. “Esta visão relacional considera o processo de ensinocomo um processo em movimento. A estrutura relacional é alicerçadano diálogo, na troca de conhecimentos. Ela propicia a passagem dasubordinação à autonomia, da dependência à independência, daimitação à criatividade” (1993, p. 82). Veiga também diz que naabordagem relacional é preciso trabalhar o processo de ensino a partirda “análise e compreensão das condições, interesses e necessidadesda sociedade e da educação. Portanto, o ensino não pode ser entendidoisolado do contexto mais amplo que o engloba” (ibid., p. 84).

Na abordagem relacional, a metodologia e a organização dotrabalho docente não significam a adoção de uma nova técnica deensino, mas implica uma nova postura por parte de professores e alunos.Nesse sentido, “tanto professores como alunos deixam de ser sujeitospassivos e se transformam em sujeitos ativos capazes de propor açõescoerentes que propiciem a superação das dificuldades detectadas naorganização do trabalho” (Veiga, 2002, p. 139).

Assim sendo, procuro efetivar em sala de aula a análise críticada organização do trabalho pedagógico vivenciada pelos sujeitos daação educativa (alunos e professora), iniciando pela reconstrução doperfil do grupo, incluindo a expressão que envolve fatos, conceitos,valores, sentimentos e expectativas e a problematização que evidenciamas posições dos participantes a respeito das questões que envolvem aorganização do trabalho vivenciada e não-vivenciada e que precisamser resolvidas, o que permite captar a direção do que acontece dentroda instituição escolar, sem desvinculá-la do contexto social mais amplo.Uma boa forma de estruturar a análise crítica da concepção do trabalhonão vivida é a apreendida por meio de textos literários.

Em uma interessante conferência, Richard Rorty (1993) imaginao nosso mundo sem o Ocidente que teria desaparecido vitimado poruma catástrofe nuclear. Nesse quadro, o pouco que havia resultado dacultura ocidental teria sido o que africanos e asiáticos tinham em seupoder. E se, por algum motivo, eles não tivessem guardado obras defilósofos, mas só de escritores, de novelistas como Dickens, por exemplo,Rorty diz que se daria por satisfeito. Para ele, a redescrição literária(que é pessoal, social, política e cultural ao mesmo tempo) diz maissobre uma sociedade do que muitos tratados científicos, filosóficos,políticos e sociológicos. Na perspectiva rortyana, quando podemosredescrever o mundo e a nós mesmos, não estamos fazendo algo que,como se diz tradicionalmente, não muda nada, mas fazendo exatamentealgo pelo qual as coisas mudam. O cultivo de múltiplas narrativas, ao

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contrário da visão teórica que adota uma só descrição, proporciona-nos a possibilidade de fazermos história, de alterarmos as coisas.

Compartilho do entendimento que os textos literários podem nosdizer muito sobre a sociedade e o momento histórico em que a produçãotextual está localizada. Assim apresento uma análise da organizaçãopedagógica que se encontra representada no romance O Ateneu, deRaul Pompéia (1888), tendo como ponto de partida o entendimento deque a organização do trabalho pedagógico é produto da forma comoa sociedade organiza o trabalho em geral. O trabalho pedagógico éproduto de tais relações, o que significa que a instituição escolarincorporou a divisão social do trabalho, a fragmentação, o controleburocrático, com desvinculação entre teoria e prática, conteúdo e forma,ensino e pesquisa, professor e aluno.

Então, convido-o, leitor, para adentrar comigo em O Ateneu.Em primeiro lugar, devemos lembrar que a obra é memorialista. Seunarrador, Sérgio, apresenta suas memórias de infância e adolescênciaem um colégio interno chamado Ateneu. Além disso, não devemosesquecer de que Sérgio é o alter-ego, ou seja, um outro “eu” de RaulPompéia. Em outras palavras, o narrador recebe a personalidade etambém as memórias do autor, já que este também estudou em uminternato, o Colégio Abílio, do Rio de Janeiro, fundado por Abílio CésarBorges, Barão de Macaúbas, estabelecimento modelo, considerado semrival na Europa

1. Em 1873, o menino Raul Pompéia, na época com

10 anos, é matriculado por seu pai nesse colégio, que, junto com oImperial Colégio D. Pedro II, era o local onde a burguesia brasileiramandava seus filhos quando lhes queriam dar uma educação coerentecom a posição social. O advogado Antônio d’Àvila Pompéia descendiade uma família latifundiária mineira e sonhava para seu único filho umlugar de relevo na sociedade.

De modo geral, durante o Período Imperial (1822-1889), asociedade brasileira fundava-se em uma economia agroexportadora elatifundiária que, uma vez abolida a escravidão, passaria a se valerpredominantemente do trabalho semi-servil. Assim sendo, as suas camadasmédias eram constituídas basicamente por indivíduos desligados daatividade produtiva para os quais a escolaridade era, em grande parte,responsável pela posição social (XAVIER, 1994, p. 66).

1 Revista do Instituto Geographico e Histórico da Bahia – 1925- 1º semestre nº 50. Número especialdedicado ao barão de Macahubas. Disponível em <www.medicina.ufba.br/historia_med/hist_med_art09.htm>, acessado em 30/04/04.

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A instrução elementar permaneceria, para as camadas maisprivilegiadas da população brasileira, como uma tarefa própria dafamília. Esta procurava realizá-la na melhor tradição senhorial, pormeio de preceptores (XAVIER, 1994, p. 74). Assim estudara, até aos dezanos, Raul Pompéia.

Sérgio revive essa experiência:

Eu tinha onze anos. Freqüentara como externo,durante alguns meses, uma escola familiar doCaminho Novo, onde algumas senhoras inglesas,sob a direção do pai, distribuíam educação àinfância como melhor lhes parecia. Entrava às novehoras, timidamente, ignorando as lições commaior regularidade, e bocejava até as duas. [...]Ao meio dia, davam-nos pão com manteiga. [...]Lecionou-me depois um professor em domicílio.Apesar deste ensaio da vida escolar a que mesujeitou a família, antes da verdadeira provação,eu estava virgem para as sensações novas da novafase. O internato”! [...] “Vais encontrar o mundo”,disse-me meu pai, à porta do Ateneu. “Coragempara a luta”. Bastante experimentei depois a verdadedeste aviso, que me despia, num gesto, das ilusõesde criança educada exoticamente na estufa decarinho que é o regime do amor doméstico; diferentedo que se encontra fora, tão diferente, que pareceo poema dos cuidados maternos um artifíciosentimental, com a imagem única de fazer sensívela criatura à impressão rude do primeiroensinamento, têmpera brusca da vitalidade nainfluência de um novo clima rigoroso (POMPÉIA,2003, p.7-8).

Em O Ateneu não há o relato exato e documental de fatos dopassado. Raul Pompéia encaminha-se inúmeras vezes para a fixaçãode um momento, de um clima, de uma atmosfera perdida no passado.Ao invés de contar uma história, preocupa-se em relatar uma seqüênciade impressões, sensações subjetivas que marcaram o narrador a pontode atravessar o tempo e serem os elementos mais nítidos de sua memória.

O romance mostra um poder de crítica bastante eficaz e tudo deforma criativa, pois se faz por meio de um jogo entre o microcosmo(escola) e o macrocosmo (sociedade). Ou seja, a escola é um reflexoda sociedade, bastando para o autor, portanto, para criticá-la, apenasdescrever as relações que se estabelecem naquele local.

O ataque mais chamativo se dá em relação ao sistemaeducacional, representado pela figura do Dr. Aristarco, diretor e dono

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do colégio. Além de ele se mostrar alguém bastante vaidoso, egocêntrico,autoritário e dotado de uma linguagem altissonante e de elevada retórica(já que a moralidade e a firmeza de caráter que anuncia em sua escolade fato não se realizam), chama a atenção a confusão que ele estabeleceao não diferenciar a escola de uma empresa.

Magistral é o primeiro capítulo onde se realiza essa crítica. Vê-se um narrador que, abusando da ironia, apresenta Aristarcopreocupado em pintar o colégio como um negociante preocupado comas aparências de seu estabelecimento comercial. Não é à toa que ovocabulário usado nesses trechos é típico de estabelecimentoscomerciais.

O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecidafamília do Visconde de Ramos, do norte, enchia oimpério com seu renome de pedagogo. Eramboletins de propaganda pelas províncias,conferências em diversos pontos da cidade, apedidos, à sustância, atochando a imprensa doslugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares,[...] inundando as escolas públicas de toda a partecom a sua invasão de capas azuis, róseas,amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro esonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dosesfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Oslugares que os não procuravam eram um diasurpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea,irresistível! E não havia senão aceitar a farinhadaquela marca para o pão do espírito (POMPÉIA,2003, p. 9).

O tratamento dado aos alunos difere-se, muitas vezes,influenciado pelo poder econômico que cada um possui.

Afinal, o dia chegou dos exames primários. Provasde formalidade para as transições do cursoelementar: primeira aula, para a segunda, segundapara a terceira, terceira para o ensino secundário.Levavam-se assentos e mesas para o salão dooratório, vestido o altar de um reposteiro, erepotreava-se a comissão solene, da qual faziamparte personagens da Instrução Pública, com odiretor e os professores. Aristarco representava, namesa, o voto pensado do guarda-livros. Contasjustas: aprovação com louvor, cambiando às vezespara distinção simples; atraso de trimestre,aprovação plena com risco de simplificação; atrasode semestre, reprovado. Havia no Ateneu,fora desta

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regra, alunos gratuitos, dóceis criaturas, escolhidosa dedo para o papel de complemento objetivo decaridade, tímidos como se os abatesse o peso dobenefício; com todos os deveres, nenhum direito,nem mesmo o de não prestar para nada. Emretorno, os professores tinham obrigação de os fazerbrilhar, porque caridade que não brilha é caridadeem pura perda (POMPÉIA, 2003, p.109).

Além disso, avassaladora é a descrição do diretor dedicandoparte do dia ao livro de contabilidade da escola. O vocabulário pomposoe retumbante vai-se opor à decadência que grassa na escola, o quereforça a hipocrisia dominante não só no colégio, mas na sociedade,em que o ideal defendido mostra-se gritantemente diferente do realpraticado.

Aristarco, que consagrava todas as manhãs aogoverno financeiro do colégio, conferia, analisavaos assentamentos do guarda-livros. De momentoa momento entravam alunos. Algunsacompanhados. A cada entrada, o di retorlentamente fechava o livro, marcando a páginacom um alfanje de marfim; fazia girar a cadeira esoltava interjeições de acolhimento, [...] O rapazdesaparecia, levando o sorriso pálido na face,saudoso da vadiação ditosa das férias. O pai, ocorrespondente, o portador despedia-se [...] Acadeira girava de novo para a posição primitiva; olivro da escrituração espalmava outra vez as páginasenormes; e a figura paternal do educadordesmanchava-se, volvendo a simplificar-se naesperteza atenta e seca do gerente. [...] nenhumesforço lhe custava a manobra. [...] eram comoduas almas inconhas num só corpo. [...] suadiplomacia dividia-se por escaninhos numerados,segundo a categoria de recepção que queriadispensar. Ele tinha maneiras de todos os graus,segundo a condição social da pessoa. As simpatiasverdadeiras eram raras. No âmago de cada sorriso,morava-lhe um segredo de frieza que se percebiabem. E duramente se marcavam dist inçõespolí ticas, dis tinções financei ras, dis tinçõesbaseadas na crônica escolar do discípulo, baseadasna razão discreta das notas do guarda-livros. Àsvezes, uma criança sentia alfinetadas no jeito damão a beijar. Saía indagando consigo o motivodaqui lo, que não achava em suas contasescolares... O pai estava dois trimestres atrasado.Por diversas causas a minha recepção devia ser

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das melhores. Efetivamente; Aristarco levantou-seao nosso encontro e nos conduziu à sala especialdas visitas. Saiu depois a mostrar o estabelecimento,as coleções, em armários, dos objetos próprios parafacilitar o ensino” (POMPÉIA, 2003, p. 20-21).

Mas não se pode comparar ao pé da letra o Ateneu com oColégio Abílio. Na vida de Raul Pompéia, o diretor Abílio César Borgesgozou de uma lembrança bem contrária àquele ódio que Aristarcodespertava em Sérgio, narrador e protagonista. Em 1891, quandomorreu o famoso Barão de Macaúbas, Pompéia dedicou-lhe verdadeirahomenagem (FLORIDO, 2003, p. 725). Essa pode ser uma leitura dosfatos, outra bem pode ser que, Pompéia, por ocasião da morte deBorges, três anos após a publicação de O Ateneu, quis amenizar aspossíveis comparações que, com certeza, rondavam a sociedade doRio de Janeiro.

Do século XIX procedem os sistemas nacionais de educação e asgrandes leis da instrução pública de todos os países europeus eamericanos. Todos levam a escola primária aos últimos confins de seusterritórios, fazendo-a universal, gratuita, obrigatória e, na maior parte,leiga ou extraconfessional.

Luzuriaga diz que:

a educação pública, no grau elementar, ficafirmemente estabelecida, com o acréscimo de doisnovos elementos: as escolas da primeira infância eas escolas normais para preparação do magistério.No que tange a educação secundária, tambémfica fundada, nas linhas gerais, sem alcançar,contudo, o desenvolvimento da primária, porlimitar-se a uma só classe social, a burguesia, epor ser considerada apenas como preparação àUniversidade (1987, p. 180).

O setor educacional brasileiro, segundo Cotrim,

Durante o primeiro reinado, a regência e o segundoreinado, conheceu pouca evolução em termossubstanciais. É digna de nota a criação, em 1827,dos cursos de direito em São Paulo e Olinda e docurso secundário do Colégio Pedro II, que se tornouum padrão a ser seguido pelas outras escolas domesmo nível. Mas a qualidade geral do ensinopermaneceu inalterada, em relação ao períodoanterior a independência. Era uma educação defachada, ornamental, acadêmica, desvinculada

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da realidade social. A instrução era apenas umaforma de demonstração de status, servindo, quandomuito, para auxiliar a ascensão do indivíduo aoexercício da atividade política. Falava-se muitoem educação, arqui tetava-se l indos planosreformadores, mas tudo não ia além do papel,jamais alcançando o estágio da efetivação prática(1982, p. 266-267).

A descentralização da administração pública no país durante operíodo das Regências, gerada pelo Ato Adicional Diogo de Feijó (1834),acabou resultando no que diz respeito ao sistema de instrução, natransferência da competência relativa às Escolas de Primeiras Letraspara os governos provinciais. Considerando a penúria em que seencontrava grande parte das províncias, para as camadas popularesresultou a consumação do caráter crônico da precariedade da ofertade escolas elementares.

Para Ribeiro, “neste período onde a regra foi o superáviteconômico, a educação não contou com verbas suficientes quepossibilitassem, ao final do século XIX, um atendimento pelo menoselementar da população em idade escolar” (1979, p. 59). Issodemonstra que para a monarquia brasileira nem a instrução primáriatornou-se necessária para toda a população. E, em contraposição,houve a proliferação do ensino secundário particular.

O sistema de ensino de elite no Brasil se constituiu desde o iníciodo Primeiro Reinado (1822-1831). Isso se operou por meio daimplantação de cursos superiores, predominantemente estatais, dado ocaráter oneroso da sua instalação e do seu funcionamento, e de cursospreparatórios oficiais e particulares. Estes últimos geralmenteconfessionais. Segundo Xavier et al., “até meados da década de 30 doséculo XIX, a formação secundária, salvo o que ocorria nos semináriose nos colégios religiosos, era ministrada por meio de aulas avulsas, talcomo se implantara desde a expulsão dos jesuítas. A partir de então,apareceram os primeiros currículos seriados nas províncias, logouniformizados pelo modelo que viria a se constituir com a criação doColégio D. Pedro II em 1837, e inaugurado em 1838 no Rio de Janeiro”(1994, p. 73).

Para Ribeiro (1979), o ensino secundário brasileiro não conseguiaconciliar o preparo para o curso superior com uma formação humanaa nível médio, mesmo atendendo a reduzido número de alunos. Ascondições concretas do meio determinavam sua única função, o preparopara o ensino superior.

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A solução dos problemas escolares era buscada nas teorias dosmodelos escolares estrangeiros, principalmente nos liceus franceses quebuscavam uma conciliação entre formação literária e científica. OColégio D. Pedro II é um exemplo significativo, já que foi propostocomo modelo que deveria ser imitado (RIBEIRO, 1979, p. 60).

Embora Sérgio freqüentasse o ciclo fundamental, hojedenominado a segunda fase do Ensino Fundamental, em algunsmomentos, o leitor pode observar essa preocupação no Ateneu, comonos exemplos:

Aristarco iniciara um curso noturno de cosmografia.Estrelas eram com ele. O nobre ensino! Nenhumprofessor, sob pena de expulsão, abalançava-se aintrometer-se nas onze varas da camisola deastrólogo. E vissem-no, à janela, indicando asconstelações, impelindo-as através da noite como pontudo dedo! Nós, discípulos, não víamosnada; mas admirávamos. Bastava ele delinearsabiamente um agrupamento estelino às alturas,para cada um de nós por seu lado ficar mais aquo. E voava, fugindo, a poeira fosforescente.Quanto a mim, o que sobretudo me maravilhavaera a coragem com que Aristarco fisgava os astros,quando todos sabem que apontar estrelas faz criarverrugas (POMPÉIA, 2003, p.44).

O Dr Cláudio encetou uma série de preleções aossábados, à imitação das que fazia às quintasAristarco, sobre lugares comuns de moralidade.Filosofia, ciência, literatura, economia, política,pedagogia, biografia, até mesmo política e higiene,tudo era assunto; interessantíssimas sem pesadasminuciosidades. Depois da astronomia do diretor,nenhuma curiosidade me valera tão bons minutosde atenção. Narrava-se a vida. As festas plutonianasdo movimento, da ignição; a gênese das rochas,fecundidade infernal do incêndio primitivo, dogranito, do pórfiro, primogênitos do fogo; o grandesono milenário dos sedimentos, perturbado deconvulsões titânicas [...] (POMPÉIA, 2003, p. 147).

Aqui, caro leitor, podemos inferir que a realidade é algo a sertransmitida ao indivíduo, principalmente pelo processo de educaçãoformal. O aluno irá apossando-se gradativamente de uma compreensãocada vez mais sofisticada do mundo à medida que se encontra commodelos, ideais, aquisições científicas, raciocínios, demonstrações eteorias elaboradas ao longo dos séculos. O mundo, a vida, a ciência,

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enfim, o conhecimento visto dessa forma parece ‘curiosidades’, comotão bem Sérgio definiu.

No entanto, trata-se de um tipo de abordagem pedagógica queinclui tendências e manifestações diversas oriundas de uma concepçãoque persiste no tempo denominada por alguns autores (SNYDERS, 1974;SAVIANI, 1987 e outros) como tradicional. No ensino tradicional, dá-se ênfase aos modelos em todas as áreas do saber. Privilegiam-se oespecialista, os modelos e o professor, elemento imprescindível natransmissão de conteúdos. Na escola tradicional, o homem, no iníciode sua vida, é considerado uma espécie de tabula rasa, na qual sãoimpressas, progressivamente, imagens e informações fornecidas peloambiente. Isso, diz-nos Mizukami, “quer considere o ensino verbalistapredominantemente na Idade Média e Renascença, quer se considereo ensino defendido nos séculos XVIII e XIX, baseado numa psicologiasensual-empirista, a ênfase é dada no externo” (1986, p. 9). Vejamoscomo era no Ateneu:

A criação do Grêmio Literário Amor ao Saber; “duasvezes ao mês congregavam-se os amigos das letras,numa das salas de cima, a mesma das liçõesastronômicas de Aristarco. Havia ainda para iluminaras sessões pedaços de matéria cósmica pelos cantos,[...] As suas reuniões comparecia eu timidamente,para nada mais que simplesmente abusar, porexcessivo consumo, de um direito dos estatutos:podiam todos do Ateneu, em silêncio humilde,mariscar o que fossem deixando os segadores dotrigal das literaturas (POMPÉIA, p. 78).

A maior utilidade do Grêmio para mim era abiblioteca. Uma coleção de quinhentos a seiscentosvolumes de variado texto, zelados pela vigilânciacerberesca do Bento Alves, bibliotecário, eleito devoto unânime (POMPÉIA, 2003, p. 81).

Debatia-se este problema, dos inesgotáveis dasagremiações congêneres. Quem foi maior,Alexandre ou César?, indagação histórica difícilevidentemente de levar a cabo sem auxílio da trena.Nearco (colega de Sérgio) arranjou a coisa a olhoe distinguiu-se com a esperada galhardia. Faloudurante hora e meia com uma fluência que lheangariava para sempre o epíteto de facundo.Justapôs com o primor de um varejista de fazendas– César sobre Alexandre. César protestou contra amaneira, de barriga para o ar, que nada tinha de

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artística; além disso espetava-o a armadura deAlexandre. Aquilo faria rir a Pompeu no armáriodas legendas e a maledicência do senado,comprometendo-se a seriedade secular do homemque foi, viu e venceu.. . Nearco manteve-oinexoravelmente durante o percurso do paralelocrítico. César não podia contar com os legionáriosdo bom tempo; ali esteve a fazer caretas na sujeiçãoinerme, anima vilis dos documentos de Alexandre,que afora o capacete, via-se ainda maiorzinhoque o outro, teve mais paciência, deixando-se mediraté à peroração, com a boa vontade de um defunto.Venceu com efeito. Nearco proclamou-o magnodos magnos, diversas polegadas maior que otemerário do Rubicon. O Grêmio esclarecidorejubilou. A discussão encerrou-se, não havendomais quem falasse. Também havia cinco sessõesque eram os pobres guerreiros tratados a metro. Pores te memorável dia arvorou-se Nearco emnotabilidade firmada. Esqueceram todos que elefora matriculado sob quase compromisso de nãodar um passo que não fosse um salto mortal, [..]Ficou em olvido a estréia acrobática. O GrêmioAmor ao Saber tomou-o a si, em posse exclusiva,como um orgulho (POMPÉIA, 2003, p. 79).

Não faltavam, entretanto, poetas, jornalistas,polemistas, romancistas, críticos, folhetinistas. Asociedade tinha o seu órgão, o Grêmio Amor aoSaber impresso no Lombaerts, de que podiam sercanudos à vontade os sócios quites e ainda, pormaior riqueza de harmonias, os honorários. Entreos honorários figurava Aristarco... (POMPÉIA,2003, p.79).

Esses e outros trechos de O Ateneu revelam uma formaçãoacadêmica, humanística e retórica. Como a educação média desseperíodo era meramente propedêutica, é de se entender que os níveis deensino precedentes valorizassem conhecimentos que iniciassem o preparopara o ensino superior.

Segundo Romanelli:

pode-se ajuizar do quanto a educação foiminimizada, a ponto de transformar-se em merailustração e preparação para o exercício de funções,nas quais a retórica tem papel mais importante doque a criatividade. Tais funções eram exercidas poraqueles que praticavam o jornalismo e a política,razão pela qual as camadas em ascensão ou as

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camadas dirigentes revelaram preferência especialpelas Faculdades de Direito. A cultura transmitidapela escola ‘guardava pois, o timbre aristocrático’.E o guardava em função das ‘exatas necessidadesda sociedade escravis ta’. Enquanto nãopredominavam nessa sociedade relações de teorcapitalista, nenhuma contradição de caráterexcludente pôde ocorrer entre as camadas queprocuravam a educação: a aristocracia rural e osestratos médios (1982, p. 41).

A atuação da escola brasileira no século XIX consiste napreparação intelectual e moral dos alunos para assumir sua posiçãona sociedade. O compromisso da escola é com a cultura, os problemassociais pertencem à sociedade. O caminho cultural em direção aosaber é o mesmo para todos os alunos, desde que se esforcem. Assim,os menos capazes devem lutar para superar suas dificuldades econquistar seu lugar junto aos mais capazes.

Os conteúdos de ensino são os conhecimentos e valores sociaisacumulados pelas gerações anteriores e repassados ao aluno comoverdades. As matérias de estudo visam preparar o aluno para a vida,são determinadas pela sociedade e ordenadas na legislação. Osconteúdos são separados da experiência do aluno e das realidadessociais, valendo pelo valor intelectual.

Como o ensino é caracterizado pela transmissão do patrimôniocultural, pela confrontação de modelos e raciocínios elaborados, acorrespondente metodologia se baseia freqüentemente na aula expositivae nas demonstrações do professor à classe.

Essa forma de ensino pode ser caracterizada, nos diz Mizukami,

pelo método maiêutico, “cujo aspecto básico é oprofessor dirigir a classe a um resultado desejado,por meio de uma série de perguntas querepresentam, por sua vez, passos para se chegar aoobjetivo proposto. [...] Para que o professor possautilizar tal método, a matéria a ser aprendida deveráser dividida em vários elementos. A cada elementocorrespondem perguntas às quais o aluno deveráresponder. Fica visível, em sala de aula, uma trocaverbal intensa entre professor e alunos, em termosdas perguntas do primeiro e das respostas dossegundos, até que o resultado proposto sejaatingido. Como os alunos chegam a esse resultado,infere-se que tenham compreendido o conjuntorelacionado de idéias tal como foi proposto (1986,p. 16-17).

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A ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulasna memorização, visa disciplinar a mente e formar hábitos. Vejamoscomo Sérgio convivia com o dia-a-dia da escola:

No Ateneu formávamos a dois para tudo. Para osexercícios ginásticos, para a entrada na capela, norefeitório, nas aulas, para a saudação ao anjo daguarda, ao meio-dia, para distribuição do pãoseco depois do canto. Por amor da regularidadeda organização militar, repartiam-se as trêscentenas de alunos em grupos de trinta, sob odireto comando de um decurião ou vigilante(POMPÉIA, 2003, p. 34).

Eu não estudava [...] Mantinha-me em satisfatóriamédia, mas o risco da decadência era constante.O método constituía o pior obstáculo; sem auxíliode alguém, mais prático, estava perdido. Sancheshavia sem dúvida de valer-me com sua capacidadede grande estudante.[...] Entrei pela geografia comoem casa minha. As anfractuosidades marginaisdos continentes desfaziam-me nas cartas, por maiorbrevidade de meu trabalho; os rios dispensavamdetalhes complicados dos meandros e afluíam-me para a memória, abandonando o pendornatural das vertentes; as cordilheiras, imensa tropade amestrados elefantes, arranjavam-se em sistemasde orografia facílima, reduzia-se o número decidades principais do mundo, sumindo-se no chão,para que eu não tivesse de decorar tanto nome;arredondava-se a cota das populações, perdendoas f rações importunas, com prejuízo dosrecenseamentos e maior gravame dos úterosnacionais; uma mnemônica feliz ensinava-me aenumeração dos Estados e das províncias. Graçasà destreza de Sanches, não havia incidente estudadoda superfície terrestre que se me não colasse aocérebro como se fosse minha cabeça, por dentro, oque é por fora a esfera do mundo (POMPÉIA,2003, p. 36-37).

Para Luckesi, a idéia de que o ensino consiste em repassar osconhecimentos para o espírito da criança é acompanhada de outra,

a de que a capacidade de assimilação da criançaé idêntica à do adulto, apenas menos desenvolvida.Os programas, então, devem ser dados numaprogressão lógica, estabelecida pelo adulto, semlevar em conta as características próprias de cada

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idade. A aprendizagem, assim, é receptiva emecânica, para o que se recorre freqüentemente àcoação. A retenção do material ensinado égarantida pela repetição de exercícios sistemáticose recapitulação da matéria (1990, p. 57).

Assim, a transferência da aprendizagem depende do treino; éindispensável a retenção, a fim de que o aluno possa responder àssituações novas de forma semelhante às respostas dadas em situaçõesanteriores. Nesse entendimento, a avaliação se dá por verificações decurto prazo, como interrogatórios orais, exercícios de casa e de prazomais longo, como provas escritas e trabalhos de casa. O esforço é, emgeral, negativo por meio de punição, notas baixas, apelo aos pais; àsvezes é positivo, por meio de emulação e classificações.

Vejamos como Sérgio relata suas experiências:

Entretinha-me a espiar os companheiros, quandoo professor pronunciou meu nome. Fiquei tãopálido que Mânlio sorriu e perguntou-me, brando,se queria ir à pedra. Precisava examinar-me. De pévexadíssimo, senti brumar-se-me a vista, numafumaça de vertigem. [...] Respirei no ambienteadverso da maldi ta hora, perfumado pelaemanação acre das resinas do arvoredo próximo,uma conspiração contra mim da aula inteira [...]Cambaleei até à pedra. O professor interrogou-me; não sei se respondi. Apossou-se-me do espíritoum pavor estranho. Acovardou-me o terror supremodas exibições, imaginando em roda a ironia máde todos aqueles rostos desconhecidos. Amparei-me ‘a tábua negra, para não cair; fugia-me o soloaos pés, com a noção do momento; envolveu-mea escuridão dos desmaios, vergonha eterna!Liquidando-me a última energia... pela melhordas maneiras piores de liquidar-se uma energia..Do que se passou depois, não tenho idéia(POMPÉIA, 2003, p. 25).

A didática tradicional poderia ser resumida em ‘dar a lição’ eem ‘tomar a lição’. São reprimidos os elementos da vida emocional ouafetiva por se julgarem impeditivos de uma boa e útil direção do trabalhode ensino.

Quanto aos castigos:

A mais terrível das instituições do Ateneu [...] Era olivro das notas. Todas as manhãs, infalivelmente,perante o colégio em peso, congregado para o

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primeiro almoço, às oito horas, o diretor apareciaa uma porta, com a solenidade tarda dasaparições, e abria o memorial das partes. Um livrode lembranças comprido e grosso, capa de couro,rótulo vermelho na capa, ângulos do mesmosangue. Na véspera cada professor, na ordem dohorário, deixava ali a observação relativa àdiligência dos seus discípulos. Era o nossojornalismo. Do livro aberto como as sombras dascaixas encantadas dos contos de maravilha, nascia,surgia, avultava, impunha-se a opinião do Ateneu.Rainha caprichosa e incerta, tiranizava essa opiniãosem corretivo como os tribunais supremos. Otemível noticiário, redigido ao sabor da justiçasuspeita de professores, muitas vezes despedidospor violentos, ignorantes, odiosos, imorais, erigia-se em censura irremissível de reputações. Ojulgador podia ser posto fora por uma evidenciaçãoconcludente dos seus defeitos; a difamaçãoestampada era irrevogável. E o pior é que lavravao contágio da convicção e surpreendia-se cadaum consecutivamente de não haver reparado queera mesmo tão ordinário tal discípulo, tal colega,reforçando-se pass ivamente o conceito, atéconsumar-se a obra de vilipêndio quando, porúltimo, o condenado, sem mais uma sugestão derevolta, achava aquilo justo e baixava a cabeça. Aopinião é um adversário infernal que conta com acumplicidade, enfim da própria vítima. [...] Àmedida que se desenrolava a gazetilha, as ânsiasiam serenando. Os vi timados fugiam,acabrunhados de vergonha, oprimidos sob ocastigo incalculável de trezentas carinhas de ironiasuperior ou compaixão de ultraje. Passavam juntode Aristarco ao sair para a tarefa penal de escrita.O diretor, arrepiando uma das cóleras olímpicasque de um momento para outro sabia fabricar,descarregava com o livro às costas do condenado,agravante de injúria e escárnio à pena dedifamação. O desgraçado sumia-se no corredor,cambaleando” (POMPÉIA, 2003, p.46).

No dia seguinte no almoço, amargava eu, semaçúcar que me bastasse, o resto do café quinadode expectativa (porque Mânlio tinha-me prevenido),quando Aristarco, alargando pausas dramáticasde comoção, ler, claro, severo: - O Sr. Sérgio temdegenerado... Eu havia figurado já na gazetilhado Ateneu com algumas notas de louvor; guardou-se sensação para a nota má. O diretor olhou-mesombrio. No fundo do silêncio comum do refeitório,

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cavou-se um silêncio mais fundo, como um poçodepois de um abismo. Senti-me devorado por estesilêncio hiante. A congregação justiceira doscolegas voltou-se para mim, contra mim. Osvizinhos de lugar à mesa afastaram-se dos doislados, para que eu melhor fosse visto. [...] Aristarcofoi clemente. Era a primeira vez, perdoou. A piorhipótese do sistema do pelourinho era quando oestudante ganhava o calo da habitualidade, umassassinato do pudor, como sucedia com Franco(POMPÉIA, 2003, p. 47).

A avaliação é vista simplesmente como controle, instrumento dediscriminação e seleção social, à medida que assume, no âmbito daescola, a tarefa de separar os aptos dos inaptos, os capazes dosincapazes, além de legitimar o sistema dominante na sociedade. Opapel da ideologia burguesa é lançar a todos o convite de chegar aosucesso e convencer a quem não chegar de que o fracasso se deu porsua própria responsabilidade.

Quanto às recompensas:

Havia, porém, saídas extraordinárias de prêmio oude obséquio. A cada lição julgada boa, o professorassinava um papelucho amarelo, bom ponto, eentregava ao dis tinto. Dez prêmios des tesequivaliam a um cartão impresso, boa nota, comodez vezes vinte réis em cobre valem um níquel deduzentos. O sistema decimal aplicava-se mais àconquista de um diploma honroso, equivalente aum baralho de dez cartões de boa nota. Com taldiploma era o es tudante candidato àcondecoração final de uma medalha, de prata oude ouro, conforme fosse mais ou menos ótimo nosdiversos superlativos do merecimento escolar.Reduzia-se assim a papel o valor pessoal, naclearing-house da diretoria; ou melhor: adaptava-se a teoria de Fox ao processo de recompensas,com todos os riscos de um câmbio incerto, sujeitoaos pânicos da bancarrota, sem um critério dejustiça a garantir, sob a ostentação do papel-moeda, a realidade de um numerário de bemaquilatada virtude. Fosse como fosse, certo é que,com os bilhetes de boa nota, comprava-se umasaída, e isto era o importante, como nos países demás finanças: desde que o papel tem curso, de quevale o valor? Inútil dizer que me não chegavamnunca as saídas de prêmio. Tanto melhor mesabiam as outras (POMPÉIA, 2003, p. 65).

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As reflexões de Sérgio dispensam comentários, pois lucidamentecriticam o sistema avaliativo do colégio e da sociedade.

Segundo Vasconcelos, a avaliação pode desempenhar papelmais político que pedagógico.

A avaliação não é usada como recursometodológico de reorientação do processo ensino-aprendizagem, mas, sim como instrumento depoder, de controle, tanto por parte do sistemasocial, como pela escola, pelo professor, tantoquanto pelos próprios pais. Pelo sistema: comoforma de inculcação ideológica, domesticação,seleção e discriminação social; pela escola: comoforma de legitimação da sua própria existência,como afirmação de sua importância; pelo professor:como forma de controle da disciplina e como formade coerção para o aluno reproduzir a ideologiadominante, expressa no saber ali transmitido; pelospais; como forma de controle e pressão sobre osfilhos; a nota acaba sendo, muitas vezes, a únicaforma de acompanhamento do desenvolvimentoescolar das crianças (1995, p. 39).

Quanto aos exames finais:O sistema de provas e exames é intensamente reprodutor e

perpassa a idéia de que educar é treinar o aluno para que ele seengaje em uma sociedade definitivamente organizada.

A estréia do primeiro exame foi de fazer febre. Trêsdias antes pulavam-me as palpitações; o apetitedesapareceu; o sono depois do apetite; na manhãdo ato, as noções mais elementares da matériacom o apetite e com o sono. Memória in albis. Oprofessor Mânl io animava; a animação,lembrando o perigo, assustava mais. Esmagava-me por antecipação o peso enorme da bastilha daRua do Ourives (Secretaria da Instrução Pública),como os tribunais ferozes, sem apelo; a terrívelcampanha penetrante da abertura da solenidade,os reposteiro plúmbeos de espesso verde, sopesandoas armas imperiais, as formidáveis paredes dealvenaria secular. Que barbaridade aquelaconspiração toda contra mim, contra um, de todosaquele perfis rebarbativos, contínuos, o matoso, oNeves Leão, as comissões, qual mais poderosa,carrancuda; o Conselho da Instrução no fundo,coisa desconhecida, mitológica, entrevista comopinturas religiosas das abóbadas sombrias, onde

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as vozes da nave engrossam de ressonância,emprestando a força moral à justiça das comissões,com o prestígio da elevação e do inacessível; maisalto que tudo, o ministro do Império, o Executivo,o Estado, a Ordem Social, aparato enorme contrauma criança (POMPÉIA, 2003, p. 137).

De repente abre-se uma porta. De dentro, do escurosaía uma voz, um alista de nomes: um , outro,outro... ainda não era o meu... Afinal! Não houvetempo para um desmaio. Empurraram-me; a portafechou-se; sem consciência dos passos, achei-menuma sala grande silente, sombria, de teto baixo,de vigas pintadas, que faziam dobrar-se a cabeçainstintivamente. [...] E as vidraças e os lugares queeram destinados aos examinandos, ficava a mesaexaminadora. [...] Distribuiu-se o papel rubricado.Um dos examinadores levantou-se, apanhou comum movimento circular um punhado de pontos elançou-os à urna. A urna de folha cantava irônicasob o cair dos números sonoramente. Tirou-se oponto; momento de angustia ainda... Depois:es trofe dos Lusíadas! Es távamos livres daexpectativa. Não me preocupou mais a dificuldadedo ponto (POMPÉIA, 2003, p. 138).

Assim, a avaliação visa à exatidão da reprodução do conteúdocomunicado em sala de aula. Mede-se pela quantidade e precisão deinformações que se consegue reproduzir. Daí a consideração de provas,exames, chamadas orais e exercícios que evidenciem a reprodução dainformação. O exame passa ter um fim em si mesmo e o ritual éextremamente valorizado. As notas obtidas funcionam, na sociedade,como níveis de aquisição do patrimônio cultural.

Três pancadinhas que senti no calcanhar,chamaram-me das distrações. Voltei-me: era o meuvizinho da mesa de trás, o queixo de ébano quepedia socorro. [...] Atirei-lhe a oração principal,mas tive medo de acudir inteiramente. Além disso,precisava cuidar do próprio interesse (POMPÉIA,2003, p. 138).

O exame pode ser visto como um processo lotérico, que faz daprogressão escolar um fato aleatório, em que todos os recursos sãoválidos, inclusive a fraude e a corrupção. A escolaridade é uma espéciede noviciado que precede, na religião, a recepção das ‘ordens’: cadasérie, cada ciclo, cada curso é um degrau na subida que leva o indivíduo

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ao topo da hierarquia social. Só os ingênuos enganam-se, supondoque avaliam a progressão intelectual dos alunos. A máquinaclassificatória passa por cima de todos os obstáculos, mesmo que paraissto tenha de fraudar e corromper. Dessa forma, o aluno é impelido àfraude e a escola talvez esteja contribuindo no preparo do futuroadministrador público corrupto e especialista em dar ‘jeitinhos’.

O papel do professor em um sistema de ensino elitista e particularcomo o brasileiro, no período que ora analisamos, era o de levar oseu aluno a se transformar em um adulto capaz de pensar e agir segundoa razão, vivendo livre como ser inteligente, como pessoa e como cidadão,isto é, alguém capaz de, conscientemente, reconhecer o verdadeiro e ofalso, julgar o certo e o errado na vida privada e pública e o legítimo eo não-legítimo no âmbito das suas responsabilidades para com asociedade, enfim, deveria tornar seu aluno um autêntico indivíduo,condição fundamental para o desenvolvimento capitalista.

Com esse entendimento devemos apreciar o conceito de Mestrepropagado no O Ateneu, vejamos:

Venâncio, professor do colégio, discursa. “O mestreé o prolongamento do amor paterno, é ocomplemento da ternura das mães, o guia zelosodos primeiros passos, na senda escabrosa que vaiàs conquis tas do saber e da moralidade.Experimentado no labutar cotidiano da sagradaprofissão, o seu auxílio ampara-nos como aProvidência na Terra; escolta-nos assíduo comoum anjo da guarda; a sua lição prudente esclarece-nos a jornada inteira do futuro. Devemos ao pai aexistência do corpo; o mestre cria-nos o espírito(sorites de sensação), e o espírito é a forma queimpele, o impulso que triunfa, o triunfo que nobilita,o enobrecimento que glorifica, e a glória é o idealda vida, o louro do guerreiro, o carvalho do artista,a palma do crente! A família é o amor no lar, oEstado é a segurança civil; o mestre, com amorforte que ensina e corrige, prepara-nos para asegurança íntima inapreciável da vontade. Acimade Aristarco – Deus! Deus tão-somente; abaixo deDeus – Aristarco. Eu me sentia compenetradodaquilo tudo; não tanto por entender bem, comopela facilidade da fé cega a que estava disposto”(POMPÉIA, 2003, p. 11-12).

Como pode observar o atento leitor, Sérgio, já adulto, colocaem dúvida o resultado de tais ensinamentos e Pompéia amplia a questãoanalisando a relação entre sociedade e educação, destacando seu

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pensamento na fala de Dr. Cláudio, quando este profere uma palestraem favor do internato, divergindo do parecer vulgar que o condena:

É uma organização imperfeita, aprendizagem decorrupção, ocasião de contato com indivíduos detoda origem? O mestre é tirania, a injustiça, oterror? O merecimento não tem cotação, cobrejamas linhas sinuosas da indignidade, aprova-se aespionagem, a adulação, a humilhação, campeiaa intriga, a maledicência, a calúnia, oprimem osprediletos do favoritismo, oprimem os maiores, osmais fortes, abundam as seduções perversas,triunfam as audácias dos nulos? A reclusãoexacerba as tendências ingênitas?Tanto melhor: é a escola da sociedade. Ilustrar oespírito é pouco, temperar o caráter e tudo. É precisoque chegue um dia a desilusão do carinhodoméstico. Toda a vantagem em que se realize omais cedo. A educação não faz almas: exercita-as. E o exercício moral não vem das belas palavrasde virtude, mas do atrito com as circunstâncias.[...]Ensaiado no microcosmo do internato, não hámais surpresas no grande mundo lá de fora, ondese vão sofrer todas as convivências, respirar todosos ambientes; onde a razão da maior força é adialética geral, e nos envolvem as evoluções detudo que rasteia e tudo que morde, porque aperfídia terra-terra é um dos processos mais eficazesda vulgaridade vencedora; onde o aviltamento équase sempre a condição de êxito, como sehouvesse ascensões para baixo; onde o poder éuma redoma de chumbo sobre as aspiraçõesaltivas; onde a cidade é franca para as dissoluçõesbabilônicas do instinto; onde o que é nulo, flutuae aparece, como no mar as pérolas imersas sãoignoradas, e sobrenadam ao dia as algas mortas ea espuma. [...] Cada mocidade representa umadireção. Hão de vir os disfarces, as hipocrisias, assugestões da habilidade, do esclarecimentointelectual; no fundo a direção do caráter éinvariável. [...] O colégio não ilude. [...] O quetem que ser é já. E tanto mais exato, que o encontroe a confusão das classes e das fortunas equiparatudo, suprimindo os enganos de aparato, que tantocomplicam os aspectos da vida exterior, que nointernato apagam-se no social ismo doregulamento. E não se diga que é um viveiro demaus germes, seminário nefasto de maus princípios,que hão de arborecer depois. Não é o internatoque faz a sociedade; o internato a reflete [...](POMPÉIA, 2003, p. 149).

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Veja leitor, Pompéia apresenta-nos por meio da personagem Dr.Cláudio uma leitura adequada quanto a relação escola e sociedade.Ele sabe que a realidade que precisa ser desvendada não é apenas omodo pela qual se acha organizada a sociedade em que vivemos eatuamos. É preciso compreender como essa organização social refletee se manifesta e quais as conexões que ela estabelece com a realidadeda instituição educativa e a sala de aula. Essa compreensão requeruma metodologia que lhe dê validade, clareza e coerência.Acompreensão e a explicação do contexto social mais amplo é que devemfundamentar a posição que o educador tem diante de sua práticapedagógica. E dessa fundamentação devem ser selecionados eorganizados os procedimentos didáticos que se operacionalizam nasala de aula.

Assim, a organização do trabalho pedagógico poderádesempenhar um papel contraditório: se de um lado regula o trabalhopela conformidade com as regras fixadas, mediante procedimentosformalizados; de outro, ela poderá propiciar o rompimento com o queestá estabelecido. Cabe à instituição escolar e aos educadores, dentrodos limites de suas possibilidades, o papel decisivo de assentar aorganização nos princípios socializantes e democráticos. Nesse sentido,uma metodologia será válida se estiver assentada nos fundamentos deum projeto político pedagógico voltado para a emancipação humanae com o compromisso de construção de um novo projeto desociedade.Assim sendo, no processo de formação do educador faz-seemergente buscar uma alternativa metodológica que possa garantir aunidade teórico-prática no trabalho pedagógico.

A possibilidade apresentada neste estudo é a análise crítica daconcepção do trabalho pedagógico não-vivida, mas apreendida pormeio de textos literários. Em minha leitura, o Colégio Ateneu revela-secomo um modelo de escola particular do Rio de Janeiro no século XIXonde a prática pedagógica é decorrente da posição assumida peloeducador diante do próprio fenômeno educativo, e essa posição, porsua vez, decorre da compreensão e da explicação do contexto social.

Segundo Veiga, no desenvolvimento dessa alternativametodológica é importante o estabelecimento de um ponto de partidacomum, ou seja, uma experiência vivida e outra não-vivida, masapresentada por meio de textos literários que permitam o confrontocom relação ao contexto social, histórico e cultural. É o encontro dopresente com o passado, tendo em vista o futuro. Essa forma de organizaro trabalho pedagógico não reproduz um presente nem um passado,

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mas se debruça sobre a realidade concreta do hoje e a confronta como passado, esse movimento dialético da metodologia em construçãoem uma abordagem relacional (2002, p.143).

Como últimas palavras deste texto, quero referir-me a Savianiquando diz que a educação tem papel ativo na sociedade e é precisoque os educadores reconheçam os seus condicionantes histórico-sociais,mas é necessário compreendê-los para agir a partir dos próprioscondicionantes, que coloca nas mãos dos educadores “uma arma deluta capaz de permitir-lhes o exercício de um poder real, ainda quelimitado” (1987, p.35-36).

Data de recebimento: 02/11/2004Data de aceite para publicação: 11/03/2005

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O USO DO COMPUTADOR COMORECURSO PEDAGÓGICO:

contribuições para uma postura maisautônoma do professor e do aluno noprocesso de aprendizagem de língua

inglesa1

Valdir SilvaDanilo Cristófaro A. da Silva

Paulo Henrique Celestino

RESUMO: Esse artigo discute a questão da autonomia de um professor delíngua inglesa do ensino médio, em uma escola pública da cidade de SeteLagoas, MG. Tomando como base o uso do computador como recursopedagógico na/para a construção de materiais didáticos. A proposta destainvestigação teve um caráter de complementaridade entre as práticaspedagógicas desenvolvidas na modalidade tradicional de ensino e naspossibilitadas destas práticas através das novas tecnologias da comunicação eda informação. Para tanto, tomamos como pressupostos teórico-metodológicosa concepção colaborativa de ensino/aprendizagem para o desenvolvimentode todas as ações requeridas para essa pesquisa-ação Nosso objetivo foi que,através dessa interferência, fosse possível, efetivamente, contribuir não somentecom uma atitude mais autônoma do professor, mas principalmente na suacapacidade em poder contribuir com formação de alunos cônscios sobre aimportância da autonomia na aprendizagem de língua inglesa, econseqüentemente, na aprendizagem e no aprimoramento de outrascompetências importantes para a vida desses aprendizes.

PALAVRAS-CHAVE: computador; Internet; colaboração; andaime; autonomia.

ABSTRACT: This paper discusses the issue of autonomy of an English Languageteacher in  a second cycle public school in the city of Sete Lagoas in the MinasGerais State. Based on the use of a computer as a pedagogical resource for thepreparation of teaching materials the focus of this research is on thecomplementarity between the teaching practices developed in the traditionalmode of teaching and their possible application using new communication andinformation technologies. To this end we used as the theoretical and

1 Este artigo é resultado de uma pesquisa-ação desenvolvida no projeto ARADO (POSLIN/FALE/UFMG–URL: http://www.letras.ufmg.br/arado/ARADO/index.htm), coordenado pela prof. Dr.Vera Lucia Menezes de Oliveira e Paiva. O ARADO tem como objetivo geral construir um espaçofértil para a integração da Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos, a Licenciatura em LínguaInglesa, e as Escolas Públicas da grande BH, em busca da identificação de problemas de ensino-aprendizagem de língua inglesa, no ensino fundamental e médio, e de propostas concretas parasolucioná-los, ou, pelo menos, amenizá-los.

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methodological basis the collaborative concept of teaching and learning todevelop all the activities required for the present Action-Research. Our aim wasthat through the this interference it would be possible, indeed, to contributenot only to the posture and autonomy of the teacher but also mainly to hisability to effectively play a significant role in the training of the students whoare aware of the importance of autonomy in learning the English Language andconsequently contribute to the learning and improvement of other importantskills in their lives. 

KEY-WORDS: computer; Internet; collaboration; scaffolding; autonomy.

IntroduçãoOs avanços tecnológicos que marcaram o final do século XX

mudaram substancialmente a sociedade e, por essa razão, as políticaseducacionais precisam não somente se adaptar às necessidades dessanova realidade, como também criar mecanismos que possibilitem aparticipação do homem nesse novo processo. A tecnologia, segundoKneller (1978), deve propiciar ao homem condições para que ele setorne mais eficiente no exercício de suas atividades nas esferas produtivasda sociedade e lhe proporcionar novos meios de conhecer, de representare de significar o mundo em seu benefício. A apropriação desseconhecimento, por sua vez, pode promover modificação nas formas deprodução do saber e de serviços e isso, conseqüentemente, podecontribuir para as mudanças sociais efetivas que visem à melhoria daqualidade de vida de todo o ser humano. Por essa razão, a tecnologiadeve ser entendida como um meio - um instrumento a serviço do homem– e não um fim.

Nesse sentido, o computador e o ciberespaço se colocam comoferramentas tecnológicas bastante valiosas para as práticaseducacionais. Para Cadoz (1997), ele é o mais ‘universal’ meio decomunicação inventado pelo homem. Assim, a tecnologiacomputacional, pelo que ela representa na sociedade contemporânea,deverá fazer parte do patrimônio inalienável da cultura humana, talcomo se deu com a imprensa de Gutenberg no século XV e com amáquina a vapor no século XVIII (Silva, 2003, p.17). É preciso entenderque a tecnologia pertence ao mundo da cultura e que não há umprocesso de colisão entre as novas tecnologias e o universo objetivo esubjetivo do homem que já se encontra culturalmente constituído. Essasnovas tecnologias devem ser consideradas mais uma novidade naconstrução da história da humanidade, como já o dissemos. Também

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não representam nenhuma revolução. Mudanças como essas, salvo asdevidas proporções, também já foram vivenciadas pelo homem, comoé o caso do livro.

Apesar de o computador ser considerado um instrumento-meioaltamente sofisticado, ele não deixa de ser uma ferramenta, cujaqualidade de uso depende do ser humano. Em toda a história, atecnologia foi uma ferramenta, que mesmo não garantindo mudançassociais maiores, foi de alguma forma incorporada ao processo deconstrução e reconstrução de conhecimento. A escrita - uma das maiorestecnologias desenvolvida pelo homem - sempre usou recursos técnicospara registrar e veicular informação. Assim como o lápis, o caderno eo livro tiveram e têm um papel na produção de conhecimento, o mesmovem se dando com o computador, a Internet e a rede WWW.

As novas tecnologias de informática, conforme aponta Pino(2001), além de possibilitarem o acesso à informação, facilitam tambéma produção de conhecimento geral – aquele, científico ou não, que seadquire na práxis da vida cotidiana, – e formal – aquele cuja aquisiçãoexige determinados procedimentos sistemáticos. Esse novo contexto deprodução do conhecimento, ainda que virtual, pode contribuir para aconstrução de uma sociedade mais moderna e globalizante e tambémmais justa e igualitária.

Segundo Loiselle (2002), facilitando o acesso à informação paraum público amplo, assim como os contatos interpessoais, o ciberespaçoe, particularmente, a rede Internet, oferece um ambiente com umpotencial interessante para a aprendizagem por diversas formas. Paraesse autor, diante das necessidades crescentes de diversificação e depersonalização da formação, a aprendizagem autônomo, respondendoàs necessidades de cada um, parece um ideal a ser atingido. Astecnologias poderiam trazer elementos de resposta a essa busca deautonomia na formação. Porém, vale observar que a utilização deprodutos informáticos e multimídias evidentemente não é a garantia deuma aprendizagem mais autônoma.

É nesse contexto tecnológico e na perspectiva para odesenvolvimento de uma atitude mais autônoma do professor e,conseqüentemente, do aprendiz que se inscrevem os processos deatividades pedagógicas na área do ensino e da aprendizagem de línguasestrangeiras, particularmente, de língua inglesa. Warschauer (1997)observa que a Internet é o advento tecnológico de maior impacto einfluência sobre o ensino/aprendizagem de línguas mediadas pelocomputador. Um bom exemplo disso são os ambientes denominados

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Computer-Assisted Language Learning (CALL). Através do computadore de programas operacionais, como o Windows, ainda que operandooff-line, é possível o desenvolvimento de várias atividades desde doauxilio na preparação de materiais pedagógicos, através do editor detextos, do uso de figuras, de CDROMs, de digitalização de imagens(scanner) e de reprodução em tela ou impressos. Soma-se a isso,também, quando com computador conectado à Internet (on-line), apossibilidade de acesso ao monumental arquivo de informações daWWWW que, na sua grande maioria, encontra-se em Língua Inglesa,além de ferramentas multimídias que tornam possível a utilização devídeos e sons. Agregam-se também, as possibilidades de contextosautênticos de interação social, tanto local como global, por meio deferramentas como e-mail, chat, vídeo-conferências que podem serexplorados em todas as suas potencialidades de uso da língua inglesa.A exploração desses recursos nos programas de ensino de língua inglesapor professores e alunos pode enriquecer ainda mais as atividades deaprendizagem e de ensino na área da SLA (Second LanguageAcquisition). No entanto, vale ressaltar, com base em Loiselle (2002),que a utilização de todas essas tecnologias para fins de aprendizagemcoloca a questão das práticas pedagógicas como algo que permitiráfavorecer a aprendizagem, porém, esse acesso facilitado não garantenecessariamente melhores aprendizagens, pois tais tecnologias, se nãoforem utilizadas em um contexto pedagógico renovado, podemsimplesmente reproduzir o modelo de ensino tradicional, sem que seaproveite a liberdade que elas poderiam proporcionar ao professor eao aluno. Para esse autor, isso evidencia uma situação que,provavelmente, não trará nenhuma contribuição para o desenvolvimentode uma postura mais autônoma desses sujeitos, como requer a novaordem social que vem sendo configurada em nossa sociedade cadavez mais tecnologizada, por isso, a escola não pode ficar omissa aestas transformações. É papel da escola, através dos profissionais quenela atuam, ter essa percepção e mesmo que sem computadores, adotaruma prática pedagógica que seja capaz de despertar no aluno as suaspotencialidades, que seja capaz de contribuir para que o aluno percebaque ele faz parte de uma nova ordem mundial e que, por isso, precisadesenvolver um grau maior de autonomia, para que assim, possa sercapaz de construir os seus próprios conhecimentos. Para que isso ocorra,acreditamos que cabe à escola romper com os modelos descabidos nomundo de hoje e perguntar: que homens e mulheres queremos eprecisamos formar?

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Essas reflexões foram as grandes provocadoras para a proposiçãoe conseqüente realização dessa pesquisa-ação. Por envolver ciclos deplanejamento, de ação, de reflexão ou avaliação, e mais adiante deação novamente, é que adotamos essa metodologia de pesquisa. Umametodologia que nos possibilitou não somente vivenciarmos a buscade respostas alternativas ao paradigma científico tradicional, mas,principalmente, por nos colocar de frente ao cotidiano de uma realidadesócio-tecno-pedagógica de uma escola pública. Nesse contexto, ossupostos problemas relacionados ao uso do computador estariam sujeitosàs nossas intervenções e ao nosso compromisso ético de colaborarcom o(s) sujeito(s) participante(s) envolvido(s) na pesquisa, com soluçõesque pudessem contribuir, não só com o ensino e a aprendizagem delíngua inglesa, com o letramento e a inclusão digital, mas tambémcom o desenvolvimento de uma atitude mais autônoma do professor e,fundamentalmente, dos alunos.

1 - Os cenários e os personagens envolvidos nas açõesda pesquisa

a) A escolaA instituição definida para essa pesquisa é a Escola Pública

(estadual) de Ensino Fundamental e Médio “Deputado Renato Azeredo”,da cidade de 7 Lagoas-MG (distante 62 km de Belo Horizonte). AEscola foi criada pelo Decreto n° 23.022 de 02/09/83 e seufuncionamento autorizado pela Portaria nº 059/85, de 29/01/85.Funcionando em prédio próprio, iniciou suas atividades no dia 11/02/85. Atualmente funciona com 32 turmas do Ensino Fundamental e 16turmas do Ensino Médio, perfazendo um total de 1.129 alunos. Destes,746 alunos pertencem ao Ensino Médio. A escola é composta por 45professores do Ensino Fundamental, 25 professores do Ensino Médio,04 especialistas, 09 auxiliares de educação, 21 ajudantes de serviçosgerais, 01 direção geral, 02 vice-direções. Quanto à estrutura físico-padagógica, a escola tem 01 laboratório de informática, 01 laboratóriode Ciências Físicas e Biológicas, 01 sala de vídeo, 01 biblioteca, 16salas de aula e 01 sala de mecanografia. A escola desenvolve 5 projetos:Projeto Primeiras Palavras; Projeto Horta sem Agrotóxicos; Projeto AfetivoSexual; PROINFO (Projeto Informática em Educação) e PROERD (ProjetoResistência às Drogas e à Violência). Ela também está envolvida noprojeto Escolas-Referência (SEE-MG) que tem por objetivo desenvolverações que busquem a reconstrução da excelência na rede pública, por

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meio da qualificação dos profissionais por meio da modalidade doEnsino à Distancia mediado por computador.

b) A sala de informáticaA Escola “Deputado Renato Azeredo” conta com 11

computadores interligados a um computador central (em rede), sendoquatro com componentes multimídia (caixa de som e microfones), umaimpressora e um scanner. Esses computadores não estão conectados àInternet. Todo esse material está instalado em uma sala ampla, commesas e cadeiras individuais. Esses computadores e demais periféricosforam obtidos através de um convênio firmado em 1998 entre a escola,a Secretaria Municipal de Educação de Sete Lagoas, Secretaria de Estadode Educação de Minas Gerais e o PROINFO, programa do Ministérioda Educação criado em 09/04/97 para promover o uso da Telemáticacomo ferramenta de enriquecimento pedagógico no Ensino PúblicoFundamental e Médio. Para ser contemplada com esse projeto, a Escolatinha de apresentar uma contrapartida, ou seja, a construção de umauditório, uma sala de vídeo e uma biblioteca. Como a Escola jádispunha de tais estruturas físicas, acabou sendo a primeira escola emSete Lagoas a se beneficiar com as tecnologias computacionais. OLaboratório de Informática, como é denominado, foi inaugurado pelaEscola no dia 08/10/99.

c) O professor co-participante da pesquisa: uma breve biografia O professor convidado para co-participar da pesquisa é Paulo

Henrique Feliciano, formado em Letras pela Fundação EducacionalMonsenhor Messias da cidade de Sete Lagoas. Atualmente trabalhacomo professor de língua inglesa nas escolas Estadual Alonso MarquesFerreira (Ensino Fundamental) e na Deputado Renato Azeredo (EnsinoMédio). O professor também participa do projeto EDUCONLE(Educação Continuada de Professores de Línguas Estrangeiras),desenvolvido pela FALE (Faculdade de Letras) da Universidade Federalde Minas Gerais (UFMG). O projeto EDUCONLE, coordenado pelaprofessora Deise Prima Dutra atende professores de Inglês, Espanhol eFrancês da rede pública municipal e estadual, por meio de um cursode educação continuada que possui três eixos: a) módulos lingüísticos,b) módulos metodológicos/reflexivos e c) módulos sobre a vida escolar,

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totalizando dois anos e 300 horas. O professor Paulo apresenta tambémum bom conhecimento técnico sobre o uso do computador econhecimentos sobre a Internet.

d) Os alunos: por quem a escola poderia transpor os limitesáridos da sala de aula tradicional

Para melhor conhecer o perfil dos alunos quanto ao uso dasnovas tecnologias, foi elaborado um questionário (por amostragem) eaplicado em alunos da 1º série B do Ensino Médio. Esses alunos foramdefinidos como sujeitos de nossa pesquisa, a partir das sugestões dopróprio professor. Essa turma tinha como característica o fato de seruma sala composta por um grande número de alunos repetentes. Emboraa turma oficialmente conte com 48 alunos, no momento da distribuiçãodos questionários, somente 29 estavam presentes. O questionário tinhapor objetivo identificar o perfil dos alunos no que concerne aos seusconhecimentos sobre questões relacionadas ao computador e a Internete, particularmente, as questões que envolviam o uso dos computadoresda própria escola. A sistematização e análise dos dados apontaram oseguinte: a faixa etária do grupo pesquisado era entre os 16 e os 20anos de idade, sendo que do total dos alunos pesquisados, 60% eramdo sexo feminino e 40% do masculino. Dos 29 alunos que responderamo questionário, somente três tinham computador em casa, e destessomente um estava conectado à Internet. Os dados apontaram quesomente 31% deles têm acesso ao computador por meio de parentes,amigos e cybercafés. Sobre a Internet, 76% dos alunos disseram sabero que é, porém 86% nunca a utilizaram.

Quando perguntado se sabiam o que era e-mail, 72%responderam que sim, mas nenhum tinha um endereço eletrônico próprioe também nunca tinham se valido de um para se comunicar. Quandoindagados se sabiam o que era um chat, apenas 55% responderamque sim, destes apenas dois terços tiveram a oportunidade de entrarnuma sala de chat e utilizar a ferramenta, um indicativo de que o chaté a primeira escolha daqueles que têm um primeiro contato com aInternet. Quando questionados sobre o tipo de atividades que gostariamde ter no computador, 90% dos alunos disseram que gostariam detrabalhar com leitura, produção e interpretação de textos em inglês. Noquestionário, os alunos tinham que dizer quantas vezes, no total, elesforam a sala de informática da escola. Segundo eles, apenas quatrovezes, sendo duas tinham sido com o professor de língua inglesa. Muitos

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desses adolescentes são desempregados e a expressiva maioria dosque estão no mercado de trabalho está subempregada nas metalúrgicasde ferro gusa, instaladas no município de Sete Lagoas.

e) As práticas de ensino de língua inglesa antes das intervençõesAs atividades de ensino de língua inglesa estão ancoradas na

abordagem comunicativa. Entre as estratégias adotadas pelo professordestacam-se: aulas expositivas, exercícios orais e escritos, leitura ecompreensão de textos, músicas, apresentação de trabalhos, teatros,diálogos, uso do dicionário, entre outras estratégias. O fato de nãohaver uma política de distribuição de livros didáticos da língua inglesapor parte do governo federal, a exemplo do que acontece com as demaisáreas, fez com que o professor adotasse apostilas. Essa apostila constitui-se de um conjunto de fotocópias de diferentes atividades retiradas delivros didáticos da biblioteca particular do professor e da escola. Aelaboração desse material é realizada como base no planejamento doprofessor para as séries em que trabalha. Depois de montada, a apostilafica disponibilizada na sala de mecanografia da escola para que osalunos façam a sua reprodução. De acordo com o professor, essamedida torna o material financeiramente acessível para os alunos, jáque grande parte deles não pode comprar um livro didático. Conformedepoimento do próprio professor, antes do inicio dessa pesquisa elehavia levado os alunos para a sala de informática apenas duas vezes.Na primeira vez, fez uso de um software de karaokê em que os alunospudessem cantar músicas em inglês e português, acompanhando asletras mostradas no monitor durante a execução da música e, nasegunda vez, trabalhou com os aluno algumas funções básicas docomputador, tais como ligar, acessar arquivos, desenhar, entre outrosprocedimentos básicos.

2 - Descrição dos problemas eleitos para as ações deintervenção nessa pesquisa-ação

Um dos critérios que norteou o convite para o professor PauloHenrique Feliciano participar desta pesquisa-ação fundamentou-se emnossa intenção em trabalhar em uma escola que dispusesse de umasala de informática e, dentre os professores do EDUCONLE, o professorPaulo era o único que preenchia tal requisito. Nosso interesse eraobservar como os computadores da escola eram utilizados como recursostécno-pedagógicos nas aulas de língua inglesa e como, a partir delese da apostila, o professor elaborava e desenvolvia atividades quepudessem contribuir para uma atitude mais autônoma do aluno para a

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aprendizagem, em particular, a de língua inglesa.Por ser o computador um componente ainda não inserido num

contexto mais amplo das práticas pedagógicas da maioria das escolaspúblicas, nossas observações foram guiadas também sobre a formacom que o professor se relaciona com o computador. Para tanto,consideramos as varáveis apontadas por Ramal (2002) sobre aresistência do professor com o computador. Para a autora, essasdificuldades podem ser provocadas: a) pela insegurança gerada frenteà tecnologia; b) pelo medo de danificar equipamentos de custo elevado;c) pela dualidade entre as condições da escola e dos alunos e ascondições socioeconômicas do professor; d) pelo preconceito contra ouso do computador por associá-lo à sociedade de consumo e ao caráterexcludente de consumo e ao caráter excludente da globalização; e)porque a tecnologia gera ou favorece a subversão das estruturas escolares(e também universitárias) rígidas e estáveis; f) pelo receio damultidiciplinaridade que, literalmente, invade a sala de aula; g) emfunção da acomodação pessoal e profissional.

Em entrevista com a diretora, fomos informados que a escolatem 200 professores e somente 4 utilizam o laboratório e, ainda assim,de forma bastante esporádica. Desses quatro, apenas o professor Pauloministra aulas no Ensino Médio. Perguntado sobre o porquê de olaboratório ser tão subaproveitado, a diretora disse que a maioria dosprofessores não sabe lidar com o computador, alegam também que onúmero de máquinas é insuficiente, que se uma máquina estragar nãoterá como ser feito os reparos por falta de dinheiro, e que muitos nãoquerem se expor ao fato de alguns alunos possuir um conhecimento naárea da informática maior que as dos professores. A diretora informoutambém que para contornar tal realidade, o PROINFO fez a capacitaçãode dois professores para que eles atuassem como multiplicadores. Comoesse curso só podia ser ministrado após o expediente escolar, muitosprofessores optaram por não participar. Para a diretora, essa situaçãopode vir a mudar, pois, como a escola está inscrita no projeto Escolas-Referência, todos os professores deverão ter domínio sobre a tecnologia,caso contrário, ficarão impedidos de participar dos cursos decapacitação, já que todos eles serão oferecidos na modalidade àdistância e mediados por computador.

As observações sobre as diferentes situações encontradas naspráticas sócio-tecno-pedagógicas da escola como um todo e,particularmente, entre o professor Paulo e os alunos, no que concerneao uso dos computadores, fez com que focássemos todo o nosso

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processo de intervenção a partir das seguintes problemáticas: a) o usodo computador como recurso pedagógico complementar às práticastradicionais de ensino de língua inglesa; b) estratégias de provimentosde andaimes (scaffolding) num contexto colaborativo de ensino e deaprendizagem técnica do computador e da língua inglesa. c) proposiçõesde atividades e de materiais didático-pedagógicos que possam contribuircom uma atitude mais autônoma do professor e, principalmente, dosalunos no ensino e na aprendizagem de língua inglesa; d) contribuir, apartir dessa proposta de pesquisa-ação para que toda a comunidadeescolar, particularmente os professores, insiram em seus planejamentoso computador para que promovam, assim, não só a sua inclusão digital,mas, principalmente, o letramento e a inclusão digital de todos os alunosda escola.

3 – Referencial teórico e procedimentos metodológicosadotados para essa pesquisa-ação

A pesquisa ora proposta será norteada pela teoria sócio-culturalformulada por Vygotsky (1978). Segundo esse teórico, a interação socialsegue as leis da dialética e tem como elemento mediador os instrumentosculturais: signos e instrumentos – fundamentalmente meios sociais (VANDER VEER e VALSINER, 1996). Na visão de Vygotsky, o homem, enquantosujeito do conhecimento, não tem acesso direto aos objetos materiais.Para acessá-los, o homem depende da mediação dos sistemas simbólicosde que dispõe: os signos, que visam a controlar a psique e ocomportamento de outros e do próprio indivíduo; e os instrumentostécnicos, cuja finalidade é dominar a natureza e outros objetos materiais.Os signos e os instrumentos técnicos são todos de natureza cultural,pois são produtos que surgem ao longo da história das relações humanascomo resultado da convivência em grupo e são exatamente eles quedevem ser dominados novamente pelo sujeito na integração social.

É no âmbito das negociações que as pessoas estão em constanteprocesso de recriação e reinterpretação de informações, de conceitos ede significações. Para Vygotsky, todas as atividades desenvolvidas peloindivíduo dependem do domínio que ele tem dos instrumentos demediação. Por essa razão, o autor sustenta que o indivíduo não éapenas ativo, mas interativo porque forma conhecimentos e se constituia partir de relações intra e interpessoais. Nesse contexto, a linguagem,por ser o mais poderoso sistema simbólico criado pelo homem, ocupaum lugar de destaque no conceito sócio-cultural, pois é a linguagemque fornece os conceitos, as formas de organização do real, a mediação

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entre o sujeito e o objeto do conhecimento.É essa concepção teórica que sustenta toda a proposição

pedagógica colaborativa de ensino e de aprendizagem. SegundoSchrange (apud Collins, 1993), a colaboração é um processo de criaçãocomparti lhada: dois ou mais indivíduos com habilidadescomplementares interagem para criar um conhecimento compartilhadoque nenhum deles tinha previamente ou poderia obter por conta própria.A colaboração cria um significado compartilhado sobre um processo,um produto ou um evento.

No contexto da aprendizagem colaborativa, o conceito descaffolding (Wood, Bruner e Ross; 1976), torna-se bastante pertinentepara dar visibilidade aos diferentes tipos de contribuições entre os paresde um processo de interação sócio-pedagógica (Daniels: 2003).Scaffolding, andaime em português, é um termo relativamente novopara muitos professores e o conceito que abarca já é bastante conhecidoao longo dos anos, porém com outros nomes. O conceito de scaffolding,para muitos, consiste em uma metáfora para explicar como o processode colaboração com vistas a resolução de problemas e,conseqüentemente, a produção de conhecimento, ocorre na Zona deDesenvolvimento Proximal (ZDP), pois, da mesma forma que osandaimes utilizados na construção civil permitem que o operário seapóie à medida que edifica uma construção, os andaimes pedagógicosservem para ajudar o aluno na edificação de seus conhecimentos.Porém, no âmbito pedagógico, o artefato andaime, tal como émetaforicamente visto, pode se apresentar um tanto superficial paraexplicar a colaboração entre os aprendizes. A questão central nessecaso é a estrutura, ou seja, a forma com o sujeito agente da colaboração(professor ou aluno), durante o processo de interação sócio-pedagógica,vai colocando as estruturas para que o outro produza um novoconhecimento, ou nas palavras de Vygotsky, que redimensione umconhecimento real para um proximal. É o provimento de estruturaseficientes que vai possibilitar uma maior produtividade compartilhadano processo de aprendizagem, já que sem elas muitos alunos podemficar vulneráveis, o que prejudica iniciativas, motivações e desenvolturasmais apropriadas.

O outro conceito a ser mobilizado nessa pesquisa é o deautonomia de aprendizagem. Conforme aponta Paiva (2004), aautonomia é um complexo sistema sócio-cognitivo manifestado emdiferentes graus de independência por uma pessoa sobre o seu próprioprocesso de aprendizagem e envolve capacidades, habilidades, atitudes,

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prontidão, tomada de decisão, escolhas, planejamento, ações eavaliação como um aprendiz de língua ou como um comunicadordentro ou fora da sala de aula. Tal como vem ocorrendo com aaprendizagem colaborativa, a autonomia na/para a aprendizagem éum outro fator que está fortemente assentado na esteira das novastecnologias da comunicação e da informação.

A atitude autônoma do sujeito parece estar atrelada diretamenteà capacidade dele em se auto-instruir, mesmo na ausência de ummediador humano ou fora dos programas de formação estabelecidos.Para Littlewood (1996), uma pessoa pode apresentar três tipos deautonomia: autonomia como um comunicador (usando a línguacriativamente com estratégias comunicativas apropriadas); como umaprendiz (engajando-se em aprendizagem independente por meio deestratégias de aprendizagem apropriadas) e como uma pessoa(expressando significados pessoais e criando contextos pessoais deaprendizagem). Em decorrência da importância das Tecnologias daInformação e da Comunicação (TIC) no mundo atual, Paiva (2004)advoga que se torna importante somar às categorias de autonomiaapresentada por Littlewood (1996), uma outra categoria. A autora refere-se, nesse caso, a autonomia concernente à habilidade de uma pessoaem usar essas tecnologias e também em resolver problemas tecnológicos– particularmente no contexto de aprendizagem de Língua Estrangeira(LE), pelo fato de a Internet se constituir em uma importante ferramentano processo de aprendizagem. Nessa mesma direção, Warschauer(2002), defende que o conceito de autonomia deve ser estendido, emsuas aplicações, não apenas para o uso autodirecionado deaprendizagem de uma língua, mas também habilitar uma pessoa adesenvolver, explorar, avaliar e se adaptar às tecnologias com as quaisse encontra envolvidas.

Para Loiselle (2002), os progressos tecnológicos fazem com queos campos de aplicação das diversas disciplinas e as ferramentaspróprias a elas também estejam em constante mutação. Nesse contexto,que exige dos indivíduos um processo continuo de atualização de seusconhecimentos, torna-se necessário que os aprendizes desenvolvamhabilidades que lhe permitam explorar os conhecimentos que se tornamacessíveis pelos diversos canais de informação. A atitude autônoma dosujeito parece estar atrelada diretamente a capacidade dele em se auto-instruir, mesmo na ausência de um mediador humano ou fora dosprogramas de formação estabelecidos. Frente a esse novo paradigmasociotecnológico e pedagógico, a questão da autonomia precisa ser

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compreendida dentro de uma nova agenda educacional, já que essacapacidade de se auto-instruir será uma competência fundamental nasvidas das pessoas. Para Alava (2002), o saber não é mais um produtopré-construído e midiaticamente difundido, mas o resultado de umtrabalho de construção individual ou coletivo, a partir de informaçõesmidiaticamente conhecidas, para oferecer ao aprendiz oportunidadesde mediação, a autoformação assistida, um autodidatismo completo,uma auto-gestão da aprendizagem bem-sucedida e a utilização daautonomia do aprendiz em um dado processo.

São, pois, a teoria sócio-cultural, a perspectiva colaborativa parao ensino e aprendizagem e o conceito de autonomia os pilares teórico-práticos que sustentam a adoção ora proposta para esta pesquisa,cujo desenvolvimento, será realizado, como já dissemos, a partir dosprincípios estabelecidos pelos procedimentos de investigaçãoestabelecidos pela Pesquisa-Ação. Conforme define Thiollet (1986), apesquisa-ação se caracteriza como um tipo de pesquisa social, de baseempírica, que é concebida e realizada em estreita associação com umaação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual ospesquisadores e os participantes representativos da situação ou problemaestão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

Para Lewin (1965), a primeira condição prévia de uma observaçãobem sucedida em qualquer ciência é uma compreensão determinadasobre que tamanho de unidade vai ser observado numa dadaoportunidade. Esse autor advoga que durante muito tempo interpretamosmal as exigências científicas da análise e tentamos observar em todasas circunstâncias as menores unidades possíveis. Considera-se que oparadigma científico tradicional reduz os fenômenos humanos a variáveisque podem ser usadas para predizer comportamento futuro. Ao contrário,de acordo com Perry e Zuber-Skerritt (1994), o paradigma alternativo(do qual a pesquisa-ação é uma parte) descreve o que aconteceholisticamente.

No escopo da pesquisa-ação, não se tenta fixar limites estreitospara controlar a situação experimental. Para Trist (1976), o investigadorde ação estuda o problema (pessoas ou instituições) em seu estadonatural. De acordo com Dickens e Watkins (1999), os participantes depesquisa-ação começam com pouco conhecimento em uma situaçãoespecífica e são as condições ambientais que conduzem a direção dapesquisa. Por outro lado, a ciência tradicional começa com umconhecimento significativo sobre relações hipotéticas, enquanto buscaa descoberta de fatos novos, verifica os velhos, analisa sua seqüência,

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explicações causais e as leis que governam a aglutinação dos dados.Segundo esse autores, isso é exato na medição de causa e efeito. Chein,Cook e Harding (apud DICKENS e WATKINS (1999), apontam queuma distinção entre os pesquisadores da ciência tradicional e os depesquisa-ação está no fato de que os últimos não só têm de fazernovas descobertas, mas também assegurar que elas sejam corretamenteaplicadas. Os investigadores de ação tentam fazer descobertas científicasao mesmo tempo em que resolvem problemas práticos, nesse contexto,os participantes em programas de pesquisa-ação não podem ser tratadoscomo objetos ou assuntos, mas sim como co-investigadores.

3.1 - Procedimentos MetodológicosA metodologia adotada para este trabalho, para efeito de

descrição e interpretação dos problemas identificados, será de naturezaqualitativa. A metodologia qualitativa, conforme demonstra Van Maanen(1983), constitui-se de um conjunto de técnicas interpretativas cujoobjetivo é retraçar, decodificar ou traduzir e interpretar fenômenos sociaisnaturais, com vistas à obtenção de elementos relevantes para descreverou explicar tais fenômenos, ao invés de se limitar às freqüências comque esses fenômenos ocorrem como previstos pela concepção positivistade pesquisa.

3.1.1 - Os dados da pesquisaPara essa investigação, consideraremos como dados para a

análise: a) todos os registros das observações realizados durante asvisitas na escola; b) as entrevistas realizadas com o professor; c) asentrevistas realizadas com a direção da escola e com alunos e d) asconsiderações (reflexões) realizadas durante as reuniões quinzenais doProjeto Arado.

4 - As intervenções e seus efeitosOs relatos, apresentados a seguir, referem-se às situações-

problemas por nós observadas durante 3 meses, de abril a junho de2004, e que sofreram intervenções práticas. Todos os encaminhamentossão resultantes das reflexões e discussões realizadas entre nós e oprofessor participante.

a) da apostila ao computador: dois recursos distintos, porémcomplementares para a prática pedagógica

A apostila utilizada pelo professor já demonstrava um certo grau

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de autonomia, pois o fato de não possuir livro didático somado ànecessidade de se ter um material de apoio para melhor processar oensino da língua inglesa, fazia com que ele buscasse em outras fontes,textos e exercícios (fotocopiados) que pudessem contemplar as suaspropostas de aula para cada série. Foi possível constatar que as aulasdo professor eram realizadas quase toda em Inglês, porém as atividadespropostas para escrita e leitura não apresentavam nenhum componentediferente das práticas observadas em outros contextos de ensino delínguas como, por exemplo, nos relatos dos outros colegas envolvidoscom a pesquisa-ação no ARADO. Frente a essa constatação refletimoscom o professor o porquê de ele não utilizar os computadores comorecurso de apoio às aulas de Inglês. Um dos fatores que contribuíapara a não incorporação dos computadores no plano de aula estavarelacionado com o número de alunos, em media de 35 por aula, e onúmero insuficiente de computadores, apenas 11. Essa situação criavauma relação de três alunos (quando não quatro) por computador,dificultando, como alegou o professor, o gerenciamento de diversassituações, tais como: a) os alunos não sabiam utilizar os computadores;b) alguns alunos monopolizavam o uso da máquina, fazendo com queos demais apenas ficassem olhando; c) havia ansiedade e frustraçõespor parte dos alunos; d) havia uma preocupação do professor com oconteúdo; d) o tempo h/a era extremamente insuficiente para fazer algocom o mínimo de sucesso; e) havia sinais de vandalismo por parte dealguns alunos, entre outros aspectos.

Apesar de serem argumentos procedentes, mantivemos a idéiade buscarmos soluções para que os computadores fossem utilizadosnas práticas pedagógicas do professor. A primeira proposta apresentadaestava relacionada ao material impresso elaborado pelo professor, ouseja, sugerimos a ele que incorporasse na apostila, textos e imagensrelacionados ao computador e a internet que servissem de base para aproposição de exercícios que contemplassem o programa de conteúdoprevisto nos planos de aulas. Para tanto, elaboramos uma proposta deatividade que apresentava imagens sobre as diferentes partes docomputador, seguido de suas definições em inglês (e.g. monitor,keyboard, CPU - Central Processing Unit, printer, scanner, entre outros).Uma outra atividade mostrava, através de uma imagem, como a Internetfunciona e também alguns termos técnicos específicos do computadore da Internet (e.g. delete, caps lock, shift, provider, download, upload,setup, site, homepage etc.).

Foi elaborado também um exercício intitulado “What can you

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do” ( O que você pode fazer?), com uma série de espaços em branco(blanks) para que o aluno, com base no material com as ilustrações decada parte do computador e suas respectivas atribuições operacionais,escrevesse o nome do equipamento, em conformidade com sua funçãotécnica, por exemplo:

a) with _____ , you can press (com ____, você pode imprimir);b) with_______ , you can write (com _____ você pode imprimir); c)with ______________, you can listen to (com ______você pode ouvir);entre outros.

Partindo do principio de que a falta de letramento digital por partedos alunos era um empecilho para trabalhar a língua inglesa nocomputador, o professor adotou como critério, a divisão dos alunos decada sala em dois grupos, o de número par e o de número ímpar da listade presença. Essa medida permitiu uma relação de no máximo doisalunos por computador e, em alguns casos, uma relação de um alunopor computador (Fig. 1). Segundo relato do professor, a relaçãoaparentemente ideal de um aluno por computador se apresentava menosprodutiva em relação aos que se encontravam em par. Para o professor,isso estava relacionado ao fato de que em dupla eles podiam colaborarum com o outro na execução das tarefas, ou seja, um provia andaimepara o outro e atingia com maior sucesso o objetivo proposto pela tarefa.

Fig.1 – Alunos em atividade de aprendizagem de Língua Inglesa por meio docomputador no Laboratório de Informática.

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Enquanto os alunos de número par ficavam na sala de informática,os de impar ficavam na sala de aula realizando as atividades da apostila.Na aula seguinte, invertia-se a situação. Foi possível constar, frente aessa forma de trabalho, que o professor tinha que se desdobrar paragerenciar duas situações distintas de atividades e em espaço físicosrelativamente distantes uns dos outros. Quando questionado sobre opossível desgaste gerado pela sua decisão didático-pedagógico, oprofessor disse que tal atitude era totalmente exeqüível e tambémreconheceu que isso já poderia ter sido feito antes, uma vez que osalunos estavam colaborando em muito com a sua proposta. Para oprofessor, muito desse comportamento positivo estava relacionadoexatamente com a sala de informática que, na verdade, funcionavacomo um elemento motivador, ficou clara a existência de um tratadoentre o professor e os alunos. Ficou estabelecido nesse tratado que se oaluno violasse esse tratado, ele estaria suspenso das atividades da salade informática. Essa cumplicidade entre alunos e professor, tendo ouso da sala de computadores como ambiente de aprendizagem, refletiudiretamente sobre o índice de ausência dos alunos nas aulas de línguainglesa. Para o professor, um dos reflexos mais positivos de sua recenteproposta de trabalho.

b) O computador como meio de aprendizagem para além dalíngua inglesa

Para potencializar o uso dos computadores como recursos naspráticas de ensino de língua inglesa e por estarem off-line, ou seja, nãoconectados à Internet, foi instalado no computador central (que funcionacomo provedor para os demais) um dicionário inglês/português/inglês.Também foi instalado um arquivo com um glossário inglês/portuguêscom termos técnicos relacionados ao computador e a Internet. Alémdos dicionários virtuais, instalou-se um exercício de múltipla escolhaque, ao checar as respostas do aluno, mostra comentários sobre asrespostas incorretas, sugere alternativas e retorna às questões para queo aluno possa, uma vez mais, tentar a resposta tida como certa. Comoo professor tem um bom nível técnico em informática não se teve muitasdificuldades para explicar o funcionamento dos softwares. Naoportunidade, foi realizada uma apresentação dos softwares instaladose disponibilizados nos computadores para a diretora da escola.

A atividade técno-pedagógica proposta pelo professor na salade informática iniciou com a digitação pelos alunos de um texto emInglês sobre a Internet. O texto que seria digitado pelos alunos, a partirde um material impresso, tinha alguns erros, propositalmente feitos peloprofessor, tais como: palavras conhecidas dos alunos, porém grafadasde forma errada; palavras escritas sem espaçamento, entre outros. Comoos textos eram digitados com o corretor de texto em inglês acionado,

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cabia aos alunos descobrirem o que estava errado e, assim, corrigir oserros. Nessa ocasião, constatamos que, diferentemente de suaperformance na sala de aula com a apostila, o professor fazia poucouso da língua inglesa. Segundo ele, isso estava acontecendo porque setratava de orientações instrucionais sobre como realizar operações, taiscomo: abrir o arquivo de texto, formatar e salvar o texto, inserir figurasno texto a partir do clipart, colorir etc. Para o professor, se estas instruçõesfossem dadas em inglês os alunos teriam dificuldades para assimilá-lase isso seria pouco produtivo, sem falar no estresse a que estariam expostos- um argumento que entendemos ser bastante procedente.

A expressão de satisfação dos alunos quando conseguiam realizarcom sucesso as operações requeridas era um indicativo de que algo demuito positivo estava acontecendo na vida de cada um deles. Quandoperguntado a um aluno de 18 anos o que ele estava achando dasaulas de língua inglesa, ele respondeu que estava sendo muito maislegal e que agora ele sabia até como ligar um computador.

c) Do off-line ao on-line: a parceria que colocou a Escola nomundo da realidade virtual

O fato de os computadores estarem off-line e vendo que nossainterferência já surtia um efeito nas práticas do professor, direcionou-nos para uma outra questão, ou seja, conectar os computadores àInternet. Como havia uma estrutura física pronta, inclusive com umalinha telefônica, faltava apenas comprar um aparelho moden ADSL,contratar os serviços de banda larga e o de um provedor. Em reuniãocom a diretora, fomos informados que a escola não tinha como arcarcom esses gastos. Surgia nesse momento a idéia de se buscar umpatrocínio em alguma empresa privada da cidade de Sete Lagoas. Paratanto, elaborou-se junto com a diretora e o professor, um documentocom dados sobre a escola e uma justificativa com o claro propósito desensibilizar algum empresário local para patrocinar os custos mensaisdo sistema de conexão para a escola.

Elegeu-se para tanto uma empresa de transporte coletivo da cidade.Em reunião entre os representantes da empresa e os da escola, ou seja,a diretora, o professor Paulo e também um representante dos alunos eum dos funcionários, fez-se à entrega do documento com o pedido dopatrocínio. Apesar de não poderem dar nenhuma resposta definitiva nomomento da reunião, pois o assunto tinha de ser tratado internamentepelos setores responsáveis da empresa, disseram que poderiam,provavelmente, patrocinar a Internet para a escola durante um ano,inclusive com assistência técnica. Como contra-partida, a diretora colocouà disposição da empresa as dependências físicas do auditório para arealização de reuniões. Segundo o professor Paulo, a resposta formal daempresa para a escola será dada no mês de agosto/04.

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d) www.aescolamostraacara.com.br: a outra dimensão para aaprendizagem de língua inglesa

A possibilidade de a escola estar conectada à Internet, emdecorrência da parceria firmada com a empresa patrocinadora,contribuiu para que redimensionássemos boa parte da proposta de usodo computador nas práticas de ensino de língua inglesa. O primeirotrabalho, em parceria com o professor, foi a construção, ainda quemodesta, de um site estruturado em inglês da escola (Fig. 2). O objetivodesse site, além de possibilitar a veiculação de informações sobre aescola (histórico, número de alunos, professores, funcionários, convitesetc), tem também uma parte dedicada à aprendizagem da língua inglesa,tal como textos, exercícios, links etc. Como os alunos não possuemconhecimentos técnicos na área de construção de páginas para a Web,caberia a eles discutirem o conteúdo a ser disponibilizado no site e aoprofessor a responsabilidade técnica da atualização.

Nessa proposta de trabalho, o professor estaria socializando osseus conhecimentos técnicos para que alguns alunos aprendessem comorealizar a atualização da página, com isso eles teriam não só autonomiapara discutirem o conteúdo com as pessoas da escola, como professor,alunos, direção, secretaria e funcionários, mas também em organizar eatualizar o site da escola.

Fig. 2 – Página de abertura do site da Escola.

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Outras possibilidades suscitadas em reunião com professor parao trabalho de ensino e de aprendizagem de língua inglesa, em virtudeda conexão da sala de informática à Internet e que poderiam sercolocadas em prática imediatamente, seriam: a) criação de contas dee-mail para cada aluno; b) práticas de uso da língua em ambientesautênticos da rede, como e-mail e chat; c) comunicação com falantesnativos e não nativos do pais e do exterior; d) acesso a filmes, clips,filmetes, cartões virtuais, imagens, jornais, revistas, propagandas, turismovirtual, etc; e) acesso a diferentes gêneros de textos e d) acesso a ambientesde CALL (Computer-Assisted Language Learning) para a prática deexercícios de aprendizagem;

É evidente que todos esses recursos não garantem a aprendizagemde língua inglesa e tão menos a autonomia do aluno, porém se bemdirecionados pedagogicamente pelo professor, enquanto mediador eprovedor de andaimes eficazes, tanto a aprendizagem da língua-alvocomo a aprendizagem técnica sobre o uso dessas tecnologias digitaispodem apresentar resultados bem satisfatórios. Dentro desse mesmocontexto de aprendizagem, torna-se então possível, contribuir para queo professor e, principalmente, os alunos desenvolvam maiores grausde autonomia.

e) A sala de informática como espaço favorável para o ensinode língua inglesa

A disposição dos computadores rente as duas paredes lateraisda sala de informática criou um espaço bastante amplo no centro dasala (ver Fig. 1). Dessa observação surgiu a proposta de transformar asala de informática em um ambiente voltado para o ensino de línguainglesa. Para tanto, seriam disponibilizadas mesas com bancos paraque os alunos que não estivessem trabalhando nos computadoresdesenvolvessem as atividades previstas nas apostilas entre outros tiposde tarefas. Toda a sala seria decorada com motivos em inglês, comocartazes, trabalhos dos alunos, mensagens, denominações etc. Comisso, o professor não teria mais a necessidade de ficar deslocando entrea sala de informática e a sala de aula durante as aulas de línguainglesa, pois os alunos ficariam concentrados em um único lugar, alémde se constituir em um ambiente menos árido para a aprendizagem.Essa proposta teve aprovação da direção da escola uma vez que osdemais professores fazem pouco ou nenhum uso dos computadores emsuas atividades escolares.

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f) Os reflexos da pesquisa-ação sobre os participantes dessainvestigação: o professor orientador, o professor participante e o alunode graduação

A percepção do professor sobre o quanto já se sentia modificadopelas ações implementadas em suas atividades e a constatação domuito que ainda precisa e pode ser feito para melhorar o ensino dalíngua inglesa, contribuíram, em muito, para aguçar o interesse doprofessor em continuar seus estudos de qualificação em nível demestrado. Essa “contaminação” positiva gerada pelo envolvimento nasatividades que englobaram essa pesquisa refletiu também sobre ograduando Danilo Cristófaro A. da Silva, sua intenção é dar continuidadenesse trabalho, também em um curso de mestrado. Esses interesses,caso venham a ser consolidados, permitirão um acompanhamento maissistemático, a curto, médio e longo prazo, dos resultados das açõesrealizadas ao longo dos quatro meses de trabalho dessa investigação.Um outro reflexo desse trabalho, deu-se também sobre algunsprofessores das outras áreas e também com a professora de línguainglesa do Ensino Fundamental. Segundo o professor Paulo, essesprofessores têm demonstrado um grande interesse em querer superar assuas limitações técnicas sobre o uso do computador, para que assim, aexemplo do que vem ocorrendo com ele, possam também implementaros recursos disponíveis na sala de informática em suas propostas deensino.

Por fim, é preciso mencionar que essa experiência, a exemplo doocorrido com os outros participantes, também promoveu mudanças noprofessor orientador. Uma mudança que, acreditamos, só foi possívelgraças ao modelo de pesquisa adotado, ou seja, social, flexível,horizontal, com capacidade de promover a negociação, a interlocuçãoe a participação direta e indireta no cotidiano do contexto sócio-técnico-pedagógico do professor participante. Essa intervenção possibilitou aoorientador aguçar olhares e, assim, enxergar de forma mais cristalinaaspectos problemáticos subjacentes nas práticas de ensino do professore também na da escola. Uma outra questão aprendida nesse processoestá relacionada com o fato de não se poder afirmar, de forma infundadaou não, que os problemas identificados na escola são recorrentestambém em outros contextos escolares. São generalizações que podemser perigosas, irresponsáveis e antiéticas, pois cada contexto apresentauma realidade e, conseqüentemente, variáveis diferentes. Ao contráriodisso, a grande contribuição gerada por essa vivência está relacionadacom uma maior capacidade de reflexão, de especulação, de discussõese proposições para outras investigações.

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Uma outra contribuição foi a lamentável constatação do quantoé distante a realidade entre a universidade e a escola. Uma situaçãoque poderia ser diferente se a universidade não tomasse a escola comoum lócus provedor de dados, como ocorre na maioria dos casos dasinvestigações, principalmente, se sustentada por uma concepçãopositivista de ciência. O grande diferencial seria o envolvimento maisprofícuo da universidade com as tramas sociais geradas pelas realidadescontraditórias da escola. Pois, isso permitiria, entre outras coisas,colaborar de forma decisiva (prática mesmo), na resolução de problemasque pudessem ser solucionados ou amenizados. Um fator que, semdúvida alguma, conferiria à universidade um cumprimento mais louvávelde seu papel social.

O trabalho com esta proposta de pesquisa também foi decisivopara tornar o professor orientador, enquanto representante do meioacadêmico, um pessoa bem mais sensível aos problemas sócio-psicopedagógicos de uma escola. E, fundamentalmente, a crença deque é possível, através dessas intervenções, não mudar por completouma dada realidade escolar, mas contribuir com a operação demudanças, ainda que pequenas, porém de resultados, para que aescola se transforme num espaço bem melhor para ensinar e,principalmente, aprender.

ConclusõesAs conclusões que ora apresentamos são preliminares, uma vez

que muitas das ações empreendidas nessa pesquisa-ação encontram-se em desenvolvimento, requerendo, por essa razão, um tempo maiorpara a verificação de seus resultados práticos. No entanto, é possívelapresentar algumas conclusões com base em nossas observações e,principalmente, depreender alguns aspectos que já aparecemredimensionados na atitude do professor na forma de reflexos diretossobre o cotidiano da escola e, principalmente, dos alunos.A primeira constatação está relacionada ao nível de informatização daescola. Ou seja, o fato de uma escola estar equipada com computadoresnão significa que esses recursos tecnológicos estejam, de fato,incorporados ao cotidiano das práticas sócio-tecno-pedagógicas. Éinteressante observar ainda, que apesar do fato dos computadoresestarem sendo subaproveitados na escola, eles são constantementediscursivizados por dirigentes e professores como sendo objetos queconferem um status diferenciado para as escolas quedispõe de tais recursos. Assim, é comum a escola se promover por

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dispor de computadores, embora o seu uso seja inexpressivo.Segundo, conforme aponta Ramal (2002) e reforçado pela

própria diretora da escola, há uma resistência de muitos professoresfrente ao computador. Uma situação que poderia ser superada comcursos de capacitação para os professores, a partir de um programaestruturado dentro do planejamento global da escola. Terceiro, osdiferentes graus de autonomia esperados para o professor e tambémpara os alunos parecem relacionar-se diretamente aos tipos de andaimese aos seus direcionamentos para as problemáticas eleitas para as açõesde intervenções. Quarto, que é possível, e até preciso, trabalhar osmais diferentes conteúdos de uma área de conhecimento,concomitantemente com o ensino técnico dos procedimentosoperacionais básicos do computador. Esse entendimento pode contribuirde forma decisiva para que o aluno realize com maior sucesso as tarefaspropostas, além de possibilitar que ele tenha uma compreensão sobreo funcionamento lógico da máquina, uma situação que pode favorecerem muito a que o aluno também desenvolva um maior grau deautonomia. Essa perspectiva complementar, entre essas duasmodalidades de conhecimento, lingüístico e técnico, configura-se numasituação bastante privilegiada para o letramento digital e a inclusãosocial dos alunos. Quinto, o professor participante, em conformidadecom Littlewood (1996) e Paiva (2004), demonstrou um bom grau deautonomia, expressos, por exemplo, na decisão em se qualificar(EDUCONLE), em pesquisar e elaborar materiais didáticos (apostilas).Porém, quando focado no contexto das práticas pedagógicas queenvolviam o uso dos computadores para o ensino de língua inglesa,foi possível verificar que o professor em questão apresentava um graubastante baixo de autonomia. No entanto, o reconhecimento por partedesse professor sobre a não incorporação desses recursos tecnológicosem suas aulas e, conseqüentemente, a prontidão com que acolheu e sepredispôs a participar dessa pesquisa parece ter marcado o inicio dedesenvolvimento de um grau de autonomia que até então não faziaparte de suas atividades didático-pedagógicas. Essa tomada de decisãofoi gradativamente se evidenciando tanto em suas atitudes como emsuas reflexões, ou seja, o professor dava-nos indícios de que estava empleno processo sócio-cognitivo de construção e de redimensionamentode uma nova performance de autonomia. Uma postura, que seapresentava decisiva para o novo cenário de ensino-aprendizagemque começava a se delinear, como conseqüência direta e indireta dasações propostas por esse projeto de pesquisa-ação.

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E, por fim, queremos salientar que a proposta de pesquisanorteada pelos pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa-açãose apresentou como uma alternativa de pesquisa bastante pertinente anossa proposta de investigação, pois, o fato de se ter como partícipe osujeito do cenário das intervenções, possibilitou a todos os envolvidosvivenciarem na prática, mudanças aparentemente concretas na formade pensar e agir do professor e, principalmente, para a compreensãodos alunos de que a escola pública pode e precisa ser, para além deseu papel sócio-historicamente instituído, um lugar privilegiado parapossibilidades outras de aprendizagem em função das exigências sociaisrequeridas para esses novos tempos.

Data de recebimento: 10/01/2005Data de aceite para publicação: 30/01/2005

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DEMOCRACIA E CONSTRUÇÃO DOPÚBLICO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Terezinha Fonseca de Carvalho Araújo Fábio Reis Coronel

FÁVERO, O.; SEMERARO, G. (Org.) Democracia e construção dopúblico no pensamento educacional brasileiro. Petrópolis : Vozes,2002.

A obra reúne textos de estudiosos da área de educação brasileiraapresentados no seminário “Democracia e construção do público nopensamento educacional brasileiro”, realizado em maio de 2001, naFaculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense,promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação. O conjuntodos textos constrói uma radiografia da complexa e contraditória realidadepolítica e educacional do país, analisada do ponto de vista histórico,jurídico, social e cultural.

Carlos Nelson Coutinho escreve sobre a “Democracia na batalhadas idéias e nas lutas políticas do Brasil de hoje”, em dois tópicos.O primeiro, expõe sua visão do que é a democracia e o segundo fazalgumas observações sobre a democracia brasileira atual. O autorsegue a linha de pensamento de Rousseau sobre democracia, segundoa qual não existe democracia sem participação de toda comunidade.Para ele, a democracia é incompatível com o neoliberalismo, peladesigualdade social e material que impõe às pessoas, a democraciasomente se desenvolve onde existe o socialismo.

A queda da ditadura e democratização do Brasil é o tema deFrancisco de Oliveira. Segundo ele, a Nova República já nasceucometendo atos inconstitucionais, como a sucessão de Tancredo porSarney, que foi ilegal, pois o Presidente da Câmara é quem deveria terocupado esse lugar. A partir desse fato, ocorreram uma série decasuísmos que contaminou a abertura política, mascarando o quedeveria ser o nascimento de uma nova relação de poder entre o povoe as autoridades.

Gaudêncio Frigotto expõe sobre educação e a construçãodemocrática no Brasil, traçando o caminho seguido da ditadura militarao que ele chama ditadura do capital. Para o autor, o que se configuraatualmente no país é uma nova forma de ditadura imposta pelas reformasneoliberais, em que o mercado e o capital ditam as regras do jogo,

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subordinando os mais fracos (povo) aos “grandes centros hegemônicosdo grande capital”, inclusive submetendo a educação a um papel deformadora de mão-de-obra significando num grande equívoco, já quea escola não atenderá ao princípio formador do cidadão e nem serácapaz de suprir o mercado, pois a educação acompanha o ritmoacelerado do progresso tecnológico.

Maria Victoria Benevides discutiu sobre a construção dademocracia no Brasil pós-ditadura militar. A autora afirma que, apesarda abertura política, nada mudou na essência, seja no aspectoeconômico, em que persistem as desigualdades, ou na cultura elitista eautoritária. Assinala somente uma melhoria na questão da participaçãopopular, por meio dos movimentos, associações, dentre outras formasde lutas. Também destaca como conquista a promulgação daConstituição Federal que privilegia os direitos sociais e a liberdade,mas a falta de leis que regulam os diversos preceitos constitucionaisinviabilizam muitas dessas conquistas.

As políticas e planos educacionais para a construção dademocracia pós-ditadura militar foram analisados por Maria Ciavatta.Considera que somente se pode discutir realmente a democracia e comoela se realiza no Brasil, quando se aborda a questão do trabalho. NoBrasil, as políticas sociais somente cumprem um papel funcionalmomentâneo, suprindo alguns vazios deixados pelo sistema capitalista,quando deveria ser planejada para longo tempo com uma visão defuturo, de permanência, abarcando todos os setores da sociedade,como a educação, economia e assim por diante.

Carlos Rodrigues Brandão no artigo “Soletrando a letra P: povo,popular, partido e política – a educação de vocação popular e o poderdo Estado” expõe algumas idéias que foram surgindo em váriosmomentos de sua vida no ambiente educacional. Discute sobre aresponsabilidade solidária que deve ser trabalhar pelos educadores naformação de pessoas. Sendo assim, os valores humanos, a solidariedadeativa e consciente, devem ser uma prática cotidiana, natural do homeme não como uma bandeira de luta.

Carlos Roberto Jamil Cury discute sobre as políticas da educação.O autor afirma que “as políticas da educação vêm se constituindo hojeem um terreno pródigo de iniciativas [...] no campo dos suportesmateriais, [...] nas propostas institucionais, [...] no setor propriamentepedagógico” formam uma grande espectro que alcança toda aeducação. Também alerta sobre a rapidez com que as informaçõeshoje são disseminadas; por meio das mídias mostram as diferençassociais e econômicas, conscientizando os mais carentes dos seus direitos

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e de como são relegados ao esquecimento pelo poder público e pelosmais abastados. Esse fato incentiva a participação popular em buscade um lugar melhor na sociedade e ao exercício dos seus direitos.

Lúcia Maria Wanderley Neves apresenta o tema “As massastrabalhadoras começam a participar do banquete, mas o cardápio éescolhido à sua revelia, ou democracia e educação escolar nos anosiniciais do século XXI”. Ela discute a crescente municipalização do ensino,sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino e de Valorizaçãodo Magistério (FUNDEF). A municipalização é restrita a operacionalizaros programas elaborados pelo Governo Federal, ou seja, em sua maioriachega prontos, não existe uma discussão mais regionalizada, voltadapara as realidades de cada parte do país, que é grande e diversificado.

Frei Betto participa abordando o tema “Práxis educativa dosmovimentos sociais”. O autor discute sobre as diferenças entre aspretensões da família, a escola e as Igrejas, que é de formar cidadãos;e o que é ditado pela mídia, que propaga o desejo de consumir, cadavez mais. As conseqüências dessa alienação da maioria dos jovensvoltada somente para as coisas materiais, despolitizados, observadoresdos modismos, pode formar gerações de pessoas homogêneas, semhistória e culturas próprias.

Os movimentos sociais, democracia e educação são vistos porRoberto Leher. O fortalecimento da esquerda, nos anos 1980, motivouo crescimento dos movimentos sociais, estimulando o debate acercadas relações de produção impostas pelas classes dominantes. Para oautor, o povo compreendeu que a democracia é historicamentedeterminada e, desse modo, procurou formas de se unir para lutarpelos seus direitos em todas as áreas, sejam políticas, sociais,econômicas, culturais, dentre outros. Após anos de ditadura militar esendo obrigado a silenciar sobre os seus desejos e expectativas, porexemplo, a nação observou que poderia tomar iniciativas de melhoraras condições do país e passou a ir à luta.

Giovanni Semeraro apresentou “recriar o público pelademocracia popular”. Explica que a democracia não é um sistemapolítico somente, mas é a prática específica pela qual o povo se tornasujeito, politicamente ativos, com responsabilidades coletivas eparticipação social.

Os renomados autores destacados neste livro contribuem demaneira clara e objetiva para entender o papel da escola e doseducadores frente as reais imposições pelas quais passa a educação eo compromisso de lutar por uma escola pública, gratuita, laica e dequalidade.

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CURRÍCULO, CULTURA E FORMAÇÃODE IDENTIDADES NO PROJETO

PARCELADAS1

Heloisa Salles Gentil

IntroduçãoTemos como objetivo neste texto apresentar alguns aspectos de

uma experiência de formação de professores realizada pela UNEMAT(Universidade do Estado de Mato Grosso) no interior do Estado,destacando as condições históricas que levaram à constituição de umcurrículo diferenciado. Queremos discutir essa experiência com baseem alguns elementos presentes nas atuais teorias sobre currículo,ressaltando a relação entre currículo e identidade. Dadas as condiçõesde tempo e espaço disponíveis para este trabalho, damos atençãoespecífica neste texto à história regional, como um dos fatores quepropiciou a construção desse currículo, mais que aos aspectos internosque o compõem. Não nos propomos neste momento a avaliar práticascurriculares, nossa intenção é apresentar o processo de confluênciaentre elementos da história de determinada região e a vida de seusprofessores e elementos da proposta de formação “pensada pelauniversidade”. Com isso buscamos reforçar a idéia de que o currículoreal é algo mais amplo do que costumamos imaginar e que se realizaem determinadas relações sociais e culturais específicas, mas que podeser pensado a partir das diversas realidades ficando, dessa maneira,mais próximo de condições reais de efetivação.

Sobre currículoO currículo é lugar, espaço, território.O currículo é relação de poder.O currículo é trajetória, viagem, percurso.O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade.O currículo é texto, discurso, documento.O currículo é documento de identidade.

2

1 Este texto foi escrito em 2000 como atividade de uma disciplina do Mestrado e revisto em 2005 parapublicação na Revista de Educação da FAED/UNEMAT.

2 Texto da contracapa do livro de SILVA, Tomás Tadeu. Documentos de Identidade Uma introdução àsteorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

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Por um bom tempo nós, professores, consideramos a questãodo currículo escolar como uma tarefa simples de organizar um certoconteúdo, que supúnhamos, ou pelo menos trabalhávamos como sefosse, inquestionável. Desse modo, o que movia a discussão sobre ocurrículo era a melhor maneira possível de transmitir os conteúdosselecionados. Historicamente, a palavra currículo emerge do campodas atividades físicas, significando trajeto ou percurso a ser cumprido edepois adquiriu o significado de organização de um determinado saberno tempo e no espaço. Veiga Neto (2000) diz que currículo é um artefatocom fins pedagógicos de colocar ordem no conhecimento, na escola,no mundo; e a escola, como uma invenção moderna que é, assumepara si essa função: organizar o mundo a partir da organização desaberes. Depois de um tempo há como que um processo de naturalizaçãodesse currículo, como se ele não tivesse história nem fosse fruto dascondições de possibilidade do tempo e lugar em que foi organizadocomo tal. Atualmente a ênfase se dá, ao menos numa perspectivadenominada pós-estruturalista, na questão do porquê e a quê interessesse relacionam as escolhas feitas em determinado currículo, procura-seconsiderar sua origem social e histórica.

A discussão apresentada por Tomaz Tadeu (1999) é extremamentepertinente quando nos diz que cotidianamente discutimos currículorelacionando-o apenas a conhecimento e sua forma de organização,sem considerarmos as questões relativas à formação de nossa identidadeque tão de perto se relacionam à questão da constituição do próprioconhecimento. As teorias pós-estruturalistas trazem essa discussãoquando desenvolvem conceitos de identidade cultural e social, peloprocesso vivido nos tornamos o que somos.

Várias experiências educacionais têm tentado em suas açõespedagógicas não se afastar dessa nova compreensão. Propomo-nosaqui a uma primeira análise de alguns aspectos da experiência vividano Projeto de Licenciaturas Plenas Parceladas, em que se pretende umaconstrução-reflexão contínua do currículo tomada em todas as suasdimensões (políticas, de poder, de identidade...).

Para uma reflexão a respeito do Projeto Parceladas, poderíamospartir de inúmeros focos. Optamos aqui por situá-lo na história deonde ele emerge a fim de analisá-lo no campo de discussões do currículo.Por quê? Um projeto educacional não surge do nada e nem apresentaem seu acontecer as características tais e quais pensadas, ainda assimtem fios condutores que, mesmo quebrados, emaranhados ouemendados, estabelecem relações entre uma idéia e uma prática. Osurgimento de um projeto como este se dá por determinadas condições

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e não por outras, não estamos aqui defendendo um determinismohistórico, mas sim a existência de contextos possíveis. Procurarcompreender as condições que propiciaram seu surgimento é tambémtentar compreender as relações que se estabelecem entre sociedade,cultura e currículo em determinado tempo e local, sem esquecer que “ocurrículo real é mais amplo que qualquer “documento” no qual sereflitam os objetivos e planos que temos.” (SACRISTÁN, 1998, p.86).

E por que o interesse específico em compreender questõesrelativas à discussão de currículo a partir deste projeto? Porque foi umprojeto que se transformou em um programa, isto é, uma experiêncialocalizada, constituída a partir de certo contexto e que a seguir, emnova conjuntura, é assumido como um programa de formação docenteda Universidade para o Estado de Mato Grosso.

Contexto Histórico

De certa forma, então, um currículo guarda estreitacorrespondência com a cultura na qual ele seorganizou, de modo que ao analisarmos umdeterminado currículo, podemos inferir não só osconteúdos que, explícita ou implicitamente, sãovistos como importantes naquela cultura, como,também, de que maneira aquela cultura priorizaalguns conteúdos em detrimento de outros, isto é,podemos inferir quais foram os critérios de escolhaque guiaram os professores, administradores,curriculistas, etc que montaram aquele currículo.(VEIGA-NETO, 2000)

A região denominada Médio Araguaia, onde se situa a Prelaziade São Félix do Araguaia

3,tem uma história de movimentos sociais

bastante peculiar, ao mesmo tempo que parte da história nacional maior.Os sujeitos dessa história são sujeitos de uma luta por “melhora devida”, luta esta que percorre o caminho de luta pela terra (a busca dasobrevivência); de luta pela cidadania (a busca do reconhecimento deuma identidade); de luta pela educação (o caminho para a realizaçãode uma utopia). Os movimentos sociais da região mantêm uma relaçãoforte e constante com o espaço institucional escolar e fazem dele umade suas frentes de batalha mais estratégica.

3 A referência à Prelazia de São Félix se faz pertinente na medida em que é nacional e atéinternacionalmente conhecido o trabalho de pastoral, também de educação, realizado sob acoordenação do bispo Pedro Casaldáliga.

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A região é ocupada, num primeiro momento, em sua maiorparte, por pequenos produtores, lavradores ou criadores de gado, emsua maioria posseiros, cuja produção visa apenas a subsistência eque, durante muitos anos, disputaram a posse da terra com grandeslatifundiários, ou melhor dizendo, com representantes de grandeslatifundiários, quase sempre ausentes e totalmente desconhecidos. Apopulação é oriunda do nordeste e do norte do país e se deslocou parao Médio Araguaia em busca de “uma vida melhor”, de uma “terraonde criar os filhos”, com uma certa esperança de “futuro melhor”.Mais tarde vieram os sulistas, através dos projetos de colonização.

De uma maneira arbitrária, poderíamos demarcar três temposde relações com a Educação na região: o primeiro, tomando deempréstimo o título da obra de Paulo Freire, “educação como práticapara a liberdade”, a educação que se desenrola a partir e na militância,a educação sindical e a escolar misturando-se na busca de realizar oato político de ler o mundo, de nele se posicionar e de agir sobre ele(década de 70). Época de inúmeros conflitos por causa da terra, deforte presença da Igreja Católica nos movimentos de lavradores, deorganização popular. A escola é também palco de lutas porque espaçode organização social, que marca a presença e a possibilidade depermanência de um grupo em determinado lugar. Num segundomomento, em que o espaço político institucional é “garantido” por viaslegais (a chamada “tomada das prefeituras” pela oposição na décadade 80), líderes de movimentos sociais assumem cargos institucionais epolíticos, o movimento se debilita acreditando que “tem quem lute porele” e a educação é tratada como direito universal dos cidadãos eobrigação do poder público. Surge a concepção de necessidade daformação técnica do profissional, afirmam-se diversos sujeitos,diferentemente posicionados no campo da educação: o aluno, oprofessor, os pais... A escola ainda é lugar de poder, de força, mas ascompetências ganham realce e nem todos os sujeitos ousam maisencontrar nela um lugar equivalente ao do outro. Por último, numespaço de identidades marcadas e papéis delimitados, relaçõesinstitucionalizadas, faz-se notar, nesse terceiro momento (década de90), a presença do Estado na definição das políticas públicaseducacionais, tanto as nacionais (LDB, PCNs, FUNDEF...) como asestaduais (LOPEB) e municipais (PCCS), coadunando-se aos projetoslocais.

Separar os momentos é puro recurso metodológico ou tentativade desmembrar um todo a fim de enxergar detalhes, pois as situações,

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mesmo que com marcações definidas no tempo, às vezes estiveramentrelaçadas, conjugaram-se ou se sobrepuseram umas as outras.

Trilhar o caminho da luta pela sobrevivência construindo umaidentidade e posicionando-a diante de outras é construir uma história.E é nessa história que, em determinado momento, as estradas seencontram (até mesmo como resultado da própria luta): o caminhardos movimentos sociais, em especial aquele pela educação, depara-secom a política governamental, ainda que incipiente, apontando para amesma direção e conseguem, juntos, forjar um sentido comum, momentoem que surge o Projeto Parceladas.4

Esse projeto vai forjar uma prática nascida da reivindicação dedocentes que queriam uma formação, além de uma habilitação para adocência, em formas diferentes do que conheciam como cursos regularese em moldes semelhantes ao que acabavam de vivenciar como formaçãono nível de segundo grau. Que molde era esse? Uma formação quenão os obrigasse a deixar o trabalho, a prática docente, enquanto seformassem, mas, ao contrário se entremeasse nela. Como? Que asaulas ocorressem em períodos das férias escolares da rede estadual emunicipal e que, assim, a própria prática pudesse ser objeto constantede reflexão. Seria o que os teóricos denominam de práxis, reflexãocontínua sobre o fazer que transforma o próprio fazer e também opensar. Os/as professores/as da região haviam acabado de vivenciaruma formação nesse novo molde ao concluírem o segundo graumagistério, através de um projeto que, fundamentado em uma teoriaconstrutivista, trazia, como afirma Moreira (In: COSTA, 1995) a respeitodas discussões da década de 90, “a preocupação com o conhecimentoescolar e [a ênfase na] necessidade de se considerar a cultura dosalunos no processo de seleção dos conteúdos” (idem, p.18): o ProjetoInajá

5. E, vislumbrando a possibilidade continuar sua formação, eles/

elas vêm então reivindicar à instituição estadual de terceiro grau doEstado, então ainda FESMAT (Fundação de Ensino Superior de MatoGrosso), a abertura de cursos naquela região.

Não havia uma experiência no nível de ensino superior pautada

4 Em 1990, no período de 11 a13 de dezembro, ocorreu na então FESMAT, o Primeiro Encontro deExpansão do Ensino Superior Estadual, pautado no tripé Ensino/Pesquisa/Extensão, quando e sefizeram presentes trinta municípios a fim de discutir propostas para a formação de terceiro grau emregiões afastadas, de onde saiu uma equipe composta também por representantes da SEE a fim deelaborar um projeto para atender às demandas.

5 Para maiores informações sobre este projeto ver CAMARGO, Dulce Maria P. de Mundos Entrecruzados– Projeto Inajá: uma experiência com professores leigos no Médio Araguaia..

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nos mesmos princípios, tudo era um novo experimentar, um desafio,não se referia a simplesmente um “curso de férias”. Buscava-se ir alémdo que já havia sido realizado. A proposta precisava ser construídaenquanto fosse sendo executada. E era preciso levar em conta que“qualquer projeto educativo se materializa em atividades localizadas,vivenciadas por sujeitos específicos, espacial e temporalmentesituados”.(ibidem, p.28). Como poderia ser construído um currículoque contemplasse essa expectativa e que se situasse nos parâmetroslegais do que seja uma formação docente de terceiro grau? De queseria composto? Em detrimento de quê? Ficava claro que não poderiaser determinado “de fora”, teria de ser construído com seus participantes,forjado no processo, assim como eles/elas haviam se feito professores,trabalhando como professores.

A luta vivenciada por aqueles professores da região do MédioAraguaia pela constituição de sua identidade, de sua posição de sujeitoretratava-se agora na necessidade de imprimir também aqueles traçosde identidade à universidade que se fazia presente naquele contexto.Os sujeitos que buscavam essa formação, além e talvez mais que aprópria habilitação, eram professores atuantes, isto é, em serviço nasredes estadual ou municipal; queriam-se manter em processo deformação continuada, almejavam uma melhoria na qualidade de vida,não só para si, mas para os seus alunos e conseqüentemente para asua comunidade. Estava em foco a função social da escola: formaçãode cidadãos participativos e o papel do professor nessa função:possibilitar e contribuir para a formação desses sujeitos-cidadãos; abrirhorizontes, viabilizar o conhecimento do diferente, sem perder aidentidade arduamente forjada na própria história.

Segundo Angel Pino6, em palestra com participantes do Projeto,

ele surgiu da necessidade, foi logo sendo colocado em prática e sódepois, durante o fazer é que se buscou fundamentos teóricos quecontribuíssem para a compreensão daquela prática.

Aspectos do Currículo no Projeto ParceladasOnde todo esse contexto nos leva? A uma discussão a respeito

do currículo que foi então pensado para a oferta de ensino superior,formação docente, a princípio na região do Médio Araguaia, peloProjeto de Licenciaturas Plenas Parceladas. É nessa perspectiva se pode

6 É professor titular do Instituto de Educação da Unicamp e tem trabalhado como consultor do projetodesde 1993.

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e deve considerar currículo como um artefato social e cultural, conformedizem Moreira e Silva.

Isso significa que ele é colocado na moldura maisampla de suas determinações sociais, de suahistória, de sua produção contextual. O currículonão é elemento inocente e neutro de transmissãodesinteressada do conhecimento social. O currículoestá implicado em relações de poder, o currículotransmite visões sociais particulares e interessadas,o currículo produz identidades individuais e sociaisparticulares. O currículo não é um elementotranscendente e atemporal – ele tem uma história,vinculada a formas específicas e contingentes deorganização da sociedade e da educação. (1994,p.7-8)

O projeto de Licenciaturas Plenas Parceladas apresentou comoum de seus elementos distintivos dos cursos, já oferecidos pelaUniversidade, além da organização no tempo e das atividades, dametodologia e da avaliação, a proposta de dividir o curso em doismódulos (como foi chamado nos primeiros textos escritos), de dois anose meio cada (no caso das primeiras turmas): a Formação FundamentalBásica e a Formação Específica. Cada um deles tinha etapas intensivasque ocorriam durante as férias e recessos escolares, eram presenciais,e etapas intermediárias realizadas nos períodos de trabalho doacadêmico, este enquanto professor. Cada etapa teria uma função e asdisciplinas foram se organizando de acordo com a contribuição quepudessem dar para aquela colocação.

A proposta de uma Formação Fundamental está relacionadaao que se tem denominado como formação do cidadão, aquele que écapaz de compreender o mundo no qual está inserido, atuar nele,situar-se em determinada posição nas relações existentes e inclusivetransformá-las. As disciplinas propostas inicialmente para esse móduloeram aquelas que discutiam, basicamente, a teoria do conhecimento eaquelas que contribuíam com a possibilidade de “ver o mundo” deforma mais abrangente, linguagens capazes de expressar os fenômenospassíveis de observação e conhecimento, rompendo com o puro sensocomum e buscando explicações lógicas e fundamentadas. Tal propostaamparava-se em uma visão de mundo, homem e sociedade, que tomavaesses elementos como necessários a alguém que se pretendesse professor,relacionava-se a uma certa visão de como se dá o processo deconhecimento e também da função social da escola e do professor,

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paradigma este, que só foi buscado teoricamente, durante o processo,como fruto de uma necessidade vinda da ação era a práxis. Como dizVeiga Neto (1996), a epistemologia por si só não forja uma propostacurricular ela é também suporte ou fundamento de toda ação pedagógica,porém quando se elaboram propostas curriculares, já se está imersoem uma teia de relações, influências de um contexto sócio, cultural,político e econômico uma contingência que não permite que sejasomente uma discussão racional, isenta.

Com relação à Formação Fundamental lê-se nos textosproduzidos pela equipe responsável pelo projeto na UNEMAT:

Neste momento, a pesquisa entendida como umaferramenta pedagógica define as funções de cadauma das etapas do trabalho e das disciplinas quelhe dão suporte. Esse primeiro momento secaracteriza por oferecer uma formaçãopropedêutico-filosófica e política aos discentes,uma oportunidade de tomada de consciênciahistórica acerca da realidade regional na qual aUniversidade está se inserindo e da realidade maisampla: de compreender mais profundamente asraízes dos problemas detectados vividos e possíveiscaminhos de transformação.(1996, p.13)

Tomemos do Aurélio a definição de propedêutica: conjunto deestudos que antecedem, como um estágio preparatório, os cursossuperiores, ou que serve de introdução, preliminar. A FormaçãoFundamental visava criar as condições de se realizar a etapa específica,correto; porém, mais que isso, preliminarmente preocupava-se com aformação docente. Introduzia-se a reflexão sobre a postura docente demaneira que ela fosse o suporte de uma preparação específica. Emoutras palavras, tencionava-se forjar uma atitude de professor antes dese preocupar com o “saber” (conteúdo) específico de sua área deatuação. A Formação Fundamental visava criar ou estabelecer umalinguagem comum a partir da qual se desenvolvesse a continuidade dotrabalho. Para isso, era necessário, em parte, romper com o sensocomum, construindo um novo olhar sobre o mundo e suas relações,trabalhava-se o conhecimento sobre questões fundamentais tanto paracientistas como para professores pesquisadores, questões sobre o próprioconhecimento: o que é investigação científica e quais suas implicações(sociais, financeiras, filosóficas...). Buscava-se uma formação que desseas bases do que é conhecimento, como se faz conhecimento, como aspessoas se apropriam do conhecimento.

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Para isso, foi eleita a pesquisa como eixo metodológico quepossibilitasse coerência entre o que se dizia e o que se fazia. Todo omeio no qual se estava inserido podia ser alvo de conhecimento, podiaser objeto de pesquisa. Construir essa postura de pesquisador para aformação do professor era o caminho vislumbrado. Ter a pesquisa comoeixo é trabalhar com os acadêmicos a formação de uma posturainvestigativa, recuperar talvez uma qualidade humana presente nascrianças e que, muitas vezes como diz o professor Carlos A. Arguello

7,

a escola é capaz de matar a curiosidade. Trabalhar com a metodologiade pesquisa é exercitar e sistematizar essa curiosidade, é se colocardiante do mundo numa posição de quem é capaz de conhecer pelasações e relações que desenvolve; é uma maneira de se dispor a“recortar” o real, privilegiando determinados aspectos e, assim,privilegiar também a construção de um certo tipo de sujeito: observador,ativo, participante e investigador, entre outras qualidades. É criar umapostura de pesquisa.

Fica visível a compreensão de mundo e do papel do profissionalda educação na formação de cidadãos, que se encontram nas basesdesse Projeto, quando se aponta para a necessidade de entendimentodo próprio entorno, quando se tem como objetivo ações voltadas paraa transformação, a participação em função ou, a partir de um saber. Oque se apresenta é uma concepção de currículo que leva emconsideração suas possibilidades emancipatórias, como diz Moreira(SILVA; MOREIRA, 1993). A escola ainda é considerada arena de lutas,onde tanto se contestam, como se produzem identidades, subjetividades,portanto lugar de poder na configuração de relações, capaz de contribuircom a transformação do que está posto.

Em outro texto produzido pela equipe de coordenação do Projetoencontramos:

A habilitação profissional em Educação, e emqualquer outra profissão exige uma tomada deconsciência pessoal acerca da realidade na qualse vai trabalhar e da realidade social mais ampla,uma vez que o trabalho exige a crí tica, acriatividade, a invenção e a transformação domundo.Habilitar profissionais em Educação deve terprimeiramente o compromisso de abrir os diferentes

7 Carlos Alfredo Arguello é professor titular do Instituto de Física da UNICAMP, atualmente aposentado,participou do grupo de discussões que gerou o Projeto Inajá , foi coordenador do Inajá II e éconsultor do Projeto Parceladas. Sobre a escola e suas relações com a curiosidade, ver palestraproferida no III Encontro de Jovens Pesquisadores, Colíder, MT: mimeo, 1999.

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referenciais, oportunizando ao sujeito a suaautoconstrução e a construção do seu mundo.Neste sentido, o módulo fundamental visa aformação política e a tomada de consciênciahistórica da realidade regional na qual aUniversidade vai se inserindo.(Projeto, p.7)

Novamente o texto mostra a intencionalidade do projetoeducacional em questão: a construção de uma identidade social dopapel do professor, alguém histórica e politicamente situado ecomprometido com seu “lugar”, capaz de análise e ação transformadora.Propósito extremamente coerente com o contexto, talvez mesmo porqueoriginário de uma outra construção histórica vivida, a identidade dosertanejo mato-grossense do Médio Araguaia. Poderíamos estabeleceruma comparação, sem nos estendermos sobre ela nesse texto, com ointelectual orgânico de Gramsci ou o professor intelectual transformadorde Giroux, aquele intelectual que, além de compreender, é alguémcapaz de agir em função da emancipação.

São hoje vários os projetos educacionais que buscam se contraporàs desigualdades presentes em nossa sociedade e que, para tanto,atribuem às propostas curriculares um importante peso na formação deidentidades de novos sujeitos, de cidadãos. A Formação Fundamental,proposta no Projeto Parceladas, apresentava essa preocupação: aformação do cidadão e a criação de uma postura investigatória sobrea realidade, que seria a base para o trabalho posterior da FormaçãoEspecífica, em que se trataria dos conteúdos, disciplinas quetecnicamente o professor de cada área precisaria. Privilegiavam-seaspectos da constituição do sujeito-professor enquanto um investigadorda própria prática, alguém capaz de constantemente se questionar,refletir.

Durante o curso foi previsto um momento para que se formalizasseessa reflexão sobre a prática de cada um: o estágio. Os professores(as)acadêmicos(as) tomariam sua prática docente como objeto de análisea partir dos estudos feitos e pesquisas realizadas. Além desse, osmomentos contínuos de avaliação eram também de reflexão sobre aprática. Para o projeto:

Avaliação é atividade constituinte da práticapedagógica na sua total integralidade, porque deveser prática permanente, simultânea, iniciadora,conseqüencial, complementar e afirmativa, nãopodendo nunca funcionar como dispos itivofinalizador, concluinte, terminal do processo

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pedagógico. Antes, pelo contrário, é pelaavaliação que se vislumbram novos caminhos,novos avanços, novos aprofundamentos, comoforça dinâmica de construção de sentido paraparticipação efetiva no processo de aprendizageme do ensino.

8

Tal visão de avaliação é bastante provocativa nos dias de hoje,principalmente se analisarmos como tem sido pensada e usada poraqueles que definem as políticas públicas no país. Como descreve Terigi(1996), o sentido do currículo na década de 90 vem se modificando etem sido deslocado do ensino para a avaliação, e o que interessaria,nessa perspectiva, seria a medição de rendimentos. Esses dois aspectos,estágio e avaliação, componentes do currículo proposto pelo ProjetoParceladas mereceriam uma análise mais aprofundada que, entretanto,neste texto, não será possível realizar.

Como se pode observar, a organização curricular proposta,mesmo que pautada em objetivos emancipatórios, ainda é, de todomodo, a expressão de uma maneira de se ordenar os saberes, de sepropor metodologias e de se avaliar (aspectos que parecem tãocorriqueiros em uma visão mais superficial de currículo..), que se dáem função de uma maneira de compreender o mundo. Uma maneiraque se propõe alternativa, mas que precisa que seus agentes semantenham alertas, como dizem Silva e Moreira (1994), a fim de nãocair em novos determinismos.

A teoria crítica do currículo vem contribuindo para a discussãodas relações entre currículo, ideologia, poder e cultura, que se mostram,de alguma maneira, presentes nesse projeto de formação docente. Adiscussão que vem sendo feita aponta para a necessidade de sereconhecer que esse é um campo de relações de poder, aí sãoestabelecidos “critérios de validade e legitimidade segundo os quaissão produzidas representações, sentidos, e instituídas realidades”.(COSTA, 1999, p.41). Fica declarado no Projeto o papel político quese confere à Educação, as possibilidades que se consideram existentesno espaço escolar para a resistência, a oposição.

Durante um longo tempo, a sociologia da educação lidou comanálises da escolarização a partir da concepção de escola como AIE(aparelho ideológico de Estado) e conseqüentemente como reprodutora

8 O trecho é de um texto não publicado Implicações de Avaliação Pedagógica na Perspectiva Sócio-Histórica ,escrito por Levy Silva Alt, professor que fez parte da equipe central do Projeto Parceladas.

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das relações sociais. Isso levava os possíveis embates para o campodas macro-relações sociais, mudar as relações escolares vinculava-seà mudança de sistema sócio-político e econômico. Entretanto, podemosver, através dessa nova perspectiva, que é necessário travar uma lutano campo interno das ações escolares, encarar a luta que se dá nocampo do currículo, por exemplo.

O currículo é um local onde, ativamente seproduzem e se criam significados sociais. Essessignificados entretanto, não são simplesmentesignificados que se situam no nível da consciênciapessoal ou individual. Eles estão estreitamentel igados a relações sociais de poder e dedesigualdade. Trata-se de significados em disputa,que são impostos, mas também contestados.(SILVA, 1999, p.55-56).

Numa visão mais tradicional, poder-se-ia pensar o currículocomo a simples organização da cultura (considerada como amontoadode saberes acumulados reconhecidos - por quem? – como importantes)a ser transmitida pela escola. Mas, como já foi dito e reforçamos aqui,a partir da teoria crítica do currículo, essa discussão vem tomandooutro significado, muito mais político. Nesse sentido é que podemosfalar de territórios contestados, espaço de conflito e de luta no campoda política cultural, em que se toma a cultura como processo constantede construção e com inúmeras possibilidades, em que se considerainclusive que a tentativa de transmissão da cultura oficial se dá emcontexto cultural de significação ativa, isto é, não há recepção neutraou passiva, o poder existe e se manifesta, mas não quer dizer que seconcretiza como se propôs, há um conflito constante. “Nesseentendimento, o currículo não é veículo de algo a ser transmitido epassivamente absorvido, mas o terreno em que ativamente se criará ese produzirá cultura”. (MOREIRA, 1994, p.28)

Essa foi a paisagem sobre a qual se formulou a proposta deuma Formação Fundamental, uma política cultural de ocupação doespaço escolar e do saber, sem a submissão ao instituído, numa novaapropriação das relações sociais na escola. Fazer um recorte no tododa cultura acumulada ao longo da história da humanidade e traçar apartir daí um currículo é definir uma parte da que história se quercontar, é tarefa política com intencionalidade específica de uma certaformação de subjetividades, é uma luta num espaço de poder. Ocurrículo escolhe, organiza estabelece e institui “representações,narrativas, significados sobre as coisas e os seres do mundo” (COSTA,

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1999, p.41) em detrimento de outros. Refletir a respeito de currículo,sua construção, sua vivência é também resgatar a função social daescola que, mesmo nas propostas mais pós-modernas e recentes, quejá abandonaram as crenças nas metanarrativas, tem papel fundamental,posto que se reconhece a sua importância como um dos elementos,entre outros, formadores dos sujeitos.

Algumas ConsideraçõesPara encerrar este texto, mas de maneira alguma acreditando ter

concluído o trabalho de análise de aspectos da proposta curricular doProjeto Parceladas, gostaríamos de nos referir a uma reflexão feita porMoreira (1995) a respeito dos currículos nas licenciaturas, acrescentandoàs suas sugestões, a preocupação com o contexto cultural em que seconstrói cada currículo. Para isso, é preciso considerar: a função daescola e o papel do professor, situando-os no contexto mais amplo deque fazem parte; a reflexão contínua sobre a prática, que tem se mostradoo caminho mais pertinente para a construção de teorias que reflitam ovivido; que a universidade tem significado em todos os lugares se, emcada um deles, consegue se apresentar em seu todo, isso é, trabalhandocom ensino, pesquisa e extensão integrados a cada espaço e em cadaprojeto; a clareza de que a formação de profissionais da educação sedá em um espaço de constituição de políticas culturais e de construçãode identidades. Talvez tenham sido reflexões como essas quepossibilitaram a relação entre um movimento pela educação de níveluniversitário na região do Médio Araguaia e a Universidade, gerandoo que se chamou Projeto de Licenciaturas Plenas Parceladas. No fundo,uma discussão de políticas culturais que precisa ser retomada,principalmente tendo em vista o Projeto ter se tornado um programaque hoje atende a diversas regiões do Estado, cada uma com suaprópria história, com suas próprias condições.

Data de recebimento: 10/12/2004Data de aceite para publicação: 21/01/2005

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, Marisa V. Currículo e política cultural. In: COSTA, Marisa V.(org.). Currículo nos limiares do Contemporâneo Rio de Janeiro:P&A, 1999. p.37-68.

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Multitemáticas - Ano III - nº 03 - Jan/Jun 2005

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Revista da Faculdade de Educação

SOBRE OS AUTORES

Ademar de Lima Carvalho. Doutor em Educação pela UNESP/Marilia,Prof. do Depto. de Edu/CUR/UFMT . E-mail: [email protected]

Claudio Luis de Alvarenga Barbosa. Doutorando (UFF) e Mestre emEducação (UERJ); graduado em Filosofia e Pedagogia; professor daFaculdade de Educação da Universidade Católica de Petrópolis. E-mail: [email protected]

Danilo Cristófaro A. da Silva. Licenciado em Letras (FALE/UFMG) eatualmente é aluno no curso de bacharelado em Letras da mesmainstituição. E-mail: [email protected]

Fábio Reis Coronel. Mestrando em Educação – Formação de Professoresno Programa de Pós-Graduação na UCDB/MS. E-mail:[email protected]

Heloisa Salles Gentil. Professora de Sociologia da UNEMAT, Campusde Cáceres, Mestra em Educação pela UFRGS. E-mail:[email protected],br

Ilma Ferreira Machado. Doutora em Educação pela UNICAMP;Professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado deMato Grosso. E-mail: [email protected]

Irton Milanesi. Doutor em Educação pela Faculdade de Educação daUNICAMP; Professor da Faculdade de Educação da UNEMAT/Cáceres,coordenador do Projeto Coletivo de Estágio. E-mail:[email protected]

Izumi Nozaki. Doutora em Educação pela Tsukuba University (Japão) edocente do Departamento de Teorias e Fundamentos da Educação edo Programa de Pós-graduação em Educação, do Instituo de Educação,da Universidade Federal do Estado de Mato Grosso. E-mail:[email protected]

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Maria Aparecida Morgado. Mestre e Doutora em Psicologia Social pelaPUC-SP. Docente da Universidade Federal de Mato Grosso, desde 1982,atua nas Licenciaturas e no Curso de Comunicação Social. Na Pós-Graduação strictu sensu, integra a Linha de Pesquisa “MovimentosSociais, Política e Educação Popular” do Programa de Educação daUFMT e colabora com o Grupo de Pesquisa “Psicanálise e Sociedade”do Programa de Psicologia Social da PUC-SP. E-mail:[email protected]

Maria Luján Mattiauda. Mestranda em Educação pela UCDB –Universidade Católica Dom Bosco; Especialista em Metodologia parao Ensino Fundamental; Especialista em Fundamentos da Educação,Didática e Docência do Ensino Superior pelo UNIVAG – CentroUniversitário de Várzea Grande. Professora de Língua Espanhola ecoordenadora do Centro de Idiomas do UNIVAG. E-mail:[email protected]

Mônica Vasconcellos. Mestre em Educação pela UCDB. E-mail:[email protected]

Paulo Henrique Celestino. Formado em Letras pela FundaçãoEducacional Monsenhor Messias em Sete Lagoas (MG); é aluno doprojeto EDUCONLE (Educação Continuada de Professores de LínguasEstrangeiras) da FALE/UFMG. Atualmente trabalha como professor delíngua inglesa na escola Estadual Alonso Marques Ferreira e naDeputado Renato Azeredo. E-mail: [email protected]

Sonia Maria Vieira Negrão. Doutora em Educação pela UNESP deMarília; Professora Adjunta da Universidade Estadual de Maringá;Coordenadora do Curso de Pedagogia; Professora do Programa dePós-Graduação. E-mail: [email protected]

Terezinha Fonseca de Carvalho Araújo. Mestrando em Educação –Formação de Professores no Programa de Pós-Graduação na UCDB/MS

Valdir Silva. Professor de Língua Inglesa no Departamento de Letras doCampus Universitário de Cáceres, mestre em Lingüística Aplicada peloIEL/UNICAMP e doutorando em Lingüística Aplicada na FALE/UFMG.Tem como foco de pesquisa questões relacionadas com a Educação aDistância mediada por tecnologias. E-mail: [email protected]

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOSTEXTOS

As colaborações devem ser apresentadas em duas vias impressasem português, com espaçamento duplo entre linhas e em disquete(Microsoft Office) que deve trazer uma etiqueta identificando o(s)autor(es), o título do artigo e telefone para contato. Os artigos deverãoter no mínimo, oito e, no máximo, vinte e cinco laudas; as comunicaçõese resenhas até sete laudas.

Serão publicados, somente trabalhos selecionados e aprovadospelo Conselho Editorial.

As colaborações deverão seguir as Normas da AssociaçãoBrasileira de Normas Técnicas – ABNT de agosto de 2002. São elas:

Configuração da página: tamanho do papel (A4 – 21 cm X29,7 cm); margens esquerda e superior 3cm, margens direita e inferior2cm; todas as páginas deverão ser numeradas com algarismos arábicosno canto direito superior.

Tipo de Letra: Times New Roman, corpo 12.As citações longas, as notas, resumo e unitermos (corpo 11)

devem ser digitados em espaço simples. Os títulos das seções (se houver)devem ser separados do texto que os sucedem por espaço duplo.

Adentramento: parágrafos e exemplos um toque na tecla TAB,tabulação 1,5 cm e citações com mais de três linhas a 4 cm da margem.

Quadros, gráficos, mapas, etc. devem ser apresentados em folhasseparadas do texto (no qual devem ser indicados os locais em queserão inseridos), devendo ser numerados, titulados corretamente eapresentar indicação das fontes que lhes correspondem. Sempre quepossível, deverão estar confeccionados para sua reprodução direta.

Disposição do texto: Título centralizado, em maiúscula, emnegrito, com asterisco indicando sua origem no rodapé e, se houversubtítulo, em negrito, sem adentramento e apenas a primeira letra emmaiúscula.

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Nome(s) do(s) autor(es) completo(s) na ordem direta, e nasegunda linha abaixo do título, alinhamento à direita, indicando emnota de rodapé o título universitário ou cargo que ocupa e instituição aque pertence. O resumo deve iniciar a um espaço duplo abaixo donome do autor, sem adentramento, após a palavra RESUMO emmaiúscula, seguida de dois pontos e ter no máximo dez linhas emitálico. A expressão UNITERMOS, em maiúscula, seguida de dois pontos,a um espaço duplo abaixo do resumo e dois espaços duplos acima doinício do texto. Utilizar no máximo cinco unitermos, em itálico, separadaspor ponto e vírgula. Referência de citações deve conter o sobrenomedo autor e, entre parênteses, data identificadora da obra seguida dedois pontos e número da página, se for o caso.

Referências bibliográficas: a expressão REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS em letras maiúsculas, centralizada, a um espaçoduplo após o final do texto. A primeira obra deve vir a um espaçoduplo abaixo da expressão REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. Asreferências devem seguir a NBR 6023/02 da ABNT. Exemplos:

Um autor:QUEIROZ, E. O crime do padre amaro. 25. ed. Rio de Janeiro:

Ediouro, 2000. 277p.

Dois ou três autores:VIGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do

comportamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.Mais de três autores:CASTORINA, J. A. et al. Piaget-Vigotsky: novas contribuições

para o debate. São Paulo: Ática, 1995.

Serão fornecidos gratuitamente ao autor principal de cada artigodois exemplares do número da Revista da Faculdade de Educação emque seu artigo foi publicado. A Revista não se obriga a devolver osoriginais das colaborações.Os trabalhos assinados são de inteiraresponsabilidade de seus autores.

Os colaboradores deverão encaminhar uma carta assinada portodos os autores, solicitando publicação na Revista da Faculdade deEducação indicando: título do trabalho; nome(s) do(s) autor(es);qualificação profissional; instituição que esta vinculado e endereçocompleto para contato, fax, e-mail, telefone.