a trama da violllcia ia escola
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A TBAIIA DA VIOLÊIGIA IA ESGOLA
Orientador:
eaJ&~b~
Dissertação submetida como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Educação.
Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas
Instituto de Estudos Avançados em Educação Departamento de Filosofia da Educação
1993
n
AGRADECIMENTOS
o momento do agradecimento vai demonstrar que esse trabalho só foi possível de ser realizado por ter sido construído coletivamente, envolvendo uma grande rede de pessoas e de afetos.
Embora muitos outros nomes precisassem ser aqui incluídos, em especial quero agradecer a alguns parceiros dessa caminhada.
A Carlos Minayo, meu orientador, pessoa tão diferente do que eu imaginava, pela profunda paciência com minhas dificuldades e pelo respeito com meu jeito de ser, de escrever e de pensar. E também pelo estímulo e segurança que me passou a todo tempo.
Aos professores do IESAE, destacando Marcos Arruda (pelo exemplo de vida), Silvério (pelo exemplo de humildade) e Nilda Teves (pelo exemplo de coragem).
À Ana Lúcia, Elias e Heloisa, funcionários atenciosos e prestativos, últimos resistentes à violência do fechamento do IESAE. ,
A cada um dos profissionais da educação da "ESCOLA LIRIO", pela atenção e disponibilidade em colaborar sem restrições, colocando-se junto comigo na busca de desvelamento dessa trama.
Aos alunos dessa escola, sinais de vida e de esperança, pela receptividade e pelo carinho que sempre me demonstraram.
Aos moradores, que me esclareceram dados fundamentais para o entendimento da relação das comunidades entre si e com a escola.
A Itamar, representando o grupo "anônimo" porque marginalizado, apesar de incluído nesse estudo entre os atores principais, pela ajuda na compreensão da rede de violência em Caxias, e também por ter me feito repensar muitos valores e conceitos.
Ao Ivano, grande companheiro, com quem pude partilhar tantos afetos e tantos saberes.
À Neline, amiga e educadora competente e apaixonada, pela grande paciência com que lia e relia meus textos, fazendo observações da maior validade.
Aos meus pais Aloisio e Elisete, por todo apoio e carinho, não apenas nesse momento, mas como foi em toda a vida.
Às minhas filhas Monica e Beatriz, pelo tempo que lhes roubei da
m
nossa relação, para dedicação mais exclusiva aos estudos, e pela compreensão com minhas tantas impaciências. ,
A Regina, mais que innã, uma das grandes vítimas da violência na escola por ter sido impedida, por interferências "políticas" na educação, de continuar um trabalho que trouxe vida à escola que dirigia. ,
A Creuza, por ouvir meus desabafos e pela dedicação às minhas filhas e à nossa casa, substituindo-me em tantas tarefas.
A tia Yolanda e Minayde, pelo incentivo com seus elogios. , A Sonia, Fátima, Ana e Antônio Carlos, pelo estímulo constante e
por continuarem amigos apesar da minha distância. À Luzia e a Ovídio, pessoas que me ajudaram a reescrever minha
história de vida. À Helena, parteira - amiga de tantas emoções, por me ajudar a
assumir o risco de me entregar por inteira nesse trabalho. A Cesar, expressão viva de solidariedade, companheirismo e
afeto, por se fazer presente, acalmando minhas ansiedades nesses momentos finais.
Aos companheiros do SEPE / Caxias, pela valorização a este trabalho e por terem respondido ao meu afastamento sem cobranças.
À Nayde, Pedro Quadros, Ir. Beatriz, Galba - mestres que marcaram pela competência aliada ao afeto.
Ao Luiz Alberto, com quem vivi as maiores experiências de vida e de morte.
À Lyana e a Marcus Vinícius, pelo paciente e criativo trabalho de datilografia.
À Denise e a Maria Célia, pela disponibilidade em colaborar na versão e na revisão.
Para finalizar, quero dedicar um agradecimento muito especial à Mary, com quem pude partilhar o sonho, o estudo, os conflitos, a angústia, o medo, o choro, o prazer e as descobertas, desde o início da gestação até o nascimento desse trabalho.
IV
RESUMO
Nesse trabalho se analisa o tratamento dado à violência no espaço escolar, bem como a relação entre a violência que se expressa dentro e fora daquele ambiente.
Parte-se de um estudo realizado numa escola pública da rede estadual de Duque de caxias - RJ, município onde elevados índices de criminalidade e violência são revelados pelos indicadores das pesquisas.
Tem como pressuposto uma compreensão da violência como uma rede na qual se entrelaçam diversos fatores que abrangem os campos da vida individual e social.
Dentro dessa concepção, a manifestação de violência na escola é vista como articulada às outras formas de violência existentes na sociedade, o que representa também colocar a escola ao mesmo tempo como agente e vítima da violência.
Se por um lado, a violência aparece como uma preocupação no cotidiano do trabalho pedagógico, por outro lado, a enorme complexidade desse problema e a assustadora realidade, em princípio, levam a uma negação da mesma, limitando as possibilidades de enfrentamento.
Verificou-se que , além do grau de subjetividade que envolve o próprio tcono, do tabu que se cria a seu redor, da redução da sua compreensão ao seu aspecto fisico e da concepção ideológica que se tem da instituição escolar, a naturalidade que vem se processando frente à violência é um dos principais elementos que contribuem para essa negação.
Perante um contexto tão grave, qualquer prática de violência por parte da escola passa a ser considerada normal, natural, o que vai concorrer conseqüentemente para a sua legitimação.
Diante dessa dura realidade que ameaça e faz com que se evite a sua constatação, tem-se como desafio a definição de uma proposta pedagógica que inclua o reconhecimento desse conteúdo, buscando entender a criança construída / destruída nesse espaço.
Contrapondo-se a essa convivência com a dor e com a morte, há resistências e expressões de luta pela vida, que deverão sustentar toda uma pedagogia a ser inventada, num processo coletivo, constituindo-se num agenciamento do desejo de prazer e de viver.
v
suMÁRIo
Capítulo Página
I. Tentando desvelar a trama da violência que envolve a escola. ..... 1
11. A violência em questão
1. Violência e sociedade ................................................................ 16 2.Diferenças conceituai.s ................................................................ 23 3 T · li ti' da' IA . 31 . e<>~ e}C)l CCl vas ~o en~ ............................................... .
111. A escola e seu conte}Úo
1. "Uma flor plantada no brejo"
1.1- O nome da escola............................................................... 55 1.2- O ambiente fisico ............... .................... ...... ............ .......... 57 1.3- Quatro momentos no processo de organização............... 59 1.4- Funcionamento da escola .................................................. 61 1.5- Quando o afetivo se distancia do pedagógico.................. 65
2. Um conte}Úo de vi<>lência
2.1- Condições de vida dos alunos ........................................... 73 2.2- Vivendo a violência dia a dia ............................................. 80 2.3- Violência da resistência / resistência à violência ................ 99
3. A relação escola-comunidade
VII
Página
3.1- Ouvindo os dois lados ....................................................... 109 3.2- Distanciamento / medo da realidade ................................. 117
IV. A trama da violência na escola
1. As diferentes percepções de violência na escola..................... 127 2. Naturalidade diante da violência............................................... 147 3 E 1 ' . da' I'" .? 1 S9 . sco a: ~ente 011 ~1llrrla ~o en~a ..................................... . 4. O cotidiano da violência e a escola ........................................... 189 S. Limites e possibilidades da escola em lidar com a violência .. 207
V. Do medo do caos à busca do prazer da descoberta ..................... 226
BIBLIOGRAFIA ................ ...................... ......... .................................... 24S
VIII
TENT ANDO DESVELAR A TRAMA DA VIOLÊNCIA QUE ENVOLVE A ESCOLA
Esse trabalho, como a própria temática já indica, se propõe a fazer
uma reflexão a respeito da questão da violência e o espaço escolar,
sobretudo onde são atendidas crianças das chamadas classes populares.
O interesse pelo tema surgiu inicialmente em função da minha
atuação como professora da área pedagógica do Curso de Fonnação de
Professores de 1 ª-a 4ª séries.
Relatos trazidos pelos estagiários por mim supervisionados, assim
como depoimentos dos próprios alunos dessas séries iniciais do 1 Q. grau,
mostravam que além da agressão verbal e da repressão, alguns
professores utilizavam até mesmo da agressão fisica, em nome da ordem
e da disciplina, para garantirem a chamada eficiência do processo ensino
aprendizagem.
Quanto mais me colocava atenta a estas situações, mais surpresa
ficava ao verificar tantas práticas pedagógicas impregnadas do que eu
via como violência, sob diversas fonnas, às vezes mais explícitas, às
vezes mais encobertas.
Entretanto, talvez o motivo natural e primeiro, que justifique a
desafiadora opção por esse tema , seja a minha convivência direta e
diária com a realidade da Baixada Fluminense, região estigmatizada pela
violência, onde a cada dia vem se agravando todo tipo de atentado contra
o corpo fisico, além da pennanente ameaça na garantia dos direitos de
cidadania da população.
Exatamente por estar imersa neste contexto, e pelo meu
compromisso com a educação, não somente na escola, mas também em
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alguns movimentos populares, compartilhando das diferentes fonnas de
violência que estes grupos vêm sofrendo, é que comecei a questionar: até
que ponto a escola vem reforçando essa violência que existe na
sociedade, contribuindo para a reprodução de um sistema agressivo,
desumano e injusto, quando seu papel seria exatamente colaborar para a
transfonnação dessa realidade?
Buscar o mestrado foi o passo seguinte, entendendo a
necessidade de um suporte teórico para aprofundar essas idéias, ainda
muito dispersas e obscuras, sem nenhum contorno para mim.
Recorrer ao caminho do discurso acadêmico, do conhecimento
racional, lógico, além de sistematizar a dispersão das minhas idéias, trazia
a falsa compreensão de poder estreitar esse turbulento campo nos limites
da razão, isolando-o do desconforto que o contato com a realidade me
trazia.
Entretanto, muito pelo contrário, até mesmo a definição do
próprio objeto desse estudo, que eu supunha uma tarefa eminentemente
acadêmica, foi um parto que envolveu muitas lágrimas, apesar da ajuda
de alguns parteiros e parteiras desta e de outras emoções, inerentes ao
próprio processo de construção e desvelamento. Em especial a paciência
e a segurança que me trouxe Carlos Minayo, orientador-parceiro,
permitiram não somente a alegria do nascimento, mas o prazer de
experimentar esta gestação, cujo fruto passo agora a apresentar.
Para atender ao objetivo de tentar desvendar a trama da violência
que se manifesta na escola, buscando compreender seu processo
constitutivo, assim como apontar caminho para minimizar essa violência,
foram se delineando inicialmente algumas questões referentes a práticas
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de violência na escola, assim como aos limites e possibilidades da escola
fazer alguma coisa para minimizá-las.
Antes mesmo de começar a pesquisa de campo propriamente
dita, me propus a realizar uma sondagem com grupos representativos
dos diversos setores da comunidade escolar (pais, alooos, profissionais
da educação), para melhor compreender as representações que os
moradores possuíam da sua região e da escola.
Qual não foi minha surpresa nessa coleta inicial de dados, diante
da constatação de que a maioria dos entrevistados não acreditava que
Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense, no qual se
desenvolveu a pesquisa, fosse uma cidade violenta, contradizendo as
estatísticas e a própria imprensa falada e escrita. Além disso, a quase
totalidade dos entrevistados afitmava não existir violência na escola,
excetuando algumas poucas situações referentes à violência fisica.
Estaria eu entendendo a violência de maneira tão diferente dos
. d ? entreVl.Sta os ....
O aprofundamento teórico, bem como o confronto direto com a
ambigüidade dos depoimentos foram me revelando cada vez mais o grau
de complexidade que envolvia essa problemática, onde está presente
uma enonne diversidade de concepções e teorias explicativas.
Nessa fase do trabalho tive a oportunidade de participar do
Seminário "Pela Saúde e Contra a Violência na Baixada. Um Apelo à
Vida", realizado pelos pesquisadores do CLAVES ( Centro Latino
Americano de Estudos de Violência e Saúde), da Foodação Oswaldo
Cruz, cuja abordagem se processava dentro de uma compreensão teórica
denominada violência em rede.
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Essa interpretação em rede, segundo a qual os componentes
apresentam uma articulação entre si, em muito me auxiliou a colocar a
violência numa perspectiva mais ampla, segundo a qual passei a buscar
fundamentação para melhor explicitar a trama da violência na escola.
Esse trabalho precisa ser lido, portanto, dentro de uma ótica de
quem deseja superar a avaliação unilateral de absolutizar réus, embora eu
própria muitas vezes tenha incorrido nesse equívoco, pela dificuldade em
compreender cada fato em sua dimensão global.
Na etapa destinada à revisão bibliográfica tive contato com grande
número de obras a respeito da temática nas diversas áreas, embora
muito raros tivessem sido os materiais que relacionassem a violência à
educação.
Bastante limitados também foram os dados históricos, sociais e
culturais referentes a Duque de Caxias ou mesmo à Baixada Fluminense.
Embora dificultasse o estudo, essa carência de recursos
bibliográficos, tanto em relação ao tema específico, mas principalmente
ao município, foi amenizada através da minha participação em vários
encontros, seminários, palestras etc, promovidos por entidades diversas,
nos quais tive oportunidade de debater com setores que abordam a
violência por diferentes ângulos.
Esse contato direto com representantes de órgãos oficiais e dos
movimentos populares, em muito contribuiu para construir uma nova
concepção de violência, ajudando-me a elaborar e re-elaborar muitas
noções a respeito desse assooto, assim como favoreceu a minha
compreensão da realidade do próprio município onde moro.
s
Diante dessa multiplicidade de concepções e o distanciamento
entre o que inicialmente eu entendia como práticas de violência e as
respostas das entrevistas, tive que assumir uma nova postura,
relativizando muitos dos meus conceitos anteriores, para me colocar
como verdadeiro aprendiz diante do novo que emergia.
Passando a atribuir maior importância à influência do cotidiano
às explicações do senso comum na construção do que se pode qualificar
como cultura da violência, procurei ouvir mais atenciosamente os atores
sociais com os quais trabalhava, observando a contribuição desses
conteúdos na legitimação da prática de violência no espaço escolar.
Esse trabalho, na realidade, foi elaborado na sua quase totalidade,
a partir do diálogo travado com os grupos participantes da pesquisa,
ocorrendo uma certa unidade dialética entre teoria e prática, à medida
que uma ia construindo simultaneamente a outra; uma vez que nenhum
conceito, a priori, pode ser encaixado em sua integridade, numa prática
que a todo tempo se deixava escapar devido a sua enorme singularidade.
Conseqüentemente não poderia ser outra a minha opção pela
pesquisa participante, a qual iria me colocar no meio da cena investigada,
participando dela e tomando partido na trama da peça, como diz Lüdke
(1986).
A identificação com essa abordagem qualitativa deveu-se ainda à
própria natureza do objeto de estudo, que elimina a possibilidade de se
quantificar os dados coletados, por serem predominantemente
descritivos.
De acordo com os instrumentos apontados por esse tipo de
pesquisa, utilizei como principais: a observação participante, a entrevista
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e a análise de documentos.
Disposta a registrar no diário de campo o maior número de dados
possível, de início me vi diante da dificuldade em separar os detalhes
relevantes, tendendo a achar tudo importante, o que logo me mostrou a
necessidade de um maior rigor metodológico. A seleção que se fazia
necessária, só aos poucos foi se desenhando.
Procurei ir descrevendo as observações feitas dentro e fora da
escola, sobre as pessoas, atividades, fatos acontecidos, incluindo também
as observações feitas do meu próprio comportamento: sentimentos,
impressões, dúvidas, surpresas, decepções, conflitos ... uma vez que os
percebia como dados por demais significativos.
Além das conversas informais, as entrevistas representaram um
dos instrumentos básicos na elaboração dessa dissertação.
Tendo como objetivo fundamental compreender os valores
culturais e as representações a respeito da questão da violência, as
entrevistas, realizadas de forma semi-estruturadas, foram feitas
prioritariamente com os grupos envolvidos diretamente na pesquisa:
alunos, pais e profissionais da educação.
Entretanto, entrevistei várias outras pessoas, de acordo com a
oportunidade surgida, como no caso de um rapaz considerado "bandido"
que fazia uso de droga no interior da escola, ou de acordo com a
necessidade de aprofundar minha compreensão da realidade, quando
buscava contato, com moradores e lideranças comunitárias, com
representantes de associações e entidades do município de Duque de
Caxias.
Essa relação face a face com os entrevistados moradores das
comunidades me permitiu uma maior participação na vida deles, no seu
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cenário cultura4 situação de interação imprescindível à compreensão das
teias que se emaranhavam na trama da violência.
Há que se perceber durante o decorrer desse trabalho, o quanto
este contato direto não somente me ensinou o significado de tantas
coisas de um mundo que eu desconhecia, mas principalmente o quanto
me afetou emocionalmente, fazendo com que me sentisse
verdadeiramente participando da vida daqueles parceiros de pesquisa.
Além dos resultados das observações e entrevistas, e da pesquisa
bibliográfica, utilizei-me de outros documentos também importantes,
cujas análises me ajudaram a ampliar a compreensão.
Entre outros, destaco: jornais; relatórios elaborados por entidades
sindicais e religiosas; publicações de pesquisas realizadas no município
de Duque de Caxias; anotações que fiz durante os diversos debates;
anotações feitas em reuniões, festas, conselhos de classe promovidos
pela escola onde se desenvolveu o estudo; gráficos, registros e arquivo
da secretaria da escola; músicas populares; trabalhos realizados pelos
alunos.
Todo este material obtido foi analisado paralelamente à pesquisa
de campo, uma vez que, como já foi dito, era a partir dos dados
recolhidos que ia levantando novas hipóteses.
o 1rabalho de campo, útero onde essa tese foi gerada, constitui-se
na etapa essencial, sem a qual teria sido impossível para mim, "criar"
meu objeto de estudo. Posso afumar, sem dúvida alguma, que
pesquisador e objeto da pesquisa nasceram juntos, produzindo-se
mutuamente.
A pesquisa foi desenvolvida numa unidade escolar da rede
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pública estadual, aqui denominada ESCOLA LíRIO. A não identificação
mais detalhada deve-se à sutileza e intimidade que envolve o tema.
A escolha desse espaço justifica-se especialmente pelo
conhecimento anterior de que cenas freqüentes de conflitos, como
"guerrasn entre as comunidades, chegavam a interferir no funcionamento
das aulas. Além disso, relatos de a1gw1s professores que lá trabalhavam e
de estagiários do Curso de Fonnação de Professores onde eu atuava,
mostravam que toda essa situação externa se expressava no próprio
ambiente escolar, sem que se soubesse lidar com a questão.
Certa de que este seria um espaço ideal para uma troca de saberes
e experiências sobre o tema, preparei-me para a entrada no campo, sem
imaginar que pudesse haver qualquer tipo de problema que impedisse o
meu trabalho.
Entretanto, para minha surpresa e decepção, fui comunicada
sobre a não permissão para a realização da pesquisa. Somente após
algumas conversas com a direção geral pude entender os motivos dessa
recusa inicial, os quais se relacionavam a um certo receio causado pela
própria temática, assim como a uma certa preocupação devido ao meu
engajamento político-partidário e sindical, além da natural insegurança
quanto à avaliação critica do trabalho desenvolvido.
Trabalhados e vencidos os contratempos iniciais, a pesquisa foi
realizada com total aceitação e colaboração por parte de toda a equipe
escolar. Ao final, a experiência vivida num Conselho de Classe, onde
pude sentir-me plenamente integrada ao grupo, retrata a confiança
conquistada.
Entendendo que uma pesquisa na escola não poderia restringir-se
ao que se passa apenas no seu ambiente, procurei ampliá-la através de
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visitas às duas comunidades onde as crianças moravam.
O acesso às comunidades foi favorecido pelos contatos com
dirigentes das associações de moradores e outras lideranças
comunitárias, embora em uma das comunidades tivesse encontrado certa
barreira no primeiro dia, para ser recebida pelo próprio presidente da
associação.
O momento de saída do trabalho de campo, aproximadamente
após quinze meses, aconteceu de fonna não previsível, nem
determinada, mas sim quando comecei a perceber, não que os problemas
a serem estudados tivessem terminado, mas que os seus conteúdos se
repetiam.
Preocupei-me em fazer com que esta saída não fosse rompida de
fonna brusca, deixando claro meu compromisso com os dados
recolhidos quanto à fonna de retorno desse estudo.
Confonne a pesquisa ia se desenvolvendo fui revendo como fazer
para sistematizar esse trabalho, cuja seqüência final obedeceu a cinco
momentos.
Num primeiro momento propus-me a mostrar como fui
desvendando o caminho percorrido, tentando apresentá-lo, ainda que de
maneira infonnal.
No segundo momento procuro fazer uma revisão das abordagens
teóricas, colocando a violência em questão. Além de uma breve
exposição da relação do tema com a história da sociedade e de
problematizar as divergências na concepção desse fenômeno, apresento
algumas teorias explicativas, destacando a compreensão da violência em
rede, de acordo com a qual esse estudo se fundamentou.
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Depois, num terceiro capítulo, busquei situar e caracterizar a
escola e as comunidades nas quais ela está inserida, analisando a relação
que se estabelece entre ambas, confrontando aquela realidade com o
contexto maior do município de Duque de Caxias, às vezes ampliando
para a Baixada Fluminense, dada a similaridade, tentando não perder de
vista as interligações de um espaço com o outro.
A prioridade dada à abordagem das diversas formas de violência
expressas e experimentadas nessas localidades deve-se ao meu próprio
interesse em refletir sobre como esta vai sendo reproduzida nos micro
espaços.
No quarto momento, parte fundamental do trabalho, procuro
aprofundar o entendimento da trama da violência no espaço escolar, a
partir dos elementos que apareceram no próprio desenrolar da pesquisa.
Apresento as divergências obsetVadas entre os pesquisados
quanto à existência de violência na escola; falo da natw"alidade
conseqüente da fonna como se relaciona com a violência; discuto sobre
a questão da escola enquanto agente-vítima; Tento mostrar como o
cotidiano da comunidade se expressa na escola; apontando finalmente as
indicações quanto aos limites e possibilidades da escola lidar com o
problema.
Em especial, todos os textos incluídos neste capítulo, foram
construídos de acordo com as entrevistas, procurando o máximo
possível isentar-me de apreciações criticas, resguardando-lhes a
originalidade, evitando interpretações que pudessem distorcer ou limitar
o conteúdo das mesmas.
N o quinto e último momento, trago algumas considerações finais,
destacando aspectos considerados relevantes, retomando o pensamento
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dessa apresentação. Destaco o aspecto da negação da violência na escola,
considerando como elemento principal dessa trama. De maneira mais
expressiva falo da dor e do prazer que experimentei ao longo desse
trabalho, verdadeiros sinais de morte / vida que marcaram toda essa
caminhada.
Durante todo esse percurso, ao tratar da violência na escola,
deparei-me com situações, que, mesmo residindo em Duque de Caxias
há tantos anos, me eram desconhecidas ou indefinidas. Percebi desde
logo, que não elaborava apenas uma produção acadêmica, assim como
não atuava simplesmente como pesquisadora. Todos aqueles problemas
faziam parte da minha vida, da história do povo do qual faço parte,
inscrevendo-me, na realidade, nessa própria história.
Todo o texto escrito vem perpassado pela minha inclusão nesse
contexto, situando-me numa posição de autora-atora desse cenário, com
todas as implicações decorrentes dessa desafiadora e fascinante aventura.
Na etapa final do trabalho já não me entendia ser a mesma
pessoa, não apenas a nível de ampliação de conhecimentos, mas também
a nível de crescimento pessoal.
Ter precisado abrir mão de valores e conceitos cristalizados,
abandonando antigos referenciais, foi uma experiência que, além de
exigir um redimensionarnento das idéias, me possibilitou maior abertura
e flexibilidade, gerando uma nova visão das pessoas, dos acontecimentos
e de mim mesma.
Exercitar a análise das situações numa perspectiva de rede, em
muito me ajudou a romper com a tendência de interpretação unilateral
para alcançar a dimensão da omnilateralidade.
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o contato matS direto com o mundo considerado ·da
"marginalidade" contribuiu para quebrar estereótipos incutidos por uma
educação elitista, discriminadora, trazendo-me uma nova visão do ser
humano, que extrapola o discurso religioso ou político da militância.
O difici1 ato de escrever foi uma experiência que aos poucos
tomou-se também prazerosa, à medida que me libertava do medo de
quebrar a "seriedade" acadêmica, permitindo-me assumir meu estilo mais
coloquial, mais popular, menos preso a padrões rígidos.
A paciência, extremamente necessária a todo esse processo de
pensar, foi um dos maiores desafios que enfrentei. Conviver com o
arrumar e desarrumar minhas idéias, aguardando o nascimento do novo,
cuja gestação nem sempre se fazia dentro do prazo pretendido, me fez
aprender com a própria prática, as orientações do mestre do "Arqueiro
Zen"(ao qual fui "apresentada" pelo também grande mestre Marcos
Arruda), para quem a paciência do discípulo diante de frequentes
resultados infrutíferos, era exigência necessária para a conquista final do
alvo.
"Então, o qu~ d~vo faz~r1
T ~m qu~ apr~nd~r a ~e;p~rar, Como 6~ 8pr~nd~ 8 ~e;p~rar1
DtJ§p,.endendo-5~ d~ e;i m~~mo, d~ixando para tr8~ tudo o qu~ tem ~ o qu~ é, d~ man~ira qu~ do
e;~nhor nada r~e;tar.á, a não e;~r a tene;ão e;~m
n~nhuma intenção", (H~rrig~l, 1975: 43)
Este trabalho não tem a intenção de esgotar toda a análise das
diferentes formas de violência que a escola sofre, nem culpabilizá-Ia
13
pelas que pratica, mas sim levantar alguns dados para maior reflexão
sobre o seu papel político-social.
Por acreditar que a verdadeira transfonnação deverá emergir do
próprio povo que sofre e experimenta a opressão; por ter certeza de que
esta transfonnação vai mesmo acontecer um dia, estando em curso a
cada dia, e por ter consciência do meu papel de sujeito deste processo, é
que me propus a buscar nesse estudo uma oportunidade de descobrir e
depois compartilhar as experiências e conhecimentos adquiridos.
Esse trabalho justifica-se pela crença de que é preciso lutar contra
todas as fonnas de violência, desde aquela que invadiu a todos nós, pela
certeza de que o enfrentamento dessa problemática é uma tarefa coletiva
e pela esperança de que a história da Baixada venha a ser escrita a partir
da vida e não apenas da violência e da morte.
Nesse sentido, quero dedicá-lo a todas as pessoas que moram na
Baixada Fluminense, especialmente às crianças, que foram mortas,
vítimas de qualquer tipo de violência. E a todas as pessoas que, em
Duque de Caxias, lutam em favor da vida.
14
A VIOLÊNCIA EM QUESTÃO
1. VIOLÊNCIA E SOCIEDADE
Dentre as preocupações atuais, a questão da violência vem
assumindo uma importância cada vez maior, sendo discutida mais
amplamente pelos diversos grupos sociais, assim como explorada pela
mídia, transformando-se num dos principais temas de reflexão.
Ao se buscar traçar um rápido perfil sobre a violência no mundo
de hoje, depara-se com um quadro surpreendente de violência contra o
ser humano: violência das discriminações, violência doméstica, violência
contra a criança, violência policial, violência na política, no trabalho, no
trânsito, no esporte, nos serviços de saúde, na cultura, na educação ...
Pode-se afirmar, enfim, que a violência invadiu todos os campos da vida
das pessoas, revestindo-se dos mais variados aspectos.
A violência também não tem se restringido a um espaço
geográfico ou social específico. Estende-se desde a cidade até o campo e
se faz presente nos bairros sofisticados e nas favelas, abraçando a tudo e
a todos com seus longos braços.
Os estudiosos desse fenômeno, embora apresentando diferentes
explicações quanto às suas causas, origens, possibilidades de solução,
grau de intensidade, são unânimes em relação à sua historicidade, ao
concluírem: a violência é de todos os tempos, encontrada em todas as
sociedades, integrante de todo processo histórico, conforme resume
Domenach (1981: 31 ):
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"A viol8ncia ~ tão v~lha quanto o mundo",
o que fica evidenciado, entretanto, é que cada sociedade
interpreta a violência dentro de seus variantes culturais.
Em contrapartida, por exemplo, à forma com a qual alguns
grupos sociais encaram a vida, o corpo, a morte, têm-se conhecimento de
algumas tribos indígenas que ainda hoje praticam o canibalismo.
A antropóloga Aparecida Vilaça, ao comentar sobre sua pesquisa
entre os Pakaas Novos (ou Wari), habitantes de afluentes dos rios
Madeira e Mamoré, em Rondônia, esclarece:
"A p~ssoa Wari ~ construída no ato da d~voração: com~~s~ para s~r g~nu,( .. ,) O
~ndocanibalismo ~ praticado, entre outros motivos,
para ~vitar qu~ os jam ( almas, imag~ns, duplos) dos
Wari perambul~m p~lo espaço, sem encontrar a paz dos mortos ~ am~açando os vivos, O ~xo~canibalismo ~ ~xercido contra os inimigos de modo a caract~rizar
sua condição d~ pr~sa, contraposta à posição humana dos Wari ,li
( Jornal do Brasil, 02 jan. 1993, p.5)
N esse sentido, pode-se dizer que a dimensão da cultura está
intrinsecamente vinculada à questão da violência, como se refere Assis
(1991 :34-35 ):
11 O limite, a partir do qual d~rminado grupo r~conh~c~ ~xistir viol8ncia ~ função d~ sua ins~rção sócio~~con$mica e política, assim como d~ sua
história ~nquanto grupo, Ora, s~ uma soci~dad~ ~
17
composta de número incalculável de grupos sociais,
multiplicam-se então as dificuldades de definir e delimitar claramen~ o que seja viol8ncla.
Conseqü"ntemente não existe numa sociedade um único sentido para definir vlol8ncia e sim percepções
dif"renciadas, principalmen~ s"gundo a estrutura I conjuntura social" inserção difer"nciada dos grupos com suas culturas próprias. Acresc"nta-se ainda a subj~ividade de cada indivíduo, que percebe e interpr~a cada fato social a s"u modo."
Ao abordarem essa temática, alguns teóricos afirmam que a
violência tem-se agravado nos últimos anos, transformando-se no maior
fenômeno social e na principal interrogação desses tempos, idéia esta
que tem amplo respaldo do senso comum.
Para outros autores, como Michaud (1989), não menos radicais
em suas avaliações, nada garante que o mundo contemporâneo seja mais
violento do que as épocas passadas.
126):
Concordando com essa interpretação, explícita Padilha ( 1971:
liA viol8ncia 6 con~mpor~nea ao homem. Vem
ela participando, ao longo da história, como part6 integran~ do processo político, de tal modo que
par"c" surpr""nd"nte o "studo do ~ma como se fora uma peculiaridade dos dias que correm."
Embora incluídos entre o grupo que acredita serem cada vez mais
evidentes os aspectos visíveis e fatais da violência, alguns autores
apontam para a constatação de que o que existe hoje é uma maior
18
consciência social sobre o problema, não apenas nos meios acadêmicos,
mas principalmente na sociedade civil.
II Ns v~rdad~ ~6te fsto nao é novo. O qu~ o
torna mai6 patente hoj~, 6, provav~lm~nte, uma tomada d~ con6ci8ncis msi6 sguds d~ 6ofi6ticaçao
técnica com qu~ ~Ie 6e exercita e, talvez, o de6envolvimento de uma !?ignificsção msi!? refinada ds lib~rdade humana." (Menezes, 1982: 12 )
Para René Rémond (1967) o que ocorre é que, em contrapartida a
um tempo em que a violência era somda com resignação por uma
humanidade que a aceitava como fatalidade, contra a qual não se
imaginava que pudesse haver revolta, hoje, a violência tomou-se objeto
de reflexão, é contestada, interpelada, suscita protesto.
Sem dúvida pode-se dizer que são cada vez mais freqüentes as
denúncias e manifestações contra a violência, promovidas especialmente
pelos movimentos sociais organizados, dentre os quais podem ser
citados os grupos que se mobilizam contra a violência aos negros,
crianças, mulheres, homossexuais, indígenas, agricultores ...
A crença de que o homem se faz na história, pode levar, se não à
sociedade em que a violência seja abolida totalmente, pelo menos a uma
minimização mais radical, onde a pessoa seja respeitada enquanto ser
humano garantindo-1he seus direitos de cidadania.
Assim como em todas as épocas, civilizações e territórios, a
violência vem se manifestando na sociedade brasileira desde os primeiros
momentos, quando foi invadida pelos conquistadores portugueses,
expressando-se com suas diversas faces, nas relações individuais e
19
coletivas.
Pode-se afinnar, sem dúvida, que a sociedade brasileira é uma
sociedade violenta, embora isto venha sendo negado sistematicamente
pelas inteIpretaçõcs oficiais. A classe dominante conserva o discurso de
que o povo brasileiro é um povo pacífico, manso, ordeiro, tentando
manter o mito da índole pacífica do brasileiro.
"( .. .) Nada m~lhor para atend~r ao id~al d~ paz ~ tranqüilidade qu~ exie;te ~m todo e;~r humano do qu~ forjar uma hie;t6rla nacional na qual os conflitos não ~xistem,"
(OdaJia, 1985: 55 )
Usando o discurso ideológico que nega o conflito, acusando toda
manifestação de reivindicação do povo como subversão ou esquerdismo,
fica muito mais fãci1 dominar, fazendo com que o desejo e o interesse de
poucos prevaleçam sobre os da maioria.
Não se pode negar que a violência se expressa e cresce no Brasil
de fonna assustadora. Mas, como se refere Boff( 1989: 17)
/I A viol8ncia qu~ sofremos atualm~nte não I;
d~ hoj~ ~ n~m d~ nossa g~ração, Ela lança suas raízes long~, para dtmtro da história do noe;so país,"
Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência
da USP ( Universidade de São Paulo) esclarece, nesse sentido:
.. A soci~dad~ brasil~ira, no m~u ~ntend~r, I;
uma sociedade hie;toricamente muito viol~nta, Bae;ta
20
I~mbrar como os índios, os povos indíg~nas foram tratados pelo colonizador; basta lembrar o amplo asp~cto da escravidão ; basta I~mbrar ainda no
p~ríodo colonial as d~vassas, os modos muito violentos d~ lidar com a desobedi~ncia civil, de lidar com a insubordinação da população. Toda a longa história brasil~ira do s6culo XIX 6 uma história de
muita viol8ncia e d~rramam~nto de sangue." (Adorno, 1989: 11)
De acordo com autores como Oliven (1986), a partir de 1964, a
violência cresceu no Brasil, não só na cidade como no campo. O golpe
de Estado oconido nesse penodo pode ser apontado como um dos
momentos mais gritantes em que se deu uma ruptura violenta em nossa
sociedade. Como consequências da consolidação desse plano, temos
hoje no Brasil, não apenas uma miséria fisica, mas também uma miséria
moral e ética.
Os fatos citados, embora de forma tão resumida, indicam o
quanto a violência vem acompanhando a história do povo brasileiro,
refletindo-se em todos os espaços, de uma ou outra forma mais
específica.
Guardadas as devidas proporções, alguns dados sobre a situação
da Baixada Fluminense e do Município de Duque de Caxias, podem
representar um retrato da violência no Brasil.
Após sua pesquisa no referido município, Souza (1991 :67)
apresenta uma apreciação que pode dar suporte a esta idéia:
" Caxias não 6 só viol~nto, tampouco 6 só
21
viol~ntado, ma6 ~ ao m~6mo umpo viol~nto ~
viol6ntado. Sua hi6tória 6 a din.amica d6 e1uae1
r~laçõ~e1 e1ociai6 con6titu~m uma ~6p~cificidad~
concr6ta qU6 o dif6r"ncia ma6 não o ie10la dos
probl~m8e1 g~ral6 do paí6. Ela r~pr~e16nta, portanto,
m6dianu as e1uae1 contradiçÕ6e1, o e1intoma 6 símbolo
da e10Ci6dad6 br86il~ira, ag6nu 6 vítima do 66U
próprio prOC6e160 d6 viol~nci8."
Em resumo, pode-se dizer que ao se discutir sobre a violência é
preciso atenção para a teia de relações sociais presente nas suas
manifestações, ou seja, a violência só pode ser estudada em conexão
com os dados histórico-culturais que a explicam.
22
2. DIFERENÇAS CONCEITIJAIS
o viver em sociedade tem sido marcado pennanentemente pela
presença da violência, ainda que esta seja entendida ora como um
fenômeno inerente ao próprio processo de fonnação social, ora como
um elemento estranho a este processo.
Entretanto, o desenvolvimento histórico da humanidade mostra
que sociedades diferentes segregam violências diferentes. Ocorre
também que muitos atos considerados como violentos por uma
detenninada sociedade não o são para outras. E até dentro de um mesmo
grupo social encontram-se diferentes compreensões do que possa ser
considerado como violência.
Segundo Zaluar (1983: 251), os próprios meios de informação
sobre a violência não atingem as pessoas de igual maneira, o que vai se
refletir, consecutivamente, nas diferentes concepções acerca dessa
problemática.
" A classe social a que pertencemos, o local
onde moramos, o jornal que lemos, o programa a que assistimos, bem como a imagem que estes nos d~o
de nossa classe social e do local onde moramos,
constituem e compõem o modo como vivenciamos e pensamos essa viol8ncia ,"
Ao se tematizar a violência, a primeira imagem que aparece, ou
seja, a sua face mais imediata e perceptível, é a que se exprime pela
agressão fisica.
23
Recorrendo a uma breve pesquisa a alguns dicionários, pode-se
notar uma certa prioridade na referência a este aspecto fisico.
11 Por vlol8nci8 enunde~6e 8 inurvençao fí6ic8
de um indivíduo ou grupo (ou t8mb6m contra 6i me6mo)."
(Bobbio, 1986: 1291 )
A própria etimologia da palavra parece concorrer para esta relação
imediata: violência é uma palavra que vem do Latim, de "violentia", que
significa ímpeto, caráter violento, ou bravio, furioso, à força. O verbo
"violare" significa tratar com violência, profanar, transgredir.
11 E6U6 urm06 6e referem a VIS f que quer
dizer força f vigor , pot8ncia, viol8ncia, emprego da
forç8 fí6ica, ma6 tamb6m qU8ntid8def abund~ncia,
e668ncia ou caráter e66encial de uma coi6a ." ( Michaud, 1989: 8 )
Em sociedades como a nossa ,essa ligação direta da violência
com a agressão fisica se expressa essencialmente na associação
violência-criminalidade, o que tem detonado sérias conseqüências.
Sussekind (1987) considera essa interligação como superficial e
excludente, à medida que etiqueta a criminalidade como única forma de
comportamento anti-social a ser temida e reprimida, deixando à margem
da lei uma série de situações negativas à sociedade, tais como a poluição
que assola os rios, a incerteza no mercado financeiro, a educação
esdrúxula e elitista, o sistema de assistência médica etc. Em outras
palavras, ao se restringir a violência ao roubo, estupro, homicídio, não se
24
deixa transparecer a estrutura sócio-econômica e política que detennina a
realidade desumana em que vivemos.
Outro agravante conseqüente de se pensar a violência apenas no
seu sentido criminal é o estereótipo que se forma sobre os autores da
violência. Segundo Minayo (1990 (a): 2) tem-se hoje uma classe social
inteira colocada sob julgamento e suspeita pennanentes. Já se sabe de
onde e de quem provém a violência.
liA con6truç~o Imaginária da viol~ncia em
n066a sociedade. se alimenta de uma fanta6ia
maniqueí6ta que fixa a origem do mal em certo tipo de
p~66oa: jovem ~ negro ~ pobn,; e ~m c~rto tipo de
e6paço urbano: a6 favela6 e a6 periferia6 da6 grande6 cidad66,II
Algumas pesqulSas têm mostrado que o discurso sobre a
violência demonstra um distanciamento entre quem fala e os "outros " (os
"bandidos"), ficando estabelecido uma distinção entre os homens "de
bem" e os criminosos.
Em relação à esta questão, Cardoso (1987) comenta que, assim
como para as pessoas de classe mais privilegiadas os criminosos estão
distantes, fazendo parte de um outro mundo (o da pobreza, da carência,
dos costumes incompreensíveis, da delinqüência), assim também os
homens de bem, sendo sem bens, usam sua dignidade e trabalhado
como emblema representativo do seu distanciamento com o mundo do
crime. Neste caso, consideram que o pobre mau, o pobre bandido tem
que ser punido. Porque "esse não sou eu, esses são os outros".
Sabe-se, no entanto, que além do seu aspecto fisico, comumente
2S
confundido com o crime, a violência apresenta-se sob a máscara de mil
outros disfarces, muito mais sutis, e por isso mesmo mais difici1 de ser
reconhecida, especialmente pelas suas maiores e principais vítimas.
Alguns dicionários, a exemplo dos organizados por Silva (1967) e
Ferreira (1986), ampliando suas definições, indicam dois sentidos para a
violência: um aspecto material, referente à agressão fisica, ao atentado
fisico, a um ato de força, de destruição, de tortura fisica ... e um outro
aspecto: o moral ou imaterial, que se configura através da coação, da
ameaç~ do constrangimento.
A quase totalidade dos autores consultados que se dispuseram a
definir a violência de maneira mais precisa, extrapola o seu aspecto fisico
enfocando-a sobre outra dimensão, apontando para as diversas
metamorfoses em que a violência se apresenta, que vão desde os baixos
salários aos obstáculos a uma real participação política.
René Remond, do Centro Católico de Intelectuais Franceses,
sustenta que
liA viol~ncia é toda iniciat.iva que usurpa
gravement.e a liberdade de out.rem, que tende a proibir a liberdade de r8flexão, de julgamento, de decisão, e
sobr~udo que leva a nivelar o próximo à posição de
meio ou inst.rumento num projeto que o absorve ou
engloba, sem t.rat.á-Io como um parceiro livre e igual,"
( Rémond, 1972: 182 )
Jean - Marie Domenach, um dos clássicos estudiosos sobre o
assunto, afinna:
"Eu chamaria viol~ncia o uso de uma força,
26
aberta ou fechada, com os fins de obter de um
indivíduo ou de um grupo o qu~ ~I~s não qu~r~m cons~ntir Iivr~m~nu.'1
(Domenach, 1981: 33)
Bourdieu ( 1975 ) denomina de violência "aberta" a violência
fisica, econômica, segundo ele, mais visível ou presente. Reconhece
porém, que existe uma outra forma de violência, mais refinada e
invisível, muitas vezes nem percebida como violência, a chamada
violência "doce", a qual ele caracteriza como violência "simbólica".
Michaud (1989: 10-14) apresenta alguns conceitos de violência,
elaborados por diversos autores, criticando-os por serem, na sua opinião,
insuficientemente objetivos, concluindo que
OlHá viol~ncia quando, numa situação de
inuração, um ou vários autor~s ag~m d~ man~ira
direta ou indir~ta, maciça ou esparsa, causando
danos a uma ou várias p~ssoas ~m graus variáv~is,
seja em sua inugridade física, seja ~m sua inugridade moral, ~m suas poss~s, ou ~m suas participaçõ~s simbólicas ~ culturais.'1
Embora tenha sido possível destacar alguns conceitos de
violência, pude observar que a grande maioria dos autores discute sobre
vários aspectos e formas de expressão da violência, sem contudo chegar
a uma especificação conceitual. Odalia (1985), entre outros, se opõe
inclusive à tentativa de se definir a violência, devido ao risco de
aprisioná-la num esquema formal, estreito e fechado.
Reiterando o pensamento acima, Freire (1984: 10) ressalta:
27
"/\S definições dadas ao termo são sempre
provisórias. operacionais e inferidas dos casos
particulares. estudadas em situações particulares."
Por outro lado, ao invés de buscar limitar com precisão a
significação do conceito de violência, alguns teóricos demonstram
preferência por classificá-la, para efeitos operacionais, trabalhando com
categorias.
Dentre uma infinidade de classificações, optei por exemplificar a
selecionada pelos pesquisadores do eLA VES, segundo os quais a
violência se expressa em três níveis:
"a) A viol8ncia estrutural, como aquela que nasce no próprio sistema social criando as
desigualdades e suas consequ~ncias como a fome, o
desemprego, e todos os problemas sociais com que
convive a classe trabalhadora. Estão aí incluídas as
discriminações de raça, sexo e de idade.
Cuidadosamente velada, a viol8ncia estrutural
não costuma ser nomeada, mas é vista antes como
algo natural, a~histórico, como a própria ordem das
coisas e disposições das pessoas na sociedade.
b) A yiol8ncia reyolucionária Q1.l M resis~ncia,
como aquela que expressa o grito das classes e
grupos discriminados, geralmente de forma organizada, criando a consci8ncia da transformação.
Do ponto de vie;ta doe; dominantee;, ae; formas de resist8ncia e denúncia são vistas como
insubordinação, desordem, irracionalidade e d isfu nção. ( ... )
c) A delinQ~ü8ncia seria uma terceira forma de viol~ncia presenu em nossa sociedade. Compreende
28
roubos, furt.os, sadismos, s~qu~stros, pilhag~ns,
tiro~io ~ntre": "gangs", de":litos sob o e":fe":ito do álcool,
drogas ~, Essa ~ a forma mais com~ntada p~lo , se":n~o comum, como viol8ncia. E importan~ e":n~nde":r qu~ a d~llnqü8ncia n~o é um f~nc9m~no natural e": muito
me":no~ pod~ ~e":r "xplicada pe":la conduta patológica do~ indivíduo~ ~ muito m~nos ainda como atributo
dos pobre":s e": ne":gro~. O aume":nto da criminalidade": ~e":
alime":nta da~ d~sigualdad~~ ~ociai~, da alie":nação dos
indivíduo~, da de":svalorização das normas e": valore":s morais, do culto à força e": ao machi~mo, do d~s~jo do
lucro fácil e": da pe":rda da~ re":fe":r8ncias culturais," (Minayo, 1990 (b): 14-15)
A partir do exposto, pode-se observar que, embora apresentem
um conteúdo comum, existe uma enorme variação em termos dos
elementos integrantes a cada concepção de violência. Essa diversidade de
abordagens, essa disparidade intensa, além de mostrar o profundo grau
de complexidade desse fenômeno, dificulta sobremaneira a sua
compreensão.
Contudo, ainda que diante de idéias divergentes e do grau de
subjetividade que envolve esta temática, não significa que a violência
seja indefinível. Alguns teóricos chamam atenção inclusive para a
necessidade de se evitar de batizar tudo indistintamente como
manifestação de violência, ou mesmo de se evitar de tirar um conceito
generalizado do que seja a violência.
Michaud (1989: 14) sugere quatro observações a serem pensadas
ao se considerar essa questão:
, lia) E pre":ciso ~star conscie":n~ de": qUe": as
29
definiçõ~s objetivas, ainda qu~ as mais ú~is, não são
is~ntas d~ pr~ssupostos e também não apreend~m o conjunto dos f~n~m~nos;
b) Há na apre~nsão da viol8ncia um componen~ subjetivo qu~ depend~ dos critérios
utilizados C ... ); c) Não 6 possível haver um ~quilíbrio
satisfatório entre um e outro ponto de vista ( ... ); , d) E preciso estar pronto para admitir qu~
não há discurso nem saber universal sobre a viol8ncia: cada sociedade está às voltas com a sua própria viol8ncia segundo seus próprios critérios e trata seus
próprios problemas com maior ou menor 8xito ( ... )."
Cardoso (1987) ressalta que o tema da violência se divide em dois
grande discursos: o que pede segurança e punição e apresenta soluções
autoritárias e o que se identifica com a defesa dos direitos humanos.
Segundo a autora é preciso que se faça uma análise séria desses
dois discursos estruturados, para que sejam relativizados e se comece a
indagar o que se quer dizer quando se fala de violência.
30
3. TEORIAS EXPLICATIVAS DA VIOLÊNCIA
Nos tempos atuais, a violência deixou de ser um episódio esparso,
convertendo-se em rotina, fazendo parte do cotidiano, tomando-se
objeto das discussões não apenas por parte dos intelectuais ou
autoridades governamentais, mas também por parte de inúmeros
segmentos da sociedade civil e da população que vivencia mais
diretamente este problema, conforme esse próprio trabalho pode indicar.
Dados fornecidos pelo CLA VES mostram, através da publicação
de um levantamento bibliográfico que, na década de 80, a produção
intelectual sobre o tema da violência cresceu em número, abrangência,
inclusão de disciplinas e complexidade nas abordagens, concluindo:
"(. .. ) No s~u conjunto ~ssa produção faz
p~nsar qu~ aum~ntou muito. da d6cada d~ 60 para 80 o nív~1 da consci8ncia socia I sobr~ o probl~ma.
Mas, por qu~ não diz8-lo'? Ess~ cr~scim~nto da consci8ncia acompanha o avanço d~ um proc~sso
social marcadam~nt6 pr~ocupant6 no Brasil, ~m
t6rmos da viol8ncia do ~stado ~ d~ s~us apar~lhos
r~pr~ssivos. d~ viol8ncia das r~laçõ~s d~ produção ~
d~ propri~dad~ no campo. da d~linqu8ncia nos
grand~s c~ntros urbanos. af~ando d~ forma muito particular a cotidian~idad~ dos cidadãos, p~la
p~rpl~xidad~ ~ p~lo m~do ," (Minayo, 1990 (c): 12)
Uma das dificuldades maiores ao se tratar com esta questão
refere-se ao seu grau de complexidade, no sentido de ser a violência, em
31
si mesma, uma projeção de muitas outras questões de natureza
profundas. Ao se tentar compreender este fenômeno, portanto, muitos
fatores precisam ser considerados, ponderados, analisados.
À medida em que fui aprofundando meu estudo, pude constatar a
existência de inúmeras teorias ou correntes que buscavam definir a
violência, explicando suas causas e origens, apontando soluções para seu
controle ou superação, dentro dos mais variados enfoques.
Dentre a bibliografia consultada pude perceber, em princípio,
duas linhas básicas de pensamento, quanto à natureza da violência:
I a.) a que acredita que a violência é inseparável da condição humana e
da natureza humana, ou seja, a violência é interna ao indivíduo e,
portanto, o ser humano em si mesmo é um ser violento;
2a.) a que entende a violência como um fator social. Neste caso, o
homem se torna violento sob influência da sociedade, compreendendo
se, pois, que a violência é de natureza social, ou seja, externa ao
indivíduo: os indivíduos se tornam violentos porque vivem numa
sociedade violenta.
Os adeptos do primeiro enfoque apontam como principais
causadores da violência os fatores biológicos e psicológicos, os quais dão
origem às duas seguintes teorias:
a) A chamada teoria biologiclsta, que trabalha com a idéia de que existe
uma agressividade instintiva na natureza humana. A violência seria
inerente ao próprio ser humano, uma vez que os indivíduos trazem em
32
si algumas condutas caracterlsticas que os tomam violentos.
Alguns estudiosos do assunto, como Lombroso, referem-se à
estrutura da fosseta occipital, ou à uma determinada química no cérebro,
como elementos importantes na indicação de pessoas mais sujeitas a
cometerem atos violentos.
"( ... ) Houv~ um ci~ntista - Lombroso - qu~
p~nsou assim. EI~ acr~ditava qu~ c~rtos criminosos
ob~d~ciam a um padrão típico quanto à constituição ,
do cr~nio, das or~lhas, dos olhos, do rosto. E como s~
uma p~ssoa qu~ tiv~ss~ aqu~la apar8ncia foss~ um
criminoso por sua própria natur~za".
(Souza, 1988: 19)
Ao concluir sua obra "O Homem Criminoso", o próprio
Lombroso afirma:
"O qu~ concluir d~ tudo isto'? Qu~ os crim~s
mais ten~brosos, mais bárbaros, tBm um ponto d~
partida fisiológico, atávico, n~ss~s instintos animais,
qu~ no hom~m ficou ~nfraqu~cidos duranu c~rto
tempo graças à ~ducação, ao m~io social, ao temor
do castigo; mas r~nasc~m d~ r~p~nte, influ~nciados
por c~rtas circunst~ncias como a do~nça, os
f~n~m~nos m~orológicos, a imitação ou a
~mbriagu8s ~sp~rmática, fruto d~ uma contin8ncia
33
excessiva".
(Lombroso, s/d: 499,500)
Na compreensão de Padilha (1971) é apenas à luz do humano
que o conceito de violência ganha significado. A atuação dos seres de
natureza mineral, vegetal ou mesmo animal obedece a determinadas leis.
O animal que devora o outro, assim como os terremotos, furacões,
inundações não se configuram como um ato de violência, mas sim como
um ato natural, decorrente de uma série de detenninações.
Embora apontando outros componentes, Corbisier afirma que a
raiz primordial da violência está no próprio homem, ou seja, na natureza
humana. Para este autor, todos os homens, mesmo os cidadãos mais
pacatos, que vivem de acordo com a lei e a moral, abrigam em si a
semente da violência.
liA viol~ncia dos que assaltam. estupram e
matam é a mesma. não é outra. diferente ou especial. da qual estaríamos imunes. ( ... ) Apenas em nós essa
vio/8ncia é. normalmente contida. graças à educação
que recebemos e à situação em que nos encontramos.
( ... ) Se não roubamos é. porque fomos educados
considerando o roubo um delito e. al6m disso. porque
não precisamos roubar. E. se não matamos ninguém. 6 pelsfí mesmafí raízes:'
(Corbisier, 1991: 215 ).
Muitos dos adeptos da corrente biologicista utilizam os conceitos
da Etologia, ciência surgida nas décadas de 40 e 50, que faz o estudo
comparado do comportamento dos animais.
34
Um dos seus grandes representantes é Konrad Lorenz, biólogo
austríaco, que ganhou o Prêmio Nobel de Medicina em 1973, por ter
sido um dos criadores desta nova ciência.
No seu livro "A agressão: uma história natural do mal", publicado
em 1979, Lorenz trata da agressividade como um instinto de combate do
animal e do homem dirigido contra o próprio congênere.
De acordo com este autor, somente o verdadeiro conhecimento
dos animais é capaz de nos ajudar a compreender plenamente o caráter
único do homem, assim como indicar-nos os perigos que são possíveis
de evitar.
A Etologia, assim como a Biologia Social, transferem as regras,
nonnas e leis do biológico para o social, trazendo os dados referentes ao
comportamento dos animais, para as relações humanas na sociedade.
Hannah Arendt (1973: 133,134) faz sérias criticas à essa teoria
explicativa da violência:
"Em primeiro lugar, apesar de achar grande
parte do trabalho dos zoólogos fascinante. não
consigo ver como pode ser aplicado ao nosso
problema. Para saber que o povo lutará por sua pátria n.?lo precisamos descobrir instintos de
"territorialismo grupal" ~m formigas, p~ixes ~
macacos; ~ para aprend~r que a superpopulação
r~sulta em irritação e agressividade não temos que fazer ~xp~ri8ncias com ratos. Basta passar um dia
nos cortiços de qualqu~r grand~ cidad~ (".) Em segundo lugar os resultados das
pesquisas ~m ci8ncias naturais e sociais tendem a fazer do comportamento violento, uma reação ainda
mais "natural" do que ~staríamos pr~parados para
35
admitir 6~m ~6ta6 p~6qui6a6. ( ... )
Pondo d~ lado a ~nganosa transposição de
Urm06 n6ic06 como "~nergia" ~ "força" para 06 dad06
biológicos ~ zoológic06, ond~ não fazem 6entido
porqu~ não pod~m s~r m~didos, umo qu~ atrá6
dBstas rBCtJnus "dBscob~rtas" s~ B6conda a mais v~lha definição da natur~za do homem ~ a definição
de hom~m como o 'animal rationale', segundo a qual
não 60m06 dif~r~nu6 da6 outra6 ~6péci~6 animai6
em nada fora o atributo adicional da razão.(. .. )"
Como síntese, caberia afumar que esta teoria prevê a existência
de uma incapacidade do homem para se adaptar a mudanças
substanciais relacionadas ao desenvolvimento social e tecnológico,
devido a sua estrutura genética. Além disso, supõe que exista no homem
uma tendência irrefreável à violência e ao domínio dos outros, resultado
da sua natureza instintiva.
Esta linha de pensamento tem influenciado a visão da Medicina,
da Psiquiatria e Psicologia e até mesmo do Direito, no que se refere à
compreensão do fenômeno da violência. Muitos atos de violência,
particulannente os que se referem à criminalidade, têm sido justificados
como resultado da hereditariedade, da índole má ou da maldade
constitutiva da natureza humana.
b) As concepções psicologiclstas justificam a violência a partir de
problemas de conduta individual: a violência moraria no homem a espera
de condições exteriores propícias para sua manifestação.
Alguns autores chegam a afumar que as modificações nas
relações sociais só se dariam através de mudanças na constituição
36
psíquica do indivíduo, apontando para a detenninação do individual
sobre o social.
Existem múltiplas abordagens psicológicas da violência e da
agressividade, embora devido às limitações desse trabalho, apenas
algumas sejam especificadas.
Um desses estudos, apoiando-se na Psicologia Geral, conclui que
detenninados fatores, tais como o calor, o barulho, a privação de
movimentos, de alimentos ou bebidas, enfim, as proibições em geral,
desencadeiam a raiva e as condutas agressivas.
As abordagens clínicas consideram como fatores relevantes na
formação das personalidades agressivas os traumas, as frustrações, a
desagregação da família, o tédio interno e externo, a falta de escapismo, a
influência do grupo afinitário ...
Um dos conceitos apoiados na Psicologia considera a
interferência de modelos como prioritário na formação de uma
personalidade violenta. Com base nesse conteúdo acredita-se, por
exemplo, que os jovens delinqüentes teriam uma história familiar de
espancamento e violência.
É ainda baseando-se no impacto dos modelos sobre as crianças,
que muitas pessoas justificam a interferência da mídia nos
comportamentos violentos, uma vez que, de acordo com este
pensamento, a agressão seria facilitada pela imitação ou pela desinibição
dos instintos agressivos.
Erich Fromm ao discutir sobre a natureza do mal e a escolha entre
o bem e o mal, mostra como o homem vem perdendo sua capacidade de
independência, amor e razão, desenvolvendo no lugar dela, forças
37
destruidoras que levam à desumanização.
Em sua obra" O Coração do Homem - seu gênio para o bem e
para o mal", refere-se a diferentes formas de violência, compreendendo
algumas como manifestações menos patológicas. Dentre as formas de
violência não motivadas pelo ódio ou pela destrutividade inclui a
violência recreativa (usada por exemplo nos jogos) e a reativa
(empregada na defesa da vida, da liberdade, da dignidade ou
propriedade). A um passo do patológico, Fromm coloca a violência
vingativa. Descreve, por fim, a violência compensatória, forma mais
patológica, empregada como substituto de atividade produtiva por uma
pessoa impotente.
"0 hom~m impotente, s~ tem uma pistola, uma
faca ou um braço forte pod6 transc6nd6r a vida d~struindo-a ~m outros ou 6m si m6smo",
( Fromm, 1981: 33)
Como último tipo de violência, o autor refere-se à "sede de
sangue".
"No hom~m qU6 busca uma solução para a vida r6gr~ssando a um 6stado d6 6xis~ncia pr6-individual,
virando animal ~ assim S6 livrando do fardo da razão,
o sangu6 torna-S6 6ss8ncia da vida; d6rramar sangu6
6 s6ntir-s~ vivo; s~r forte, s~r ímpar, s~r acima dos . outros",
( Fromm, 1981: 35)
Uma das maiores contribuições para a compreensão da violência,
38
dentro da corrente psicologicista pode ser dada pela psicanálise, embora,
segundo Freire (1984) pouca ou nenhuma atenção venha sendo dada a
esse grave problema, pelo pensamento psicanalítico no Brasil.
Segundo Lundin (1971) Freud reconheceu a importância de tratar
sobre a agressividade, a qual se manifestaria, segundo ele, não somente
na destruição propriamente dita, mas também nas atitudes auto
agressivas, na transferência psicanalítica entre paciente e psicanalista, na
ambivalência entre sentimentos de ódio e amor, nos sonhos e desejos de
morte que habitam o coração do homem.
Em relação ao "instinto de vida" e ao "instinto de morte"
reconhecidos por Freud, explicita Lundin (1977: 23):
"( ... ) O instinto de vida inclui os impulsos que
operam para a preservação da vida. Freud salienta entre eles, em particular, o instinto sexual. A forma
de energia que o instinto de vida toma é chamada 'libido'. O instinto de morte opera, evidentemente em
menor escala. O seu objetivo final é a volta à matéria
inorg~nica. As mais óbvias expressões do instinto de
morte estão nas suas derivações ~ destruição e
agressão. Freud não menciona o instinto de morte
nas suas primeiras obras e foi só depois da primeira
guerra mundial que ele se convenceu de sua
exist8ncia" .
Dentre as concepções psicologicistas da violência, pode-se
perceber algumas que já consideram a interferência cultural na expressão
de condutas agressivas, não relacionando portanto, de forma tão radical,
a agressão humana à agressividade intra-específica.
39
A segunda linha básica de pensamento, através da qual a violência
é justificada pelos fatores sociais, também se desdobra em múltiplas
abordagens, podendo ser destacadas as seguintes:
a) Violência causada pela crescente bQustiça
desigualdade social
expressa na
Para os que defendem este modo de pensar, na própria
organização da nossa sociedade, pela sua lógica perversa e excludente, já
estaria a raiz originária da violência, ou seja, a própria organização social
já detennina a eliminação dos que não têm lugar na sociedade, revelando
sua violência fundamental, como pressupõe o relatório sobre violência,
elaborado pela Diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti (1990).
IIEstamos organizados num tipo de sociedade
que s" "strutura na "spoliação da mais~valia do trabalho, espoliação esta feita sob viol8ncia: o
capitalismo qu" "nriqu"c" dia a dia à custa do empobrecimento das grandes maiorias no nosso país
( .. .). Esta 6 a raiz mais profunda 6 qU6 6m grand" part6 d6termina as demaisll
.
Alguns autores, como Odalia (1985) chamam a atenção para a
institucionalização dessas desigualdades decorrente da naturalidade com
que se passa a ver a divisão entre os homens que possuem e os que não
possuem riquezas e prazeres, camuflando o fato dessa desigualdade
nascer de uma estrutura social mutável e historicamente detenninada.
40
Os adeptos dessa linha de pensamento têm uma compreensão da
violência que vai além das suas manifestações mais explícitas,
reconhecendo-a não apenas a nível de criminalidade, mas também nas
outras diversas fonnas de violação dos direitos do cidadão, tais como:
desemprego, fome, arrocho salarial, desnutrição, abandono do menor,
habitação em condições sub-humanas, produção e venda de tóxico,
educação alienadora etc, sem deixar de considerar todo problema social
como consequência do capitalismo.
Reafirmam a todo tempo que as relações sociais são
determinantes na fonnação econômica, social e cultural, e que a
distribuição desigual de bens e oportunidades, cada vez mais vem
agravando os contrastes nessas relações. Não incriminam a pobreza em
si mesma como responsável pela violência, mas, pelo contrário,
incriminam as elites pela existência da pobreza.
"( ... ) todas as sociedades divididas em
classes, de senhores e servos, assentam na violancia,
na opressão e na espoliação de uma classe por outra".
(Corbisier, 1991: 21 7)
Destacam ainda, como fruto desse sistema capitalista a formação
de uma sociedade de consumo, onde a publicidade propõe às massas um
modelo de vida confortável, sem que lhes sejam garantidos o aumento
de emprego e da renda familiar, criando um grau de insatisfação
tamanho, que muitas vezes pode levar aos roubos e crimes.
Uma parcela representativa dos que compreendem a violência
como fruto da crescente injustiça social decorrente da própria injustiça
41
na organização social ainda visualjza algumas alternativas como
atenuantes para o problema, tais como a reforma agrária, o aumento de
oportunidades de emprego, a melhoria salarial... Acreditam que o
combate à violência pode ser feito através das lutas nos sindicatos, nos
partidos, nas associações e outras organizações da sociedade civil, desde
que se faça uma séria avaliação sobre a necessidade de uma profunda
remodelação da estrutura social.
Outros representantes, entretanto, são mais radicais, afumando
que apenas após a superação da dominação econômica e política, ou
seja, somente num outro modelo de sociedade, no qual não exista a
relação de exploração, será possível isentar-se dos diversos tipos de
violência. Nesse sentido, acrescentam ainda que, enquanto não houver a
compreensão exata e o exercício pleno da cidadania e da democracia,
enquanto a vida do ser humano não for respeitada, não haverá
possibilidade alguma de qualquer tentativa de solução para casos como a
criminalidade e a violência.
b) Violência como fruto da rapidez no processo de transição social.
Ao se discutir o problema da violência, o binômio urbano e
violência tem sido freqüentemente ressaltado, traduzindo-se numa forma
de explicar esse fenômeno, principalmente a partir da relação entre as
periferias urbanas e a delinqüência.
Nesse sentido, percebe-se a existência de uma outra corrente de
pensamento que analisa a violência a partir dos "efeitos disruptivos dos
rápidos processos de mudança social", como denomina Minayo
42
(l990(c)), sendo provocados sobretudo pelo grande movimento
industrial e de urbanização.
11 A urbanização ét com c"rt.eza a principal
transformação social d~ nossos umpos. O
cr"sclm"nto ac~l"rado dos grand"s c"ntr06 urbanos 6 provocado não' ap~nas p~lo cr~scim~nto natural da
população, ma6 também p"la migração do hom"m do campo para as cidad~". (Pires, 1985: 20)
Como se sabe, o processo de industrialização dos centros
urbanos, vem atraindo cada vez mais os trabalhadores rurais, que neles
vêm jogar suas esperanças de mobilidade social, ampliando o fluxo
migratório interno. No entanto, na maioria da vezes, esta população não
consegue realizar suas aspirações, passando a povoar as periferias das
cidades, em situação de extrema pobreza e desorganização social.
Para muitos, esses aglomerados urbanos que se multiplicam
aceleradamente tornam-se pontos criticos facilitadores da eclosão da
violência, assim como de acobertamento da criminalidade.
Os que defendem essas idéias, apontam, como principal causa da
violência, não simplesmente a estrutura da realidade urbana de modo
geral, mas principalmente este contexto específico da população
imigrante pobre, como explica Minayo (1990 (c): 21):
"D~sta forma, a viol8ncia ~ncontraria nas
grand~s cidad"6, o clima propício para s"u incr~m~nto. Variáv~is como o tamanho das cidad~s, a
aglom"ração d" p"s60a6, a p"rda das rM"r8ncias familiar~s ~ d~ raíz~s culturais, favor~c~riam a
43
formação d~ 6ubcultura6 p~rif~rica6, à marg~m da6
normas ~ das I~is sociais, produzindo-s~ a partir daí 'a6 cla66~6 p~rig06a6'. A6 grand~6 cidad~s não s~riam ~ntão o foco g~rador da viol8ncia, como
c06tuma 6~r colocado p~lo 6~n60 comum, ma6 o IOCU6
privil6giado da dissociação ~ntr~ aspiraçõ~s
culturalm~nte criadas ~ os 'p066ív~is 60ciais', fato
~xplicativo da d~linqu8ncia ~ do crim~".
Alguns adeptos dessa teoria acreditam que a anomia, ou seja, a
perda de identidade, das referências familiares, ou das raízes culturais, da
falta de identificação com o grupo, pode inclusive levar mais diretamente
à violência do que outros fatores.
Segundo eles, essas condições de vida do migrante, que passa a
habitar as periferias, inadaptado e sem identificação com coisa alguma,
seriam responsáveis, inclusive, pelo novo tipo de criminoso que está
surgindo nas grandes cidades, demonstrando uma brutal desassociação
de afetividade e identificação humana.
Atualmente, pode-se notar, que o discurso que coloca a
densidade demográfica, a rapidez nas mudanças sociais e principalmente
a população pobre, os moradores das favelas e periferias como
criminosos em potencial, ressoa fortemente, reforçado pelos meios de
comunicação.
c) Violência como expressão de revolta dos despossufdos.!
Articulando a violência aos problemas sócio-econômicos, um
terceiro grupo de teorias pode ser destacado: o que justifica as condutas
44
violentas como uma estratégia utilizada pelas camadas populares para
conseguir sua sobrevivência.
Entendendo a violência como decorrente de uma organização
social anti-democrátrica, acreditam que as pessoas excluídas da
sociedade, certamente tenderiam a fazer uso da violência, como
expressão última de sua luta pela sobrevivência.
Percebendo a grande desproporção das riquezas materiais, sem
nenhuma perspectiva de ascensão social devido aos pennanentes baixos
salários, assim como a impossibilidade de conseguir emprego, os pobres
tenninam por se revoltarem, chegando a empregar a violência para
resgatar aquilo que consideram como direito seu.
H( ... ) Desempregado, sem conseguir emprego,
sem ter o que comer e como alimentar a família, que
pode fazer o cidadão senão roubar? Nesse caso, o
roubo não é roubo, mas redistribuição compulsória da
renda. ( ... )".
(Corbisier, 1991: 216)
Esse tipo de violência passa a ser considerado, a exemplo da
citação acima, como uma violência legítima, uma vez que praticada pelo
segmento da sociedade que vem sendo expropriado pela classe
dominante.
Oliven (1986: 17), um dos teóricos que defendem essa visão,
confuma:
"A viol8ncia, neste contexto, não é praticada
apenas para satisfazer necessidades econ~micas,
mas se reveste também de um caráter político, já que
45
tamb~m pr~nd~, por pa~ d~ ~I~m~ntos das
class~s dominadas, r~cup~rar pa~ do ~xc~d~n~ daqu~l~s por qu~m foram ~xpropriados."
Essa fonna de violência que vem sendo explicitada é chamada
por alguns autores de violência revolucionária, por ser entendida como
um instrumento de luta, como uma resposta à dominação, às estruturas
sociais opressoras, justificando-se por tratar-se de uma tentativa de
mudar essa situação, ou pelo menos denunciá-la. É também denominada
violência libertadora ou transfonnadora, uma vez que tende a
desaparecer assim que as injustiças sociais forem eliminadas.
Esta corrente teórica inspirou-se nas idéias de Georges SoreI, um
dos primeiros a explicar a violência como revol12 dos despossuídos, e em
Marx e Engels, que, entendem a violência como nível elementar da luta
de classes, embora considerem que a continuidade da utilização da
violência por um longo periodo não é mais a ditadura do proletariado,
mas sim a opressão pura e simples de uma classe sobre a maioria da
população.
"Marx ~ Eng~ls s~mpr~ r~conh~c~ram a n~ct:ssidad~ histórica dos métodos viol~ntos d~ luta
na transformação rt:volucionária da 6oci~dad~ ~ 6~
opus~ram, por isso, 8 substimação do pap~1 da viol8ncia na r~~rida transformação." (Vázquez, 1986: 384 )
Hannah Arendt (1973) comenta que a violência, que geralmente
brota da ira, não é uma reação automática diante da miséria e sofrimento,
mas aparece somente quando há razões para se suspeitar que essas
46
condições poderiam ser mudadas, acrescentando que, diante de certas
circunstâncias, a violência é a 'Única fOIma de reequilibrar a balança da
justiça.
d) Violência como conseqüência da falta de autoridade do Estado.
Um dos pensamentos bastante difundidos atualmente aponta
como grande causa do crescimento da criminalidade e da violência, a
falta de autoridade do Estado para reprimir os indivíduos "desajustados".
Dentro deste raciocínio, a lógica é que existe apenas uma ordem
social, que é igual para todos e tem que ser respeitada por todos. Para
garantir esta hannonia social existe um órgão externo -o Estado- que é
responsável, no caso, por controlar os violentos, os transgressores dessa
ordem.
Representando o Estado, estão o Poder Judiciário e o Aparelho
Policial, que devem usar de seu poder repressivo e dissuasivo, para
restaurar e manter a ordem e o progresso social.
Os mais radicais afumam que "autoridade" e violência são
imprescindíveis no mundo de hoje, pois, sem o emprego da força e da
repressão, o mundo se transfoImaria num caos. Apresentam múltiplas
razões para justificar o uso e o abuso da força e da violência no combate
à violência. A 'Única solução para conter os desajustados socialmente
seria a aplicação impiedosa de severas punições por parte das
autoridades competentes, chegando a respaldar a legalização da pena de
morte.
Apontam ainda como necessidades prioritárias para resolver o
47
problema da violência, o aumento dos aparelhos policial e judiciário,
além do seu treinamento, aperfeiçoamento e modernização.
De acordo com esse entendimento, quando o Estado não cumpre
o seu papel de disciplinar o povo, submetendo-o às leis e à ordem, o
resultado certamente será o aumento cada vez maior da violência.
Acredita-se que o não cumprimento deste papel do Estado tem
levado alguns setores a criarem seus próprios métodos de fazer justiça, à
margem da lei. Neste caso, vão sendo fonnados, com regularidade cada
vez maior, os "grupos de extermínio", os "esquadrões da morte", a
"polícia mineira", aprovados e aplaudidos por grande parcela da
população.
Pode-se acrescentar, nesse sentido, a questão da vmgança
privada, que também vem se tomando um hábito e encontrado respaldo
em parcela significativa da população. Dentro dessa perspectiva, quando
não encontra meios legais para garantir sua vida e seus bens, caberia à
pessoa fazer justiça em causa própria.
Embora considere que cada uma dessas tendências teóricas
explicativas da violência tenha indicado elementos significativos
enquanto detenninantes da violência, penso que muitos
questionamentos poderiam ser levantados. No entanto, quero apenas
constatar o caráter reducionista com que cada corrente aborda essa
problemática, apontando como gerador da violência a questão
econômica ou outro detenninante.
Creio que, isoladamente, cada uma dessas concepções, embora
imbuída de grande parcela de razão e verdade, não dá conta de explicar
as diversas faces ou manifestações da violência. Ao demonstrar uma
48
preocupação muito maior com a possibilidade de se descobrir um
instinto de agressividade, por exemplo, corre-se o risco de se demitir de
uma análise de critica social, numa época inclusive, em que já se tem
comprovada, através de estudo, que o comportamento violento é
provocado por uma mistura de fatores psicológicos, sociais e biológicos.
Seria uma atitude por demais ingênua pennanecer explicando o
fenômeno da violência unicamente á luz de uma ou de outra ciência, ou
mesmo adstringí-Ia a um povo ou a um detenninado periodo histórico,
uma vez que existe toda uma gama de fatores que concorrem para o seu
nascimento, o que pode levar à conclusão de que um ato de violência
nasce muito antes da sua eclosão.
N esse sentido, quero acrescentar uma última corrente teórica, que
pensa a questão da violência como uma rede, na qual se intercruzam
todos esses aspectos, dentro da qual procurei inspiração para
desenvolver o meu trabalho.
e) Teoria da violência em rede.
A teoria que compreende a violência em rede concebe o
fenômeno da violência sempre articulado aos outros fenômenos sociais,
devendo portanto ser estudado em íntima conexão com os dados
históricos-culturais .
Embora considerem importante distinguir os diferentes tipos de
violência (violência doméstica, violência das greves, violência política ... ),
pois cada qual tem suas peculiaridades, destacam a necessidade de
sempre se levar em conta os diversos elementos que se intercruzam
49
nessa relação, como explica Minayo ( 1990 (b) : 15), ao fazer referência
ao assassinato de adolescentes:
"Qualqu~r forma d~ viol8ncla, por~m, um qu~ 6~r vi6ta ~m r~d~, O a66a66inato d~ adol~6c~nu6
6upo6tam~nu d~linqü~nu6, um qu~ 6~r articulado com a viol8ncia ~6trutural qu~ Ih~6 limita o 'p066ív~1
6ocial'; com a viol8ncia do E6tado cuja fac~ r~pr~6siva
~ qua6~ a única qu~ ~ss~s jov~ns conh~c~m; com a viol8ncia organizada dos grupos d~ narcotr.áfico qu~ Ih~s of~r~c~m vantag~ns im~diatas; com a viol8ncia
individual d~ cada um qu~ unta s~ d~~nd~r numa
soci~dad~ ond~ os dir~itos humanos ~ civis são quas~
um sonho a conquistar,"
A partir desse referencial, cada ato de violência pode ser
comparado à composição de um quebra-cabeça, onde é preciso que os
dados isolados se juntem para que se tenha um quadro real. Vendo
apenas as partes isoladas, perde-se o desenho completo, ou seja, a
totalidade do fenômeno.
A explicação da violência em rede não pretende negar alguns
fatores biológicos, inatos, assim corno certos modelos internos e
adquiridos de conduta, mas não desconsidera, na fonnação desses
modelos, a influência decisiva dos fatores sociais. Acredita, portanto, que
cada urna das correntes anterionnente citadas se afetam e se enriquecem
mutuamente.
Em unidade com o princípio dialético da totalidade, essa fonna de
pensar a violência procura explicá-la, por um lado, dentro da visão do
todo, e por outro, de acordo com as suas diferenciações e
50
especificidades, buscando a conciliação das diferenças na unidade.
A compreensão da rede fundamenta-se nas idéias de Domenach,
que assim se refere a essa questão:
"( ... ) Não ~squ~çamos qu~ a viol~ncia possui
uma f~cundidad~ própria; ~Ia s~ ~ng~ndra a si m~sma. , E pr~ciso ~ntão, s~mpr~ analisá~la ~m r~d~, em
~ntr~laçam~nto. Suas formas d~ apar~ncias mais
atrozes, e 8S vezes mais condenáveis,
fr~qu~num~nu ocultam outras situações d~
viol~ncia m~nos escandalosas, por ~ncontrar~se
prolongadas no umpo ~ prougidas p~las id~ologias
ou p~las instituiçõ~s de apar~ncia resp~itável ( ... )".
(Domenach, 1981: 36-37)
Dentre a bibliografia consultada raros são os trabalhos que
especificam essa compreensão multifacetária da violência. Assim como
nos discursos do senso comum, o que se observa é a forte tendência a
reduzir a interpretação desse fenômeno a um ou outro fator, em especial
ao sócio-econômico.
O eLA VES, um dos grupos que estudam a violência, tem
produzido alguns materiais que podem subsidiar a discussão dentro
desse enfoque, assumindo-o como suporte teórico:
"0 CLAVES assume como pressupostos
uóricos para compr~~nd~r o s~u obj~to de investigação que, a viol~ncia ~ sócio, histórica e
culturalm~nt~ construída ~ n~ste espaço deve ser configurada; que a viol~ncia não ~ abstrata dev~ndo~
s~ d~svendar suas raízes estruturais, políticas e culturais; que cada fato social violento ~ uma unidade
SI
histórica e lógica, abstrata e concreta, subjetiva e
objetiva; que !J no indivíduo que se realiza essa unidade dialética entre o natural e o social, e entre o
I
hereditário e o adquirido. E este sujeito social que é ao mesmo tempo vítima, espectador e autor da viol8ncia ."
(Minayo, 1991: 1-2)
Considerando, portanto, a violência como um fato social e
histórico, propõe-se que
"Sua abordagem teórico~metodológica não
deve ser feita a partir de teorias unicausais e
lineares, ou de enfoques maniqueístas que contrapõem os espaços (cidade I campo, urbano /
rural), ou os desenvolvimentos sócio~econ~micos
(desenvolvido I subdesenvolvido, rico I pobre) ou ainda
a partir de valores ético~morais (bandido I homem de
bem), sob pena de não se conseguir aproximar da
completa rede causal da viol8ncia e de permanecer com o conhecimento apenas parcializado do
problema" .
(Souza, 1991 (b): 3)
Segundo essa corrente, da fonna isolada como a violência vem
sendo tratada (violência do menor, violência do tóxico, violência do
desemprego ... ) deixa-se de revelar os processos estruturais geradores
dessa violência. Cada ação ou fato é analisado sem se fazer uma leitura
da história concreta dos elementos integrantes.
Na opinião de alguns estudiosos, este fracionamento dos
problemas corresponde a um processo claramente ideológico, que visa
S2
chamar a atenção para as questões individuais, retirando-os de seu
contexto verdadeiro, ou seja, de sua totalidade dialética, o que se pode
contribuir para buscas de respostas individuais ou para a implementação
de políticas sociais também fragmentadas, por isso não solucionadoras
desses problemas candentes da sociedade.
Porque envolve uma cadeia ou rede de causas, de fatos, de
pessoas, de relações, de contradições ... não se pode visualizar apenas o
ator da violência, mas também os variados cordéis que conduziram
àquela ação, pois estes, muitas vezes, se encontram em diversas mãos.
S3
A ESCOLA E SEU CONTEXTO
1. "UMA FLOR PLANTADA NO BREJO"
1.1- O NOME DA ESCOLA
Esta foi a justificativa encontrada pelo presidente da Associação
de Moradores, ao sugerir o nome da escola, na qual se desenvolveu esse
trabalho, que passará aqui a denominar-se ESCOLA LÍRIO.
Ocupando novamente este cargo por ocasião dessa pesquisa,
relatou-me que, para conseguirem manter este nome foi necessário que,
um grupo representativo da escola e da comunidade fosse ao NEC
(Núcleo de Educação Comunitária), uma vez que, em geral, os nomes
das escolas são escolhidos para prestar homenagem à pessoas falecidas
que tivessem feito algum trabalho significativo para a sociedade.
Acreditava este senhor que a escola seria como um lírio, "flor
muito bonita que nasce no brejo", uma vez que toda aquela área onde foi
construída era um pântano. Além disso, o lírio tem cinco pontas, que
poderiam significar as cinco comunidades que seriam inicialmente
atendidas.
55
Para a inauguração foi criada ainda uma música, pelo mesmo
autor do nome da escola, que se tornou seu hino, cantado até hoje pelos
alunos:
"{9 eJeff3 ( ... ) eJ4 tm f!MM. ~
ÂF fJJÚJ. ~ f!MM. ~ Â ~ ~ fONL a, u1t~.
ÂF ~ ~ a, lu.. CWIM IM-~ 3akt. ~ CWIM eM1\, ~ ~
e~ e Je ff3 í a, fI&6a, CJl6I2
3~ UKIií:l& ~ ~ ~
h~~~~&~
3~a,~~~Oijd
e~~fI&.~~
k ~ 'fA' ~ ~ fM ai."
Durante a entrevista que realizei com o autor da música, percebi
que o colégio não era mais sentido como a "casa" deles e que muitos
daqueles desejos iniciais, carregados da esperança de mudança, sofreram
alterações ou não existiam mais.
Hoje, o próprio presidente da Associação de Moradores,
considera, por exemplo, ser muito difici1 que a escola possa fazer alguma
coisa para diminuir a violência.
"( ••• )~a,~~~~. r&~mmlMum ~ 'fA' F VW1, ~ ~."
S6
De que está se desistindo agora? O que é que não deu certo?
De onde a decepção? ...
Teria sido essa visão inicial pautada numa esperança de que as
coisas pudessem mudar magicamente sem que trabalhos concretos
fossem feitos? Acreditava-se que a escola fosse resolver o problema da
violência, assim como contribuir para um futuro diferente, demonstrando
uma visão bastante otimista e idealista de que a escola, por si só, pudesse
mudar a sociedade? ..
1.2- O AMBIENTE FÍSICO
Ao ser construído, o prédio obedeceu, em termos gerais, à
arquitetura projetada para as escolas do Programa Especial de Educação,
compondo-se de três construções distintas: o prédio principal, o salão
polivalente e a biblioteca, assim constituídos, conforme Ribeiro (1986:
103,104):
"O pr~dio principal possui tr~s pavimentos
ligados por uma rampa central. No pavimento ~rreo localizam-se o refeitório com capacidade para 200
pessoas e uma cozinha dimensionada para confeccíonar o desjejum, almoço e lanche para at~
1000 crianças. No outro extremo do pavimento t6rreo fica o centro médico e, entre este e o
refeitório, um amplo recreio coberto. Nos dois pavimentos superiores estão localizadas as salas de
aula, um auditório, as salas especiais (Estudo
57
Dirigido ~ outras atividad~s) ~ as instalaçõ~s
administrativas. No urraço, uma ár~a r~s~rvada
para atividad~s d~ lazer e dois r~s~rvatórios d~ água.
O salão polival~nu 6 um ginásio desportivo cob~rto, dotado d~ arquibancada, vestiários ~
d~pósito para guarda d~ materiais. A terceira construção 6 a biblioteca,
idealizada para aunder os alunos tanto para
consultas individuais como em grupos
sup~rvisionados, estando tamb6m à disposição da comunidade. Sobr~ a biblioteca ~xisu uma v~rdad~ira
r~sidancia, com alojam~nto para doz~ crianças
(m~ninos ~ m~ninas) qu~ pod~rão morar na escola ~m caso d~ n~cessidad~, sob o cuidado d~ um casal qu~
dispõ~ na casa de quarto próprio, sala comum,
sanitário ~ cozinha."
De toda esta estrutura citada a única alteração somda foi em
relação à casa dos residentes, a qual, ao invés de ser construída sobre a
biblioteca, localizou-se no terraço. Entretanto, logo um ano após a
inauguração, a biblioteca foi interditada devido a sérios problemas de
infiltração na laje, passando a se instalar no segundo andar.
Antes das obras de recuperação, motivadas pelo recomeço da
implantação do Programa, em 1992, todo o prédio apresentava-se
bastante danificado, em precário estado de conservação e limpeza.
Além disso, mesmo após o início dessa nova etapa, podia-se
verificar que este belo espaço fisico, que parecia projetado dentro de um
modelo-padrão de escola para ninguém botar defeito, não era
devidamente ocupado, como sonhou seu idealizador.
Estaria aqui se repetindo a mesma história do presidente da
Associação de Moradores, uma vez que este espaço fisico não conseguiu
58
ser preenchido com aquele seu sonho? Seria este também um sonho
idealizado, maior do que a dura realidade pudesse suportar? ...
1.3- QUATRO MOMENTOS NO PROCESSO DE
ORGANIZAÇÃO
Desde que foi inaugurada a escola passou por vários momentos
de mudanças no seu funcionamento e organização, sendo que estes que
se seguem podem ser destacados como principais:
1985 : Inauguração, em 22 de Setembro, tomando-se um
acontecimento muito especial por tratar-se da primeira escola do Projeto
a ser implantada em Duque de Caxias.
Funcionava de acordo com toda a política educacional proposta,
contando com os recursos humanos e materiais necessários para tal.
1987: A escola passa por uma fase bastante dificil, devido a
uma intervenção inesperada na Direção, que durou meses, em nada
adiantando as mobilizações feitas para impedí-la. Os verdadeiros
motivos desta intervenção, por parte do Estado, até hoje permanece sem
uma explicação convincente.
Após a saída da interventora foi realizada uma eleição para aquela
função, porém muitos conflitos permaneceram.
Devido à mudança do Governo do Estado, altera-se bruscamente
a política educacional e o CIEP afasta-se, conseqüentemente, da
59
proposta inicial.
1988, 89: A escola consegue se recuperar da desarticulação que
se encontrava, chegando a eleger uma direção de modo mais
democrático.
Ao final deste periodo, passa a funcionar em dois turnos,
transformando-se numa escola comum da rede, cuja comunicação foi
feita aos pais através de uma reunião.
1992: A escola passa novamente por várias mudanças, como
poderá ser verificado nesse trabalho, devido à reimplantação do Projeto.
Há de se entender, evidentemente, que mudanças na organização
de uma escola ocorrem naturalmente, como parte de um processo.
Entretanto, a questão que se coloca aqui, é o fato de algumas sérias
rupturas serem implantadas para atender a interesses "políticos", sem
discussão com as partes que serão atingidas, numa demonstração clara
da permanente intervenção do Estado na educação, de modo ainda
bastante autoritário.
Além disso, fragjlizadas na sua organização, destituídas de voz e
de poder de decisão, as escolas, muitas vezes, terminam por reproduzir
esta mesma relação de poder com a comunidade, tomando-a um agente
passivo, mero receptáculo de informações.
De que forma, porém, impedir essas mudanças tão radicais
quando não se tem um projeto maior para a educação, com o qual a
população se sinta realmente identificada e comprometida, porque
participante da sua construção? ...
60
104- FUNCIONAMENTO DA ESCOLA
Como vem sendo citado, em cumprimento à política atual do
Estado, estando agora no poder o mesmo partido que criou o Programa
Especial de Educação, a escola ora. caracterizada, retomou sua proposta
original e, consequentemente, muitas alterações tiveram que ser
providenciadas, a começar pelo funcionamento em horário integral.
Como o atendimento ao pré-escolar não está previsto no Projeto,
os almos do ano anterior foram encaminhados à classe de alfabetização,
passando a serem atendidos somente alunos da 1 ª fase do 1 Q grau,
cumprindo uma carga horária de nove horas e meia diárias.
Em princípio, se poderia supor que seria mais proveitoso para as
crianças permanecerem um período tão longo na escola, principalmente
devido às precariedades do seu meio social. Entretanto, há que se
questionar sobre essa permanência integral, à medida que não se conta,
pelo menos no momento, com os recursos materiais e humanos, assim
como com uma proposta pedagógica diversificada, que pudesse ser
capaz de responder às necessidades das crianças, por idade, por
interesse, além da consequente redução das vagas.
Analisando a matricula nas diversas séries (em 1992), percebe-se
claramente o afunilamento que se processa na escola: foram constituídas
9 turmas de 1ª série e somente 1 turma de 4ª série.
Pode-se constatar também que no ano de 1991, enquanto se
formaram oito turmas de 1 ª série, havia apenas duas turmas de 4ª série,
61
sendo que, dos 60 alunos que iniciaram nestas últimas turmas, 37
frequentaram até o final do ano, e somente 29 alunos foram aprovados.
Outro dado que merece atenção: estes 60 alunos que iniciaram na
4ª série foram os que conseguiram pennanecer na escola, dos 270
matriculados na série inicial, no ano de 1988.
Esta desproporção reflete, em pequena dimensão, o processo de
exclusão vivido nonnalmente em nossas escolas, o que não pode deixar
de ser percebido como uma das violências praticadas por elas, ainda que
entendendo que esta exclusão seja resultado de uma multiplicidade de
causas que se inter-relacionam, atingindo as crianças de diversas
maneiras, provocando ao final este alijamento.
De acordo com as entrevistas realizadas, nesta escola, este
fenômeno da evasão ocorre principalmente devido à necessidade das
crianças serem obrigadas a trabalhar, para colaborarem na renda familiar.
Além disso, alega-se que muitas iniciam o 1 Q grau já com idade
meio inconciliável entre a escolarização e as outras atividades que
precisam fazer para sobreviver. Outra causa citada com bastante
frequência para justificar a evasão, são as longas e inevitáveis greves dos
profissionais da educação.
Nesta listagem de explicações, aparece também a mudança
frequente de moradia.
62
Este depoimento vem reforçar uma caracteristica do povo dessa
região : o provisório na moradia. Em Duque de Caxias, os migrantes
constituem aproximadamente 60% do quantitativo demográfico:
665.343 (IBGE/1991). Este fenômeno da migração, acompanhado do
seu eterno desejo de voltar à terra natal, aparece aqui interferindo na
própria dinâmica da escola.
Com a implantação do Projeto, uma das principais queixas por
parte dos professores, além da falta de materiais e das precárias
condições fi sicas , é a redução da equipe extra-classe e também do
número reduzido do pessoal de apoio.
"1& ~ f1IlUA. a, ~ ~ ~ ~; ~
~ ffJ~ /& ~ pk ffJ.{). (ffJ~ ~), M ~ fIM dM ~ ... "
Além disso, percebe-se que alguns profissionais tiveram que
assumir mais funções e encargos, em prejuízo da sua função específica.
Uma situação que bem pode ilustrar essa interferência é a
alteração ocomda na biblioteca. No ano de 1991, tive oportunidade de
observar que, além do atendimento às crianças da escola e das
comunidades, as quais demonstravam sempre um grande prazer em
participar daquele ambiente, as professoras responsâveis realizavam um
63
excelente trabalho de ampliação culturél4 promovendo debates com
autores do município, entrosando suas atividades com o trabalho das
regentes de turma, promovendo ida das crianças ao teatro etc.
Atualmente, contando com apenas uma pessoa a disposição naquele
setor, fica praticamente impossível a continuidade daquele trabalho.
Apesar de todas essas considerações, quero retomar o
questionamento já iniciado anterionnente : até que ponto estes
profissionais estarão reclamando somente da falta de componentes na
equipe e/ou de se ocuparem de tarefas nem sempre conciliáveis com
suas funções? Estariam reclamando também de um projeto, que na
verdade não foi construído com eles, expressando um sentimento de não
atingimento de algo que está fora ou muito distante deles? Não será essa,
uma sensação mais grave do que o fato da escassez de recursos, de
tempo, de espaço? ..
Gostaria de deixar claro que esta análise foi desenvolvida a partir
de dados e observações obtidas no penodo letivo de 1991 e primeiro
semestre de 1992. Não cabe aqui nenhuma generalização a outras
escolas, assim como nenhum descrédito de que essa proposta não possa
ser implementada num espaço mais longo de tempo. No momento,
gostaria apenas de ressaltar que muitos aspectos observados mostram a
distância de um projeto elaborado a nível de Secretaria Estadual de
Educação e o real vivido na escola.
64
1.5- QUANDO O AFETIVO SE DISTANCIA DO ,
PEDAGOGICO
A partir dos últimos cinco anos, começa a circular entre alguns
educadores, um pensamento que compreende a educação como tarefa de
toda a comunidade escolar : alunos, pais, professores e funcionários de
apoio (serventes, merendeiras, inspetores de alunos, secretários, agentes
administrativos ou escriturários).
Esta etapa é marcada principalmente pela proposta de inclusão
dos profissionais de apoio no processo pedagógico, chegando a se
sustentar a idéia de que poderiam inclusive clirigir uma escola.
Os profissionais de apoio estariam igualmente comprometidos
com a socialização dos alunos e, em menor medida, com a transmissão
de conteúdos importantes para a sua formação geral e para a aquisição
de uma visão critica da realidade.
A priori, gostaria de revelar o quanto os sentimentos decorrentes
da compreensão acima permearam as entrevistas que realizei com os ,
profissionais da educação da ESCOLA LIRIO e o quanto as análises
feitas aqui parecem ter sofrido interferências deste pensamento. Minha
perplexidade diante de alguns fatos, até certo ponto, parece também estar
submetida a este ideário pedagógico.
Ao observar o tratamento dos profissionais da educação com os
alunos, percebi que, dentre o pessoal de apoio, apenas os inspetores de
alunos circulavam mais livremente entre as crianças. Embora tivessem a
função específica de controlar a disciplina, alguns deles demonstravam
6S
interesse numa aproximação mais afetiva e socializadora.
Uma das inspetoras chega a concluir que ela desempenha
diferentes papéis na escola: de mãe, de enfermeira, de psicóloga, de
orientadora ...
"~ ~ tm ClJ.6IJ-, ~ fI.M ~, ~ (!,
~fdia /tU ~ ~pm ~ (!,~, M ~ ~ M ~, ~ (!, fNF'" ~, (!, ~ M ~ .•• 11
N o controle da disciplina, ela acredita não ter grandes
problemas:
"k ~ (!, ~ ~ !IQII, ~, ~ ~ à. allw..a., ~~~(!,~, fIM~~. ~~ ~ck,~~.&(!,~~~,
~ mmJm,. (!, ookp.. 1& aJwJn. lMinA v;ool lá ~. V~~~.
À!Ir ~ (!, ~ ~ (!, ~ Q, dut fU' F fIM
~ f1UUA • .4t w, ~ ~ ela, tal,. umJ., paf», ~ ~ (!,
F~'~~'''"
Quero chamar a atenção, a partir dessa fala, para o quanto este
profissional já não restringe sua função na escola ao simples controle da
disciplina.
As pessoas que trabalhavam na secretaria da escola, embora
envolvidas em tarefas mais burocráticas, não só demonstravam
conhecimento da vida comunitária dos alunos, mas também da sua
participação na escola.
66
Em contrapartida, as merendeiras mantinham-se sempre muito
distantes, tendo uma daquelas que entrevistei me declarado:
Esta frase bem parece delimitar o seu "lugar" na escola.
Também os serventes pareciam c.umprir suas tarefas, sem
nenhum envolvimento com as crianças.
Ao entrevistar uma das serventes, surpreendi-me, inicialmente,
com seu total desinteresse pela nossa conversa. Sem nenhum
constrangimento afinnou logo de início:
Ao lhe perguntar se achava que teria algum tipo de
responsabilidade com elas, me respondeu:
":J~ ~ ~ ~ ~ ~ fM ~, f11& fI.M
~. 1& ~ WIlIJ, ~. eu fI.M or OIJ, ~ ~. 1&~tm~,,1
Diante dessas colocações, tamanha era a minha surpresa e
decepção, que não sabia mais o que perguntar.
Talvez eu imaginasse até, que em detenninados momentos,
alguns educadores pudessem pensar dessa maneira, porém me senti
bastante constrangida, ao ouvir e perceber a raiva com que essa pessoa
se expressava.
67
o que levaria um profissional da educação a se colocar, pelo
menos aparentemente, tão descomprometido com a parcela mais
importante da escola?
Talvez pela reação mostrada, compreendida por mim como uma
rejeição às crianças, perguntei-lhe, ao final, se tinha filhos.
"Yuh. e ~ pJ& ~ CM7It ,k, fi&. ~ f7Ulit.
.rk~.11
Encerrei a entrevista nesse momento, ao entender que o diálogo
cada vez se fechava mais, refletindo mais uma vez sobre a necessidade
de considerar a multiplicidade de fatores e implicações que estão por trás
de cada atitude em que a violência se manifesta, ou seja, de procurar
considerá-la sempre em rede.
Há de se pensar sobre o real papel que o pessoal de apoio vem
exercendo na escola. Estarão eles, de verdade, integrados no processo
educativo? Consideram-se realmente educadores? Ou estão ali, na
maioria dos casos, numa evidente reprodução das relações de trabalho
em nossa sociedade, meramente cumprindo suas "tarefas manuais",
isoladas das "tarefas intelectuais"? ..
A proposta de se ter na escola a educação como tarefa de todos
será apenas a visão de uma pequena parcela de militantes da área da
educação, com algumas reflexões idealizadas, quando o real da escola
mostra exatamente o contrário?... Como romper com esse
distanciamento entre o discurso e a prática? ..
Continuando as obsetVações feitas sobre a relação dos
68
trabalhadores da educação com os alunos, descrevo agora as que se
referem aos professores, cujas funções estão ligadas mais diretamente
aos alunos.
De um modo geral, os regentes de twma acentuavam a
importância de conhecerem e de se colocarem juntos com os alunos,
mencionando a conversa informal, o diálogo, como a melhor maneira de .
se aproxunarem.
Porém, ao tomarem conhecimento da vida e dos problemas dos
alunos, alguns professores assumiam um sentimento, por vezes
inexplicável, de paternalismo ou mesmo de compaixão. Alguns me
diziam que, a partir dessas descobertas, preferiam afastar-se porque não
queriam sofrer; outros, procuravam mudar a forma de se relacionarem
com eles, dando-lhes um novo tratamento.
Uma das professoras afirma:
11 [ol '" J , I • . I, , (,U, ~ tQ.fI.M. pm<L (U.[.QA., f1I.aâ.... ~ ta... M ~, W, mt
~ QWI, M cMm, 'F' ~ oWwt,. (JJ~ w, fi.&. ~' fM ~, ~ uma. oidn, wwk mJIw... eu, fi.&. ~ fTIJJiin. ~ QWI,
~. rTb àIlr ~ w, ~ ~ fWL ~ aá6im ... ~ paun, mt
~ QWI, uma. CIlIIiKIAa. 1&.... ~... eu, F ~ a, cIw..M f1Wii& ~ fUJ,~. Uma ~ ~ riA, ~ M w.u ~ t
W, clwwi. 3~ ttm wJ ~ ~ tm CiJJJI1.. 3~ QWI, uma.
puw-... aá6im ... ~ 14. ~ ~ ~ um ~ ~ ... "
Alguns professores me diziam que não sabiam como se
aproximar dos alunos, porque muitos deles se recusavam a receber afeto.
69
Em contrapartida, outros professores achavam que as crianças
demonstram uma grande carência de afeto e de carinho.
Estaria a boa relação professor-aluno sendo compreendida apenas
corno uma proximidade fisica, expressa somente através do carinho?
Pude observar que, muitas vezes, esta relação assim concebida
transfonnava-se num tipo maternalista ou protecionista, onde o
sentimento de "pena" em nada favorecia o crescimento do aluno
enquanto sujeito da relação.
Não estou, de fonna alguma, querendo diminuir o valor de uma
relação de amor e de atenção com os alunos, pois considero de
fundamental importância e mesmo necessário que todo o processo
pedagógico seja perpassado pela afetividade, tendo inclusive destacado
esta fonna de relacionamento corno uma das propostas finais, para a
construção de uma pedagogia anti-violência. Além disso quero ressaltar
o esforço demonstrado por alguns profissionais para se manterem num
nível de equilíbrio emocional, diante de circunstâncias tão desgastantes
em que atuam.
Porém, nesse momento, questiono sobre a dificuldade do
professor em entender o papel que representa nessas situações. Se ele
não consegue articular seu papel com o destino social das crianças, se
70
sua proposta é pessoal, individual, deslocada de um projeto maior,
minimamente comprometido com a transfonnação da realidade, de que
maneira estaria implicado com as situações que se defronta? Sem se
perguntar e sem saber o que está fazendo na escola, provavelmente
pennanecerá apenas fazendo carinho ou lamentando a chamada carência
afetiva dos alunos, entendendo o afetivo isolado do pedagógico.
Por diversas vezes comentava-se também sobre outro
complicador no relacionamento: lidar com um "tipo estranho" de criança.
"eu ~ umvJ, ~ fTWik ~ ( ... ). l& f71JJii& ~ ~ F a, ~ ~, i mudn, CIIilJKv.p. ~, CM1J,
f71JJii& ~. eu ~ F ~ Iim ~ ~, F w,
~ ~ ~ ~. rTb ~ w, f1W, ~ CM1J,
alih.~Ót fTWik ~.II
Ao lhe pedir exemplos dessas COiSas estranhas, a professora
esclarece:
II~SII, ~, W, ~ F ~ i umvJ, ~ ~,
f11& W, fIJ.JKWJ, Ww. W'.J.Jmk. ~ ~ ~ WJ, tWj alk, um
d.wr~ dA, ~ à, ~ ... i ~ ... L. ~ auiKrv dA,
~ ~ ~ Iun, duJM, dJJ, ~... ~ ~ dA,
~ CMM ~ ~ ~ dA, duJM, dJJ, CIJN1 ~, ~ um
~ CM1IUm. ~ ~ dA, <JMrI&, ~ ~ "",li ~
~ a, W!lJ,~, .k ~ ~, ali f1\WM a, ~ dA,
~ F vai rlnA ~, ~ F ~ ~, fUI, miKIlw, ~ dA, cuk. ~ Iwk. ~ lf7U1ik. ~ ~ Q, ~ ~ CM1J,
~.II
71
o que poderia justificar esse sentimento de estranheza? O não
atendimento a um modelo de aluno que se tem : bem comportado,
submetido, obediente, com outra moralidade e outras experiências de
vida, de outra realidade social?... Como construir uma relação
pedagógica, afetiva, com alguém que não se encaixa no modelo que se
tem, ou que não se comporta da maneira que se pretende? ..
Essa reação de estranheza, advinda talvez das diferenças culturais
ou de classes, que coloca uma pessoa de um lado e a outra, do lado
oposto, parece trazer um obstáculo intransponível para a relação: ou ela
ou eu.
Já se estaria aqui diante de uma das fonnas de violência
praticadas por parte da escola, ao ver o aluno como um ser tão diferente,
estranho a ela, iniciando nesse momento o seu processo de exclusão? ..
72
2. UM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA
2.1 CONDIÇÕES DE VIDA DOS ALUNOS
A quase totalidade dos alunos da ESCOLA LÍRIO moram em
duas comunidades próximas, constituídas por favelas.
Embora alguns dados possam diferenciá-las, estas comunidades
vivenciam um dia a dia de muita violência, desde a violência estrutural à
violência da delinquência, repetindo em pequena proporção a mesma
situação de Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense, no qual
estão inseridas.
Ambas as comunidades tiveram sua origem a partir da ocupação
dos terrenos, sendo que uma delas foi uma das primeiras favelas de
Caxias, tendo iniciado este processo de ocupação em 1950, em meio a
grandes adversidades, como explica o presidente da Associação de
Moradores.
II~ ~, W1 CMM- Uf1I4 ~, chw, ck ooIn.â" CM11t
f1lJJiin. bnn.. ~~ ~ fMIL<W<WI, ~ • .B~ ~ uma,
~ f-~ ~ ~ ~ OOIJIJI:. • .B~ (lá, ~ vJiaM.m f- já ~ ~ ~~. rrb fI.tMlI, ~ fI& bWL ÓIfU1' mm 4· li tm 1 qb2 ó, fU' ~ ~ ~."
A outra comunidade, de acordo com as declarações feitas até com
certo orgulho por um dos diretores da Associação de Moradores, é uma
das maiores favelas da Baixada, conhecida internacionalmente.
73
Os primeiros barracos foram construídos há mais ou menos
quinze anos; ao redor de um espaço onde era depositado todo o lixo de
Caxias e adjacências. Este fato lhe deu origem a uma designação
especial, a qual, ainda hoje, é motivo de discriminação para as pessoas
que ali residem.
O que se continua percebendo atualmente, é que estes moradores,
usurpados nos seus direitos de cidadania, pennanecem sofrendo a
violência da falta das mínimas condições para uma vida digna, a começar
pela falta do saneamento básico.
Este sério problema que enfrentam tem como agravante um valão
não canalizado que separa as duas comunidades.
Segundo uma reportagem do Jornal O Globo(29-3-92: 4)
"( ... )quando o valão está vazio é que se pode avaliar a grande quantidade de detritos exisunus.
Roupas velhas, animais mortos, garrafas e papel se misturam no leito do valão e atraem ratos e porcos ( ... ). De acordo com um morador, quando está assim ainda é bom, o problema é quando ele enche, no começo da tarde. A água entra nas casas e fica tudo com cheiro de podre."
Um dos aspectos que mais me chamou atenção na primeira visita
a uma das comunidades, foi exatamente essa enorme quantidade de lixo
jogado não somente dentro do valão, mas por toda parte, além da lama e
do cheiro insuportável de esgoto.
Ainda é grave o problema da falta de água e mesmo de luz,
principalmente em uma das comunidades.
A falta de saneamento básico, um dos principais condicionantes
74
de inúmeras doenças e do alto índice de mortalidade, é uma das mais
graves questões que se enfrenta não só em Duque de Caxias, mas em
toda Baixada Fluminense, como mostram estes dados, fornecidos por
Oliveira (1991: 13):
"Ap~nas 2110 das r~sid~ncias são atendidas
por s~rviço d~ ~sgotam~nto sanitário ~, mesmo assim, por sistema unitário, o qu~ provoca o
lançamento de todo o esgoto da Baixada nos rios e
na Baía de Guanabara, provocando sérios problemas
no meio ambiente,"
Além disso, acrescenta Minayo (1991: 2):
"Apenas 5210 dos domicílios possui
abastecimento de água ligado à rede gera!."
Ao se visitar estas comunidades pode-se observar que as ruas não
são urbanizadas e que grande parte das residências parece ser construída
pelos próprios moradores, em muitos casos permanecendo inacabadas,
servindo às vezes de habitação coletiva, segundo consta nas entrevistas.
Em uma das favelas, cerca de 30% das construções ainda são de
barracos de madeira.
Diante do acelerado crescimento demográfico, a questão
habitacional toma-se um dos problemas centrais na Baixada Fluminense.
A grande maioria da população vive em precárias condições de moradia.
Segundo um estudo coordenado pela FASE (Federação de órgãos para
Assistência Social e Educacional), para se manter os atuais níveis de
precariedade, sem nenhuma melhoria, seria necessário a construção de
75
uma média de 12 mil unidades residenciais por ano. (Oliveira, 1991).
Duas escolas públicas atendem as crianças em fase de
escolaridade: o CIEP (1ª a 4ª séries) e uma escola da rede municipal que
estende seu atendimento até a 8ª série. Além disso contam com uma
unidade escolar ligada à Igreja Batista e uma ou outra pequena escola
particular do tipo "fundo de quintal".
Esta realidade educacional, que comporta quase que a totalidade
das crianças torna-se uma exceção diante da situação geral do município,
traçada pela direção do SEPE - Caxias (Sindicato dos Profissionais da
Educação):
"em 1qq1 ~ ~ (~, ~, m1J:J~) aoolu.wmt, ~ j)~ rh (;ao:iJ:lA ~ m.cuf. rh ~ mil ~ ~ rh ~ rh cuk., ~ f!.a, ~~ ttk ~ ~ CL ~ t ~ mil".
O analfabetismo é um dos indicadores do baixo nível de
condições sociais da população da Baixada. De acordo com Oliveira
(1991) 150/0 das pessoas de quinze anos ou mais, são analfabetas, sendo
este índice quase o dobro do verificado no município do Rio de Janeiro,
por exemplo. Em Duque de Caxias, segundo o IBGE (1980),
aproximadamente 21 % da população apresenta-se sem instrução ou com
menos de um ano de estudo.
A instalação de um posto de saúde na comunidade é uma das
reivindicações mais constantes dos moradores.
76
Na realidade, esta sena também a queixa de quase toda a
população de Caxias, onde os serviços de saúde, além de não estarem
adequados para atender à demanda, em sua maioria pertence à iniciativa
privada, expressando a violência estrutural de uma sociedade que
permite a desigualdade na distribuição dos recursos, mesmo nos
considerados essenciais à vida.
A situação da saúde é dramática não só em Caxias, mas em toda a
Baixada, a começar pelo altíssimo índice de mortalidade infantil.
"( .. .)Na Baixada morre~se mais por causas
obst.étricas e abortivas do que no município e no
est.ado do Rio de Janeiro; sua mortalidade neonat.al é
de 24 óbit.os em cada mil crianças nascidas vivas em
relação a 11 óbit.os na área mais privilegiada do Rio de
Janeiro; na mortalidade infant.iI que é de 47 óbit.os na
Baixada, enquant.o nest.a out.ra área é de 18 (por 1000 nascidos vivos), e deve~se principalment.e às
doenças t.ípicas do subdesenvolviment.o como
diarréia, pneumonia e desnut.rição. Essas proporções são de 37% cont.ra 1970 respect.ivament.e".
(Minayo, 1991: 5)
Embora as comunidades que vêm sendo retratadas estejam
localizadas bem próximo a um tenninal rodoviário, muitos de seus
moradores ainda precisam enfrentar filas enormes para irem trabalhar,
uma vez que incluídos nos 70% da população ativa que trabalha fora do
município.
77
Duque de Caxias, apesar de ser o segundo município do Estado
do Rio de Janeiro em arrecadação fiscal, apresentando excelente
crescimento na indústria e no comércio, ainda não consegue absorver
toda a força de trabalho, mantendo a dependência econômica da região
metropolitana do Rio de Janeiro. Por este motivo, até hoje, continua
sendo considerado uma espécie de ti cidade-donnitório ti , com todas as
caracteristicas, dinâmicas e problemas contingentes a essa denominação.
Numa das visitas às comunidades, percebi uma grande euforia
entre a criançada e mesmo entre os adultos, curtindo a montagem de um
circo. Momento mágico, capaz de transfonnar em festa aquele cotidiano
de miséria. Fato significativo para demonstrar a ausência de opções
culturais e de lazer nessa região, embora algumas alternativas venham se
despontando, como o caso da Escola de Samba Acadêmicos do Grande
Rio, cujos ensaios são realizados nas proximidades dessas duas
comunidades, oportunizando sua participação. Há de se destacar
também o esforço da Secretaria Municipal de Cultura que vem
procurando remediar essa carência.
Ao me referir às tradições culturais em Caxias, não posso deixar
de destacar a chamada feira dos Nordestinos, semelhante às de Caruaru,
Santana e São Cristóvão, que acontece todos os domingos na cidade,
atração famosa em toda a redondeza.
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista dos Feirantes
calcula que tenha em média 5 mil barracas de todos os tipos de
mercadorias, além de uma grande parte reservada a comidas e objetos
típicos nordestinos.
Desta feira consta também a tão procurada, porém condenada,
78
Feira de Passarinhos, que possui uma enorme variedade de pequenas
aves e de animais silvestres e domésticos.
Conforme me referi anteriormente, a caracterização dessas duas
comunidades demonstram, na verdade, a realidade vivida pela grande
maioria dos bairros de periferias e demais favelas de Duque de Caxias.
Contrastando-se com esse cenário, existem alguns poucos bairros
como o Jardim 25 de Agosto, Paulicéia, Centro, que contam com uma
infra-estrutura urbana mais desenvolvida. Porém, em termos gerais, o
que se constata é que o povo enfrenta um dos mais baixos níveis de
qualidade de vida, apesar dessa região possuir características sócio
econômicas e geográficas privilegiadas.
Pode-se dizer enfim, que há um longo percurso para se
transformar esse espaço, visto e sentido como um espaço de violência e
de morte, num espaço de vida digna e prazerosa.
79
A
2.2 VIVENDO A VIOLENCIA DIA A DIA
Durante a pesquisa, num dos contatos que fiz a uma sala de aula
para explicar o trabalho que vinha realizando, ao colocar que naquele
momento estava visitando as comunidades para conhecer mais de perto
onde os alunos moravam, uma das crianças demonstrou uma reação de
tanto pânico, que chegou a me assustar: "Não, tia, não vai lá no( ... ) não!" .
Tentei conversar, mas o menino parecia não me ouvir. Continuava
falando sem parar, como se me implorasse: "Não vai lá não, tia! ... "
Após tetminar minhas explicações, conversei particularmente
com este menino, entendendo que toda aquela "proteção" comigo
relacionava-se ao medo de que me acontecesse algo de mal. "É muito
perigoso gente de fora entrar lá", acrescentou, após me relatar casos
presenciados por ele ou contados por seus amigos, nos quais a violência
se expressava de modo assustador. Segundo este menino, quem mora
"daquele lado" é gente ruim, não presta.
Desde o início da pesquisa de campo, percebi que existia uma
rivalidade muito grande entre as duas comunidades. Vários depoimentos,
ou conversas informais, revelavam este confronto, embora em certas
entrevistas alguns moradores discordassem dessa hipótese.
Essa "diferença" ou "implicância", como denominavam os alunos,
se manifestava principalmente numa declarada discriminação com os
que moravam em determinado espaço. Muitas vezes ouvi :frases tipo:
"Ele mora no ( ... )", entre as acusações durante as brigas.
Falava-se frequentemente em dois lados: o "lado de lá" era o
espaço marginalizado por eles, o "lado de cá", mais próximo da escola,
80
era o espaço "privilegiado".
Ao procurar entender os motivos desse conflito, entrei em contato
com um mundo até então só conhecido por mim através dos meios de
comunicação. Por isso, de início, tive grande dificuldade até mesmo em
entender o significado de alguns termos usados nas entrevistas, o que, de
certa forma, causava um constrangimento, ou até mesmo um recel.O nas
pessoas para me falarem sobre determinados fatos.
Esta minha falta de conhecimento daquele mundo aliada aos
meus sentimentos de estranhamento, de angústia, de perplexidade diante
dos depoimentos e do estado de miséria das pessoas e do local, revelam,
na verdade, que fazemos parte de mundos nos quais as relações sociais,
culturais, afetivas são quase totalmente diferentes.
Acredito que muitas vezes, voltada somente aos meus
sentimentos e atenta aos meus interesses, não tenha me alertado para os
medos e inseguranças que o outro poderia estar sentindo. Esse
estranhamento, porém, na certa não se daria unilateralmente. Que
sentimentos irrevelados permeariam também o entrevistado? Qual seria a
dimensão de sua angústia? Até que ponto eu poderia inibí-los com
perguntas incutidas de meus preconceitos e valores tão distantes da sua
realidade?
Em muitos momentos parece ter se desencadeado um verdadeiro
choque cultural entre pesquisadora e pesquisado, o que não quero
81
desconsiderar de forma alguma, entendendo que é também na
explicitação desses tipos de vivência que residem o valor e a riqueza da
pesquisa. Talvez a dificuldade maior fique por conta de não ter
conseguido trabalhar mais profundamente minhas percepções para que
conseguisse filtrar o que era estritamente da minha vivência de classe e o
que era produto da pesquisa.
Com a continuidade do trabalho, aos poucos fui concluindo que a
principal causa da hostilidade entre as comunidades tinha sua raiz mais
profunda na "guerra" entre os grupos que controlavam o tráfico de
drogas na área. Era justamente por isso que as pessoas resistiam muitas
vezes em falar sobre a violência, de dentro ou de fora da escola, pois, em
geral, relacionavam esta questão àquela situação.
Paralelo a este entendimento referente à relação desses grupos
com as comunidades, fui percebendo a grande influência e mesmo
poder, que exerciam sobre elas. As crianças e até os adultos
demonstravam um grande sentimento de gratidão pela proteção e
cuidados recebidos.
"~ fi.&. f1WW1I, QWl, M ~. ~~, ~
a, ~. 11M f1WW1I, QWl, ~. ffJaJ:NJm, fW1' ti Q, fW1' m Q,
fdtun,: '~M7J, dm., miKJw.1id'. ~ a, ~ d" Im. ( ... ). ~ ~ fIM ~ d" UfA CtJMJ! ~. e~ ~ u.m ~ ~, ~ s. ~ ~ a,~. rTWw, ~ foi ~ QWl, IAM OK!.M, M
OONJIJ, ~ eL., ~ QWl, eL.."
"f2uun, oacila, fU1 fooJn- ok ~ fW1' ~ d" ~." "( ... ) ~ taiun, fim, ~ ~ ~ ~ 'fM' ~."
82
Diante de depoimentos como estes fui descobrindo que existia
nas comunidades uma "moral", muitas vezes determinada pelos próprios
grupos de "marginais", que chegava a me confundir devido às minhas
experiências culturais tão diferentes. De início cheguei a pensar que
estavam mesmo preocupados com a fonnação das crianças, até descobrir
que queriam era não atrair a presença da polícia.
Vários depoimentos me foram transmitidos mostrando uma
igualdade de culpabilidade, seja da polícia, seja do "bandido", sendo
raros, entretanto, os que demonstravam maior credibilidade na polícia,
devido, principalmente, à sua atuação nas invasões nas favelas.
11.R4~~~~~~M~. ek~
CL r;wk tem, ~ M ~ rb r;wk t pukm ~ . .R4 ~ fIM, ooi ~ t ~ ~. Um ~ ~ um
~ d" C11Üm d'~."
II~ ~ CL ~ ~ fiM ~ ~ ~, ~ ~ m
Iuh ~ ~ rb~. ff1~ fi&. Ft ~ fI&.. M ~ ckw., ( ... ). ~J:an, VWl, CM1J, ~, fi&. €fJAA fI.WI, ~ ~ e.
CI1NJ. ~ ~ fI&.. .R4 ~ ~-~ ~ ~ ~ F e.
~. ~ ~ ~ Ft ~ e. CI1NJ. ~, CL ~ já VWl,
~. eu~~M~.11
Contudo, não somente os moradores das comunidades
constituídas por favelas sentem-se mais protegidos por esses grupos. Em
Duque de Caxias existe toda uma organização paralela à ação oficial da
polícia, para dar proteção a comerciantes e industriais. Em troca de seus
"serviços" cobram uma "taxa de proteção", os chamados "pedágios".
83
Essa prática vem se tomando comum no município, não apenas no
centro comercial, mas também nos bairros da periferia e nas favelas.
Exatamente dwante a primeira entrevista com uma tunna de
crianças da lª série, comecei a perceber a trama da violência fora da
escola, aprendendo com os próprios alunos.
11~~~~.Jn.~a,~. ~ ewd fIM fwa. f'WL ~, ~ ~. ~ ~ fIM i ilJoo1 à ewd: ~~,~ip~."
Ao perguntar quem era a Mineira, notei a expressão de estranheza
do aluno, com a minha ingênua pergunta, a qual me respondeu depois,
com naturalidade, o que não ocorreu em outros momentos, quando as
pessoas se sentiam constrangidas e até demonstravam certo receio ao me
esclarecer determinados tennos ou situações.
I'~ ~ i a, ~ P Itww, wk ~ ~ ~ ~. ~ ~ i ~~.:!Wl; mtJÚJ, t Mo ffJooiMwl.' ,
Durante a minha participação em diversos encontros, reuniões,
debates, seminários, nos quais as temáticas principais eram as questões
da violência e segurança da população, pude concluir que as lideranças
comunitárias sempre se colocavam contra essas organizações.
N o entanto, os "chamados grupos de extermínio" muitas vezes
84
contam com o aplauso da própria população, uma vez que, segundo
alguns, possuem um método muito mais eficaz de combate à ação dos
"marginais" .
A questão que se coloca é que, além da atuação desrespeitosa da
polícia, os moradores freqüentemente se queixam da impunidade,
apontando-a como uma das principais causas do aumento da violência e
descrédito na justiça. Em Caxias, além de ser muitas vezes acobertado, o
crime é fortalecido e estimulado pela impunidade.
Relatos feitos pela promotora Tânia Maria Sales Moreira ajudam a
compreender a inoperância da justiça:
"em eaJIilJA, &- 3~ dn, iuJu.,a. fIM~. ~
~~M~~~~~r'"
( Depoimento registrado no Seminário Pela Saúde e
Contra a Violência na Baixada. Um Apelo à Vida).
"Ao tentarmos acionar a máquina judiciária
nos d6paramos com um sistema p6rf6itam6nte
montado para não funcionar, para qU6 não S6 atinja
os obj6tivos d6 um proc6sso p6nal: o julgam6nto 6 a imposição da s6ntença ,lI
(In Relatório sobre a violência / Diocese Duque de
Caxias e São João de Meriti, 1990).
o poder judiciário, por sua vez, justifica-se alegando a falta de
recursos para efetivar um trabalho que pudesse resgatar a estima e a
confiança da população, como tive oportunidade de anotar nesse
encontro promovido pelo Movimento de Direitos Humanos João
85
Cândido e o MUB (Movimento União de Bairros) com representantes
das Polícias Civil e Militar, a delegada da Delegacia de Mulheres e o
delegado da 60! Delegacia Policial.
Os delegados responsabilizam a comunidade:
"eJ& M ~ di& fUL j)~. ~ ~ fIM ~
~ +. óJM, P M ~ fIM ~? eu fIM ~ ~. A + i dn, ~, fi&. i miKIlw. fIM. & eu
~ ••• II
Além desse tipo permanente de cobrança, insistem
principalmente na importância da denúncia.
111& ~ ~ ~ ~ (J1J, ~ Úm ~ ~
~. ~ a, ~ fIM ~, fIM ~, fi&. 041\"
fIM~FF~. j)~ w ~ ~ - 1571 - ~
1qB5 ali B ~ ~ ~ 1qqO, 1~01 ~ vill,.11
86
A comunidade, por sua vez se justifica:
11,4 .B~ ~ ~ a, ~ Iun, ~ WIQII, ckL ~
~ fXW1' ~ ~ ~ wuIn. ~. & a, ~ pJú:ia ~ Iun, ~ dJ. ~ iw., CMM- ~ ~ ~ í F vai
~? e~ 00f1\M ~ CM1\, ~ ~ fXW1' ~ fJAA m.ai6 ?II 111& ~ WnA a, ~ ~ tm rJKrvJ. ckL
~.II
Quanto à necessidade da denúncia alegam não terem condições
para fazê-lo, mas demonstram principalmente falta de confiança ou até
mesmo medo da polícia.
1111& fi&. ~ ~ fXW1' ~, mm ~ fflAA!.M
~.II
11,4 pJú:ia ~ ~, ~, ~ ~. ,4
~ ~ a, pJú:ia CM1\, ~ ~. (JJJa ~ tWj ~
a,~dJ.~~<» ~ dJ.~. <um ~ luJw, ~ ~ Q, ~. ,4 ~ twa <» ~ Q, a, fdb ~ ~ fl.(], pJú:ia. f2uun, mnku, vai M, eu M aK1IiljM d.,L, MIM ~ ( ... )"
11(9 ~ Iun, ~ ~. 1& fn1n. ~ ~ ~ m.ai6. e fi&. ook (IM ~ ~ rilnA M fl.M1\I4. ,4 fIM
ook ~, ~, fi&. 00f1\M dnA flM7W,. e ~ ckL pJú:ia ~ M fl.M1\I4ll.
Enquanto permanece esse impasse vai surgindo todo um poder
paralelo, para dar proteção à população: são os grupos de extermínio,
87
são as lideranças do tráfico, são os seguranças particulares ...
Tive oportunidade de conversar com pessoas de diferentes setores
da sociedade, que se declaravam a favor do extermínio dos menores de
rua, por exemplo, um vez que o futuro deles já está traçado: roubo,
prostituição, marginalidade ... e que, portanto, "o mal deve ser cortado
pela raiz". Geralmente ainda me desafiavam : " -Qual seria então a
solução para eles? ... " Na verdade, ficava bastante difici1 para mim,
participar de uma discussão quando percebia que, dentro da concepção
ideológica do interlocutor, a morte era a saída que se apresentava para
resolver problemas dessa gravidade.
Em 16 de Agosto de 1991, a CPI (Comissão Parlamentar de
Inquérito) do Congresso Nacional, que investigava o extermínio de
crianças na Baixada Fluminense esteve em Caxias, numa reunião na qual
estive presente. Foram efetuadas várias denúncias pelos movimentos
populares ali representados.
N o documento a ser enviado ao governo pela CPI declarou-se
que, somente entre Janeiro e Maio/91, 181 crianças e adolescentes foram
assassinados na Baixada. O relatório abordou também "o funcionamento
de 35 empresas que, contando com policiais militares, vendem segurança
para o comércio da Baixada". Denuncia ainda o documento:
"Algumas dt;ssas t;mprt;sas são acusadas dt;
participar no t;xt.t;rmínio dt; m~nort;s. ( ... ) O
ft;chamt;nto da Casa do Mt;nor t;m Duqut; dt; Caxias t;
a repressão dos grupos de matadores provocaram o deslocamt;nto dos mt;ninos dt; rua para a Zona Sul do
Rio. Na orla marítima. t;sses meninos passaram a ser
88
vítimas de seguranças a serviço de grandes hotéis
daquela área".( ... )
Um fato que causou certo constrangimento na referida reunião,
foi a presença de um dos dirigentes da Associação Comercial e Industrial
de Duque de Caxias, um dos acusados de financiar grupos de extennínio
de menores, no município.
Cabe aqui acrescentar que no relatório final da CPI, aprovado em
1991 que apurou o extennínio de crianças e adolescentes, a nível
estadual, resolução número 14/91, para o qual este senhor foi também
convocado, esta questão ficou em suspenso, devido a falta de elementos
para constatar as denúncias.
Dias após este encontro, realizei uma entrevista com esta pessoa,
a qual negou qualquer envolvimento seu com esses grupos. Segundo ele
as acusações são feitas com o intuito de deixar a classe empresarial em
igualdade com os segmentos que qualificou de desmoralizados, como a
Igreja, a Pastoral do Menor, o Volmer.
Demonstrando grande irritação este senhor alega que um dos
culpados pela violência no município são as instituições particulares ou
filantrópicas que vivem das desgraças dos menores, nada fazendo por
eles. Acusa o bispo D. Mauro Morelli de estimular e pregar a violência o
que, segundo ele, se torna muito fácil nessa época.
89
Segue seu discurso afinnando que a Associação Comercial e
Industrial, não pode impedir as empresas de buscarem segurança
própria, mas não acredita que possam existir grupos que executam
menores:
"fIb aJmuk. ~ ~, un, ~ ~, ~ ~ 8U, ~ wriM umuJ, ~. ~ M. ~ Mo ~. ~
~ M ~ ~ M ~ dn, ka, ~ ~, ~ Uâll.m (M,
~ ali ~ Fm ~. ~ CM7Wp.m ~ ~fX1M'~~,M~M~. ~~ ~ ~~, dm; ~ mtfIM, i ~ ~'I.
Para resolver o problema das crianças que estão na rua, imagina
que precisaria mudar a qualidade de vida, ter seriedade por parte do
governo e consciência de toda a sociedade brasileira. Teria que se fazer
um movimento reivindicatório de peso, extrapartidário e ideológico,
através da participação de toda a sociedade.
Outra entrevista com a intenção de melhor esclarecer a trama da
violência que envolve o município, foi realizada com um empresário, o
qual, segundo consta, é ligado a banqueiros do jogo de bicho da área. Ele
também não acredita em grupos organizados para o extemúnio de
menores em nossa cidade:
II~ i ~ 11. rflmw,. ~ aJ'.JJJJiL, i ~ V~. ,4 ~
~~~~i~'~~fM~ ~, ~ ~, flll, ~ CM1J, M~. ffJaM (L ~ t ~, ~ ~ ~ lIfA7l, ~~. !9 Cj& ~ ~
90
~ J,,~, J" ~ J,,~. ~ M ~ rIM~. J" ~ ~~. ,41. ~ ok ~ ~.II
Antes de concluir a entrevista, este senhor me forneceu um texto
de sua autoria: "O Extennínio de Menores (e de imagens)", no qual
confinna o que me foi dito:
, "E (a criança) morta ~m tiroteio com a polícia,
p~la partilha dos frutos d~ um assalto ou nas gu~rras d~ bandos. O r~sto 6 folclor~. Imaginação d~
uns poucos ou s~nsacionalismo d~ alguns. Afinal, num
país com tantos milhõ~s d~ crianças viv~ndo
marginalizadas, s~ria d~ s~ ~sp~rar que muitas
apar~c~ss~m mortas, como d~sfecho d~ sua própria
trag6dia" .
D. Mauro Morelli, citado freqüentemente como um dos
responsáveis por acirrar o conflito de classe no município, ao ser
procurado por mim para discutir os comentários envolvendo seu nome,
diz considerar desnecessária a entrevista sobre esta questão, uma vez que
a própria realidade e a sua prática de vida desmentem qualquer
suposição.
A imprensa, na verdade, tem dado bastante atenção ao problema
de extennínio de menores, especialmente na Baixada. Em Caxias, um
dos casos mais amplamente divulgados tratou-se da chacina de seis
crianças na Favela Nova Jerusalém (Bairro Gramacho), em 14/11/91,
onde uma das crianças fingindo-se de morta, conseguiu escapar e depois
reconheceu um dos assassinos.
91
Todos acusam todos. As investigações nem sempre chegam ao
fim. Nada ou quase nada pode ser confirmado. Nunca se tem as provas
concretas.
Para um dos diretores da Associação de Moradores de uma das
comunidades onde realizei a pesquisa, "os grupos de extermínio são
como um disco voador: existem, mas ninguém prova". Acredita ele que
nunca será desvendado esse mistério, porque os responsáveis são
poderosos, me citando nomes de várias pessoas que ele considera
envolvidas, deixando-me surpresa ao apontar inclusive políticos do
município.
~II.
Um dos complicadores apontados para se desvendar esse enredo
de violência é o envolvimento de poderosos. Mas quem .seriam estes
poderosos? Marginais ligados ao mundo do tóxico? Representantes de
fortes setores da sociedade ? Políticos que se mantém no poder através
de uma herança familiar? ..
Além da falta de testemunhas, uma das grandes dificuldades
encontradas na apuração dos crimes cometidos pelos grupos
organizados, é que eles "desovam" seus mortos em áreas estratégicas,
estradas ou terrenos baldios, rios e valões... para que não fiquem ,
vestígios da autoria. As vezes a pessoa é assassinada e enterrada no local
da execução, outras vezes é levada para estes locais ermos, onde são
encontradas até mesmo ossadas abandonadas. Em Caxias, além desses
92
lugares serem de pleno conhecimento da população e da polícia também,
já foi comprovada inclusive a existência de cemitérios clandestinos,
prova concreta da total impunidade dos criminosos e omissão das
autoridades.
Resgatando um pouco a· história da violência em Caxias,
percebe-se que esta vem de longa data. Sabe-se que desde a época de
Tenório Cavalcanti, figura do município' que se tornou lendária, a
violência já tinha inclusive um caráter de disputa pelo poder político, o
que se perpetua até os dias de hoje.
Mesmo no que se refere à essência da proteção, dada por Tenório
à população, parece existir uma certa semelhança com a realizada por
certos grupos atualmente: Tenório, segundo se afinna, matava os maus,
matava para conseguir acabar com os malfeitores, colocando-se acima da
justiça tradicional.
"( ... ) Constituía, com sua verdadeira força paramilitar, um poder alternativo, que se
contrapunha ao poder maior, governamental". (Beloch, 1986: 85)
Tenório aplicava o princípio de se fazer justiça pelas próprias
mãos. Contratava homens "de confiança", geralmente vindos do
nordeste - os chamados" capangas" - para dar proteção armada a quantos
necessitassem, como explica o próprio Beloch (1986: 73)
"( ... ) Se não exercia ele mesmo o papel de guarda-costas, agenciava em sua numerosa falange
os elementos adequados ao cumprimento da missão
93
( .. .). As modernas empresas de segurança, se
existissem na época. lhe teriam feito imensa concorr8ncia" .
Com atitudes idênticas às que determinados grupos vêm
tomando, prestando favores às pessoas chamadas "carentes", Tenório
exercia uma função paternal, protetora, para as populações mais
fragiljzadas, sendo considerado por elas como seu benfeitor, seja a nível
de atendimento às necessidade materiais ou para garantir segurança
pessoal.
"Como fornecedor de segurança e defesa as
populações sob sua influ8ncia polftica, nosso
justiceiro substituía o omisso poder público, incapaz de propiciar à cidade os serviços básicos, inclusive
pol icia mento".
(Beloch, 1986: 74)
Da mesma foona corno diferem hoje as reações da população
diante da atuação dos grupos de extermínio, assim tarn bérn eram (e o
são até hoje) contraditórias as opiniões sobre Tenório: alguns
acreditavam que ele mantinha a ordem e a lei melhor do que a polícia,
enquanto outros o acusavam por toda violência que havia em Caxias.
Viria desde essa época, a tradição da matança organizada no
nosso município, assim como a necessidade cultural de se ter um poder
paralelo ao poder juridico ou policial, para dar apoio à população?
Entrevistei um rapaz tido corno "bandido", encontrado junto com
mais duas pessoas, fazendo uso de droga no terceiro pavimento da
94
, ESCOLA LIRIO. Além de me ajudar a enxergar o que há de mais
humano presente mesmo nos que são chamados "marginais", essa
pessoa me explicou todo o funcionamento dessa "marginalidade" em
Caxias, me apresentando mais algumas peças para montar o complicado
quebra-cabeça que envolve a questão da violência.
Incluir seu depoimento aqui, além de resumir o que foi tratado a
respeito da contraditória relação polícia - população - bandido, tem a
intenção de ouvir um dos possíveis atores dessa história, dando direito à
voz, a pessoas que muitas vezes estão sendo caladas e mortas pelas
injustiças do sistema.
Pessoalmente, experimentei um dos momentos mais conflitantes
da pesquisa por ocasião dessa entrevista. Depoimentos de pessoas como
esta me levam a sérias reflexões e a continuar revendo muitos conceitos
que me foram passados por parte daqueles que acreditam que "bandido
não vai mudar nunca, porque já nasceu assim".
Dizendo-se fazer parte dos "dois lados" da sociedade, ele acredita
que a violência só não se reduz, devido à falta de vontade política, além
de culpabilizar a própria polícia.
"( ... )e~, í ~ ~~. Vsu, ~ um ~. ÁF Iun, ~ ~ e, a, ~. Á ~ eJiJ, ~ ~ cl.wh, ck. ~ fONL a,~. ~ ~ ~ oo.m UI6a. ÓJWlL, ~ ~
~fMJn.· ÁFIun,~~, ~~~. Á~F ~. ( ... ) J~ UI6a. ÓJWlL ~ dn. V;k, ali lá, W1 CÍK1V:L Q,
~~fMum~. ~~~. ~~
~ ~~, ~ Iun,~ M~. ~ fá ~ dn. ~cia, Iun, ~ ck. ~ ~. Á ~ CM7W'/L
~ dn. ~ ( .•. )".
95
explica:
Confirmando o poder e domínio dos grupos de extennínio,
"~ um. ~ OJ:J.J/JI:L um. ~ ~ ~ um h, ~ maIn.m. mu. ~ ~ í ~ ~ maIn.. e ~ ~ uJíJ. ~ a, ~. A ~ uJíJ. IM ~, ~ fI.W1t ot a,
~.
( ... ) ()~tk.~/&um~~~~ /lNIUfMU fXJM' ~ ~. & fi&. pcuflA, ~ maIn.m, ~ ai~~~~~.
( ... ) A~ ~ f1ILliil, ~ ~ ~ W. M ~. & a, ~ fi&. ~ ~ ~ ~ CM1W\" ~ r.In. CM1\, f1UliM, ~.
mu. ~ ~ ~ ~ M ~~. ~0IIl1 ~ fi&. ~
~, a.f1Wl., ~,.!JWA... A WM1UL ~ ~ ~ dm" ~ ~. .!Já Wk; ~ a, ~ ~, ~ maIn.. m:Jn, ~ uJíJ. ."in",'/,. , J 8 " .,.-fAA'T a, (JIIAIJ, (W,.Q., •
Em relação às crianças, demonstra grande preocupação com a sua
educação e com o seu futuro, considerando-as corno principais vítimas
da violência.
"rTWm., ~ ~ ~ ~ M ~ dJJ. ~, dn,
~, dJJ. ~, dn, oairlmk,. ( ... ) eu ~ U#1U1 ~ fflllik. ~ CM1\, ~. ~ ~ ~ dm" ~, dM ~ ... A~ ~ w. ~".
Falando de sua vida na "marginalidade", dá um grande valor à
penitenciária, acreditando que sua experiência naquele local tenha
contribuído para aprender muitas coisas.
96
II eu, ~ f"AM" ~ a.fl.M M ~itJd. 3i1j ~ ~~. 17kfoi fIIl, cm1,m. f1A' ~ ~ ~ ( ... ). ~ dn. ~ fIM ~ ~ ~, fM6 VW\, ~ ~ ~, f1A'~~ ( ... ). ~a~~. e ~WU~ ~ un, dm.. mu. Q, difo:d ~ ( ... )."
Surpreendi-me com sua lucidez ética e demonstração de uma
consciência coletiva quando lhe perguntei sobre a existência de culpados
para essa situação de violência em que vivemos.
11&n., ~ í a ~. 3~ fIM !lM1IM ~ pJ.a, ~: tu, ~, ~ ~ ... 3~ ~ Iun- f1A' ~ ~ CLtiML. eu, ack ~ ~ ~ ~, ~ twl foku ~. ~8fI, iIJM. f1A' tu vim Oifd ~. eu, fIM w, mWin, CLtiML, fM6
~~."
N a opinião desse rapaz, muitas crianças atualmente vêem os
"bandidos" como heróis, como ídolos, devido a ajuda que eles dão a
seus próprios pais, além de serem tratados por eles, melhor do que a
polícia.
Quando lhe falei do meu contato com determinadas pessoas
acusadas de financiar grupos de extermínio, assustei-me com sua atitude
protetora. Segurando no meu braço com firmeza, disse-me: "Não faz isso
não! Você está correndo risco de vida. Não faz mais isso ... "
Quem merece credibilidade nessa história ? ... O "bandido", que,
conhecendo os envolvimentos, coloca-se num papel protetor, ou os
"acusados", que, nunca reconhecidos como "bandidos", permanecem até
mesmo representando o povo no poder? ..
97
Por diversos momentos, durante as conversas e entrevistas dessa
pesquisa, não consegui controlar a emoção, chegando até mesmo a
chorar algumas vezes. Mas a resposta que este rapaz me apresentou,
acompanhada da tristeza do seu olhar, quando perguntei sobre o
significado da vida para ele, sobremaneira me mobilizou:
II~ fIM í ruuA ~ ~. ~ pmr.a Q.W,
~, fIM frW, ~ ~. A ~ frW, ~ a, WJ,
~.II
No momento em que escrevo esse texto sinto-me o suficiente
confusa, não con.qeguindo dar conta da trama que envolve essa rede de
afetos e desafetos. Crianças e adultos se identificando e admirando
"bandidos" ... Eu própria me sentindo mais protegida por um "bandido" e
me envolvendo afetivamente com a sua vida, perdendo meus parâmetros
quanto à marginalidade.
Uma das poucas certezas que me restam é acreditar ser necessária
uma urgente e grande reflexão por parte da escola, questionando sobre a
sua parcela de compromisso, numa sociedade onde as pessoas estão se
tomando cada vez mais violentas ao serem tão violentadas.
98
2.3 VIOLÊNCIA DA RESISTÊNCIA / RESISTÊNCIA À
VIOLÊNCIA
O quadro caracteristico da Baixada Fluminense registrado
anteriormente, mostra o quanto a violência, através de um conjunto de
condições, vem sendo construída socialmente nessa região, tornando-a
conhecida, até mesmo no exterior, como um espaço de violência. Dentre
suas cidades, Duque de Caxias é uma das que mais sofre este estigma.
Ao iniciar a abordagem do tema Raízes Históricas da Violência na
Baixada, no Seminário "Pela Saúde e Contra a Violência na Baixada. Um
Apelo a Vida", a antropóloga Avelina Adorr contou que, certa vez
quando veio fazer um curso em Caxias, os amigos lhe perguntaram se
iria aprender técnicas de violência.
Alguns dados que vêm sendo apresentados, justificam em parte, a
manutenção deste estigma. As estatísticas e as fontes bibliográficas,
embora reduzidas, confirmam o grau de violência existente na região.
"A UNESCO, após apurada pesquisa mundial,
apontou a Baixada Fluminense como o lugar mais , violento do mundo. E a B.aix.ad.a Fluminense composta
por um aglomer.ado de cidades às vezes bem
próxim.as, que gr.avit.am em torno do Rio de J.aneiro,
tendo seu início mesmo em subúrbio daquela capit.al.
Se isto não é uma definição cartográfica, o m.apa da
Baixada é pelo menos do desenho da considerada área mais violenta do mundo. Ali, assassin.atos,
/.atrocínios, perseguições, estupros, disputas entre quadrilhas são lugares comuns do cotidiano."
(Morais, 1990: 88-89)
99
Talvez se possa afirmar que a mídia seja um dos
principais instrumentos que vem fortalecendo a idéia da Baixada ser vista
como sinônimo de violência.
Por exemplo, um programa de rádio, ainda hoje com bastante
audiência é apontado como responsável pela fama negativa de Caxias:
":J~ ~ QWI, &mwJ, EWLt<L. ~ ~ ~ EaJIiJJA
WJ, a ~ ~ ~ riN.a fWL~ ( ... )."
É inegável o grau de manipulação e sensacionalismo passíveis aos
meios de comunicação, assim como a insistência na marca da violência.
Geralmente sem nenhuma contextualjzação dos fatos e sem nenhum
posicionamento critico, manchetes são lançadas como verdadeiros
explosivos. Entretanto, não muito diferentes das divulgações da
imprensa, são os depoimentos da população e das próprias autoridades
responsáveis pela sua segurança.
II~ l1W:. ~ ~ f'lM' a ~ na. (}3aiaxu:1n, í ~
INpi: ~, ~ Q, miJJÁJJiIJ,.11
(Representante de movimento popular no Seminário
"Pela Saúde e Contra a Violência na Baixada").
II~ ~ ~ pJituJ í foJn. f'lM' dnA ~ ~ àIJ, ~ ~ fMII4m na. ~ &1 Q, na. (}3aiaxu:1n,.11
(Comandante da PM, na Reunião de Preparação para o IH Fórum Permanente Contra a Violência).
A fama de Caxias ser uma cidade violenta parece estar presente
100 11I8UOTECA
IIUNDACÃO GETÚUO VARGAI
desde suas raizes, existindo uma hipótese de que tenha sua origem no
processo de ocupação de suas terras.
"O proc~sso d~ aquisição ~ domínio d~ssas terras s~mi~abandonadas assumiu f~ição d~
v~rdad~ira conquista p~las armas, ~m clima qu~ fazia
I~mbrar a ocupação das ár~as virg~ns do oeste nOr-UJ~am~ricano (. . .). Arr~matavam~s~ terras
il~galm~nte e os proprietários mais for-UJs
procuravam manter o s~u domínio sobre s~us bens,
organizando "gangs" armadas que espalhavam a mort.~ nas r~dond~zas, ~ntr~ os quil~metros 31 e 42
da Rio~Petrópolis."
(Beloch, 1986: 24)
Até mesmo um material exposto na mostra "A Expressão de
Caxias", organizado pelo Instituto Histórico de Duque de Caxias, em
Agosto de 1991, confinna esse pensamento:
liA viol~ncia e a criminalidade que
estigmatizaram Duque de Caxias tem raízes na questão fundiária, acesa na década de 1930 quando da subdivisão das antigas propriedades da Baixada Fluminense, multiplicando as chácaras produtoras,
principalmente de laranja ,lI
Independente de Caxias ser considerada uma cidade violenta, ou
violentada, o que não se pode negar é que, diante de tantas fonnas de
violência, é preciso resistir. Numa região de tanta miséria a própria luta
pela sobrevivência já parece se transfonnar num primeiro ato de
resistência. Nesse sentido, para se manter vivo em meio a tantos sinais de
101
morte, o povo parece ir encontrando uma das saídas na sua própria
organização.
A exemplo, posso citar a história de organização das próprias
Associações de Moradores das comunidades onde moram os alunos da ,
ESCOLA LIRIO, que me demonstraram inclusive uma relação de
bastante integração, apesar dos conflitos existentes entre ambas.
N a comunidade mais antiga, a Associação dos Moradores, após
dois anos de funcionamento foi desativada (em 1964), mas conseguiu
manter a mobilização no período da ditadura militar, ainda que na
clandestinidade, fazendo sua reuniões no espaço da Igreja, onde hoje é o
centro comunitário.
N este centro comunitário, atualmente funciona uma creche que
atende a noventa crianças, de dois a seis anos, em horário integral,
favorecendo as mães que trabalhavam fora de casa, sendo um dos
principais pontos de referência comunitária.
Apesar de possuir também um centro comunitário, além de outra
organização que faz atendimento escolar, a outra comunidade não conta
com serviço de creche, sendo esta uma das suas principais
reivindicações.
Por ocasião de uma das visitas que fiz a esta última comunidade
fui convidada a participar de uma reunião cujo objetivo seria exatamente
continuar a discussão de um projeto de creche, com previsão de
atendimento a sessenta crianças.
N este encontro, além do contato com as três principais entidades
organizativas, tive oportunidade de observar o processo de luta do povo,
assim como as dificuldades que enfrentam. Momento de grande valor
este, onde se pode confumar como tem sido construída, a duras penas, a
102
busca da conquista da cidadania desse povo: verdadeiro sinal de vida e
de resistência à violência.
Com o objetivo de identificar, a partir dos próprios moradores,
quats seriam os "sinais de vida" e "sinais de morte" presentes na
comunidade, realizei um trabalho nas tunnas de 3ª e 4ª séries,
complementado por entrevistas feitas pelos alunos a seus vizinhos.
Os aspectos mais freqüentemente destacados referiam-se à
violência fisica: briga, uso de drogas e bebidas, tiroteio, espancamento,
estupro, armas, roubos, atuação da polícia ... , mas também foram
identificados como "sinais de morte" sintomas da violência estrutural:
fome, miséria, falta de segurança, falta de saneamento, de iluminação, de
atendimento médico, falta de creche, sujeira, valão poluídú, valas
abertas, beco da morte, ruas desertas, crianças abandonadas ... , além de
outros elementos como: desunião, fofoca, inimizade, viver uma vida
agitada ...
Entretanto, chamou-me atenção nesse trabalho, o destaque dado
às entidades organizativas. Entre os "sinais de vida" citados (as pessoas -
em geral as crianças -, os divertimentos, os sentimentos de amor,
amizade e união entre os moradores, etc), foram realçados os trabalhos
comunitários, principalmente os realizados pela Igreja e pela Associação
de Moradores.
Transferindo a reflexão sobre a mobilização popular das
comunidades retratadas, para o município, pode-se afirmar que em
Duque de Caxias, apesar do desgaste do trabalho diário, do medo da
perseguição ou do medo causado pela falta de segurança, e também
apesar da desmotivação e da falta de esperança, e de várias outras
103
barreiras citadas, uma significativa parcela da população vem se
organizando, através da participação nos movimentos sociais,
começando a entender a importância da sua atuação nos rumos da sua
própria história.
Duque de Caxias tem sua história não só marcada pela violência,
mas também por movimentos de resistência, sendo que um dos
primeiros e mais importantes eventos trata-se da ação dos trabalhadores
rurais, em Xerém (4Q Distrito de Duque de Caxias), nas décadas de 50 e
60, os quais "deram um exemplo de luta e união até então jamais vistos
no país" . (Souza, 1991 (a».
Pureza (1962), um dos atores dessa história, conta em seu livro
"Memória Camponesa", como se deu todo esse processo de organização
e resistência frente aos despejos arbitrários, feitos pelos jagunços e
policias armados, com a ajuda dos seus padrinhos parlamentares e juízes
e também contra os grileiros e fazendeiros que teimavam em lotear
aquela área.
Segundo um dos militantes que trabalham atualmente junto aos
produtores rurais, depois do golpe militar, uma forte repressão se abateu
sobre o movimento, num trabalho sistemático para desarticular os
camponeses, havendo grande perseguição e mesmo tortura às lideranças,
o que veio culminar com a intervenção no sindicato. Enfraquecida na sua
organização política, a área ficou fragilizada, começando o esvaziamento
da população.
Enquanto durou a intervenção, os camponeses se organizavam no
Núcleo Agricola Fluminense, com uma proposta de articulação a nível
estadual. Este grupo levou a luta pela terra durante esse período e em
1988, formando uma chapa de camponeses autênticos, que participaram
104
da história de suas lutas, tomaram o sindicato das mãos do intenrentor.
Em Dezembro de 1991 houve outra eleição, na qual ocorreram novos
conflitos com os grileiros que tentaram impedir a entrada de alguns
ativistas na área, ameaçando-os de morte, numa evidente intenção de
amedrontar e desmobilizar os lavradores, reproduzindo antigas atitudes.
Embora os lavradores representem um número reduzido,
proporcionalmente à população geral, fruto de toda essa violência
sofiida, ainda hoje continuam se organizando contra a exploração do
assalariado agrícola, contra o avanço da grilagem e contra a expulsão das
famílias das terras, numa clara demonstração de resistência.
Paralelo à luta dos trabalhadores rurais, outro importante
movimento, de repercussão nacional, foi a greve que os operários da
FIAT (antiga Fábrica Nacional de Motores - FNM - sediada também em
Xerém) fizeram em 1979, diante da ameaça de demissão de alguns
trabalhadores. Esta greve, segundo comenta Rosa (1990), mobilizou
vários grupos da sociedade, estimulando o aparecimento de diversas
outras organizações.
Sem dúvida, um dos momentos significativos de resistência da
população, ainda bem vivo na sua memória, foi o acontecido em Julho
de 1962: o chamado "quebra-quebra".
"(. .. ) Exasp~rada p~la falta d~ transporte ~m virtud~ d~ uma gr~v~ g~ral. c~rca d~ 20 mil p~ssoas lançaram-s~ sobr~ as casas com~rciais ~m busca d~
arroz ~ f~Uão. Tudo com~çou 8 altura da antiga estrada Rio
Petrópolis. Em pouco tempo, como um rastilho de
lOS
pólvora, a ação dos saqueador~s atingira quase todo
o município, sob a "gid~ da lid~rança ocasional ~ da viol~ncla:1
(forres, 1987, 3-4)
Este foi um dos maiores saques do comércio ocorrido no Brasil.
A população carregava tudo o que podia, e a violência aumentava à
medida que as horas passavam. Diante da gravidade da situação, tropas
do Exército foram convocadas para controlar a multidão enfurecida.
Afora os diversos prejuízos, os mais graves foram as dezenas de pessoas
mortas e feridas.
Pode-se afirmar que este se tratou de um momento de violência,
no qual o povo agiu, de uma forma direta e espontânea, mas com um
objetivo definido: resistir à fome.
N este caso, a população chega ao ponto de empregar a violência,
por não suportar mais as tantas violências que vem sofrendo. É uma
forma natural (involuntária) de demonstrar sua capacidade de resistência
à violência. É a violência da resistência.
O "quebra-cabeça" de 62 faz parte de um momento da minha
história, vivido com grande medo e pavor. Era como uma experiência de
guerra. Por algum tempo não conseguia dormir tranquila, atormentada
pela possibilidade de novos saques. Na escola, casos e mais casos eram
contados. Parentes de alguns colegas tinham sido mortos. Verdadeiro
clima de terror se instalou por muito tempo ainda.
Talvez aí tenham iniciado o meu medo e repúdio a qualquer
forma de luta e organização do povo. Na certa, tudo acabaria em quebra
quebra, violência e morte ... No fundo, tudo seria encomendado por um
grupo de agitadores, subversivos, comunistas ...
106
Como reverter este conhecimento ideológico, inculcado pela
família e pela escola? ... Como vencer a alienação e identificar a
"verdade", ouvindo um discurso e outro? .. De onde tirar coragem para
enfrentar a rua, a polícia ... participar das assembléias, das passeatas, dos
protestos? ... Como me colocar junto à luta popular, se sempre fui
colocada à parte? ... Longo e dificil processo de "conversão", tendo que
assumir tantas conseqüências, incluindo duras perdas ...
Segundo o projeto "O SEPE vai às escolas", elaborado pelo
Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE), núcleo de
Duque de Caxias, em 1991, pode-se caracterizar como três "colunas
mestras" os grupos que tentam imprimir um caráter transformador à
conjuntura caxiense. São eles:
"1. As Associações de Moradores que desde
1983 tem no MUB uma federação que unifica suas
lutas;
2. As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)
animadas pela Igreja Católica, sobretudo com a
instalação da Diocese de Duque de Caxias e São João
de Meriti, em 1981, que atuam numa linha de
comprometimento com as lutas populares e com as consequ8ncias sociais da sua f~;
3. O Movimento Sindical mais combativo,
voltado para os interesses dos trabalhadores. Nele
se destacam o Sindicato dos Bancários, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, o Sindicato dos
Empregados nas Indústrias Petroquímicas , (SINDIQUIMICA), o Sindicato dos Petroleiros
(SINDIf'ETRO), o Sindicato da Construção Civil, o Sindicato dos Ferroviários e o Sindicato dos
107
Profissionais de Educação (SEPE) ,lI
Diversas outras organizações, entidades, associações vêm
contribuindo para o fortalecimento das classes oprimidas, objetivando
conscientizá-las do seu papel de sujeitos ativos, na mudança dessa triste
realidade, como os grupos de mulheres, os partidos comprometidos com
os reais interesses da população, os centros comunitários, o movimento
estudantil ... , apesar de muitas organizações ainda se limitarem a realizar
um trabalho apenas assistencialista, o que contribui para a manutenção
do clientelismo, visão política muito forte na região.
Também ainda é precária a integração entre os movimentos
sociais, necessitando de uma articulação mais forte entre eles, para que,
juntos, consigam vencer suas próprias debilidades e alcançar seu
objetivo maior: a conquista plena da cidadania.
Essa consciência social não se constrói da noite para o dia e é
fruto de um longo processo. O importante, no entanto, é constatar que a
população, ainda que pouco representada, discordando desse mundo de
violência, de injustiça e individualismo, começa a vencer o medo, a
descrença, a apatia e a construir sua consciência coletiva, resgatando a
rede de encontros, numa evidente demonstração de resistência.
108
3. A RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE
3.1- OUVINDO OS DOIS LADOS
Como pode ser percebido, por ocasião de sua inauguração, pelo
menos aparentemente, havia um relacionamento mais integrado entre a
ESCOLA LÍRIO e as comunidades: o nome da escola foi escolhido por
um líder comunitário, escola e comunidade foram juntas ao NEC para
manter este nome, a escola participava de algumas atividades na
comunidade e vice-versa, protegiam a escola... enfim, parecia existir
um desejo por parte de ambas em manter esta integração.
Com o passar do tempo, iniciou-se um processo de
distanciamento, observando-se hoje uma quase total desarticulação ou
até mesmo uma certa hostilidade nessa relação.
Através das entrevistas, de modo geral, pode-se entender que a
comunidade confia na escola, valoriza os professores, acredita ser ela
uma instituição digna de respeito. Por isso mesmo incapaz de praticar
qualquer tipo de violência.
Raras criticas foram feitas à escola. E ainda assim a dificuldade
em realizar um trabalho de qualidade satisfatória era justificada pela falta
de apoio do governo, ou mesmo da própria comunidade.
"Il~ ~ fUl, ~. ~ auwlihi. ~ ~ é,
~ C1 r.trimIJ:p. rr fUl, ~ ~~. ~ ~ ~ f!&
f.wa, fflIJ.IJJ:" ~ fON1' C1 ~, f!& diL ~.II
109
Pode-se notar também nas entrevistas, uma expectativa
gera1mente obselVada nas camadas sociais menos favorecidas, de que a
escola venha a setVir como um meio de ascensão social. Diversas
crianças e algw1S pais, por exemplo, consideraram que o retomo ao
tempo integral de estudo foi muito bom, porque assim pode-se aprender
mais, para ser alguém na vida. Mais uma vez o sonho de uma escola que
venha resolver inclusive o problema da desigualdade social.
Entretanto, em contrapartida a essa grande valorização declarada
à escola, praticamente todos os profissionais da educação imaginavam
que a comunidade não a valoriza.
N a opinião deles, os pais pensam que a escola teria o papel de
guarda de crianças, onde receberiam alimentação e estariam seguras, fora
dos perigos da rua.
Quase todas as crianças com quem conversei, acreditam que "o
CIEP é do Brizola", ou "é do govemo". Mesmo os que se mostram
divergentes, são às vezes contestados pelos próprios colegas:
110
Os professores também confumam a idéia de que a comunidade
não entende a escola como se lhe pertencesse.
II~ ~ aJw. 'f-U' a, w.Ja. i ck.~. ~
rM:IJ. 'f-U' i dmJn. àIJt ~, advJ.m 'f-U' ~ !II/l. m.a.i6" ~ e.
~ ~ ~ ~ fOM' a, ~ ••• II
II~ fi&. ~ a, ~ CMM-~ dJ.oA Q" fM ÍIJM-, nM
~~, fI&.~, fI&.~, ~.II
Há de se indagar o que, ou quem, tem contribuído para essa
deturpação do papel da escola. Além disso, ao contrário do que possa
parecer, não estaria a comunidade expressando, através dessas atitudes
"desvalorativas " , exatamente a sua consciência de que a escola, na
verdade, ainda não lhe pertence? ..
A destruição ou depredação escolar é um aspecto abordado
permanentemente sendo uma das únicas fOffi1as de violência
identificadas de imediato. Segundo a diretora, quando o colégio foi
inaugurado, a comunidade cuidava dele, protegia ...
"~ iK!iM, fi.(!, ~, Iuwia. UA7U1 ~ 'f-U'
~ a, ~. ~ W1 e. ~ ck. ~. 1Tlm. ~ .k fMIIII.m, a, ~ ~ ~ maiM Q, a, ~ à w:J.a, ~
( ... ). e~ fl.à.e. Úm ~ CM7\, a, ~, fi&. ~, for.m ~,~M~ ••. "
Um dos pontos desta fala retrata um certo pacto que vem sendo
111
observado na relação escola-comunidade, não apenas nessa escola. No
município de Duque de Caxias, sabe-se de muitas escolas que vêm se
colocando nas mãos das lideranças do controle do tóxico, submetendo
se ao seu poder, em troca de segurança ou proteção.
A diretora afirma desconhecer os motivos que levam a
comunidade a danificar a escola. A justificativa que outros entrevistados
apresentam, refere-se à falta do entendimento de que a escola lhe
pertence e também ao alto grau de violência ou revolta das pessoas.
A depredação escolar estaria restrita apenas a causas que lhe são
externas? Não seria esta, novamente, a demonstração de uma visão da
violência na escola por demais reducionista?
Em sua pesquisa, Guimarães (1990: 3) ajuda a aprofundar essa
discussão:
"A depredação escolar surgia como uma forma
de contestação aos modos pelos quais a
uniformização se expressava, isto é, à vigil~ncia e à punição. A depredação também abria um campo
delimitado de violência sobre o qual era possível
localizar os indivíduos portadores de um potencial
desviante. De certo modo, a escola pretendia reduzir
as depredações esquadrinhando comportamentos,
distinguindo os "bons" dos "maus" alunos. O padrão
estabelecido era o do "bom" aluno, aquele que não
depredava a escola, quem depredava era o "marginal",
o "mau" aluno. Esse procedimento impedia que a depredação resultasse em formas mais amplas de
manifestação e que os alunos radicalizassem suas críticas à escola, pois eles mesmos acabavam
associando depredação com "marginalidade" e muitos até se culpavam por suas reações, não percebendo
112
qu~ a viol8ncia prim~ira partia da própria ~scola ~ qu~ a d~pr~dação, na sua ambigüidad~. 6xpr6ssava tanto uma forma d~ conustação, como uma man~ira qU6 a
administração 6ncontrava para n6utralizar as açõ6s qU6 visassem críticas à ~scola ,"
Além da depredação, outra quetXa constante em relação à
comunidade, por parte da escola, é a invasão do pátio.
11ri&. ~ ~ ~ ~, ~ ~ ~ (l, ~~~~~."
Desde logo entendi que os "invasores" tratavam-se de jovens e
adolescentes que sempre podiam ser vistos, principalmente na quadra de
esportes, jogando bola, conversando, namorando e até mesmo fazendo
uso de drogas.
Por algumas vezes consegui conversar com esses grupos. De
início houve um certo receio, tanto da minha parte, quanto da deles, ,
nessa aproximação. A medida que nos encontrávamos mais vezes,
porém, foi terminando a reação de afronta e a necessidade de quererem
me provocar, como no começo, quando me diziam a todo tempo, em
meio à conversas desse tipo:
11 PI. .", 11 c..u, ~ ~ •••
II~F à. Mik í ~ ~. ~ ~ ~ fY'A riJ, fY'A ~, Vai, Ih, alt!& tW\, ~ ~ Iun, dA, oolmJw, dA, ~ ... ,li
113
Falavam de alguns assuntos e usavam termos que eu nunca
ouvira antes. E nem sempre eu conseguia separar o que poderia ser real
nas suas falas e o que era dito para me amedrontar.
Esses jovens, em sua maioria rapazes que não estudavam,
estavam desempregados ou faziam alguns biscates, demonstravam
sempre muita agressividade entre si. Por diversas vezes presenciei brigas
bastante violentas, que começavam sem haver qualquer motivo aparente.
Num desses dias, surpreendi-me com a "torcida" que fazjam ao redor de
dois garotos que quase se "matavam". Nessa ocasião um dos meninos,
sentando ao meu lado fez o seguinte comentário:
"19 ( ... ) já ~ ~ fIM 'f1AJI. ~ fU1 ~... Vacku, ~ ~ fW1' ~ ~ ookJw.. ~ já ~ ... "
Ao retomar à pesquisa no ano de 1992, obselVei imediatamente
que esses grupos não estavam mais na escola. A princípio pensei que
fosse devido às obras, que intensificavam a circulação de pessoas. Qual
não foi minha admiração ao ouvir a resposta que me foi dada por uma
pessoa que trabalhava na escola:
"&fn.~~~~ ... ~~~~, .. f7\AÜL ~ ~ ~ ~ ~ M ooIM ... rTb fIM fmt fdb ~ ... .4 ~ ali diL ~ a, .B~ ... II
Tanto a comunidade quanto a escola confirmam a distância que
hoje existe entre elas.
O presidente da Associação de Moradores comenta:
114
"~ ~ ~ umJ, ~ f7UUM ( ••• ). ~~ ~ p ~ ~ a, ~, f1UlA fi&. ~ ~. ~ ~ f.6ÚJ. umJ, ~ ~ dn.~. ~ M ~ dM ~, rwr Imk. M ~ d" <WÜIM, f1UlA fi&. ~ f'l"lL ~ a,
11
~.
A escola assume este afastamento na relação, mas considera que
a culpa maior é da comunidade, porque não participa da vida escolar.
II~ ~ ~ ~ ~, f1UlA ~ fi&. ~;
clw.m.a" f1UlA ~ fi&. otm.11
Uma das professoras acha que a escola é como uma ilha.
II~ ~ ( ••• ) ~ a, w:Ja, ~ Ja- !idn, CMn,
rNlJKu:pA P ~ ti. Yaloo;- ~ ~ P fl.M
~ (lA ~. 171& fi&. ~ a, ~ f'l"lL ~. ~ w:Ja ~ ~ ~ dM dwu, ~ dM~. tMM~ ~, ~ e.b, vai ~ ~ CMn, UAM., +-~ ~ ~,
dut p i d" ti. ~ ~ ~ ~ um ~ cJhwJ,. :J~ ~ CMn, (lA ~ d" ~, f1UlA UAM. WJ, ~ ~ ffJY, ~ ~ ffJ oEY - iIJM. ~.II
Nenhum dos representantes da escola tinha conhecimento de
qualquer atividade em que esta tivesse participado junto à comunidade.
Afumam que a comunidade só procura a escola, além das "invasões" nos
finais de semana e mesmo durante as aulas, na ocasião da matricula e
para participar de festas e reuniões, mesmo assim em número reduzido,
principalmente neste último caso.
115
Existe uma resposta dúbia em relação à visão que a escola tem a
respeito da comunidade. Na avaliação de uma pequena parcela de seus
profissionais, os moradores são pessoas comuns, pessoas simples, com
vários problemas sociais. Chegam a afirmar que não existe violência nas
comunidades ou que existe o mesmo grau dos outros lugares.
Entretanto, a grande maioria vê as comunidades de outra fonna:
11J:xm. ~ ~ cf" ~ ~ fIM diL paNL ~
~, fIM..JM~, ~ ~."
li'... ()" {)(M.~t~ ••••
11J:xm. ~ ~ ••• 3~ ~ wuk M ~
t ~ Iun, ~ cInA ~ t ~ CIli.w6,.11
A própria dinâmica da escola sofre interferência dessa violência
externa, à medida que, por diversas vezes já teve que suspender as aulas
por causa de tiroteios e outros conflitos, embora atualmente essas
situações não venham ocorrendo.
I'A~ ~ tem ~, fMll, ~ u,mn, ~ ~ ~
fM, um lxwJ, cf" ~. A ~ fM, ~ ~. A~ CIIÚlKII:fJA
~ ~ ~, ~ 006M cf" ~ fUI, ~.
~ ~, ai;, ~. ;/W4- ai;, ~ cf" ~ ~ dn,~. eb WIm ~~, ~ ~ ( ... ).11
Outro depoimento mostra essa interferência, principalmente em
época de briga de poder pelo controle do tráfico de drogas. ",4F fUI, ~ Iun, a. waá&. fW" CiJJJIJ4 cInA ~. &
116
Ouvindo os dois lados, ou seja, tanto a comunidade quanto a
escola, pode-se entender que a ESCOLA LÍRIO não se sente nem é
sentida como uma parte viva da comunidade" e sim à parte.
Estaria a escola colocando-se numa posição superior nessa
relação, ao mesmo tempo em que é assim também entendida pelo outro
lado, dificultando sobremaneira essa integração?
Será mesmo possível realizar uma relação integrada entre os dois
lados, dentro da realidade experimentada hoje pela grande maioria das
escolas?
Como abrir essa perspectiva, sem que escola e comunidade
entendam, a priori, o seu verdadeiro lugar e papel na sociedade?
3.2- DISTANCIAMENTO E MEDO DA REALIDADE
Existe uma vasta produção literária sobre a dificuldade da escola
em trabalhar com os alunos das chamadas classes populares. Embora
sejam identificadas diferentes abordagens de propostas para a ação
pedagógica, nota-se um consenso no que se refere à construção de uma
prática educacional centrada na realidade social, a fim de colaborar na
sua transformação. No que se refere especificamente aos conteúdos,
117
afirma Libâneo (1991: 37):
"Importa, pois, que o processo de transmissão
e assimilação dos conhecimentos sistematizados tenha como ponto de partida as realidades locais, a
experiBncia de vida dos alunos e suas características sócio~ culturais."
Contraditoriamente, entretanto, a ação observada na grande
maioria das escolas, em muito se distancia dessa concepção. Em geral,
especialmente a escola pública vem realizando um trabalho isolado do
contexto social, quando muito, preocupando-se com a transmissão dos
conteúdos, reduzindo sua função a este aspecto.
A experiência que vem sendo retratada na ESCOLA LÍRIO, pode
confirmar a grande dicotomia entre as avançadas reflexões em educação
e o que vem acontecendo no cotidiano da instituição escolar.
A proposta do Programa dos Centros Integrados é bastante clara
no que diz respeito à tarefa do educador, explicitada no boletim "Falas
do Professor" (1985: 10):
"(. .. ) educar as crianças tal qual elas são, a
partir da situação em que se encontram."
, Nenhum dos professores da ESCOLA LIRIO desconhece ou
desacredita desse objetivo, assim como quase todos reconhecem como
sendo seu papel social colaborar com a transfonnação da sociedade,
para isso precisando, em princípio, conhecer e aproveitar as vivências
dos alunos. Embora demonstrando diferenças ideológicas e em suas
118
práticas, todos afinnam que pelo menos tentam cumprir esse desafio.
Porém, desanimadamente concluem: mas não se consegue.
Uma das justificativas apresentadas para não conseguirem
desempenhar esse papel é o despreparo com que saem do Curso de
Formação de Professores:
II~ eUIIM-~ ~ ~ Uf1U1 ~, ~ vai
~ i um ~. ~ ~ i ~ fONL Uf1U1 ~ t. ~ ~. ~! w:k ck, + ~ ~, m.atJ, lfUJKIJ'.fL i ~.
&.CM7\,s.~i~a.~vai~a.~ck, ~ CM7\, a. ~,.II
Fala-se ainda, freqüentemente, na diferença entre o mundo em
que os professores vivem e o mundo do aluno.
Uma grande parte dos profissionais da ESCOLA LÍRIO residem
em outro município. Porém, mesmo os que moram em Caxias,
confinnam:
E ainda que residindo bem próximo às comunidades onde moram
os alunos, como é o exemplo dessa professora, a dificuldade permanece:
119
tu, fi&. ~ ~ CM7\, ~ Iir» dA,~. eu ~ um ~: - m.u j)W!J, ~ em. e- ~ tu, • ~ 01jlli? eMM- tu,
vim fOMA 01jlli? ... eu ~ 01jlli f, fIM ~ ~ ~ dA,
dJadJ ... e ~ ~ ( ... )."
De acordo com os depoimentos, somente após um periodo de
contato com os alunos é que se torna possível começar a trabalhar
pensando em sua realidade.
"~M~~, ~lwamum~. ek ~ CWJiKn, ••• em ~ dA,~.,4/.i ~ ~ ... "
"2.~ ~ vw\, f'WL (1 ~ ~ ~ ~. ~ ~
~ tu, ~ tI\a. dA, ti\, ~. ,4t ~ ~ vai ~, vai
~ fidM CM7\, (lA ~, vai ~ (1 ~ ~, f,
vai ~ CM7\, i6M- F ~ vá. ~ ~ ~ dA, ~ f, ~ F ~ ~ ~ Iamúm."
Todavia, esse processo de aproximação com o novo não acontece
de forma tão simples, como possa parecer.
IIV~ vw\, ~ f'WL uma. f»iM" ~ ~ dA,
um jAik, f, diL dA, OO/La, CM7\, WJJ., ~ ~ um ~. Vai iAA ~ ~ ~ e, ai ~ ~ (1 ~, f1I& f, rlfHL. ~ (1
~ já- Im, uma. ~, ~ (1 ~ oW., dA, um rk, (1
~ ~ ~ dA, um;;k, ~ (1 ~ dA, ~ jk, f,
rlfHL, ~ (1 ~ rk.w, ~ f, ~ ~ cfu,
" ft&6a..
120
o principal motivo, no entanto, exposto nas entrevistas que
prejudica ou impede a aproximação e a conseqüente penetração no
mundo do aluno, trata-se da agressividade explícita no seu
comportamento diário, considerada como reflexo da violência vivida no
seu meio social.
"19 f1At ~ t (1 ~ ~. ~ ~ I.un, ~ ~. ~ ~. Jlta. CMM ~ fnun-: d&. Inpa ~ ~ ~,~, ~MCfJI\lL~ ~ ••• e~ ~~, ~
~ ~ .•. ~ f1At m ~ ~, fIM fmrm M
~,fmrm~·"
"A maiMia. dM ~ fIM tJn. ~ CMJ1, (1
~ ~ t&. dA,~. 1J~ (1 ~ tJn. ~, fflab
~ dA, ~, CMJ1, ~... Q, umvJ, ~ maiA, difw1. e. ai;,
~ ~ fIAMl1 "Aalidark, ~, dn, ~, fim #hl, ~ ~ ~ ~ ood !le, ~ CMJ1, WJIJ. ~. já IA, d4 um
~."
A julgar pelos relatos e por algumas observações, esses
profissionais por vezes chegam a demonstrar até mesmo um certo medo
dos alunos e das pessoas da comunidade.
"A ~ I.un, wk, ~ ~. flÁ,? oBt ~ I.un,
um ~M~t(1~flMoai~l.un,wk~
f1At ~ ~, umvJ, ~, Mi, fá. ... A ~ fim 'W.CA&lL. A~
~ dn, ~ ~ ali ~ fIM ~ ~ pt''''''"rm dA, ~, fX1M' ~ ~, fflab ~ CMJ1, wk. A ~ I.un,
~d&~."
121
Numa outra conversa sobre a necessidade do conhecimento da
realidade dos alunos, uma professora, a todo tempo me dizia que não
queria envolvimento com a comunidade, explicando:
Continuando nossa conversa, a professora acrescenta que nada
sabia a respeito d2. rivalidade entre as comunidades, assunto tão
amplamente explicitado durante as entrevistas.
~.II
Chegando perto da janela, comenta:
"~ ~ ~ cimu1, (1 ÚfIif.a, ~ ~ ~ i ~ U#7U1
fwJa i f1lMIM, d,. ~ (1 ~."
Ao lhe perguntar sobre o motivo da sua opção pelo não
envolvimento com os alunos e com a comunidade, esta professora
esclarece:
122
o relato descrito a seguir parece dar continuidade ao anterior,
explicando motivos muitas vezes despercebidos por quem analisa
situações como essas, do lado de fora, sem participar daquele contexto.
",4 ~ fmt, ~ tk, • M fW" dn, ~IJ. Q, W\,
+ d" ~~. ~ ~ dM WVIM ~~, ~ ~ maku ... ;]~ ~ ck. ~. ~ ~ paMlldtJ.
lWw, um ~ ~ ~ ~ ~ diwa, CM7\, ~ clwfM. ~ f1\.Q, ~ fIMOO, dM ~ ~ ... eu fMIVIÜ1 ck, ~ ~ ~ fá, ~ f1\.Q,
~ ... "
Ainda que apresentando algumas justificativas, tais como a
deficiência na sua formação, a distância entre a sua vivência e a dos
alunos, a dificuldade no envolvimento com os mesmos, os professores
continuam sem uma saída para romper o divórcio entre o teórico e o
prático, para construir sua práxis pedagógica.
Muitos dos profissionais da educação sentem-se angustiados,
nervosos, não querem continuar trabalhando naquele colégio, ou até
mesmo no magistério.
"~ w-~, a. ~ VI.{l, um ~-pap&-. ,4 ~
~ ~ f'lM ~ ~ ~ ~ ~ ( ... ). A ~ ~ foi difd; ~ f1\.Q, ~ CM7\, a. ~ ~, ~ ~ Ja, WJ, ~ ( ... ). 3iJ:JJoo. ~ ~ ~ ffl&
~~ookck,~. ~~~ ( ... ).
123
~aum~lj&~~~'~F~ tm\ll, ~ ~ Q, 0JfWl' via. lj& ~ ~ ~. ~ vi,
lj& ~ dnoo, WAfM., ~~. ffJ"N.U/IAi a ~ Q, ~: ~ a
~ ~ um ~ fW'IJ' uh ~, ~ tU ~.II
Uma das frases mais comumente escutadas por .
num,
acompanhada de grande desânimo era: "eu não sei o que fazer ... "
Algumas professoras chegavam a me pedir uma sugestão, como se não
acreditassem mais nas suas alternativas e como se alguém, de fora
daquele caos, pudesse apontar alguma saída.
Evidentemente que o propósito ao citar estes fatos não seria, em
nenhum momento culpabilizar os profissionais envolvidos, mas Slm
refletir sobre este contexto, o qual, como já foi dito, não é apenas
inerente a esta escola.
N a verdade, essa busca de conhecimento e integração com a
realidade dos alunos não é nada Iacil. Também eu, com tantos anos de
experiência profissional, muitas vezes, não sabia o que fazer,
principalmente quando presenciava as crianças se agredindo com
tamanha violência. Na twma considerada impossível de se trabalhar, eu
também não consegui terminar uma atividade que pretendia realizar com
os alunos. Eu também tive medo da comunidade, chegando a recusar
carona a um rapaz que me pediu para levá-lo ao hospital, ao sair um dia
da favela. Eu também não suportava ver de frente a miséria das crianças,
expressa nos seus corpos e nos seus olhos. Eu também queria desistir da
pesquisa, porque não sabia conviver com aquelas situações.
Num determinado momento, pensei em abandonar esse trabalho
e buscar outro caminho para fazer algo mais concreto e imediato que
pudesse colaborar um pouco com aquelas pessoas. Mas ... qual
124
caminho? .. Qualquer caminho comprometido com a mudança não
levaria a uma busca de contato direto com a realidade? Não levaria a um
estar com, a um construir junto?... Ou seria possível ficar olhando de
fora, ou do alto da janela da escola? ..
Ao final desse capítulo, que se propôs a contextualizar a realidade
social na qual esse trabalho se inscreve, pode-se observar claramente a
presença de um conjunto de fatores que se intercruzam na rede onde a
violência se constitui, evidenciando a necessidade de , ao estudá-la,
sempre se procurar desvendar suas raízes estruturais, políticas e
culturais.
125
__ CAiiioiiiiiiP ___ ÍiiooiiiiiioT.....iiiiIoUõiiiiiiiiioLO~ !Y
" A TRAMA DA VIOLENCIA NA ESCOLA
126
A TRAMA DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA
1. AS DIFERENTES PERCEPÇÕES DE VIOLÊNCIA NA
ESCOLA
Uma das maiores dificuldades encontradas ao desenvolver este
trabalho diz respeito ao grau de subjetividade inerente à própria definição
do tenno violência. Conforme já foi mencionado, esta conceituação
dependerá basicamente das experiências vividas pelo grupo social, ou
seja, cada grupo ou mesmo cada indivíduo, vai elaborar sua concepção
de violência a partir das suas represent~ções sociais, assim também
pensando essa professora:
I leu, w-k. ~ ~ i Iwk. ~ i ~. 'fJb vai
~ dn, 100, ~, dn, 100, ~. ffJaM f1li,m ~ é,
fdb rk ~, ali a, ~ rk fidm.. CMrJ, M~. 'fJb ~ ~ é,
~ fW"1' um ~ nM. WI, fW"1' ~ ~.II
N o caso específico desse estudo, essa indefinição estendeu-se,
conseqüentemente, ao entendimento do que poderia ser considerado
como violência na escola, sendo agravada talvez pelas vivências tão
contrastantes dos professores e dos alunos.
O resultado das entrevistas mostra uma grande multiplicidade de
opiniões, assim como marcantes divergências em relação ao tema,
dificultando ainda mais o seu desvelamento.
127
Os profissionais da educação, em sua maioria, diferente dos
demais participantes da pesquisa, até chegam a admitir que exista
violência na escola.
lI~m,~a,~t,s.~dn,~. ~
Iwk fU' Iun, ti fon.a-, a, ~ ~ CUjUi duJM 1n.mUm. 11
Neste caso, para eles, esta violência se manifesta basicamente
através do comportamento agressivo dos alunos, seja entre eles, ou com
os materiais e o ambiente fisico, ou com os próprios educadores.
IICu ~ ~, a, ~ ~, ~ a,
~ck.~WJ,~a,~~~~a,tk fflAM11M a, ~ s. fU' ~ ~ t ~ &-~, ~ ~ ~~~~, ~takm, ~~, fIM Úm~, mIM iAM. f""Ot mim Q, LWU1 ~ dA, ~. Umn, ~ dA, ~
~, ~ ~ ali ~ iAM. Iwk ~ CMfl, M ~.( ... ) ~ lWj ~ ~ ~ LWU1 ~, fU' liMu, ~. ~ ~ ~ ... t ~ fIM7\, ai ... ~ Q, LWU1 ~. e QMl1 Q,
a, miKJw, m.aW!. ~, M ~.II
Para se ter uma idéia do quanto a interferência do subjetivo
atravessa esse assunto, apesar das diversas afirmações como esta acima,
mostrando a presença real e constante da agressão fisica na escola, ainda
há, dentre os próprios professores, quem negue esta evidência.
II~ ~ ~, dA, ~ fGM' ~ ~ ln.mUm dA, ~ fGM'~. rTb, iAM. fILa, ttm M ~. ~ M. dA, twt WJ,~, M.~~~ dA, ~fXWL~'
128
Alguns educadores parecem também não terem muita clareza do
que poderia ser identificado como violência na escola, mostrando-se às
vezes, bastante confusos:
11Cu, frIA, ~ ~ tm ~ aiM, f1I.M i ~~.
ffJfYI, iAM. tu, fIM. w, tem !li, ~.P ar eM1\, ~."
Percebe-se que até mesmo ao detalharem a violência fisica,
permanece uma falta de clareza quanto ao seu grau de intencionalidade.
11Cu, ~ p fIlilh, ~ fM1 ~ ~. ~ ~ WL.
~ ~. M ~ dn, ~ fma. m? Cu, ~ lf-U' ali C1
~ dAt !li, ~ paNL CMIAWI6Cl/l, eM1\, C1 ~ ~ WL. UA7U1
~.
,4 ~ fma tu, fU.IKIJ:JL oi ~ fM1 ~. rJb ~ fma fIM. i ~ ~ ~. Cu, ~ p ali um ~, um pwroA C1
~ i UA7U1 ~ fma f1IlI.i6 a.mtfI.a" f1IlI.i6 ~, f1lllA. f"'L mim i UA7U1 ~, ~ ~ ~ fIM. arLm. 11
Ainda que em menor número, alguns professores não admitem
qualquer possibilidade de haver violência na escola.
129
"1& vr ~ ~ ~ fI.at w:Ja. &. f1WMM fi" ~. mm, eu fIM ~ ~ fdm. ~ ~~. rltm~. ~ ~,à.~~UfIA,~. ~~~, cku~ (1j)~
... . J / " P fIM. ~ naaa..
"1&, eu fi&. ~ P 0JIiJ.b, ~ 0ijUi. ,4 ÚfIk1L
~ fU' tU 0Ü1 fILa ~ M ~, ~ aA ~ ~, maA ~ W\, din, uJM tem~. 1& Iun, f1UU6, ~ fI&.."
Bem raros foram os casos de professores identificarem outras
fonnas de violência na escola, além da violência fisica.
",4 ~ dn. ~ F tHm de. ~ rMVii~~~ék.. VWL cb. ~-~. eU. ali auvulik- p ~ ~ ~ (1 w.Ja. CM7l. ~ ~, maA ~ ali ~, p ~ ~ (1
~~~( ... )."
"eu ak ~ ~ ~ ~ ~~, W\, Cf~ ~, i tmUL ~: ~, ~ ~ cruii.rr-... rTb ~ fi&. t ~ it.M- fIM. eu cuh. fU' ~ ~, fi&. ~ ~ p~~, ~tUR1U1~. r1Mi~~."
Esta última professora, continuando seu depoimento, afinna que
seus colegas de profissão não têm consciência do que seja uma prática
de violência por parte da escola, além das brigas entre alunos.
Também dentre os funcionários de apoio, poucos foram aqueles
que ultrapassaram o aspecto fisico da violência, ainda que generalizando
a, a exemplo dessa inspetora de alunos:
130
~ t ~ ~ fi&. dm" ~ nadn" i ~ ~ ~ a
f1\&. M f!MM. ~, ~ t ~ ~. ~ i twU1
~~.
eu ~h a ~ F ~ M ~ ck.~, ~ fTW,
~ t ali ~ m flM. vi M6Q, ~ aiKItln.. eu wh. ~ ~ ~itwU1~~~.1I
o diálogo entre duas professoras, transcrito a seguir, confirma a
falta de coerência quanto à percepção da existência e compreensão
dessas práticas de violência na escola, demonstrando o quanto se torna
impossível dar-lhes um sentido exato ou absoluto.
11 ( ... )- ,4 ~ fU. tOO· arltrt Cj& ~ i CMM ? - t~ ~ miKJw.., fM ~, ~ dm" um ~ CM1l,
~ alulM-~ ~, f7lWM. f-U' ~, luJw, ~ a mM ~
w· ~I\" i twU1 ~.
- rT't& fi&. i ~ uma. ~ vi.JuJd J!lM- /& um
IW:U~ ~ V&d opbu. - ~iuma.~.
- ~'La. mim itJM. ~. i ~. V~ Iun, F' ~ f1\&.~~~ ...
- ~'IIL mim i, ~ a ~ fi.&. ~ ~. - eu ~ Cj& a ~ ~~, f1I&. a MMl1
~dntk, ~ i~. 11M ~ CM7J, uma. Jwnik, ~ ~ ooib a ~ fflIJRlAitvJ. ~ &IM CM1l, Ja.. ( ... )"
Com rarissimas exceções, os alunos são unânimes ao afirmarem
que não existe violência na escola.
Suas respostas ao questionamento "existe violência na escola?",
131
resumem-se nas seguintes: "Não"; "nunca teve"; "eu nunca vi"; "eu acho
que não"; "não vejo nada de violência" ...
Mesmo os castigos (ficar em pé atrás da porta, fazer cópia, ficar
sem saída depois da aula ... ), os gritos, ou qualquer atitude da professora
que não envolva agressão fisica bastante explícita, não são reconhecidos
como violência pelos alunos, como se poderia supor.
Esta conversa que mantive com um pequeno grupo, confirma a
dificuldade de caracterizar a violência a partir de um conceito fechado e
único:
"( ... )-e a ~ ~ C&m l~ Q, ~ ? -r&.(~~) - eta. uin. ~ ~ ~ Q, w.k Q, ~ ~ i ~.
- e~Jt~,Q,~? - rlM.(~ W1M~) -}» ~ ~ ~. Áí i ~. ÁF dA, w km
~~fmt~. Á ~~paM-ffli,m~ a~ dJa,~. & a ~ ~ ~, ÍlL fWf1'" fU1 cnk,a dJa.
-~ hf ~, Im, ~~, pwza~. - ~ww.~ í~C&m~~?
- r&. - Ác!,.fU'í, fM6~~~~~i.
- Ytm 00j ~ a ~ W OJ:ÚL ~ ~, a
~ fWF ~ dA, caJup Q, ~ ~ fim ~. - Á ~lamümí~ ... - ea~~CM1\,M~, ~ ... í~
fM~dk.? - r&. -elA~~.
132
~ ... - ~flMarJu,.~í~~Ja~~.
3W'v F ~ M ~ tm w1mt,.
- rTb.b rJn-~ ... -e~rk~ítml4~rk~? - r&. - eu,~F~í~~í~clvJk~
rk pi, fmF rkA W'v fi ... - 3aIfA rkA W'v fi t. ~ ptv:L oodt,,? - rlM. - ffJ 'II:L f11i,m. í.
- ffJ'II:L mim Inmtim flM. tu aú ~
~.e~~~~ ... - fi&. í ~ ~ Ja, UÚL M rluwk rM:t. 11
Dentre as poucas situações do cotidiano da escola interpretadas
como violência, as brigas entre as crianças foram as mais destacadas.
N a verdade, as brigas, as implicâncias revelam mais uma vez uma
fotma de relacionamento presente numa lógica de vida muito dificil de
ser entendida por parte da escola, uma vez que o seu código considera as
brigas como um comportamento "desumano", extremamente
"deseducado" .
Por outro lado, parece fazer muito sentido o comentário de
Guimarães (1990: 220), a respeito das brigas dos alunos, observados em .
sua pesqw.sa:
"Na sua ambigüidade, as brigas expressariam
não apenas o ódio, raiva, vingança, mas também uma
133
form8 de interromper 8S pretenções do controle
homogeinizador imposto pela escola ,"
Pude presenciar várias brigas no pátio do colégio, assim como nos
seus corredores e refeitório, diante das quais muitas vezes me sentia
compelida a interferir, embora com receio. Certa vez, ao sair de uma sala
de aula, um chute que se destinava a um menino, quase atingiu o meu
rosto.
Não raras foram também as brigas que assisti na saída dos alunos.
Numa das poucas ocasiões em que consegui me aproximar e conversar
com o grupo, explicaram-me que o motivo da confusão era a chegada de
um menino que veio interferir nos freqüentes confrontos ocorridos em
sala de aula, entre sua innã e outra colega.
11 ~ . '" I , [.I .UItYI J. .. ~ -' - G, U{, ~ '" ~ ooa.. f...,U. 1."V'rv fUL(!/I.. "" r l"'l (].{L
'ffliInlur, Wna, vim tJw,. Ja f'VL talM ~.II ( ••• ) - Ileu ~ lW\, ~.~ q, ~ ~ f'VL ~~,
~ Ui, ~ Q#7l, CiJIJIJ. ~ (L ~ mã.t, ai Ui, ~ lW\, ~ ~ vai II
f7l,Q,. ~.
Tentei me envolver naquele falatório, mas logo desisti,
entendendo que nada que eu pudesse propor poderia impedir que
extravasassem sua raiva, optando por observar o que se passava. Depois
de muitas ameaças, dispersaram-se sem terem chegado a realizar
nenhuma delas, parecendo que estava tudo resolvido entre eles.
De acordo com as crianças entrevistadas, essas brigas teriam
corno principal origem, a implicância de um aluno com o outro,
acusando os meninos que moram em uma determinada comunidade de
134
serem os maiores responsáveis. Afumam também que são mais ameaças,
no final não cumpridas, exatamente como presenciei na situação acima.
Pude perceber que as brigas, às vezes, se iniciavam a partir de
simples brincadeiras: alguém dava um empurrão, um puxão de cabelo,
colocava o pé na frente do colega ... e era o suficiente para se revidar com
outras agressões. Às vezes bastava um olhar "diferente" que já se
perguntava com tamanha raiva: "Que que tá me olhando?! ... "
Um dos alunos confirma esta percepção:
As chamadas "brincadeiras de mau gosto", asStn1 como as
implicâncias dos maiores com os menores, são queixas freqüentes dos
alunos, nos seus depoimentos. Por outro lado, as brincadeiras no recreio
são uma das atividades que mais valorizavam na escola.
O que poderia diferenciar as brincadeiras que eu presenciava no
recreio expressando tanta agressividade, das "brincadeiras de mau
gosto"?
N as conversas que mantinha com as crianças, ficava cada vez
mais evidente a diferenciação precisa que faziam entre as brincadeiras e
as brigas, trazendo-me um dado novo: os tapas, puxões, empurrões e
outras maneiras bruscas de se tratarem ou conduzirem as brincadeiras,
que me deixava às vezes aterrorizada, chegando a considerá-las como
atos de violência, não eram assim sentidas por eles, pois não havia
intenção de agredir.
135
~.II
II,4F a, ~ fi&. fmt Mlin, fWL wuIwt.ar. ~ ~ fI&..
M liL ~ dn- ~. ,4 ~ ~ ~ ~ M fWL ~, ai tak. ~ ÍJJIJI). fi&. í ~, í ~ ~.II
Esclarecimentos como estes foram me ajudando a entender a
dinâmica da violência, assim como compreender melhor a ambigüidade
das respostas quanto a existência de violência na escola. Cenas que
chegavam a me chocar, simplesmente faziam parte dos jogos e
brincadeiras.
Para aprofundar um pouco mais esta questão, realizei um trabalho
com alguns alunos, a partir de um recorte de jornal intitulado "Alunos
brincam de espancar colega dentro da escola".
Esta reportagem fazia referência a uma nova brincadeira infantil: o
"extermínio". Em determinada escola pública do município do Rio de
Janeiro, uma das vítimas desta brincadeira teve que ser socorrida num
hospital. Mas a conclusão do próprio autor do texto, mostra que
"ninguém quer agredir, só brincar. A maioria das crianças nem sabe ao
certo o que é grupo de extermínio". (Jornal do Brasil- 26/4/92 - p.24)
As crianças com as quais trabalhei, apesar de saberem muito bem
o que é grupo de extermínio, nunca brincaram ou viram alguém
brincando de "extermínio". A brincadeira que mais se assemelha a essa é
"polícia e ladrão", mas, a exemplo da intenção das crianças citadas pelo
jornal, também não batem "de verdade" e nem pretendem machucar,
inclusive apontam regras que devem ser respeitadas por todos:
136
II~ ~ ~ ~ ~ e, ~, ~ folam ~ ~ ~ ~ fWFA vai W\, ~ ~, ai /;,d,. ~ tak ~. J4c:
~ eI\a, ~ viM. ~ " ~ a. cww\'. rTb ~ tak fYLCL ~.II
II~ tak ~ a. ~ fiM, da ~.II
Assim corno os alunos, a maioria dos seus pais ou responsáveis
também acreditam que não existe violência na escola.
Raros são os pais que apontam alguma situação de violência na
escola.
11&n" f7llliiM ~ ~.II
11 I . . J .J . 1.10 ;,.". di. - II í)(.fr1" MlâW'7\. ~ V'~' ~ •••
Dentre o grupo entrevistado, os pais dos alunos são os que mais
137
demonstram estranheza frente à pergunta referente a esta questão.
Como supor que a instituição na qual confiam seus próprios
filhos pudesse ser capaz de pennitir que a violência nela se expresse? ..
Afinal, existe ou não violência na escola? O que levaria pessoas
pertencentes a uma mesma escola a terem visões tão diferenciadas do
problema?
Embora os dados levantados impossibilitem sobremaneira uma
resposta mais incisiva à primeira pergunta acima, por outro lado, vêm
reforçar a compreensão de que a violência também na escola, se processa
muma trama somente possível de ser interpretada ao ser visualizada em
rede, considerando-se a multiplicidade de fatores que interferem na sua
expressão.
Sem dúvida. pode-se dizer que o elemento básico que concorre
para o desacordo na respostas, trata-se da dificil delimitação da própria
conceituação do termo. No entanto, se este complicador é evidenciado
em qualquer âmbito de análise do fenômeno da violência, mais ainda se
toma dificil definir seus limites ou identificar sua presença, numa
instituição protegida e vista pela sociedade como um espaço sagrado,
uma vez que responsável pela educação de suas gerações em formação.
Esta concepção ideológica da escola parece contribuir
sobremaneira, não somente para que se negue a existência de violência
neste espaço, mas também para justificá-la. Pode- se dizer que se trata de
uma verdadeira legitimação da violência, uma vez que ela passa a ser
moralmente aceita, e por isso mesmo natural. Mesmo a disciplina severa
e as duras punições são amparadas pela necessidade social de controlar
as cnanças.
Nesse sentido, a escola vai praticando a "pedagogia da violência",
138
muitas vezes com respaldo da própria comunidade. Acha que está
"educando", protegendo o aluno, contando para isso com a concordância
dos pais.
Outro fator preponderante nessa análise refere-se à influência das
experiências vividas, na elaboração da compreensão do conceito de
violência na escola. Se estão acostumados ao contato direto com as
formas mais extremas de violência, seja fisica ou estrutural,
evidentemente não poderia haver violência na escola, como se verifica na
fala dessa criança:
1',4F fUI, ~ n& Iun, ~. eu, já tJi ~ é,
pvk dJ:L mimlw, CIlM-."
Muitos professores confirmam esta idéia, através de seus relatos:
11 ~(JJI.a f11J, r:JIÜJKIJ:fJA, -nM Iun, ~ fU1~. 'V tJâ dúr fXWL U#7U1 ~ ~ ~ Jn. vai, fvm. !IWl, ~ Q, ~ ~ ck ~ f'W1' Jn.? "0 Uma, ~ ~ tdiL ~ a, ~ ~ dJ:L ~ da ~? ... II
I'~, rIiiM ('M11, ~ ~, f'W1' f7Iim w.ifL U#7U1
~, f7I& f'W1' ~ ~ -nM WIiat, ~ Jt já tdiL ~ a, ~ ~ ~ ~ ~ iI:J:Jj.."
Novamente observa-se que as tantas agressões vividas e aceitas
fazem com que atos proporcionalmente menos agressivos não
139
signifiquem violência. Logo, não pode existir violência na escola, para
aqueles que elaboraram uma concepção particular do fenômeno, após
sofrerem na própria pele, tantas outras fonnas muito mais marcantes e
cruéis.
Completando este aspecto da análise, pode-se notar que a
constante relação da violência ao dano fisico contribui para as respostas
que reduzem a violência na escola é agressão fisica nas relações
interpessoais ou com os objetos materiais, como demonstra
compreender até mesmo a maioria dos professores entrevistados:
II~ ~ F ~ ali park, f1M' ~ UfflIl, ~ .••
fi&. ~L. taJu.. ... rh ~ ~ Q,~. eu fi&. ~ ~ ~ a ~ ~ a ~ UfflIl, ~.II
Alguns professores chegam a criticar esta compreensão restrita de
seus companheiros, reforçando o pensamento de que este seja um dos
motivos do não reconhecimento da existência de violência na escola:
Ilt ~ s-~ ~ ~ paM ~ Q, ~ t
~, Jm.. ~,~- pi ... ~ i ~ f'lM'~' ~Ii f1Il1iiM ~ ~ ~. ek flb fim uma, ~ m.ai6 ootpfu rk,
~~~.II
Ile~ Jurm ~ fi&. ~ ~ f/.a. w.Ja, ~ ~ ~ à, ~~. ~ fi&. fwt, m.ai6 a ~, (9.
140
~ fNJJM., ~ ~ ck- miL., m& w, aciuJ. ~ a ~ ~.II
Essa relação imediata da violência ao uso da força fisica pode
explicar, talvez, o temor dos pais e outros membros da comunidade, de
me falarem sobre a violência no e~paço onde moram, por fazerem uma
analogia com os assassinatos, as brigas e os crimes envolvendo o tráfico
de drogas.
Finalmente, dentre os principais aspectos que podem, de certa
forma, justificar o não reconhecimento da existência de violência na
escola, parece estar o receio por mim percebido durante vários
momentos da pesquisa, em se usar este termo, uma vez que ele, para
muitas pessoas, refere-se especificamente a atos de criminalidade. A
violência vai se tomando um tabu tão grande, que se evita até mesmo de
falar nela.
Uma das professoras chegou a me declarar, demonstrando um
sentimento de intimidação:
Ao perceber este dado novo para mim, passei a questionar outras
pessoas sobre isso. Todas as respostas, tanto com os adultos e com as
crianças, confumam que o próprio uso da palavra violência assusta as
pessoas, ajudando-me a entender o constrangimento percebido às vezes
em algumas conversas.
141
II~ ~ M ~ ab ~ adw.m ~ ~ ~ Wl
~ ~ ~ W- dmw.am folm., ~ ~ ~ W\, ~~ ~ ~ (1 ~ ~ ~ lW:LlÚl, ~ ~.II
"l» WJlJ,~ ••• f~. f) ~ ~ ~ (1 ~ aijUi Mo ta,. ck ~ i (1 ~. e. f viMu ~ ... "
Foi ouvindo, principalmente as experiências de vida das crianças,
que pude compreender alguns dos emaranhados que surgiam nessa
trama. Conhecer o que se passava fora da escola, além de permitir uma
visão mais global da realidade, facilitava a compreensao de muitas falas.
II:JalM ck ~ ~ ~ (1 ~ fim ~ ~ ~ t;M ~ eM1\, (1~. eUt ~ ~ eM1\, ~.II
II{?~, a~, ~ f!MnQ, ~ dm: ~ a ~ ~~.
{?~ (1 ~ ~ ck tWI, ab ~ ~ ... "
II~ ak. ~ WJlJ, ~ OMUJn, ~, ~ Iwt,
muda, ~ fW'" ai. eWJ:. ~, ~ (1 ~ üYI/lA, ~,
~ na rJJIJIJ. ciM ~, ~ um ~ rk ~ fM7l, M
~. J4~ miMu um na miKIAa, rJJIJIJ.... tu ~ ~
aMluJak. {?~ ~ fI.UIim fWL ~ Mo ~. eLt, Frm iJH!J. fWJ' ~, fWJ' ~ (1 ~ ~, ~ ~ i ck rJJIJIJ., ~ uin, ~ fM7l, ~ fI.UIim. ~ ~ ~ Wl-~ ~, Fn.m
. ~'fWL ~ ~ P i ck rJJIJIJ. ... "
Como já escrevi, logo a primeira dificuldade que encontrei para
realizar a pesquisa de campo teve como um dos motivos a preocupação
142
por parte da direção com o meu próprio objeto de estudo.
N os contatos seguintes que tive com a diretora, ela reforçava a
dificuldade que tinham em tratar com a violência, embora considerasse
que a escola estivesse, desde a sua inauguração, disposta a enfrentar essa
grave problemática.
N a sua opinião não se pode tratar dessa questão nas reuniões com
os pais, devido este ser um assunto bastante melindroso, podendo trazer
alguns problemas.
"~Ii pk ~ ~, ~ a ~ fIM ~ ,ft ~ ~~dn,~~dn,~WMM. e~~Q,
ffIllik dk:~... ~'VJ, ~ ~ M ~, ,ft ~, ~ Iv:uw.. um ~, Q, a ~ ~ ~ ~ ciY., ~ fIM
~ M pciA ... ~ fi,. ... fi,. ~ ~ rwk ~ ~ ,ft . " ~ ...
Me1hor seria não falar sobre este assunto, porque ele em si já
carrega um grau de problemas que não se dá conta nem de se discutir,
nem de se resolver. Por isso mesmo, os professores de modo geral,
também não discutem sobre a violência com seu alunos, como foi
constatado nas entrevistas com eles próprios e com os alunos.
143
É bastante reduzido o número de professores que afumam
aproveitar as experiências dos alunos para refletirem sobre a violência. E
ainda neste caso, muitos dizem que não se sentem em condições de
aprofundar este tema.
"~ ~ ~ 'IM ~, fl& ~
~~fU'~~~~'fU'~~, ~... ~ CMlAWIM- fM'J' luJat.. Iúv.v.. MMA ~. ~ • a. ~ dn. tW:in. dk fW#IJ1l, diN:uJi."
Diante da permanente negação da existência de violência na
escola, assim como das freqüentes reações de surpresa e receio
demonstrado durante muitas entrevistras, comecei a observar que este
próprio termo carregava uma idéia tão ameaçadora, como se até mesmo
falar dele já chegasse quase violentar algumas pessoas.
A partir desse meu novo entendimento, optei, por alterar a
estratégia que vinha utilizando, principalmente com relação às crianças,
para melhor esclarecer esse enigma.
Um dos trabalhos realizados com os alunos, em sala de aula,
mostra claramente o quanto o uso do tenno violência pode influenciar no
seu próprio reconhecimento.
A exemplo do levantamento já citado, onde as cnanças
identificaram várias formas de violência, quando solicitadas a
relacionarem os "sinais de vida e de morte" que viam na comunidade,
também foi desenvolvido outro trabalho, no qual deveriam citar os
"sinais de vida" e os "sinais de morte" observados na escola.
Contraditoriamente às declarações de que não existia violência na
144
escola, foi sugerida uma enorme variedade de "sinais de morte",
evidenciando a presença da violência nesse espaço.
A maior freqüência dos dados referiam-se ao aspecto fisico:
professores que batem ou brigam com as crianças, alunos levarem armas
para a escola, brigas, brincadeiras de mau gosto, agressão, garotos
tarados, brutalidade, crianças se machucarem, roubo dos próprios
colegas e de objetos da escola, bandido que vem para a escola, pichação,
arrombamento, destruição da escola.
Embora pudesse causar surpresa, foram reconhecidas várias
outras situações demonstrando uma violência dissimulada, ainda na lista
dos "sinais de morte": discriminação, desrespeito, falta de funcionários,
professora faltar, greve, suspender aula, falta de interesse do governo
pelos professores, falta de higiene, ensino ruim, salário dos professores,
professores chatos e impacientes, palavrão, desunião, preguiça de
estudar, falta de merenda, alunos rebeldes ...
Mesmo considerando toda a dispersão na descrição, conceituação
ou classificação da dinâmica da violência na escola, demonstrada nas
entrevistas, pode-se verificar uma contínua referência ao seu aspecto
fisico, enquanto que muito raramente era indicado um outro aspecto
mesmo assim não designado pelos entrevistados. Também no espaço
escolar, a violência "aberta" era prontamente reconhecida, enquanto a
violência "simbólica" cumpria bem o seu papel de se manter
imperceptível, como definia Pierre Bourdieu (1975), para quem a própria
ação pedagógica, na sua forma simbólica, já seria entendida como um
ato de violência.
A questão que se coloca aqui é a necessidade de uma certa
extrapolação a estes conceitos, é medida que, perante o quadro
145
percebido, não fica tão simples classificar a violência em "aberta" ou
"simbólica". Diante de uma violência tão "aberta", os limites, as
fronteiras apresentam-se por demais diluídos, fazendo com que a
violência "aberta" passe a integrar a violência "simbólica".
N a realidade, não poderia aplicar tão facilmente como imaginava,
os conceitos de violência "aberta" e "simbólica". Muitas vezes um fato
identificado por alguns como violência "aberta", não era sequer
reconhecido por outras pessoas como violência, passando esta a situar-se
dentro do campo da violência "simbólica".
À medida que exista uma legitimação para que a violência se
expresse, elementos da violência "aberta" são assimilados como
"simbólica". Jogar um apagador no aluno seria considerado para mim,
por exemplo, como uma grave atitude de violência "aberta",
independente das justificativas apresentadas. Para outras pessoas, os
motivos e intenções poderiam interferir na consideração da gravidade da
situação, ficando evidente que alguns atos ao serem vistos como
correção, são considerados necessários e intrínsecos à educação,
passando a ser legitimados e portanto, não vistos como atos de violência
"aberta" .
Diante da sutileza e complexidade dessas expressões de violência,
há que se analisá-las sempre em rede, pois às vezes, por detrás de
atitudes aparentemente menos alarmantes escondem-se outras fOffi1as
mais graves de violência.
146
2. NATURALIDADE DIANTE DA VIOLÊNCIA
Os versos abaixo, do samba de João Bosco e Aldir Blanc,
ilustram uma dura realidade que pode ser constatada atualmente, e que
significou para mim, uma das importantes revelações durante a pesquisa:
a naturalidade com que a violência vem sendo encarada, especialmente
pelas crianças.
"Tá lá o corpo estendido no chão
em vez de rosto, uma foto de um gol
em vez de reza, uma praga de alguém
e um silBncio servindo de amém. Sem pressa foi cada um pro seu lado
pensando numa mulher e num time
olhei o corpo no chão e fechei
minha janela de frente pro crime."
A morte, parte da rotina, parece não causar mais estranheza, não
sensibiliza, não mobiliza. De tão freqüente, passa a ser um fato natural. E
diante da naturalidade frente à morte causada pela violência, que
significado passa ter a vida? ...
Logo num dos primeiros encontros que mantive com um grupo , .
de alunos da ESCOLA LIRIO, despertou-me atenção a manelIa tão
espontânea e natural com que eles se referiam a acontecimentos repletos
de violência, como se estivessem me contando casos comuns.
11na, ~ CIJNL fi&. l.wJ, ~. ~ l.wJ, 'lI1k. Um dia ~ ~ ~ um ~ ck. dAk ck. wu tMnã."..11
147
11 eu já oi um ~ ~ ~."
II~ ~ ~ vai ~ ~ ~ ~ M
~.II
Independente da idade, até mesmo os pequenos da classe de
alfabetização, confonne nesta situação acima, falavam sobre estupro,
facada, tráfico de drogas, assassinato, explicando detalhes que somente
poderiam ser do domínio de conhecimento de pessoas que mantivessem
um contato muito direto com os fatos.
Não apenas as crianças, mas os próprios pais relatavam-me casos
que haviam presenciado ou vivido, como se estivessem narrando um
filme.
À medida que me colocava mais atenta a estes dados, fui
percebendo que essa fonna de viver e de se relacionar, penneada pelas
diversas fonnas de violência, parecia motivar um sentimento de
indiferença tamanho, que merecia um outro estudo específico. Se ousei
abordar este assunto da naturalidade frente à violência, foi somente por
considerá-lo fundamental para o entendimento de alguns fatores que
surgiram nessa análise.
Cada vez mais atenta a essas atitudes de naturalidade, sempre que
me contavam cenas que envolviam mortes e grandes violências,
procurava perguntar-lhes sobre seus sentimentos naquele momento.
Geralmente, exceto as que diziam do medo, as respostas dadas, sem
148
nenhum constrangimento, eram semelhantes a desta criança que assim
expressa o que sente ao passar por uma pessoa morta:
Estaria na impotência das pessoas diante da violência cotidiana,
uma das explicações possíveis para a demonstração dessa naturalidade?
Como processar tantos choques, diante dos quais nada se pode fazer,
sem se resguardar? Agir com naturalidade seria uma defesa à própria
sobrevivência fisica e psíquica? ..
Uma causa freqüente que aparece nas respostas dos alunos, para
explicar a questão da naturalidade, refere-se a envolvimentos suspeitos
da pessoa morta, demonstrando que causas desta natureza, poderiam
justificar qualquer forma de violência, até mesmo assassinatos:
Ao me deparar há pouco tempo, com quatro rapazes assassinados
de uma só vez em minha rua, eu própria testemunhei o quanto vem
sendo difundida essa idéia de que "eles mesmos procuram morrer".
Diante dos cOIpos deixados na calçada, praticamente todas as
pessoas iam se retirando, considerando que existiam motivos justos para
esta violência, uma vez que, segundo se comentava, haviam sido mortos
depois de tentarem assaltar um ônibus.
149
Se era bandido ... então tudo bem ... "Bandido tem que morrer." ...
E assim é que, a gente vai "fechando a janela de frente pro crime",
identificando a eliminação das pessoas como sendo um antídoto para a
violência - um dos pressupostos básicos para a defesa da pena-de-morte.
Em cenas como esta, pode-se observar a evidência de um dos
maiores frutos desse sistema desumano em que vivemos: a total falta de
solidariedade com o outro, o descompromisso total com a vida humana.
Cada um se fecha no seu mundinho, preocupado em ampliar e proteger
seus bens materiais, sem se importar com o que possa estar ocorrendo ao
seu lado, sem consciência de que a responsabilidade pelas violências e
pelas mortes, em certo sentido, é de toda a sociedade.
Um dos integrantes do Centro de Defesa dos Direitos Humanos
João Cândido (Duque de Caxias), contou-me do seu entristecimento ao
ouvir os comentários de um grupo de crianças, ao passar por um homem
"Olh I' d t' t III " morto: a ... e e am a es a com sapa o ......
Que sociedade é essa em que um par de sapatos não ter sido
ainda roubado, surpreende mais do que a vida humana que foi
roubada? ... Que lógica absurda é essa, que nos obriga a exercitar uma
estranha filosofia, onde um objeto qualquer vale mais do que a vida da
'tiro' ? V1 a.
Esta reportagem de jornal aborda a questão da naturalidade,
concluindo após entrevistas realizadas com algumas crianças entre 9 e 13
anos de idade, que "velavam" o corpo de um desconhecido:
'Velar cadáver já faz part.e do mórbido
cotidiano das crianças da Baixada Fluminense.
Sempre que sabem da morte de alguém, correm para
ver. Algumas para verificar se é uma pessoa
150
conhecida, outras por simples curiosidade. Nenhum
confessa medo. E todos garantem que jamais serão
policiais".
(Jornal "O Dia" - 28/7/91 - p. 26)
Outra reportagem também realizada na Babcada, chama atenção
para a indiferença das crianças frente a um cadáver a espera de ser
removido, inclusive registrando o fato, através de fotografia:
"Dois meninos jogam, tranqüilos, uma partida
de mata~mata (bola de gude), tendo como pano de
fundo o corpo de um homem morto de madrugada.
Nenhum morador pede que se afastem nem os
recrimina quando usam a perna do homem morto
como tabela .(. .. ) A gente já está acostumado a ver
gente morta ~ disse um dos meninos, preocupado
apenas com o jogo ~ Ninguém se assusta mais. O
negócio é a gente não falar sobre o assunto senão a coisa pegaI'
(Jornal "O Globo"- 1 0/3/91 - p.28)
Submetidas a essa violência, num contato direto com todas as
suas fonnas de expressão, principalmente as mais extremas, como a
morte fisica, as pessoas, aparentemente, vão se acostumando e tornando
se insensíveis e omissas. Porque integrada à própria rotina cotidiana, a
violência vai se tomando um fato banal, corriqueiro.
Os profissionais da educação entrevistados estão totalmente de
acordo com a hipótese de que este encontro contínuo com a morte, leva
à banalização da violência:
151
• ~ a, oiwJ. ~ ~~. e~.~,
~, aJjUi, ~ tm CI1.M ~ fMIIIWl,. 3i~ ôYLIWr a,
~. ~~ 04fA ~ ~ ~ fM 00LUIl1 ~ ~. eJ&., pat'4 ~, ~ pv-k rk um ClIIl.a. MAn,~, MAn, ~, MAn,
~,i~. r&i~pa!'4~. e~~~a, • • 11 ~ CMn, 1âM-.
Ileu ~ F ~ • I&. ~ CM1J, WJJL ~,
~ pa!'4 ~ i ~ UA7U1 ~~. e~~: -'e ~ ~ ~~, 'li? .. ' eu ach- p a, ~ ~ ~ Jw.lL ah,
ck lWJ, um ~ ~ fL{l, 'W.C1. ~~ ~ ~i, ~. óJ'LC1
~, a, ~ nru,. i Uf7Ul, ~ ~ ~ ~, ~ ~ CMWWwJ,
f11J1ii,. CM1\, i1JM., ~ CMfl. WJfJ. ~ ~ fflW'M., ~
ck 1iM, fnrmJn., ~ ~ f1IWM..11
II~~ ~ • ~ CM11- Q& ~ ck vidn.. e~ í a, 'WaLdmk, ciJM ( ... ). ~ ~, vt ~ ~ ~ I&. ~., ~a,~F~. euCMMaddb~~ ~. óJ(JJV2 ~ i CM7lUom, ~ ~ uJM ~ ... "
Há de se perceber que, quando chega a ser considerada como
evidente, lógica, conseqüência justa, atitude natural, pode ocorrer a
legitimação da violência, ou seja, a sua institucionalização, dificultando
as possibilidades de interferência.
Ao se pensar nos possíveis fatores que poderiam concorrer para a
demonstração de confonnidade frente à violência, não se pode deixar de
enfocar o contexto familiar, uma vez que a prática da violência no seu
interior vem se tornando cada vez mais usual.
Se a criança costuma ser maltratada, se experimenta um dia a dia
152
de contato com a violência nas suas próprias relações familiares,
possivelmente já não vai mais considerar-se vítima, quando
desrespeitada enquanto cidadã ou enquanto pessoa, especialmente em se
tratando de situações nas quais a violência se fizer mais camuflada.
Muito se tem escrito e discutido sobre a violência doméstica,
parecendo que, comumente, as oonsiderações tentam cada vez mais
tomar evidente que: numa sociedade onde "os pais apanham da vida ... os
filhos apanham dos pais.", como sugere um cartaz da ABRAPIA
(Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Criança e ao
Adolescente).
Em Duque de Caxias foi realizado um trabalho de pesquisa na
área de Serviço Social, no qual se constatou, a partir dos dados colhidos
na Vara de Família da 59a. Delegacia, que as decisões no seio da família,
geralmente são tomadas pelas vias da violência, persistindo uma
necessidade de domínio que se expressa pela agressão tlsica ou moral. A
autora conclui que esta relação de dominação tem como expressão
máxima a violência tlsica. (Cançado, 1985).
Uma outra pesquisa recentemente desenvolvida por Assis (1991:
113, 114), com escolares do referido município, cobrindo um total de
826 adolescentes, comprova a permanente presença da violência tlsica,
no ambiente familiar :
"110 adolescentes relatam que os pais batem
ou castigam quando são desob~d~cidos;
148 adolescentes referem sofrer su rra dos
pais ou castigos, d~vido a brigas entre irmãos;
37 adolescentes relatam apanhar ou sofrer
castigos dos pais, devido a problemas na escola;
153
53 crianças afirmamjá urem apanhado muito
dos pais, a ponto de sangrar, quebrar algum osso, ou mesmo fica r roxo;
Apenas 9 crianças declaram ur procurado aunção médica em virtude de surra ou queimadura,
causada por alguém do lar;
24 adolescenus relatam que os pais brigam e
baum após utilizarem bebidas alcoólicas."
Alguns professores afumam que a realidade familiar dos alunos é
marcada por profundas violências:
II ewkm 00lJIYJ, ~ dA, ~. .2w:J i a. aM7\.Q, dM,
paiA? fBak., CWIA1lrf1I'.. eb fi&. fim Uf7I.a ~, Uf7I.a ~
~ fGM' b um ptJf», ~. í ~ ~ ~, í ~ t1<1 tau dn. ~/li[L: 'eu' V3U, It, ~, It, ~, UI, F faLi ~ lMn, ~ ~ a. ~ ~ i a. ~ m&'."
"J~ Uf7I.a r:ttiNIJ:fL ~ ~ UI, ~ ~ ~ um
~ ~ fi&. ~ WJo. dn. ~ ~. J~ 00j ~ a.
~ ~ ~ tJJwk ~ fWJ' ~, a. m&
takt nJa.."
1I~á. ~ 00lJIYJ, dA, ~ ~ ~ ~, M ~
ali~, ~ à ~ tU1 ~."
Contraditoriamente poucos foram os alunos entrevistados que
identificaram como violência situações vividas na sua família. Alguns
diziam que apanhavam, mas achavam certo, porque faziam coisas
erradas. Neste caso isso não é violência para eles.
154
Ainda imaginada por muitos como o "segundo lar", parece que a
escola recebe uma permissão, principalmente por parte dos pais, para
continuar "educando" da mesma forma que eles. Por vezes, existe até
mesmo uma autorização explícita para que o professor possa bater na
criança, caso necessário.
Embora admitindo que ainda ocorra esta situação, os professores
acham que atualmente são muito raros estes casos.
"~ pciA ~ ~ duJ. ~ ~ ~ ~, a ~ ~ ~, ~ ~ ~, f1IIlb taIv.. flM.."
"& um ~ pciA ~ ~ ~ um ~ ~ um ~ M fJh. ckk, ok mdn, ~~. (}J~ ck, ~ ~
~. (JJ~ Ww., ~ ~, ~ ~, ~ ~ ... A~
~ tatu.. flM.. bá- um F1f» ffIllik.~. ~ fOOCM···' ,
Acostumado a assistir às mais graves cenas de violência ao seu
redor, experimentando na pele suas diversas formas dentro de sua
própria casa e tendo introjetado uma determinada maneira de ser
educado, o aluno não pode estranhar qualquer atitude agressiva que a
escola possa assumir.
Foi esta uma das reflexões que mais me ajudaram a ir
descortinando uma parte daquela trama, passando a entender a reação de
155
estranheza de algumas pessoas quando eu lhes perguntava se existia
violência na escola, obrigando-me a rever cada vez mais os meus pontos
de vista. A naturalidade que se processava diante da violência tomava-se
um dos principais elementos responsáveis pela sua negação no espaço
escolar.
À medida que melhor ia compreendendo a clinâmica da violência
a partir do trabalho de campo, percebia que também por parte da escola,
a violência passava pelo mesmo processo de tomar-se natural.
"Um ~ um ~ FI alJIj,m fY'lL f1Iim. eu ~ ~ CM7l-~. eU, w. • alJIj,m, 'f-U' ~ u,ma. rJJiu.L ~.
J4Mim CMM ~ aJw. 'f-U' fIM. t ~, m ~ ~ ~ f'llL M6Q, ~. lA, tt.m 'f-U' 00, Iww, f1LQ, cku 'Iaio<L. 1'lk cku ~ ~ ~ ~ + Mo d.ok. rTb ~ m ~ CM1], ~,
CW~ Q, 'f-U' vai ~ a ~? ~ h CM7l- lrmIn, ~, CMM
~ ~ ~ CM1], um ~ ~ . .fJwru fNL ti ... "
Freqüentemente comentava-se sobre a diferença para melhor, no
comportamento das crianças em comparação com os anos anteriores. Ao
mesmo tempo, porém, subjacente a esta constatação, surgia sempre a
hipótese de que eram as pessoas que haviam se acostumado com suas
reações, tanto que os professores recém-chegados na escola
continuavam dizendo-se chocados.
Um olhar distante do real da escola poderia questionar sua
passividade diante dos "filmes" que as crianças contam da sua vida, sem
considerar-se um dos seus "atores". Porém, ao se chegar lá, percebe-se o
quanto se toma dificillidar com determinadas situações, pois cada face
156
da violência tem suas fecundidades próprias e se engendra a si mesma.
Ainda que disposta a analisá-la em rede, nem sempre consegui articular
cada manifestação com as outras, ou até mesmo superar o estágio inicial
de conflito.
Talvez um dos momentos de maior perplexidade e impotência
para mim tenha sido a conversa com um pequeno grupo de meninas da
classe de alfabetização, quando uma delas, com a maior naturalidade,
conta que foi estuprada duas vezes. Esta criança, com apenas nove anos,
ainda que demonstrando muita amargura, descreve todos os detalhes das
suas tristes experiências, deixando-me totalmente sem entender até que
ponto ela falava de uma realidade ou de uma fantasia. E ainda que não
fosse verdadeira a sua fala, de onde teria conhecimento de tantos
detalhes? Como poderia "fingir" tanto sofrimento ao me falar sobre o
assunto? E, principalmente, que necessidades teria uma criança para criar
situações como estas?
Independente do fato ser real ou não, a questão que se coloca é o
grau de naturalidade com que um assunto tão delicado, passa a ser
tratado pelo grupo. Por um tempo, as quatro meninas conversavam entre
si, acrescentando outros casos que haviam escutado no rádio, que
alguém tinha contado, e até mesmo que tinham experimentado:
II~ W, ~ ~ ~, W, mYIW<L pvk ~( ... ). Aí um caII.<J, ~ ~ na, r.JJH:L ~ mm ~ ~ aJ:JJiKrv: 'JtWV.L fLI6Il, tala. ~ Aí ~ liMa miKJw, ~ ~, ai w, 0YVLi fNL miKtIw. r.JJH:L, ai miKtIw. ~~: '9.UA- foi,?' Aí w, ~ ~, ai
mifIAa. ~ ~ ~ CJJN:L Q, ~ um fCJk ckJk ~ na, ~
~. ;4í~ ~ twm w,PM-~' (1 ~~ F W,F
... /"""",/" II ~~..........,.
157
Qual a minha competência para lidar com esse tipo de problema,
quando ele faz parte de um universo tão distante do meu? Que
prosseguimento dar à entrevista, a não ser deixar que as crianças
conversem entre elas, perguntando detalhes ou dando opiniões:
"V~ ~ Iv.. ~ ~, fI.i? .E~ Iv.. ~ ffWifu
~. ~ ~ ~ tM, ~ cIM. fI.i?"
"eu' cu:k 'j& (J, tn& dk luJw. ~ pk fflUI.M
~ t ~ fWL~, fWL lAA ~ 'j& (J, ~ ~ ~.II
E a escola? Que poderia fazer apesar de todo seu esforço? Que
condições teria para acompanhar essa realidade, sem contar com outros
profissionais especializados?
158
3. ESCOLA: AGENTE OU VÍTIMA DA VIOLÊNCIA i
A presença da violência no espaço escolar, como já foi visto
anteriormente, geralmente não foi reconhecida, pelo menos de imediato,
por um número bastante significativo dentre os participantes da
pesqwsa.
Entretanto, à medida que ia aprofundando um pouco mais o
assunto, ampliando as questões ou até mesmo reformulando-as, fui
percebendo que surgia uma outra visão do problema, sendo que alguns
dos entrevistados chegavam mesmo a reverem sua posição anterior.
Assim, como se desvelando um fato antes negado, por muitas
vezes as pessoas iam admitindo que a violência fazia parte do cotidiano
da escola.
A conversa com alguns alunos, reproduzida abaixo, mostra como
essa contradição se processava:
"(. .. ) - ~<jd Ms ~ ~ ~? - r1M.. fIJ.VfIJJ:L ~.
- ~ ~? V~ fWKIJ:A tWLa.m ~ ~ ~
~fl,(l,~?
-r&.(~~) - e~ ~Cf&~~? e~~~'L + um fYWr fl,(l, ~ ~ ... iJJM. w í ~? - e(WlM~). - enIM.~~? - JW'v. - ~~~~~~'FflMWw.?
159
Além de perceber o quanto as diferenciações no entendimento do
conceito de violência interferiam na explicitação das respostas, passei a
obselVar que, à medida em que indagava se a escola praticava ou sofria
violência, ao invés de perguntar se existia violência na escola, tanto os
alunos, como os profissionais da educação e os pais, passaram a se ver
ora como violentados, ora como agentes violentadores, desmascarando
assim, um outro lado da trama que envolvia essas relações. A
compreensão em rede, na verdade, já traz em si essa dimensão dialética,
ao criticar as visões maniqueístas e entender que a violência se constitui
num processo no qual o sujeito será sempre autor e vítima da violência.
De sua parte, a escola acredita que sofra mais violência do que a
pratique, e ainda nesses casos, pennanece justificando suas práticas com
o argumento de que são as crianças que trazem a violência para dentro
da escola, necessitando assim de sua intervenção.
160
"[1, fIM ~ ~ CL ~ ~ fIAIfIiuum(L
~, WJ, ~ ~. ~ ~. ~81\, ~: CL
~ VWJ, fW1' ~ ~ ~, ~, fmt ~ ~, rrk ~,ali ~ ~ fW1' ~. A ~ ..JiL ali ... A~ ~ da ~ ~ ~ ~ CM7J, ~, CM7J,
~ ~, CL ~ ~ ~ WJ, dmiJL ~ ~, ~ umJl, ~ CL ~ Jn, ~ fIMM. ~, fW1' ~ Jn, ~ ~~, IM + WJ, ~ ~.II
"( ... )ai ~" ~ ~, !lQ, ~ fW.m rlimw, ~ ~~~,~!lQ,~~~. ( ... ) eU, ~ ~ fMb-fM ~ ali, f1I& ~ cp- ~ f11t. ~ ~."
Dentre os profissionais da educação, os responsáveis pela
merenda, os serventes e os inspetores de alunos, são os que mais
radicalmente afumam que a escola seja incapaz de praticar qualquer
forma de violência, mantendo a mesma postura assumida ao negarem a
possibilidade de existir violência na escola.
Quanto aos professores, o grupo se mostra dividido: alguns
confirmam o pensamento acima e outros o contradizem, destacando
como principal forma de violência praticada, a agressão verbal com os
alunos. A agressão física por parte dos profissionais com os alunos,
embora incluída no relato de algumas crianças, é negada por quase todo
o grupo envolvido.
Ainda que ampliando essa discussão, pode-se notar uma
referência predominante ao seu aspecto físico. Falas como esta, que
161
considera o próprio processo educativo como uma imposição e,
conseqüentemente uma violência, trata-se de exceção:
II~ ~ ~ ft&. ~ {'M7l, ~ ~ p<WL
~~~~.k~.~umw,~.~ ~ ~ ~ iJJM- fflAMM. ~ .k ~. eu frIA, ~ 'fTlllik-~ iJJM-. ri&. ~ fok ~ ~ ~ M, ~. fO"'2 tW\, !lQ, ~
iJJM- f1LWM. ~ .k ~. J4 ~ ~ ~. 3~ ~ i ~ fW1 mim ~ ~.II
Os alunos, assim como os pais, desconhecem qualquer prática de
violência por parte da escola, embora, contraditoriamente tenham
surgido com freqüência considerável, detalhes denunciadores dessas
ações, como se pode observar nas citações que vêm sendo registradas.
Convivendo no cotidiano da escola por mais de vinte anos,
acompanhando a complexidade do processo pedagógico, seja a nível de
primeiro ou segundo grau, posso afinnar. que essa isenção da escola,
colocando-se numa posição geralmente defensiva, eximindo-se das suas
responsabilidades, não se refere especificamente à particularidade das
práticas de violência. Com essa postura, embora questionada e
denunciada por tantos educadores e amplamente divulgada pela literatura
pedagógica, a escola permanece quase que alheia a estes
questionamentos, na verdade, cumprindo seu papel numa sociedade que
ainda a coloca como sua redentora. Todo fracasso escolar está sempre
fora da escola.
Sem pretender, de modo algum, simplesmente criticar ou
culpabilizar os profissionais envolvidos no relato que faço a seguir,
apresento esta situação vivida na ESCOLA LÍRIO, com o propósito de
162
suscitar uma breve reflexão a respeito do comentário acima.
Ao final do primeiro período letivo de 1992, foi realizado um
Conselho de Classe, onde a equipe pedagógica apresentou um quadro
demonstrativo, segundo o qual, do total dos 714 alunos matriculados no
inicio do ano, havia ocorrido uma evasão correspondente a 194 alunos,
sendo que as turmas de primeira série foram as mais afetadas.
Além disso, chamou-me atenção o alto índice de alunos em
recuperação, atingindo um total de 230 crianças.
Um dos objetivos desse Conselho de Classe, a partir desses
dados, foi levantar os fatores prováveis que interferiram nesse resultado
do processo ensino-aprendizagem.
Conforme os professores apresentavam suas considerações, fui
anotando-as. A indisciplina e a falta de hábitos foram as causas mais
citadas, entre as seguintes:
- falta de interesse do aluno; - número excessivo de crianças na sala~ - mistura de idade; - freqüência irregular; - diferença de realidade de vida do professor e do aluno~ - falta de maturidade de alguns alunos; - falta de prontidão para aprender; - falta de estudo em casa; - barulho das obras na escola.
Para confirmar suas avaliações, os profissionais Iam
acrescentando vários exemplos, sendo que a matona se resumia na
dificuldade do aluno em acompanhar o conteúdo desenvolvido.
Até mesmo a ausência dos pais na escola, considerada como uma
coisa gravíssima, sem solução, foi apresentada como um fator de
163
importante interferência no mau desempenho dos alunos.
Dentre os casos apresentados chamou-me especial atenção a
discussão sobre uma criança, a qual, segundo sua professora não teria
idade mental correspondente à sua idade cronológica: "A mãe disse que
ela tem 7 anos( ... )". Mas a professora do ano anterior esclarece: "A
certidão dessa criança está adulterada. Ela não tem essa idade, tem
menos". Fica evidente aqui mais uma vez, o grau de negação de qualquer
outra causa do fracasso que não seja inerente ao educando.
A indisciplina, que já vinha apresentando-se como uma queixa
constante nas minhas conversas com os profissionais da educação,
continuou sendo um dos temas principais do Conselho de Classe.
Uma das professoras não podendo comparecer, enviou seus
resultados com a seguinte observação "Gostaria de uma sugestão para
melhorar a indisciplina de alguns alunos, pois estão atrapalhando o
andamento da tunna."
Esta anotação Veto ao encontro das dificuldades de outros
professores, que se manifestaram, apresentando nesse momento,
algumas propostas, sendo que, ao final de um pequeno debate,
concluíram:
"tJA ~ U#1U1 ~ ~ W1 ~ (L MCk. ffJ~ ~ M ~ rk ~ ptwL ~ (L ~."
164
A professora da quarta série, cuja turma consta no quadro
demonstrativo com 22 alunos em recuperação, do total dos 32,
acrescenta que este é o pior grupo de se trabalhar:
"~ ~ ~ (, ~ um~. l1tm U ~ e.~.
em fw.muu. ~~ fUI, ~ ~ ~ ~ ~. ~ fIM
11m ~, ~ ~, Iwk fO"'1' ~ i um ~. fJ~
~: ~ um ~ ~ (L 00KrIÚ.JIL, ~ acluurv ~ i um
~ ... ~ ~ w. Iun,'~ ~ ~. fJfl/I.W, ~ ~ ~ ~ fW#7U1 ~ ~ ~ ( ••• )."
Embora parecesse haver por parte da equipe técnico-pedagógica
o objetivo de aprofundar a análise desses fatores, apenas uma das
professoras presentes ao Conselho de Classe, colocando-se como
integrante do processo pedagógico, reconhece o quanto suas próprias
limitações poderiam também estar interferindo no interesse dos alunos.
11Cu, f!&. CM~ ~ ~ ~ dk. eU! fIM ~ ~
~ ~ ~ rJIÚJJf11'.j1b em tWwn, ~ (L ~. JiJ:Jj. ffl4,
~: ffJ~ ~ nà.tJ. r.MIJJiJp ~ (L ~ ? e!lM, ~ í f11Ali, ~. Cu, fIM r.MIJJiJp ~ (L ~... ~ ~
~ ... fIM diJ. fO"'1' folm. em~. e~ fIM 11m fI.Wl, w:®IJ, ~ ~ ... Cu,~~~~~:1
Em detetminado momento uma professora relata:
IIA~ ~ rJwr.m ~ ~, ~, mab
~ vM ~ ~ ~. ~ookm ~ ~ fi&. ~ ruJa: I
165
Ainda que identificando dados como este, que demonstram a
necessidade de se olhar a escola por dentro, nenhuma suposição é
levantada sobre o que poderia estar contribuindo para essa desmotivação
e desinteresse, postura esta que vem contribuir cada vez mais para uma
visão idealizada a respeito da escola.
Este próprio Conselho de Classe foi iniciado com a proposta de
se refletir sobre uma música (tema de abertura de um programa de TV),
cujo trecho da letra dizia:
"( ... )É na escola que tudo começa, lá se
aprende a viver.
Na escola que a gente entende o sentido de ser.( .. .)"
Concordando com os versos acima, assim também muitos dos
próprios professores imaginam a escola: um lugar sagrado, cuja missão é
redimir a sociedade, investindo esforços nas novas gerações, formando
suas mentes e ensinando-lhes como devem agir, a partir dos seus
ensinamentos. Se não consegue corresponder a este objetivo é
geralmente por motivos que lhe são alheios.
Incorporando tais representações também os pais e os alunos
relacionam seu fracasso a falhas suas, pessoais ou de origem sociais,
considerando que a escola sempre cumpre, na verdade, a sua parte.
N esse sentido, consequentemente, a escola seria incapaz de praticar
qualquer tipo de violência. Afinal, uma instituição responsável pela
própria humanização das crianças, não poderia jamais portar-se como
agente da violência.
Raramente sendo reconhecida ou mesmo assumindo-se enquanto
166
agente de violência, a escola, por outro lado, declara-se vítima de vários
tipos de agressão, sofrendo, enquanto micro-sistema, as mesmas
violências vividas pelo todo social.
O retomo das aulas no segundo semestre de 1992 foi um
momento no qual pude perceber de maneira bem forte uma insatisfação
e mesmo um sentimento de revolta entre os professores e o pessoal de
apOlO.
"(1 ~ ~ ~ ~ ~, ~ ~ ~ ~
~ ~ ~ fIJ1IfU'JJJ !:& ~ ( ... ). f2~ tw.i VWJ,
fX1M a. w.Ja" b iue. ~ ~ ~ r:JWJ1'~ fM' ~ ~ ~ ~ M- !Im ~, m? rrb Imt, Iw.a ~ a. ~. ~
(M~, Im!, ~ ~, ~ a. ~ ~ ~. ~ CMrt, wa, ~, ~ ~ ~ fW" ai, MM· ~ ffliwJmJ ( ... ) fiA' 'IM diL fXWl' ~ MIln.. V ~ (MIJA, ~ mal, ~? ~ mal diL fM' CM1WI.. ~, .. wm ~! e..JJM. a.
~~,~,~~nMlm,~~~
Ff'" tmllL ~ muJnl e, vJim., CMrt, ~ ook.p., eM7\, tmllL ~ . '" J '" (Y)", J, I (õ' "",
t)t6M. fM' tII.<W<lA.II.3-.. • II.M- (JJJ;.. • GU f11:M- ~. fIIJJJ- na. f'WI..OM ~
~ tmllL ~ ~ ••• "
A indignação diante dos salários irrisórios e das precárias
condições de trabalho, devido nesse momento principalmente à
continuidade das obras no prédio, parecia agravada pela crise ético
política que o país atravessava.
167
t ~ mal CM7l, & ~ ~' ~ ai ... ~ ~, QMl1 ~1JI:jJ.l9- ~
a ~ ~ ~ a WJJ ~ e~J, a ~ Jwru à-~ twm ~( ••• ). r&Q,~~~,fMA~(lA~~ ~ a ~ ~ ~ M palA ( ... ). ~ ~ eu ~ uma~~~. e~.J4~tuma ~. 11M i uma ~ fI.a, ~, fMA i uma ~ fTlM<1l, ~tM,.11
Pode-se observar durante as entrevistas um reconhecimento
comum, tanto por parte dos alunos, quanto das comunidades, como dos
próprios profissionais da educação, de que estes últimos são as principais
vítimas da violência na escola.
O governo é apontado como um dos primeiros elementos
responsáveis por essa situação aviltante em que se encontra a escola
pública, à medida que não se compromete em lhes oferecer condições
dignas de trabalho e de salário, desvalorizando um dos setores
fundamentais da sociedade.
liA . • I. . , J. - / d ." ~ f1W.LM ~ t ~ a.w:JJM. ~ ~ ClW1 a u.u:.ntp/j. .
. ~ ~ + ~. J4 ~ ~ ~ um ~, f7I& 0iJM'L ~~,a~~~Fm,M~~~uma ~ ~ CM7ll9- viII.aII, &. e~ I&. ~, ~ fIM
~~Qá6Q,~. euarh.~~~~ ~um~~~. r1Mf!.M~aQMl1~
~. J4 ~Ffoi &~, ~~. J4 ~F ~,~ ~ ~ ~ Iuia., ali d& ~ M ~
ck, ~ ~ a ~, a ~ ... ~ CMllfiÜia.b ~ fIM, fIM ~: (lA w:k ~ ~ aM~, a~~dM~i~ .. ,,1
168
Nas entrevistas, os professores apontam ainda como formas de
violência que sofrem o número excessivo de alunos em sala de aula, a
falta de materiais didáticos, o despreparo técnico, a falta de oportunidade
de se reciclarem, enfim, a falta de condições para realizarem um bom
trabalho.
o trecho de uma das teses debatidas no I Congresso de Educação
realizado em setembro de 1992, pelo sindicato representativo da
categoria, confinna o resultado dessas entrevistas:
"A palavra FALTA tornou~se constante no
cotidiano da escola. Falta verba, faltam vagas,
faltam professores, funcionários do apoio. Falta
material didático e mobiliário. Falta material de limpeza, faltam bibliotecas e livros, faltam salas de
aula, de estudo e de reunião pedagógica. Falta
salário, falta democracia e participação."
(in Tese 3 - p.8)
Terem que desenvolver um trabalho que não sabem e serem
obrigados a cumprir exigências por parte da Direção, da equipe de
supetVÍsão e orientação e da Secretaria de Educação, são outras formas
169
de violência constantemente citadas:
Por outro lado, a direção da escola também se sente violentada,
por parte dos colegas de profissão, que, segundo ela, nem sempre
demonstram companheirismo ou espírito de cooperação, além de ter que
cumprir as ordens que recebe das instâncias superiores.
Muitos dos trabalhadores da educação que entrevistei
consideravam-se bastante agredidos com o comportamento dos alunos,
dizendo-se compelidos muitas vezes a agirem de determinada maneira,
devido às agressões e violências recebidas.
170
1';4 ~ + lnmJim (J, ~ ~ fM ~, ~ ~. ~ ~ fIM ~ ~, fflat. ~. eu fIM
~ mr:Jih ~. 3W'v twUL mMia ck f'.iKIm, fM dm, fU1 fw..ma. ;4~ w, ~ ~ ~. ~~ fi&. ~ mr:Jih."
"~ ~ ~. ~ ck caJup, ~, ~ W'v pi. ~ ~ Q, ~ fW'4 e. ~, ck ~ ~. e~ fi&. ~ iJJM. CMM. ~ ~ F ~ ~ (J, ~
~~. e..JM e. ~ Q, ~ ~ ~~ i1JM.. e~ fIM ~ ~. gJ~ f11Ml.M (J, ~ ~'dntft ~ ~m ~
~."
o desrespeito e desvalorização por parte da comunidade, é outro
ponto que aparece nos relatos sobre as fonnas de violência que os
professores são alvo.
"iéL ~ da ~ ~ ~ ~ ~ ~w1 ~ ~ CMfI, ~ 'tU1 ffl&.. ~ ~ ~ ltJM. !Wfb iA ~ a ~ fX1M ~ lá, W'v r:iArJJL."
"eu uJnoo. ~ ~ ~ dinA, ~ ~ CMf1
um ~. Um dut ~ uma f1\& ~ M ~, fU1 ~ ck ~ ~: 'e~ ~ ~ (J, Mik bJa" ~ ~ ~ 'eu ack i.6M- uma ~M(J, QWl, e.~. ~
171
Sobrecarregados nas suas funções, devido a falta de condições no
trabalho e aos limites que lhes são impostos, principalmente quanto à
falta de atualização e aperfeiçoamento, muitos professores ainda
necessitam trabalhar em outros empregos, ou realizar outras atividades,
para compensar um pouco a sua precariedade salarial, aumentando seu
desgaste fisico e emocional, comprometendo, sem dúvida, a qualidade
do seu trabalho.
Percebendo um enorme desânimo por parte de uma professora,
ouvi o seguinte desabafo, o qual considero representar o sentimento de
grande parcela dessa categoria:
"eu ~ fIllmtIJ, w:Ja ~ pJa-~ Q, CL ~
M e J e rP, f1\lIA Ilijd m ffl,Q, CJW.Ij. f7UJik f1U114. A ~ ~ f'1N1' a,
foruldruk fOM' 0QIl, ~ fMl6, ~ ~ a, ~ riA, ~ CL
d:wa, ~, ~ ~ ~ ~ ~ ~ W\. fflAA!.M ~ Q, ~
~um~~.
:J~ "" ma.iM ~ f'1N1' ~ 1M. ffliKIk ~, f1\lIA
fIM. ~ ~. ~~ ~ fl&. ~ ~. fi.&. ~ ~ ck f11im. 11M fmfm a, ~ ~. 3~, ~ fIM. !wJ, ~
f'1N1' ~, na.,. ~ "" ilnfk:tuJ, "" cdiwd. eu na.,. ~ dur Cf1A' ~ ~ vM. ~ frulib ~ ~ fIM. í il!NJ F ~~~M~.e~~~~~
~:~F~~~,!IWJ,~<m ~. fim- difrl· 3f1m uma, ~ riA, ~.
eu~ um ~ ~ fX1NL ~ ~ ~ ~ pk f1Ih1lM fim aL;um ~'F Cf1A' ~ ~ b t
MCfLttWl,. rPek. f7\M!.M ~ ~ um ~ dk ~ ~ ~
172
1 ... ,,;,. I;",. "í>.. <rn • J 1 .J rhl.",} II &t.- arL ".JI3UAJAAI~... 11 fL11J, t f.UM f71Ui.0. ~ •••
Cabe aqui acrescentar uma realidade vivida por uma categoria
composta majoritariamente por mulheres, as quais precisam sem dúvida,
pelo menos em grande escala, completar ainda uma outra jornada de
trabalho, responsabilizando-se pelas tarefas domésticas.
Como se pode perceber, são muitas as violências sofiidas pelos
profissionais da educação. A maioria se mostra impotente, perdida, sem
saber o que fazer; sente-se desvalorizada e desestimulada em todos os
sentidos.
Acompanhei mais de perto o trabalho de uma das professoras que
me parecia das mais angustiadas, chegando a me dizer algumas vezes
que já estava prestes a desistir. Era a primeira vez que trabalhava numa
escola pública, sendo que recebeu uma tunna composta, segundo ela, de
crianças que estavam dando problemas em outras tunnas.
Com dois dias de trabalho, a professora perdeu a voz de tanto ter
que chamar a atenção.
Decidiu começar trabalhando com o conteúdo sobre a família.
Pediu para os alunos desenharem as pessoas da família, pretendendo
aproveitar para fazer uma sondagem sobre a noção de quantidade.
Assustou-se com as conversas sobre as pessoas da família e com a
naturalidade que tratavam de mortes e assassinatos de alguns parentes.
173
"Ek w Iún, ~ ~ ~~. e~, ~, d&
~ fU f7WVW\a.m fM ~, ~ 1iM... ~ fWA!.C(1 ~ i ~."
Apesar de todo seu esforço, as crianças continuavam sem hábitos,
sem limites. Cada qual fazia o que bem queria.
"Eu ~ fJlw-~ fYJNl' ~, ~ ~. ek ~ ~ CM11- C1 ~ ~, ~ F Jn, W1
~ mJJw.. .1"& ~ fl.W\,. M ~, fI.Wl, M ~, w li.Jw.m ". ~ tUJJ:h."
Diante desta realidade tão trágica, a professora dizia se sentir cada
vez mais impotente, decidindo tomar certas atitudes como suspender um
aluno, tentando garantir o mínimo de manejo do processo.
"J~ fU fMru:v.. Mât], aiJJ.uk ~ ~ ~ ~v fUL
~ fwp.. Jj~, WJIJ, ~, ~ C1 ~. (9
~ ~ ~ l~, eJnoo, mJJw.., ~ f1UW.."
Além da falta de hábitos e do alto grau de agressividade, a tunna
era composta por três grupos com diferentes níveis de aprendizagem, o
que, de acordo com a professora, dificultava sobremaneira o seu
trabalho:
"Eu w ~ ~ ~. :r~ f7\& ~ ~
~ fIM ooli.am ~ ~. e~ ~ ~ ~ ~. ~ t;i F fl&. - maM, ~ ~ ~ ~ a
~ dJL w:Ja. ~ fYJNl' ~ uma ~11if.t CMn, C1
174
A solução encontrada pela escola foi dividir a turma em dois
grupos: um estudava de 13:00h às lS:00h e o outro de lS:00h às 17:00h.
A professora avalia que seu trabalho melhorou bastante depois
dessa separação (dissolução) da turma, embora alguns problemas
permanecessem. Os alunos passaram a se interessar mais e com isso ela
também se sentiu mais estimulada.
Esta situação é uma pequena amostra do quadro difici1 e
desafiante em que se encontra a escola pública.
Privando-me de fazer uma análise critica mais minuciosa do
trabalho pedagógico dessa professora, embora me sentisse altamente
tentada, quero chamar atenção para o processo de desgaste que vai
ocorrendo com o profissional chegando ao ponto de querer abandonar
tudo.
As soluções tomadas, nesse caso, que poderiam ao meu ver,
serem consideradas como práticas de violência aos alunos, parecem ser
as únicas, frente aos limites da escola e diante do que ela sabe fazer.
Durante determinada conversa que mantive com uma outra
professora, pude perceber bem de perto o quanto os educadores, se
desgastam tanto no dia a dia do seu trabalho, o que, sem dúvida, não
pode estar isolado das suas emoções, interferindo decisivamente nas
suas práticas pedagógicas.
I leu" fW"~, ~ f1W, ~ ~ ~ 0IfIh.
~~ m ak ~ ~: w' ~ ~ um ~. ;-;1 um
~ ~ ~ fi&. ~ s. ~, f7UM. ~ mw.M m ~ ~ ~ ~ adwoo, wk Q, ~ ~. J4~ m nM fMM' fkm. 0if1i,
175
~fIM~~ ~o 1wVJA ... eu ~~~ M~ck. ~~~~~riL. rTb~.~ m
fIM ~. eu ~ dwiJu.. a, miKIlta ClJIIIfL' m ~ ~ ~ ~. eu.~&umL~, ~ p a, r;wk~. eu • & Uf1U1~. eu.. ~ GM1\, &. eu ~ ck. p fup., fIM ~ fM ~, ~ ~ m ~. e~
~m~p~~fwp.pm~~~,~ m • ~ fllL ~. ~ i Uf1U1 ~, fIM ~ ~,
~ GM1\, a, ~ riM ~ ~. ~ r;wk ~ fmF um ~ ~, W\, ~, ~ 0ifY"1' a, r;wk fIM ~ f7IIJi6,
fGM ~ eJetJ, ~ ~ f1iM. ~ r.fm.v M ~ o 1wVJA? f:iuiM ~:
~ fIM ~ ~. & vQ Iun, tWll1 ~ fIM ~~. e ~ p w, oWi~? e ~ p w, ~? JM3- fIM ~? eu ~ ~ uk (].M. fM CJJ11lJfJ. ~.II
Esta professora expressava seus sentimentos com tanta
autenticidade, que não pude deixar de me sentir solidária, a ponto de
terminar a entrevista, chorando junto com ela.
A tristeza é muito grande ao ver um profissional comprometido,
tendo que se submeter a determinadas decisões executadas de forma
autoritária, de cima para baixo, sem envolver qualquer consideração com
o outro, seja a nível profissional, seja enquanto pessoa.
N as entrevistas que realizei com os alunos, eles denunciam que
pessoas de fora vêm para a escola, à noite, usar drogas, namorar e roubar
materiais e até mesmo já souberam de bandidos que entraram no
colégio, destacando estes fatos como as mais graves violências sofridas
pela escola.
Apesar de quase nunca serem percebidos por eles próprios corno
vítimas da violência, exceto em situações de brigas, os alunos somente
176
aparecem nessa condição, nos relatos de alguns poucos professores.
N a verdade, a análise da atuação da escola enquanto agente e
vítima da violência, escrita até aqui de maneira seccionada, serviu apenas
para uma melhor exposição didática, uma vez que essas atuações em
momento algum se mostram independentes, mas ao contrário, uma
nasce dentro da outra, uma faz parte da outra, de modo tão recíproco,
que se toma impossível delimitá-las.
Essa relação dialética, na qual a escola ao mesmo tempo sofre e
pratica violência, esteve registrada muitas vezes nas entrevistas, como
exemplifica o relato abaixo:
I'.~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ oJlY'~ um
~~~~~tk~. t9~,f'Y'" ~ twt ~, ~ (L di~ rk ~ rvJw.a, ali, ~ ~. ~ eJmk. ~ ~,j1 VW1~. e ~ QA7l. cima. ck,
~ ( ... ). e (L mwruL CJY.M CMn, M alwnM. teu. ~ (L
~ WL dmrL da 'r'"~' t (L ~. ~ dw:M~ ~~ t cur Ia.mtim CMf1, ~uia. CMn. ok.. 11
Para esclarecer sua compreensão de que a escola se toma ao
mesmo tempo, agente e vítima da violência, a diretora fala a respeito de
um curso de reciclagem proporcionado aos professores, pela Secretaria
Estadual de Educação no segundo semestre de 1992:
177
Imt.~. ~~ ~ ~, M, ~ ~ fIiL5. ~ ~ ~ CUI\M., tL,.
~~Uf1U1~,~~~ ~~~. fflilA fIM ~ ~ CL ~ cU,... e ~ ~, al;;m ck. ~ ~ ~, oJn, ~. e.J&. oJn, ~ ~ t ~ a, ~, ~ já-~,~ eM1\. M6Q, ~ ••• "
Algumas situações observadas reuniam em si tamanha
pluralidade de causas e elementos que parecia sentir-me incapaz de saber
onde e quem começava ou terminava a violência, sentindo-me num
emaranhado difici1 de me desvencilhar, formando-se um círculo, onde
tudo passava a ser visto como violência.
Numa turma de alfabetização, a professora inicia seu trabalho
pedindo aos alunos que se comportem, acrescentando:
II9,UWL fIiL5. ~ tWJ, fW1 ~fu, ~ ~ lL ~ paN1
fl&. tAA fMi6.. ~ dJi Q, fWL tAA t ~ ~ ~.II
Enquanto observo a professora passar o dever no quadro de giz,
fico me perguntando: Qual o sentido desse exercício - "Separe as
sílabas" - para alunos que sequer sabem ler? ..
Algumas crianças se mantém concentradas, procurando realizar a
tarefa. Mas são poucas. A maioria demonstra total desinteresse,
comportando-se de modos diversos, mostrando-se totalmente alheias
àquela situação. Um menino desenha no quadro, outro canta um jingle
de campanha eleitoral, outro fica olhando pela janela, outro sobe na
mesa... Chupam dedo, colocam o caderno na cabeça fingindo ser um
chapéu, andam pela sala ... De repente dois meninos se levantam e vão
para o final da sala jogar bola de gude. A professora vai até lá conversar
178
com eles. Mas enquanto isso, já vejo um outro aluno "plantando
bananeira" nos fundos da sala. Nova interferência da professora, que
chega perto de mim dizendo que não agüenta mais. Nesse momento uma
criança pega minha lapiseira. A professora me alerta: "Cuidado, heim! ... "
Durante todo meu percurso na busca de entender a trama da
violência na escola, muitas vezes 111e sentia confusa, tantas eram as ações
que me pareciam repletas de dispersão, de total falta de comunicação,
onde cada um fazia e pensava o que queria, sendo que, ao aluno era
reservado sempre o lugar de receber e cumprir ordens, obedecer e
caminhar às cegas.
Logo após a greve dos profissionais da educação no inicio do ano
de 1991, ao chegar no colégio, percebi que os alunos haviam sido
dispensados, após terem estudado apenas meio penodo. Conversei com
um grupo, surpreendendo-me com a total falta de infornação sobre o
real motivo daquela paralisação das aulas. Cada criança, algumas da
mesma tutma, justificava de forna diferente aquela saída antecipada,
divergindo entre si. Umas afitmavam categoricamente que haveria outra
greve, outras discordavam. Umas diziam que as professoras iam fazer
uma reunião, mas logo pudemos ver algumas professoras indo embora.
Havia quem dissesse que a reunião seria no dia seguinte e até mesmo
quem entendesse que iam embora porque acabou a comida.
Correndo atrás da professora, uma menina retornou dizendo que
não tinha aula por causa da paralisação. Quando perguntei se sabiam o
que era isso, as respostas foram as mais inesperadas.
- "Vai~~PM~? - ~'La ~ V<JdM, ~ af. ~ ( ... )
179
-e "" ~ lMn, CL tWI, ~ CM7l< ~ 00liKw,? r& lMn, ~ 0Ijlli pa;v:t dmJ, 00Lirul, •••
- Vai, W\, ti fI.<1 ~.
-rT1& ~ F l& ~ M wk rk. eJe{? pa;v:t
~ 00Lirul, fl.CL ~?
- ... (~~~) - {?~~M~~wJw..a~? - {?~ ~ le{?e ~ forn- panat6l.u;ã./!-.
- e ~ ~ í ~ le{?e? - fi le{?e i UA1UJ, ~.
- e ~ UA1UJ, ~, f1IilA fIM i UA1UJ, ~.
- ~ pa;v:t F ~ be{?e? - (?aJ\IL ~ ck OK~. - {?aNL ~.( ... )"
As paralisações das aulas, assim como as greves dos profissionais
da educação, que por si mesmas já são questões controvertidas, tomam
se ainda mais polêmicas, quando inseridas nessa discussão.
A greve da categoria é entendida por muitos como uma violência
à comunidade, em especial aos alunos, é medida que, na prática, toma-se
impossível recuperar o trabalho não desenvolvido, interferindo, sem
dúvida, na qualidade do processo ensino-aprendizagem.
Por outro lado, mesmo os que concordam com este pensamento,
entendem que a greve só ocorre em conseqüência das inúmeras
violências sofiidas pelos trabalhadores da educação, principalmente no
que se diz respeito às péssimas condições de trabalho e de salário.
Quero destacar ainda um elemento que perpassa toda essa
discussão, mostrando-se como uma das mais constantes dificuldades
180
dos professores: a questão da disciplina.
Pode-se afirmar que a problemática da violência na escola está
relacionada diretamente ao controle da disciplina, onde são percebidos
diversos atos considerados como violência, exatamente utilizados e
justificados para impedir ou para punir outros atos de violência, neste
caso, praticados pelos alunos.
A chamada indisciplina é um elemento presente no processo
educativo (não somente na escola) que parece vir se agravando nos
últimos anos, tomando-se um dos maiores desafios para os educadores,
à medida que, ao mesmo tempo em que pretendem desenvolver um
trabalho mais democrático, terminam por se comportarem de maneira
autoritária, não conseguindo um equilíbrio ou meio-termo.
O que fazer com as crianças que já "não obedecem como
antigamente"? Como controlar "comportamentos cada vez malS
agressivos"? Como lidar com a "violência expressa pelos alunos"?
Parece haver um consenso entre os educadores, independente de
suas diferentes concepções filosóficas de educação de que uma certa
disciplina é fundamental para os trabalhos escolares. É papel da escola
habituar o aluno a estudar com ordem, disciplina e seriedade, pois a
construção do conhecimento não se dá espontaneamente, mas eX1ge
esforço e disciplina.
N o cotidiano da escola, essa questão envolve, entretanto, diversos
complicadores. E para analisar com maior profundidade este tema, seria
preciso levantar muitos outros aspectos que interferem no controle da
disciplina, entre eles, por exemplo, a multiplicidade de interesses que
fazem parte do desenvolvimento natural do ser em crescimento.
Dedicar um espaço especial para tratar desse assunto, como já
181
expliquei, justifica-se principalmente pelo fato de ser esta uma das mais
freqüentes abordagens relacionadas à questão da violência na escola.
Na ESCOLA LÍRIO, a grande maioria dos profissionais da
educação admite uma incapacidade por sua parte para resolver os
problemas de indisciplina dos alunos, tendo isso ficado bastante evidente
no Conselho de Classe, ao qual me referi anterionnente, assim como nas
diversas entrevistas realizadas.
"eu, ~ uma. ~ fTIllik. ~ M ~ rb ~. JW1- Iwv:t fU ~ cnlmn, ~ ... ~ ~ oh ~. ~~~ ... ( .. ·t
"~ ~ rb ~ fUL miKJw. ~, Clljd fUL ~
fica- ~ dféd, ~ fM ~ P tkrl ~ ft..aim,. wm.
Ci'JIJIr~ CM1\; ~, CM1\, ckdica~, ~ àA ~ aiMr ~ dA,
uma. ~, fU ~ ~ ~ mw:In, G-~, tkrl ~ ~~,M~~~~,aliM~
àA ~. A r~ ~ ~ uJá ~ CM7\, 11 ~ fU f!.M h ~ ~ ~, dA, uma. ~ ~ ÓIf4M. eu, ~ dA,
~ ali G- mm ~, ~ ~ ~ dwrot.. CMIWl, um ptw.(Jj. ~, ~ ~ ck, MMl1 ~ ~.II
Este último relato mostra o movimento circular entre o praticar e
o sofrer violência, indicado pela teoria em rede: a escola pratica violência
dizendo revidar a violência recebida. E quais violências outras estaria
praticando diante de tantas que tem softido? ...
As estratégias apresentadas para controlar a disciplina variam de
professor para professor, embora se perceba que a maioria vem adotando
medidas tradicionais como ° castigo, a repressão, a ameaça, a
182
chantagem, a agressão verbal e até mesmo a agressão fisica, atitudes que
se confundem com violência.
"e~ dA, ~, ~, wwliA... í (L ~ fYJNL ~ ~, ffl& i UffllL ~ dA, ~ CM1l, M ~.II
Nas entrevistas, os alunos expressam, às vezes de forma bastante
espontânea, sem mesmo considerá-las como violências, muitas atitudes
dos professores e inspetores envolvendo punições fisicas, tais como:
puxar orelha, sacudir, empurrar, jogar apagador ... Mas estas atitudes não
são admitidas pelos que são acusados de praticá-las.
Alguns professores dizem estar a procura de novos métodos, mas
mesmo assim parece que ainda não conseguiram elaborar com maior
segurança e clareza, medidas satisfatórias.
Ileu CM~ (L ~ ~ W\, cnlmw.. ~~ ck
fl.M ~ ck, ~, ali ~ fl.M ~, fM r:JJliM da ~ ... y~ ~ oolmw., t ~ oolmw. f'1NL tk. y~ ~ ~ WJ, P M ~ fIM ~. f)iIp f'lML ek: '& ~ fIM !lQ, ~, fIM ooi ~'. iuJfr~ fWL ~ ~: '~~, !lQ, ~ ~ ~ ooi pativ.ipaP-'. e~
~ ck, ~, fM ~, tk ~ ~ ~, ~ ~, ~ í ~. e.JM ~. fl.M vai ~, fIM vai
~. !J~ W\, p num du:t fIM vá, M ~ ~, ali ~ !lQ, ~ ~ !lQ, fl.M ~ n&. ooi Ivv e. ~ ~
183
~.II
Ilr~ fJIM. aJw, ~ ~ um ~ ~ ~ Q,
~ ~ ~. () alum. Cj& ~ ~, fI.â.& Q, ~ cnlnrk, ~
~ ~, fMá, ~ ~ ~ ~ Cj& d4 fGNL CL ~ ~ t,al, M- puJ ~ dm., ~ fJIJIJiKu2 ~ ~ ~ ~
~, t ~ alum. Cj& t1M ~ ~ ~, vai ~ ~ ~
~. r~ ~ OGU ~ fGNL M paib ~ na, ~ ~ paib. B.itL ~ ~.II
Outros professores assumem que não sabem mesmo o que fazer,
seja no pátio ou em sala de aula, para controlar a disciplina.
11eu, fi&. ~ ~ Clt ~ aiRula. B.UAM-~ um ~. 3wk. ~ ~, fMá, ~ aiRula ~ ~ ~~. 3~ Cj& ~, cknn, ~ cmJur ... fMá, nM
.k~."
"eu, diJr ~ ~ cJww.. W7\,~, ~ ~ da ~ ... ~ ~ ~ ~~. riM Q, ~ aIjUi ~ m flM ~ rMM. ,4/i M ~ ~ i 01JIJÜm./
1
Segundo a diretora-adjunta da ESCOLA LÍRIO existem algumas
nonnas gerais a serem observadas no controle da disciplina. Respeitando
uma hierarquia, o professor deve encaminhar o aluno com problema
disciplinar primeiro à coordenação, que, no caso de não conseguir
resolvê-lo, passará para a Orientação Educacional. Por último, caberá à
Direção tomar alguma medida, então mais severa.
As medidas punitivas tam bém seguem a uma determinada
184
gradação: num primeiro momento o aluno que desobedece deverá
assinar o caderno de advertência, no qual constará a falta cometida. Caso
complete três assinaturas, será suspenso, só retomando com a presença
do responsável. A suspensão poderá ocorrer no máximo até quinze dias.
Se a criança permanecer apresentando problemas, "aconselha-se" o
responsável a retirá-la da escola.
Alguns profissionais concordam com estas medidas, alegando
que tem que haver mesmo controle e regras de comportamento. Outros
afirmam que a escola deveria até ser mais rigida, pois dá liberdade
demais para as crianças. Um grupo bastante reduzido critica a forma
autoritária com que se age, acrescentando ainda que a falta de integração
entre os profissionais prejudica esse trabalho por demais.
N a opinião de uma das inspetoras de disciplina, o caderno de
advertência é muito bom para colocar medo nas crianças, porque tem
algumas que não gostam de respeitar. Até mesmo a sujeira da roupa das
crianças é por ela considerada um ato de indisciplina, já que desrespeita
uma das regras a serem cumpridas.
Vigiar e punir, controlar corpos e mentes, sempre foi uma das
principais funções da escola, reproduzindo os mecanismos de
manutenção da ordem social. Muitos autores, como Foucault (1989), já
abordaram esta questão, incluindo diversos fatores em suas análises, até
apontando algumas sugestões. Porém, a escola cada vez mais vem se
sentindo oscilante e ambivalente ao se deparar com os alunos "rebeldes",
com os que subvertem a sua ordem, com os que não acatam suas
determinações. Ora os que extrapolam seus limites ou não se adaptam
aos seus esquemas são expulsos, ora, a escola, perdida, assiste
passivamente a todo e qualquer tipo de agressão.
185
Nessa trama da relação ordem-desordem, existem ainda os que
são considerados o "terror da escola", punidos incessantemente, porém
mantidos, talvez, para servirem de exemplo para os demais (punição
exemplar).
Mas os "bodes expiatórios" da obediência e da disciplina não se
limitam apenas aos alunos, podendo mesmo extrapolar os muros da
escola.
Registro aqui um fato acompanhado por mim fora do espaço da
pesquisa de campo, para o qual fui convidada por algumas pessoas e
autorizada a participar dos encontros, porque elaborava uma dissertação
envolvendo a problemática.
Este acontecimento, de significativa repercussão no meio
educacional do município de Duque de Caxias, pode ilustrar, com muita
pertinência, o pensamento exposto acima.
O professor, regente de classe especial em escola da rede
municipal, atendendo a crianças de pré-escolar (4 a 5 anos), deficientes
auditivos, decidiu colocar de castigo alguns de seus alunos que haviam
desobedecido, trancando a porta a cadeado e apagando a luz.
Não atendendo à solicitação da Direção da escola para que revisse
sua posição, justificando que assim perderia sua autoridade, o professor
foi devolvido à Secretaria Municipal de Educação. Seu memorando de
devolução alega que "o professor tem uma filosofia de trabalho especial,
humanamente impossível de ser aceita".
Instaurou--se uma Comissão para estudar o caso desse professor,
cujo processo se deu a partir de vários encontros. Na última reunião,
além do professor envolvido, estavam presentes: a coordenadora de
Classe Especial e outro membro dessa Coordenadoria; a Secretária de
186
Educação e outros elementos da Secretaria; a Supervisara que
acompanha o trabalho do professor; a diretora e sua adjunta da escola
onde ocorreu o incidente; as mães dos oito alunos; o presidente da
APEX (Associação do Pais de Excepcionais) além de outro elemento
dessa entidade e ainda a presidente do SEPE (Sindicato dos Profissionais
de Educação).
Durante este encontro foram lidos os diversos relatórios afins e
promovida uma longa discussão sobre a situação, sendo que o professor
se mantinha irredutível na sua posição, ouvindo e respondendo às
perguntas, acusações e criticas, ora demonstrando grande ansiedade, ora
bastante irritado, mas alegando em todos os momentos não ter feito nada
errado.
A presidente do SEPE / Caxias argumenta que o sindicato é
contra a violência que foi praticada com os alunos pelo professor, mas
também contra a violência das mães que não têm escola perto de casa,
contra a violência que sofre o professor, que não está preparado para o
trabalho, que recebe um salário que nem dá para comer direito, que dirá
para fazer cursos de especialização e atualização ... Conclui afirmando
considerar que o professor foi devolvido pela Direção sem causas justas.
187
"(9 ~ i ~ ~ ~ ~ ~ ~ UlJIjU. AcIt.a ~ th WIM,. m.a.ó. In.mtim i ~ ~ ~ eM7\, ~ a CIM6t:1 foi ~. ( ... ). A diNJ.~ ~ ~ fU1 w:k."
Ao final do processo, a Secretaria Municipal de Educação,
também cumprindo seu papel de "mantedora da ordem", encaminhou o
professor para o trabalho com educação de adultos.
11(9~~F~.:limA M ~+ . . ()ll
Wl.ta a f1\.QMM..~. ••• •
Este fato, mais uma vez pode demonstrar a ambivalência que
acompanha esse estudo. O professor, acusado de ter praticado um ato de
violência considerado tão grave que justificasse sua devolução e sua
transferência para outro setor de ensino, servindo de exemplo para
outros profissionais, não se reconhece como autor de nenhuma forma de
violência, uma vez que, segundo sua compreensão, estava "educando" os
alunos.
E assim é que a escola segue, diante de um verdadeiro nó a ser
desatado, na teia onde a violência tece seus fios.
O desafio continua: como tratar da violência expressa no controle
(ou descontrole? .. ) da disciplina, sem considerar todos os diversos
aspectos que se intercruzam nessa rede? Como tratar da questão, de
forma tão isolada como se tem feito, sem perceber que essa trama
envolve ao mesmo tempo todos os atores? ...
188
4. O COTIDIANO DA VIOLÊNCIA E A ESCOLA.
A partir da compreensão em rede pode-se afirmar que a violência
traz em si uma trama, que sempre ultrapassa o espaço no qual se
manifesta, por estar intimamente relacionada a outras fonnas de
violência, entrelaçando-se entre elas.
N esse sentido, ao refletir sobre a violência que ocorre na escola,
faz-se necessário uma constante entrada e saída daquele ambiente, a fim
de observar as interferências que penneiam este movimento. A todo
instante, será preciso sair da escola, olhá-la a partir da totalidade mais
ampla na qual está inserida, voltar para ela e resignificá-Ia.
Sem dúvida conhecer o contexto social e cultural da vida dos
alunos será o ponto de partida para a compreensão do trabalho
pedagógico, das relações que ali se processam, assim como de uma série
de atitudes demonstradas. Por mais doloroso que possa ser, somente
ouvindo as experiências das crianças será possível entender que a
violência com a qual se depara na escola é a cara da violência que se vive
lá fora . E por isso mesmo, por mais que a escola pretenda exigir um
novo comportamento adaptado às suas nonnas e padrões, não consegue
impedir totalmente a expressão cultural dos seus alunos, uma vez que os
movimentos de repressão e de emancipação agem concomitantemente,
sem que um possa ser determinado ou inteiramente sufocado pelo outro.
De acordo com alguns autores, o contato direto e pennanente
com a violência vai contribuir para a construção da chamada cultura da
violência. Vivenciando um cotidiano em que a morte se faz presente, em
todas as suas fonnas, a violência iria introduzindo-se tão profundamente
189
nas pessoas, a ponto de refletir-se na sua postura ética e no seu
comportamento.
liA viol~ncia, no mundo de hoje, parece tão
entranhada em nosso dia a dia que pensar e agir em
função dela, deixou de ser um ato circunstancial, para
se transformar numa forma do modo de ver e de viver
o mundo do homem".
(Odalia, 1985: 9)
Complementando este pensamento, afirma Emir Sader ao ser
citado por Benatti (1990: 3):
"A viol~ncia ao cristalizar~se como cultura. de
alguma forma se automiza em relação às condições
que a originaram. Os valores que a caracterizam se
reproduzem e se multiplicam já por mecanismos
próprios, por impulsos autbnomos. Nem mesmo a
eliminação de suas causas implicaria imediatamente
em sua desaparição como forma de vida, de tal forma
ela se interiorizou na mente e nos corações dos que vivem nela".
Este aspecto cultural toma-se relevante para a compreensão do
processo de interferência do real vivido dentro e fora da escola, embora
mencionado aqui sem o devido aprofundamento, em função dos limites
desse trabalho.
Através de diversos depoimentos, os profissionais da educação
com os quais trabalhei reforçam esta dimensão, afinnando que a
violência, expressa de diversas formas na escola, resulta daquela
190
assimilada pelas crianças em seu dia a dia vivido na comunidade e na
família.
IlriM ~ f!ilA1U1 ~ ~ a ~
~. A~ ~ ~ U6a, ~ fXIM duJM. cln. ~. Aí lU.
~ ~ ~ a ~~, ~ J& ~ ~ fflJ.lik. fJ~ ~ t'.DÜJl1 J& ~ ~, ~ U, pwuuJn., tJn.m ~ fi fI.<l, ~ ~ ~. cb Iwk. Q, ~ CJJJ.JIJlL cln. ~ ~ ti ~II.
De que maneira essa violência vivenciada lá fora se revela dentro
da escola?
Para responderem a esta interrogação, os professores apresentam
muitas explicações, sendo que algumas merecem destaque, devido a
maior frequência em que apareceram nas entrevistas.
Em princípio, é através das conversas com os professores, ou
entre os colegas, que a escola toma conhecimento do que ocorre na
comunidade.
11 tk ~ Iwk. f'lM- a w:Jn,. CM,bm U. {) ~ oWwLti~~~. ( ... ). rJb~~a~~ ~~~~".
II~ ~ ~ ~ lU. fJKTIAJJJ:j1A. 2+ ~ ~ um fnrp. CM1l, ~ ~. rliIj ruo ~ tu,. í ~, ~ ~ iMn&- í
~ ... '1J~ ~ iA, m.a1m-v ... & ~ ~ CM1l, a ~
~ iA, ~ ti ~ ... ' t~ I.t,m fTIilik ~ Iruntim: '& ~ ~ ~ iA, Jm.. Uffl[L ~ ti ~'. fJ~ ~ ~ ~ IWI,
,_ • 11
CMM-~~.
191
A convivência nesse cotidiano toma-se também visível na escola
através dos trabalhos de montagens, dos desenhos, das histórias, das
frases que constroem, das redações ...
II~ ~ ~ ckn.m ~ aM1UUl, 811, ~ ~
~ ~: ~, /am. ~. ,4~ CM7I, f& ~ ~ ~~, ~f7Wiki~. ~Fi~da ~.ek~~CMM-~~M~~~ ~. & fWf1A M-~ ~ ~II.
"rb ~ 8/1, fIIJ1J, ~, ~ fkn. ck. ~, ck. ~ ~ ~ viu. (B~ U fY'-CL ~ ~ ~ iMldk".
"Uma, lWj h um ~ ~ ~ CMn, ~. M ~ ~. Ek ~ ~ 00IiiM lipM ~ ~ F w lfUUIJ:1L
~. jJ~ WÍULffl, pJn. ~ ~ fiM, , ~ ~, "uk. ck ~ .. C~ a f1\.a.Ma, ~ ~ Q, a mwfUL ChÍ.IJlLII.
II~ ~ ~~, ali ~ vWwJ, ~
1lM1UU; ••• Cu, fok fY'-CL ek: 'e~, ~ um ~ ... ',
~w~,~~~ ... "
Uma das professoras contou-me sobre sua experiência em
trabalhar a questão da violência, através da criação de manchetes de
jornal, a partir da música "Meu Guri" (Chico Buarque), na sua turma de
quartasérie.
Segundo a professora um dos objetivos principais do debate seria
discutir sobre a questão da marginalidade como um meio de demarcar a
sua presença no mundo, uma forma de ser reconhecido, o que explicaria
192
a importância que muitas famílias se atribuem quando o nome de algum
parente sai no jornal.
Ao final da discussão, os alunos deveriam imaginar o que sairia
na manchete dos jornais, se o enredo da música fosse um fato real.
Algumas dessas manchetes chamaram-me a atenção devido as
extrapolações feitas pelos alunos, mostrando muito mais idéias
relacionadas às suas histórias de vida, do que propriamente às do autor.
- ~flM~~~~CMn,M~~f1WIM.~~
~. - ~ f71A,MI\. WJ.. J:)~ ~ Can:iab CMn, UA1U1 tala, ftQ, fIJ.JJXL f'Y" WJi.m.. um
- J:JUIli ~ WJ.. ~ CMn, (1 ~ fW'v ~ (1 ~.
- 8rk~ ~ ffl.MlM, f!.<J, (Eai!ro.dn,.
- 'Tfluu.M aJH.lMi.Kv:uk- f'Y" ~. -~~F~~~~~~~atL. - ~ ~ 'fia (E~ CMn, ~ b ~ 0Y!f»' - ~ ~ 'lU(], ~ ~ M-~ 'fia (E~. J& ~ M- cnH71f».
eJn, ~ (1 ~ rlAiA,. ~ ~ F ~ ~ ~ ~ viu ~ ~.
o trabalho despertou enonne interesse nas crianças, sendo que
algumas resolveram até mesmo ilustrar suas manchetes com desenhos.
Através das manchetes e dos desenhos pode-se ver refletida a
interferência da mídia. Duas crianças acrescentam título ao seu "jornal" :
"O Povo" e "O Povo na Rua", lembrando um dos jornais de maior
circulação na Baixada, cujas manchetes chamam atenção pela sua
diagramação extremamente chocante e violenta.
193
Segundo os professores a violência experimentada no cotidiano,
além de aparecer constantemente nas conversas, trabalhos e brincadeiras
que as crianças realizam na escola, permeia as suas atitudes, os seus
gestos, durante todo o tempo.
Dentre as desordens emocionais e comportamentais das crianças,
apontadas pelos educadores da ESCOLA LÍRIO, destaca-se a
agressividade das crianças, tanto nas relações intexpessoais, como nas
brincadeiras e mesmo em relação aos próprios materiais escolares. Ao
longo de toda a pesquisa, a queixa em relação à agressividade parece ser
o ponto de maior realce. Identificada muitas vezes como principal
sinônimo de violência, esta agressividade é colocada sempre como uma
das maiores dificuldades do trabalho do professor.
11,4 ~ ~ ~ Q, f"'1' CIJJJNJ, da ~
ckk. :J~ lwLa, fX1M fM'L ~ ~. & ~ fl.M ~. :Jun. di.a- F ~ ~ a. piM- ck ~ ~II.
Uma outra experiência de vida, demonstrada frequentemente na
194
escola é o medo, elemento intimamente ligado à discussão da violência.
Como já foi comentado, na Baixada Fluminense, o medo ronda
as pessoas: o povo tem medo da polícia, medo dos assaltantes, medo dos
crimes organizados, medo de denunciar, medo da impunidade, medo da
violência, enfim.
Em vários trechos das entrevistas, o medo mostra-se evidenciado,
independente de que eu o tenha colocado em questão.
Os alunos contam várias situações perpassadas pelo medo, sejam
elas vividas na comunidade, sejam na escola. Os profissionais da
educação têm medo da comunidade e até mesmo dos alunos. Os
moradores da comunidade, por sua vez, demonstram suas inseguranças
e seus medos, principalmente dos "bandidos", expressando-se por
meias-palavras, interceptando frases, omitindo dados. Um dos grandes
temores dos pais é das crianças se envolverem com o tóxico.
Na escola, entranhado nas relações, o medo vem de mãos dadas
com a violência. As crianças pequenas têm medo dos colegas maiores,
porque batem neles. Falam principalmente do medo da inspetora, mas
também dos professores e dos pais.
"eu ~ ~ dn, ~ ~ .la ~ +fI;, ~ ... "
195
~ ... "
II~~ ~ fim ~ dn,~, dA, ~ ~,
~ dm.,~ ... "
II~ l1 ~ fo1 ~ ~ fl.{L ~, IAm ~ dA,
~ w\, CiJI:I:L t ~II.
Para alguns professores o medo que os alunos possam ter deles, é
colocado pelos próprios pais. Muitos confinnam que as crianças vivem
um clima de medo entre si, devido a ameaças de um com o outro.
"iá ~~, ~ e.m ~' ~ 1fMik. lf11lJi4 ~ ~ M
~,~~~~~~II.
Por outro lado, fato de significado especial é a percepção por
parte das crianças do medo que os professores sentem deles, como relata
este menino.
Mas nenhum dos alunos entrevistados acredita que seus colegas
sejam capazes de agir com violência contra os professores.
196
Independente dessas afumações, os profissionais da educação
continuam expressando seu temor de que os alunos ou mesmo seus pais
tomem atitudes de represálias contra eles.
"r~ ~ eu liKJw, muik. fTWk.. ,4 ~ ~ fUl,
~, trJw, ~ fJ/VL um U ~ f'1'VL ~ ~; M ~
~~ ••• ~~~~~CL~.&CL
~flM~~at.~~~~, ~~iam ~ fM pai ~ eM, taw:lik, ~ iJL f?1A ali fUL ~... eu f7lW7U1 f {ui OP\~ ~ fW'v ~ ~, ~ fflA, diN:A, ~ iJ:L fflA,
~ fá. fUL ~, ~ ,~, dmxt 1iM.... ~ ~ W\. dm, ~ ~
lfTWk. ~ CL ~ lun, é. rk Wt ~ f?1A ~ ~ fUL 1wVL."
o medo maior, portanto, demonstrado pelos educadores refere-se
às violências que ocorrem nas comunidades e principalmente aos
possíveis complicadores decorrentes do conhecimento dessas situações.
197
1119 ~ qJá. ~ WJ, ~~. ~ 0ljUl fUl, w..,fu ~
~ f1UJi6.\ F eu ~ Q, ~ dn, ~ F iun. fIA ~.
eMM- ~ (J.M. ~, um CCIILM- ~ ~ ~ foi ~, .Jaoo ah, ~ ~ c/w. a, c/w.. ~ ~ F lWta twll1
~ ah, F WL ~, F pnwa ~ ... e. a, r;wk w-Jv.t fXU'l1 a, w.Ja, CM1L ~... ~ ali ~ catII\ô., ~! ~
~ . .Bt ~ UM! ~, iun. ~ ~ ~ CLJIlM. t t~ ~~. ~í~FCM7\,~ck~~. e~ .. '"
Em contrapartida, para alguns professores, o medo que podem
sentir dos alunos vai sendo superado à medida em que passam a se
relacionar melhor com eles.
"eu Iim, um ~ ~ ~ dn, ;jUn~(B tm. kr ck
~, ali ~ à ~ F ~ cJwru ~, ~ fWA7U1 f1WU#U1
F' nM ~ ~ fIA ~ ck cuk" eu ~ um wk fm.tJYi, a, ~.
~í fW'" ~ fIWMM., fM • ck MIik ~ ~. ~ ~ ~ F' dm.v um ~ CM7\, ~, ~ ~ •
.B~, CM7\, ~ ~, ~ F w.~ 5- ~ m rliF, ~ ck ~ WJ, ~ a, mim, ffl.aA. fi.&. à w.Ja, CMM um· ~.
~Ii twll1 lWj fU' eu lMw.u ~ fX1M' a, ~, ~ fJm: 'rtM, ~ ~ eu ~ ~ a, tw.... 19 wk. fi.&. tJa (1 mM WJ,
, mim.
Duas situações assumiram relevância durante a pesquisa em
relação ao .medo que os professores demonstram ter dos alunos, ou mais
198
ainda, como o medo circula as diversas relações.
N o dia seguinte a uma intervenção em uma briga entre alunos na
sala de aula, tendo inclusive que envolver a coordenação, não escapando
ninguém dos chutes e descompensando a todos, uma criança leva um
revólver para a sala, o qual era escondido e mostrado para a professora.
Sentindo-se tenivelmente ameaçada e insegura, imaginando que o
revólver pudesse ser de verdade, a professora recorreu de novo à
coordenação.
O revólver era de brinquedo, a criança foi punida e afastou-se da
escola.
Na outra situação, logo ao entrar na sala, a professora deparou-se
com um grupo de alunos dizendo que um colega havia levado o maior
"bicão". O menino, cheio de marcas no corpo e com hematoma no rosto,
explicou que o pai o havia chutado, porque foi levar a cachorra pra
passear e o animal fugiu, pegando uma pessoa. A professora prossegue:
"Aí Ui, fnk: 'rTlm:. ~ f'Y'" ~ ~?' ~ Ui, fk, . J 'I",P",,,,,....,· 'n. I L , I J. . a.66/A71., M ~ fUL ~ fWU1 r"""'lA.IJ'{fV. ~ 11!(" ~ ... a, W1 vaL, fUL
~ ~ ~ pai--' Aí QU foLi: '1Tb~, QU. ~ ~ ~'
f!MifN1~~' eu~~.~~~ flIJIJiIm ~~. eu fl&. ~ ~ ~ pai- ckL, na, ~.'
ttt dAi ~ um ~ ptJNL ~ ~ 'WmM, ~ ~ a,~ ~pai- ~ ai na,~~ ~ cru QU ~ mm i6M-. (JJ~ ali ~ QU ~ ~ •••
Va.fflM ~ QJ:& ~ ~ tm CIJM, ~. ~ aJ:IJi.m: '~ ~ vai I.t ~ na, ~ ... ' & ~ pai-~ ~
~, eM7\, F r:JJJLa ~ W«. ~? A crk· fim- CMfl, ~ ck ~ ~fl" ~ ... ~ vai ~ a, ~ Oijui na, ~? .. II
199
o grau de ameaça que extrapola as situações muitas vezes
diminui a possibilidade de uma simples intervenção pedagógica,
tenninando por comprometer a relação professor-aluno: veículo mais
importante no processo educativo.
Como se sente aquele que é uma ameaça para o outro? Quais as
possibilidades de uma relação pedagógica entre um professor e um aluno
que se sentem terrivelmente ameaçados um pelo outro? ..
Uma saída para o problema, exatamente ao contrário, parece já
ter sido apontada por alguns professores ao afumarem que o medo vai
sendo minimizado à medida que se aproximam mais dos alunos que
passam a conhecê-los mais de perto, demonstrando-lhes carinho e
confiança.
Se os trabalhos das crianças na escola expressam o seu cotidiano,
revelam consequentemente, entre os sentimentos mais presentes, os
medos que povoam seu imaginário.
Numa das atividades que realizei na primeira série com crianças
de 7 a 11 anos de idade, dentre os medos representados nos desenhos
apareceram como personagens: bruxa, trovão, animais (tigre, leão,
cachorro,jacaré ... ), fantasma, mula sem cabeça e outros que fazem parte
do mundo da fantasia infantil. Porém, um elemento novo marca este
trabalho: aparecem num quantitativo muito maior, diversas figuras de
pessoas armadas ou assassinadas, de sequestros e assaltos.
Importa ressaltar o acréscimo do elemento humano, que passa a
ser o personagem central dos medos infantis. Se em situações naturais de
vivência pacífica a presença do ser humano representa proteção para as
crianças, nesse momento passa a ser figura de ameaça.
É o medo do homem pelo homem, que leva a uma relação cada
200 B.BUOTECA
::UNDACÃO GETÚLIO VARGAI
vez mais distante e individualista, onde o homem não se reconhece mais
nos outros homens, não se reconhece a si mesmo. Um sentimento de
estranheza e constrangimento começa a circular, e como uma espécie de
contágio, vai atingindo cada vez mais e mais redes de pessoas.
Aceitando minha sugestão para desenvolver uma atividade sobre
o medo, uma professora realizou um questionário em sua turma de
terceira série, cujo resultado, em termos de maioria das opiniões, revela
que o medo vem principalmente da violência e não é visto como
covardia. Apesar de terem medo de morar em favela, principalmente
devido aos tiroteios, não têm medo de morar em Caxias. Além de
morrer, o maior medo é de serem assaltados. Segundo aquelas crianças,
o que dá medo à população é o tiroteio, o assalto que existe na rua e a
violência. Acreditam, por fim, que o bandido causa mais medo do que a
policia.
Para acabar com o medo, este grupo de alunos sugere: criar
coragem, acabar com a violência, ficar dentro de casa, prender os
bandidos, matar todos os bandidos, ter fé, ficar de bem com todo
mundo( ... ).
Muitos responderam que nada pode ser feito para se acabar com a
violência, sendo uma das justificativas: "porque o medo já tomou conta
do mundo e das pessoas. Nem mais a polícia dá jeito nos bandidos, na
violência e no medo."
Essas redações de cnanças de outra turma de terceira série,
expressam com clareza a relação do medo com a violência.
IIJ~ fflJ.l~ Im" ~ rk, f1WIMII,. ~ Im" ~ ~ nM fw,., muk· rk, f7WIIWI,. ~ QU !uk ~ rk, fflMWI,. A
201
~Q,~~. ()~Ft~nM~. ~~ ~ i ~ ~. JWl. r;wk. ~ ~ ali ~ rk ~, ~, r.JKIiJmtJl Imk. &. rrb m M. ~ wwk. rk ~ Q, rk ~. tP~ ~ !&. ~ ~ patv:L ~ ~. t~ wJn, ~
~ ~ UÚL fUL 'Wa..1I
"& ~ M ~ i Im,. ~ F ~ ~ fW7I, ~ ('MM- ~ oMa., i fw,Ja ~iJJ, i ~b~. (J mw, JJW4 ~ ~ ~(J.~~~~~. ~~tWf4~~
f1WlMm CMfI, (J. ~ rk ~ 0Wl- a. ~ 'f7IWiM f~ ~~.
bak~m~j)~~mdn, ~ M ~ rk. ~. ~cataoo. CMfI, M ~ ~ Q, de ...
3 í,m 1ffIllik twk."
Retirado do convite para o IH Encontro Permanente contra a
Violência - 1990, este trecho pode confumar a relação direta do medo
com a violência, a qual venho me referindo.
liA violência sist-emática acaba por instituir o
medo, que por sua vez, pela sujeição, alimenta e I
reforça a violência. E preciso discutir e ent-ender as
razões do medo e romper com esse círculo."
Na verdade, na questão do medo existe uma ambiguidade
importante de se pensar:
"Se é verdade que ele pode criar bloqueios e
impedir a ação, ele também tem um aspecto positivo:
passa a ser um poderoso agente de mudança,
podendo inclusive alterar uma situação política,
202
quando aliado a uma ação coletiva." (in Jornal VIDA, número 12, ano 1, p.9).
Durante as entrevistas desse trabalho, os meios de comunicação
foram apontados como um dos fatores preponderantes dentre os que
estariam contribuindo para alimentar o medo e as atitudes de violência.
Alguns teóricos confirmam esta visão do senso comum,
concebendo esses elementos do cotidiano como uma das principais
fontes responsáveis pela violência, devido ao seu estímulo à
agressividade.
Segundo Michaud (1989: 49) a mídia preClsa desses
acontecimentos por sustentar-se de sensacionalismo:
"O fat,o da viol~ncia se apresentar como uma
crise em relação ao estado normal cria, por princípio,
uma afinidade entre ela e a mídia. Como podemos constatar, num dia calmamente banal fica difícil fazer
um jornal ou um noticiário de TV para anunciar que
não aconteceu nada.(",) A viol8ncia, com a carga de
ruptura que ela veicula, é por princípio um alimento privilegiado para a mídia, com vantagem para as
viol~ncias espetaculares, sangrentas ou atrozes, sobre as viol~ncias comuns, banais e instaladas."
N o que se refere às cnanças, que conseqüências essas
experiências vividas no cotidiano teriam para sua vida futura? Estaria a
violência entranhada de tal forma, tomando-as necessariamente
violentas? Ao demonstrarem atitudes agressivas e violentas na escola,
estão apenas reproduzindo a violência que vivem fora da escola?
Parece haver consenso entre os estudiosos do assunto, de que o
203
contato direto e pennanente da criança com as múltiplas fonnas de
violência afetaria sobremaneira o seu equilíbrio emocional.
Entretanto, confonne sugere Assis (1990) essa relação não deve
ser mecânica - violência gera violento - nem inevitável, assim como não
significa que as conseqüências futuras sejam somente maléficas e
desagregadoras.
Além disso, convém estar alerta para "não se reproduzir certos
estereótipos vigentes em nossa sociedade, que fazem uma relação
imediata entre "pobre" e violência, como se marginalidade se referisse
diretamente à pobreza.
De modo geral, os relatos aqui apresentados reforçam o
pensamento de que a violência expressa na escola, se deve ao aro biente
violento em que vivem as crianças. Muitos professores alegam que a
agressividade dos alunos reflete principalmente o seu contexto familiar,
onde, segundo eles, os pais não tem consciência de como devem tratar
os filhos, devido ao seu meio imerso a tamanha precariedade de
condições.
N o capítulo anterior busquei traçar o quadro caracteristico das
comunidades, do município e da própria região onde esse estudo se
desenvolveu.
Ao chegar no ambiente escolar, observa-se o quanto aquela
violência que está lá fora repete-se no seu interior, o que se toma
elemento fundamental para o desvelamento dessa trama, uma vez que
aqui se entende a violência como multicausal e realizada numa cadeia de
fatos sociais violentos.
204
Diante desse grave contexto, constituído concretamente dessa
rede de violências, os educadores da ESCOLA LÍRIO demonstram uma
grande preocupação com o futuro das crianças, acreditando alguns, que
uma das maiores consequências do contato com esse mundo é a
identificação com o mito bandido-herói.
11,4~ ~~ a ~ ~ ~ lw1HiM ~ ~ ~: pmw.. 'lM ~. fW" ~ ~ ~ fIM
~ ... ~ W#!iHz.M Iim M ~ CMM ~. :falmm, Ij&
~ rJiAJJWl, ~ W\, ~. ViM.m ~. e a ~ mmM
f'JM ~. &k ~ a ~ i ~ ~ wJta W\, W\, ~, ~ fW1 ~ ~ i s. f1lIJiM,? ~fJJ1J2 ~ s. maWi, t W\, ~.
Jai~ ~ ~ fW'v W\, um ~ ... "
"& ~ i ~ fW1 ~. Urrw. twj. a pJwu ~ ~I'v um ~ ~. ~ ~ dwu, ~. J4í fU1 ptYk da w:Jn" ~ UK7U1 ffliU· ~ ~ Iidw. ~ ~ WJJft'v ~ 'l&. ~ ~, ~ Ma ~. tJnoo. ~ fYW1 fi~ ~ ~ ~ s. ~. :fiam fJvt ~ ~. ~ fIM &wu ... r& dá fW1 ~uukl'v ...
A~ ~ ~ ~ ~ ~M, ~M.m ~I'v pJwu, ~ ~ ~ do;" 1iM., ~~. t~ ~ ~I'v pJwu fM'l' ~, fW1 k.t um ~ ... "
o depoimento que me foi escrito por urna professora mostra
como essas crianças, desde pequenas, já vão compreendendo a vida de
modo diferente das outras que vivem em situações menos expostas à
violência:
205
IIC~ um, diIL CM7l- f7\AU6 alulflM, ~ fIt~ ciur-"- ~
~ i ~ ~ f'JM' ~ {It ~ aJiwv1 ~ CM7l- um ~ f7UliA ck ~, ~ ~ {It ~ da oidn..
:1st ~ ~ ~ f1I& ~ iwr (1~ ClKI.M na, ~ ~) ~ ~: '3i12, ~ ptJNL fj&' ~ m ~ f71iiik ~ fj& ~, CM7l- um ~ ~? & ~, &t, i !lQ/l, ~'.
~~~fj&uh~~~~~fXWL {It ~ f71iiik wk., ~ ~ ,L" I&. ~, ~ ~ {It win..
~ ~ ffW,~: 'f2Wb~, &t?'
Y& ~, + pw.Ji fj& ~ ~ ~ 1frIUik tun, ~ oidn. fIM i ~ ~ ~ I.~ ~ ~ +-1frIUik f7UliA ~. Vik i lu. U#M, ~ ~ ook ~ ~ F' f1M CANJ:L. lJ~ uh diIL, fi&. vi 'IrlIJib ~ !.,w,l. CIYfI1, ~ ,L, + ~ ~ w:k fIM ~ ~ oiM paw- {It oob."
Aqui já não se sonha. Já não se tem futuro. Só o aqui e agora.
Esse imediatismo e descrença vai tornando a vida provisória, já que viver
ou morrer se resume numa questão de sorte. Já não há nada a perder:
"Que vida, tia'?" ...
Como não ser violento quando se tem violentada a própria
vida? .. Aqueles que escapam são, na realidade, acidentes da vida.
Existe espaço na escola para o resgate de pelo menos um certo
sentido para essas vidas? ..
206
5. LIMITES E POSSIBILIDADES DA ESCOLA
EM LIDAR COM A VIOLÊNCIA
A opinião desse pai, expressa no depoimento acima, representa a
visão de uma geração que experimentou bem de perto, quem sabe na
própria pele, uma violência tão explícita, mas naquela época talvez nem
reconhecida como tal.
Quem já não ouviu falar desses tipos de violências fisicas e de
outras, mais sutis, num tempo em que "a escola é vivida como um lugar
trancado, que impõe aos corpos urna ordem unifotme, hierarquizada, à
qual não há meios de fugir: regras, controles, punições, dominação, são
meios habituais de disciplina ... "? (Colombier, 1989 : 18)
Olhando para a escola de hoje, apesar de modernizada na sua
estrutura fisica e mesmo predisposta a adotar pedagogias mais
avançadas, pode-se perceber que a violência petmanece entranhada nas
suas práticas, expressando-se através do seu rigor institucional: continua,
através dos tempos, utilizando-se de atitudes autoritárias, repressoras,
para reverter comportamentos dos alunos, por sua vez considerados
agressivos, rebeldes, desobedientes, violentos ...
Evidentemente novas formas de violência vão aparecendo nos
colégios, à medida que as relações sociais se alteram e que a violência
toma outras proporções na sociedade. Se antigamente as pessoas se
207
surpreendiam diante dos roubos nas residências, hoje se deparam com
assassinatos, após os quais os corpos chegam a ser esquartejados. Se
antigamente nas escolas, a preferência das crianças era brincar de "polícia
e ladrão", aproveitando aquele espaço para liberar sua agressividade
natural, para viver suas fantasias e exercitar sua imaginação, hoje, as
brincadeiras vão desde a imitação de personagens de lutas marciais
conhecidos pela TV e pelo cinema, até a expressão da própria violência
experimentada no seu cotidiano, como no caso das novas brincadeiras
chamadas "extermínio", "arrastão" etc.
Especialmente em regiões como a Baixada Fluminense onde as
formas mais cruéis de violência fazem parte do dia a dia das crianças, a
escola convive com uma nova realidade, inexistente há alguns anos atrás.
Se é novo o contexto social e se tem uma clientela com outras
vivências, que revelam a violência de maneira mais crua, que postura tem
tomado a escola? Quais seriam os seus limites ao se defrontar com essa
realidade diferente? Existe, minimamente, alguma possibilidade de
interferência de sua parte enquanto instituição de caráter formador e
transformador, para diminuir a violência?
Ao longo de todo esse trabalho, pode-se perceber que as
possibilidades da escola em lidar de fonna significativa com algumas
questões sociais, dentre as quais a violência é uma delas, se tomam
impraticáveis, muitas vezes devido às suas infinitas limitações, desde a
falta de recursos e até mesmo a dificuldade em assumir-se como um dos
agentes da violência. As tantas violências que a escola sofre parecem
tomá-la cega às que pratica, impedindo-a de vislumbrar caminhos que
pudessem combater tanto uma prática quanto outra.
A insistente negação da realidade dos alunos e o não conseguir
208
trabalhar dentro desse contexto, por desconhecimento, por medo, por
despreparo técnico, ou por qualquer outra justificativa, parecem ser os
principais obstáculos apontados nos depoimentos.
Na ESCOLA LÍRIO, a discussão com os alunos sobre esse terna
é tirnida e limitada pelo receio de que venha a colocá-lo em maior
evidência, além da dificuldade ~u medo de aprofundá-lo. Embora
considerado preocupante, este assunto só é abordado de forma
assistemática.
II t-u ~ ~ CMUWI6ll/I, CM7J., mwA ~ yJ~. a
ooJ.MlIir.L. ~ ~ pnwrk, lWUL lWj ~ w-~ ~ ~ iIL.fn.M ~
wm ~ QNJ, da ~ q. ~ l.urJw. uW:k. à wmlW. J~
OMIvkda.... ~ QU cuh- ~ C1Jf1i i um ~ fM ~. da ~ ~ ~ fim, ~ QU ~ 'f!.Wl, ~ ~ ~. b~ ~ rJYnin/w7l, ~. ~ QU ~', f7WA ~ lYr ~
~."
Segundo os próprios profissionais essa questão apenas é tratada
entre eles, em ocasiões em que o assunto surge espontaneamente ou
diante de determinada situação, raramente de forma planejada.
"m, ~ ~ a dwuM&-~ a ~ ooi Qm ciJma ck,
~, ck, ~. (JJ~ Ij& fIÍM. ~ fmt uma, ~ f7l/JJM
~ Ollr C/JLIIJIJb. A ~ f.iAA ~ M-~ ~ ~
M6Q,~fWA1t,~~~~~~a ~~Iur.."
209
~ 8U ~ tn+ ~ ~~. rlM F dw.n1imM ~. oiJÚIJilL. f1Ulf. !lWJ, ~ ~ ~ rk foim'. da~. e~ ~ fW#7I, e~rk e~ ~ a, ~ ~ ~ ~ M
~-~t~~~-~F ~ fflllik ~. ~í ~ ~ oodn. um Q,
~~.II
o reconhecimento da dificuldade desses profissionais em se
reunirem fora do horário das aulas e a falta de tempo são parte das
limitações com que se defronta, não apenas para debater sobre a
violência, mas para propor qualquer inovação no seu calendário de
atividades.
A falta de apoio para encarar as possíveis consequências
imaginadas pelos professores caso assumissem outra posição, também
dificulta o enfrentamento da questão.
o que pode impedir ainda mais essa busca de alternativas, talvez
210
seja o isolamento em que os educadores se encontram: cada qual
permanece em sua sala de aula, convivendo com os mesmos conflitos do
companheiro da turma ao lado, sem oportunidade de socializá-los.
Outro limite significativo destacado permanentemente é a falta de
preparo dos professores para enfrentar as problemáticas que fazem parte
do cotidiano da escola pública. As causas dessa limitação ora recaem
sobre o desinteresse e descompromisso do professor, ora sobre a
precariedade do seu Curso de F ormação, o qual, segundo diversas
opiniões, tem se mostrado ineficaz no preparo para se trabalhar com
crianças das chamadas classes populares.
II~ ~ ~ v1á ~~, Q~ ~ ~, ~' àA ~ vai ~ ~ ~ é, 1f7lIJib fod, ~ ~ fflM!.M vai ~ lfTllM ~ ~ ~ ~o ~ i LWU1 ~
F' ~ ~ ~ ~ fmto e. !)W1, ~ fN1' cá Q,
IufiF LWU1 cuJa ~ pk ~ riA, ~ ~ ~ lKli ~. eMlU:. ~ ~ vtm ~, ~ ~ ~ (1 '1iJri rk.. iWl&.
~' ~ W\, rimuJ" ~ lMna ~, !)W1, f'1NL cá ~-. eU, acivJ- ~ é, dfd ~ CM1l- WJ:L CIIÜlJnÃ.fL, fflnA· ~ i ~Jo
(o .. ) eJá ~ ~ ~ !IQ, ~ fYJN.L ~'" WJ:L
r.lMkfu. "
Os limites da escola para lidar com a violência, como se vê, são
muitos e vão muito além dos apresentados aqui. Mas a escola tem
consciência de que precisa tomar alguma medida para impedir que a
situação atual se agrave. Ainda não sabe tratar da questão, mas por outro
lado, não quer permitir que a violência se propague.
Como que tateando no escuro, tem buscado o caminho que
211
melhor lhe parece, ora repetindo atitudes da escola tradicional,
expulsando os alunos que não consegue controlar, ora tentando adotar
práticas inovadoras, a exemplo da professora que decidiu alfabetizar a
partir das iniciais CV - do Comando Vennelho - uma vez que esta sigla
era escrita a todo tempo no caderno pelos alunos. (Conforme reportagem
do Jornal O Globo, 12/07/92 p.20)
A problemática da violência na escola vem se agravando, à
medida que se agrava na sociedade. Entretanto, geralmente têm-se
recorrido a estratégias de controle, deixando de se fazer uma análise de
suas causas, reproduzindo o mesmo tratamento que lhe é dado lá fora.
Se entendida em rede, a violência nunca pode ser vista como abstrata,
mas contextualizada a partir do reconhecimento de suas raízes.
Assim como a sociedade pede o exército na rua para controlar,
porque muitos pensam em resolver o problema com medidas de
segurança, chegando até mesmo a sugerirem a pena-de-morte, a escola
também, em determinadas situações se vê sem opção e trata da questão
não pedagogicamente, mas sim de forma policialesca.
O momento se reproduz com tanta gravidade na escola que se faz
necessário às vezes adotar medidas até mesmo vistas como incoerentes
com o seu papel educativo. Parece que em determinados momentos,
para não perder o controle da situação, precisa usar de uma forte
repressão, mesmo que contrária a seus princípios.
Algumas experiências me vem sendo relatadas por professores e
diretores de outras escolas e mesmo expressas ultimamente nos jornais
demonstrando a fragilidade dessa instituição em lidar com a violência,
como o exemplo de uma escola, na Zona da Leopoldina - Rio de Janeiro
- que "organiza suas turmas levando em conta a região onde moram os
212
alunos. Só assun consegue evitar que conflitos entre grupos rivais
transformem as salas de aula em praças de guerra." ( O Globo - Grande
Rio - 12/07/92 p.20)
A diretora de uma escola pública de Duque de Caxias somente
conseguiu amenizar a venda de tóxico no portão do colégio e também
dentro da escola, procurando uma pessoa da comunidade envolvida com
o próprio esquema do tráfico de drogas, para pedir uma sugestão de
como deveria agir.
Segundo esta diretora a melhor maneira que a escola tem para
lidar com estas questões é aliar-se à comunidade, independente de quem
quer que dela faça parte.
Nesta mesma escola, todas as atividades são abertas à
comunidade não fazendo restrições a grupos, nem a pessoas. Numa das
festas realizadas, da qual tive oportunidade de participar, fui apresentada,
pela direção, a um "bandido" considerado "matador" da área, que lá era
tratado como qualquer outro cidadão. Esta pessoa partilhava do mesmo
espaço, sem nenhuma discriminação ou constrangimento, uma vez que a
saída encontrada pela escola para conciliar não só problemas como o da
violência, foi a integração com a comunidade.
Desafiada em seus conhecimentos e na sua competência, cada
escola ou mesmo cada um dos seus profissionais, embora diante de um
problema comum, vai buscando suas soluções de forma solitária, o que,
na realidade, só vem afastando-a mais do encontro de táticas adequadas
à natureza do tema em questão.
Para grande parte dos alunos do colégio onde se desenvolveu essa
pesquisa, a escola pode fazer muitas coisas para diminuir a violência.
213
IlfEJm.. ~ ~ ~ pmm ~, f1~' Jub,1, ~
fi&. ~ wut, ~ ... "
IlaBa/\, ~, WIJÍAIIJIJ, M ~ ~ (L fi&. ~ II
CMr\, M m.tf1M.M-•••
IlffJ~ ~ u,m rwJM fo'k, fi&. ~ ~ .-1&,
~~~,~~ ... "
IIq ""'A""",,.,_l,,,. II rI 0ifA U,.IIff rlA~ ...
Os pais acrescentam algumas sugestões: orientar, dar conselhos
para irem direto para a casa, apesar de afirmarem com frequência que a
escola não pode interferir em nada para mudar a realidade lá fora.
"A~Ffmt~~. A ~dJ:L~í~. ~ ~ í (L ~ ~ Iun, ~ GIJi"-. J4 wk fi&. ~ ~ ~. ~~ ~ fi&. ~m mm e-~ ~, ~ diN1 ~."
Embora reconhecendo ser praticamente impossível reverter o
quadro em que a escola se encontra, alguns professores ainda se
mostram otimistas, acreditando que alguma coisa pode ser feita, apesar
de todos as dificuldades.
214
"eu' ~ ~ (1 ~ ~ ~ rk ~, !lQ, WiM !lQ,
~,ptJNL umw. ~ ~ck."
liA ~ ~ fmF um IM1dk, ~ (1 ~ rk lá ~ CMM- í P t ... dnr" umfJ, ~ ~ ~ p ~ CMn ~ ~ ~ ~ CM1l. ~ ~"fI,."
Embora apresentando sugestões como estas, a maior parte dos
professores continua reafirmando que seria muito difícil concretizá-las.
"fiM é, ~' ~ ~ 'l& Cf1Wv:L ~ ~, ~ rfu ~ 01jUi fU1 ~. e ~ ~ ~ ~ f1.W1, CMM- fmF ... "
Alguns consideram que a resolução deste problema extrapola as
condições nas quais a escola se encontra.
215
No entanto, mesmo com idéias vagas sobre o que poderiam
fazer, e mesmo conscientes das barreiras que possivelmente
encontrariam, muitos destes profissionais se mostram dispostos a
buscarem soluções, como no caso de um grupo de professores que
chegou ao colégio em março de 1992.
Uma professora desse grupo afinna que apesar de se sentirem
péssimas, estão pensando em fazer alguma coisa. Sua idéia de trabalhar o
coletivo é uma das pistas que apontam para uma saída, não totalmente
impossível de ser explorada pela escola, e de fundamental importância
nesse processo de construção de uma pedagogia anti-violência.
"t(k ~ ~ ~ uma ~ rk 1~' f'1M ~ Qõ, ~ ~ ~ ~ ám, ~ Qõ,~. ~ V&l
~, 1R, ~ ~, pk mmM 1uJd. t4wa ~~ qm,
~ Qll6Q, ~ rk ~, mw:lm. ali fflAM'M. Qõ, ~.
ffJMlMi QA"fl, ~ uma FmIfL 00 ~ CMn ~, qm, CMfJJIJ'.f11" f'Y'v ai,
cad.a um ~ uma ~, ~" ... fM' ~ ~ a /mr"" um
ilrdMdJJfnlM ~ ~, f&"'L ~ ~71 a ~A F a ~ Q,
~" ~ ~ {iaut, ~ !wJ, ~ ~ ~ ~ ~."
Essa outra fala revela também a importância do diálogo, da
conversa, seja para favorecer ou socialjzar a troca de experiência entre os
educadores, seja para comprometer os educandos no processo de
ensino- aprendizagem.
"'fIM lwtM 0YfI).#.~ fXlNL tw. IJ. ~ VQ.f7IM ~, ~ Miá ~ difúil. ~'fW" m+, eu, eJm.m ~ uma ~ e,
UIffl, dml(J, um ClW.J..I.~ Mo ~. Aí eu, ~ ~ ~ a cuk., clv:ww.t.
216
a, ak •... m ali fflA, alwvwi ... e~ já ~ ~ ~, ~ ~ ~ ... ~ ~ m dJL ~ fi1NL fflA, ~ • .f)~ ~.
A~ ~ QWl, ~, ~ ~ ~ clJakada., ~, ~ m
Ww, ~ ~ M ~, ~ uma, aJn, fOM' ~, fik ~, ~, ~ ... ~ fmF um ~ ~ CMfl, ~, fi ~ fIM ui&. ~ ~. At clAimi-M ~ ... Q, F fi1NL ~. ~ vJki ~ ~ ~ iam ~ . .f)t ~ ~ ~ ttm~. A~ m n&. ~ CMM- uai ~."
Estas professoras recém-chegadas se dizem assustadas e
chocadas com o comportamento dos alunos. Porém, para a maioria dos
profissionais da escola, as crianças agora estão muito melhores, devido
ao trabalho que foi feito, objetivando diminuir o problema da
agressividade delas.
11f2~ m vim fY1í.L cá ai; ~ W1m ~l1IIlt~, ~~.
5- ~, M alutn,M M.am tem. ,J,Jck. ~ Ivi ~ aHlM. alr.& . .f)t ti fW2 cá qu. ~ <f1R' 5-~ ~ ~ tun, ai; clliJJJrlf.,&,
~ 0W1 ~ fok um ~ pk, ~ CM11, ai; rJIiJJAupb, ali em ~ rk ~ ckk ckJ.~ dJL w:.Ja, ~. da w:Ja, fU1
~ ... 17M ~ iJ..M. cu: km. eu ~ ~ bt· Q,ffl, dia ai; ~ rk ~ ~ ~ ffli1 04!fh ~ ~ ai; ~.II
"rk ~ Q/IlL um caM. A~ ~ n&. ~,
~, ~ ~, WJ.m ~, ~ .•.
~ ~ ~ uma, CIJÚm dA, ~ Mo ~ dJL f1LQM, f'1M'
~,~~fM'~' A ~ foi ~ i&-, ~ !IW\, ~W'". A ~ iI:L
aM~,~~~,mM~~ Olfd W1 ~ ~. mdM ~ fw:wv ~, ~
217
Segundo os professores alguns alunos mudaram totalmente seu
comportamento, dando-lhes esperança de que outros também poderão
se modificar.
II~F Mo eJttJ nM ~ ~ ~, Cf1R' F ~ (1 ~ ~ ~, f7Ull; ~ ~. ~ q,m dia Q, UA1U1
ClJilJKIJf2 ~ !IQ, iK~ c» ~, ~ nM ~ WJa
~.
tu, ~ ~ ~, ~ /;w. alunl& ~ ~. F' QN1 ck.1ipe. ~ rk f?JA t· ~. ffJ~ (1 ~, eKfooa 'M
~ ... e~. ~ ali •. ai ~. tJiL ~~ ... tu. w,
~ ('M7l. ~ aL.M-, ~ c/n1: f1&. !IQ, ~1Vli~ ~ w:vJa. e ~ 'fl'l' m dur: 00A7tM ~ ~ ~, 00A7lM ar.t~
'M- F' ~ fmr~·"
"A ~ fi ~oo ~. tu ~ ~ ~"" um alu'M-. t& QN1 um afwí6- F' +tWf~ ooâ 'fIM ~ Jw,JA ~. t~. ~ ~, ~ rft tM Jlw,.,.. ~. Wl. dia MU alu"'t.ô-, ~~ dJb
~ ~., F CMW.'f'Il' ~ ~ Cl1IU/rJtIJ pJa w:sJa" ~ a.mM. t~ ~ ~ ~ CM7J, ~. rrb w Q,
~ CM7], ~. [1 cdAi ~ CMM ~. JJQ, UA1U1 ~ ~ ~
~ 0ifW1' lMn, UA1U1 ~ 00&- rk, ~.'I
Este trabalho de "recuperação" dos alunos, envolve
principalmente, de acordo com o pensamento de muitos entrevistados,
uma conscientização da importância da escola - lugar que lhes dará
218
oportunidade de mudar de vida.
",4 c;wk ~ ~ f"J2 ~ ~ fi&. ~ ~ ~ fmb rb ooln.. e ~, ~ ~ ~, ~ ~ f'JNL ~ ~. ftu&.11
A diretora garante, com toda a certeza, que a escola pode realizar
um trabalho para diminuir a violência, a começar pela tentativa de se
trazer a criança para a escola, mostrando-lhe os caminhos que são bons
para ela.
",4 .. ~ ~ vVLtm paM (1 ~, Cl. ~ fmml I(ta 'lUCL,
~~~~.~~~.,~, I)W\, a ~ ~~ F 4'1& ~. ~. ~ ..• a/ ek ~ fflw:ln,,~, ~ w,m ~ ~ ~.II
Nesse momento ainda me vejo com uma certa ansiedade em
querer criticar alguns desses relatos, especialmente no que se refere ao
tipo de educação apontada como solucionadora do problema. De
qualquer forma, não se pode negar que, embora sem ter muita
consciência do porquê ou para quê, fazer e como fazer, a escola vem
tentando fazer alguma coisa. E essas conquistas, ainda que pequenas,
podem ser consideradas avanços, diante das tantas limitações que
enfrenta.
A Festa da Primavera, descrita a seguir, apresenta-se como uma
219
iniciativa da maior importância, para se entender o esforço que a escola
vem fazendo e o quanto ainda é valorizada pela comunidade, mostrando
se como um sinal de esperança e de compromisso.
O dia 4 de Outubro (do ano de 1991) foi escolhido para a
comemoração da Primavera, por ser o dia de São Francisco de Assis, não
somente pelo aspecto religioso, mas por sua ligação com a ecologia, uma
vez que se pretendia realizar um trabalho sobre o meio ambiente.
A festa foi organizada em conjunto, pelos professores sob a
coordenação da Orientadora Pedagógica.
Além dos objetivos inerentes à comemoração, aproveitou-se para
arrecadar algum dinheiro para compra de presentes para o Dia das
Crianças. Para tal, foram feitas rifas diversas (cestão de alimentos,
arranjos de flores, batom, perfume ... ) passadas durante a festividade.
Também foram organizadas barracas de doces e salgados, roupas e
sapatos usados e pescaria.
Esta iniciativa é reconhecida e valorizada por um dos profissionais
de apoio:
Foi solicitado aos alunos que trouxessem prendas. Porém,
segundo uma das professoras, os objetos trazidos se encontravam em
condições tão precárias, que esta tarefa ficou por conta das professoras,
as quais também já vinham trazendo doces e salgados para serem
vendidos diariamente entre elas, com a mesma intenção de arrecadar
220
dinheiro para os presentes das crianças.
Pela primeira vez conseguiram que a Associação de Moradores de
uma das comunidades emprestasse o som, sem o qual a festa certamente
teria ficado prejudicada.
A festa aconteceu no andar térreo do prédio, cujas paredes se
encontravam enfeitadas com flores de papel.
A comunidade foi convidada e desde cedo aguardava a
apresentação das crianças, percorrendo barracas e conversando.
A apresentação das crianças foi feita por turnla, às vezes em
conjunto com outra da mesma série. Cantavam e dançavam de acordo
com uma coreografia ensaiada previamente. Aparentemente a dança que
mais chamou a atenção de adultos e crianças foi a "Vamp", para a qual
as crianças estavam enfeitadas com roupas e adereços de papel crepon.
Conversei com as pessoas presentes, perguntando sua opinião
sobre a festa e questionando sobre a importância desse evento.
As crianças de modo geral, achavam a festa alegre, bonita,
animada, gostavam das danças, da pescaria e da presença dos pais.
Para os pais, esta atividade é muito importante, porque as crianças
aprendem mais, ficam sabendo das coisas, ficam animadas, se
incentivam, se alegram ...
Uma das mães dá um valor especial à comemoração de datas
como esta:
"e ~ ~ fOML a. ~ fi.&. ~ F' wiJk Qb
~, ck- dm. ~. ~ ... j)~ Ja vai ~ fU a ~
fnfa ~, WL fw.t... ~ ~ ~ ffWik., ~ Fi fodn.. Cu w ~ ~, mm ~. ~ ~ fJk da ~ Jwrt em C1JUL (l,
~a~ ... "
221
Além de considerarem que esta atividade estimula a
aprendizagem e atende aos interesses das crianças, os pais destacam
principalmente a oportunidade de participarem da vida escolar dos filhos:
"e difw1 tWJ, fXU' Q, ~ M w:J.a. ~Ii tm ~ a ~ F~. em~~~."
"CMfl, WJIL ~ ck fodn., OÃ mOO ~, ~ 00nn ~ OÃ
màM aJiM· ~ ~ fW" ~, fIM ~. ~ Iwu:u. ck au!n., ffl.(!b
fUJ, ~ ~1fT1,."
A fala seguinte de uma das mães demonstra tamanha consciência
coletiva, que chega a emocionar:
Toda a equipe técnico-pedagógico-administrativa, assim como os
professores regentes de tunna e alguns funcionários de apoio
participaram da festividade, demonstrando grande animação e interesse,
dançando com as crianças e tirando retratos.
Os profissionais da educação da ESCOLA LÍRIO entendem que
esta é uma oportunidade de sair da rotina do estudo.
"e fwm fON1 ~ a ~ ~ ~, ~ ~ ~,~1. •• '1
222
Um grupo bastante significativo dentre estes profissionais levanta
o aspecto da socialização das crianças e da própria comunidade, na
vivência de experiências corno esta.
/ / /I
CIWl~.
Dá-se ainda, importância relevante à integração entre os próprios
profissionais da escola.
Todavia, a valorização maior, percebida nas entrevistas trata-se da
integração da comunidade com a escola, resumida aqui nos seguintes
depoimentos:
223
~."
wJa.. 11
II~ ~ ~ a~. e~ a ~ a
~ f'JM' d.uJM. rb ~, ~ ~ ~ fodm., F ~ ~ fTlIJiA • .B~ ~ ~ f'JM' ~ CJY.M.b ~ ~ 00m ... "
o clima de alegria no momento da comemoração foi percebido e
comentado pela maioria dos entrevistados, mostrando a necessidade e a
importância de se trazer o lúdico para a escola, como sugere um dos pais
presentes:
Colocar o lúdico em permanente aliança com o pedagógico,
tomar o estudo sinômino de prazer, trazer a vida e alegria para o seu
espaço é o desafio que se apresenta para a escola.
Despertou-me bastante atenção o relato no qual a professora
declara que a festividade ajuda na relação afetiva entre os alunos,
inclusive amenizando sua agressividade. Se existe a indicação de que
"quase não tem mais brigas entre os alunos para separar", durante as
festas, quem sabe se uma das saídas não seria mantê-las e explorá-las
com maior frequência, inclusive para favorecer a aproximação com a
comunidade? .. Quem sabe não se está diante de uma das alternativas a
se contrapor à violência? ...
224
Ao me encaminhar para as reflexões finais, vejo mais de perto o
grau de complexidade desse tema. A própria trama tecida nesse estudo
mostra a pluralidade e ambivalência existente no fenômeno da violência,
indicando a impossibilidade de se reduzir sua análise a uma interpretação
única.
Dentro do espaço escolar a violência se manifesta sobre diversas
fonnas, mostrando-se associada a uma multiplicidade de causas externas
e mesmo internas. O cotidiano de violência vivido na comunidade é
trazido para a escola; esta, por sua vez, não se vê em condições para
enfrentar tantos complicados problemas. A negação da violência parece
ser a peça principal desse quebra-cabeça. Porém, para a construção de
pistas ou saídas que se contraponham à violência, há que se reconhecer e
considerar essa rede de elementos.
Ainda nesse momento final, continuo percebendo as limitações
desse trabalho para responder muitas questões que apareceram.
Acredito mesmo que algumas dessas lacunas só poderão ser preenchidas
à medida que for ampliando essa discussão com outros educadores.
E esse é o grande desafio que pennanece: construir em rede,
rede de idéias, rede de interesses, rede de encontros, o dificil e
apaixonante desvelamento da trama que envolve a violência na escola.
225
DO MEDO DO CAOS À BUSCA DO PRAZER DA
DESCOBERTA
Ao chegar a esse momento em que preciso, de certa forma, traçar
algumas considerações finais, sinto-me mais uma vez muito próxima dos
companheiros trabalhadores da educação da ESCOLA LÍRIO,
compartilhando das suas ansiedades, das suas dúvidas, dos seus medos,
da sua impossibilidade em apresentar uma saída de solução imediata
para o quadro caótico que observo ao concluir essa pesquisa.
Novamente me vejo, como no início, num vai e vem, sem ter
certeza da forma como poderia demonstrar as contradições e
questionamentos com os quais convivi durante esse tempo, assim como
as descobertas, ainda que provisórias, que me surgem nessa etapa final.
De certa maneira, revivo agora, o que experimentei ao longo
dessa caminhada: a linguagem nem sempre me parece suficiente para dar
conta da intensidade dos acontecimentos, pensamentos e sentimentos.
Mais uma vez prefiro retomar o entrelaçamento de sentimentos e
idéias, falando da dor e do prazer vividos ao longo dessa experiência,
contando do tanto de medo e conflito, até chegar à construção de um
novo entendimento: verdadeiro aprendizado metodológico.
Desde os primeiros contatos com a escola percebi que a minha
tarefa enquanto pesquisadora não era tão simples como havia imaginado.
Um mundo diferente me esperava, não só nas comunidades, mas dentro
da própria escola. Ler, ouvir falar, passar perto da violência, era uma
coisa. Entrar em contato direto com ela, conviver, fazer dela objeto de
227
estudo cotidiano, era por demais perturbador ...
Não foi nada fácil para mim dar de cara com as suas múltiplas
faces. Chego a afinnar que muitas vezes me senti verdadeiramente
violentada pela minha própria opção em trabalhar com esse problema.
Por diversas vezes pensei em abandonar tudo, por não conseguir
suportar estar presente naqueles espaços, pensando sobre aquela
realidade tão cruel, principalmente por não vislumbrar quase nenhuma
perspectiva de mudança.
Não raros foram os momentos em que não conseguia controlar o
choro, a surpresa, o medo, o assombro, ao deparar-me com a dureza das
situações. Certa vez me senti tão perdida que cheguei a errar o caminho
da minha própria casa, tamanha a angústia com que saí do colégio.
A princípio preocupei-me por demais em separar o meu lado
emocional, por considerar que sua interferência poderia ser prejudicial ao
trabalho, até que aos poucos fui assumindo a impossibilidade de
dissociar afetividade e razão.
Além dessa questão fui me dando conta de que muitos dos meus
pensamentos e conceitos precisavam ser relativizados. A leitura que fazia
daquele mundo necessitava ser revista em múltiplos aspectos.
Referências teóricas já tão asseguradas nem sempre correspondiam à
realidade.
Ultrapassados os momentos iniciais da tendência em colocar a
culpa maior na escola, da pretensão ingênua de querer dar conselhos e
sugerir coisas; já começando a perceber as contradições, os conflitos que
marcavam as relações, o choque de culturas que me levava a estranhar
tantos fatos, a não entender tantas falas, até mesmo "violentar" as
pessoas, que de certa forma se sentiam ameaçadas ou invadidas com
228
minhas perguntas, pude então iniciar a verdadeira aventura desveladora
da trama da violência na escola.
No entanto nada disso era tão simples como pudesse parecer.
Nessa busca do "prazer da criação" foi preciso enfrentar o "caos criador",
como denomina a educadora Madalena Freire. Para pensar e chegar a
essa construção final, um longo e dificil caminho cheio de retrocessos foi
percorrido, cujo percurso vem marcado pela frustração de ver derrubadas
idéias que me pareciam inquestionáveis, pela insegurança em me ver
diante do desconstruído, pela ansiedade de não saber por onde ir, e
principalmente pelo medo.
O medo não se fez presente nesse trabalho, apenas nas falas e nas
atitudes dos pesquisados. Esteve também freqüentemente comigo:
medo da desconstrução, medo do choque com o real, medo de não me
fazer entendida por aquelas pessoas de um "mundo" tão distante do
"meu", medo de chegar perto da realidade de vida daquelas pessoas,
medo da violência, enfim ...
Todos esses ingredientes foram necessários, entretanto, para
alimentar essa construção / reconstrução do saber, possibilitando ao
final, o desfrutar de um prazer, sentindo de maneira muito mais intensa,
por quem entrega seu corpo, pensamento e emoção. Prazer dos que
experimentaram o fascínio do momento da descoberta, por correrem o
risco de confrontar-se e expor-se de fonna inteira.
A leitura final desse estudo pode ter desenhado uma realidade
marcada por fatos e acontecimentos carregados de violência,
privilegiando os "sinais de morte", sem contraposição com as inúmeras
229
situações que na certa ocorreram, podendo ser consideradas como
"sinais de vida", seja na escola, seja nas comunidades, desde o esforço
dos profissionais da educação em trabalhar em condições tão dificeis, até
a organização e resistência das comunidades.
Se por um lado esse enquadramento da temática, ainda que de
forma não planejada, favoreceu uma visão mais unilateral da minha
parte, e até mesmo dos demais sujeitos da pesquisa, fazendo com que
me procurassem sempre para trazer apenas dados envolvendo a
violência, por outro lado parece ter sido exatamente este recorte que
permitiu uma compreensão mais "real" desse fenômeno.
Apesar de resultar numa dissertação que pode se mostrar pesada,
dura, cruel, talvez somente esse mergulho, esse cara a cara com a
violência, sem brilho, sem purpurina, tenha possibilitado enxergá-la da
forma que ela é. Talvez essa própria oportunidade de procurar
desmascará-la, de não poder negá-la, em muito tenha contribuído para
chegar ao pensamento básico que permeia toda essa trama.
o desenvolvimento e a conclusão desse trabalho apontam para
uma dimensão nova, não prevista inicialmente. Se antes me preocupava
em compreender a produção I reprodução da violência escolar, nos seus
aspectos fisicoe simbólico, ao final, uma outra categoria é colocada: a
negação da violência na escola.
N a verdade esse lado da trama começa a se delinear e ser
percebido por mim, quando a maioria dos entrevistados diz que não
existe violência na escola. Embora reconhecendo nesse momento final
que essa pergunta tão direta tenha demonstrado um pouco de
ingenuidade ou falta de experiência da minha parte, tendo interferido no
230
próprio desenrolar da pesquisa, a partir daí uma nova questão se abriu.
Necessário se fez então buscar os elementos que contribuíam para essa
negação, através de um novo caminho.
À medida em que esses componentes iam surgindo, ora dentro
ora fora do espaço escolar, ora através das contradições, ora através da
coerência dos depoimentos e observações, foi sendo possível ir
desatando os fios que se emaranhavam naquela rede.
1. Ao se colocar a violência em questão, num debate teórico,
além de se constatar que este fenômeno sempre existiu, em todas as
sociedades, ainda que expresso de diferentes maneiras, percebe-se um
enorme grau de subjetividade subjacente à sua compreensão,
envolvendo valores, experiências, cultura, enfim.
Esta subjetividade, por exemplo, faz com que algumas pessoas
afirmem que Duque de Caxias é uma cidade muito perigosa, enquanto
outras acreditam que não é tanto assim, ou mesmo que não seja uma
cidade violenta.
O resultado desse estudo revela uma grande diversidade de
opiniões a respeito da violência na escola. Um número bastante reduzido,
destacando-se os professores, admite que há violência naquele espaço,
expressa principalmente nas atitudes agressivas dos alunos. A maioria
dos participantes, no entanto, nega essa hipótese.
Verificou-se ainda, que uma mesma atitude considerada uma
grave forma de violência para um, não o era para outro, mostrando a
relatividade nos limites entre a violência "aberta" e " simbólica" .
2. Além da subjetividade inerente ao próprio termo, a
231
compreensão da violência geralmente é reduzida a seu aspecto fisico,
consequentemente relacionada à criminalidade, ao crime organizado, a
assassinatos, assaltos, estupros.
No capítulo IH pode-se notar o quanto a violência, com suas
multifaces, vem atingindo fisicamente aquelas comunidades e o próprio
município, onde moram os alunos. Violência para eles é sinônimo de
agressão fisica, é morte mesmo.
E se a violência é dessa maneira entendida, na escola não existe
violência. Ou o que existe é tão mínimo, que passa quase despercebido.
3. Talvez decorrente principalmente da afirmação acuna,
observa-se que vem se criando um tabu em tomo do próprio tema, que
passa a ter uma conotação negativa, tomando o assunto proibido,
ameaçador.
A própria palavra já assusta. As pessoas têm receIO de falar
porque necessariamente precisariam fazer referências a dados que
poderiam comprometê-las.
A escola também não quer se envolver com a realidade em que
vivem os alunos, tem medo das consequências possíveis de ocorrer ao
enfrentar essa discussão, já que não sabe aprofundá-la. Melhor então é
ficar calada, fingir que não vê e que não sabe de nada.
4. Além disso, a concepção ideológica que se tem da escola,
em especial parece contribuir, não só para que se negue a existência da
violência, mas até mesmo para justificar sua prática, tratando-se nesse
caso, de uma verdadeira legitimação da violência.
De acordo com ° imaginário social, a escola é um espaço sagrado,
232
preselVado, protegido, por ISSO mesmo mcapaz de praticar qualquer
fOlma de violência.
A escola é pensada pela sociedade e por ela própria como um
espaço sem crise, sem conflito, mantendo-se no plano do dever, da
ordem, da disciplina, consequentemente, da permissão do castigo e da
punição, em nome dessa mesma ordem.
A escola é habitualmente definida como espaço do método, do
modelo a seguir, lugar onde os "educadores" deverão passar o saber que
dominam e conigir aqueles que "nada sabem" e que precIsam ser
"educados" nos seus "maus-comportamentos".
N essa perspectiva, a escola coloca-se e é colocada como um
espaço isolado da sociedade, distante dos seus problemas,
desenvolvendo uma pedagogia que escamoteia o conflito, que impede
que as contradições apareçam, uma pedagogia que nega a realidade e que
prepara para um mundo que não existe, ou melhor, não prepara para o
que existe.
5. Todavia, o elemento que parece contribuir de forma
relevante para tornar a violência um ingrediente negado na escola, é a
naturalidade que vem se processando frente à violência.
Convivendo no dia a dia com tantas fotnlas de violência, já não se
estranha mais, passando-se até a achar notnlal, natural, que ocorram
determinadas situações, as quais poderiam ser consideradas "menos
graves".
O que é um grito da professora ou da inspetora, quando o pai
chega em casa alcoolizado, em altos brados? .. O que é um beliscão da
professora, quando o rato roeu um pedaço do dedo do irmão? .. O que é
233
ficar de castigo em pé, de costas para a parede, quando assiste gente
sendo morta pelas costas? .. O que é ficar sem recreio, sem merendar por
um dia, para quem está acostumado a ficar tantas vezes sem comer? ..
Qualquer tipo de castigo ou punição que a escola utilize não faz
diferença para quem já experimenta punições muito maiores, para quem
a própria vida já é um castigo.
Por outro lado, a escola também parece passar pelo mesmo
processo que toma a violência um fato natural, à medida em que vai se
acostumando com as diferentes formas de violência presentes no seu dia
a dia. Logo que chegam à escola, os professores se chocam com a
realidade, depois de algum tempo já não estranham mais.
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Se lá fora o contato permanente com a violência faz da morte um
fato natural, na escola, beliscões ou sacudidas do professor no aluno não
são mais considerados uma violência. Se antigamente o aluno usava
palavrões tão agressivos com a professora, chamá-la de bruxa hoje,
234
passa a ser "uma coisa nonnal".
Alguns professores têm se mostrado atentos para esse sentimento
de indiferença, que faz com que a violência se transfonne num
fenômeno banal, corriqueiro.
Dentre as conseqüências que possam interferir na fonnação dos
alunos, preocupam-se com a perda de sentido pela vida, que eles vêm
demonstrando. Não enxergam nada no futuro, não há projeto de vida.
Vida e morte parecem ter o mesmo valor, o mesmo significado. Além
disso preocupam-se com a sua identificação com o "bandido-herói", que
se tomam seus ídolos, à medida que lhes asseguram melhores condições
de vida, inclusive lhes dando proteção. Tomam-se mitos devido ao poder
que exercem na comunidade e até mesmo sobre a própria escola.
Reconhecendo que muitas faces da violência não explicitadas
aqui, poderiam parecer também uma negação da minha parte, quero
reforçar a observação no que se refere à minha opção em priorizar os
dados que foram apontados, devido à amplitude e complexidade que
envolve esta temática.
Em regiões como Duque de Caxias, ou na Baixada Fluminense,
onde as crianças estão crescendo no meio das violências mais brutais, é
impossível a escola continuar desconsiderando que está trabalhando com
um conteúdo de morte.
Essa dura realidade ameaça e faz com que se evite que ela apareça
como ingrediente a ser explorado. Fazer frente a essa cultura da
violência, descobrindo como lidar com ela, é um desafio para a escola,
fragilizada que se encontra diante da complexidade do contexto social.
235
Entretanto, além de pensar em projetos maiores que prevêem
inclusive mudanças nessa realidade, diante das situações factuais de
emergência, é preciso que a escola vá construindo saídas através de
pequenos projetos, utilizando-se talvez das próprias iniciativas e
conquistas já experimentadas.
Um ponto de partida poderia ser a definição de uma ação
pedagógica que inclua o reconhecimento dessa situação, buscando
entender a criança que está sendo construída / destruída nesse espaço. É
necessário, em princípio, conhecer essa pessoa que está crescendo no
"brejo", que tem um código de viver, de valores, de cultura, que se choca
às vezes com a instituição escolar, da mesma forma que esta diz chocar
se com suas atitudes. , E preciso saber o que o aluno quer dizer com suas atitudes
"violentas", é preciso ouvi-lo, buscar o significado do "seu mundo",
saber das suas expectativas e da sua falta de expectativas, diante da vida
e diante da morte.
A escola não pode colocar-se como mais uma interdição para os
filhos de uma classe já tão proibida de ser, mas, ao contrário, ajudá-los a
descobrirem-se, motivá-los, fazendo aflorar valores, tomando-se, quem
sabe, um espaço avesso aqueles onde são tão impedidos de sonhar e ser
feliz.
Incluir a vida como valor maior é um projeto filosófico da escola,
fio condutor das práticas cotidianas, que se pode concretizar através de
atividades (como a Festa da Primavera) que façam da escola uma
experiência de prazer, contribuindo assim para que as crianças se sintam
sujeitos e se sintam percebidos como gente.
Muitas pesquisas vêm comprovando que ao se envolverem com
236
gangues, o jovem está buscando um modelo de identificação, segurança,
amizade e afeto. Se a sociedade não lhe tem facilitado esse caminho, se
pelo contrário, só lhe tem reforçado a baixa-estima, caberia à escola
resgatar estes valores. Se é no grupo, no coletivo, que ainda se busca a
saída, a escola poderia se dispor a implementar cada vez mais práticas de
condutas solidárias, que favoreçam o despertar da importância do
encontro, da troca, da partilha, do afeto, explorando inclusive as
experiências coletivas, que, em geral, essas crianças já trazem de sua
vivência comunitária.
Talvez o desafio maior seja aceitar e respeitar essa criança com
seu modo de agir e de falar tão "diferente", que tanto agride as
instituições. Abrindo mão do mito do discurso competente, poderá
investir num projeto de educação que pretenda alimentar a auto-estima
dessas crianças, o que, necessariamente incluirá uma nova forma de
relacionamento, baseado na afetividade, pois "( ... ) só a partir de uma
relação afetiva forte pode ser possível cortar o bloqueio da fala e da
escuta, levando o aluno a desabrochar sua autoconfiança, estabelecendo
gradativamente o diálogo entre o grupo de alunos e o professor" . (Leite,
1987: 194).
Construir essa pedagogia do afeto, do carinho, radicalmente
oposta ao tratamento paternalista ou maternalista com o qual às vezes é
confundida, implica no transformar a escola num mundo em que o aluno
possa passar um tempo diferente, numa vivência de prazer, onde o
estudo não significa mais um limite, mais um obstáculo em sua vida, e
sim um desafio à sua criatividade e à sua capacidade de pensar.
Inventar essa nova pedagogia que admita e dê lugar à violência
para trabalhá-la, ao invés de negá-la, utilizando como referenciais as
237
próprias situações surgidas, analisando suas causas e implicações, é o
compromisso que se apresenta como continuidade para esse estudo -
tarefa tão dificil e tão instigante quanto a própria realização dessa
pesquisa, sonho somente possível de ser ousado ao perceber as marcas
das diferenças que surgiram, provocando em mim tantas necessárias
mudanças.
Na busca desse desvelamento, além da negação da violência,
aparece uma outra parte da trama. Se de início não se admitia a sua
presença, após um novo encaminhamento dado especialmente às
entrevistas, foram-se despontando outras opiniões reconhecendo que, na
verdade, a escola se mostrava ora como agente, ora como vítima da
violência, até o entendimento final, tanto por parte de alguns
participantes, quanto por mim mesma, de que essas duas ações se
processavam de maneira interligadas, numa perfeita interação dialética.
Segundo os profissionais da educação entrevistados, toda e
experiência vivida pelos alunos num cotidiano de violência, produzindo a
chamada cultura da violência, é levada para dentro da escola,
expressando-se através das conversas, dos trabalhos que realizam, nas
brincadeiras e principalmente nos seus gestos e atitudes por demais
agressivas.
Além disso a escola diz que sofre também inúmeras outras
violências, desde a depredação por parte da comunidade, à
desvalorização e descaso com seus profissionais, por parte do governo.
Embora reconhecendo-se em alguns casos como agente da
violência, na maioria das vezes a escola se coloca como vítima,
justificando suas práticas como forma de uma necessária reação às
238
agressões recebidas, ou para cumprir seu papel de "educadora".
Apesar de muitos dados indicarem os alunos como malores
vítimas da violência, raramente eles aparecem explicitamente nessa
condição. Ao contrário, são citados até por eles próprios e por seus pais,
exatamente como principais autores da violência: são eles que destroem
o prédio e os materiais, agridem os colegas e os professores, prejudicam
o bom andamento do trabalho devido ao seu desinteresse e despreparo ...
E aqui pode-se notar novamente mais um detalhe da trama que se
processa nessas relações, onde a própria vítima não se reconhece como
tal.
N a verdade, ao tratar dessa análise da escola enquanto agente ou
vítima da violência, em muitas ocasiões tinha a sensação de estar diante
de uma verdadeira teia, trançada de forma tão emaranhada, que se
tomava impossível reconhecer os limites dos pequenos fios, o que
mostrava sempre a necessidade de recorrer à teoria de interpretação em
rede para facilitar esse desvelamento.
As possibilidades da escola em lidar com a violência, no sentido
de minimamente poder contribuir para alterar esse quadro, parecem
tomar-se insignificantes diante das suas inúmeras limitações.
Diversos obstáculos foram apontados ao longo desse trabalho,
impedindo a concretização de propostas sugeridas até mesmo pelos
grupos envolvidos. Muitas vezes os profissionais da educação querem
fazer alguma coisa, mas não sabem o que, nem como. Sentem-se
despreparados e sem condições.
N esse sentido, a saída que muitos encontram, é fingir que não vê,
é não falar nada, é negar, tomando-se um grande personagem dessa
239
trama, embora sem consciência da sua cumplicidade.
Por outro lado, a escola acredita que muito já contribuiu para a
melhoria do comportamento das crianças, em comparação ao periodo
em que foi inaugurada, embora o que me pareça ser chamado de
melhoria seja um enquandre do aluno a determinadas normas.
Qual seria, afinal, a saída para o caos que se instala, produzido e . reproduzido por toda a complexidade do contexto em que a escola se
localiza? ..
Penso que a frustração que de certa forma me acompanha nesse
momento, por não poder apresentar uma resposta mais definitiva para
esse quadro caótico, é a mesma que deve experimentar o leitor, idêntica à
que atinge os profissionais da ESCOLA LÍRIO.
N a verdade, em contrapartida, um dos privilégios experimentados
nessa pesquisa foi perceber mais claramente esse inesgotável da
realidade, diante do qual nem sempre se consegue dar conta de explicar
todas as possibilidades.
Um dos aspectos de principal importância desse estudo parece
estar exatamente nessa aparente indefinição conclusiva, nesse deixar em
aberto, nesse entendimento de que a resposta para o problema da
violência, assim como para qualquer outro problema que exista na
escola, não pode vir de fora, como uma receita pronta de quem sabe para
quem não sabe, mas deve ser buscada no dia a dia, pensada e construída
pelas pessoas envolvidas diretamente.
As constatações e sugestões da pesquisadora podem ser usadas
apenas como referências, como colaboração para a reflexão. O grupo
envolvido é o lo cus da partilha das experiências pessoais e das diferentes
240
concepções. Construir o seu saber é uma dinâmica muito mais válida e
enriquecedora do que qualquer competência vinda de fora.
Da mesma forma como foi construído esse trabalho, com suas
idas e voltas, seu levantamento permanente de hipóteses, seu confronto
com as diferenças; da mesma forma como precisei ousar e arriscar
saídas, montando e desmontando idéias, num constante fazer e desfazer,
assim também precisaria ser o caminho que a escola assumisse para
encontrar o seu que-fazer educacional.
Não é que se faça dessa, uma simples experiência de ensaio e
erro, mas sim como a montagem de um quebra-cabeça, em que as peças
precisam se mexer, se rearrumar, para encontrarem seu melhor caminho.
A partir da "desordem" teórica é que a proposta pedagógica precisa ser
construída, trabalho que exige dedicação, competência, compromisso,
seriedade e paixão.
Não se pode esquecer ainda que o problema da violência, como
outro qualquer, é historicamente situado, contextualizado. O provisório
da realidade faz com que a cada instante surjam novos aspectos
imprevisíveis, deixando sempre em aberto aquilo que se pretendia
fechar. A cada momento o professor vai se encontrar diante de diferente
situação. Desvendada parte da violência, novas tramas se despontam. Da
vontade de continuar desenrolando esse novelo, de montar esse quebra
cabeça é que as respostas podem surgir, ainda que provisórias.
N o entanto, não se pode descartar a necessidade de um
compromisso ético político que na verdade venha respaldar uma
proposta filosófica que sustente toda a prática da escola. Construídos e
assumidos por toda a comunidade escolar, estes princípios se
constituirão no eixo principal de ação. Somente a partir da definição de
241
um projeto que contemple as duas dimensões: pessoal (que homem
novo e mulher nova se pretende formar?) e social (que sociedade se quer
construir?) - sujeitos singulares e plurais - é que se pode tomar-se
caminheiros de outros caminhos.
Decorrente dessa discussão tomar-se-á bastante visível e evidente
a real função social e política da escola e de seus profissionais. Definidos
os objetivos para a educação, educadores e educandos sabendo enfim o
que estão fazendo naquele lugar, muito mais fácil e consistente será a
abordagem sobre todos os problemas, inclusive a violência, uma vez que
esta não mais será entendida como um problema isolado, mas dentro de
um contexto, onde os diversos outros problemas se intercruzam.
Além do reconhecimento da impossibilidade de apresentar uma
solução mágica, esse trabalho vem confinnar o pensamento de que as
respostas somente poderão ser descobertas se buscadas num coletivo.
Toda essa dissertação é resultado de um entrelaçamento de muitas vidas,
verdadeiro desafio de construir coletivamente.
A busca de saídas para a questão da violência, seja a nível mais
amplo, seja a nível mais específico da escola, precisar ser assumida como
uma luta unificada, uma luta coletiva, entendendo que a luta contra a
violência não é diferente das outras lutas.
Ciente de que tem uma parcela de contribuição a oferecer, a
escola precisa integrar-se a outras instâncias, assumindo seu papel de
denunciadora do velho, e anunciadora do novo que transforma. O sonho
da mudança não pode deixar também de ser um sonho coletivo.
Por outro lado, é preciso que os profissionais da educação, além
de se fazerem parceiros de caminhada, incluam pais e alunos como
242
companheiros da construção de uma pedagogia que, desafiando a morte,
aponte para a conquista da esperança e da vida.
Morte e vida estiveram sempre presentes, desde o início desse
trabalho, ora se contrapondo, ora interagindo, expressando a contradição
que parece existir no próprio interior do fenômeno da violência.
Prazer e desprazer caminharam lado a lado, como se um
sustentasse o outro. A todo tempo instalou-se o impasse entre a
desesperança em relação a educação, o desamparo do educador, a falta
de perspectivas futuras, a descrença na vida, a proibição de ser feliz e a
resistência, a crença, o sonho, a esperança, o desejo de mudança.
Vida e morte marcaram toda essa caminhada, sempre num clima
dialético, como se a vida precisasse passar pelo caminho da morte, como
se a morte recebesse a função de servir à vida.
Se por um lado a violência mostrava-se como sinal de morte,
contraditoriamente parecia acenar com o sonho e o compromisso de
uma luta em favor da libertação e da vida.
A experiência dessa pesquisa remete para a reflexão de que não é
o contato com a morte que destrói, não é o mergulho no caos que mata,
como de costume se pensa. Ter compartilhado da dor não me fez
afundar junto, mas sim me permitiu produzir novos referenciais, pensar a
escola e o mundo de outra maneira.
Não se pode negar, não se pode achar natural, não se pode perder
a capacidade de estranhar. É preciso chegar perto, arriscar o sofrer,
romper com o modelo, experimentar do desprazer e da dor do parto,
para conhecer o novo que surge. É preciso ter certeza de que o medo do
caos, aos poucos vai se dissolvendo e dando lugar ao prazer de continuar
243
construindo e reconstruindo um saber novo, uma nova descoberta.
De uma perplexidade, de um susto, de um espanto, pode
acontecer o nascimento de uma nova forma de olhar e de sentir. Antes
do nascimento, densa expectativa; depois do nascimento, o
incomensurável prazer da criação.
Conviver com aqueles que resistem e lutam contra tudo e contra
todos para continuar vivendo, só me fez acreditar que existe um desejo
de vida, ainda que impensado ou oculto, presente quanto maior a
miséria: "da sujeira, esterco sadio, brota vida". Um desejo de vida que
ainda faz sonhar e buscar uma saída, ainda permite cantar e fazer festa, e
investir na educação e acreditar na escola.
A pedagogia a ser reinventada deve se constituir, portanto,
exatamente num agenciamento desse desejo de vida: a pedagogia da
resistência, a pedagogia da construção coletiva, a pedagogia do sonho, a
"pedagogia da esperança", como denomina Paulo Freire.
"N'" h I d I ao a mu ança
sonho sem esperança"
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