a trama da violllcia ia escola

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A TRAMA DA VIOlllCIA IA ESCOLA

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A TRAMA DA VIOlllCIA IA ESCOLA

A TBAIIA DA VIOLÊIGIA IA ESGOLA

Orientador:

eaJ&~b~

Dissertação submetida como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Educação.

Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas

Instituto de Estudos Avançados em Educação Departamento de Filosofia da Educação

1993

n

AGRADECIMENTOS

o momento do agradecimento vai demonstrar que esse trabalho só foi possível de ser realizado por ter sido construído coletivamente, envolvendo uma grande rede de pessoas e de afetos.

Embora muitos outros nomes precisassem ser aqui incluídos, em especial quero agradecer a alguns parceiros dessa caminhada.

A Carlos Minayo, meu orientador, pessoa tão diferente do que eu imaginava, pela profunda paciência com minhas dificuldades e pelo respeito com meu jeito de ser, de escrever e de pensar. E também pelo estímulo e segurança que me passou a todo tempo.

Aos professores do IESAE, destacando Marcos Arruda (pelo exemplo de vida), Silvério (pelo exemplo de humildade) e Nilda Teves (pelo exemplo de coragem).

À Ana Lúcia, Elias e Heloisa, funcionários atenciosos e prestativos, últimos resistentes à violência do fechamento do IESAE. ,

A cada um dos profissionais da educação da "ESCOLA LIRIO", pela atenção e disponibilidade em colaborar sem restrições, colocando-se junto comigo na busca de desvelamento dessa trama.

Aos alunos dessa escola, sinais de vida e de esperança, pela receptividade e pelo carinho que sempre me demonstraram.

Aos moradores, que me esclareceram dados fundamentais para o entendimento da relação das comunidades entre si e com a escola.

A Itamar, representando o grupo "anônimo" porque marginalizado, apesar de incluído nesse estudo entre os atores principais, pela ajuda na compreensão da rede de violência em Caxias, e também por ter me feito repensar muitos valores e conceitos.

Ao Ivano, grande companheiro, com quem pude partilhar tantos afetos e tantos saberes.

À Neline, amiga e educadora competente e apaixonada, pela grande paciência com que lia e relia meus textos, fazendo observações da maior validade.

Aos meus pais Aloisio e Elisete, por todo apoio e carinho, não apenas nesse momento, mas como foi em toda a vida.

Às minhas filhas Monica e Beatriz, pelo tempo que lhes roubei da

m

nossa relação, para dedicação mais exclusiva aos estudos, e pela compreensão com minhas tantas impaciências. ,

A Regina, mais que innã, uma das grandes vítimas da violência na escola por ter sido impedida, por interferências "políticas" na educação, de continuar um trabalho que trouxe vida à escola que dirigia. ,

A Creuza, por ouvir meus desabafos e pela dedicação às minhas filhas e à nossa casa, substituindo-me em tantas tarefas.

A tia Yolanda e Minayde, pelo incentivo com seus elogios. , A Sonia, Fátima, Ana e Antônio Carlos, pelo estímulo constante e

por continuarem amigos apesar da minha distância. À Luzia e a Ovídio, pessoas que me ajudaram a reescrever minha

história de vida. À Helena, parteira - amiga de tantas emoções, por me ajudar a

assumir o risco de me entregar por inteira nesse trabalho. A Cesar, expressão viva de solidariedade, companheirismo e

afeto, por se fazer presente, acalmando minhas ansiedades nesses momentos finais.

Aos companheiros do SEPE / Caxias, pela valorização a este trabalho e por terem respondido ao meu afastamento sem cobranças.

À Nayde, Pedro Quadros, Ir. Beatriz, Galba - mestres que marcaram pela competência aliada ao afeto.

Ao Luiz Alberto, com quem vivi as maiores experiências de vida e de morte.

À Lyana e a Marcus Vinícius, pelo paciente e criativo trabalho de datilografia.

À Denise e a Maria Célia, pela disponibilidade em colaborar na versão e na revisão.

Para finalizar, quero dedicar um agradecimento muito especial à Mary, com quem pude partilhar o sonho, o estudo, os conflitos, a angústia, o medo, o choro, o prazer e as descobertas, desde o início da gestação até o nascimento desse trabalho.

IV

RESUMO

Nesse trabalho se analisa o tratamento dado à violência no espaço escolar, bem como a relação entre a violência que se expressa dentro e fora daquele ambiente.

Parte-se de um estudo realizado numa escola pública da rede estadual de Duque de caxias - RJ, município onde elevados índices de criminalidade e violência são revelados pelos indicadores das pesquisas.

Tem como pressuposto uma compreensão da violência como uma rede na qual se entrelaçam diversos fatores que abrangem os campos da vida individual e social.

Dentro dessa concepção, a manifestação de violência na escola é vista como articulada às outras formas de violência existentes na sociedade, o que representa também colocar a escola ao mesmo tempo como agente e vítima da violência.

Se por um lado, a violência aparece como uma preocupação no cotidiano do trabalho pedagógico, por outro lado, a enorme complexidade desse problema e a assustadora realidade, em princípio, levam a uma negação da mesma, limitando as possibilidades de enfrentamento.

Verificou-se que , além do grau de subjetividade que envolve o próprio tcono, do tabu que se cria a seu redor, da redução da sua compreensão ao seu aspecto fisico e da concepção ideológica que se tem da instituição escolar, a naturalidade que vem se processando frente à violência é um dos principais elementos que contribuem para essa negação.

Perante um contexto tão grave, qualquer prática de violência por parte da escola passa a ser considerada normal, natural, o que vai concorrer conseqüentemente para a sua legitimação.

Diante dessa dura realidade que ameaça e faz com que se evite a sua constatação, tem-se como desafio a definição de uma proposta pedagógica que inclua o reconhecimento desse conteúdo, buscando entender a criança construída / destruída nesse espaço.

Contrapondo-se a essa convivência com a dor e com a morte, há resistências e expressões de luta pela vida, que deverão sustentar toda uma pedagogia a ser inventada, num processo coletivo, constituindo-se num agenciamento do desejo de prazer e de viver.

v

suMÁRIo

Capítulo Página

I. Tentando desvelar a trama da violência que envolve a escola. ..... 1

11. A violência em questão

1. Violência e sociedade ................................................................ 16 2.Diferenças conceituai.s ................................................................ 23 3 T · li ti' da' IA . 31 . e<>~ e}C)l CCl vas ~o en~ ............................................... .

111. A escola e seu conte}Úo

1. "Uma flor plantada no brejo"

1.1- O nome da escola............................................................... 55 1.2- O ambiente fisico ............... .................... ...... ............ .......... 57 1.3- Quatro momentos no processo de organização............... 59 1.4- Funcionamento da escola .................................................. 61 1.5- Quando o afetivo se distancia do pedagógico.................. 65

2. Um conte}Úo de vi<>lência

2.1- Condições de vida dos alunos ........................................... 73 2.2- Vivendo a violência dia a dia ............................................. 80 2.3- Violência da resistência / resistência à violência ................ 99

3. A relação escola-comunidade

VII

Página

3.1- Ouvindo os dois lados ....................................................... 109 3.2- Distanciamento / medo da realidade ................................. 117

IV. A trama da violência na escola

1. As diferentes percepções de violência na escola..................... 127 2. Naturalidade diante da violência............................................... 147 3 E 1 ' . da' I'" .? 1 S9 . sco a: ~ente 011 ~1llrrla ~o en~a ..................................... . 4. O cotidiano da violência e a escola ........................................... 189 S. Limites e possibilidades da escola em lidar com a violência .. 207

V. Do medo do caos à busca do prazer da descoberta ..................... 226

BIBLIOGRAFIA ................ ...................... ......... .................................... 24S

VIII

CAPÍTULO I

TENTANIX> DESVELAR A TRAMA DA VIOLÊNCIA QUE ENVOLVE A ESCOLA.

TENT ANDO DESVELAR A TRAMA DA VIOLÊNCIA QUE ENVOLVE A ESCOLA

Esse trabalho, como a própria temática já indica, se propõe a fazer

uma reflexão a respeito da questão da violência e o espaço escolar,

sobretudo onde são atendidas crianças das chamadas classes populares.

O interesse pelo tema surgiu inicialmente em função da minha

atuação como professora da área pedagógica do Curso de Fonnação de

Professores de 1 ª-a 4ª séries.

Relatos trazidos pelos estagiários por mim supervisionados, assim

como depoimentos dos próprios alunos dessas séries iniciais do 1 Q. grau,

mostravam que além da agressão verbal e da repressão, alguns

professores utilizavam até mesmo da agressão fisica, em nome da ordem

e da disciplina, para garantirem a chamada eficiência do processo ensino­

aprendizagem.

Quanto mais me colocava atenta a estas situações, mais surpresa

ficava ao verificar tantas práticas pedagógicas impregnadas do que eu

via como violência, sob diversas fonnas, às vezes mais explícitas, às

vezes mais encobertas.

Entretanto, talvez o motivo natural e primeiro, que justifique a

desafiadora opção por esse tema , seja a minha convivência direta e

diária com a realidade da Baixada Fluminense, região estigmatizada pela

violência, onde a cada dia vem se agravando todo tipo de atentado contra

o corpo fisico, além da pennanente ameaça na garantia dos direitos de

cidadania da população.

Exatamente por estar imersa neste contexto, e pelo meu

compromisso com a educação, não somente na escola, mas também em

2

alguns movimentos populares, compartilhando das diferentes fonnas de

violência que estes grupos vêm sofrendo, é que comecei a questionar: até

que ponto a escola vem reforçando essa violência que existe na

sociedade, contribuindo para a reprodução de um sistema agressivo,

desumano e injusto, quando seu papel seria exatamente colaborar para a

transfonnação dessa realidade?

Buscar o mestrado foi o passo seguinte, entendendo a

necessidade de um suporte teórico para aprofundar essas idéias, ainda

muito dispersas e obscuras, sem nenhum contorno para mim.

Recorrer ao caminho do discurso acadêmico, do conhecimento

racional, lógico, além de sistematizar a dispersão das minhas idéias, trazia

a falsa compreensão de poder estreitar esse turbulento campo nos limites

da razão, isolando-o do desconforto que o contato com a realidade me

trazia.

Entretanto, muito pelo contrário, até mesmo a definição do

próprio objeto desse estudo, que eu supunha uma tarefa eminentemente

acadêmica, foi um parto que envolveu muitas lágrimas, apesar da ajuda

de alguns parteiros e parteiras desta e de outras emoções, inerentes ao

próprio processo de construção e desvelamento. Em especial a paciência

e a segurança que me trouxe Carlos Minayo, orientador-parceiro,

permitiram não somente a alegria do nascimento, mas o prazer de

experimentar esta gestação, cujo fruto passo agora a apresentar.

Para atender ao objetivo de tentar desvendar a trama da violência

que se manifesta na escola, buscando compreender seu processo

constitutivo, assim como apontar caminho para minimizar essa violência,

foram se delineando inicialmente algumas questões referentes a práticas

3

de violência na escola, assim como aos limites e possibilidades da escola

fazer alguma coisa para minimizá-las.

Antes mesmo de começar a pesquisa de campo propriamente

dita, me propus a realizar uma sondagem com grupos representativos

dos diversos setores da comunidade escolar (pais, alooos, profissionais

da educação), para melhor compreender as representações que os

moradores possuíam da sua região e da escola.

Qual não foi minha surpresa nessa coleta inicial de dados, diante

da constatação de que a maioria dos entrevistados não acreditava que

Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense, no qual se

desenvolveu a pesquisa, fosse uma cidade violenta, contradizendo as

estatísticas e a própria imprensa falada e escrita. Além disso, a quase

totalidade dos entrevistados afitmava não existir violência na escola,

excetuando algumas poucas situações referentes à violência fisica.

Estaria eu entendendo a violência de maneira tão diferente dos

. d ? entreVl.Sta os ....

O aprofundamento teórico, bem como o confronto direto com a

ambigüidade dos depoimentos foram me revelando cada vez mais o grau

de complexidade que envolvia essa problemática, onde está presente

uma enonne diversidade de concepções e teorias explicativas.

Nessa fase do trabalho tive a oportunidade de participar do

Seminário "Pela Saúde e Contra a Violência na Baixada. Um Apelo à

Vida", realizado pelos pesquisadores do CLAVES ( Centro Latino­

Americano de Estudos de Violência e Saúde), da Foodação Oswaldo

Cruz, cuja abordagem se processava dentro de uma compreensão teórica

denominada violência em rede.

4

Essa interpretação em rede, segundo a qual os componentes

apresentam uma articulação entre si, em muito me auxiliou a colocar a

violência numa perspectiva mais ampla, segundo a qual passei a buscar

fundamentação para melhor explicitar a trama da violência na escola.

Esse trabalho precisa ser lido, portanto, dentro de uma ótica de

quem deseja superar a avaliação unilateral de absolutizar réus, embora eu

própria muitas vezes tenha incorrido nesse equívoco, pela dificuldade em

compreender cada fato em sua dimensão global.

Na etapa destinada à revisão bibliográfica tive contato com grande

número de obras a respeito da temática nas diversas áreas, embora

muito raros tivessem sido os materiais que relacionassem a violência à

educação.

Bastante limitados também foram os dados históricos, sociais e

culturais referentes a Duque de Caxias ou mesmo à Baixada Fluminense.

Embora dificultasse o estudo, essa carência de recursos

bibliográficos, tanto em relação ao tema específico, mas principalmente

ao município, foi amenizada através da minha participação em vários

encontros, seminários, palestras etc, promovidos por entidades diversas,

nos quais tive oportunidade de debater com setores que abordam a

violência por diferentes ângulos.

Esse contato direto com representantes de órgãos oficiais e dos

movimentos populares, em muito contribuiu para construir uma nova

concepção de violência, ajudando-me a elaborar e re-elaborar muitas

noções a respeito desse assooto, assim como favoreceu a minha

compreensão da realidade do próprio município onde moro.

s

Diante dessa multiplicidade de concepções e o distanciamento

entre o que inicialmente eu entendia como práticas de violência e as

respostas das entrevistas, tive que assumir uma nova postura,

relativizando muitos dos meus conceitos anteriores, para me colocar

como verdadeiro aprendiz diante do novo que emergia.

Passando a atribuir maior importância à influência do cotidiano

às explicações do senso comum na construção do que se pode qualificar

como cultura da violência, procurei ouvir mais atenciosamente os atores

sociais com os quais trabalhava, observando a contribuição desses

conteúdos na legitimação da prática de violência no espaço escolar.

Esse trabalho, na realidade, foi elaborado na sua quase totalidade,

a partir do diálogo travado com os grupos participantes da pesquisa,

ocorrendo uma certa unidade dialética entre teoria e prática, à medida

que uma ia construindo simultaneamente a outra; uma vez que nenhum

conceito, a priori, pode ser encaixado em sua integridade, numa prática

que a todo tempo se deixava escapar devido a sua enorme singularidade.

Conseqüentemente não poderia ser outra a minha opção pela

pesquisa participante, a qual iria me colocar no meio da cena investigada,

participando dela e tomando partido na trama da peça, como diz Lüdke

(1986).

A identificação com essa abordagem qualitativa deveu-se ainda à

própria natureza do objeto de estudo, que elimina a possibilidade de se

quantificar os dados coletados, por serem predominantemente

descritivos.

De acordo com os instrumentos apontados por esse tipo de

pesquisa, utilizei como principais: a observação participante, a entrevista

6

e a análise de documentos.

Disposta a registrar no diário de campo o maior número de dados

possível, de início me vi diante da dificuldade em separar os detalhes

relevantes, tendendo a achar tudo importante, o que logo me mostrou a

necessidade de um maior rigor metodológico. A seleção que se fazia

necessária, só aos poucos foi se desenhando.

Procurei ir descrevendo as observações feitas dentro e fora da

escola, sobre as pessoas, atividades, fatos acontecidos, incluindo também

as observações feitas do meu próprio comportamento: sentimentos,

impressões, dúvidas, surpresas, decepções, conflitos ... uma vez que os

percebia como dados por demais significativos.

Além das conversas informais, as entrevistas representaram um

dos instrumentos básicos na elaboração dessa dissertação.

Tendo como objetivo fundamental compreender os valores

culturais e as representações a respeito da questão da violência, as

entrevistas, realizadas de forma semi-estruturadas, foram feitas

prioritariamente com os grupos envolvidos diretamente na pesquisa:

alunos, pais e profissionais da educação.

Entretanto, entrevistei várias outras pessoas, de acordo com a

oportunidade surgida, como no caso de um rapaz considerado "bandido"

que fazia uso de droga no interior da escola, ou de acordo com a

necessidade de aprofundar minha compreensão da realidade, quando

buscava contato, com moradores e lideranças comunitárias, com

representantes de associações e entidades do município de Duque de

Caxias.

Essa relação face a face com os entrevistados moradores das

comunidades me permitiu uma maior participação na vida deles, no seu

7

cenário cultura4 situação de interação imprescindível à compreensão das

teias que se emaranhavam na trama da violência.

Há que se perceber durante o decorrer desse trabalho, o quanto

este contato direto não somente me ensinou o significado de tantas

coisas de um mundo que eu desconhecia, mas principalmente o quanto

me afetou emocionalmente, fazendo com que me sentisse

verdadeiramente participando da vida daqueles parceiros de pesquisa.

Além dos resultados das observações e entrevistas, e da pesquisa

bibliográfica, utilizei-me de outros documentos também importantes,

cujas análises me ajudaram a ampliar a compreensão.

Entre outros, destaco: jornais; relatórios elaborados por entidades

sindicais e religiosas; publicações de pesquisas realizadas no município

de Duque de Caxias; anotações que fiz durante os diversos debates;

anotações feitas em reuniões, festas, conselhos de classe promovidos

pela escola onde se desenvolveu o estudo; gráficos, registros e arquivo

da secretaria da escola; músicas populares; trabalhos realizados pelos

alunos.

Todo este material obtido foi analisado paralelamente à pesquisa

de campo, uma vez que, como já foi dito, era a partir dos dados

recolhidos que ia levantando novas hipóteses.

o 1rabalho de campo, útero onde essa tese foi gerada, constitui-se

na etapa essencial, sem a qual teria sido impossível para mim, "criar"

meu objeto de estudo. Posso afumar, sem dúvida alguma, que

pesquisador e objeto da pesquisa nasceram juntos, produzindo-se

mutuamente.

A pesquisa foi desenvolvida numa unidade escolar da rede

8

pública estadual, aqui denominada ESCOLA LíRIO. A não identificação

mais detalhada deve-se à sutileza e intimidade que envolve o tema.

A escolha desse espaço justifica-se especialmente pelo

conhecimento anterior de que cenas freqüentes de conflitos, como

"guerrasn entre as comunidades, chegavam a interferir no funcionamento

das aulas. Além disso, relatos de a1gw1s professores que lá trabalhavam e

de estagiários do Curso de Fonnação de Professores onde eu atuava,

mostravam que toda essa situação externa se expressava no próprio

ambiente escolar, sem que se soubesse lidar com a questão.

Certa de que este seria um espaço ideal para uma troca de saberes

e experiências sobre o tema, preparei-me para a entrada no campo, sem

imaginar que pudesse haver qualquer tipo de problema que impedisse o

meu trabalho.

Entretanto, para minha surpresa e decepção, fui comunicada

sobre a não permissão para a realização da pesquisa. Somente após

algumas conversas com a direção geral pude entender os motivos dessa

recusa inicial, os quais se relacionavam a um certo receio causado pela

própria temática, assim como a uma certa preocupação devido ao meu

engajamento político-partidário e sindical, além da natural insegurança

quanto à avaliação critica do trabalho desenvolvido.

Trabalhados e vencidos os contratempos iniciais, a pesquisa foi

realizada com total aceitação e colaboração por parte de toda a equipe

escolar. Ao final, a experiência vivida num Conselho de Classe, onde

pude sentir-me plenamente integrada ao grupo, retrata a confiança

conquistada.

Entendendo que uma pesquisa na escola não poderia restringir-se

ao que se passa apenas no seu ambiente, procurei ampliá-la através de

9

visitas às duas comunidades onde as crianças moravam.

O acesso às comunidades foi favorecido pelos contatos com

dirigentes das associações de moradores e outras lideranças

comunitárias, embora em uma das comunidades tivesse encontrado certa

barreira no primeiro dia, para ser recebida pelo próprio presidente da

associação.

O momento de saída do trabalho de campo, aproximadamente

após quinze meses, aconteceu de fonna não previsível, nem

determinada, mas sim quando comecei a perceber, não que os problemas

a serem estudados tivessem terminado, mas que os seus conteúdos se

repetiam.

Preocupei-me em fazer com que esta saída não fosse rompida de

fonna brusca, deixando claro meu compromisso com os dados

recolhidos quanto à fonna de retorno desse estudo.

Confonne a pesquisa ia se desenvolvendo fui revendo como fazer

para sistematizar esse trabalho, cuja seqüência final obedeceu a cinco

momentos.

Num primeiro momento propus-me a mostrar como fui

desvendando o caminho percorrido, tentando apresentá-lo, ainda que de

maneira infonnal.

No segundo momento procuro fazer uma revisão das abordagens

teóricas, colocando a violência em questão. Além de uma breve

exposição da relação do tema com a história da sociedade e de

problematizar as divergências na concepção desse fenômeno, apresento

algumas teorias explicativas, destacando a compreensão da violência em

rede, de acordo com a qual esse estudo se fundamentou.

10

Depois, num terceiro capítulo, busquei situar e caracterizar a

escola e as comunidades nas quais ela está inserida, analisando a relação

que se estabelece entre ambas, confrontando aquela realidade com o

contexto maior do município de Duque de Caxias, às vezes ampliando

para a Baixada Fluminense, dada a similaridade, tentando não perder de

vista as interligações de um espaço com o outro.

A prioridade dada à abordagem das diversas formas de violência

expressas e experimentadas nessas localidades deve-se ao meu próprio

interesse em refletir sobre como esta vai sendo reproduzida nos micro­

espaços.

No quarto momento, parte fundamental do trabalho, procuro

aprofundar o entendimento da trama da violência no espaço escolar, a

partir dos elementos que apareceram no próprio desenrolar da pesquisa.

Apresento as divergências obsetVadas entre os pesquisados

quanto à existência de violência na escola; falo da natw"alidade

conseqüente da fonna como se relaciona com a violência; discuto sobre

a questão da escola enquanto agente-vítima; Tento mostrar como o

cotidiano da comunidade se expressa na escola; apontando finalmente as

indicações quanto aos limites e possibilidades da escola lidar com o

problema.

Em especial, todos os textos incluídos neste capítulo, foram

construídos de acordo com as entrevistas, procurando o máximo

possível isentar-me de apreciações criticas, resguardando-lhes a

originalidade, evitando interpretações que pudessem distorcer ou limitar

o conteúdo das mesmas.

N o quinto e último momento, trago algumas considerações finais,

destacando aspectos considerados relevantes, retomando o pensamento

11

dessa apresentação. Destaco o aspecto da negação da violência na escola,

considerando como elemento principal dessa trama. De maneira mais

expressiva falo da dor e do prazer que experimentei ao longo desse

trabalho, verdadeiros sinais de morte / vida que marcaram toda essa

caminhada.

Durante todo esse percurso, ao tratar da violência na escola,

deparei-me com situações, que, mesmo residindo em Duque de Caxias

há tantos anos, me eram desconhecidas ou indefinidas. Percebi desde

logo, que não elaborava apenas uma produção acadêmica, assim como

não atuava simplesmente como pesquisadora. Todos aqueles problemas

faziam parte da minha vida, da história do povo do qual faço parte,

inscrevendo-me, na realidade, nessa própria história.

Todo o texto escrito vem perpassado pela minha inclusão nesse

contexto, situando-me numa posição de autora-atora desse cenário, com

todas as implicações decorrentes dessa desafiadora e fascinante aventura.

Na etapa final do trabalho já não me entendia ser a mesma

pessoa, não apenas a nível de ampliação de conhecimentos, mas também

a nível de crescimento pessoal.

Ter precisado abrir mão de valores e conceitos cristalizados,

abandonando antigos referenciais, foi uma experiência que, além de

exigir um redimensionarnento das idéias, me possibilitou maior abertura

e flexibilidade, gerando uma nova visão das pessoas, dos acontecimentos

e de mim mesma.

Exercitar a análise das situações numa perspectiva de rede, em

muito me ajudou a romper com a tendência de interpretação unilateral

para alcançar a dimensão da omnilateralidade.

12

o contato matS direto com o mundo considerado ·da

"marginalidade" contribuiu para quebrar estereótipos incutidos por uma

educação elitista, discriminadora, trazendo-me uma nova visão do ser

humano, que extrapola o discurso religioso ou político da militância.

O difici1 ato de escrever foi uma experiência que aos poucos

tomou-se também prazerosa, à medida que me libertava do medo de

quebrar a "seriedade" acadêmica, permitindo-me assumir meu estilo mais

coloquial, mais popular, menos preso a padrões rígidos.

A paciência, extremamente necessária a todo esse processo de

pensar, foi um dos maiores desafios que enfrentei. Conviver com o

arrumar e desarrumar minhas idéias, aguardando o nascimento do novo,

cuja gestação nem sempre se fazia dentro do prazo pretendido, me fez

aprender com a própria prática, as orientações do mestre do "Arqueiro

Zen"(ao qual fui "apresentada" pelo também grande mestre Marcos

Arruda), para quem a paciência do discípulo diante de frequentes

resultados infrutíferos, era exigência necessária para a conquista final do

alvo.

"Então, o qu~ d~vo faz~r1

T ~m qu~ apr~nd~r a ~e;p~rar, Como 6~ 8pr~nd~ 8 ~e;p~rar1

DtJ§p,.endendo-5~ d~ e;i m~~mo, d~ixando para tr8~ tudo o qu~ tem ~ o qu~ é, d~ man~ira qu~ do

e;~nhor nada r~e;tar.á, a não e;~r a tene;ão e;~m

n~nhuma intenção", (H~rrig~l, 1975: 43)

Este trabalho não tem a intenção de esgotar toda a análise das

diferentes formas de violência que a escola sofre, nem culpabilizá-Ia

13

pelas que pratica, mas sim levantar alguns dados para maior reflexão

sobre o seu papel político-social.

Por acreditar que a verdadeira transfonnação deverá emergir do

próprio povo que sofre e experimenta a opressão; por ter certeza de que

esta transfonnação vai mesmo acontecer um dia, estando em curso a

cada dia, e por ter consciência do meu papel de sujeito deste processo, é

que me propus a buscar nesse estudo uma oportunidade de descobrir e

depois compartilhar as experiências e conhecimentos adquiridos.

Esse trabalho justifica-se pela crença de que é preciso lutar contra

todas as fonnas de violência, desde aquela que invadiu a todos nós, pela

certeza de que o enfrentamento dessa problemática é uma tarefa coletiva

e pela esperança de que a história da Baixada venha a ser escrita a partir

da vida e não apenas da violência e da morte.

Nesse sentido, quero dedicá-lo a todas as pessoas que moram na

Baixada Fluminense, especialmente às crianças, que foram mortas,

vítimas de qualquer tipo de violência. E a todas as pessoas que, em

Duque de Caxias, lutam em favor da vida.

14

CAPÍTULO II

~ -A VIOLENCIA EM QUESTAO

15

A VIOLÊNCIA EM QUESTÃO

1. VIOLÊNCIA E SOCIEDADE

Dentre as preocupações atuais, a questão da violência vem

assumindo uma importância cada vez maior, sendo discutida mais

amplamente pelos diversos grupos sociais, assim como explorada pela

mídia, transformando-se num dos principais temas de reflexão.

Ao se buscar traçar um rápido perfil sobre a violência no mundo

de hoje, depara-se com um quadro surpreendente de violência contra o

ser humano: violência das discriminações, violência doméstica, violência

contra a criança, violência policial, violência na política, no trabalho, no

trânsito, no esporte, nos serviços de saúde, na cultura, na educação ...

Pode-se afirmar, enfim, que a violência invadiu todos os campos da vida

das pessoas, revestindo-se dos mais variados aspectos.

A violência também não tem se restringido a um espaço

geográfico ou social específico. Estende-se desde a cidade até o campo e

se faz presente nos bairros sofisticados e nas favelas, abraçando a tudo e

a todos com seus longos braços.

Os estudiosos desse fenômeno, embora apresentando diferentes

explicações quanto às suas causas, origens, possibilidades de solução,

grau de intensidade, são unânimes em relação à sua historicidade, ao

concluírem: a violência é de todos os tempos, encontrada em todas as

sociedades, integrante de todo processo histórico, conforme resume

Domenach (1981: 31 ):

16

"A viol8ncia ~ tão v~lha quanto o mundo",

o que fica evidenciado, entretanto, é que cada sociedade

interpreta a violência dentro de seus variantes culturais.

Em contrapartida, por exemplo, à forma com a qual alguns

grupos sociais encaram a vida, o corpo, a morte, têm-se conhecimento de

algumas tribos indígenas que ainda hoje praticam o canibalismo.

A antropóloga Aparecida Vilaça, ao comentar sobre sua pesquisa

entre os Pakaas Novos (ou Wari), habitantes de afluentes dos rios

Madeira e Mamoré, em Rondônia, esclarece:

"A p~ssoa Wari ~ construída no ato da d~voração: com~~s~ para s~r g~nu,( .. ,) O

~ndocanibalismo ~ praticado, entre outros motivos,

para ~vitar qu~ os jam ( almas, imag~ns, duplos) dos

Wari perambul~m p~lo espaço, sem encontrar a paz dos mortos ~ am~açando os vivos, O ~xo~canibalismo ~ ~xercido contra os inimigos de modo a caract~rizar

sua condição d~ pr~sa, contraposta à posição humana dos Wari ,li

( Jornal do Brasil, 02 jan. 1993, p.5)

N esse sentido, pode-se dizer que a dimensão da cultura está

intrinsecamente vinculada à questão da violência, como se refere Assis

(1991 :34-35 ):

11 O limite, a partir do qual d~rminado grupo r~conh~c~ ~xistir viol8ncia ~ função d~ sua ins~rção sócio~~con$mica e política, assim como d~ sua

história ~nquanto grupo, Ora, s~ uma soci~dad~ ~

17

composta de número incalculável de grupos sociais,

multiplicam-se então as dificuldades de definir e delimitar claramen~ o que seja viol8ncla.

Conseqü"ntemente não existe numa sociedade um único sentido para definir vlol8ncia e sim percepções

dif"renciadas, principalmen~ s"gundo a estrutura I conjuntura social" inserção difer"nciada dos grupos com suas culturas próprias. Acresc"nta-se ainda a subj~ividade de cada indivíduo, que percebe e interpr~a cada fato social a s"u modo."

Ao abordarem essa temática, alguns teóricos afirmam que a

violência tem-se agravado nos últimos anos, transformando-se no maior

fenômeno social e na principal interrogação desses tempos, idéia esta

que tem amplo respaldo do senso comum.

Para outros autores, como Michaud (1989), não menos radicais

em suas avaliações, nada garante que o mundo contemporâneo seja mais

violento do que as épocas passadas.

126):

Concordando com essa interpretação, explícita Padilha ( 1971:

liA viol8ncia 6 con~mpor~nea ao homem. Vem

ela participando, ao longo da história, como part6 integran~ do processo político, de tal modo que

par"c" surpr""nd"nte o "studo do ~ma como se fora uma peculiaridade dos dias que correm."

Embora incluídos entre o grupo que acredita serem cada vez mais

evidentes os aspectos visíveis e fatais da violência, alguns autores

apontam para a constatação de que o que existe hoje é uma maior

18

consciência social sobre o problema, não apenas nos meios acadêmicos,

mas principalmente na sociedade civil.

II Ns v~rdad~ ~6te fsto nao é novo. O qu~ o

torna mai6 patente hoj~, 6, provav~lm~nte, uma tomada d~ con6ci8ncis msi6 sguds d~ 6ofi6ticaçao

técnica com qu~ ~Ie 6e exercita e, talvez, o de6envolvimento de uma !?ignificsção msi!? refinada ds lib~rdade humana." (Menezes, 1982: 12 )

Para René Rémond (1967) o que ocorre é que, em contrapartida a

um tempo em que a violência era somda com resignação por uma

humanidade que a aceitava como fatalidade, contra a qual não se

imaginava que pudesse haver revolta, hoje, a violência tomou-se objeto

de reflexão, é contestada, interpelada, suscita protesto.

Sem dúvida pode-se dizer que são cada vez mais freqüentes as

denúncias e manifestações contra a violência, promovidas especialmente

pelos movimentos sociais organizados, dentre os quais podem ser

citados os grupos que se mobilizam contra a violência aos negros,

crianças, mulheres, homossexuais, indígenas, agricultores ...

A crença de que o homem se faz na história, pode levar, se não à

sociedade em que a violência seja abolida totalmente, pelo menos a uma

minimização mais radical, onde a pessoa seja respeitada enquanto ser

humano garantindo-1he seus direitos de cidadania.

Assim como em todas as épocas, civilizações e territórios, a

violência vem se manifestando na sociedade brasileira desde os primeiros

momentos, quando foi invadida pelos conquistadores portugueses,

expressando-se com suas diversas faces, nas relações individuais e

19

coletivas.

Pode-se afinnar, sem dúvida, que a sociedade brasileira é uma

sociedade violenta, embora isto venha sendo negado sistematicamente

pelas inteIpretaçõcs oficiais. A classe dominante conserva o discurso de

que o povo brasileiro é um povo pacífico, manso, ordeiro, tentando

manter o mito da índole pacífica do brasileiro.

"( .. .) Nada m~lhor para atend~r ao id~al d~ paz ~ tranqüilidade qu~ exie;te ~m todo e;~r humano do qu~ forjar uma hie;t6rla nacional na qual os conflitos não ~xistem,"

(OdaJia, 1985: 55 )

Usando o discurso ideológico que nega o conflito, acusando toda

manifestação de reivindicação do povo como subversão ou esquerdismo,

fica muito mais fãci1 dominar, fazendo com que o desejo e o interesse de

poucos prevaleçam sobre os da maioria.

Não se pode negar que a violência se expressa e cresce no Brasil

de fonna assustadora. Mas, como se refere Boff( 1989: 17)

/I A viol8ncia qu~ sofremos atualm~nte não I;

d~ hoj~ ~ n~m d~ nossa g~ração, Ela lança suas raízes long~, para dtmtro da história do noe;so país,"

Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência

da USP ( Universidade de São Paulo) esclarece, nesse sentido:

.. A soci~dad~ brasil~ira, no m~u ~ntend~r, I;

uma sociedade hie;toricamente muito viol~nta, Bae;ta

20

I~mbrar como os índios, os povos indíg~nas foram tratados pelo colonizador; basta lembrar o amplo asp~cto da escravidão ; basta I~mbrar ainda no

p~ríodo colonial as d~vassas, os modos muito violentos d~ lidar com a desobedi~ncia civil, de lidar com a insubordinação da população. Toda a longa história brasil~ira do s6culo XIX 6 uma história de

muita viol8ncia e d~rramam~nto de sangue." (Adorno, 1989: 11)

De acordo com autores como Oliven (1986), a partir de 1964, a

violência cresceu no Brasil, não só na cidade como no campo. O golpe

de Estado oconido nesse penodo pode ser apontado como um dos

momentos mais gritantes em que se deu uma ruptura violenta em nossa

sociedade. Como consequências da consolidação desse plano, temos

hoje no Brasil, não apenas uma miséria fisica, mas também uma miséria

moral e ética.

Os fatos citados, embora de forma tão resumida, indicam o

quanto a violência vem acompanhando a história do povo brasileiro,

refletindo-se em todos os espaços, de uma ou outra forma mais

específica.

Guardadas as devidas proporções, alguns dados sobre a situação

da Baixada Fluminense e do Município de Duque de Caxias, podem

representar um retrato da violência no Brasil.

Após sua pesquisa no referido município, Souza (1991 :67)

apresenta uma apreciação que pode dar suporte a esta idéia:

" Caxias não 6 só viol~nto, tampouco 6 só

21

viol~ntado, ma6 ~ ao m~6mo umpo viol~nto ~

viol6ntado. Sua hi6tória 6 a din.amica d6 e1uae1

r~laçõ~e1 e1ociai6 con6titu~m uma ~6p~cificidad~

concr6ta qU6 o dif6r"ncia ma6 não o ie10la dos

probl~m8e1 g~ral6 do paí6. Ela r~pr~e16nta, portanto,

m6dianu as e1uae1 contradiçÕ6e1, o e1intoma 6 símbolo

da e10Ci6dad6 br86il~ira, ag6nu 6 vítima do 66U

próprio prOC6e160 d6 viol~nci8."

Em resumo, pode-se dizer que ao se discutir sobre a violência é

preciso atenção para a teia de relações sociais presente nas suas

manifestações, ou seja, a violência só pode ser estudada em conexão

com os dados histórico-culturais que a explicam.

22

2. DIFERENÇAS CONCEITIJAIS

o viver em sociedade tem sido marcado pennanentemente pela

presença da violência, ainda que esta seja entendida ora como um

fenômeno inerente ao próprio processo de fonnação social, ora como

um elemento estranho a este processo.

Entretanto, o desenvolvimento histórico da humanidade mostra

que sociedades diferentes segregam violências diferentes. Ocorre

também que muitos atos considerados como violentos por uma

detenninada sociedade não o são para outras. E até dentro de um mesmo

grupo social encontram-se diferentes compreensões do que possa ser

considerado como violência.

Segundo Zaluar (1983: 251), os próprios meios de informação

sobre a violência não atingem as pessoas de igual maneira, o que vai se

refletir, consecutivamente, nas diferentes concepções acerca dessa

problemática.

" A classe social a que pertencemos, o local

onde moramos, o jornal que lemos, o programa a que assistimos, bem como a imagem que estes nos d~o

de nossa classe social e do local onde moramos,

constituem e compõem o modo como vivenciamos e pensamos essa viol8ncia ,"

Ao se tematizar a violência, a primeira imagem que aparece, ou

seja, a sua face mais imediata e perceptível, é a que se exprime pela

agressão fisica.

23

Recorrendo a uma breve pesquisa a alguns dicionários, pode-se

notar uma certa prioridade na referência a este aspecto fisico.

11 Por vlol8nci8 enunde~6e 8 inurvençao fí6ic8

de um indivíduo ou grupo (ou t8mb6m contra 6i me6mo)."

(Bobbio, 1986: 1291 )

A própria etimologia da palavra parece concorrer para esta relação

imediata: violência é uma palavra que vem do Latim, de "violentia", que

significa ímpeto, caráter violento, ou bravio, furioso, à força. O verbo

"violare" significa tratar com violência, profanar, transgredir.

11 E6U6 urm06 6e referem a VIS f que quer

dizer força f vigor , pot8ncia, viol8ncia, emprego da

forç8 fí6ica, ma6 tamb6m qU8ntid8def abund~ncia,

e668ncia ou caráter e66encial de uma coi6a ." ( Michaud, 1989: 8 )

Em sociedades como a nossa ,essa ligação direta da violência

com a agressão fisica se expressa essencialmente na associação

violência-criminalidade, o que tem detonado sérias conseqüências.

Sussekind (1987) considera essa interligação como superficial e

excludente, à medida que etiqueta a criminalidade como única forma de

comportamento anti-social a ser temida e reprimida, deixando à margem

da lei uma série de situações negativas à sociedade, tais como a poluição

que assola os rios, a incerteza no mercado financeiro, a educação

esdrúxula e elitista, o sistema de assistência médica etc. Em outras

palavras, ao se restringir a violência ao roubo, estupro, homicídio, não se

24

deixa transparecer a estrutura sócio-econômica e política que detennina a

realidade desumana em que vivemos.

Outro agravante conseqüente de se pensar a violência apenas no

seu sentido criminal é o estereótipo que se forma sobre os autores da

violência. Segundo Minayo (1990 (a): 2) tem-se hoje uma classe social

inteira colocada sob julgamento e suspeita pennanentes. Já se sabe de

onde e de quem provém a violência.

liA con6truç~o Imaginária da viol~ncia em

n066a sociedade. se alimenta de uma fanta6ia

maniqueí6ta que fixa a origem do mal em certo tipo de

p~66oa: jovem ~ negro ~ pobn,; e ~m c~rto tipo de

e6paço urbano: a6 favela6 e a6 periferia6 da6 grande6 cidad66,II

Algumas pesqulSas têm mostrado que o discurso sobre a

violência demonstra um distanciamento entre quem fala e os "outros " (os

"bandidos"), ficando estabelecido uma distinção entre os homens "de

bem" e os criminosos.

Em relação à esta questão, Cardoso (1987) comenta que, assim

como para as pessoas de classe mais privilegiadas os criminosos estão

distantes, fazendo parte de um outro mundo (o da pobreza, da carência,

dos costumes incompreensíveis, da delinqüência), assim também os

homens de bem, sendo sem bens, usam sua dignidade e trabalhado

como emblema representativo do seu distanciamento com o mundo do

crime. Neste caso, consideram que o pobre mau, o pobre bandido tem

que ser punido. Porque "esse não sou eu, esses são os outros".

Sabe-se, no entanto, que além do seu aspecto fisico, comumente

2S

confundido com o crime, a violência apresenta-se sob a máscara de mil

outros disfarces, muito mais sutis, e por isso mesmo mais difici1 de ser

reconhecida, especialmente pelas suas maiores e principais vítimas.

Alguns dicionários, a exemplo dos organizados por Silva (1967) e

Ferreira (1986), ampliando suas definições, indicam dois sentidos para a

violência: um aspecto material, referente à agressão fisica, ao atentado

fisico, a um ato de força, de destruição, de tortura fisica ... e um outro

aspecto: o moral ou imaterial, que se configura através da coação, da

ameaç~ do constrangimento.

A quase totalidade dos autores consultados que se dispuseram a

definir a violência de maneira mais precisa, extrapola o seu aspecto fisico

enfocando-a sobre outra dimensão, apontando para as diversas

metamorfoses em que a violência se apresenta, que vão desde os baixos

salários aos obstáculos a uma real participação política.

René Remond, do Centro Católico de Intelectuais Franceses,

sustenta que

liA viol~ncia é toda iniciat.iva que usurpa

gravement.e a liberdade de out.rem, que tende a proibir a liberdade de r8flexão, de julgamento, de decisão, e

sobr~udo que leva a nivelar o próximo à posição de

meio ou inst.rumento num projeto que o absorve ou

engloba, sem t.rat.á-Io como um parceiro livre e igual,"

( Rémond, 1972: 182 )

Jean - Marie Domenach, um dos clássicos estudiosos sobre o

assunto, afinna:

"Eu chamaria viol~ncia o uso de uma força,

26

aberta ou fechada, com os fins de obter de um

indivíduo ou de um grupo o qu~ ~I~s não qu~r~m cons~ntir Iivr~m~nu.'1

(Domenach, 1981: 33)

Bourdieu ( 1975 ) denomina de violência "aberta" a violência

fisica, econômica, segundo ele, mais visível ou presente. Reconhece

porém, que existe uma outra forma de violência, mais refinada e

invisível, muitas vezes nem percebida como violência, a chamada

violência "doce", a qual ele caracteriza como violência "simbólica".

Michaud (1989: 10-14) apresenta alguns conceitos de violência,

elaborados por diversos autores, criticando-os por serem, na sua opinião,

insuficientemente objetivos, concluindo que

OlHá viol~ncia quando, numa situação de

inuração, um ou vários autor~s ag~m d~ man~ira

direta ou indir~ta, maciça ou esparsa, causando

danos a uma ou várias p~ssoas ~m graus variáv~is,

seja em sua inugridade física, seja ~m sua inugridade moral, ~m suas poss~s, ou ~m suas participaçõ~s simbólicas ~ culturais.'1

Embora tenha sido possível destacar alguns conceitos de

violência, pude observar que a grande maioria dos autores discute sobre

vários aspectos e formas de expressão da violência, sem contudo chegar

a uma especificação conceitual. Odalia (1985), entre outros, se opõe

inclusive à tentativa de se definir a violência, devido ao risco de

aprisioná-la num esquema formal, estreito e fechado.

Reiterando o pensamento acima, Freire (1984: 10) ressalta:

27

"/\S definições dadas ao termo são sempre

provisórias. operacionais e inferidas dos casos

particulares. estudadas em situações particulares."

Por outro lado, ao invés de buscar limitar com precisão a

significação do conceito de violência, alguns teóricos demonstram

preferência por classificá-la, para efeitos operacionais, trabalhando com

categorias.

Dentre uma infinidade de classificações, optei por exemplificar a

selecionada pelos pesquisadores do eLA VES, segundo os quais a

violência se expressa em três níveis:

"a) A viol8ncia estrutural, como aquela que nasce no próprio sistema social criando as

desigualdades e suas consequ~ncias como a fome, o

desemprego, e todos os problemas sociais com que

convive a classe trabalhadora. Estão aí incluídas as

discriminações de raça, sexo e de idade.

Cuidadosamente velada, a viol8ncia estrutural

não costuma ser nomeada, mas é vista antes como

algo natural, a~histórico, como a própria ordem das

coisas e disposições das pessoas na sociedade.

b) A yiol8ncia reyolucionária Q1.l M resis~ncia,

como aquela que expressa o grito das classes e

grupos discriminados, geralmente de forma organizada, criando a consci8ncia da transformação.

Do ponto de vie;ta doe; dominantee;, ae; formas de resist8ncia e denúncia são vistas como

insubordinação, desordem, irracionalidade e d isfu nção. ( ... )

c) A delinQ~ü8ncia seria uma terceira forma de viol~ncia presenu em nossa sociedade. Compreende

28

roubos, furt.os, sadismos, s~qu~stros, pilhag~ns,

tiro~io ~ntre": "gangs", de":litos sob o e":fe":ito do álcool,

drogas ~, Essa ~ a forma mais com~ntada p~lo , se":n~o comum, como viol8ncia. E importan~ e":n~nde":r qu~ a d~llnqü8ncia n~o é um f~nc9m~no natural e": muito

me":no~ pod~ ~e":r "xplicada pe":la conduta patológica do~ indivíduo~ ~ muito m~nos ainda como atributo

dos pobre":s e": ne":gro~. O aume":nto da criminalidade": ~e":

alime":nta da~ d~sigualdad~~ ~ociai~, da alie":nação dos

indivíduo~, da de":svalorização das normas e": valore":s morais, do culto à força e": ao machi~mo, do d~s~jo do

lucro fácil e": da pe":rda da~ re":fe":r8ncias culturais," (Minayo, 1990 (b): 14-15)

A partir do exposto, pode-se observar que, embora apresentem

um conteúdo comum, existe uma enorme variação em termos dos

elementos integrantes a cada concepção de violência. Essa diversidade de

abordagens, essa disparidade intensa, além de mostrar o profundo grau

de complexidade desse fenômeno, dificulta sobremaneira a sua

compreensão.

Contudo, ainda que diante de idéias divergentes e do grau de

subjetividade que envolve esta temática, não significa que a violência

seja indefinível. Alguns teóricos chamam atenção inclusive para a

necessidade de se evitar de batizar tudo indistintamente como

manifestação de violência, ou mesmo de se evitar de tirar um conceito

generalizado do que seja a violência.

Michaud (1989: 14) sugere quatro observações a serem pensadas

ao se considerar essa questão:

, lia) E pre":ciso ~star conscie":n~ de": qUe": as

29

definiçõ~s objetivas, ainda qu~ as mais ú~is, não são

is~ntas d~ pr~ssupostos e também não apreend~m o conjunto dos f~n~m~nos;

b) Há na apre~nsão da viol8ncia um componen~ subjetivo qu~ depend~ dos critérios

utilizados C ... ); c) Não 6 possível haver um ~quilíbrio

satisfatório entre um e outro ponto de vista ( ... ); , d) E preciso estar pronto para admitir qu~

não há discurso nem saber universal sobre a viol8ncia: cada sociedade está às voltas com a sua própria viol8ncia segundo seus próprios critérios e trata seus

próprios problemas com maior ou menor 8xito ( ... )."

Cardoso (1987) ressalta que o tema da violência se divide em dois

grande discursos: o que pede segurança e punição e apresenta soluções

autoritárias e o que se identifica com a defesa dos direitos humanos.

Segundo a autora é preciso que se faça uma análise séria desses

dois discursos estruturados, para que sejam relativizados e se comece a

indagar o que se quer dizer quando se fala de violência.

30

3. TEORIAS EXPLICATIVAS DA VIOLÊNCIA

Nos tempos atuais, a violência deixou de ser um episódio esparso,

convertendo-se em rotina, fazendo parte do cotidiano, tomando-se

objeto das discussões não apenas por parte dos intelectuais ou

autoridades governamentais, mas também por parte de inúmeros

segmentos da sociedade civil e da população que vivencia mais

diretamente este problema, conforme esse próprio trabalho pode indicar.

Dados fornecidos pelo CLA VES mostram, através da publicação

de um levantamento bibliográfico que, na década de 80, a produção

intelectual sobre o tema da violência cresceu em número, abrangência,

inclusão de disciplinas e complexidade nas abordagens, concluindo:

"(. .. ) No s~u conjunto ~ssa produção faz

p~nsar qu~ aum~ntou muito. da d6cada d~ 60 para 80 o nív~1 da consci8ncia socia I sobr~ o probl~ma.

Mas, por qu~ não diz8-lo'? Ess~ cr~scim~nto da consci8ncia acompanha o avanço d~ um proc~sso

social marcadam~nt6 pr~ocupant6 no Brasil, ~m

t6rmos da viol8ncia do ~stado ~ d~ s~us apar~lhos

r~pr~ssivos. d~ viol8ncia das r~laçõ~s d~ produção ~

d~ propri~dad~ no campo. da d~linqu8ncia nos

grand~s c~ntros urbanos. af~ando d~ forma muito particular a cotidian~idad~ dos cidadãos, p~la

p~rpl~xidad~ ~ p~lo m~do ," (Minayo, 1990 (c): 12)

Uma das dificuldades maiores ao se tratar com esta questão

refere-se ao seu grau de complexidade, no sentido de ser a violência, em

31

si mesma, uma projeção de muitas outras questões de natureza

profundas. Ao se tentar compreender este fenômeno, portanto, muitos

fatores precisam ser considerados, ponderados, analisados.

À medida em que fui aprofundando meu estudo, pude constatar a

existência de inúmeras teorias ou correntes que buscavam definir a

violência, explicando suas causas e origens, apontando soluções para seu

controle ou superação, dentro dos mais variados enfoques.

Dentre a bibliografia consultada pude perceber, em princípio,

duas linhas básicas de pensamento, quanto à natureza da violência:

I a.) a que acredita que a violência é inseparável da condição humana e

da natureza humana, ou seja, a violência é interna ao indivíduo e,

portanto, o ser humano em si mesmo é um ser violento;

2a.) a que entende a violência como um fator social. Neste caso, o

homem se torna violento sob influência da sociedade, compreendendo­

se, pois, que a violência é de natureza social, ou seja, externa ao

indivíduo: os indivíduos se tornam violentos porque vivem numa

sociedade violenta.

Os adeptos do primeiro enfoque apontam como principais

causadores da violência os fatores biológicos e psicológicos, os quais dão

origem às duas seguintes teorias:

a) A chamada teoria biologiclsta, que trabalha com a idéia de que existe

uma agressividade instintiva na natureza humana. A violência seria

inerente ao próprio ser humano, uma vez que os indivíduos trazem em

32

si algumas condutas caracterlsticas que os tomam violentos.

Alguns estudiosos do assunto, como Lombroso, referem-se à

estrutura da fosseta occipital, ou à uma determinada química no cérebro,

como elementos importantes na indicação de pessoas mais sujeitas a

cometerem atos violentos.

"( ... ) Houv~ um ci~ntista - Lombroso - qu~

p~nsou assim. EI~ acr~ditava qu~ c~rtos criminosos

ob~d~ciam a um padrão típico quanto à constituição ,

do cr~nio, das or~lhas, dos olhos, do rosto. E como s~

uma p~ssoa qu~ tiv~ss~ aqu~la apar8ncia foss~ um

criminoso por sua própria natur~za".

(Souza, 1988: 19)

Ao concluir sua obra "O Homem Criminoso", o próprio

Lombroso afirma:

"O qu~ concluir d~ tudo isto'? Qu~ os crim~s

mais ten~brosos, mais bárbaros, tBm um ponto d~

partida fisiológico, atávico, n~ss~s instintos animais,

qu~ no hom~m ficou ~nfraqu~cidos duranu c~rto

tempo graças à ~ducação, ao m~io social, ao temor

do castigo; mas r~nasc~m d~ r~p~nte, influ~nciados

por c~rtas circunst~ncias como a do~nça, os

f~n~m~nos m~orológicos, a imitação ou a

~mbriagu8s ~sp~rmática, fruto d~ uma contin8ncia

33

excessiva".

(Lombroso, s/d: 499,500)

Na compreensão de Padilha (1971) é apenas à luz do humano

que o conceito de violência ganha significado. A atuação dos seres de

natureza mineral, vegetal ou mesmo animal obedece a determinadas leis.

O animal que devora o outro, assim como os terremotos, furacões,

inundações não se configuram como um ato de violência, mas sim como

um ato natural, decorrente de uma série de detenninações.

Embora apontando outros componentes, Corbisier afirma que a

raiz primordial da violência está no próprio homem, ou seja, na natureza

humana. Para este autor, todos os homens, mesmo os cidadãos mais

pacatos, que vivem de acordo com a lei e a moral, abrigam em si a

semente da violência.

liA viol~ncia dos que assaltam. estupram e

matam é a mesma. não é outra. diferente ou especial. da qual estaríamos imunes. ( ... ) Apenas em nós essa

vio/8ncia é. normalmente contida. graças à educação

que recebemos e à situação em que nos encontramos.

( ... ) Se não roubamos é. porque fomos educados

considerando o roubo um delito e. al6m disso. porque

não precisamos roubar. E. se não matamos ninguém. 6 pelsfí mesmafí raízes:'

(Corbisier, 1991: 215 ).

Muitos dos adeptos da corrente biologicista utilizam os conceitos

da Etologia, ciência surgida nas décadas de 40 e 50, que faz o estudo

comparado do comportamento dos animais.

34

Um dos seus grandes representantes é Konrad Lorenz, biólogo

austríaco, que ganhou o Prêmio Nobel de Medicina em 1973, por ter

sido um dos criadores desta nova ciência.

No seu livro "A agressão: uma história natural do mal", publicado

em 1979, Lorenz trata da agressividade como um instinto de combate do

animal e do homem dirigido contra o próprio congênere.

De acordo com este autor, somente o verdadeiro conhecimento

dos animais é capaz de nos ajudar a compreender plenamente o caráter

único do homem, assim como indicar-nos os perigos que são possíveis

de evitar.

A Etologia, assim como a Biologia Social, transferem as regras,

nonnas e leis do biológico para o social, trazendo os dados referentes ao

comportamento dos animais, para as relações humanas na sociedade.

Hannah Arendt (1973: 133,134) faz sérias criticas à essa teoria

explicativa da violência:

"Em primeiro lugar, apesar de achar grande

parte do trabalho dos zoólogos fascinante. não

consigo ver como pode ser aplicado ao nosso

problema. Para saber que o povo lutará por sua pátria n.?lo precisamos descobrir instintos de

"territorialismo grupal" ~m formigas, p~ixes ~

macacos; ~ para aprend~r que a superpopulação

r~sulta em irritação e agressividade não temos que fazer ~xp~ri8ncias com ratos. Basta passar um dia

nos cortiços de qualqu~r grand~ cidad~ (".) Em segundo lugar os resultados das

pesquisas ~m ci8ncias naturais e sociais tendem a fazer do comportamento violento, uma reação ainda

mais "natural" do que ~staríamos pr~parados para

35

admitir 6~m ~6ta6 p~6qui6a6. ( ... )

Pondo d~ lado a ~nganosa transposição de

Urm06 n6ic06 como "~nergia" ~ "força" para 06 dad06

biológicos ~ zoológic06, ond~ não fazem 6entido

porqu~ não pod~m s~r m~didos, umo qu~ atrá6

dBstas rBCtJnus "dBscob~rtas" s~ B6conda a mais v~lha definição da natur~za do homem ~ a definição

de hom~m como o 'animal rationale', segundo a qual

não 60m06 dif~r~nu6 da6 outra6 ~6péci~6 animai6

em nada fora o atributo adicional da razão.(. .. )"

Como síntese, caberia afumar que esta teoria prevê a existência

de uma incapacidade do homem para se adaptar a mudanças

substanciais relacionadas ao desenvolvimento social e tecnológico,

devido a sua estrutura genética. Além disso, supõe que exista no homem

uma tendência irrefreável à violência e ao domínio dos outros, resultado

da sua natureza instintiva.

Esta linha de pensamento tem influenciado a visão da Medicina,

da Psiquiatria e Psicologia e até mesmo do Direito, no que se refere à

compreensão do fenômeno da violência. Muitos atos de violência,

particulannente os que se referem à criminalidade, têm sido justificados

como resultado da hereditariedade, da índole má ou da maldade

constitutiva da natureza humana.

b) As concepções psicologiclstas justificam a violência a partir de

problemas de conduta individual: a violência moraria no homem a espera

de condições exteriores propícias para sua manifestação.

Alguns autores chegam a afumar que as modificações nas

relações sociais só se dariam através de mudanças na constituição

36

psíquica do indivíduo, apontando para a detenninação do individual

sobre o social.

Existem múltiplas abordagens psicológicas da violência e da

agressividade, embora devido às limitações desse trabalho, apenas

algumas sejam especificadas.

Um desses estudos, apoiando-se na Psicologia Geral, conclui que

detenninados fatores, tais como o calor, o barulho, a privação de

movimentos, de alimentos ou bebidas, enfim, as proibições em geral,

desencadeiam a raiva e as condutas agressivas.

As abordagens clínicas consideram como fatores relevantes na

formação das personalidades agressivas os traumas, as frustrações, a

desagregação da família, o tédio interno e externo, a falta de escapismo, a

influência do grupo afinitário ...

Um dos conceitos apoiados na Psicologia considera a

interferência de modelos como prioritário na formação de uma

personalidade violenta. Com base nesse conteúdo acredita-se, por

exemplo, que os jovens delinqüentes teriam uma história familiar de

espancamento e violência.

É ainda baseando-se no impacto dos modelos sobre as crianças,

que muitas pessoas justificam a interferência da mídia nos

comportamentos violentos, uma vez que, de acordo com este

pensamento, a agressão seria facilitada pela imitação ou pela desinibição

dos instintos agressivos.

Erich Fromm ao discutir sobre a natureza do mal e a escolha entre

o bem e o mal, mostra como o homem vem perdendo sua capacidade de

independência, amor e razão, desenvolvendo no lugar dela, forças

37

destruidoras que levam à desumanização.

Em sua obra" O Coração do Homem - seu gênio para o bem e

para o mal", refere-se a diferentes formas de violência, compreendendo

algumas como manifestações menos patológicas. Dentre as formas de

violência não motivadas pelo ódio ou pela destrutividade inclui a

violência recreativa (usada por exemplo nos jogos) e a reativa

(empregada na defesa da vida, da liberdade, da dignidade ou

propriedade). A um passo do patológico, Fromm coloca a violência

vingativa. Descreve, por fim, a violência compensatória, forma mais

patológica, empregada como substituto de atividade produtiva por uma

pessoa impotente.

"0 hom~m impotente, s~ tem uma pistola, uma

faca ou um braço forte pod6 transc6nd6r a vida d~struindo-a ~m outros ou 6m si m6smo",

( Fromm, 1981: 33)

Como último tipo de violência, o autor refere-se à "sede de

sangue".

"No hom~m qU6 busca uma solução para a vida r6gr~ssando a um 6stado d6 6xis~ncia pr6-individual,

virando animal ~ assim S6 livrando do fardo da razão,

o sangu6 torna-S6 6ss8ncia da vida; d6rramar sangu6

6 s6ntir-s~ vivo; s~r forte, s~r ímpar, s~r acima dos . outros",

( Fromm, 1981: 35)

Uma das maiores contribuições para a compreensão da violência,

38

dentro da corrente psicologicista pode ser dada pela psicanálise, embora,

segundo Freire (1984) pouca ou nenhuma atenção venha sendo dada a

esse grave problema, pelo pensamento psicanalítico no Brasil.

Segundo Lundin (1971) Freud reconheceu a importância de tratar

sobre a agressividade, a qual se manifestaria, segundo ele, não somente

na destruição propriamente dita, mas também nas atitudes auto­

agressivas, na transferência psicanalítica entre paciente e psicanalista, na

ambivalência entre sentimentos de ódio e amor, nos sonhos e desejos de

morte que habitam o coração do homem.

Em relação ao "instinto de vida" e ao "instinto de morte"

reconhecidos por Freud, explicita Lundin (1977: 23):

"( ... ) O instinto de vida inclui os impulsos que

operam para a preservação da vida. Freud salienta entre eles, em particular, o instinto sexual. A forma

de energia que o instinto de vida toma é chamada 'libido'. O instinto de morte opera, evidentemente em

menor escala. O seu objetivo final é a volta à matéria

inorg~nica. As mais óbvias expressões do instinto de

morte estão nas suas derivações ~ destruição e

agressão. Freud não menciona o instinto de morte

nas suas primeiras obras e foi só depois da primeira

guerra mundial que ele se convenceu de sua

exist8ncia" .

Dentre as concepções psicologicistas da violência, pode-se

perceber algumas que já consideram a interferência cultural na expressão

de condutas agressivas, não relacionando portanto, de forma tão radical,

a agressão humana à agressividade intra-específica.

39

A segunda linha básica de pensamento, através da qual a violência

é justificada pelos fatores sociais, também se desdobra em múltiplas

abordagens, podendo ser destacadas as seguintes:

a) Violência causada pela crescente bQustiça

desigualdade social

expressa na

Para os que defendem este modo de pensar, na própria

organização da nossa sociedade, pela sua lógica perversa e excludente, já

estaria a raiz originária da violência, ou seja, a própria organização social

já detennina a eliminação dos que não têm lugar na sociedade, revelando

sua violência fundamental, como pressupõe o relatório sobre violência,

elaborado pela Diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti (1990).

IIEstamos organizados num tipo de sociedade

que s" "strutura na "spoliação da mais~valia do trabalho, espoliação esta feita sob viol8ncia: o

capitalismo qu" "nriqu"c" dia a dia à custa do empobrecimento das grandes maiorias no nosso país

( .. .). Esta 6 a raiz mais profunda 6 qU6 6m grand" part6 d6termina as demaisll

.

Alguns autores, como Odalia (1985) chamam a atenção para a

institucionalização dessas desigualdades decorrente da naturalidade com

que se passa a ver a divisão entre os homens que possuem e os que não

possuem riquezas e prazeres, camuflando o fato dessa desigualdade

nascer de uma estrutura social mutável e historicamente detenninada.

40

Os adeptos dessa linha de pensamento têm uma compreensão da

violência que vai além das suas manifestações mais explícitas,

reconhecendo-a não apenas a nível de criminalidade, mas também nas

outras diversas fonnas de violação dos direitos do cidadão, tais como:

desemprego, fome, arrocho salarial, desnutrição, abandono do menor,

habitação em condições sub-humanas, produção e venda de tóxico,

educação alienadora etc, sem deixar de considerar todo problema social

como consequência do capitalismo.

Reafirmam a todo tempo que as relações sociais são

determinantes na fonnação econômica, social e cultural, e que a

distribuição desigual de bens e oportunidades, cada vez mais vem

agravando os contrastes nessas relações. Não incriminam a pobreza em

si mesma como responsável pela violência, mas, pelo contrário,

incriminam as elites pela existência da pobreza.

"( ... ) todas as sociedades divididas em

classes, de senhores e servos, assentam na violancia,

na opressão e na espoliação de uma classe por outra".

(Corbisier, 1991: 21 7)

Destacam ainda, como fruto desse sistema capitalista a formação

de uma sociedade de consumo, onde a publicidade propõe às massas um

modelo de vida confortável, sem que lhes sejam garantidos o aumento

de emprego e da renda familiar, criando um grau de insatisfação

tamanho, que muitas vezes pode levar aos roubos e crimes.

Uma parcela representativa dos que compreendem a violência

como fruto da crescente injustiça social decorrente da própria injustiça

41

na organização social ainda visualjza algumas alternativas como

atenuantes para o problema, tais como a reforma agrária, o aumento de

oportunidades de emprego, a melhoria salarial... Acreditam que o

combate à violência pode ser feito através das lutas nos sindicatos, nos

partidos, nas associações e outras organizações da sociedade civil, desde

que se faça uma séria avaliação sobre a necessidade de uma profunda

remodelação da estrutura social.

Outros representantes, entretanto, são mais radicais, afumando

que apenas após a superação da dominação econômica e política, ou

seja, somente num outro modelo de sociedade, no qual não exista a

relação de exploração, será possível isentar-se dos diversos tipos de

violência. Nesse sentido, acrescentam ainda que, enquanto não houver a

compreensão exata e o exercício pleno da cidadania e da democracia,

enquanto a vida do ser humano não for respeitada, não haverá

possibilidade alguma de qualquer tentativa de solução para casos como a

criminalidade e a violência.

b) Violência como fruto da rapidez no processo de transição social.

Ao se discutir o problema da violência, o binômio urbano e

violência tem sido freqüentemente ressaltado, traduzindo-se numa forma

de explicar esse fenômeno, principalmente a partir da relação entre as

periferias urbanas e a delinqüência.

Nesse sentido, percebe-se a existência de uma outra corrente de

pensamento que analisa a violência a partir dos "efeitos disruptivos dos

rápidos processos de mudança social", como denomina Minayo

42

(l990(c)), sendo provocados sobretudo pelo grande movimento

industrial e de urbanização.

11 A urbanização ét com c"rt.eza a principal

transformação social d~ nossos umpos. O

cr"sclm"nto ac~l"rado dos grand"s c"ntr06 urbanos 6 provocado não' ap~nas p~lo cr~scim~nto natural da

população, ma6 também p"la migração do hom"m do campo para as cidad~". (Pires, 1985: 20)

Como se sabe, o processo de industrialização dos centros

urbanos, vem atraindo cada vez mais os trabalhadores rurais, que neles

vêm jogar suas esperanças de mobilidade social, ampliando o fluxo

migratório interno. No entanto, na maioria da vezes, esta população não

consegue realizar suas aspirações, passando a povoar as periferias das

cidades, em situação de extrema pobreza e desorganização social.

Para muitos, esses aglomerados urbanos que se multiplicam

aceleradamente tornam-se pontos criticos facilitadores da eclosão da

violência, assim como de acobertamento da criminalidade.

Os que defendem essas idéias, apontam, como principal causa da

violência, não simplesmente a estrutura da realidade urbana de modo

geral, mas principalmente este contexto específico da população

imigrante pobre, como explica Minayo (1990 (c): 21):

"D~sta forma, a viol8ncia ~ncontraria nas

grand~s cidad"6, o clima propício para s"u incr~m~nto. Variáv~is como o tamanho das cidad~s, a

aglom"ração d" p"s60a6, a p"rda das rM"r8ncias familiar~s ~ d~ raíz~s culturais, favor~c~riam a

43

formação d~ 6ubcultura6 p~rif~rica6, à marg~m da6

normas ~ das I~is sociais, produzindo-s~ a partir daí 'a6 cla66~6 p~rig06a6'. A6 grand~6 cidad~s não s~riam ~ntão o foco g~rador da viol8ncia, como

c06tuma 6~r colocado p~lo 6~n60 comum, ma6 o IOCU6

privil6giado da dissociação ~ntr~ aspiraçõ~s

culturalm~nte criadas ~ os 'p066ív~is 60ciais', fato

~xplicativo da d~linqu8ncia ~ do crim~".

Alguns adeptos dessa teoria acreditam que a anomia, ou seja, a

perda de identidade, das referências familiares, ou das raízes culturais, da

falta de identificação com o grupo, pode inclusive levar mais diretamente

à violência do que outros fatores.

Segundo eles, essas condições de vida do migrante, que passa a

habitar as periferias, inadaptado e sem identificação com coisa alguma,

seriam responsáveis, inclusive, pelo novo tipo de criminoso que está

surgindo nas grandes cidades, demonstrando uma brutal desassociação

de afetividade e identificação humana.

Atualmente, pode-se notar, que o discurso que coloca a

densidade demográfica, a rapidez nas mudanças sociais e principalmente

a população pobre, os moradores das favelas e periferias como

criminosos em potencial, ressoa fortemente, reforçado pelos meios de

comunicação.

c) Violência como expressão de revolta dos despossufdos.!

Articulando a violência aos problemas sócio-econômicos, um

terceiro grupo de teorias pode ser destacado: o que justifica as condutas

44

violentas como uma estratégia utilizada pelas camadas populares para

conseguir sua sobrevivência.

Entendendo a violência como decorrente de uma organização

social anti-democrátrica, acreditam que as pessoas excluídas da

sociedade, certamente tenderiam a fazer uso da violência, como

expressão última de sua luta pela sobrevivência.

Percebendo a grande desproporção das riquezas materiais, sem

nenhuma perspectiva de ascensão social devido aos pennanentes baixos

salários, assim como a impossibilidade de conseguir emprego, os pobres

tenninam por se revoltarem, chegando a empregar a violência para

resgatar aquilo que consideram como direito seu.

H( ... ) Desempregado, sem conseguir emprego,

sem ter o que comer e como alimentar a família, que

pode fazer o cidadão senão roubar? Nesse caso, o

roubo não é roubo, mas redistribuição compulsória da

renda. ( ... )".

(Corbisier, 1991: 216)

Esse tipo de violência passa a ser considerado, a exemplo da

citação acima, como uma violência legítima, uma vez que praticada pelo

segmento da sociedade que vem sendo expropriado pela classe

dominante.

Oliven (1986: 17), um dos teóricos que defendem essa visão,

confuma:

"A viol8ncia, neste contexto, não é praticada

apenas para satisfazer necessidades econ~micas,

mas se reveste também de um caráter político, já que

45

tamb~m pr~nd~, por pa~ d~ ~I~m~ntos das

class~s dominadas, r~cup~rar pa~ do ~xc~d~n~ daqu~l~s por qu~m foram ~xpropriados."

Essa fonna de violência que vem sendo explicitada é chamada

por alguns autores de violência revolucionária, por ser entendida como

um instrumento de luta, como uma resposta à dominação, às estruturas

sociais opressoras, justificando-se por tratar-se de uma tentativa de

mudar essa situação, ou pelo menos denunciá-la. É também denominada

violência libertadora ou transfonnadora, uma vez que tende a

desaparecer assim que as injustiças sociais forem eliminadas.

Esta corrente teórica inspirou-se nas idéias de Georges SoreI, um

dos primeiros a explicar a violência como revol12 dos despossuídos, e em

Marx e Engels, que, entendem a violência como nível elementar da luta

de classes, embora considerem que a continuidade da utilização da

violência por um longo periodo não é mais a ditadura do proletariado,

mas sim a opressão pura e simples de uma classe sobre a maioria da

população.

"Marx ~ Eng~ls s~mpr~ r~conh~c~ram a n~ct:ssidad~ histórica dos métodos viol~ntos d~ luta

na transformação rt:volucionária da 6oci~dad~ ~ 6~

opus~ram, por isso, 8 substimação do pap~1 da viol8ncia na r~~rida transformação." (Vázquez, 1986: 384 )

Hannah Arendt (1973) comenta que a violência, que geralmente

brota da ira, não é uma reação automática diante da miséria e sofrimento,

mas aparece somente quando há razões para se suspeitar que essas

46

condições poderiam ser mudadas, acrescentando que, diante de certas

circunstâncias, a violência é a 'Única fOIma de reequilibrar a balança da

justiça.

d) Violência como conseqüência da falta de autoridade do Estado.

Um dos pensamentos bastante difundidos atualmente aponta

como grande causa do crescimento da criminalidade e da violência, a

falta de autoridade do Estado para reprimir os indivíduos "desajustados".

Dentro deste raciocínio, a lógica é que existe apenas uma ordem

social, que é igual para todos e tem que ser respeitada por todos. Para

garantir esta hannonia social existe um órgão externo -o Estado- que é

responsável, no caso, por controlar os violentos, os transgressores dessa

ordem.

Representando o Estado, estão o Poder Judiciário e o Aparelho

Policial, que devem usar de seu poder repressivo e dissuasivo, para

restaurar e manter a ordem e o progresso social.

Os mais radicais afumam que "autoridade" e violência são

imprescindíveis no mundo de hoje, pois, sem o emprego da força e da

repressão, o mundo se transfoImaria num caos. Apresentam múltiplas

razões para justificar o uso e o abuso da força e da violência no combate

à violência. A 'Única solução para conter os desajustados socialmente

seria a aplicação impiedosa de severas punições por parte das

autoridades competentes, chegando a respaldar a legalização da pena de

morte.

Apontam ainda como necessidades prioritárias para resolver o

47

problema da violência, o aumento dos aparelhos policial e judiciário,

além do seu treinamento, aperfeiçoamento e modernização.

De acordo com esse entendimento, quando o Estado não cumpre

o seu papel de disciplinar o povo, submetendo-o às leis e à ordem, o

resultado certamente será o aumento cada vez maior da violência.

Acredita-se que o não cumprimento deste papel do Estado tem

levado alguns setores a criarem seus próprios métodos de fazer justiça, à

margem da lei. Neste caso, vão sendo fonnados, com regularidade cada

vez maior, os "grupos de extermínio", os "esquadrões da morte", a

"polícia mineira", aprovados e aplaudidos por grande parcela da

população.

Pode-se acrescentar, nesse sentido, a questão da vmgança

privada, que também vem se tomando um hábito e encontrado respaldo

em parcela significativa da população. Dentro dessa perspectiva, quando

não encontra meios legais para garantir sua vida e seus bens, caberia à

pessoa fazer justiça em causa própria.

Embora considere que cada uma dessas tendências teóricas

explicativas da violência tenha indicado elementos significativos

enquanto detenninantes da violência, penso que muitos

questionamentos poderiam ser levantados. No entanto, quero apenas

constatar o caráter reducionista com que cada corrente aborda essa

problemática, apontando como gerador da violência a questão

econômica ou outro detenninante.

Creio que, isoladamente, cada uma dessas concepções, embora

imbuída de grande parcela de razão e verdade, não dá conta de explicar

as diversas faces ou manifestações da violência. Ao demonstrar uma

48

preocupação muito maior com a possibilidade de se descobrir um

instinto de agressividade, por exemplo, corre-se o risco de se demitir de

uma análise de critica social, numa época inclusive, em que já se tem

comprovada, através de estudo, que o comportamento violento é

provocado por uma mistura de fatores psicológicos, sociais e biológicos.

Seria uma atitude por demais ingênua pennanecer explicando o

fenômeno da violência unicamente á luz de uma ou de outra ciência, ou

mesmo adstringí-Ia a um povo ou a um detenninado periodo histórico,

uma vez que existe toda uma gama de fatores que concorrem para o seu

nascimento, o que pode levar à conclusão de que um ato de violência

nasce muito antes da sua eclosão.

N esse sentido, quero acrescentar uma última corrente teórica, que

pensa a questão da violência como uma rede, na qual se intercruzam

todos esses aspectos, dentro da qual procurei inspiração para

desenvolver o meu trabalho.

e) Teoria da violência em rede.

A teoria que compreende a violência em rede concebe o

fenômeno da violência sempre articulado aos outros fenômenos sociais,

devendo portanto ser estudado em íntima conexão com os dados

históricos-culturais .

Embora considerem importante distinguir os diferentes tipos de

violência (violência doméstica, violência das greves, violência política ... ),

pois cada qual tem suas peculiaridades, destacam a necessidade de

sempre se levar em conta os diversos elementos que se intercruzam

49

nessa relação, como explica Minayo ( 1990 (b) : 15), ao fazer referência

ao assassinato de adolescentes:

"Qualqu~r forma d~ viol8ncla, por~m, um qu~ 6~r vi6ta ~m r~d~, O a66a66inato d~ adol~6c~nu6

6upo6tam~nu d~linqü~nu6, um qu~ 6~r articulado com a viol8ncia ~6trutural qu~ Ih~6 limita o 'p066ív~1

6ocial'; com a viol8ncia do E6tado cuja fac~ r~pr~6siva

~ qua6~ a única qu~ ~ss~s jov~ns conh~c~m; com a viol8ncia organizada dos grupos d~ narcotr.áfico qu~ Ih~s of~r~c~m vantag~ns im~diatas; com a viol8ncia

individual d~ cada um qu~ unta s~ d~~nd~r numa

soci~dad~ ond~ os dir~itos humanos ~ civis são quas~

um sonho a conquistar,"

A partir desse referencial, cada ato de violência pode ser

comparado à composição de um quebra-cabeça, onde é preciso que os

dados isolados se juntem para que se tenha um quadro real. Vendo

apenas as partes isoladas, perde-se o desenho completo, ou seja, a

totalidade do fenômeno.

A explicação da violência em rede não pretende negar alguns

fatores biológicos, inatos, assim corno certos modelos internos e

adquiridos de conduta, mas não desconsidera, na fonnação desses

modelos, a influência decisiva dos fatores sociais. Acredita, portanto, que

cada urna das correntes anterionnente citadas se afetam e se enriquecem

mutuamente.

Em unidade com o princípio dialético da totalidade, essa fonna de

pensar a violência procura explicá-la, por um lado, dentro da visão do

todo, e por outro, de acordo com as suas diferenciações e

50

especificidades, buscando a conciliação das diferenças na unidade.

A compreensão da rede fundamenta-se nas idéias de Domenach,

que assim se refere a essa questão:

"( ... ) Não ~squ~çamos qu~ a viol~ncia possui

uma f~cundidad~ própria; ~Ia s~ ~ng~ndra a si m~sma. , E pr~ciso ~ntão, s~mpr~ analisá~la ~m r~d~, em

~ntr~laçam~nto. Suas formas d~ apar~ncias mais

atrozes, e 8S vezes mais condenáveis,

fr~qu~num~nu ocultam outras situações d~

viol~ncia m~nos escandalosas, por ~ncontrar~se

prolongadas no umpo ~ prougidas p~las id~ologias

ou p~las instituiçõ~s de apar~ncia resp~itável ( ... )".

(Domenach, 1981: 36-37)

Dentre a bibliografia consultada raros são os trabalhos que

especificam essa compreensão multifacetária da violência. Assim como

nos discursos do senso comum, o que se observa é a forte tendência a

reduzir a interpretação desse fenômeno a um ou outro fator, em especial

ao sócio-econômico.

O eLA VES, um dos grupos que estudam a violência, tem

produzido alguns materiais que podem subsidiar a discussão dentro

desse enfoque, assumindo-o como suporte teórico:

"0 CLAVES assume como pressupostos

uóricos para compr~~nd~r o s~u obj~to de investigação que, a viol~ncia ~ sócio, histórica e

culturalm~nt~ construída ~ n~ste espaço deve ser configurada; que a viol~ncia não ~ abstrata dev~ndo~

s~ d~svendar suas raízes estruturais, políticas e culturais; que cada fato social violento ~ uma unidade

SI

histórica e lógica, abstrata e concreta, subjetiva e

objetiva; que !J no indivíduo que se realiza essa unidade dialética entre o natural e o social, e entre o

I

hereditário e o adquirido. E este sujeito social que é ao mesmo tempo vítima, espectador e autor da viol8ncia ."

(Minayo, 1991: 1-2)

Considerando, portanto, a violência como um fato social e

histórico, propõe-se que

"Sua abordagem teórico~metodológica não

deve ser feita a partir de teorias unicausais e

lineares, ou de enfoques maniqueístas que contrapõem os espaços (cidade I campo, urbano /

rural), ou os desenvolvimentos sócio~econ~micos

(desenvolvido I subdesenvolvido, rico I pobre) ou ainda

a partir de valores ético~morais (bandido I homem de

bem), sob pena de não se conseguir aproximar da

completa rede causal da viol8ncia e de permanecer com o conhecimento apenas parcializado do

problema" .

(Souza, 1991 (b): 3)

Segundo essa corrente, da fonna isolada como a violência vem

sendo tratada (violência do menor, violência do tóxico, violência do

desemprego ... ) deixa-se de revelar os processos estruturais geradores

dessa violência. Cada ação ou fato é analisado sem se fazer uma leitura

da história concreta dos elementos integrantes.

Na opinião de alguns estudiosos, este fracionamento dos

problemas corresponde a um processo claramente ideológico, que visa

S2

chamar a atenção para as questões individuais, retirando-os de seu

contexto verdadeiro, ou seja, de sua totalidade dialética, o que se pode

contribuir para buscas de respostas individuais ou para a implementação

de políticas sociais também fragmentadas, por isso não solucionadoras

desses problemas candentes da sociedade.

Porque envolve uma cadeia ou rede de causas, de fatos, de

pessoas, de relações, de contradições ... não se pode visualizar apenas o

ator da violência, mas também os variados cordéis que conduziram

àquela ação, pois estes, muitas vezes, se encontram em diversas mãos.

S3

CAPÍTULO III

A ESCOLA E SEU CONfEXTO

54

A ESCOLA E SEU CONTEXTO

1. "UMA FLOR PLANTADA NO BREJO"

1.1- O NOME DA ESCOLA

Esta foi a justificativa encontrada pelo presidente da Associação

de Moradores, ao sugerir o nome da escola, na qual se desenvolveu esse

trabalho, que passará aqui a denominar-se ESCOLA LÍRIO.

Ocupando novamente este cargo por ocasião dessa pesquisa,

relatou-me que, para conseguirem manter este nome foi necessário que,

um grupo representativo da escola e da comunidade fosse ao NEC

(Núcleo de Educação Comunitária), uma vez que, em geral, os nomes

das escolas são escolhidos para prestar homenagem à pessoas falecidas

que tivessem feito algum trabalho significativo para a sociedade.

Acreditava este senhor que a escola seria como um lírio, "flor

muito bonita que nasce no brejo", uma vez que toda aquela área onde foi

construída era um pântano. Além disso, o lírio tem cinco pontas, que

poderiam significar as cinco comunidades que seriam inicialmente

atendidas.

55

Para a inauguração foi criada ainda uma música, pelo mesmo

autor do nome da escola, que se tornou seu hino, cantado até hoje pelos

alunos:

"{9 eJeff3 ( ... ) eJ4 tm f!MM. ~

ÂF fJJÚJ. ~ f!MM. ~ Â ~ ~ fONL a, u1t~.

ÂF ~ ~ a, lu.. CWIM IM-~ 3akt. ~ CWIM eM1\, ~ ~

e~ e Je ff3 í a, fI&6a, CJl6I2

3~ UKIií:l& ~ ~ ~

h~~~~&~

3~a,~~~Oijd

e~~fI&.~~

k ~ 'fA' ~ ~ fM ai."

Durante a entrevista que realizei com o autor da música, percebi

que o colégio não era mais sentido como a "casa" deles e que muitos

daqueles desejos iniciais, carregados da esperança de mudança, sofreram

alterações ou não existiam mais.

Hoje, o próprio presidente da Associação de Moradores,

considera, por exemplo, ser muito difici1 que a escola possa fazer alguma

coisa para diminuir a violência.

"( ••• )~a,~~~~. r&~mmlMum ~ 'fA' F VW1, ~ ~."

S6

De que está se desistindo agora? O que é que não deu certo?

De onde a decepção? ...

Teria sido essa visão inicial pautada numa esperança de que as

coisas pudessem mudar magicamente sem que trabalhos concretos

fossem feitos? Acreditava-se que a escola fosse resolver o problema da

violência, assim como contribuir para um futuro diferente, demonstrando

uma visão bastante otimista e idealista de que a escola, por si só, pudesse

mudar a sociedade? ..

1.2- O AMBIENTE FÍSICO

Ao ser construído, o prédio obedeceu, em termos gerais, à

arquitetura projetada para as escolas do Programa Especial de Educação,

compondo-se de três construções distintas: o prédio principal, o salão

polivalente e a biblioteca, assim constituídos, conforme Ribeiro (1986:

103,104):

"O pr~dio principal possui tr~s pavimentos

ligados por uma rampa central. No pavimento ~rreo localizam-se o refeitório com capacidade para 200

pessoas e uma cozinha dimensionada para confeccíonar o desjejum, almoço e lanche para at~

1000 crianças. No outro extremo do pavimento t6rreo fica o centro médico e, entre este e o

refeitório, um amplo recreio coberto. Nos dois pavimentos superiores estão localizadas as salas de

aula, um auditório, as salas especiais (Estudo

57

Dirigido ~ outras atividad~s) ~ as instalaçõ~s

administrativas. No urraço, uma ár~a r~s~rvada

para atividad~s d~ lazer e dois r~s~rvatórios d~ água.

O salão polival~nu 6 um ginásio desportivo cob~rto, dotado d~ arquibancada, vestiários ~

d~pósito para guarda d~ materiais. A terceira construção 6 a biblioteca,

idealizada para aunder os alunos tanto para

consultas individuais como em grupos

sup~rvisionados, estando tamb6m à disposição da comunidade. Sobr~ a biblioteca ~xisu uma v~rdad~ira

r~sidancia, com alojam~nto para doz~ crianças

(m~ninos ~ m~ninas) qu~ pod~rão morar na escola ~m caso d~ n~cessidad~, sob o cuidado d~ um casal qu~

dispõ~ na casa de quarto próprio, sala comum,

sanitário ~ cozinha."

De toda esta estrutura citada a única alteração somda foi em

relação à casa dos residentes, a qual, ao invés de ser construída sobre a

biblioteca, localizou-se no terraço. Entretanto, logo um ano após a

inauguração, a biblioteca foi interditada devido a sérios problemas de

infiltração na laje, passando a se instalar no segundo andar.

Antes das obras de recuperação, motivadas pelo recomeço da

implantação do Programa, em 1992, todo o prédio apresentava-se

bastante danificado, em precário estado de conservação e limpeza.

Além disso, mesmo após o início dessa nova etapa, podia-se

verificar que este belo espaço fisico, que parecia projetado dentro de um

modelo-padrão de escola para ninguém botar defeito, não era

devidamente ocupado, como sonhou seu idealizador.

Estaria aqui se repetindo a mesma história do presidente da

Associação de Moradores, uma vez que este espaço fisico não conseguiu

58

ser preenchido com aquele seu sonho? Seria este também um sonho

idealizado, maior do que a dura realidade pudesse suportar? ...

1.3- QUATRO MOMENTOS NO PROCESSO DE

ORGANIZAÇÃO

Desde que foi inaugurada a escola passou por vários momentos

de mudanças no seu funcionamento e organização, sendo que estes que

se seguem podem ser destacados como principais:

1985 : Inauguração, em 22 de Setembro, tomando-se um

acontecimento muito especial por tratar-se da primeira escola do Projeto

a ser implantada em Duque de Caxias.

Funcionava de acordo com toda a política educacional proposta,

contando com os recursos humanos e materiais necessários para tal.

1987: A escola passa por uma fase bastante dificil, devido a

uma intervenção inesperada na Direção, que durou meses, em nada

adiantando as mobilizações feitas para impedí-la. Os verdadeiros

motivos desta intervenção, por parte do Estado, até hoje permanece sem

uma explicação convincente.

Após a saída da interventora foi realizada uma eleição para aquela

função, porém muitos conflitos permaneceram.

Devido à mudança do Governo do Estado, altera-se bruscamente

a política educacional e o CIEP afasta-se, conseqüentemente, da

59

proposta inicial.

1988, 89: A escola consegue se recuperar da desarticulação que

se encontrava, chegando a eleger uma direção de modo mais

democrático.

Ao final deste periodo, passa a funcionar em dois turnos,

transformando-se numa escola comum da rede, cuja comunicação foi

feita aos pais através de uma reunião.

1992: A escola passa novamente por várias mudanças, como

poderá ser verificado nesse trabalho, devido à reimplantação do Projeto.

Há de se entender, evidentemente, que mudanças na organização

de uma escola ocorrem naturalmente, como parte de um processo.

Entretanto, a questão que se coloca aqui, é o fato de algumas sérias

rupturas serem implantadas para atender a interesses "políticos", sem

discussão com as partes que serão atingidas, numa demonstração clara

da permanente intervenção do Estado na educação, de modo ainda

bastante autoritário.

Além disso, fragjlizadas na sua organização, destituídas de voz e

de poder de decisão, as escolas, muitas vezes, terminam por reproduzir

esta mesma relação de poder com a comunidade, tomando-a um agente

passivo, mero receptáculo de informações.

De que forma, porém, impedir essas mudanças tão radicais

quando não se tem um projeto maior para a educação, com o qual a

população se sinta realmente identificada e comprometida, porque

participante da sua construção? ...

60

104- FUNCIONAMENTO DA ESCOLA

Como vem sendo citado, em cumprimento à política atual do

Estado, estando agora no poder o mesmo partido que criou o Programa

Especial de Educação, a escola ora. caracterizada, retomou sua proposta

original e, consequentemente, muitas alterações tiveram que ser

providenciadas, a começar pelo funcionamento em horário integral.

Como o atendimento ao pré-escolar não está previsto no Projeto,

os almos do ano anterior foram encaminhados à classe de alfabetização,

passando a serem atendidos somente alunos da 1 ª fase do 1 Q grau,

cumprindo uma carga horária de nove horas e meia diárias.

Em princípio, se poderia supor que seria mais proveitoso para as

crianças permanecerem um período tão longo na escola, principalmente

devido às precariedades do seu meio social. Entretanto, há que se

questionar sobre essa permanência integral, à medida que não se conta,

pelo menos no momento, com os recursos materiais e humanos, assim

como com uma proposta pedagógica diversificada, que pudesse ser

capaz de responder às necessidades das crianças, por idade, por

interesse, além da consequente redução das vagas.

Analisando a matricula nas diversas séries (em 1992), percebe-se

claramente o afunilamento que se processa na escola: foram constituídas

9 turmas de 1ª série e somente 1 turma de 4ª série.

Pode-se constatar também que no ano de 1991, enquanto se

formaram oito turmas de 1 ª série, havia apenas duas turmas de 4ª série,

61

sendo que, dos 60 alunos que iniciaram nestas últimas turmas, 37

frequentaram até o final do ano, e somente 29 alunos foram aprovados.

Outro dado que merece atenção: estes 60 alunos que iniciaram na

4ª série foram os que conseguiram pennanecer na escola, dos 270

matriculados na série inicial, no ano de 1988.

Esta desproporção reflete, em pequena dimensão, o processo de

exclusão vivido nonnalmente em nossas escolas, o que não pode deixar

de ser percebido como uma das violências praticadas por elas, ainda que

entendendo que esta exclusão seja resultado de uma multiplicidade de

causas que se inter-relacionam, atingindo as crianças de diversas

maneiras, provocando ao final este alijamento.

De acordo com as entrevistas realizadas, nesta escola, este

fenômeno da evasão ocorre principalmente devido à necessidade das

crianças serem obrigadas a trabalhar, para colaborarem na renda familiar.

Além disso, alega-se que muitas iniciam o 1 Q grau já com idade

meio inconciliável entre a escolarização e as outras atividades que

precisam fazer para sobreviver. Outra causa citada com bastante

frequência para justificar a evasão, são as longas e inevitáveis greves dos

profissionais da educação.

Nesta listagem de explicações, aparece também a mudança

frequente de moradia.

62

Este depoimento vem reforçar uma caracteristica do povo dessa

região : o provisório na moradia. Em Duque de Caxias, os migrantes

constituem aproximadamente 60% do quantitativo demográfico:

665.343 (IBGE/1991). Este fenômeno da migração, acompanhado do

seu eterno desejo de voltar à terra natal, aparece aqui interferindo na

própria dinâmica da escola.

Com a implantação do Projeto, uma das principais queixas por

parte dos professores, além da falta de materiais e das precárias

condições fi sicas , é a redução da equipe extra-classe e também do

número reduzido do pessoal de apoio.

"1& ~ f1IlUA. a, ~ ~ ~ ~; ~

~ ffJ~ /& ~ pk ffJ.{). (ffJ~ ~), M ~ fIM dM ~ ... "

Além disso, percebe-se que alguns profissionais tiveram que

assumir mais funções e encargos, em prejuízo da sua função específica.

Uma situação que bem pode ilustrar essa interferência é a

alteração ocomda na biblioteca. No ano de 1991, tive oportunidade de

observar que, além do atendimento às crianças da escola e das

comunidades, as quais demonstravam sempre um grande prazer em

participar daquele ambiente, as professoras responsâveis realizavam um

63

excelente trabalho de ampliação culturél4 promovendo debates com

autores do município, entrosando suas atividades com o trabalho das

regentes de turma, promovendo ida das crianças ao teatro etc.

Atualmente, contando com apenas uma pessoa a disposição naquele

setor, fica praticamente impossível a continuidade daquele trabalho.

Apesar de todas essas considerações, quero retomar o

questionamento já iniciado anterionnente : até que ponto estes

profissionais estarão reclamando somente da falta de componentes na

equipe e/ou de se ocuparem de tarefas nem sempre conciliáveis com

suas funções? Estariam reclamando também de um projeto, que na

verdade não foi construído com eles, expressando um sentimento de não

atingimento de algo que está fora ou muito distante deles? Não será essa,

uma sensação mais grave do que o fato da escassez de recursos, de

tempo, de espaço? ..

Gostaria de deixar claro que esta análise foi desenvolvida a partir

de dados e observações obtidas no penodo letivo de 1991 e primeiro

semestre de 1992. Não cabe aqui nenhuma generalização a outras

escolas, assim como nenhum descrédito de que essa proposta não possa

ser implementada num espaço mais longo de tempo. No momento,

gostaria apenas de ressaltar que muitos aspectos observados mostram a

distância de um projeto elaborado a nível de Secretaria Estadual de

Educação e o real vivido na escola.

64

1.5- QUANDO O AFETIVO SE DISTANCIA DO ,

PEDAGOGICO

A partir dos últimos cinco anos, começa a circular entre alguns

educadores, um pensamento que compreende a educação como tarefa de

toda a comunidade escolar : alunos, pais, professores e funcionários de

apoio (serventes, merendeiras, inspetores de alunos, secretários, agentes

administrativos ou escriturários).

Esta etapa é marcada principalmente pela proposta de inclusão

dos profissionais de apoio no processo pedagógico, chegando a se

sustentar a idéia de que poderiam inclusive clirigir uma escola.

Os profissionais de apoio estariam igualmente comprometidos

com a socialização dos alunos e, em menor medida, com a transmissão

de conteúdos importantes para a sua formação geral e para a aquisição

de uma visão critica da realidade.

A priori, gostaria de revelar o quanto os sentimentos decorrentes

da compreensão acima permearam as entrevistas que realizei com os ,

profissionais da educação da ESCOLA LIRIO e o quanto as análises

feitas aqui parecem ter sofrido interferências deste pensamento. Minha

perplexidade diante de alguns fatos, até certo ponto, parece também estar

submetida a este ideário pedagógico.

Ao observar o tratamento dos profissionais da educação com os

alunos, percebi que, dentre o pessoal de apoio, apenas os inspetores de

alunos circulavam mais livremente entre as crianças. Embora tivessem a

função específica de controlar a disciplina, alguns deles demonstravam

6S

interesse numa aproximação mais afetiva e socializadora.

Uma das inspetoras chega a concluir que ela desempenha

diferentes papéis na escola: de mãe, de enfermeira, de psicóloga, de

orientadora ...

"~ ~ tm ClJ.6IJ-, ~ fI.M ~, ~ (!,

~fdia /tU ~ ~pm ~ (!,~, M ~ ~ M ~, ~ (!, fNF'" ~, (!, ~ M ~ .•• 11

N o controle da disciplina, ela acredita não ter grandes

problemas:

"k ~ (!, ~ ~ !IQII, ~, ~ ~ à. allw..a., ~~~(!,~, fIM~~. ~~ ~ck,~~.&(!,~~~,

~ mmJm,. (!, ookp.. 1& aJwJn. lMinA v;ool lá ~. V~~~.

À!Ir ~ (!, ~ ~ (!, ~ Q, dut fU' F fIM

~ f1UUA • .4t w, ~ ~ ela, tal,. umJ., paf», ~ ~ (!,

F~'~~'''"

Quero chamar a atenção, a partir dessa fala, para o quanto este

profissional já não restringe sua função na escola ao simples controle da

disciplina.

As pessoas que trabalhavam na secretaria da escola, embora

envolvidas em tarefas mais burocráticas, não só demonstravam

conhecimento da vida comunitária dos alunos, mas também da sua

participação na escola.

66

Em contrapartida, as merendeiras mantinham-se sempre muito

distantes, tendo uma daquelas que entrevistei me declarado:

Esta frase bem parece delimitar o seu "lugar" na escola.

Também os serventes pareciam c.umprir suas tarefas, sem

nenhum envolvimento com as crianças.

Ao entrevistar uma das serventes, surpreendi-me, inicialmente,

com seu total desinteresse pela nossa conversa. Sem nenhum

constrangimento afinnou logo de início:

Ao lhe perguntar se achava que teria algum tipo de

responsabilidade com elas, me respondeu:

":J~ ~ ~ ~ ~ ~ fM ~, f11& fI.M

~. 1& ~ WIlIJ, ~. eu fI.M or OIJ, ~ ~. 1&~tm~,,1

Diante dessas colocações, tamanha era a minha surpresa e

decepção, que não sabia mais o que perguntar.

Talvez eu imaginasse até, que em detenninados momentos,

alguns educadores pudessem pensar dessa maneira, porém me senti

bastante constrangida, ao ouvir e perceber a raiva com que essa pessoa

se expressava.

67

o que levaria um profissional da educação a se colocar, pelo

menos aparentemente, tão descomprometido com a parcela mais

importante da escola?

Talvez pela reação mostrada, compreendida por mim como uma

rejeição às crianças, perguntei-lhe, ao final, se tinha filhos.

"Yuh. e ~ pJ& ~ CM7It ,k, fi&. ~ f7Ulit.

.rk~.11

Encerrei a entrevista nesse momento, ao entender que o diálogo

cada vez se fechava mais, refletindo mais uma vez sobre a necessidade

de considerar a multiplicidade de fatores e implicações que estão por trás

de cada atitude em que a violência se manifesta, ou seja, de procurar

considerá-la sempre em rede.

Há de se pensar sobre o real papel que o pessoal de apoio vem

exercendo na escola. Estarão eles, de verdade, integrados no processo

educativo? Consideram-se realmente educadores? Ou estão ali, na

maioria dos casos, numa evidente reprodução das relações de trabalho

em nossa sociedade, meramente cumprindo suas "tarefas manuais",

isoladas das "tarefas intelectuais"? ..

A proposta de se ter na escola a educação como tarefa de todos

será apenas a visão de uma pequena parcela de militantes da área da

educação, com algumas reflexões idealizadas, quando o real da escola

mostra exatamente o contrário?... Como romper com esse

distanciamento entre o discurso e a prática? ..

Continuando as obsetVações feitas sobre a relação dos

68

trabalhadores da educação com os alunos, descrevo agora as que se

referem aos professores, cujas funções estão ligadas mais diretamente

aos alunos.

De um modo geral, os regentes de twma acentuavam a

importância de conhecerem e de se colocarem juntos com os alunos,

mencionando a conversa informal, o diálogo, como a melhor maneira de .

se aproxunarem.

Porém, ao tomarem conhecimento da vida e dos problemas dos

alunos, alguns professores assumiam um sentimento, por vezes

inexplicável, de paternalismo ou mesmo de compaixão. Alguns me

diziam que, a partir dessas descobertas, preferiam afastar-se porque não

queriam sofrer; outros, procuravam mudar a forma de se relacionarem

com eles, dando-lhes um novo tratamento.

Uma das professoras afirma:

11 [ol '" J , I • . I, , (,U, ~ tQ.fI.M. pm<L (U.[.QA., f1I.aâ.... ~ ta... M ~, W, mt

~ QWI, M cMm, 'F' ~ oWwt,. (JJ~ w, fi.&. ~' fM ~, ~ uma. oidn, wwk mJIw... eu, fi.&. ~ fTIJJiin. ~ QWI,

~. rTb àIlr ~ w, ~ ~ fWL ~ aá6im ... ~ paun, mt

~ QWI, uma. CIlIIiKIAa. 1&.... ~... eu, F ~ a, cIw..M f1Wii& ~ fUJ,~. Uma ~ ~ riA, ~ M w.u ~ t

W, clwwi. 3~ ttm wJ ~ ~ tm CiJJJI1.. 3~ QWI, uma.

puw-... aá6im ... ~ 14. ~ ~ ~ um ~ ~ ... "

Alguns professores me diziam que não sabiam como se

aproximar dos alunos, porque muitos deles se recusavam a receber afeto.

69

Em contrapartida, outros professores achavam que as crianças

demonstram uma grande carência de afeto e de carinho.

Estaria a boa relação professor-aluno sendo compreendida apenas

corno uma proximidade fisica, expressa somente através do carinho?

Pude observar que, muitas vezes, esta relação assim concebida

transfonnava-se num tipo maternalista ou protecionista, onde o

sentimento de "pena" em nada favorecia o crescimento do aluno

enquanto sujeito da relação.

Não estou, de fonna alguma, querendo diminuir o valor de uma

relação de amor e de atenção com os alunos, pois considero de

fundamental importância e mesmo necessário que todo o processo

pedagógico seja perpassado pela afetividade, tendo inclusive destacado

esta fonna de relacionamento corno uma das propostas finais, para a

construção de uma pedagogia anti-violência. Além disso quero ressaltar

o esforço demonstrado por alguns profissionais para se manterem num

nível de equilíbrio emocional, diante de circunstâncias tão desgastantes

em que atuam.

Porém, nesse momento, questiono sobre a dificuldade do

professor em entender o papel que representa nessas situações. Se ele

não consegue articular seu papel com o destino social das crianças, se

70

sua proposta é pessoal, individual, deslocada de um projeto maior,

minimamente comprometido com a transfonnação da realidade, de que

maneira estaria implicado com as situações que se defronta? Sem se

perguntar e sem saber o que está fazendo na escola, provavelmente

pennanecerá apenas fazendo carinho ou lamentando a chamada carência

afetiva dos alunos, entendendo o afetivo isolado do pedagógico.

Por diversas vezes comentava-se também sobre outro

complicador no relacionamento: lidar com um "tipo estranho" de criança.

"eu ~ umvJ, ~ fTWik ~ ( ... ). l& f71JJii& ~ ~ F a, ~ ~, i mudn, CIIilJKv.p. ~, CM1J,

f71JJii& ~. eu ~ F ~ Iim ~ ~, F w,

~ ~ ~ ~. rTb ~ w, f1W, ~ CM1J,

alih.~Ót fTWik ~.II

Ao lhe pedir exemplos dessas COiSas estranhas, a professora

esclarece:

II~SII, ~, W, ~ F ~ i umvJ, ~ ~,

f11& W, fIJ.JKWJ, Ww. W'.J.Jmk. ~ ~ ~ WJ, tWj alk, um

d.wr~ dA, ~ à, ~ ... i ~ ... L. ~ auiKrv dA,

~ ~ ~ Iun, duJM, dJJ, ~... ~ ~ dA,

~ CMM ~ ~ ~ dA, duJM, dJJ, CIJN1 ~, ~ um

~ CM1IUm. ~ ~ dA, <JMrI&, ~ ~ "",li ~

~ a, W!lJ,~, .k ~ ~, ali f1\WM a, ~ dA,

~ F vai rlnA ~, ~ F ~ ~, fUI, miKIlw, ~ dA, cuk. ~ Iwk. ~ lf7U1ik. ~ ~ Q, ~ ~ CM1J,

~.II

71

o que poderia justificar esse sentimento de estranheza? O não

atendimento a um modelo de aluno que se tem : bem comportado,

submetido, obediente, com outra moralidade e outras experiências de

vida, de outra realidade social?... Como construir uma relação

pedagógica, afetiva, com alguém que não se encaixa no modelo que se

tem, ou que não se comporta da maneira que se pretende? ..

Essa reação de estranheza, advinda talvez das diferenças culturais

ou de classes, que coloca uma pessoa de um lado e a outra, do lado

oposto, parece trazer um obstáculo intransponível para a relação: ou ela

ou eu.

Já se estaria aqui diante de uma das fonnas de violência

praticadas por parte da escola, ao ver o aluno como um ser tão diferente,

estranho a ela, iniciando nesse momento o seu processo de exclusão? ..

72

2. UM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA

2.1 CONDIÇÕES DE VIDA DOS ALUNOS

A quase totalidade dos alunos da ESCOLA LÍRIO moram em

duas comunidades próximas, constituídas por favelas.

Embora alguns dados possam diferenciá-las, estas comunidades

vivenciam um dia a dia de muita violência, desde a violência estrutural à

violência da delinquência, repetindo em pequena proporção a mesma

situação de Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense, no qual

estão inseridas.

Ambas as comunidades tiveram sua origem a partir da ocupação

dos terrenos, sendo que uma delas foi uma das primeiras favelas de

Caxias, tendo iniciado este processo de ocupação em 1950, em meio a

grandes adversidades, como explica o presidente da Associação de

Moradores.

II~ ~, W1 CMM- Uf1I4 ~, chw, ck ooIn.â" CM11t

f1lJJiin. bnn.. ~~ ~ fMIL<W<WI, ~ • .B~ ~ uma,

~ f-~ ~ ~ ~ OOIJIJI:. • .B~ (lá, ~ vJiaM.m f- já ~ ~ ~~. rrb fI.tMlI, ~ fI& bWL ÓIfU1' mm 4· li tm 1 qb2 ó, fU' ~ ~ ~."

A outra comunidade, de acordo com as declarações feitas até com

certo orgulho por um dos diretores da Associação de Moradores, é uma

das maiores favelas da Baixada, conhecida internacionalmente.

73

Os primeiros barracos foram construídos há mais ou menos

quinze anos; ao redor de um espaço onde era depositado todo o lixo de

Caxias e adjacências. Este fato lhe deu origem a uma designação

especial, a qual, ainda hoje, é motivo de discriminação para as pessoas

que ali residem.

O que se continua percebendo atualmente, é que estes moradores,

usurpados nos seus direitos de cidadania, pennanecem sofrendo a

violência da falta das mínimas condições para uma vida digna, a começar

pela falta do saneamento básico.

Este sério problema que enfrentam tem como agravante um valão

não canalizado que separa as duas comunidades.

Segundo uma reportagem do Jornal O Globo(29-3-92: 4)

"( ... )quando o valão está vazio é que se pode avaliar a grande quantidade de detritos exisunus.

Roupas velhas, animais mortos, garrafas e papel se misturam no leito do valão e atraem ratos e porcos ( ... ). De acordo com um morador, quando está assim ainda é bom, o problema é quando ele enche, no começo da tarde. A água entra nas casas e fica tudo com cheiro de podre."

Um dos aspectos que mais me chamou atenção na primeira visita

a uma das comunidades, foi exatamente essa enorme quantidade de lixo

jogado não somente dentro do valão, mas por toda parte, além da lama e

do cheiro insuportável de esgoto.

Ainda é grave o problema da falta de água e mesmo de luz,

principalmente em uma das comunidades.

A falta de saneamento básico, um dos principais condicionantes

74

de inúmeras doenças e do alto índice de mortalidade, é uma das mais

graves questões que se enfrenta não só em Duque de Caxias, mas em

toda Baixada Fluminense, como mostram estes dados, fornecidos por

Oliveira (1991: 13):

"Ap~nas 2110 das r~sid~ncias são atendidas

por s~rviço d~ ~sgotam~nto sanitário ~, mesmo assim, por sistema unitário, o qu~ provoca o

lançamento de todo o esgoto da Baixada nos rios e

na Baía de Guanabara, provocando sérios problemas

no meio ambiente,"

Além disso, acrescenta Minayo (1991: 2):

"Apenas 5210 dos domicílios possui

abastecimento de água ligado à rede gera!."

Ao se visitar estas comunidades pode-se observar que as ruas não

são urbanizadas e que grande parte das residências parece ser construída

pelos próprios moradores, em muitos casos permanecendo inacabadas,

servindo às vezes de habitação coletiva, segundo consta nas entrevistas.

Em uma das favelas, cerca de 30% das construções ainda são de

barracos de madeira.

Diante do acelerado crescimento demográfico, a questão

habitacional toma-se um dos problemas centrais na Baixada Fluminense.

A grande maioria da população vive em precárias condições de moradia.

Segundo um estudo coordenado pela FASE (Federação de órgãos para

Assistência Social e Educacional), para se manter os atuais níveis de

precariedade, sem nenhuma melhoria, seria necessário a construção de

75

uma média de 12 mil unidades residenciais por ano. (Oliveira, 1991).

Duas escolas públicas atendem as crianças em fase de

escolaridade: o CIEP (1ª a 4ª séries) e uma escola da rede municipal que

estende seu atendimento até a 8ª série. Além disso contam com uma

unidade escolar ligada à Igreja Batista e uma ou outra pequena escola

particular do tipo "fundo de quintal".

Esta realidade educacional, que comporta quase que a totalidade

das crianças torna-se uma exceção diante da situação geral do município,

traçada pela direção do SEPE - Caxias (Sindicato dos Profissionais da

Educação):

"em 1qq1 ~ ~ (~, ~, m1J:J~) aoolu.wmt, ~ j)~ rh (;ao:iJ:lA ~ m.cuf. rh ~ mil ~ ~ rh ~ rh cuk., ~ f!.a, ~~ ttk ~ ~ CL ~ t ~ mil".

O analfabetismo é um dos indicadores do baixo nível de

condições sociais da população da Baixada. De acordo com Oliveira

(1991) 150/0 das pessoas de quinze anos ou mais, são analfabetas, sendo

este índice quase o dobro do verificado no município do Rio de Janeiro,

por exemplo. Em Duque de Caxias, segundo o IBGE (1980),

aproximadamente 21 % da população apresenta-se sem instrução ou com

menos de um ano de estudo.

A instalação de um posto de saúde na comunidade é uma das

reivindicações mais constantes dos moradores.

76

Na realidade, esta sena também a queixa de quase toda a

população de Caxias, onde os serviços de saúde, além de não estarem

adequados para atender à demanda, em sua maioria pertence à iniciativa

privada, expressando a violência estrutural de uma sociedade que

permite a desigualdade na distribuição dos recursos, mesmo nos

considerados essenciais à vida.

A situação da saúde é dramática não só em Caxias, mas em toda a

Baixada, a começar pelo altíssimo índice de mortalidade infantil.

"( .. .)Na Baixada morre~se mais por causas

obst.étricas e abortivas do que no município e no

est.ado do Rio de Janeiro; sua mortalidade neonat.al é

de 24 óbit.os em cada mil crianças nascidas vivas em

relação a 11 óbit.os na área mais privilegiada do Rio de

Janeiro; na mortalidade infant.iI que é de 47 óbit.os na

Baixada, enquant.o nest.a out.ra área é de 18 (por 1000 nascidos vivos), e deve~se principalment.e às

doenças t.ípicas do subdesenvolviment.o como

diarréia, pneumonia e desnut.rição. Essas proporções são de 37% cont.ra 1970 respect.ivament.e".

(Minayo, 1991: 5)

Embora as comunidades que vêm sendo retratadas estejam

localizadas bem próximo a um tenninal rodoviário, muitos de seus

moradores ainda precisam enfrentar filas enormes para irem trabalhar,

uma vez que incluídos nos 70% da população ativa que trabalha fora do

município.

77

Duque de Caxias, apesar de ser o segundo município do Estado

do Rio de Janeiro em arrecadação fiscal, apresentando excelente

crescimento na indústria e no comércio, ainda não consegue absorver

toda a força de trabalho, mantendo a dependência econômica da região

metropolitana do Rio de Janeiro. Por este motivo, até hoje, continua

sendo considerado uma espécie de ti cidade-donnitório ti , com todas as

caracteristicas, dinâmicas e problemas contingentes a essa denominação.

Numa das visitas às comunidades, percebi uma grande euforia

entre a criançada e mesmo entre os adultos, curtindo a montagem de um

circo. Momento mágico, capaz de transfonnar em festa aquele cotidiano

de miséria. Fato significativo para demonstrar a ausência de opções

culturais e de lazer nessa região, embora algumas alternativas venham se

despontando, como o caso da Escola de Samba Acadêmicos do Grande

Rio, cujos ensaios são realizados nas proximidades dessas duas

comunidades, oportunizando sua participação. Há de se destacar

também o esforço da Secretaria Municipal de Cultura que vem

procurando remediar essa carência.

Ao me referir às tradições culturais em Caxias, não posso deixar

de destacar a chamada feira dos Nordestinos, semelhante às de Caruaru,

Santana e São Cristóvão, que acontece todos os domingos na cidade,

atração famosa em toda a redondeza.

O presidente do Sindicato do Comércio Varejista dos Feirantes

calcula que tenha em média 5 mil barracas de todos os tipos de

mercadorias, além de uma grande parte reservada a comidas e objetos

típicos nordestinos.

Desta feira consta também a tão procurada, porém condenada,

78

Feira de Passarinhos, que possui uma enorme variedade de pequenas

aves e de animais silvestres e domésticos.

Conforme me referi anteriormente, a caracterização dessas duas

comunidades demonstram, na verdade, a realidade vivida pela grande

maioria dos bairros de periferias e demais favelas de Duque de Caxias.

Contrastando-se com esse cenário, existem alguns poucos bairros

como o Jardim 25 de Agosto, Paulicéia, Centro, que contam com uma

infra-estrutura urbana mais desenvolvida. Porém, em termos gerais, o

que se constata é que o povo enfrenta um dos mais baixos níveis de

qualidade de vida, apesar dessa região possuir características sócio­

econômicas e geográficas privilegiadas.

Pode-se dizer enfim, que há um longo percurso para se

transformar esse espaço, visto e sentido como um espaço de violência e

de morte, num espaço de vida digna e prazerosa.

79

A

2.2 VIVENDO A VIOLENCIA DIA A DIA

Durante a pesquisa, num dos contatos que fiz a uma sala de aula

para explicar o trabalho que vinha realizando, ao colocar que naquele

momento estava visitando as comunidades para conhecer mais de perto

onde os alunos moravam, uma das crianças demonstrou uma reação de

tanto pânico, que chegou a me assustar: "Não, tia, não vai lá no( ... ) não!" .

Tentei conversar, mas o menino parecia não me ouvir. Continuava

falando sem parar, como se me implorasse: "Não vai lá não, tia! ... "

Após tetminar minhas explicações, conversei particularmente

com este menino, entendendo que toda aquela "proteção" comigo

relacionava-se ao medo de que me acontecesse algo de mal. "É muito

perigoso gente de fora entrar lá", acrescentou, após me relatar casos

presenciados por ele ou contados por seus amigos, nos quais a violência

se expressava de modo assustador. Segundo este menino, quem mora

"daquele lado" é gente ruim, não presta.

Desde o início da pesquisa de campo, percebi que existia uma

rivalidade muito grande entre as duas comunidades. Vários depoimentos,

ou conversas informais, revelavam este confronto, embora em certas

entrevistas alguns moradores discordassem dessa hipótese.

Essa "diferença" ou "implicância", como denominavam os alunos,

se manifestava principalmente numa declarada discriminação com os

que moravam em determinado espaço. Muitas vezes ouvi :frases tipo:

"Ele mora no ( ... )", entre as acusações durante as brigas.

Falava-se frequentemente em dois lados: o "lado de lá" era o

espaço marginalizado por eles, o "lado de cá", mais próximo da escola,

80

era o espaço "privilegiado".

Ao procurar entender os motivos desse conflito, entrei em contato

com um mundo até então só conhecido por mim através dos meios de

comunicação. Por isso, de início, tive grande dificuldade até mesmo em

entender o significado de alguns termos usados nas entrevistas, o que, de

certa forma, causava um constrangimento, ou até mesmo um recel.O nas

pessoas para me falarem sobre determinados fatos.

Esta minha falta de conhecimento daquele mundo aliada aos

meus sentimentos de estranhamento, de angústia, de perplexidade diante

dos depoimentos e do estado de miséria das pessoas e do local, revelam,

na verdade, que fazemos parte de mundos nos quais as relações sociais,

culturais, afetivas são quase totalmente diferentes.

Acredito que muitas vezes, voltada somente aos meus

sentimentos e atenta aos meus interesses, não tenha me alertado para os

medos e inseguranças que o outro poderia estar sentindo. Esse

estranhamento, porém, na certa não se daria unilateralmente. Que

sentimentos irrevelados permeariam também o entrevistado? Qual seria a

dimensão de sua angústia? Até que ponto eu poderia inibí-los com

perguntas incutidas de meus preconceitos e valores tão distantes da sua

realidade?

Em muitos momentos parece ter se desencadeado um verdadeiro

choque cultural entre pesquisadora e pesquisado, o que não quero

81

desconsiderar de forma alguma, entendendo que é também na

explicitação desses tipos de vivência que residem o valor e a riqueza da

pesquisa. Talvez a dificuldade maior fique por conta de não ter

conseguido trabalhar mais profundamente minhas percepções para que

conseguisse filtrar o que era estritamente da minha vivência de classe e o

que era produto da pesquisa.

Com a continuidade do trabalho, aos poucos fui concluindo que a

principal causa da hostilidade entre as comunidades tinha sua raiz mais

profunda na "guerra" entre os grupos que controlavam o tráfico de

drogas na área. Era justamente por isso que as pessoas resistiam muitas

vezes em falar sobre a violência, de dentro ou de fora da escola, pois, em

geral, relacionavam esta questão àquela situação.

Paralelo a este entendimento referente à relação desses grupos

com as comunidades, fui percebendo a grande influência e mesmo

poder, que exerciam sobre elas. As crianças e até os adultos

demonstravam um grande sentimento de gratidão pela proteção e

cuidados recebidos.

"~ fi.&. f1WW1I, QWl, M ~. ~~, ~

a, ~. 11M f1WW1I, QWl, ~. ffJaJ:NJm, fW1' ti Q, fW1' m Q,

fdtun,: '~M7J, dm., miKJw.1id'. ~ a, ~ d" Im. ( ... ). ~ ~ fIM ~ d" UfA CtJMJ! ~. e~ ~ u.m ~ ~, ~ s. ~ ~ a,~. rTWw, ~ foi ~ QWl, IAM OK!.M, M

OONJIJ, ~ eL., ~ QWl, eL.."

"f2uun, oacila, fU1 fooJn- ok ~ fW1' ~ d" ~." "( ... ) ~ taiun, fim, ~ ~ ~ ~ 'fM' ~."

82

Diante de depoimentos como estes fui descobrindo que existia

nas comunidades uma "moral", muitas vezes determinada pelos próprios

grupos de "marginais", que chegava a me confundir devido às minhas

experiências culturais tão diferentes. De início cheguei a pensar que

estavam mesmo preocupados com a fonnação das crianças, até descobrir

que queriam era não atrair a presença da polícia.

Vários depoimentos me foram transmitidos mostrando uma

igualdade de culpabilidade, seja da polícia, seja do "bandido", sendo

raros, entretanto, os que demonstravam maior credibilidade na polícia,

devido, principalmente, à sua atuação nas invasões nas favelas.

11.R4~~~~~~M~. ek~

CL r;wk tem, ~ M ~ rb r;wk t pukm ~ . .R4 ~ fIM, ooi ~ t ~ ~. Um ~ ~ um

~ d" C11Üm d'~."

II~ ~ CL ~ ~ fiM ~ ~ ~, ~ ~ m

Iuh ~ ~ rb~. ff1~ fi&. Ft ~ fI&.. M ~ ckw., ( ... ). ~J:an, VWl, CM1J, ~, fi&. €fJAA fI.WI, ~ ~ e.

CI1NJ. ~ ~ fI&.. .R4 ~ ~-~ ~ ~ ~ F e.

~. ~ ~ ~ Ft ~ e. CI1NJ. ~, CL ~ já VWl,

~. eu~~M~.11

Contudo, não somente os moradores das comunidades

constituídas por favelas sentem-se mais protegidos por esses grupos. Em

Duque de Caxias existe toda uma organização paralela à ação oficial da

polícia, para dar proteção a comerciantes e industriais. Em troca de seus

"serviços" cobram uma "taxa de proteção", os chamados "pedágios".

83

Essa prática vem se tomando comum no município, não apenas no

centro comercial, mas também nos bairros da periferia e nas favelas.

Exatamente dwante a primeira entrevista com uma tunna de

crianças da lª série, comecei a perceber a trama da violência fora da

escola, aprendendo com os próprios alunos.

11~~~~.Jn.~a,~. ~ ewd fIM fwa. f'WL ~, ~ ~. ~ ~ fIM i ilJoo1 à ewd: ~~,~ip~."

Ao perguntar quem era a Mineira, notei a expressão de estranheza

do aluno, com a minha ingênua pergunta, a qual me respondeu depois,

com naturalidade, o que não ocorreu em outros momentos, quando as

pessoas se sentiam constrangidas e até demonstravam certo receio ao me

esclarecer determinados tennos ou situações.

I'~ ~ i a, ~ P Itww, wk ~ ~ ~ ~. ~ ~ i ~~.:!Wl; mtJÚJ, t Mo ffJooiMwl.' ,

Durante a minha participação em diversos encontros, reuniões,

debates, seminários, nos quais as temáticas principais eram as questões

da violência e segurança da população, pude concluir que as lideranças

comunitárias sempre se colocavam contra essas organizações.

N o entanto, os "chamados grupos de extermínio" muitas vezes

84

contam com o aplauso da própria população, uma vez que, segundo

alguns, possuem um método muito mais eficaz de combate à ação dos

"marginais" .

A questão que se coloca é que, além da atuação desrespeitosa da

polícia, os moradores freqüentemente se queixam da impunidade,

apontando-a como uma das principais causas do aumento da violência e

descrédito na justiça. Em Caxias, além de ser muitas vezes acobertado, o

crime é fortalecido e estimulado pela impunidade.

Relatos feitos pela promotora Tânia Maria Sales Moreira ajudam a

compreender a inoperância da justiça:

"em eaJIilJA, &- 3~ dn, iuJu.,a. fIM~. ~

~~M~~~~~r'"

( Depoimento registrado no Seminário Pela Saúde e

Contra a Violência na Baixada. Um Apelo à Vida).

"Ao tentarmos acionar a máquina judiciária

nos d6paramos com um sistema p6rf6itam6nte

montado para não funcionar, para qU6 não S6 atinja

os obj6tivos d6 um proc6sso p6nal: o julgam6nto 6 a imposição da s6ntença ,lI

(In Relatório sobre a violência / Diocese Duque de

Caxias e São João de Meriti, 1990).

o poder judiciário, por sua vez, justifica-se alegando a falta de

recursos para efetivar um trabalho que pudesse resgatar a estima e a

confiança da população, como tive oportunidade de anotar nesse

encontro promovido pelo Movimento de Direitos Humanos João

85

Cândido e o MUB (Movimento União de Bairros) com representantes

das Polícias Civil e Militar, a delegada da Delegacia de Mulheres e o

delegado da 60! Delegacia Policial.

Os delegados responsabilizam a comunidade:

"eJ& M ~ di& fUL j)~. ~ ~ fIM ~

~ +. óJM, P M ~ fIM ~? eu fIM ~ ~. A + i dn, ~, fi&. i miKIlw. fIM. & eu

~ ••• II

Além desse tipo permanente de cobrança, insistem

principalmente na importância da denúncia.

111& ~ ~ ~ ~ (J1J, ~ Úm ~ ~

~. ~ a, ~ fIM ~, fIM ~, fi&. 041\"

fIM~FF~. j)~ w ~ ~ - 1571 - ~

1qB5 ali B ~ ~ ~ 1qqO, 1~01 ~ vill,.11

86

A comunidade, por sua vez se justifica:

11,4 .B~ ~ ~ a, ~ Iun, ~ WIQII, ckL ~

~ fXW1' ~ ~ ~ wuIn. ~. & a, ~ pJú:ia ~ Iun, ~ dJ. ~ iw., CMM- ~ ~ ~ í F vai

~? e~ 00f1\M ~ CM1\, ~ ~ fXW1' ~ fJAA m.ai6 ?II 111& ~ WnA a, ~ ~ tm rJKrvJ. ckL

~.II

Quanto à necessidade da denúncia alegam não terem condições

para fazê-lo, mas demonstram principalmente falta de confiança ou até

mesmo medo da polícia.

1111& fi&. ~ ~ fXW1' ~, mm ~ fflAA!.M

~.II

11,4 pJú:ia ~ ~, ~, ~ ~. ,4

~ ~ a, pJú:ia CM1\, ~ ~. (JJJa ~ tWj ~

a,~dJ.~~<» ~ dJ.~. <um ~ luJw, ~ ~ Q, ~. ,4 ~ twa <» ~ Q, a, fdb ~ ~ fl.(], pJú:ia. f2uun, mnku, vai M, eu M aK1IiljM d.,L, MIM ~ ( ... )"

11(9 ~ Iun, ~ ~. 1& fn1n. ~ ~ ~ m.ai6. e fi&. ook (IM ~ ~ rilnA M fl.M1\I4. ,4 fIM

ook ~, ~, fi&. 00f1\M dnA flM7W,. e ~ ckL pJú:ia ~ M fl.M1\I4ll.

Enquanto permanece esse impasse vai surgindo todo um poder

paralelo, para dar proteção à população: são os grupos de extermínio,

87

são as lideranças do tráfico, são os seguranças particulares ...

Tive oportunidade de conversar com pessoas de diferentes setores

da sociedade, que se declaravam a favor do extermínio dos menores de

rua, por exemplo, um vez que o futuro deles já está traçado: roubo,

prostituição, marginalidade ... e que, portanto, "o mal deve ser cortado

pela raiz". Geralmente ainda me desafiavam : " -Qual seria então a

solução para eles? ... " Na verdade, ficava bastante difici1 para mim,

participar de uma discussão quando percebia que, dentro da concepção

ideológica do interlocutor, a morte era a saída que se apresentava para

resolver problemas dessa gravidade.

Em 16 de Agosto de 1991, a CPI (Comissão Parlamentar de

Inquérito) do Congresso Nacional, que investigava o extermínio de

crianças na Baixada Fluminense esteve em Caxias, numa reunião na qual

estive presente. Foram efetuadas várias denúncias pelos movimentos

populares ali representados.

N o documento a ser enviado ao governo pela CPI declarou-se

que, somente entre Janeiro e Maio/91, 181 crianças e adolescentes foram

assassinados na Baixada. O relatório abordou também "o funcionamento

de 35 empresas que, contando com policiais militares, vendem segurança

para o comércio da Baixada". Denuncia ainda o documento:

"Algumas dt;ssas t;mprt;sas são acusadas dt;

participar no t;xt.t;rmínio dt; m~nort;s. ( ... ) O

ft;chamt;nto da Casa do Mt;nor t;m Duqut; dt; Caxias t;

a repressão dos grupos de matadores provocaram o deslocamt;nto dos mt;ninos dt; rua para a Zona Sul do

Rio. Na orla marítima. t;sses meninos passaram a ser

88

vítimas de seguranças a serviço de grandes hotéis

daquela área".( ... )

Um fato que causou certo constrangimento na referida reunião,

foi a presença de um dos dirigentes da Associação Comercial e Industrial

de Duque de Caxias, um dos acusados de financiar grupos de extennínio

de menores, no município.

Cabe aqui acrescentar que no relatório final da CPI, aprovado em

1991 que apurou o extennínio de crianças e adolescentes, a nível

estadual, resolução número 14/91, para o qual este senhor foi também

convocado, esta questão ficou em suspenso, devido a falta de elementos

para constatar as denúncias.

Dias após este encontro, realizei uma entrevista com esta pessoa,

a qual negou qualquer envolvimento seu com esses grupos. Segundo ele

as acusações são feitas com o intuito de deixar a classe empresarial em

igualdade com os segmentos que qualificou de desmoralizados, como a

Igreja, a Pastoral do Menor, o Volmer.

Demonstrando grande irritação este senhor alega que um dos

culpados pela violência no município são as instituições particulares ou

filantrópicas que vivem das desgraças dos menores, nada fazendo por

eles. Acusa o bispo D. Mauro Morelli de estimular e pregar a violência o

que, segundo ele, se torna muito fácil nessa época.

89

Segue seu discurso afinnando que a Associação Comercial e

Industrial, não pode impedir as empresas de buscarem segurança

própria, mas não acredita que possam existir grupos que executam

menores:

"fIb aJmuk. ~ ~, un, ~ ~, ~ ~ 8U, ~ wriM umuJ, ~. ~ M. ~ Mo ~. ~

~ M ~ ~ M ~ dn, ka, ~ ~, ~ Uâll.m (M,

~ ali ~ Fm ~. ~ CM7Wp.m ~ ~fX1M'~~,M~M~. ~~ ~ ~~, dm; ~ mtfIM, i ~ ~'I.

Para resolver o problema das crianças que estão na rua, imagina

que precisaria mudar a qualidade de vida, ter seriedade por parte do

governo e consciência de toda a sociedade brasileira. Teria que se fazer

um movimento reivindicatório de peso, extrapartidário e ideológico,

através da participação de toda a sociedade.

Outra entrevista com a intenção de melhor esclarecer a trama da

violência que envolve o município, foi realizada com um empresário, o

qual, segundo consta, é ligado a banqueiros do jogo de bicho da área. Ele

também não acredita em grupos organizados para o extemúnio de

menores em nossa cidade:

II~ i ~ 11. rflmw,. ~ aJ'.JJJJiL, i ~ V~. ,4 ~

~~~~i~'~~fM~ ~, ~ ~, flll, ~ CM1J, M~. ffJaM (L ~ t ~, ~ ~ ~ lIfA7l, ~~. !9 Cj& ~ ~

90

~ J,,~, J" ~ J,,~. ~ M ~ rIM~. J" ~ ~~. ,41. ~ ok ~ ~.II

Antes de concluir a entrevista, este senhor me forneceu um texto

de sua autoria: "O Extennínio de Menores (e de imagens)", no qual

confinna o que me foi dito:

, "E (a criança) morta ~m tiroteio com a polícia,

p~la partilha dos frutos d~ um assalto ou nas gu~rras d~ bandos. O r~sto 6 folclor~. Imaginação d~

uns poucos ou s~nsacionalismo d~ alguns. Afinal, num

país com tantos milhõ~s d~ crianças viv~ndo

marginalizadas, s~ria d~ s~ ~sp~rar que muitas

apar~c~ss~m mortas, como d~sfecho d~ sua própria

trag6dia" .

D. Mauro Morelli, citado freqüentemente como um dos

responsáveis por acirrar o conflito de classe no município, ao ser

procurado por mim para discutir os comentários envolvendo seu nome,

diz considerar desnecessária a entrevista sobre esta questão, uma vez que

a própria realidade e a sua prática de vida desmentem qualquer

suposição.

A imprensa, na verdade, tem dado bastante atenção ao problema

de extennínio de menores, especialmente na Baixada. Em Caxias, um

dos casos mais amplamente divulgados tratou-se da chacina de seis

crianças na Favela Nova Jerusalém (Bairro Gramacho), em 14/11/91,

onde uma das crianças fingindo-se de morta, conseguiu escapar e depois

reconheceu um dos assassinos.

91

Todos acusam todos. As investigações nem sempre chegam ao

fim. Nada ou quase nada pode ser confirmado. Nunca se tem as provas

concretas.

Para um dos diretores da Associação de Moradores de uma das

comunidades onde realizei a pesquisa, "os grupos de extermínio são

como um disco voador: existem, mas ninguém prova". Acredita ele que

nunca será desvendado esse mistério, porque os responsáveis são

poderosos, me citando nomes de várias pessoas que ele considera

envolvidas, deixando-me surpresa ao apontar inclusive políticos do

município.

~II.

Um dos complicadores apontados para se desvendar esse enredo

de violência é o envolvimento de poderosos. Mas quem .seriam estes

poderosos? Marginais ligados ao mundo do tóxico? Representantes de

fortes setores da sociedade ? Políticos que se mantém no poder através

de uma herança familiar? ..

Além da falta de testemunhas, uma das grandes dificuldades

encontradas na apuração dos crimes cometidos pelos grupos

organizados, é que eles "desovam" seus mortos em áreas estratégicas,

estradas ou terrenos baldios, rios e valões... para que não fiquem ,

vestígios da autoria. As vezes a pessoa é assassinada e enterrada no local

da execução, outras vezes é levada para estes locais ermos, onde são

encontradas até mesmo ossadas abandonadas. Em Caxias, além desses

92

lugares serem de pleno conhecimento da população e da polícia também,

já foi comprovada inclusive a existência de cemitérios clandestinos,

prova concreta da total impunidade dos criminosos e omissão das

autoridades.

Resgatando um pouco a· história da violência em Caxias,

percebe-se que esta vem de longa data. Sabe-se que desde a época de

Tenório Cavalcanti, figura do município' que se tornou lendária, a

violência já tinha inclusive um caráter de disputa pelo poder político, o

que se perpetua até os dias de hoje.

Mesmo no que se refere à essência da proteção, dada por Tenório

à população, parece existir uma certa semelhança com a realizada por

certos grupos atualmente: Tenório, segundo se afinna, matava os maus,

matava para conseguir acabar com os malfeitores, colocando-se acima da

justiça tradicional.

"( ... ) Constituía, com sua verdadeira força paramilitar, um poder alternativo, que se

contrapunha ao poder maior, governamental". (Beloch, 1986: 85)

Tenório aplicava o princípio de se fazer justiça pelas próprias

mãos. Contratava homens "de confiança", geralmente vindos do

nordeste - os chamados" capangas" - para dar proteção armada a quantos

necessitassem, como explica o próprio Beloch (1986: 73)

"( ... ) Se não exercia ele mesmo o papel de guarda-costas, agenciava em sua numerosa falange

os elementos adequados ao cumprimento da missão

93

( .. .). As modernas empresas de segurança, se

existissem na época. lhe teriam feito imensa concorr8ncia" .

Com atitudes idênticas às que determinados grupos vêm

tomando, prestando favores às pessoas chamadas "carentes", Tenório

exercia uma função paternal, protetora, para as populações mais

fragiljzadas, sendo considerado por elas como seu benfeitor, seja a nível

de atendimento às necessidade materiais ou para garantir segurança

pessoal.

"Como fornecedor de segurança e defesa as

populações sob sua influ8ncia polftica, nosso

justiceiro substituía o omisso poder público, incapaz de propiciar à cidade os serviços básicos, inclusive

pol icia mento".

(Beloch, 1986: 74)

Da mesma foona corno diferem hoje as reações da população

diante da atuação dos grupos de extermínio, assim tarn bérn eram (e o

são até hoje) contraditórias as opiniões sobre Tenório: alguns

acreditavam que ele mantinha a ordem e a lei melhor do que a polícia,

enquanto outros o acusavam por toda violência que havia em Caxias.

Viria desde essa época, a tradição da matança organizada no

nosso município, assim como a necessidade cultural de se ter um poder

paralelo ao poder juridico ou policial, para dar apoio à população?

Entrevistei um rapaz tido corno "bandido", encontrado junto com

mais duas pessoas, fazendo uso de droga no terceiro pavimento da

94

, ESCOLA LIRIO. Além de me ajudar a enxergar o que há de mais

humano presente mesmo nos que são chamados "marginais", essa

pessoa me explicou todo o funcionamento dessa "marginalidade" em

Caxias, me apresentando mais algumas peças para montar o complicado

quebra-cabeça que envolve a questão da violência.

Incluir seu depoimento aqui, além de resumir o que foi tratado a

respeito da contraditória relação polícia - população - bandido, tem a

intenção de ouvir um dos possíveis atores dessa história, dando direito à

voz, a pessoas que muitas vezes estão sendo caladas e mortas pelas

injustiças do sistema.

Pessoalmente, experimentei um dos momentos mais conflitantes

da pesquisa por ocasião dessa entrevista. Depoimentos de pessoas como

esta me levam a sérias reflexões e a continuar revendo muitos conceitos

que me foram passados por parte daqueles que acreditam que "bandido

não vai mudar nunca, porque já nasceu assim".

Dizendo-se fazer parte dos "dois lados" da sociedade, ele acredita

que a violência só não se reduz, devido à falta de vontade política, além

de culpabilizar a própria polícia.

"( ... )e~, í ~ ~~. Vsu, ~ um ~. ÁF Iun, ~ ~ e, a, ~. Á ~ eJiJ, ~ ~ cl.wh, ck. ~ fONL a,~. ~ ~ ~ oo.m UI6a. ÓJWlL, ~ ~

~fMJn.· ÁFIun,~~, ~~~. Á~F ~. ( ... ) J~ UI6a. ÓJWlL ~ dn. V;k, ali lá, W1 CÍK1V:L Q,

~~fMum~. ~~~. ~~

~ ~~, ~ Iun,~ M~. ~ fá ~ dn. ~cia, Iun, ~ ck. ~ ~. Á ~ CM7W'/L

~ dn. ~ ( .•. )".

95

explica:

Confirmando o poder e domínio dos grupos de extennínio,

"~ um. ~ OJ:J.J/JI:L um. ~ ~ ~ um h, ~ maIn.m. mu. ~ ~ í ~ ~ maIn.. e ~ ~ uJíJ. ~ a, ~. A ~ uJíJ. IM ~, ~ fI.W1t ot a,

~.

( ... ) ()~tk.~/&um~~~~ /lNIUfMU fXJM' ~ ~. & fi&. pcuflA, ~ maIn.m, ~ ai~~~~~.

( ... ) A~ ~ f1ILliil, ~ ~ ~ W. M ~. & a, ~ fi&. ~ ~ ~ ~ CM1W\" ~ r.In. CM1\, f1UliM, ~.

mu. ~ ~ ~ ~ M ~~. ~0IIl1 ~ fi&. ~

~, a.f1Wl., ~,.!JWA... A WM1UL ~ ~ ~ dm" ~ ~. .!Já Wk; ~ a, ~ ~, ~ maIn.. m:Jn, ~ uJíJ. ."in",'/,. , J 8 " .,.-fAA'T a, (JIIAIJ, (W,.Q., •

Em relação às crianças, demonstra grande preocupação com a sua

educação e com o seu futuro, considerando-as corno principais vítimas

da violência.

"rTWm., ~ ~ ~ ~ M ~ dJJ. ~, dn,

~, dJJ. ~, dn, oairlmk,. ( ... ) eu ~ U#1U1 ~ fflllik. ~ CM1\, ~. ~ ~ ~ dm" ~, dM ~ ... A~ ~ w. ~".

Falando de sua vida na "marginalidade", dá um grande valor à

penitenciária, acreditando que sua experiência naquele local tenha

contribuído para aprender muitas coisas.

96

II eu, ~ f"AM" ~ a.fl.M M ~itJd. 3i1j ~ ~~. 17kfoi fIIl, cm1,m. f1A' ~ ~ ~ ( ... ). ~ dn. ~ fIM ~ ~ ~, fM6 VW\, ~ ~ ~, f1A'~~ ( ... ). ~a~~. e ~WU~ ~ un, dm.. mu. Q, difo:d ~ ( ... )."

Surpreendi-me com sua lucidez ética e demonstração de uma

consciência coletiva quando lhe perguntei sobre a existência de culpados

para essa situação de violência em que vivemos.

11&n., ~ í a ~. 3~ fIM !lM1IM ~ pJ.a, ~: tu, ~, ~ ~ ... 3~ ~ Iun- f1A' ~ ~ CLtiML. eu, ack ~ ~ ~ ~, ~ twl foku ~. ~8fI, iIJM. f1A' tu vim Oifd ~. eu, fIM w, mWin, CLtiML, fM6

~~."

N a opinião desse rapaz, muitas crianças atualmente vêem os

"bandidos" como heróis, como ídolos, devido a ajuda que eles dão a

seus próprios pais, além de serem tratados por eles, melhor do que a

polícia.

Quando lhe falei do meu contato com determinadas pessoas

acusadas de financiar grupos de extermínio, assustei-me com sua atitude

protetora. Segurando no meu braço com firmeza, disse-me: "Não faz isso

não! Você está correndo risco de vida. Não faz mais isso ... "

Quem merece credibilidade nessa história ? ... O "bandido", que,

conhecendo os envolvimentos, coloca-se num papel protetor, ou os

"acusados", que, nunca reconhecidos como "bandidos", permanecem até

mesmo representando o povo no poder? ..

97

Por diversos momentos, durante as conversas e entrevistas dessa

pesquisa, não consegui controlar a emoção, chegando até mesmo a

chorar algumas vezes. Mas a resposta que este rapaz me apresentou,

acompanhada da tristeza do seu olhar, quando perguntei sobre o

significado da vida para ele, sobremaneira me mobilizou:

II~ fIM í ruuA ~ ~. ~ pmr.a Q.W,

~, fIM frW, ~ ~. A ~ frW, ~ a, WJ,

~.II

No momento em que escrevo esse texto sinto-me o suficiente

confusa, não con.qeguindo dar conta da trama que envolve essa rede de

afetos e desafetos. Crianças e adultos se identificando e admirando

"bandidos" ... Eu própria me sentindo mais protegida por um "bandido" e

me envolvendo afetivamente com a sua vida, perdendo meus parâmetros

quanto à marginalidade.

Uma das poucas certezas que me restam é acreditar ser necessária

uma urgente e grande reflexão por parte da escola, questionando sobre a

sua parcela de compromisso, numa sociedade onde as pessoas estão se

tomando cada vez mais violentas ao serem tão violentadas.

98

2.3 VIOLÊNCIA DA RESISTÊNCIA / RESISTÊNCIA À

VIOLÊNCIA

O quadro caracteristico da Baixada Fluminense registrado

anteriormente, mostra o quanto a violência, através de um conjunto de

condições, vem sendo construída socialmente nessa região, tornando-a

conhecida, até mesmo no exterior, como um espaço de violência. Dentre

suas cidades, Duque de Caxias é uma das que mais sofre este estigma.

Ao iniciar a abordagem do tema Raízes Históricas da Violência na

Baixada, no Seminário "Pela Saúde e Contra a Violência na Baixada. Um

Apelo a Vida", a antropóloga Avelina Adorr contou que, certa vez

quando veio fazer um curso em Caxias, os amigos lhe perguntaram se

iria aprender técnicas de violência.

Alguns dados que vêm sendo apresentados, justificam em parte, a

manutenção deste estigma. As estatísticas e as fontes bibliográficas,

embora reduzidas, confirmam o grau de violência existente na região.

"A UNESCO, após apurada pesquisa mundial,

apontou a Baixada Fluminense como o lugar mais , violento do mundo. E a B.aix.ad.a Fluminense composta

por um aglomer.ado de cidades às vezes bem

próxim.as, que gr.avit.am em torno do Rio de J.aneiro,

tendo seu início mesmo em subúrbio daquela capit.al.

Se isto não é uma definição cartográfica, o m.apa da

Baixada é pelo menos do desenho da considerada área mais violenta do mundo. Ali, assassin.atos,

/.atrocínios, perseguições, estupros, disputas entre quadrilhas são lugares comuns do cotidiano."

(Morais, 1990: 88-89)

99

Talvez se possa afirmar que a mídia seja um dos

principais instrumentos que vem fortalecendo a idéia da Baixada ser vista

como sinônimo de violência.

Por exemplo, um programa de rádio, ainda hoje com bastante

audiência é apontado como responsável pela fama negativa de Caxias:

":J~ ~ QWI, &mwJ, EWLt<L. ~ ~ ~ EaJIiJJA

WJ, a ~ ~ ~ riN.a fWL~ ( ... )."

É inegável o grau de manipulação e sensacionalismo passíveis aos

meios de comunicação, assim como a insistência na marca da violência.

Geralmente sem nenhuma contextualjzação dos fatos e sem nenhum

posicionamento critico, manchetes são lançadas como verdadeiros

explosivos. Entretanto, não muito diferentes das divulgações da

imprensa, são os depoimentos da população e das próprias autoridades

responsáveis pela sua segurança.

II~ l1W:. ~ ~ f'lM' a ~ na. (}3aiaxu:1n, í ~

INpi: ~, ~ Q, miJJÁJJiIJ,.11

(Representante de movimento popular no Seminário

"Pela Saúde e Contra a Violência na Baixada").

II~ ~ ~ pJituJ í foJn. f'lM' dnA ~ ~ àIJ, ~ ~ fMII4m na. ~ &1 Q, na. (}3aiaxu:1n,.11

(Comandante da PM, na Reunião de Preparação para o IH Fórum Permanente Contra a Violência).

A fama de Caxias ser uma cidade violenta parece estar presente

100 11I8UOTECA

IIUNDACÃO GETÚUO VARGAI

desde suas raizes, existindo uma hipótese de que tenha sua origem no

processo de ocupação de suas terras.

"O proc~sso d~ aquisição ~ domínio d~ssas terras s~mi~abandonadas assumiu f~ição d~

v~rdad~ira conquista p~las armas, ~m clima qu~ fazia

I~mbrar a ocupação das ár~as virg~ns do oeste nOr-UJ~am~ricano (. . .). Arr~matavam~s~ terras

il~galm~nte e os proprietários mais for-UJs

procuravam manter o s~u domínio sobre s~us bens,

organizando "gangs" armadas que espalhavam a mort.~ nas r~dond~zas, ~ntr~ os quil~metros 31 e 42

da Rio~Petrópolis."

(Beloch, 1986: 24)

Até mesmo um material exposto na mostra "A Expressão de

Caxias", organizado pelo Instituto Histórico de Duque de Caxias, em

Agosto de 1991, confinna esse pensamento:

liA viol~ncia e a criminalidade que

estigmatizaram Duque de Caxias tem raízes na questão fundiária, acesa na década de 1930 quando da subdivisão das antigas propriedades da Baixada Fluminense, multiplicando as chácaras produtoras,

principalmente de laranja ,lI

Independente de Caxias ser considerada uma cidade violenta, ou

violentada, o que não se pode negar é que, diante de tantas fonnas de

violência, é preciso resistir. Numa região de tanta miséria a própria luta

pela sobrevivência já parece se transfonnar num primeiro ato de

resistência. Nesse sentido, para se manter vivo em meio a tantos sinais de

101

morte, o povo parece ir encontrando uma das saídas na sua própria

organização.

A exemplo, posso citar a história de organização das próprias

Associações de Moradores das comunidades onde moram os alunos da ,

ESCOLA LIRIO, que me demonstraram inclusive uma relação de

bastante integração, apesar dos conflitos existentes entre ambas.

N a comunidade mais antiga, a Associação dos Moradores, após

dois anos de funcionamento foi desativada (em 1964), mas conseguiu

manter a mobilização no período da ditadura militar, ainda que na

clandestinidade, fazendo sua reuniões no espaço da Igreja, onde hoje é o

centro comunitário.

N este centro comunitário, atualmente funciona uma creche que

atende a noventa crianças, de dois a seis anos, em horário integral,

favorecendo as mães que trabalhavam fora de casa, sendo um dos

principais pontos de referência comunitária.

Apesar de possuir também um centro comunitário, além de outra

organização que faz atendimento escolar, a outra comunidade não conta

com serviço de creche, sendo esta uma das suas principais

reivindicações.

Por ocasião de uma das visitas que fiz a esta última comunidade

fui convidada a participar de uma reunião cujo objetivo seria exatamente

continuar a discussão de um projeto de creche, com previsão de

atendimento a sessenta crianças.

N este encontro, além do contato com as três principais entidades

organizativas, tive oportunidade de observar o processo de luta do povo,

assim como as dificuldades que enfrentam. Momento de grande valor

este, onde se pode confumar como tem sido construída, a duras penas, a

102

busca da conquista da cidadania desse povo: verdadeiro sinal de vida e

de resistência à violência.

Com o objetivo de identificar, a partir dos próprios moradores,

quats seriam os "sinais de vida" e "sinais de morte" presentes na

comunidade, realizei um trabalho nas tunnas de 3ª e 4ª séries,

complementado por entrevistas feitas pelos alunos a seus vizinhos.

Os aspectos mais freqüentemente destacados referiam-se à

violência fisica: briga, uso de drogas e bebidas, tiroteio, espancamento,

estupro, armas, roubos, atuação da polícia ... , mas também foram

identificados como "sinais de morte" sintomas da violência estrutural:

fome, miséria, falta de segurança, falta de saneamento, de iluminação, de

atendimento médico, falta de creche, sujeira, valão poluídú, valas

abertas, beco da morte, ruas desertas, crianças abandonadas ... , além de

outros elementos como: desunião, fofoca, inimizade, viver uma vida

agitada ...

Entretanto, chamou-me atenção nesse trabalho, o destaque dado

às entidades organizativas. Entre os "sinais de vida" citados (as pessoas -

em geral as crianças -, os divertimentos, os sentimentos de amor,

amizade e união entre os moradores, etc), foram realçados os trabalhos

comunitários, principalmente os realizados pela Igreja e pela Associação

de Moradores.

Transferindo a reflexão sobre a mobilização popular das

comunidades retratadas, para o município, pode-se afirmar que em

Duque de Caxias, apesar do desgaste do trabalho diário, do medo da

perseguição ou do medo causado pela falta de segurança, e também

apesar da desmotivação e da falta de esperança, e de várias outras

103

barreiras citadas, uma significativa parcela da população vem se

organizando, através da participação nos movimentos sociais,

começando a entender a importância da sua atuação nos rumos da sua

própria história.

Duque de Caxias tem sua história não só marcada pela violência,

mas também por movimentos de resistência, sendo que um dos

primeiros e mais importantes eventos trata-se da ação dos trabalhadores

rurais, em Xerém (4Q Distrito de Duque de Caxias), nas décadas de 50 e

60, os quais "deram um exemplo de luta e união até então jamais vistos

no país" . (Souza, 1991 (a».

Pureza (1962), um dos atores dessa história, conta em seu livro

"Memória Camponesa", como se deu todo esse processo de organização

e resistência frente aos despejos arbitrários, feitos pelos jagunços e

policias armados, com a ajuda dos seus padrinhos parlamentares e juízes

e também contra os grileiros e fazendeiros que teimavam em lotear

aquela área.

Segundo um dos militantes que trabalham atualmente junto aos

produtores rurais, depois do golpe militar, uma forte repressão se abateu

sobre o movimento, num trabalho sistemático para desarticular os

camponeses, havendo grande perseguição e mesmo tortura às lideranças,

o que veio culminar com a intervenção no sindicato. Enfraquecida na sua

organização política, a área ficou fragilizada, começando o esvaziamento

da população.

Enquanto durou a intervenção, os camponeses se organizavam no

Núcleo Agricola Fluminense, com uma proposta de articulação a nível

estadual. Este grupo levou a luta pela terra durante esse período e em

1988, formando uma chapa de camponeses autênticos, que participaram

104

da história de suas lutas, tomaram o sindicato das mãos do intenrentor.

Em Dezembro de 1991 houve outra eleição, na qual ocorreram novos

conflitos com os grileiros que tentaram impedir a entrada de alguns

ativistas na área, ameaçando-os de morte, numa evidente intenção de

amedrontar e desmobilizar os lavradores, reproduzindo antigas atitudes.

Embora os lavradores representem um número reduzido,

proporcionalmente à população geral, fruto de toda essa violência

sofiida, ainda hoje continuam se organizando contra a exploração do

assalariado agrícola, contra o avanço da grilagem e contra a expulsão das

famílias das terras, numa clara demonstração de resistência.

Paralelo à luta dos trabalhadores rurais, outro importante

movimento, de repercussão nacional, foi a greve que os operários da

FIAT (antiga Fábrica Nacional de Motores - FNM - sediada também em

Xerém) fizeram em 1979, diante da ameaça de demissão de alguns

trabalhadores. Esta greve, segundo comenta Rosa (1990), mobilizou

vários grupos da sociedade, estimulando o aparecimento de diversas

outras organizações.

Sem dúvida, um dos momentos significativos de resistência da

população, ainda bem vivo na sua memória, foi o acontecido em Julho

de 1962: o chamado "quebra-quebra".

"(. .. ) Exasp~rada p~la falta d~ transporte ~m virtud~ d~ uma gr~v~ g~ral. c~rca d~ 20 mil p~ssoas lançaram-s~ sobr~ as casas com~rciais ~m busca d~

arroz ~ f~Uão. Tudo com~çou 8 altura da antiga estrada Rio­

Petrópolis. Em pouco tempo, como um rastilho de

lOS

pólvora, a ação dos saqueador~s atingira quase todo

o município, sob a "gid~ da lid~rança ocasional ~ da viol~ncla:1

(forres, 1987, 3-4)

Este foi um dos maiores saques do comércio ocorrido no Brasil.

A população carregava tudo o que podia, e a violência aumentava à

medida que as horas passavam. Diante da gravidade da situação, tropas

do Exército foram convocadas para controlar a multidão enfurecida.

Afora os diversos prejuízos, os mais graves foram as dezenas de pessoas

mortas e feridas.

Pode-se afirmar que este se tratou de um momento de violência,

no qual o povo agiu, de uma forma direta e espontânea, mas com um

objetivo definido: resistir à fome.

N este caso, a população chega ao ponto de empregar a violência,

por não suportar mais as tantas violências que vem sofrendo. É uma

forma natural (involuntária) de demonstrar sua capacidade de resistência

à violência. É a violência da resistência.

O "quebra-cabeça" de 62 faz parte de um momento da minha

história, vivido com grande medo e pavor. Era como uma experiência de

guerra. Por algum tempo não conseguia dormir tranquila, atormentada

pela possibilidade de novos saques. Na escola, casos e mais casos eram

contados. Parentes de alguns colegas tinham sido mortos. Verdadeiro

clima de terror se instalou por muito tempo ainda.

Talvez aí tenham iniciado o meu medo e repúdio a qualquer

forma de luta e organização do povo. Na certa, tudo acabaria em quebra­

quebra, violência e morte ... No fundo, tudo seria encomendado por um

grupo de agitadores, subversivos, comunistas ...

106

Como reverter este conhecimento ideológico, inculcado pela

família e pela escola? ... Como vencer a alienação e identificar a

"verdade", ouvindo um discurso e outro? .. De onde tirar coragem para

enfrentar a rua, a polícia ... participar das assembléias, das passeatas, dos

protestos? ... Como me colocar junto à luta popular, se sempre fui

colocada à parte? ... Longo e dificil processo de "conversão", tendo que

assumir tantas conseqüências, incluindo duras perdas ...

Segundo o projeto "O SEPE vai às escolas", elaborado pelo

Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE), núcleo de

Duque de Caxias, em 1991, pode-se caracterizar como três "colunas­

mestras" os grupos que tentam imprimir um caráter transformador à

conjuntura caxiense. São eles:

"1. As Associações de Moradores que desde

1983 tem no MUB uma federação que unifica suas

lutas;

2. As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)

animadas pela Igreja Católica, sobretudo com a

instalação da Diocese de Duque de Caxias e São João

de Meriti, em 1981, que atuam numa linha de

comprometimento com as lutas populares e com as consequ8ncias sociais da sua f~;

3. O Movimento Sindical mais combativo,

voltado para os interesses dos trabalhadores. Nele

se destacam o Sindicato dos Bancários, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, o Sindicato dos

Empregados nas Indústrias Petroquímicas , (SINDIQUIMICA), o Sindicato dos Petroleiros

(SINDIf'ETRO), o Sindicato da Construção Civil, o Sindicato dos Ferroviários e o Sindicato dos

107

Profissionais de Educação (SEPE) ,lI

Diversas outras organizações, entidades, associações vêm

contribuindo para o fortalecimento das classes oprimidas, objetivando

conscientizá-las do seu papel de sujeitos ativos, na mudança dessa triste

realidade, como os grupos de mulheres, os partidos comprometidos com

os reais interesses da população, os centros comunitários, o movimento

estudantil ... , apesar de muitas organizações ainda se limitarem a realizar

um trabalho apenas assistencialista, o que contribui para a manutenção

do clientelismo, visão política muito forte na região.

Também ainda é precária a integração entre os movimentos

sociais, necessitando de uma articulação mais forte entre eles, para que,

juntos, consigam vencer suas próprias debilidades e alcançar seu

objetivo maior: a conquista plena da cidadania.

Essa consciência social não se constrói da noite para o dia e é

fruto de um longo processo. O importante, no entanto, é constatar que a

população, ainda que pouco representada, discordando desse mundo de

violência, de injustiça e individualismo, começa a vencer o medo, a

descrença, a apatia e a construir sua consciência coletiva, resgatando a

rede de encontros, numa evidente demonstração de resistência.

108

3. A RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE

3.1- OUVINDO OS DOIS LADOS

Como pode ser percebido, por ocasião de sua inauguração, pelo

menos aparentemente, havia um relacionamento mais integrado entre a

ESCOLA LÍRIO e as comunidades: o nome da escola foi escolhido por

um líder comunitário, escola e comunidade foram juntas ao NEC para

manter este nome, a escola participava de algumas atividades na

comunidade e vice-versa, protegiam a escola... enfim, parecia existir

um desejo por parte de ambas em manter esta integração.

Com o passar do tempo, iniciou-se um processo de

distanciamento, observando-se hoje uma quase total desarticulação ou

até mesmo uma certa hostilidade nessa relação.

Através das entrevistas, de modo geral, pode-se entender que a

comunidade confia na escola, valoriza os professores, acredita ser ela

uma instituição digna de respeito. Por isso mesmo incapaz de praticar

qualquer tipo de violência.

Raras criticas foram feitas à escola. E ainda assim a dificuldade

em realizar um trabalho de qualidade satisfatória era justificada pela falta

de apoio do governo, ou mesmo da própria comunidade.

"Il~ ~ fUl, ~. ~ auwlihi. ~ ~ é,

~ C1 r.trimIJ:p. rr fUl, ~ ~~. ~ ~ ~ f!&

f.wa, fflIJ.IJJ:" ~ fON1' C1 ~, f!& diL ~.II

109

Pode-se notar também nas entrevistas, uma expectativa

gera1mente obselVada nas camadas sociais menos favorecidas, de que a

escola venha a setVir como um meio de ascensão social. Diversas

crianças e algw1S pais, por exemplo, consideraram que o retomo ao

tempo integral de estudo foi muito bom, porque assim pode-se aprender

mais, para ser alguém na vida. Mais uma vez o sonho de uma escola que

venha resolver inclusive o problema da desigualdade social.

Entretanto, em contrapartida a essa grande valorização declarada

à escola, praticamente todos os profissionais da educação imaginavam

que a comunidade não a valoriza.

N a opinião deles, os pais pensam que a escola teria o papel de

guarda de crianças, onde receberiam alimentação e estariam seguras, fora

dos perigos da rua.

Quase todas as crianças com quem conversei, acreditam que "o

CIEP é do Brizola", ou "é do govemo". Mesmo os que se mostram

divergentes, são às vezes contestados pelos próprios colegas:

110

Os professores também confumam a idéia de que a comunidade

não entende a escola como se lhe pertencesse.

II~ ~ aJw. 'f-U' a, w.Ja. i ck.~. ~

rM:IJ. 'f-U' i dmJn. àIJt ~, advJ.m 'f-U' ~ !II/l. m.a.i6" ~ e.

~ ~ ~ ~ fOM' a, ~ ••• II

II~ fi&. ~ a, ~ CMM-~ dJ.oA Q" fM ÍIJM-, nM

~~, fI&.~, fI&.~, ~.II

Há de se indagar o que, ou quem, tem contribuído para essa

deturpação do papel da escola. Além disso, ao contrário do que possa

parecer, não estaria a comunidade expressando, através dessas atitudes

"desvalorativas " , exatamente a sua consciência de que a escola, na

verdade, ainda não lhe pertence? ..

A destruição ou depredação escolar é um aspecto abordado

permanentemente sendo uma das únicas fOffi1as de violência

identificadas de imediato. Segundo a diretora, quando o colégio foi

inaugurado, a comunidade cuidava dele, protegia ...

"~ iK!iM, fi.(!, ~, Iuwia. UA7U1 ~ 'f-U'

~ a, ~. ~ W1 e. ~ ck. ~. 1Tlm. ~ .k fMIIII.m, a, ~ ~ ~ maiM Q, a, ~ à w:J.a, ~

( ... ). e~ fl.à.e. Úm ~ CM7\, a, ~, fi&. ~, for.m ~,~M~ ••. "

Um dos pontos desta fala retrata um certo pacto que vem sendo

111

observado na relação escola-comunidade, não apenas nessa escola. No

município de Duque de Caxias, sabe-se de muitas escolas que vêm se

colocando nas mãos das lideranças do controle do tóxico, submetendo­

se ao seu poder, em troca de segurança ou proteção.

A diretora afirma desconhecer os motivos que levam a

comunidade a danificar a escola. A justificativa que outros entrevistados

apresentam, refere-se à falta do entendimento de que a escola lhe

pertence e também ao alto grau de violência ou revolta das pessoas.

A depredação escolar estaria restrita apenas a causas que lhe são

externas? Não seria esta, novamente, a demonstração de uma visão da

violência na escola por demais reducionista?

Em sua pesquisa, Guimarães (1990: 3) ajuda a aprofundar essa

discussão:

"A depredação escolar surgia como uma forma

de contestação aos modos pelos quais a

uniformização se expressava, isto é, à vigil~ncia e à punição. A depredação também abria um campo

delimitado de violência sobre o qual era possível

localizar os indivíduos portadores de um potencial

desviante. De certo modo, a escola pretendia reduzir

as depredações esquadrinhando comportamentos,

distinguindo os "bons" dos "maus" alunos. O padrão

estabelecido era o do "bom" aluno, aquele que não

depredava a escola, quem depredava era o "marginal",

o "mau" aluno. Esse procedimento impedia que a depredação resultasse em formas mais amplas de

manifestação e que os alunos radicalizassem suas críticas à escola, pois eles mesmos acabavam

associando depredação com "marginalidade" e muitos até se culpavam por suas reações, não percebendo

112

qu~ a viol8ncia prim~ira partia da própria ~scola ~ qu~ a d~pr~dação, na sua ambigüidad~. 6xpr6ssava tanto uma forma d~ conustação, como uma man~ira qU6 a

administração 6ncontrava para n6utralizar as açõ6s qU6 visassem críticas à ~scola ,"

Além da depredação, outra quetXa constante em relação à

comunidade, por parte da escola, é a invasão do pátio.

11ri&. ~ ~ ~ ~, ~ ~ ~ (l, ~~~~~."

Desde logo entendi que os "invasores" tratavam-se de jovens e

adolescentes que sempre podiam ser vistos, principalmente na quadra de

esportes, jogando bola, conversando, namorando e até mesmo fazendo

uso de drogas.

Por algumas vezes consegui conversar com esses grupos. De

início houve um certo receio, tanto da minha parte, quanto da deles, ,

nessa aproximação. A medida que nos encontrávamos mais vezes,

porém, foi terminando a reação de afronta e a necessidade de quererem

me provocar, como no começo, quando me diziam a todo tempo, em

meio à conversas desse tipo:

11 PI. .", 11 c..u, ~ ~ •••

II~F à. Mik í ~ ~. ~ ~ ~ fY'A riJ, fY'A ~, Vai, Ih, alt!& tW\, ~ ~ Iun, dA, oolmJw, dA, ~ ... ,li

113

Falavam de alguns assuntos e usavam termos que eu nunca

ouvira antes. E nem sempre eu conseguia separar o que poderia ser real

nas suas falas e o que era dito para me amedrontar.

Esses jovens, em sua maioria rapazes que não estudavam,

estavam desempregados ou faziam alguns biscates, demonstravam

sempre muita agressividade entre si. Por diversas vezes presenciei brigas

bastante violentas, que começavam sem haver qualquer motivo aparente.

Num desses dias, surpreendi-me com a "torcida" que fazjam ao redor de

dois garotos que quase se "matavam". Nessa ocasião um dos meninos,

sentando ao meu lado fez o seguinte comentário:

"19 ( ... ) já ~ ~ fIM 'f1AJI. ~ fU1 ~... Vacku, ~ ~ fW1' ~ ~ ookJw.. ~ já ~ ... "

Ao retomar à pesquisa no ano de 1992, obselVei imediatamente

que esses grupos não estavam mais na escola. A princípio pensei que

fosse devido às obras, que intensificavam a circulação de pessoas. Qual

não foi minha admiração ao ouvir a resposta que me foi dada por uma

pessoa que trabalhava na escola:

"&fn.~~~~ ... ~~~~, .. f7\AÜL ~ ~ ~ ~ ~ M ooIM ... rTb fIM fmt fdb ~ ... .4 ~ ali diL ~ a, .B~ ... II

Tanto a comunidade quanto a escola confirmam a distância que

hoje existe entre elas.

O presidente da Associação de Moradores comenta:

114

"~ ~ ~ umJ, ~ f7UUM ( ••• ). ~~ ~ p ~ ~ a, ~, f1UlA fi&. ~ ~. ~ ~ f.6ÚJ. umJ, ~ ~ dn.~. ~ M ~ dM ~, rwr Imk. M ~ d" <WÜIM, f1UlA fi&. ~ f'l"lL ~ a,

11

~.

A escola assume este afastamento na relação, mas considera que

a culpa maior é da comunidade, porque não participa da vida escolar.

II~ ~ ~ ~ ~, f1UlA ~ fi&. ~;

clw.m.a" f1UlA ~ fi&. otm.11

Uma das professoras acha que a escola é como uma ilha.

II~ ~ ( ••• ) ~ a, w:Ja, ~ Ja- !idn, CMn,

rNlJKu:pA P ~ ti. Yaloo;- ~ ~ P fl.M

~ (lA ~. 171& fi&. ~ a, ~ f'l"lL ~. ~ w:Ja ~ ~ ~ dM dwu, ~ dM~. tMM­~ ~, ~ e.b, vai ~ ~ CMn, UAM., +-~ ~ ~,

dut p i d" ti. ~ ~ ~ ~ um ~ cJhwJ,. :J~ ~ CMn, (lA ~ d" ~, f1UlA UAM. WJ, ~ ~ ffJY, ~ ~ ffJ oEY - iIJM. ~.II

Nenhum dos representantes da escola tinha conhecimento de

qualquer atividade em que esta tivesse participado junto à comunidade.

Afumam que a comunidade só procura a escola, além das "invasões" nos

finais de semana e mesmo durante as aulas, na ocasião da matricula e

para participar de festas e reuniões, mesmo assim em número reduzido,

principalmente neste último caso.

115

Existe uma resposta dúbia em relação à visão que a escola tem a

respeito da comunidade. Na avaliação de uma pequena parcela de seus

profissionais, os moradores são pessoas comuns, pessoas simples, com

vários problemas sociais. Chegam a afirmar que não existe violência nas

comunidades ou que existe o mesmo grau dos outros lugares.

Entretanto, a grande maioria vê as comunidades de outra fonna:

11J:xm. ~ ~ cf" ~ ~ fIM diL paNL ~

~, fIM..JM~, ~ ~."

li'... ()" {)(M.~t~ ••••

11J:xm. ~ ~ ••• 3~ ~ wuk M ~

t ~ Iun, ~ cInA ~ t ~ CIli.w6,.11

A própria dinâmica da escola sofre interferência dessa violência

externa, à medida que, por diversas vezes já teve que suspender as aulas

por causa de tiroteios e outros conflitos, embora atualmente essas

situações não venham ocorrendo.

I'A~ ~ tem ~, fMll, ~ u,mn, ~ ~ ~

fM, um lxwJ, cf" ~. A ~ fM, ~ ~. A~ CIIÚlKII:fJA

~ ~ ~, ~ 006M cf" ~ fUI, ~.

~ ~, ai;, ~. ;/W4- ai;, ~ cf" ~ ~ dn,~. eb WIm ~~, ~ ~ ( ... ).11

Outro depoimento mostra essa interferência, principalmente em

época de briga de poder pelo controle do tráfico de drogas. ",4F fUI, ~ Iun, a. waá&. fW" CiJJJIJ4 cInA ~. &

116

Ouvindo os dois lados, ou seja, tanto a comunidade quanto a

escola, pode-se entender que a ESCOLA LÍRIO não se sente nem é

sentida como uma parte viva da comunidade" e sim à parte.

Estaria a escola colocando-se numa posição superior nessa

relação, ao mesmo tempo em que é assim também entendida pelo outro

lado, dificultando sobremaneira essa integração?

Será mesmo possível realizar uma relação integrada entre os dois

lados, dentro da realidade experimentada hoje pela grande maioria das

escolas?

Como abrir essa perspectiva, sem que escola e comunidade

entendam, a priori, o seu verdadeiro lugar e papel na sociedade?

3.2- DISTANCIAMENTO E MEDO DA REALIDADE

Existe uma vasta produção literária sobre a dificuldade da escola

em trabalhar com os alunos das chamadas classes populares. Embora

sejam identificadas diferentes abordagens de propostas para a ação

pedagógica, nota-se um consenso no que se refere à construção de uma

prática educacional centrada na realidade social, a fim de colaborar na

sua transformação. No que se refere especificamente aos conteúdos,

117

afirma Libâneo (1991: 37):

"Importa, pois, que o processo de transmissão

e assimilação dos conhecimentos sistematizados tenha como ponto de partida as realidades locais, a

experiBncia de vida dos alunos e suas características sócio~ culturais."

Contraditoriamente, entretanto, a ação observada na grande

maioria das escolas, em muito se distancia dessa concepção. Em geral,

especialmente a escola pública vem realizando um trabalho isolado do

contexto social, quando muito, preocupando-se com a transmissão dos

conteúdos, reduzindo sua função a este aspecto.

A experiência que vem sendo retratada na ESCOLA LÍRIO, pode

confirmar a grande dicotomia entre as avançadas reflexões em educação

e o que vem acontecendo no cotidiano da instituição escolar.

A proposta do Programa dos Centros Integrados é bastante clara

no que diz respeito à tarefa do educador, explicitada no boletim "Falas

do Professor" (1985: 10):

"(. .. ) educar as crianças tal qual elas são, a

partir da situação em que se encontram."

, Nenhum dos professores da ESCOLA LIRIO desconhece ou

desacredita desse objetivo, assim como quase todos reconhecem como

sendo seu papel social colaborar com a transfonnação da sociedade,

para isso precisando, em princípio, conhecer e aproveitar as vivências

dos alunos. Embora demonstrando diferenças ideológicas e em suas

118

práticas, todos afinnam que pelo menos tentam cumprir esse desafio.

Porém, desanimadamente concluem: mas não se consegue.

Uma das justificativas apresentadas para não conseguirem

desempenhar esse papel é o despreparo com que saem do Curso de

Formação de Professores:

II~ eUIIM-~ ~ ~ Uf1U1 ~, ~ vai

~ i um ~. ~ ~ i ~ fONL Uf1U1 ~ t. ~ ~. ~! w:k ck, + ~ ~, m.atJ, lfUJKIJ'.fL i ~.

&.CM7\,s.~i~a.~vai~a.~ck, ~ CM7\, a. ~,.II

Fala-se ainda, freqüentemente, na diferença entre o mundo em

que os professores vivem e o mundo do aluno.

Uma grande parte dos profissionais da ESCOLA LÍRIO residem

em outro município. Porém, mesmo os que moram em Caxias,

confinnam:

E ainda que residindo bem próximo às comunidades onde moram

os alunos, como é o exemplo dessa professora, a dificuldade permanece:

119

tu, fi&. ~ ~ CM7\, ~ Iir» dA,~. eu ~ um ~: - m.u j)W!J, ~ em. e- ~ tu, • ~ 01jlli? eMM- tu,

vim fOMA 01jlli? ... eu ~ 01jlli f, fIM ~ ~ ~ dA,

dJadJ ... e ~ ~ ( ... )."

De acordo com os depoimentos, somente após um periodo de

contato com os alunos é que se torna possível começar a trabalhar

pensando em sua realidade.

"~M~~, ~lwamum~. ek ~ CWJiKn, ••• em ~ dA,~.,4/.i ~ ~ ... "

"2.~ ~ vw\, f'WL (1 ~ ~ ~ ~. ~ ~

~ tu, ~ tI\a. dA, ti\, ~. ,4t ~ ~ vai ~, vai

~ fidM CM7\, (lA ~, vai ~ (1 ~ ~, f,

vai ~ CM7\, i6M- F ~ vá. ~ ~ ~ dA, ~ f, ~ F ~ ~ ~ Iamúm."

Todavia, esse processo de aproximação com o novo não acontece

de forma tão simples, como possa parecer.

IIV~ vw\, ~ f'WL uma. f»iM" ~ ~ dA,

um jAik, f, diL dA, OO/La, CM7\, WJJ., ~ ~ um ~. Vai iAA ~ ~ ~ e, ai ~ ~ (1 ~, f1I& f, rlfHL. ~ (1

~ já- Im, uma. ~, ~ (1 ~ oW., dA, um rk, (1

~ ~ ~ dA, um;;k, ~ (1 ~ dA, ~ jk, f,

rlfHL, ~ (1 ~ rk.w, ~ f, ~ ~ cfu,

" ft&6a..

120

o principal motivo, no entanto, exposto nas entrevistas que

prejudica ou impede a aproximação e a conseqüente penetração no

mundo do aluno, trata-se da agressividade explícita no seu

comportamento diário, considerada como reflexo da violência vivida no

seu meio social.

"19 f1At ~ t (1 ~ ~. ~ ~ I.un, ~ ~. ~ ~. Jlta. CMM ~ fnun-: d&. Inpa ~ ~ ~,~, ~MCfJI\lL~ ~ ••• e~ ~~, ~

~ ~ .•. ~ f1At m ~ ~, fIM fmrm M

~,fmrm~·"

"A maiMia. dM ~ fIM tJn. ~ CMJ1, (1

~ ~ t&. dA,~. 1J~ (1 ~ tJn. ~, fflab

~ dA, ~, CMJ1, ~... Q, umvJ, ~ maiA, difw1. e. ai;,

~ ~ fIAMl1 "Aalidark, ~, dn, ~, fim #hl, ~ ~ ~ ~ ood !le, ~ CMJ1, WJIJ. ~. já IA, d4 um

~."

A julgar pelos relatos e por algumas observações, esses

profissionais por vezes chegam a demonstrar até mesmo um certo medo

dos alunos e das pessoas da comunidade.

"A ~ I.un, wk, ~ ~. flÁ,? oBt ~ I.un,

um ~M~t(1~flMoai~l.un,wk~

f1At ~ ~, umvJ, ~, Mi, fá. ... A ~ fim 'W.CA&lL. A~

~ dn, ~ ~ ali ~ fIM ~ ~ pt''''''"rm dA, ~, fX1M' ~ ~, fflab ~ CMJ1, wk. A ~ I.un,

~d&~."

121

Numa outra conversa sobre a necessidade do conhecimento da

realidade dos alunos, uma professora, a todo tempo me dizia que não

queria envolvimento com a comunidade, explicando:

Continuando nossa conversa, a professora acrescenta que nada

sabia a respeito d2. rivalidade entre as comunidades, assunto tão

amplamente explicitado durante as entrevistas.

~.II

Chegando perto da janela, comenta:

"~ ~ ~ cimu1, (1 ÚfIif.a, ~ ~ ~ i ~ U#7U1

fwJa i f1lMIM, d,. ~ (1 ~."

Ao lhe perguntar sobre o motivo da sua opção pelo não

envolvimento com os alunos e com a comunidade, esta professora

esclarece:

122

o relato descrito a seguir parece dar continuidade ao anterior,

explicando motivos muitas vezes despercebidos por quem analisa

situações como essas, do lado de fora, sem participar daquele contexto.

",4 ~ fmt, ~ tk, • M fW" dn, ~IJ. Q, W\,

+ d" ~~. ~ ~ dM WVIM ~~, ~ ~ maku ... ;]~ ~ ck. ~. ~ ~ paMlldtJ.

lWw, um ~ ~ ~ ~ ~ diwa, CM7\, ~ clwfM. ~ f1\.Q, ~ fIMOO, dM ~ ~ ... eu fMIVIÜ1 ck, ~ ~ ~ fá, ~ f1\.Q,

~ ... "

Ainda que apresentando algumas justificativas, tais como a

deficiência na sua formação, a distância entre a sua vivência e a dos

alunos, a dificuldade no envolvimento com os mesmos, os professores

continuam sem uma saída para romper o divórcio entre o teórico e o

prático, para construir sua práxis pedagógica.

Muitos dos profissionais da educação sentem-se angustiados,

nervosos, não querem continuar trabalhando naquele colégio, ou até

mesmo no magistério.

"~ w-~, a. ~ VI.{l, um ~-pap&-. ,4 ~

~ ~ f'lM ~ ~ ~ ~ ~ ( ... ). A ~ ~ foi difd; ~ f1\.Q, ~ CM7\, a. ~ ~, ~ ~ Ja, WJ, ~ ( ... ). 3iJ:JJoo. ~ ~ ~ ffl&

~~ookck,~. ~~~ ( ... ).

123

~aum~lj&~~~'~F~ tm\ll, ~ ~ Q, 0JfWl' via. lj& ~ ~ ~. ~ vi,

lj& ~ dnoo, WAfM., ~~. ffJ"N.U/IAi a ~ Q, ~: ~ a

~ ~ um ~ fW'IJ' uh ~, ~ tU ~.II

Uma das frases mais comumente escutadas por .

num,

acompanhada de grande desânimo era: "eu não sei o que fazer ... "

Algumas professoras chegavam a me pedir uma sugestão, como se não

acreditassem mais nas suas alternativas e como se alguém, de fora

daquele caos, pudesse apontar alguma saída.

Evidentemente que o propósito ao citar estes fatos não seria, em

nenhum momento culpabilizar os profissionais envolvidos, mas Slm

refletir sobre este contexto, o qual, como já foi dito, não é apenas

inerente a esta escola.

N a verdade, essa busca de conhecimento e integração com a

realidade dos alunos não é nada Iacil. Também eu, com tantos anos de

experiência profissional, muitas vezes, não sabia o que fazer,

principalmente quando presenciava as crianças se agredindo com

tamanha violência. Na twma considerada impossível de se trabalhar, eu

também não consegui terminar uma atividade que pretendia realizar com

os alunos. Eu também tive medo da comunidade, chegando a recusar

carona a um rapaz que me pediu para levá-lo ao hospital, ao sair um dia

da favela. Eu também não suportava ver de frente a miséria das crianças,

expressa nos seus corpos e nos seus olhos. Eu também queria desistir da

pesquisa, porque não sabia conviver com aquelas situações.

Num determinado momento, pensei em abandonar esse trabalho

e buscar outro caminho para fazer algo mais concreto e imediato que

pudesse colaborar um pouco com aquelas pessoas. Mas ... qual

124

caminho? .. Qualquer caminho comprometido com a mudança não

levaria a uma busca de contato direto com a realidade? Não levaria a um

estar com, a um construir junto?... Ou seria possível ficar olhando de

fora, ou do alto da janela da escola? ..

Ao final desse capítulo, que se propôs a contextualizar a realidade

social na qual esse trabalho se inscreve, pode-se observar claramente a

presença de um conjunto de fatores que se intercruzam na rede onde a

violência se constitui, evidenciando a necessidade de , ao estudá-la,

sempre se procurar desvendar suas raízes estruturais, políticas e

culturais.

125

__ CAiiioiiiiiiP ___ ÍiiooiiiiiioT.....iiiiIoUõiiiiiiiiioLO~ !Y

" A TRAMA DA VIOLENCIA NA ESCOLA

126

A TRAMA DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA

1. AS DIFERENTES PERCEPÇÕES DE VIOLÊNCIA NA

ESCOLA

Uma das maiores dificuldades encontradas ao desenvolver este

trabalho diz respeito ao grau de subjetividade inerente à própria definição

do tenno violência. Conforme já foi mencionado, esta conceituação

dependerá basicamente das experiências vividas pelo grupo social, ou

seja, cada grupo ou mesmo cada indivíduo, vai elaborar sua concepção

de violência a partir das suas represent~ções sociais, assim também

pensando essa professora:

I leu, w-k. ~ ~ i Iwk. ~ i ~. 'fJb vai

~ dn, 100, ~, dn, 100, ~. ffJaM f1li,m ~ é,

fdb rk ~, ali a, ~ rk fidm.. CMrJ, M~. 'fJb ~ ~ é,

~ fW"1' um ~ nM. WI, fW"1' ~ ~.II

N o caso específico desse estudo, essa indefinição estendeu-se,

conseqüentemente, ao entendimento do que poderia ser considerado

como violência na escola, sendo agravada talvez pelas vivências tão

contrastantes dos professores e dos alunos.

O resultado das entrevistas mostra uma grande multiplicidade de

opiniões, assim como marcantes divergências em relação ao tema,

dificultando ainda mais o seu desvelamento.

127

Os profissionais da educação, em sua maioria, diferente dos

demais participantes da pesquisa, até chegam a admitir que exista

violência na escola.

lI~m,~a,~t,s.~dn,~. ~

Iwk fU' Iun, ti fon.a-, a, ~ ~ CUjUi duJM 1n.mUm. 11

Neste caso, para eles, esta violência se manifesta basicamente

através do comportamento agressivo dos alunos, seja entre eles, ou com

os materiais e o ambiente fisico, ou com os próprios educadores.

IICu ~ ~, a, ~ ~, ~ a,

~ck.~WJ,~a,~~~~a,tk fflAM11M a, ~ s. fU' ~ ~ t ~ &-~, ~ ~ ~~~~, ~takm, ~~, fIM Úm~, mIM iAM. f""Ot mim Q, LWU1 ~ dA, ~. Umn, ~ dA, ~

~, ~ ~ ali ~ iAM. Iwk ~ CMfl, M ~.( ... ) ~ lWj ~ ~ ~ LWU1 ~, fU' liMu, ~. ~ ~ ~ ... t ~ fIM7\, ai ... ~ Q, LWU1 ~. e QMl1 Q,

a, miKJw, m.aW!. ~, M ~.II

Para se ter uma idéia do quanto a interferência do subjetivo

atravessa esse assunto, apesar das diversas afirmações como esta acima,

mostrando a presença real e constante da agressão fisica na escola, ainda

há, dentre os próprios professores, quem negue esta evidência.

II~ ~ ~, dA, ~ fGM' ~ ~ ln.mUm dA, ~ fGM'~. rTb, iAM. fILa, ttm M ~. ~ M. dA, twt WJ,~, M.~~~ dA, ~fXWL~'

128

Alguns educadores parecem também não terem muita clareza do

que poderia ser identificado como violência na escola, mostrando-se às

vezes, bastante confusos:

11Cu, frIA, ~ ~ tm ~ aiM, f1I.M i ~~.

ffJfYI, iAM. tu, fIM. w, tem !li, ~.P ar eM1\, ~."

Percebe-se que até mesmo ao detalharem a violência fisica,

permanece uma falta de clareza quanto ao seu grau de intencionalidade.

11Cu, ~ p fIlilh, ~ fM1 ~ ~. ~ ~ WL.

~ ~. M ~ dn, ~ fma. m? Cu, ~ lf-U' ali C1

~ dAt !li, ~ paNL CMIAWI6Cl/l, eM1\, C1 ~ ~ WL. UA7U1

~.

,4 ~ fma tu, fU.IKIJ:JL oi ~ fM1 ~. rJb ~ fma fIM. i ~ ~ ~. Cu, ~ p ali um ~, um pwroA C1

~ i UA7U1 ~ fma f1IlI.i6 a.mtfI.a" f1IlI.i6 ~, f1lllA. f"'L mim i UA7U1 ~, ~ ~ ~ fIM. arLm. 11

Ainda que em menor número, alguns professores não admitem

qualquer possibilidade de haver violência na escola.

129

"1& vr ~ ~ ~ fI.at w:Ja. &. f1WMM fi" ~. mm, eu fIM ~ ~ fdm. ~ ~~. rltm~. ~ ~,à.~~UfIA,~. ~~~, cku~ (1j)~

... . J / " P fIM. ~ naaa..

"1&, eu fi&. ~ P 0JIiJ.b, ~ 0ijUi. ,4 ÚfIk1L

~ fU' tU 0Ü1 fILa ~ M ~, ~ aA ~ ~, maA ~ W\, din, uJM tem~. 1& Iun, f1UU6, ~ fI&.."

Bem raros foram os casos de professores identificarem outras

fonnas de violência na escola, além da violência fisica.

",4 ~ dn. ~ F tHm de. ~ rMVii~~~ék.. VWL cb. ~-~. eU. ali auvulik- p ~ ~ ~ (1 w.Ja. CM7l. ~ ~, maA ~ ali ~, p ~ ~ (1

~~~( ... )."

"eu ak ~ ~ ~ ~ ~~, W\, Cf~ ~, i tmUL ~: ~, ~ ~ cruii.rr-... rTb ~ fi&. t ~ it.M- fIM. eu cuh. fU' ~ ~, fi&. ~ ~ p~~, ~tUR1U1~. r1Mi~~."

Esta última professora, continuando seu depoimento, afinna que

seus colegas de profissão não têm consciência do que seja uma prática

de violência por parte da escola, além das brigas entre alunos.

Também dentre os funcionários de apoio, poucos foram aqueles

que ultrapassaram o aspecto fisico da violência, ainda que generalizando­

a, a exemplo dessa inspetora de alunos:

130

~ t ~ ~ fi&. dm" ~ nadn" i ~ ~ ~ a

f1\&. M f!MM. ~, ~ t ~ ~. ~ i twU1

~~.

eu ~h a ~ F ~ M ~ ck.~, ~ fTW,

~ t ali ~ m flM. vi M6Q, ~ aiKItln.. eu wh. ~ ~ ~itwU1~~~.1I

o diálogo entre duas professoras, transcrito a seguir, confirma a

falta de coerência quanto à percepção da existência e compreensão

dessas práticas de violência na escola, demonstrando o quanto se torna

impossível dar-lhes um sentido exato ou absoluto.

11 ( ... )- ,4 ~ fU. tOO· arltrt Cj& ~ i CMM ? - t~ ~ miKJw.., fM ~, ~ dm" um ~ CM1l,

~ alulM-~ ~, f7lWM. f-U' ~, luJw, ~ a mM ~

w· ~I\" i twU1 ~.

- rT't& fi&. i ~ uma. ~ vi.JuJd J!lM- /& um

IW:U~ ~ V&d opbu. - ~iuma.~.

- ~'La. mim itJM. ~. i ~. V~ Iun, F' ~ f1\&.~~~ ...

- ~'IIL mim i, ~ a ~ fi.&. ~ ~. - eu ~ Cj& a ~ ~~, f1I&. a MMl1

~dntk, ~ i~. 11M ~ CM7J, uma. Jwnik, ~ ~ ooib a ~ fflIJRlAitvJ. ~ &IM CM1l, Ja.. ( ... )"

Com rarissimas exceções, os alunos são unânimes ao afirmarem

que não existe violência na escola.

Suas respostas ao questionamento "existe violência na escola?",

131

resumem-se nas seguintes: "Não"; "nunca teve"; "eu nunca vi"; "eu acho

que não"; "não vejo nada de violência" ...

Mesmo os castigos (ficar em pé atrás da porta, fazer cópia, ficar

sem saída depois da aula ... ), os gritos, ou qualquer atitude da professora

que não envolva agressão fisica bastante explícita, não são reconhecidos

como violência pelos alunos, como se poderia supor.

Esta conversa que mantive com um pequeno grupo, confirma a

dificuldade de caracterizar a violência a partir de um conceito fechado e

único:

"( ... )-e a ~ ~ C&m l~ Q, ~ ? -r&.(~~) - eta. uin. ~ ~ ~ Q, w.k Q, ~ ~ i ~.

- e~Jt~,Q,~? - rlM.(~ W1M~) -}» ~ ~ ~. Áí i ~. ÁF dA, w km

~~fmt~. Á ~~paM-ffli,m~ a~ dJa,~. & a ~ ~ ~, ÍlL fWf1'" fU1 cnk,a dJa.

-~ hf ~, Im, ~~, pwza~. - ~ww.~ í~C&m~~?

- r&. - Ác!,.fU'í, fM6~~~~~i.

- Ytm 00j ~ a ~ W OJ:ÚL ~ ~, a

~ fWF ~ dA, caJup Q, ~ ~ fim ~. - Á ~lamümí~ ... - ea~~CM1\,M~, ~ ... í~

fM~dk.? - r&. -elA~~.

132

~ ... - ~flMarJu,.~í~~Ja~~.

3W'v F ~ M ~ tm w1mt,.

- rTb.b rJn-~ ... -e~rk~ítml4~rk~? - r&. - eu,~F~í~~í~clvJk~

rk pi, fmF rkA W'v fi ... - 3aIfA rkA W'v fi t. ~ ptv:L oodt,,? - rlM. - ffJ 'II:L f11i,m. í.

- ffJ'II:L mim Inmtim flM. tu aú ~

~.e~~~~ ... - fi&. í ~ ~ Ja, UÚL M rluwk rM:t. 11

Dentre as poucas situações do cotidiano da escola interpretadas

como violência, as brigas entre as crianças foram as mais destacadas.

N a verdade, as brigas, as implicâncias revelam mais uma vez uma

fotma de relacionamento presente numa lógica de vida muito dificil de

ser entendida por parte da escola, uma vez que o seu código considera as

brigas como um comportamento "desumano", extremamente

"deseducado" .

Por outro lado, parece fazer muito sentido o comentário de

Guimarães (1990: 220), a respeito das brigas dos alunos, observados em .

sua pesqw.sa:

"Na sua ambigüidade, as brigas expressariam

não apenas o ódio, raiva, vingança, mas também uma

133

form8 de interromper 8S pretenções do controle

homogeinizador imposto pela escola ,"

Pude presenciar várias brigas no pátio do colégio, assim como nos

seus corredores e refeitório, diante das quais muitas vezes me sentia

compelida a interferir, embora com receio. Certa vez, ao sair de uma sala

de aula, um chute que se destinava a um menino, quase atingiu o meu

rosto.

Não raras foram também as brigas que assisti na saída dos alunos.

Numa das poucas ocasiões em que consegui me aproximar e conversar

com o grupo, explicaram-me que o motivo da confusão era a chegada de

um menino que veio interferir nos freqüentes confrontos ocorridos em

sala de aula, entre sua innã e outra colega.

11 ~ . '" I , [.I .UItYI J. .. ~ -' - G, U{, ~ '" ~ ooa.. f...,U. 1."V'rv fUL(!/I.. "" r l"'l (].{L

'ffliInlur, Wna, vim tJw,. Ja f'VL talM ~.II ( ••• ) - Ileu ~ lW\, ~.~ q, ~ ~ f'VL ~~,

~ Ui, ~ Q#7l, CiJIJIJ. ~ (L ~ mã.t, ai Ui, ~ lW\, ~ ~ vai II

f7l,Q,. ~.

Tentei me envolver naquele falatório, mas logo desisti,

entendendo que nada que eu pudesse propor poderia impedir que

extravasassem sua raiva, optando por observar o que se passava. Depois

de muitas ameaças, dispersaram-se sem terem chegado a realizar

nenhuma delas, parecendo que estava tudo resolvido entre eles.

De acordo com as crianças entrevistadas, essas brigas teriam

corno principal origem, a implicância de um aluno com o outro,

acusando os meninos que moram em uma determinada comunidade de

134

serem os maiores responsáveis. Afumam também que são mais ameaças,

no final não cumpridas, exatamente como presenciei na situação acima.

Pude perceber que as brigas, às vezes, se iniciavam a partir de

simples brincadeiras: alguém dava um empurrão, um puxão de cabelo,

colocava o pé na frente do colega ... e era o suficiente para se revidar com

outras agressões. Às vezes bastava um olhar "diferente" que já se

perguntava com tamanha raiva: "Que que tá me olhando?! ... "

Um dos alunos confirma esta percepção:

As chamadas "brincadeiras de mau gosto", asStn1 como as

implicâncias dos maiores com os menores, são queixas freqüentes dos

alunos, nos seus depoimentos. Por outro lado, as brincadeiras no recreio

são uma das atividades que mais valorizavam na escola.

O que poderia diferenciar as brincadeiras que eu presenciava no

recreio expressando tanta agressividade, das "brincadeiras de mau

gosto"?

N as conversas que mantinha com as crianças, ficava cada vez

mais evidente a diferenciação precisa que faziam entre as brincadeiras e

as brigas, trazendo-me um dado novo: os tapas, puxões, empurrões e

outras maneiras bruscas de se tratarem ou conduzirem as brincadeiras,

que me deixava às vezes aterrorizada, chegando a considerá-las como

atos de violência, não eram assim sentidas por eles, pois não havia

intenção de agredir.

135

~.II

II,4F a, ~ fi&. fmt Mlin, fWL wuIwt.ar. ~ ~ fI&..

M liL ~ dn- ~. ,4 ~ ~ ~ ~ M fWL ~, ai tak. ~ ÍJJIJI). fi&. í ~, í ~ ~.II

Esclarecimentos como estes foram me ajudando a entender a

dinâmica da violência, assim como compreender melhor a ambigüidade

das respostas quanto a existência de violência na escola. Cenas que

chegavam a me chocar, simplesmente faziam parte dos jogos e

brincadeiras.

Para aprofundar um pouco mais esta questão, realizei um trabalho

com alguns alunos, a partir de um recorte de jornal intitulado "Alunos

brincam de espancar colega dentro da escola".

Esta reportagem fazia referência a uma nova brincadeira infantil: o

"extermínio". Em determinada escola pública do município do Rio de

Janeiro, uma das vítimas desta brincadeira teve que ser socorrida num

hospital. Mas a conclusão do próprio autor do texto, mostra que

"ninguém quer agredir, só brincar. A maioria das crianças nem sabe ao

certo o que é grupo de extermínio". (Jornal do Brasil- 26/4/92 - p.24)

As crianças com as quais trabalhei, apesar de saberem muito bem

o que é grupo de extermínio, nunca brincaram ou viram alguém

brincando de "extermínio". A brincadeira que mais se assemelha a essa é

"polícia e ladrão", mas, a exemplo da intenção das crianças citadas pelo

jornal, também não batem "de verdade" e nem pretendem machucar,

inclusive apontam regras que devem ser respeitadas por todos:

136

II~ ~ ~ ~ ~ e, ~, ~ folam ~ ~ ~ ~ fWFA vai W\, ~ ~, ai /;,d,. ~ tak ~. J4c:

~ eI\a, ~ viM. ~ " ~ a. cww\'. rTb ~ tak fYLCL ~.II

II~ tak ~ a. ~ fiM, da ~.II

Assim corno os alunos, a maioria dos seus pais ou responsáveis

também acreditam que não existe violência na escola.

Raros são os pais que apontam alguma situação de violência na

escola.

11&n" f7llliiM ~ ~.II

11 I . . J .J . 1.10 ;,.". di. - II í)(.fr1" MlâW'7\. ~ V'~' ~ •••

Dentre o grupo entrevistado, os pais dos alunos são os que mais

137

demonstram estranheza frente à pergunta referente a esta questão.

Como supor que a instituição na qual confiam seus próprios

filhos pudesse ser capaz de pennitir que a violência nela se expresse? ..

Afinal, existe ou não violência na escola? O que levaria pessoas

pertencentes a uma mesma escola a terem visões tão diferenciadas do

problema?

Embora os dados levantados impossibilitem sobremaneira uma

resposta mais incisiva à primeira pergunta acima, por outro lado, vêm

reforçar a compreensão de que a violência também na escola, se processa

muma trama somente possível de ser interpretada ao ser visualizada em

rede, considerando-se a multiplicidade de fatores que interferem na sua

expressão.

Sem dúvida. pode-se dizer que o elemento básico que concorre

para o desacordo na respostas, trata-se da dificil delimitação da própria

conceituação do termo. No entanto, se este complicador é evidenciado

em qualquer âmbito de análise do fenômeno da violência, mais ainda se

toma dificil definir seus limites ou identificar sua presença, numa

instituição protegida e vista pela sociedade como um espaço sagrado,

uma vez que responsável pela educação de suas gerações em formação.

Esta concepção ideológica da escola parece contribuir

sobremaneira, não somente para que se negue a existência de violência

neste espaço, mas também para justificá-la. Pode- se dizer que se trata de

uma verdadeira legitimação da violência, uma vez que ela passa a ser

moralmente aceita, e por isso mesmo natural. Mesmo a disciplina severa

e as duras punições são amparadas pela necessidade social de controlar

as cnanças.

Nesse sentido, a escola vai praticando a "pedagogia da violência",

138

muitas vezes com respaldo da própria comunidade. Acha que está

"educando", protegendo o aluno, contando para isso com a concordância

dos pais.

Outro fator preponderante nessa análise refere-se à influência das

experiências vividas, na elaboração da compreensão do conceito de

violência na escola. Se estão acostumados ao contato direto com as

formas mais extremas de violência, seja fisica ou estrutural,

evidentemente não poderia haver violência na escola, como se verifica na

fala dessa criança:

1',4F fUI, ~ n& Iun, ~. eu, já tJi ~ é,

pvk dJ:L mimlw, CIlM-."

Muitos professores confirmam esta idéia, através de seus relatos:

11 ~(JJI.a f11J, r:JIÜJKIJ:fJA, -nM Iun, ~ fU1~. 'V tJâ dúr fXWL U#7U1 ~ ~ ~ Jn. vai, fvm. !IWl, ~ Q, ~ ~ ck ~ f'W1' Jn.? "0 Uma, ~ ~ tdiL ~ a, ~ ~ dJ:L ~ da ~? ... II

I'~, rIiiM ('M11, ~ ~, f'W1' f7Iim w.ifL U#7U1

~, f7I& f'W1' ~ ~ -nM WIiat, ~ Jt já tdiL ~ a, ~ ~ ~ ~ ~ iI:J:Jj.."

Novamente observa-se que as tantas agressões vividas e aceitas

fazem com que atos proporcionalmente menos agressivos não

139

signifiquem violência. Logo, não pode existir violência na escola, para

aqueles que elaboraram uma concepção particular do fenômeno, após

sofrerem na própria pele, tantas outras fonnas muito mais marcantes e

cruéis.

Completando este aspecto da análise, pode-se notar que a

constante relação da violência ao dano fisico contribui para as respostas

que reduzem a violência na escola é agressão fisica nas relações

interpessoais ou com os objetos materiais, como demonstra

compreender até mesmo a maioria dos professores entrevistados:

II~ ~ F ~ ali park, f1M' ~ UfflIl, ~ .••

fi&. ~L. taJu.. ... rh ~ ~ Q,~. eu fi&. ~ ~ ~ a ~ ~ a ~ UfflIl, ~.II

Alguns professores chegam a criticar esta compreensão restrita de

seus companheiros, reforçando o pensamento de que este seja um dos

motivos do não reconhecimento da existência de violência na escola:

Ilt ~ s-~ ~ ~ paM ~ Q, ~ t

~, Jm.. ~,~- pi ... ~ i ~ f'lM'~' ~Ii f1Il1iiM ~ ~ ~. ek flb fim uma, ~ m.ai6 ootpfu rk,

~~~.II

Ile~ Jurm ~ fi&. ~ ~ f/.a. w.Ja, ~ ~ ~ à, ~~. ~ fi&. fwt, m.ai6 a ~, (9.

140

~ fNJJM., ~ ~ ck- miL., m& w, aciuJ. ~ a ~ ~.II

Essa relação imediata da violência ao uso da força fisica pode

explicar, talvez, o temor dos pais e outros membros da comunidade, de

me falarem sobre a violência no e~paço onde moram, por fazerem uma

analogia com os assassinatos, as brigas e os crimes envolvendo o tráfico

de drogas.

Finalmente, dentre os principais aspectos que podem, de certa

forma, justificar o não reconhecimento da existência de violência na

escola, parece estar o receio por mim percebido durante vários

momentos da pesquisa, em se usar este termo, uma vez que ele, para

muitas pessoas, refere-se especificamente a atos de criminalidade. A

violência vai se tomando um tabu tão grande, que se evita até mesmo de

falar nela.

Uma das professoras chegou a me declarar, demonstrando um

sentimento de intimidação:

Ao perceber este dado novo para mim, passei a questionar outras

pessoas sobre isso. Todas as respostas, tanto com os adultos e com as

crianças, confumam que o próprio uso da palavra violência assusta as

pessoas, ajudando-me a entender o constrangimento percebido às vezes

em algumas conversas.

141

II~ ~ M ~ ab ~ adw.m ~ ~ ~ Wl­

~ ~ ~ W- dmw.am folm., ~ ~ ~ W\, ~~ ~ ~ (1 ~ ~ ~ lW:LlÚl, ~ ~.II

"l» WJlJ,~ ••• f~. f) ~ ~ ~ (1 ~ aijUi Mo ta,. ck ~ i (1 ~. e. f viMu ~ ... "

Foi ouvindo, principalmente as experiências de vida das crianças,

que pude compreender alguns dos emaranhados que surgiam nessa

trama. Conhecer o que se passava fora da escola, além de permitir uma

visão mais global da realidade, facilitava a compreensao de muitas falas.

II:JalM ck ~ ~ ~ (1 ~ fim ~ ~ ~ t;M ~ eM1\, (1~. eUt ~ ~ eM1\, ~.II

II{?~, a~, ~ f!MnQ, ~ dm: ~ a ~ ~~.

{?~ (1 ~ ~ ck tWI, ab ~ ~ ... "

II~ ak. ~ WJlJ, ~ OMUJn, ~, ~ Iwt,

muda, ~ fW'" ai. eWJ:. ~, ~ (1 ~ üYI/lA, ~,

~ na rJJIJIJ. ciM ~, ~ um ~ rk ~ fM7l, M

~. J4~ miMu um na miKIAa, rJJIJIJ.... tu ~ ~

aMluJak. {?~ ~ fI.UIim fWL ~ Mo ~. eLt, Frm iJH!J. fWJ' ~, fWJ' ~ (1 ~ ~, ~ ~ i ck rJJIJIJ., ~ uin, ~ fM7l, ~ fI.UIim. ~ ~ ~ Wl-~ ~, Fn.m

. ~'fWL ~ ~ P i ck rJJIJIJ. ... "

Como já escrevi, logo a primeira dificuldade que encontrei para

realizar a pesquisa de campo teve como um dos motivos a preocupação

142

por parte da direção com o meu próprio objeto de estudo.

N os contatos seguintes que tive com a diretora, ela reforçava a

dificuldade que tinham em tratar com a violência, embora considerasse

que a escola estivesse, desde a sua inauguração, disposta a enfrentar essa

grave problemática.

N a sua opinião não se pode tratar dessa questão nas reuniões com

os pais, devido este ser um assunto bastante melindroso, podendo trazer

alguns problemas.

"~Ii pk ~ ~, ~ a ~ fIM ~ ,ft ~ ~~dn,~~dn,~WMM. e~~Q,

ffIllik dk:~... ~'VJ, ~ ~ M ~, ,ft ~, ~ Iv:uw.. um ~, Q, a ~ ~ ~ ~ ciY., ~ fIM

~ M pciA ... ~ fi,. ... fi,. ~ ~ rwk ~ ~ ,ft . " ~ ...

Me1hor seria não falar sobre este assunto, porque ele em si já

carrega um grau de problemas que não se dá conta nem de se discutir,

nem de se resolver. Por isso mesmo, os professores de modo geral,

também não discutem sobre a violência com seu alunos, como foi

constatado nas entrevistas com eles próprios e com os alunos.

143

É bastante reduzido o número de professores que afumam

aproveitar as experiências dos alunos para refletirem sobre a violência. E

ainda neste caso, muitos dizem que não se sentem em condições de

aprofundar este tema.

"~ ~ ~ 'IM ~, fl& ~

~~fU'~~~~'fU'~~, ~... ~ CMlAWIM- fM'J' luJat.. Iúv.v.. MMA ~. ~ • a. ~ dn. tW:in. dk fW#IJ1l, diN:uJi."

Diante da permanente negação da existência de violência na

escola, assim como das freqüentes reações de surpresa e receio

demonstrado durante muitas entrevistras, comecei a observar que este

próprio termo carregava uma idéia tão ameaçadora, como se até mesmo

falar dele já chegasse quase violentar algumas pessoas.

A partir desse meu novo entendimento, optei, por alterar a

estratégia que vinha utilizando, principalmente com relação às crianças,

para melhor esclarecer esse enigma.

Um dos trabalhos realizados com os alunos, em sala de aula,

mostra claramente o quanto o uso do tenno violência pode influenciar no

seu próprio reconhecimento.

A exemplo do levantamento já citado, onde as cnanças

identificaram várias formas de violência, quando solicitadas a

relacionarem os "sinais de vida e de morte" que viam na comunidade,

também foi desenvolvido outro trabalho, no qual deveriam citar os

"sinais de vida" e os "sinais de morte" observados na escola.

Contraditoriamente às declarações de que não existia violência na

144

escola, foi sugerida uma enorme variedade de "sinais de morte",

evidenciando a presença da violência nesse espaço.

A maior freqüência dos dados referiam-se ao aspecto fisico:

professores que batem ou brigam com as crianças, alunos levarem armas

para a escola, brigas, brincadeiras de mau gosto, agressão, garotos

tarados, brutalidade, crianças se machucarem, roubo dos próprios

colegas e de objetos da escola, bandido que vem para a escola, pichação,

arrombamento, destruição da escola.

Embora pudesse causar surpresa, foram reconhecidas várias

outras situações demonstrando uma violência dissimulada, ainda na lista

dos "sinais de morte": discriminação, desrespeito, falta de funcionários,

professora faltar, greve, suspender aula, falta de interesse do governo

pelos professores, falta de higiene, ensino ruim, salário dos professores,

professores chatos e impacientes, palavrão, desunião, preguiça de

estudar, falta de merenda, alunos rebeldes ...

Mesmo considerando toda a dispersão na descrição, conceituação

ou classificação da dinâmica da violência na escola, demonstrada nas

entrevistas, pode-se verificar uma contínua referência ao seu aspecto

fisico, enquanto que muito raramente era indicado um outro aspecto

mesmo assim não designado pelos entrevistados. Também no espaço

escolar, a violência "aberta" era prontamente reconhecida, enquanto a

violência "simbólica" cumpria bem o seu papel de se manter

imperceptível, como definia Pierre Bourdieu (1975), para quem a própria

ação pedagógica, na sua forma simbólica, já seria entendida como um

ato de violência.

A questão que se coloca aqui é a necessidade de uma certa

extrapolação a estes conceitos, é medida que, perante o quadro

145

percebido, não fica tão simples classificar a violência em "aberta" ou

"simbólica". Diante de uma violência tão "aberta", os limites, as

fronteiras apresentam-se por demais diluídos, fazendo com que a

violência "aberta" passe a integrar a violência "simbólica".

N a realidade, não poderia aplicar tão facilmente como imaginava,

os conceitos de violência "aberta" e "simbólica". Muitas vezes um fato

identificado por alguns como violência "aberta", não era sequer

reconhecido por outras pessoas como violência, passando esta a situar-se

dentro do campo da violência "simbólica".

À medida que exista uma legitimação para que a violência se

expresse, elementos da violência "aberta" são assimilados como

"simbólica". Jogar um apagador no aluno seria considerado para mim,

por exemplo, como uma grave atitude de violência "aberta",

independente das justificativas apresentadas. Para outras pessoas, os

motivos e intenções poderiam interferir na consideração da gravidade da

situação, ficando evidente que alguns atos ao serem vistos como

correção, são considerados necessários e intrínsecos à educação,

passando a ser legitimados e portanto, não vistos como atos de violência

"aberta" .

Diante da sutileza e complexidade dessas expressões de violência,

há que se analisá-las sempre em rede, pois às vezes, por detrás de

atitudes aparentemente menos alarmantes escondem-se outras fOffi1as

mais graves de violência.

146

2. NATURALIDADE DIANTE DA VIOLÊNCIA

Os versos abaixo, do samba de João Bosco e Aldir Blanc,

ilustram uma dura realidade que pode ser constatada atualmente, e que

significou para mim, uma das importantes revelações durante a pesquisa:

a naturalidade com que a violência vem sendo encarada, especialmente

pelas crianças.

"Tá lá o corpo estendido no chão

em vez de rosto, uma foto de um gol

em vez de reza, uma praga de alguém

e um silBncio servindo de amém. Sem pressa foi cada um pro seu lado

pensando numa mulher e num time

olhei o corpo no chão e fechei

minha janela de frente pro crime."

A morte, parte da rotina, parece não causar mais estranheza, não

sensibiliza, não mobiliza. De tão freqüente, passa a ser um fato natural. E

diante da naturalidade frente à morte causada pela violência, que

significado passa ter a vida? ...

Logo num dos primeiros encontros que mantive com um grupo , .

de alunos da ESCOLA LIRIO, despertou-me atenção a manelIa tão

espontânea e natural com que eles se referiam a acontecimentos repletos

de violência, como se estivessem me contando casos comuns.

11na, ~ CIJNL fi&. l.wJ, ~. ~ l.wJ, 'lI1k. Um dia ~ ~ ~ um ~ ck. dAk ck. wu tMnã."..11

147

11 eu já oi um ~ ~ ~."

II~ ~ ~ vai ~ ~ ~ ~ M

~.II

Independente da idade, até mesmo os pequenos da classe de

alfabetização, confonne nesta situação acima, falavam sobre estupro,

facada, tráfico de drogas, assassinato, explicando detalhes que somente

poderiam ser do domínio de conhecimento de pessoas que mantivessem

um contato muito direto com os fatos.

Não apenas as crianças, mas os próprios pais relatavam-me casos

que haviam presenciado ou vivido, como se estivessem narrando um

filme.

À medida que me colocava mais atenta a estes dados, fui

percebendo que essa fonna de viver e de se relacionar, penneada pelas

diversas fonnas de violência, parecia motivar um sentimento de

indiferença tamanho, que merecia um outro estudo específico. Se ousei

abordar este assunto da naturalidade frente à violência, foi somente por

considerá-lo fundamental para o entendimento de alguns fatores que

surgiram nessa análise.

Cada vez mais atenta a essas atitudes de naturalidade, sempre que

me contavam cenas que envolviam mortes e grandes violências,

procurava perguntar-lhes sobre seus sentimentos naquele momento.

Geralmente, exceto as que diziam do medo, as respostas dadas, sem

148

nenhum constrangimento, eram semelhantes a desta criança que assim

expressa o que sente ao passar por uma pessoa morta:

Estaria na impotência das pessoas diante da violência cotidiana,

uma das explicações possíveis para a demonstração dessa naturalidade?

Como processar tantos choques, diante dos quais nada se pode fazer,

sem se resguardar? Agir com naturalidade seria uma defesa à própria

sobrevivência fisica e psíquica? ..

Uma causa freqüente que aparece nas respostas dos alunos, para

explicar a questão da naturalidade, refere-se a envolvimentos suspeitos

da pessoa morta, demonstrando que causas desta natureza, poderiam

justificar qualquer forma de violência, até mesmo assassinatos:

Ao me deparar há pouco tempo, com quatro rapazes assassinados

de uma só vez em minha rua, eu própria testemunhei o quanto vem

sendo difundida essa idéia de que "eles mesmos procuram morrer".

Diante dos cOIpos deixados na calçada, praticamente todas as

pessoas iam se retirando, considerando que existiam motivos justos para

esta violência, uma vez que, segundo se comentava, haviam sido mortos

depois de tentarem assaltar um ônibus.

149

Se era bandido ... então tudo bem ... "Bandido tem que morrer." ...

E assim é que, a gente vai "fechando a janela de frente pro crime",

identificando a eliminação das pessoas como sendo um antídoto para a

violência - um dos pressupostos básicos para a defesa da pena-de-morte.

Em cenas como esta, pode-se observar a evidência de um dos

maiores frutos desse sistema desumano em que vivemos: a total falta de

solidariedade com o outro, o descompromisso total com a vida humana.

Cada um se fecha no seu mundinho, preocupado em ampliar e proteger

seus bens materiais, sem se importar com o que possa estar ocorrendo ao

seu lado, sem consciência de que a responsabilidade pelas violências e

pelas mortes, em certo sentido, é de toda a sociedade.

Um dos integrantes do Centro de Defesa dos Direitos Humanos

João Cândido (Duque de Caxias), contou-me do seu entristecimento ao

ouvir os comentários de um grupo de crianças, ao passar por um homem

"Olh I' d t' t III " morto: a ... e e am a es a com sapa o ......

Que sociedade é essa em que um par de sapatos não ter sido

ainda roubado, surpreende mais do que a vida humana que foi

roubada? ... Que lógica absurda é essa, que nos obriga a exercitar uma

estranha filosofia, onde um objeto qualquer vale mais do que a vida da

'tiro' ? V1 a.

Esta reportagem de jornal aborda a questão da naturalidade,

concluindo após entrevistas realizadas com algumas crianças entre 9 e 13

anos de idade, que "velavam" o corpo de um desconhecido:

'Velar cadáver já faz part.e do mórbido

cotidiano das crianças da Baixada Fluminense.

Sempre que sabem da morte de alguém, correm para

ver. Algumas para verificar se é uma pessoa

150

conhecida, outras por simples curiosidade. Nenhum

confessa medo. E todos garantem que jamais serão

policiais".

(Jornal "O Dia" - 28/7/91 - p. 26)

Outra reportagem também realizada na Babcada, chama atenção

para a indiferença das crianças frente a um cadáver a espera de ser

removido, inclusive registrando o fato, através de fotografia:

"Dois meninos jogam, tranqüilos, uma partida

de mata~mata (bola de gude), tendo como pano de

fundo o corpo de um homem morto de madrugada.

Nenhum morador pede que se afastem nem os

recrimina quando usam a perna do homem morto

como tabela .(. .. ) A gente já está acostumado a ver

gente morta ~ disse um dos meninos, preocupado

apenas com o jogo ~ Ninguém se assusta mais. O

negócio é a gente não falar sobre o assunto senão a coisa pegaI'

(Jornal "O Globo"- 1 0/3/91 - p.28)

Submetidas a essa violência, num contato direto com todas as

suas fonnas de expressão, principalmente as mais extremas, como a

morte fisica, as pessoas, aparentemente, vão se acostumando e tornando­

se insensíveis e omissas. Porque integrada à própria rotina cotidiana, a

violência vai se tomando um fato banal, corriqueiro.

Os profissionais da educação entrevistados estão totalmente de

acordo com a hipótese de que este encontro contínuo com a morte, leva

à banalização da violência:

151

• ~ a, oiwJ. ~ ~~. e~.~,

~, aJjUi, ~ tm CI1.M ~ fMIIIWl,. 3i~ ôYLIWr a,

~. ~~ 04fA ~ ~ ~ fM 00LUIl1 ~ ~. eJ&., pat'4 ~, ~ pv-k rk um ClIIl.a. MAn,~, MAn, ~, MAn,

~,i~. r&i~pa!'4~. e~~~a, • • 11 ~ CMn, 1âM-.

Ileu ~ F ~ • I&. ~ CM1J, WJJL ~,

~ pa!'4 ~ i ~ UA7U1 ~~. e~~: -'e ~ ~ ~~, 'li? .. ' eu ach- p a, ~ ~ ~ Jw.lL ah,

ck lWJ, um ~ ~ fL{l, 'W.C1. ~~ ~ ~i, ~. óJ'LC1

~, a, ~ nru,. i Uf7Ul, ~ ~ ~ ~, ~ ~ CMWWwJ,

f11J1ii,. CM1\, i1JM., ~ CMfl. WJfJ. ~ ~ fflW'M., ~

ck 1iM, fnrmJn., ~ ~ f1IWM..11

II~~ ~ • ~ CM11- Q& ~ ck vidn.. e~ í a, 'WaLdmk, ciJM ( ... ). ~ ~, vt ~ ~ ~ I&. ~., ~a,~F~. euCMMaddb~~ ~. óJ(JJV2 ~ i CM7lUom, ~ ~ uJM ~ ... "

Há de se perceber que, quando chega a ser considerada como

evidente, lógica, conseqüência justa, atitude natural, pode ocorrer a

legitimação da violência, ou seja, a sua institucionalização, dificultando

as possibilidades de interferência.

Ao se pensar nos possíveis fatores que poderiam concorrer para a

demonstração de confonnidade frente à violência, não se pode deixar de

enfocar o contexto familiar, uma vez que a prática da violência no seu

interior vem se tornando cada vez mais usual.

Se a criança costuma ser maltratada, se experimenta um dia a dia

152

de contato com a violência nas suas próprias relações familiares,

possivelmente já não vai mais considerar-se vítima, quando

desrespeitada enquanto cidadã ou enquanto pessoa, especialmente em se

tratando de situações nas quais a violência se fizer mais camuflada.

Muito se tem escrito e discutido sobre a violência doméstica,

parecendo que, comumente, as oonsiderações tentam cada vez mais

tomar evidente que: numa sociedade onde "os pais apanham da vida ... os

filhos apanham dos pais.", como sugere um cartaz da ABRAPIA

(Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Criança e ao

Adolescente).

Em Duque de Caxias foi realizado um trabalho de pesquisa na

área de Serviço Social, no qual se constatou, a partir dos dados colhidos

na Vara de Família da 59a. Delegacia, que as decisões no seio da família,

geralmente são tomadas pelas vias da violência, persistindo uma

necessidade de domínio que se expressa pela agressão tlsica ou moral. A

autora conclui que esta relação de dominação tem como expressão

máxima a violência tlsica. (Cançado, 1985).

Uma outra pesquisa recentemente desenvolvida por Assis (1991:

113, 114), com escolares do referido município, cobrindo um total de

826 adolescentes, comprova a permanente presença da violência tlsica,

no ambiente familiar :

"110 adolescentes relatam que os pais batem

ou castigam quando são desob~d~cidos;

148 adolescentes referem sofrer su rra dos

pais ou castigos, d~vido a brigas entre irmãos;

37 adolescentes relatam apanhar ou sofrer

castigos dos pais, devido a problemas na escola;

153

53 crianças afirmamjá urem apanhado muito

dos pais, a ponto de sangrar, quebrar algum osso, ou mesmo fica r roxo;

Apenas 9 crianças declaram ur procurado aunção médica em virtude de surra ou queimadura,

causada por alguém do lar;

24 adolescenus relatam que os pais brigam e

baum após utilizarem bebidas alcoólicas."

Alguns professores afumam que a realidade familiar dos alunos é

marcada por profundas violências:

II ewkm 00lJIYJ, ~ dA, ~. .2w:J i a. aM7\.Q, dM,

paiA? fBak., CWIA1lrf1I'.. eb fi&. fim Uf7I.a ~, Uf7I.a ~

~ fGM' b um ptJf», ~. í ~ ~ ~, í ~ t1<1 tau dn. ~/li[L: 'eu' V3U, It, ~, It, ~, UI, F faLi ~ lMn, ~ ~ a. ~ ~ i a. ~ m&'."

"J~ Uf7I.a r:ttiNIJ:fL ~ ~ UI, ~ ~ ~ um

~ ~ fi&. ~ WJo. dn. ~ ~. J~ 00j ~ a.

~ ~ ~ tJJwk ~ fWJ' ~, a. m&

takt nJa.."

1I~á. ~ 00lJIYJ, dA, ~ ~ ~ ~, M ~

ali~, ~ à ~ tU1 ~."

Contraditoriamente poucos foram os alunos entrevistados que

identificaram como violência situações vividas na sua família. Alguns

diziam que apanhavam, mas achavam certo, porque faziam coisas

erradas. Neste caso isso não é violência para eles.

154

Ainda imaginada por muitos como o "segundo lar", parece que a

escola recebe uma permissão, principalmente por parte dos pais, para

continuar "educando" da mesma forma que eles. Por vezes, existe até

mesmo uma autorização explícita para que o professor possa bater na

criança, caso necessário.

Embora admitindo que ainda ocorra esta situação, os professores

acham que atualmente são muito raros estes casos.

"~ pciA ~ ~ duJ. ~ ~ ~ ~, a ~ ~ ~, ~ ~ ~, f1IIlb taIv.. flM.."

"& um ~ pciA ~ ~ ~ um ~ ~ um ~ M fJh. ckk, ok mdn, ~~. (}J~ ck, ~ ~

~. (JJ~ Ww., ~ ~, ~ ~, ~ ~ ... A~

~ tatu.. flM.. bá- um F1f» ffIllik.~. ~ fOOCM···' ,

Acostumado a assistir às mais graves cenas de violência ao seu

redor, experimentando na pele suas diversas formas dentro de sua

própria casa e tendo introjetado uma determinada maneira de ser

educado, o aluno não pode estranhar qualquer atitude agressiva que a

escola possa assumir.

Foi esta uma das reflexões que mais me ajudaram a ir

descortinando uma parte daquela trama, passando a entender a reação de

155

estranheza de algumas pessoas quando eu lhes perguntava se existia

violência na escola, obrigando-me a rever cada vez mais os meus pontos

de vista. A naturalidade que se processava diante da violência tomava-se

um dos principais elementos responsáveis pela sua negação no espaço

escolar.

À medida que melhor ia compreendendo a clinâmica da violência

a partir do trabalho de campo, percebia que também por parte da escola,

a violência passava pelo mesmo processo de tomar-se natural.

"Um ~ um ~ FI alJIj,m fY'lL f1Iim. eu ~ ~ CM7l-~. eU, w. • alJIj,m, 'f-U' ~ u,ma. rJJiu.L ~.

J4Mim CMM ~ aJw. 'f-U' fIM. t ~, m ~ ~ ~ f'llL M6Q, ~. lA, tt.m 'f-U' 00, Iww, f1LQ, cku 'Iaio<L. 1'lk cku ~ ~ ~ ~ + Mo d.ok. rTb ~ m ~ CM1], ~,

CW~ Q, 'f-U' vai ~ a ~? ~ h CM7l- lrmIn, ~, CMM

~ ~ ~ CM1], um ~ ~ . .fJwru fNL ti ... "

Freqüentemente comentava-se sobre a diferença para melhor, no

comportamento das crianças em comparação com os anos anteriores. Ao

mesmo tempo, porém, subjacente a esta constatação, surgia sempre a

hipótese de que eram as pessoas que haviam se acostumado com suas

reações, tanto que os professores recém-chegados na escola

continuavam dizendo-se chocados.

Um olhar distante do real da escola poderia questionar sua

passividade diante dos "filmes" que as crianças contam da sua vida, sem

considerar-se um dos seus "atores". Porém, ao se chegar lá, percebe-se o

quanto se toma dificillidar com determinadas situações, pois cada face

156

da violência tem suas fecundidades próprias e se engendra a si mesma.

Ainda que disposta a analisá-la em rede, nem sempre consegui articular

cada manifestação com as outras, ou até mesmo superar o estágio inicial

de conflito.

Talvez um dos momentos de maior perplexidade e impotência

para mim tenha sido a conversa com um pequeno grupo de meninas da

classe de alfabetização, quando uma delas, com a maior naturalidade,

conta que foi estuprada duas vezes. Esta criança, com apenas nove anos,

ainda que demonstrando muita amargura, descreve todos os detalhes das

suas tristes experiências, deixando-me totalmente sem entender até que

ponto ela falava de uma realidade ou de uma fantasia. E ainda que não

fosse verdadeira a sua fala, de onde teria conhecimento de tantos

detalhes? Como poderia "fingir" tanto sofrimento ao me falar sobre o

assunto? E, principalmente, que necessidades teria uma criança para criar

situações como estas?

Independente do fato ser real ou não, a questão que se coloca é o

grau de naturalidade com que um assunto tão delicado, passa a ser

tratado pelo grupo. Por um tempo, as quatro meninas conversavam entre

si, acrescentando outros casos que haviam escutado no rádio, que

alguém tinha contado, e até mesmo que tinham experimentado:

II~ W, ~ ~ ~, W, mYIW<L pvk ~( ... ). Aí um caII.<J, ~ ~ na, r.JJH:L ~ mm ~ ~ aJ:JJiKrv: 'JtWV.L fLI6Il, tala. ~ Aí ~ liMa miKJw, ~ ~, ai w, 0YVLi fNL miKtIw. r.JJH:L, ai miKtIw. ~~: '9.UA- foi,?' Aí w, ~ ~, ai

mifIAa. ~ ~ ~ CJJN:L Q, ~ um fCJk ckJk ~ na, ~

~. ;4í~ ~ twm w,PM-~' (1 ~~ F W,F

... /"""",/" II ~~..........,.

157

Qual a minha competência para lidar com esse tipo de problema,

quando ele faz parte de um universo tão distante do meu? Que

prosseguimento dar à entrevista, a não ser deixar que as crianças

conversem entre elas, perguntando detalhes ou dando opiniões:

"V~ ~ Iv.. ~ ~, fI.i? .E~ Iv.. ~ ffWifu

~. ~ ~ ~ tM, ~ cIM. fI.i?"

"eu' cu:k 'j& (J, tn& dk luJw. ~ pk fflUI.M

~ t ~ fWL~, fWL lAA ~ 'j& (J, ~ ~ ~.II

E a escola? Que poderia fazer apesar de todo seu esforço? Que

condições teria para acompanhar essa realidade, sem contar com outros

profissionais especializados?

158

3. ESCOLA: AGENTE OU VÍTIMA DA VIOLÊNCIA i

A presença da violência no espaço escolar, como já foi visto

anteriormente, geralmente não foi reconhecida, pelo menos de imediato,

por um número bastante significativo dentre os participantes da

pesqwsa.

Entretanto, à medida que ia aprofundando um pouco mais o

assunto, ampliando as questões ou até mesmo reformulando-as, fui

percebendo que surgia uma outra visão do problema, sendo que alguns

dos entrevistados chegavam mesmo a reverem sua posição anterior.

Assim, como se desvelando um fato antes negado, por muitas

vezes as pessoas iam admitindo que a violência fazia parte do cotidiano

da escola.

A conversa com alguns alunos, reproduzida abaixo, mostra como

essa contradição se processava:

"(. .. ) - ~<jd Ms ~ ~ ~? - r1M.. fIJ.VfIJJ:L ~.

- ~ ~? V~ fWKIJ:A tWLa.m ~ ~ ~

~fl,(l,~?

-r&.(~~) - e~ ~Cf&~~? e~~~'L + um fYWr fl,(l, ~ ~ ... iJJM. w í ~? - e(WlM~). - enIM.~~? - JW'v. - ~~~~~~'FflMWw.?

159

Além de perceber o quanto as diferenciações no entendimento do

conceito de violência interferiam na explicitação das respostas, passei a

obselVar que, à medida em que indagava se a escola praticava ou sofria

violência, ao invés de perguntar se existia violência na escola, tanto os

alunos, como os profissionais da educação e os pais, passaram a se ver

ora como violentados, ora como agentes violentadores, desmascarando

assim, um outro lado da trama que envolvia essas relações. A

compreensão em rede, na verdade, já traz em si essa dimensão dialética,

ao criticar as visões maniqueístas e entender que a violência se constitui

num processo no qual o sujeito será sempre autor e vítima da violência.

De sua parte, a escola acredita que sofra mais violência do que a

pratique, e ainda nesses casos, pennanece justificando suas práticas com

o argumento de que são as crianças que trazem a violência para dentro

da escola, necessitando assim de sua intervenção.

160

"[1, fIM ~ ~ CL ~ ~ fIAIfIiuum(L

~, WJ, ~ ~. ~ ~. ~81\, ~: CL

~ VWJ, fW1' ~ ~ ~, ~, fmt ~ ~, rrk ~,ali ~ ~ fW1' ~. A ~ ..JiL ali ... A~ ~ da ~ ~ ~ ~ CM7J, ~, CM7J,

~ ~, CL ~ ~ ~ WJ, dmiJL ~ ~, ~ umJl, ~ CL ~ Jn, ~ fIMM. ~, fW1' ~ Jn, ~ ~~, IM + WJ, ~ ~.II

"( ... )ai ~" ~ ~, !lQ, ~ fW.m rlimw, ~ ~~~,~!lQ,~~~. ( ... ) eU, ~ ~ fMb-fM ~ ali, f1I& ~ cp- ~ f11t. ~ ~."

Dentre os profissionais da educação, os responsáveis pela

merenda, os serventes e os inspetores de alunos, são os que mais

radicalmente afumam que a escola seja incapaz de praticar qualquer

forma de violência, mantendo a mesma postura assumida ao negarem a

possibilidade de existir violência na escola.

Quanto aos professores, o grupo se mostra dividido: alguns

confirmam o pensamento acima e outros o contradizem, destacando

como principal forma de violência praticada, a agressão verbal com os

alunos. A agressão física por parte dos profissionais com os alunos,

embora incluída no relato de algumas crianças, é negada por quase todo

o grupo envolvido.

Ainda que ampliando essa discussão, pode-se notar uma

referência predominante ao seu aspecto físico. Falas como esta, que

161

considera o próprio processo educativo como uma imposição e,

conseqüentemente uma violência, trata-se de exceção:

II~ ~ ~ ft&. ~ {'M7l, ~ ~ p<WL

~~~~.k~.~umw,~.~ ~ ~ ~ iJJM- fflAMM. ~ .k ~. eu frIA, ~ 'fTlllik-~ iJJM-. ri&. ~ fok ~ ~ ~ M, ~. fO"'2 tW\, !lQ, ~

iJJM- f1LWM. ~ .k ~. J4 ~ ~ ~. 3~ ~ i ~ fW1 mim ~ ~.II

Os alunos, assim como os pais, desconhecem qualquer prática de

violência por parte da escola, embora, contraditoriamente tenham

surgido com freqüência considerável, detalhes denunciadores dessas

ações, como se pode observar nas citações que vêm sendo registradas.

Convivendo no cotidiano da escola por mais de vinte anos,

acompanhando a complexidade do processo pedagógico, seja a nível de

primeiro ou segundo grau, posso afinnar. que essa isenção da escola,

colocando-se numa posição geralmente defensiva, eximindo-se das suas

responsabilidades, não se refere especificamente à particularidade das

práticas de violência. Com essa postura, embora questionada e

denunciada por tantos educadores e amplamente divulgada pela literatura

pedagógica, a escola permanece quase que alheia a estes

questionamentos, na verdade, cumprindo seu papel numa sociedade que

ainda a coloca como sua redentora. Todo fracasso escolar está sempre

fora da escola.

Sem pretender, de modo algum, simplesmente criticar ou

culpabilizar os profissionais envolvidos no relato que faço a seguir,

apresento esta situação vivida na ESCOLA LÍRIO, com o propósito de

162

suscitar uma breve reflexão a respeito do comentário acima.

Ao final do primeiro período letivo de 1992, foi realizado um

Conselho de Classe, onde a equipe pedagógica apresentou um quadro

demonstrativo, segundo o qual, do total dos 714 alunos matriculados no

inicio do ano, havia ocorrido uma evasão correspondente a 194 alunos,

sendo que as turmas de primeira série foram as mais afetadas.

Além disso, chamou-me atenção o alto índice de alunos em

recuperação, atingindo um total de 230 crianças.

Um dos objetivos desse Conselho de Classe, a partir desses

dados, foi levantar os fatores prováveis que interferiram nesse resultado

do processo ensino-aprendizagem.

Conforme os professores apresentavam suas considerações, fui

anotando-as. A indisciplina e a falta de hábitos foram as causas mais

citadas, entre as seguintes:

- falta de interesse do aluno; - número excessivo de crianças na sala~ - mistura de idade; - freqüência irregular; - diferença de realidade de vida do professor e do aluno~ - falta de maturidade de alguns alunos; - falta de prontidão para aprender; - falta de estudo em casa; - barulho das obras na escola.

Para confirmar suas avaliações, os profissionais Iam

acrescentando vários exemplos, sendo que a matona se resumia na

dificuldade do aluno em acompanhar o conteúdo desenvolvido.

Até mesmo a ausência dos pais na escola, considerada como uma

coisa gravíssima, sem solução, foi apresentada como um fator de

163

importante interferência no mau desempenho dos alunos.

Dentre os casos apresentados chamou-me especial atenção a

discussão sobre uma criança, a qual, segundo sua professora não teria

idade mental correspondente à sua idade cronológica: "A mãe disse que

ela tem 7 anos( ... )". Mas a professora do ano anterior esclarece: "A

certidão dessa criança está adulterada. Ela não tem essa idade, tem

menos". Fica evidente aqui mais uma vez, o grau de negação de qualquer

outra causa do fracasso que não seja inerente ao educando.

A indisciplina, que já vinha apresentando-se como uma queixa

constante nas minhas conversas com os profissionais da educação,

continuou sendo um dos temas principais do Conselho de Classe.

Uma das professoras não podendo comparecer, enviou seus

resultados com a seguinte observação "Gostaria de uma sugestão para

melhorar a indisciplina de alguns alunos, pois estão atrapalhando o

andamento da tunna."

Esta anotação Veto ao encontro das dificuldades de outros

professores, que se manifestaram, apresentando nesse momento,

algumas propostas, sendo que, ao final de um pequeno debate,

concluíram:

"tJA ~ U#1U1 ~ ~ W1 ~ (L MCk. ffJ~ ~ M ~ rk ~ ptwL ~ (L ~."

164

A professora da quarta série, cuja turma consta no quadro

demonstrativo com 22 alunos em recuperação, do total dos 32,

acrescenta que este é o pior grupo de se trabalhar:

"~ ~ ~ (, ~ um~. l1tm U ~ e.~.

em fw.muu. ~~ fUI, ~ ~ ~ ~ ~. ~ fIM

11m ~, ~ ~, Iwk fO"'1' ~ i um ~. fJ~

~: ~ um ~ ~ (L 00KrIÚ.JIL, ~ acluurv ~ i um

~ ... ~ ~ w. Iun,'~ ~ ~. fJfl/I.W, ~ ~ ~ ~ fW#7U1 ~ ~ ~ ( ••• )."

Embora parecesse haver por parte da equipe técnico-pedagógica

o objetivo de aprofundar a análise desses fatores, apenas uma das

professoras presentes ao Conselho de Classe, colocando-se como

integrante do processo pedagógico, reconhece o quanto suas próprias

limitações poderiam também estar interferindo no interesse dos alunos.

11Cu, f!&. CM~ ~ ~ ~ dk. eU! fIM ~ ~

~ ~ ~ rJIÚJJf11'.j1b em tWwn, ~ (L ~. JiJ:Jj. ffl4,

~: ffJ~ ~ nà.tJ. r.MIJJiJp ~ (L ~ ? e!lM, ~ í f11Ali, ~. Cu, fIM r.MIJJiJp ~ (L ~... ~ ~

~ ... fIM diJ. fO"'1' folm. em~. e~ fIM 11m fI.Wl, w:®IJ, ~ ~ ... Cu,~~~~~:1

Em detetminado momento uma professora relata:

IIA~ ~ rJwr.m ~ ~, ~, mab

~ vM ~ ~ ~. ~ookm ~ ~ fi&. ~ ruJa: I

165

Ainda que identificando dados como este, que demonstram a

necessidade de se olhar a escola por dentro, nenhuma suposição é

levantada sobre o que poderia estar contribuindo para essa desmotivação

e desinteresse, postura esta que vem contribuir cada vez mais para uma

visão idealizada a respeito da escola.

Este próprio Conselho de Classe foi iniciado com a proposta de

se refletir sobre uma música (tema de abertura de um programa de TV),

cujo trecho da letra dizia:

"( ... )É na escola que tudo começa, lá se

aprende a viver.

Na escola que a gente entende o sentido de ser.( .. .)"

Concordando com os versos acima, assim também muitos dos

próprios professores imaginam a escola: um lugar sagrado, cuja missão é

redimir a sociedade, investindo esforços nas novas gerações, formando

suas mentes e ensinando-lhes como devem agir, a partir dos seus

ensinamentos. Se não consegue corresponder a este objetivo é

geralmente por motivos que lhe são alheios.

Incorporando tais representações também os pais e os alunos

relacionam seu fracasso a falhas suas, pessoais ou de origem sociais,

considerando que a escola sempre cumpre, na verdade, a sua parte.

N esse sentido, consequentemente, a escola seria incapaz de praticar

qualquer tipo de violência. Afinal, uma instituição responsável pela

própria humanização das crianças, não poderia jamais portar-se como

agente da violência.

Raramente sendo reconhecida ou mesmo assumindo-se enquanto

166

agente de violência, a escola, por outro lado, declara-se vítima de vários

tipos de agressão, sofrendo, enquanto micro-sistema, as mesmas

violências vividas pelo todo social.

O retomo das aulas no segundo semestre de 1992 foi um

momento no qual pude perceber de maneira bem forte uma insatisfação

e mesmo um sentimento de revolta entre os professores e o pessoal de

apOlO.

"(1 ~ ~ ~ ~ ~, ~ ~ ~ ~

~ ~ ~ fIJ1IfU'JJJ !:& ~ ( ... ). f2~ tw.i VWJ,

fX1M a. w.Ja" b iue. ~ ~ ~ r:JWJ1'~ fM' ~ ~ ~ ~ M- !Im ~, m? rrb Imt, Iw.a ~ a. ~. ~

(M~, Im!, ~ ~, ~ a. ~ ~ ~. ~ CMrt, wa, ~, ~ ~ ~ fW" ai, MM· ~ ffliwJmJ ( ... ) fiA' 'IM diL fXWl' ~ MIln.. V ~ (MIJA, ~ mal, ~? ~ mal diL fM' CM1WI.. ~, .. wm ~! e..JJM. a.

~~,~,~~nMlm,~~~

Ff'" tmllL ~ muJnl e, vJim., CMrt, ~ ook.p., eM7\, tmllL ~ . '" J '" (Y)", J, I (õ' "",

t)t6M. fM' tII.<W<lA.II.3-.. • II.M- (JJJ;.. • GU f11:M- ~. fIIJJJ- na. f'WI..OM ~

~ tmllL ~ ~ ••• "

A indignação diante dos salários irrisórios e das precárias

condições de trabalho, devido nesse momento principalmente à

continuidade das obras no prédio, parecia agravada pela crise ético­

política que o país atravessava.

167

t ~ mal CM7l, & ~ ~' ~ ai ... ~ ~, QMl1 ~1JI:jJ.l9- ~

a ~ ~ ~ a WJJ ~ e~J, a ~ Jwru à-~ twm ~( ••• ). r&Q,~~~,fMA~(lA~~ ~ a ~ ~ ~ M palA ( ... ). ~ ~ eu ~ uma~~~. e~.J4~tuma ~. 11M i uma ~ fI.a, ~, fMA i uma ~ fTlM<1l, ~tM,.11

Pode-se observar durante as entrevistas um reconhecimento

comum, tanto por parte dos alunos, quanto das comunidades, como dos

próprios profissionais da educação, de que estes últimos são as principais

vítimas da violência na escola.

O governo é apontado como um dos primeiros elementos

responsáveis por essa situação aviltante em que se encontra a escola

pública, à medida que não se compromete em lhes oferecer condições

dignas de trabalho e de salário, desvalorizando um dos setores

fundamentais da sociedade.

liA . • I. . , J. - / d ." ~ f1W.LM ~ t ~ a.w:JJM. ~ ~ ClW1 a u.u:.ntp/j. .

. ~ ~ + ~. J4 ~ ~ ~ um ~, f7I& 0iJM'L ~~,a~~~Fm,M~~~uma ~ ~ CM7ll9- viII.aII, &. e~ I&. ~, ~ fIM

~~Qá6Q,~. euarh.~~~~ ~um~~~. r1Mf!.M~aQMl1~

~. J4 ~Ffoi &~, ~~. J4 ~F ~,~ ~ ~ ~ Iuia., ali d& ~ M ~

ck, ~ ~ a ~, a ~ ... ~ CMllfiÜia.b ~ fIM, fIM ~: (lA w:k ~ ~ aM~, a~~dM~i~ .. ,,1

168

Nas entrevistas, os professores apontam ainda como formas de

violência que sofrem o número excessivo de alunos em sala de aula, a

falta de materiais didáticos, o despreparo técnico, a falta de oportunidade

de se reciclarem, enfim, a falta de condições para realizarem um bom

trabalho.

o trecho de uma das teses debatidas no I Congresso de Educação

realizado em setembro de 1992, pelo sindicato representativo da

categoria, confinna o resultado dessas entrevistas:

"A palavra FALTA tornou~se constante no

cotidiano da escola. Falta verba, faltam vagas,

faltam professores, funcionários do apoio. Falta

material didático e mobiliário. Falta material de limpeza, faltam bibliotecas e livros, faltam salas de

aula, de estudo e de reunião pedagógica. Falta

salário, falta democracia e participação."

(in Tese 3 - p.8)

Terem que desenvolver um trabalho que não sabem e serem

obrigados a cumprir exigências por parte da Direção, da equipe de

supetVÍsão e orientação e da Secretaria de Educação, são outras formas

169

de violência constantemente citadas:

Por outro lado, a direção da escola também se sente violentada,

por parte dos colegas de profissão, que, segundo ela, nem sempre

demonstram companheirismo ou espírito de cooperação, além de ter que

cumprir as ordens que recebe das instâncias superiores.

Muitos dos trabalhadores da educação que entrevistei

consideravam-se bastante agredidos com o comportamento dos alunos,

dizendo-se compelidos muitas vezes a agirem de determinada maneira,

devido às agressões e violências recebidas.

170

1';4 ~ + lnmJim (J, ~ ~ fM ~, ~ ~. ~ ~ fIM ~ ~, fflat. ~. eu fIM

~ mr:Jih ~. 3W'v twUL mMia ck f'.iKIm, fM dm, fU1 fw..ma. ;4~ w, ~ ~ ~. ~~ fi&. ~ mr:Jih."

"~ ~ ~. ~ ck caJup, ~, ~ W'v pi. ~ ~ Q, ~ fW'4 e. ~, ck ~ ~. e~ fi&. ~ iJJM. CMM. ~ ~ F ~ ~ (J, ~

~~. e..JM e. ~ Q, ~ ~ ~~ i1JM.. e~ fIM ~ ~. gJ~ f11Ml.M (J, ~ ~'dntft ~ ~m ~

~."

o desrespeito e desvalorização por parte da comunidade, é outro

ponto que aparece nos relatos sobre as fonnas de violência que os

professores são alvo.

"iéL ~ da ~ ~ ~ ~ ~ ~w1 ~ ~ CMfI, ~ 'tU1 ffl&.. ~ ~ ~ ltJM. !Wfb iA ~ a ~ fX1M ~ lá, W'v r:iArJJL."

"eu uJnoo. ~ ~ ~ dinA, ~ ~ CMf1

um ~. Um dut ~ uma f1\& ~ M ~, fU1 ~ ck ~ ~: 'e~ ~ ~ (J, Mik bJa" ~ ~ ~ 'eu ack i.6M- uma ~M(J, QWl, e.~. ~

171

Sobrecarregados nas suas funções, devido a falta de condições no

trabalho e aos limites que lhes são impostos, principalmente quanto à

falta de atualização e aperfeiçoamento, muitos professores ainda

necessitam trabalhar em outros empregos, ou realizar outras atividades,

para compensar um pouco a sua precariedade salarial, aumentando seu

desgaste fisico e emocional, comprometendo, sem dúvida, a qualidade

do seu trabalho.

Percebendo um enorme desânimo por parte de uma professora,

ouvi o seguinte desabafo, o qual considero representar o sentimento de

grande parcela dessa categoria:

"eu ~ fIllmtIJ, w:Ja ~ pJa-~ Q, CL ~

M e J e rP, f1\lIA Ilijd m ffl,Q, CJW.Ij. f7UJik f1U114. A ~ ~ f'1N1' a,

foruldruk fOM' 0QIl, ~ fMl6, ~ ~ a, ~ riA, ~ CL

d:wa, ~, ~ ~ ~ ~ ~ ~ W\. fflAA!.M ~ Q, ~

~um~~.

:J~ "" ma.iM ~ f'1N1' ~ 1M. ffliKIk ~, f1\lIA

fIM. ~ ~. ~~ ~ fl&. ~ ~. fi.&. ~ ~ ck f11im. 11M fmfm a, ~ ~. 3~, ~ fIM. !wJ, ~

f'1N1' ~, na.,. ~ "" ilnfk:tuJ, "" cdiwd. eu na.,. ~ dur Cf1A' ~ ~ vM. ~ frulib ~ ~ fIM. í il!NJ F ~~~M~.e~~~~~

~:~F~~~,!IWJ,~<m ~. fim- difrl· 3f1m uma, ~ riA, ~.

eu~ um ~ ~ fX1NL ~ ~ ~ ~ pk f1Ih1lM fim aL;um ~'F Cf1A' ~ ~ b t

MCfLttWl,. rPek. f7\M!.M ~ ~ um ~ dk ~ ~ ~

172

1 ... ,,;,. I;",. "í>.. <rn • J 1 .J rhl.",} II &t.- arL ".JI3UAJAAI~... 11 fL11J, t f.UM f71Ui.0. ~ •••

Cabe aqui acrescentar uma realidade vivida por uma categoria

composta majoritariamente por mulheres, as quais precisam sem dúvida,

pelo menos em grande escala, completar ainda uma outra jornada de

trabalho, responsabilizando-se pelas tarefas domésticas.

Como se pode perceber, são muitas as violências sofiidas pelos

profissionais da educação. A maioria se mostra impotente, perdida, sem

saber o que fazer; sente-se desvalorizada e desestimulada em todos os

sentidos.

Acompanhei mais de perto o trabalho de uma das professoras que

me parecia das mais angustiadas, chegando a me dizer algumas vezes

que já estava prestes a desistir. Era a primeira vez que trabalhava numa

escola pública, sendo que recebeu uma tunna composta, segundo ela, de

crianças que estavam dando problemas em outras tunnas.

Com dois dias de trabalho, a professora perdeu a voz de tanto ter

que chamar a atenção.

Decidiu começar trabalhando com o conteúdo sobre a família.

Pediu para os alunos desenharem as pessoas da família, pretendendo

aproveitar para fazer uma sondagem sobre a noção de quantidade.

Assustou-se com as conversas sobre as pessoas da família e com a

naturalidade que tratavam de mortes e assassinatos de alguns parentes.

173

"Ek w Iún, ~ ~ ~~. e~, ~, d&

~ fU f7WVW\a.m fM ~, ~ 1iM... ~ fWA!.C(1 ~ i ~."

Apesar de todo seu esforço, as crianças continuavam sem hábitos,

sem limites. Cada qual fazia o que bem queria.

"Eu ~ fJlw-~ fYJNl' ~, ~ ~. ek ~ ~ CM11- C1 ~ ~, ~ F Jn, W1

~ mJJw.. .1"& ~ fl.W\,. M ~, fI.Wl, M ~, w li.Jw.m ". ~ tUJJ:h."

Diante desta realidade tão trágica, a professora dizia se sentir cada

vez mais impotente, decidindo tomar certas atitudes como suspender um

aluno, tentando garantir o mínimo de manejo do processo.

"J~ fU fMru:v.. Mât], aiJJ.uk ~ ~ ~ ~v fUL

~ fwp.. Jj~, WJIJ, ~, ~ C1 ~. (9

~ ~ ~ l~, eJnoo, mJJw.., ~ f1UW.."

Além da falta de hábitos e do alto grau de agressividade, a tunna

era composta por três grupos com diferentes níveis de aprendizagem, o

que, de acordo com a professora, dificultava sobremaneira o seu

trabalho:

"Eu w ~ ~ ~. :r~ f7\& ~ ~

~ fIM ooli.am ~ ~. e~ ~ ~ ~ ~. ~ t;i F fl&. - maM, ~ ~ ~ ~ a

~ dJL w:Ja. ~ fYJNl' ~ uma ~11if.t CMn, C1

174

A solução encontrada pela escola foi dividir a turma em dois

grupos: um estudava de 13:00h às lS:00h e o outro de lS:00h às 17:00h.

A professora avalia que seu trabalho melhorou bastante depois

dessa separação (dissolução) da turma, embora alguns problemas

permanecessem. Os alunos passaram a se interessar mais e com isso ela

também se sentiu mais estimulada.

Esta situação é uma pequena amostra do quadro difici1 e

desafiante em que se encontra a escola pública.

Privando-me de fazer uma análise critica mais minuciosa do

trabalho pedagógico dessa professora, embora me sentisse altamente

tentada, quero chamar atenção para o processo de desgaste que vai

ocorrendo com o profissional chegando ao ponto de querer abandonar

tudo.

As soluções tomadas, nesse caso, que poderiam ao meu ver,

serem consideradas como práticas de violência aos alunos, parecem ser

as únicas, frente aos limites da escola e diante do que ela sabe fazer.

Durante determinada conversa que mantive com uma outra

professora, pude perceber bem de perto o quanto os educadores, se

desgastam tanto no dia a dia do seu trabalho, o que, sem dúvida, não

pode estar isolado das suas emoções, interferindo decisivamente nas

suas práticas pedagógicas.

I leu" fW"~, ~ f1W, ~ ~ ~ 0IfIh.

~~ m ak ~ ~: w' ~ ~ um ~. ;-;1 um

~ ~ ~ fi&. ~ s. ~, f7UM. ~ mw.M m ~ ~ ~ ~ adwoo, wk Q, ~ ~. J4~ m nM fMM' fkm. 0if1i,

175

~fIM~~ ~o 1wVJA ... eu ~~~ M~ck. ~~~~~riL. rTb~.~ m

fIM ~. eu ~ dwiJu.. a, miKIlta ClJIIIfL' m ~ ~ ~ ~. eu.~&umL~, ~ p a, r;wk~. eu • & Uf1U1~. eu.. ~ GM1\, &. eu ~ ck. p fup., fIM ~ fM ~, ~ ~ m ~. e~

~m~p~~fwp.pm~~~,~ m • ~ fllL ~. ~ i Uf1U1 ~, fIM ~ ~,

~ GM1\, a, ~ riM ~ ~. ~ r;wk ~ fmF um ~ ~, W\, ~, ~ 0ifY"1' a, r;wk fIM ~ f7IIJi6,

fGM ~ eJetJ, ~ ~ f1iM. ~ r.fm.v M ~ o 1wVJA? f:iuiM ~:

~ fIM ~ ~. & vQ Iun, tWll1 ~ fIM ~~. e ~ p w, oWi~? e ~ p w, ~? JM3- fIM ~? eu ~ ~ uk (].M. fM CJJ11lJfJ. ~.II

Esta professora expressava seus sentimentos com tanta

autenticidade, que não pude deixar de me sentir solidária, a ponto de

terminar a entrevista, chorando junto com ela.

A tristeza é muito grande ao ver um profissional comprometido,

tendo que se submeter a determinadas decisões executadas de forma

autoritária, de cima para baixo, sem envolver qualquer consideração com

o outro, seja a nível profissional, seja enquanto pessoa.

N as entrevistas que realizei com os alunos, eles denunciam que

pessoas de fora vêm para a escola, à noite, usar drogas, namorar e roubar

materiais e até mesmo já souberam de bandidos que entraram no

colégio, destacando estes fatos como as mais graves violências sofridas

pela escola.

Apesar de quase nunca serem percebidos por eles próprios corno

vítimas da violência, exceto em situações de brigas, os alunos somente

176

aparecem nessa condição, nos relatos de alguns poucos professores.

N a verdade, a análise da atuação da escola enquanto agente e

vítima da violência, escrita até aqui de maneira seccionada, serviu apenas

para uma melhor exposição didática, uma vez que essas atuações em

momento algum se mostram independentes, mas ao contrário, uma

nasce dentro da outra, uma faz parte da outra, de modo tão recíproco,

que se toma impossível delimitá-las.

Essa relação dialética, na qual a escola ao mesmo tempo sofre e

pratica violência, esteve registrada muitas vezes nas entrevistas, como

exemplifica o relato abaixo:

I'.~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ oJlY'~ um

~~~~~tk~. t9~,f'Y'" ~ twt ~, ~ (L di~ rk ~ rvJw.a, ali, ~ ~. ~ eJmk. ~ ~,j1 VW1~. e ~ QA7l. cima. ck,

~ ( ... ). e (L mwruL CJY.M CMn, M alwnM. teu. ~ (L

~ WL dmrL da 'r'"~' t (L ~. ~ dw:M~ ~­~ t cur Ia.mtim CMf1, ~uia. CMn. ok.. 11

Para esclarecer sua compreensão de que a escola se toma ao

mesmo tempo, agente e vítima da violência, a diretora fala a respeito de

um curso de reciclagem proporcionado aos professores, pela Secretaria

Estadual de Educação no segundo semestre de 1992:

177

Imt.~. ~~ ~ ~, M, ~ ~ fIiL5. ~ ~ ~ CUI\M., tL,.

~~Uf1U1~,~~~ ~~~. fflilA fIM ~ ~ CL ~ cU,... e ~ ~, al;;m ck. ~ ~ ~, oJn, ~. e.J&. oJn, ~ ~ t ~ a, ~, ~ já-~,~ eM1\. M6Q, ~ ••• "

Algumas situações observadas reuniam em si tamanha

pluralidade de causas e elementos que parecia sentir-me incapaz de saber

onde e quem começava ou terminava a violência, sentindo-me num

emaranhado difici1 de me desvencilhar, formando-se um círculo, onde

tudo passava a ser visto como violência.

Numa turma de alfabetização, a professora inicia seu trabalho

pedindo aos alunos que se comportem, acrescentando:

II9,UWL fIiL5. ~ tWJ, fW1 ~fu, ~ ~ lL ~ paN1

fl&. tAA fMi6.. ~ dJi Q, fWL tAA t ~ ~ ~.II

Enquanto observo a professora passar o dever no quadro de giz,

fico me perguntando: Qual o sentido desse exercício - "Separe as

sílabas" - para alunos que sequer sabem ler? ..

Algumas crianças se mantém concentradas, procurando realizar a

tarefa. Mas são poucas. A maioria demonstra total desinteresse,

comportando-se de modos diversos, mostrando-se totalmente alheias

àquela situação. Um menino desenha no quadro, outro canta um jingle

de campanha eleitoral, outro fica olhando pela janela, outro sobe na

mesa... Chupam dedo, colocam o caderno na cabeça fingindo ser um

chapéu, andam pela sala ... De repente dois meninos se levantam e vão

para o final da sala jogar bola de gude. A professora vai até lá conversar

178

com eles. Mas enquanto isso, já vejo um outro aluno "plantando

bananeira" nos fundos da sala. Nova interferência da professora, que

chega perto de mim dizendo que não agüenta mais. Nesse momento uma

criança pega minha lapiseira. A professora me alerta: "Cuidado, heim! ... "

Durante todo meu percurso na busca de entender a trama da

violência na escola, muitas vezes 111e sentia confusa, tantas eram as ações

que me pareciam repletas de dispersão, de total falta de comunicação,

onde cada um fazia e pensava o que queria, sendo que, ao aluno era

reservado sempre o lugar de receber e cumprir ordens, obedecer e

caminhar às cegas.

Logo após a greve dos profissionais da educação no inicio do ano

de 1991, ao chegar no colégio, percebi que os alunos haviam sido

dispensados, após terem estudado apenas meio penodo. Conversei com

um grupo, surpreendendo-me com a total falta de infornação sobre o

real motivo daquela paralisação das aulas. Cada criança, algumas da

mesma tutma, justificava de forna diferente aquela saída antecipada,

divergindo entre si. Umas afitmavam categoricamente que haveria outra

greve, outras discordavam. Umas diziam que as professoras iam fazer

uma reunião, mas logo pudemos ver algumas professoras indo embora.

Havia quem dissesse que a reunião seria no dia seguinte e até mesmo

quem entendesse que iam embora porque acabou a comida.

Correndo atrás da professora, uma menina retornou dizendo que

não tinha aula por causa da paralisação. Quando perguntei se sabiam o

que era isso, as respostas foram as mais inesperadas.

- "Vai~~PM~? - ~'La ~ V<JdM, ~ af. ~ ( ... )

179

-e "" ~ lMn, CL tWI, ~ CM7l< ~ 00liKw,? r& lMn, ~ 0Ijlli pa;v:t dmJ, 00Lirul, •••

- Vai, W\, ti fI.<1 ~.

-rT1& ~ F l& ~ M wk rk. eJe{? pa;v:t

~ 00Lirul, fl.CL ~?

- ... (~~~) - {?~~M~~wJw..a~? - {?~ ~ le{?e ~ forn- panat6l.u;ã./!-.

- e ~ ~ í ~ le{?e? - fi le{?e i UA1UJ, ~.

- e ~ UA1UJ, ~, f1IilA fIM i UA1UJ, ~.

- ~ pa;v:t F ~ be{?e? - (?aJ\IL ~ ck OK~. - {?aNL ~.( ... )"

As paralisações das aulas, assim como as greves dos profissionais

da educação, que por si mesmas já são questões controvertidas, tomam­

se ainda mais polêmicas, quando inseridas nessa discussão.

A greve da categoria é entendida por muitos como uma violência

à comunidade, em especial aos alunos, é medida que, na prática, toma-se

impossível recuperar o trabalho não desenvolvido, interferindo, sem

dúvida, na qualidade do processo ensino-aprendizagem.

Por outro lado, mesmo os que concordam com este pensamento,

entendem que a greve só ocorre em conseqüência das inúmeras

violências sofiidas pelos trabalhadores da educação, principalmente no

que se diz respeito às péssimas condições de trabalho e de salário.

Quero destacar ainda um elemento que perpassa toda essa

discussão, mostrando-se como uma das mais constantes dificuldades

180

dos professores: a questão da disciplina.

Pode-se afirmar que a problemática da violência na escola está

relacionada diretamente ao controle da disciplina, onde são percebidos

diversos atos considerados como violência, exatamente utilizados e

justificados para impedir ou para punir outros atos de violência, neste

caso, praticados pelos alunos.

A chamada indisciplina é um elemento presente no processo

educativo (não somente na escola) que parece vir se agravando nos

últimos anos, tomando-se um dos maiores desafios para os educadores,

à medida que, ao mesmo tempo em que pretendem desenvolver um

trabalho mais democrático, terminam por se comportarem de maneira

autoritária, não conseguindo um equilíbrio ou meio-termo.

O que fazer com as crianças que já "não obedecem como

antigamente"? Como controlar "comportamentos cada vez malS

agressivos"? Como lidar com a "violência expressa pelos alunos"?

Parece haver um consenso entre os educadores, independente de

suas diferentes concepções filosóficas de educação de que uma certa

disciplina é fundamental para os trabalhos escolares. É papel da escola

habituar o aluno a estudar com ordem, disciplina e seriedade, pois a

construção do conhecimento não se dá espontaneamente, mas eX1ge

esforço e disciplina.

N o cotidiano da escola, essa questão envolve, entretanto, diversos

complicadores. E para analisar com maior profundidade este tema, seria

preciso levantar muitos outros aspectos que interferem no controle da

disciplina, entre eles, por exemplo, a multiplicidade de interesses que

fazem parte do desenvolvimento natural do ser em crescimento.

Dedicar um espaço especial para tratar desse assunto, como já

181

expliquei, justifica-se principalmente pelo fato de ser esta uma das mais

freqüentes abordagens relacionadas à questão da violência na escola.

Na ESCOLA LÍRIO, a grande maioria dos profissionais da

educação admite uma incapacidade por sua parte para resolver os

problemas de indisciplina dos alunos, tendo isso ficado bastante evidente

no Conselho de Classe, ao qual me referi anterionnente, assim como nas

diversas entrevistas realizadas.

"eu, ~ uma. ~ fTIllik. ~ M ~ rb ~. JW1- Iwv:t fU ~ cnlmn, ~ ... ~ ~ oh ~. ~~~ ... ( .. ·t

"~ ~ rb ~ fUL miKJw. ~, Clljd fUL ~

fica- ~ dféd, ~ fM ~ P tkrl ~ ft..aim,. wm.

Ci'JIJIr~ CM1\; ~, CM1\, ckdica~, ~ àA ~ aiMr ~ dA,

uma. ~, fU ~ ~ ~ mw:In, G-~, tkrl ~ ~~,M~~~~,aliM~

àA ~. A r~ ~ ~ uJá ~ CM7\, 11 ~ fU f!.M h ~ ~ ~, dA, uma. ~ ~ ÓIf4M. eu, ~ dA,

~ ali G- mm ~, ~ ~ ~ dwrot.. CMIWl, um ptw.(Jj. ~, ~ ~ ck, MMl1 ~ ~.II

Este último relato mostra o movimento circular entre o praticar e

o sofrer violência, indicado pela teoria em rede: a escola pratica violência

dizendo revidar a violência recebida. E quais violências outras estaria

praticando diante de tantas que tem softido? ...

As estratégias apresentadas para controlar a disciplina variam de

professor para professor, embora se perceba que a maioria vem adotando

medidas tradicionais como ° castigo, a repressão, a ameaça, a

182

chantagem, a agressão verbal e até mesmo a agressão fisica, atitudes que

se confundem com violência.

"e~ dA, ~, ~, wwliA... í (L ~ fYJNL ~ ~, ffl& i UffllL ~ dA, ~ CM1l, M ~.II

Nas entrevistas, os alunos expressam, às vezes de forma bastante

espontânea, sem mesmo considerá-las como violências, muitas atitudes

dos professores e inspetores envolvendo punições fisicas, tais como:

puxar orelha, sacudir, empurrar, jogar apagador ... Mas estas atitudes não

são admitidas pelos que são acusados de praticá-las.

Alguns professores dizem estar a procura de novos métodos, mas

mesmo assim parece que ainda não conseguiram elaborar com maior

segurança e clareza, medidas satisfatórias.

Ileu CM~ (L ~ ~ W\, cnlmw.. ~~ ck

fl.M ~ ck, ~, ali ~ fl.M ~, fM r:JJliM da ~ ... y~ ~ oolmw., t ~ oolmw. f'1NL tk. y~ ~ ~ WJ, P M ~ fIM ~. f)iIp f'lML ek: '& ~ fIM !lQ, ~, fIM ooi ~'. iuJfr~ fWL ~ ~: '~~, !lQ, ~ ~ ~ ooi pativ.ipaP-'. e~

~ ck, ~, fM ~, tk ~ ~ ~, ~ ~, ~ í ~. e.JM ~. fl.M vai ~, fIM vai

~. !J~ W\, p num du:t fIM vá, M ~ ~, ali ~ !lQ, ~ ~ !lQ, fl.M ~ n&. ooi Ivv e. ~ ~

183

~.II

Ilr~ fJIM. aJw, ~ ~ um ~ ~ ~ Q,

~ ~ ~. () alum. Cj& ~ ~, fI.â.& Q, ~ cnlnrk, ~

~ ~, fMá, ~ ~ ~ ~ Cj& d4 fGNL CL ~ ~ t,al, M- puJ ~ dm., ~ fJIJIJiKu2 ~ ~ ~ ~

~, t ~ alum. Cj& t1M ~ ~ ~, vai ~ ~ ~

~. r~ ~ OGU ~ fGNL M paib ~ na, ~ ~ paib. B.itL ~ ~.II

Outros professores assumem que não sabem mesmo o que fazer,

seja no pátio ou em sala de aula, para controlar a disciplina.

11eu, fi&. ~ ~ Clt ~ aiRula. B.UAM-~ um ~. 3wk. ~ ~, fMá, ~ aiRula ~ ~ ~~. 3~ Cj& ~, cknn, ~ cmJur ... fMá, nM

.k~."

"eu, diJr ~ ~ cJww.. W7\,~, ~ ~ da ~ ... ~ ~ ~ ~~. riM Q, ~ aIjUi ~ m flM ~ rMM. ,4/i M ~ ~ i 01JIJÜm./

1

Segundo a diretora-adjunta da ESCOLA LÍRIO existem algumas

nonnas gerais a serem observadas no controle da disciplina. Respeitando

uma hierarquia, o professor deve encaminhar o aluno com problema

disciplinar primeiro à coordenação, que, no caso de não conseguir

resolvê-lo, passará para a Orientação Educacional. Por último, caberá à

Direção tomar alguma medida, então mais severa.

As medidas punitivas tam bém seguem a uma determinada

184

gradação: num primeiro momento o aluno que desobedece deverá

assinar o caderno de advertência, no qual constará a falta cometida. Caso

complete três assinaturas, será suspenso, só retomando com a presença

do responsável. A suspensão poderá ocorrer no máximo até quinze dias.

Se a criança permanecer apresentando problemas, "aconselha-se" o

responsável a retirá-la da escola.

Alguns profissionais concordam com estas medidas, alegando

que tem que haver mesmo controle e regras de comportamento. Outros

afirmam que a escola deveria até ser mais rigida, pois dá liberdade

demais para as crianças. Um grupo bastante reduzido critica a forma

autoritária com que se age, acrescentando ainda que a falta de integração

entre os profissionais prejudica esse trabalho por demais.

N a opinião de uma das inspetoras de disciplina, o caderno de

advertência é muito bom para colocar medo nas crianças, porque tem

algumas que não gostam de respeitar. Até mesmo a sujeira da roupa das

crianças é por ela considerada um ato de indisciplina, já que desrespeita

uma das regras a serem cumpridas.

Vigiar e punir, controlar corpos e mentes, sempre foi uma das

principais funções da escola, reproduzindo os mecanismos de

manutenção da ordem social. Muitos autores, como Foucault (1989), já

abordaram esta questão, incluindo diversos fatores em suas análises, até

apontando algumas sugestões. Porém, a escola cada vez mais vem se

sentindo oscilante e ambivalente ao se deparar com os alunos "rebeldes",

com os que subvertem a sua ordem, com os que não acatam suas

determinações. Ora os que extrapolam seus limites ou não se adaptam

aos seus esquemas são expulsos, ora, a escola, perdida, assiste

passivamente a todo e qualquer tipo de agressão.

185

Nessa trama da relação ordem-desordem, existem ainda os que

são considerados o "terror da escola", punidos incessantemente, porém

mantidos, talvez, para servirem de exemplo para os demais (punição

exemplar).

Mas os "bodes expiatórios" da obediência e da disciplina não se

limitam apenas aos alunos, podendo mesmo extrapolar os muros da

escola.

Registro aqui um fato acompanhado por mim fora do espaço da

pesquisa de campo, para o qual fui convidada por algumas pessoas e

autorizada a participar dos encontros, porque elaborava uma dissertação

envolvendo a problemática.

Este acontecimento, de significativa repercussão no meio

educacional do município de Duque de Caxias, pode ilustrar, com muita

pertinência, o pensamento exposto acima.

O professor, regente de classe especial em escola da rede

municipal, atendendo a crianças de pré-escolar (4 a 5 anos), deficientes

auditivos, decidiu colocar de castigo alguns de seus alunos que haviam

desobedecido, trancando a porta a cadeado e apagando a luz.

Não atendendo à solicitação da Direção da escola para que revisse

sua posição, justificando que assim perderia sua autoridade, o professor

foi devolvido à Secretaria Municipal de Educação. Seu memorando de

devolução alega que "o professor tem uma filosofia de trabalho especial,

humanamente impossível de ser aceita".

Instaurou--se uma Comissão para estudar o caso desse professor,

cujo processo se deu a partir de vários encontros. Na última reunião,

além do professor envolvido, estavam presentes: a coordenadora de

Classe Especial e outro membro dessa Coordenadoria; a Secretária de

186

Educação e outros elementos da Secretaria; a Supervisara que

acompanha o trabalho do professor; a diretora e sua adjunta da escola

onde ocorreu o incidente; as mães dos oito alunos; o presidente da

APEX (Associação do Pais de Excepcionais) além de outro elemento

dessa entidade e ainda a presidente do SEPE (Sindicato dos Profissionais

de Educação).

Durante este encontro foram lidos os diversos relatórios afins e

promovida uma longa discussão sobre a situação, sendo que o professor

se mantinha irredutível na sua posição, ouvindo e respondendo às

perguntas, acusações e criticas, ora demonstrando grande ansiedade, ora

bastante irritado, mas alegando em todos os momentos não ter feito nada

errado.

A presidente do SEPE / Caxias argumenta que o sindicato é

contra a violência que foi praticada com os alunos pelo professor, mas

também contra a violência das mães que não têm escola perto de casa,

contra a violência que sofre o professor, que não está preparado para o

trabalho, que recebe um salário que nem dá para comer direito, que dirá

para fazer cursos de especialização e atualização ... Conclui afirmando

considerar que o professor foi devolvido pela Direção sem causas justas.

187

"(9 ~ i ~ ~ ~ ~ ~ ~ UlJIjU. AcIt.a ~ th WIM,. m.a.ó. In.mtim i ~ ~ ~ eM7\, ~ a CIM6t:1 foi ~. ( ... ). A diNJ.~ ~ ~ fU1 w:k."

Ao final do processo, a Secretaria Municipal de Educação,

também cumprindo seu papel de "mantedora da ordem", encaminhou o

professor para o trabalho com educação de adultos.

11(9~~F~.:limA M ~+ . . ()ll

Wl.ta a f1\.QMM..~. ••• •

Este fato, mais uma vez pode demonstrar a ambivalência que

acompanha esse estudo. O professor, acusado de ter praticado um ato de

violência considerado tão grave que justificasse sua devolução e sua

transferência para outro setor de ensino, servindo de exemplo para

outros profissionais, não se reconhece como autor de nenhuma forma de

violência, uma vez que, segundo sua compreensão, estava "educando" os

alunos.

E assim é que a escola segue, diante de um verdadeiro nó a ser

desatado, na teia onde a violência tece seus fios.

O desafio continua: como tratar da violência expressa no controle

(ou descontrole? .. ) da disciplina, sem considerar todos os diversos

aspectos que se intercruzam nessa rede? Como tratar da questão, de

forma tão isolada como se tem feito, sem perceber que essa trama

envolve ao mesmo tempo todos os atores? ...

188

4. O COTIDIANO DA VIOLÊNCIA E A ESCOLA.

A partir da compreensão em rede pode-se afirmar que a violência

traz em si uma trama, que sempre ultrapassa o espaço no qual se

manifesta, por estar intimamente relacionada a outras fonnas de

violência, entrelaçando-se entre elas.

N esse sentido, ao refletir sobre a violência que ocorre na escola,

faz-se necessário uma constante entrada e saída daquele ambiente, a fim

de observar as interferências que penneiam este movimento. A todo

instante, será preciso sair da escola, olhá-la a partir da totalidade mais

ampla na qual está inserida, voltar para ela e resignificá-Ia.

Sem dúvida conhecer o contexto social e cultural da vida dos

alunos será o ponto de partida para a compreensão do trabalho

pedagógico, das relações que ali se processam, assim como de uma série

de atitudes demonstradas. Por mais doloroso que possa ser, somente

ouvindo as experiências das crianças será possível entender que a

violência com a qual se depara na escola é a cara da violência que se vive

lá fora . E por isso mesmo, por mais que a escola pretenda exigir um

novo comportamento adaptado às suas nonnas e padrões, não consegue

impedir totalmente a expressão cultural dos seus alunos, uma vez que os

movimentos de repressão e de emancipação agem concomitantemente,

sem que um possa ser determinado ou inteiramente sufocado pelo outro.

De acordo com alguns autores, o contato direto e pennanente

com a violência vai contribuir para a construção da chamada cultura da

violência. Vivenciando um cotidiano em que a morte se faz presente, em

todas as suas fonnas, a violência iria introduzindo-se tão profundamente

189

nas pessoas, a ponto de refletir-se na sua postura ética e no seu

comportamento.

liA viol~ncia, no mundo de hoje, parece tão

entranhada em nosso dia a dia que pensar e agir em

função dela, deixou de ser um ato circunstancial, para

se transformar numa forma do modo de ver e de viver

o mundo do homem".

(Odalia, 1985: 9)

Complementando este pensamento, afirma Emir Sader ao ser

citado por Benatti (1990: 3):

"A viol~ncia ao cristalizar~se como cultura. de

alguma forma se automiza em relação às condições

que a originaram. Os valores que a caracterizam se

reproduzem e se multiplicam já por mecanismos

próprios, por impulsos autbnomos. Nem mesmo a

eliminação de suas causas implicaria imediatamente

em sua desaparição como forma de vida, de tal forma

ela se interiorizou na mente e nos corações dos que vivem nela".

Este aspecto cultural toma-se relevante para a compreensão do

processo de interferência do real vivido dentro e fora da escola, embora

mencionado aqui sem o devido aprofundamento, em função dos limites

desse trabalho.

Através de diversos depoimentos, os profissionais da educação

com os quais trabalhei reforçam esta dimensão, afinnando que a

violência, expressa de diversas formas na escola, resulta daquela

190

assimilada pelas crianças em seu dia a dia vivido na comunidade e na

família.

IlriM ~ f!ilA1U1 ~ ~ a ~

~. A~ ~ ~ U6a, ~ fXIM duJM. cln. ~. Aí lU.

~ ~ ~ a ~~, ~ J& ~ ~ fflJ.lik. fJ~ ~ t'.DÜJl1 J& ~ ~, ~ U, pwuuJn., tJn.m ~ fi fI.<l, ~ ~ ~. cb Iwk. Q, ~ CJJJ.JIJlL cln. ~ ~ ti ~II.

De que maneira essa violência vivenciada lá fora se revela dentro

da escola?

Para responderem a esta interrogação, os professores apresentam

muitas explicações, sendo que algumas merecem destaque, devido a

maior frequência em que apareceram nas entrevistas.

Em princípio, é através das conversas com os professores, ou

entre os colegas, que a escola toma conhecimento do que ocorre na

comunidade.

11 tk ~ Iwk. f'lM- a w:Jn,. CM,bm U. {) ~ oWwLti~~~. ( ... ). rJb~~a~~ ~~~~".

II~ ~ ~ ~ lU. fJKTIAJJJ:j1A. 2+ ~ ~ um fnrp. CM1l, ~ ~. rliIj ruo ~ tu,. í ~, ~ ~ iMn&- í

~ ... '1J~ ~ iA, m.a1m-v ... & ~ ~ CM1l, a ~

~ iA, ~ ti ~ ... ' t~ I.t,m fTIilik ~ Iruntim: '& ~ ~ ~ iA, Jm.. Uffl[L ~ ti ~'. fJ~ ~ ~ ~ IWI,

,_ • 11

CMM-~~.

191

A convivência nesse cotidiano toma-se também visível na escola

através dos trabalhos de montagens, dos desenhos, das histórias, das

frases que constroem, das redações ...

II~ ~ ~ ckn.m ~ aM1UUl, 811, ~ ~

~ ~: ~, /am. ~. ,4~ CM7I, f& ~ ~ ~~, ~f7Wiki~. ~Fi~da ~.ek~~CMM-~~M~~~ ~. & fWf1A M-~ ~ ~II.

"rb ~ 8/1, fIIJ1J, ~, ~ fkn. ck. ~, ck. ~ ~ ~ viu. (B~ U fY'-CL ~ ~ ~ iMldk".

"Uma, lWj h um ~ ~ ~ CMn, ~. M ~ ~. Ek ~ ~ 00IiiM lipM ~ ~ F w lfUUIJ:1L

~. jJ~ WÍULffl, pJn. ~ ~ fiM, , ~ ~, "uk. ck ~ .. C~ a f1\.a.Ma, ~ ~ Q, a mwfUL ChÍ.IJlLII.

II~ ~ ~~, ali ~ vWwJ, ~

1lM1UU; ••• Cu, fok fY'-CL ek: 'e~, ~ um ~ ... ',

~w~,~~~ ... "

Uma das professoras contou-me sobre sua experiência em

trabalhar a questão da violência, através da criação de manchetes de

jornal, a partir da música "Meu Guri" (Chico Buarque), na sua turma de

quartasérie.

Segundo a professora um dos objetivos principais do debate seria

discutir sobre a questão da marginalidade como um meio de demarcar a

sua presença no mundo, uma forma de ser reconhecido, o que explicaria

192

a importância que muitas famílias se atribuem quando o nome de algum

parente sai no jornal.

Ao final da discussão, os alunos deveriam imaginar o que sairia

na manchete dos jornais, se o enredo da música fosse um fato real.

Algumas dessas manchetes chamaram-me a atenção devido as

extrapolações feitas pelos alunos, mostrando muito mais idéias

relacionadas às suas histórias de vida, do que propriamente às do autor.

- ~flM~~~~CMn,M~~f1WIM.~~

~. - ~ f71A,MI\. WJ.. J:)~ ~ Can:iab CMn, UA1U1 tala, ftQ, fIJ.JJXL f'Y" WJi.m.. um

- J:JUIli ~ WJ.. ~ CMn, (1 ~ fW'v ~ (1 ~.

- 8rk~ ~ ffl.MlM, f!.<J, (Eai!ro.dn,.

- 'Tfluu.M aJH.lMi.Kv:uk- f'Y" ~. -~~F~~~~~~~atL. - ~ ~ 'fia (E~ CMn, ~ b ~ 0Y!f»' - ~ ~ 'lU(], ~ ~ M-~ 'fia (E~. J& ~ M- cnH71f».

eJn, ~ (1 ~ rlAiA,. ~ ~ F ~ ~ ~ ~ viu ~ ~.

o trabalho despertou enonne interesse nas crianças, sendo que

algumas resolveram até mesmo ilustrar suas manchetes com desenhos.

Através das manchetes e dos desenhos pode-se ver refletida a

interferência da mídia. Duas crianças acrescentam título ao seu "jornal" :

"O Povo" e "O Povo na Rua", lembrando um dos jornais de maior

circulação na Baixada, cujas manchetes chamam atenção pela sua

diagramação extremamente chocante e violenta.

193

Segundo os professores a violência experimentada no cotidiano,

além de aparecer constantemente nas conversas, trabalhos e brincadeiras

que as crianças realizam na escola, permeia as suas atitudes, os seus

gestos, durante todo o tempo.

Dentre as desordens emocionais e comportamentais das crianças,

apontadas pelos educadores da ESCOLA LÍRIO, destaca-se a

agressividade das crianças, tanto nas relações intexpessoais, como nas

brincadeiras e mesmo em relação aos próprios materiais escolares. Ao

longo de toda a pesquisa, a queixa em relação à agressividade parece ser

o ponto de maior realce. Identificada muitas vezes como principal

sinônimo de violência, esta agressividade é colocada sempre como uma

das maiores dificuldades do trabalho do professor.

11,4 ~ ~ ~ Q, f"'1' CIJJJNJ, da ~

ckk. :J~ lwLa, fX1M fM'L ~ ~. & ~ fl.M ~. :Jun. di.a- F ~ ~ a. piM- ck ~ ~II.

Uma outra experiência de vida, demonstrada frequentemente na

194

escola é o medo, elemento intimamente ligado à discussão da violência.

Como já foi comentado, na Baixada Fluminense, o medo ronda

as pessoas: o povo tem medo da polícia, medo dos assaltantes, medo dos

crimes organizados, medo de denunciar, medo da impunidade, medo da

violência, enfim.

Em vários trechos das entrevistas, o medo mostra-se evidenciado,

independente de que eu o tenha colocado em questão.

Os alunos contam várias situações perpassadas pelo medo, sejam

elas vividas na comunidade, sejam na escola. Os profissionais da

educação têm medo da comunidade e até mesmo dos alunos. Os

moradores da comunidade, por sua vez, demonstram suas inseguranças

e seus medos, principalmente dos "bandidos", expressando-se por

meias-palavras, interceptando frases, omitindo dados. Um dos grandes

temores dos pais é das crianças se envolverem com o tóxico.

Na escola, entranhado nas relações, o medo vem de mãos dadas

com a violência. As crianças pequenas têm medo dos colegas maiores,

porque batem neles. Falam principalmente do medo da inspetora, mas

também dos professores e dos pais.

"eu ~ ~ dn, ~ ~ .la ~ +fI;, ~ ... "

195

~ ... "

II~~ ~ fim ~ dn,~, dA, ~ ~,

~ dm.,~ ... "

II~ l1 ~ fo1 ~ ~ fl.{L ~, IAm ~ dA,

~ w\, CiJI:I:L t ~II.

Para alguns professores o medo que os alunos possam ter deles, é

colocado pelos próprios pais. Muitos confinnam que as crianças vivem

um clima de medo entre si, devido a ameaças de um com o outro.

"iá ~~, ~ e.m ~' ~ 1fMik. lf11lJi4 ~ ~ M

~,~~~~~~II.

Por outro lado, fato de significado especial é a percepção por

parte das crianças do medo que os professores sentem deles, como relata

este menino.

Mas nenhum dos alunos entrevistados acredita que seus colegas

sejam capazes de agir com violência contra os professores.

196

Independente dessas afumações, os profissionais da educação

continuam expressando seu temor de que os alunos ou mesmo seus pais

tomem atitudes de represálias contra eles.

"r~ ~ eu liKJw, muik. fTWk.. ,4 ~ ~ fUl,

~, trJw, ~ fJ/VL um U ~ f'1'VL ~ ~; M ~

~~ ••• ~~~~~CL~.&CL

~flM~~at.~~~~, ~~iam ~ fM pai ~ eM, taw:lik, ~ iJL f?1A ali fUL ~... eu f7lW7U1 f {ui OP\~ ~ fW'v ~ ~, ~ fflA, diN:A, ~ iJ:L fflA,

~ fá. fUL ~, ~ ,~, dmxt 1iM.... ~ ~ W\. dm, ~ ~

lfTWk. ~ CL ~ lun, é. rk Wt ~ f?1A ~ ~ fUL 1wVL."

o medo maior, portanto, demonstrado pelos educadores refere-se

às violências que ocorrem nas comunidades e principalmente aos

possíveis complicadores decorrentes do conhecimento dessas situações.

197

1119 ~ qJá. ~ WJ, ~~. ~ 0ljUl fUl, w..,fu ~

~ f1UJi6.\ F eu ~ Q, ~ dn, ~ F iun. fIA ~.

eMM- ~ (J.M. ~, um CCIILM- ~ ~ ~ foi ~, .Jaoo ah, ~ ~ c/w. a, c/w.. ~ ~ F lWta twll1

~ ah, F WL ~, F pnwa ~ ... e. a, r;wk w-Jv.t fXU'l1 a, w.Ja, CM1L ~... ~ ali ~ catII\ô., ~! ~

~ . .Bt ~ UM! ~, iun. ~ ~ ~ CLJIlM. t t~ ~~. ~í~FCM7\,~ck~~. e~ .. '"

Em contrapartida, para alguns professores, o medo que podem

sentir dos alunos vai sendo superado à medida em que passam a se

relacionar melhor com eles.

"eu Iim, um ~ ~ ~ dn, ;jUn~(B tm. kr ck

~, ali ~ à ~ F ~ cJwru ~, ~ fWA7U1 f1WU#U1

F' nM ~ ~ fIA ~ ck cuk" eu ~ um wk fm.tJYi, a, ~.

~í fW'" ~ fIWMM., fM • ck MIik ~ ~. ~ ~ ~ F' dm.v um ~ CM7\, ~, ~ ~ •

.B~, CM7\, ~ ~, ~ F w.~ 5- ~ m rliF, ~ ck ~ WJ, ~ a, mim, ffl.aA. fi.&. à w.Ja, CMM um· ~.

~Ii twll1 lWj fU' eu lMw.u ~ fX1M' a, ~, ~ fJm: 'rtM, ~ ~ eu ~ ~ a, tw.... 19 wk. fi.&. tJa (1 mM WJ,

, mim.

Duas situações assumiram relevância durante a pesquisa em

relação ao .medo que os professores demonstram ter dos alunos, ou mais

198

ainda, como o medo circula as diversas relações.

N o dia seguinte a uma intervenção em uma briga entre alunos na

sala de aula, tendo inclusive que envolver a coordenação, não escapando

ninguém dos chutes e descompensando a todos, uma criança leva um

revólver para a sala, o qual era escondido e mostrado para a professora.

Sentindo-se tenivelmente ameaçada e insegura, imaginando que o

revólver pudesse ser de verdade, a professora recorreu de novo à

coordenação.

O revólver era de brinquedo, a criança foi punida e afastou-se da

escola.

Na outra situação, logo ao entrar na sala, a professora deparou-se

com um grupo de alunos dizendo que um colega havia levado o maior

"bicão". O menino, cheio de marcas no corpo e com hematoma no rosto,

explicou que o pai o havia chutado, porque foi levar a cachorra pra

passear e o animal fugiu, pegando uma pessoa. A professora prossegue:

"Aí Ui, fnk: 'rTlm:. ~ f'Y'" ~ ~?' ~ Ui, fk, . J 'I",P",,,,,....,· 'n. I L , I J. . a.66/A71., M ~ fUL ~ fWU1 r"""'lA.IJ'{fV. ~ 11!(" ~ ... a, W1 vaL, fUL

~ ~ ~ pai--' Aí QU foLi: '1Tb~, QU. ~ ~ ~'

f!MifN1~~' eu~~.~~~ flIJIJiIm ~~. eu fl&. ~ ~ ~ pai- ckL, na, ~.'

ttt dAi ~ um ~ ptJNL ~ ~ 'WmM, ~ ~ a,~ ~pai- ~ ai na,~~ ~ cru QU ~ mm i6M-. (JJ~ ali ~ QU ~ ~ •••

Va.fflM ~ QJ:& ~ ~ tm CIJM, ~. ~ aJ:IJi.m: '~ ~ vai I.t ~ na, ~ ... ' & ~ pai-~ ~

~, eM7\, F r:JJJLa ~ W«. ~? A crk· fim- CMfl, ~ ck ~ ~fl" ~ ... ~ vai ~ a, ~ Oijui na, ~? .. II

199

o grau de ameaça que extrapola as situações muitas vezes

diminui a possibilidade de uma simples intervenção pedagógica,

tenninando por comprometer a relação professor-aluno: veículo mais

importante no processo educativo.

Como se sente aquele que é uma ameaça para o outro? Quais as

possibilidades de uma relação pedagógica entre um professor e um aluno

que se sentem terrivelmente ameaçados um pelo outro? ..

Uma saída para o problema, exatamente ao contrário, parece já

ter sido apontada por alguns professores ao afumarem que o medo vai

sendo minimizado à medida que se aproximam mais dos alunos que

passam a conhecê-los mais de perto, demonstrando-lhes carinho e

confiança.

Se os trabalhos das crianças na escola expressam o seu cotidiano,

revelam consequentemente, entre os sentimentos mais presentes, os

medos que povoam seu imaginário.

Numa das atividades que realizei na primeira série com crianças

de 7 a 11 anos de idade, dentre os medos representados nos desenhos

apareceram como personagens: bruxa, trovão, animais (tigre, leão,

cachorro,jacaré ... ), fantasma, mula sem cabeça e outros que fazem parte

do mundo da fantasia infantil. Porém, um elemento novo marca este

trabalho: aparecem num quantitativo muito maior, diversas figuras de

pessoas armadas ou assassinadas, de sequestros e assaltos.

Importa ressaltar o acréscimo do elemento humano, que passa a

ser o personagem central dos medos infantis. Se em situações naturais de

vivência pacífica a presença do ser humano representa proteção para as

crianças, nesse momento passa a ser figura de ameaça.

É o medo do homem pelo homem, que leva a uma relação cada

200 B.BUOTECA

::UNDACÃO GETÚLIO VARGAI

vez mais distante e individualista, onde o homem não se reconhece mais

nos outros homens, não se reconhece a si mesmo. Um sentimento de

estranheza e constrangimento começa a circular, e como uma espécie de

contágio, vai atingindo cada vez mais e mais redes de pessoas.

Aceitando minha sugestão para desenvolver uma atividade sobre

o medo, uma professora realizou um questionário em sua turma de

terceira série, cujo resultado, em termos de maioria das opiniões, revela

que o medo vem principalmente da violência e não é visto como

covardia. Apesar de terem medo de morar em favela, principalmente

devido aos tiroteios, não têm medo de morar em Caxias. Além de

morrer, o maior medo é de serem assaltados. Segundo aquelas crianças,

o que dá medo à população é o tiroteio, o assalto que existe na rua e a

violência. Acreditam, por fim, que o bandido causa mais medo do que a

policia.

Para acabar com o medo, este grupo de alunos sugere: criar

coragem, acabar com a violência, ficar dentro de casa, prender os

bandidos, matar todos os bandidos, ter fé, ficar de bem com todo

mundo( ... ).

Muitos responderam que nada pode ser feito para se acabar com a

violência, sendo uma das justificativas: "porque o medo já tomou conta

do mundo e das pessoas. Nem mais a polícia dá jeito nos bandidos, na

violência e no medo."

Essas redações de cnanças de outra turma de terceira série,

expressam com clareza a relação do medo com a violência.

IIJ~ fflJ.l~ Im" ~ rk, f1WIMII,. ~ Im" ~ ~ nM fw,., muk· rk, f7WIIWI,. ~ QU !uk ~ rk, fflMWI,. A

201

~Q,~~. ()~Ft~nM~. ~~ ~ i ~ ~. JWl. r;wk. ~ ~ ali ~ rk ~, ~, r.JKIiJmtJl Imk. &. rrb m M. ~ wwk. rk ~ Q, rk ~. tP~ ~ !&. ~ ~ patv:L ~ ~. t~ wJn, ~

~ ~ UÚL fUL 'Wa..1I

"& ~ M ~ i Im,. ~ F ~ ~ fW7I, ~ ('MM- ~ oMa., i fw,Ja ~iJJ, i ~b~. (J mw, JJW4 ~ ~ ~(J.~~~~~. ~~tWf4~~

f1WlMm CMfI, (J. ~ rk ~ 0Wl- a. ~ 'f7IWiM f~ ~~.

bak~m~j)~~mdn, ~ M ~ rk. ~. ~cataoo. CMfI, M ~ ~ Q, de ...

3 í,m 1ffIllik twk."

Retirado do convite para o IH Encontro Permanente contra a

Violência - 1990, este trecho pode confumar a relação direta do medo

com a violência, a qual venho me referindo.

liA violência sist-emática acaba por instituir o

medo, que por sua vez, pela sujeição, alimenta e I

reforça a violência. E preciso discutir e ent-ender as

razões do medo e romper com esse círculo."

Na verdade, na questão do medo existe uma ambiguidade

importante de se pensar:

"Se é verdade que ele pode criar bloqueios e

impedir a ação, ele também tem um aspecto positivo:

passa a ser um poderoso agente de mudança,

podendo inclusive alterar uma situação política,

202

quando aliado a uma ação coletiva." (in Jornal VIDA, número 12, ano 1, p.9).

Durante as entrevistas desse trabalho, os meios de comunicação

foram apontados como um dos fatores preponderantes dentre os que

estariam contribuindo para alimentar o medo e as atitudes de violência.

Alguns teóricos confirmam esta visão do senso comum,

concebendo esses elementos do cotidiano como uma das principais

fontes responsáveis pela violência, devido ao seu estímulo à

agressividade.

Segundo Michaud (1989: 49) a mídia preClsa desses

acontecimentos por sustentar-se de sensacionalismo:

"O fat,o da viol~ncia se apresentar como uma

crise em relação ao estado normal cria, por princípio,

uma afinidade entre ela e a mídia. Como podemos constatar, num dia calmamente banal fica difícil fazer

um jornal ou um noticiário de TV para anunciar que

não aconteceu nada.(",) A viol8ncia, com a carga de

ruptura que ela veicula, é por princípio um alimento privilegiado para a mídia, com vantagem para as

viol~ncias espetaculares, sangrentas ou atrozes, sobre as viol~ncias comuns, banais e instaladas."

N o que se refere às cnanças, que conseqüências essas

experiências vividas no cotidiano teriam para sua vida futura? Estaria a

violência entranhada de tal forma, tomando-as necessariamente

violentas? Ao demonstrarem atitudes agressivas e violentas na escola,

estão apenas reproduzindo a violência que vivem fora da escola?

Parece haver consenso entre os estudiosos do assunto, de que o

203

contato direto e pennanente da criança com as múltiplas fonnas de

violência afetaria sobremaneira o seu equilíbrio emocional.

Entretanto, confonne sugere Assis (1990) essa relação não deve

ser mecânica - violência gera violento - nem inevitável, assim como não

significa que as conseqüências futuras sejam somente maléficas e

desagregadoras.

Além disso, convém estar alerta para "não se reproduzir certos

estereótipos vigentes em nossa sociedade, que fazem uma relação

imediata entre "pobre" e violência, como se marginalidade se referisse

diretamente à pobreza.

De modo geral, os relatos aqui apresentados reforçam o

pensamento de que a violência expressa na escola, se deve ao aro biente

violento em que vivem as crianças. Muitos professores alegam que a

agressividade dos alunos reflete principalmente o seu contexto familiar,

onde, segundo eles, os pais não tem consciência de como devem tratar

os filhos, devido ao seu meio imerso a tamanha precariedade de

condições.

N o capítulo anterior busquei traçar o quadro caracteristico das

comunidades, do município e da própria região onde esse estudo se

desenvolveu.

Ao chegar no ambiente escolar, observa-se o quanto aquela

violência que está lá fora repete-se no seu interior, o que se toma

elemento fundamental para o desvelamento dessa trama, uma vez que

aqui se entende a violência como multicausal e realizada numa cadeia de

fatos sociais violentos.

204

Diante desse grave contexto, constituído concretamente dessa

rede de violências, os educadores da ESCOLA LÍRIO demonstram uma

grande preocupação com o futuro das crianças, acreditando alguns, que

uma das maiores consequências do contato com esse mundo é a

identificação com o mito bandido-herói.

11,4~ ~~ a ~ ~ ~ lw1HiM ~ ~ ~: pmw.. 'lM ~. fW" ~ ~ ~ fIM

~ ... ~ W#!iHz.M Iim M ~ CMM ~. :falmm, Ij&

~ rJiAJJWl, ~ W\, ~. ViM.m ~. e a ~ mmM

f'JM ~. &k ~ a ~ i ~ ~ wJta W\, W\, ~, ~ fW1 ~ ~ i s. f1lIJiM,? ~fJJ1J2 ~ s. maWi, t W\, ~.

Jai~ ~ ~ fW'v W\, um ~ ... "

"& ~ i ~ fW1 ~. Urrw. twj. a pJwu ~ ~I'v um ~ ~. ~ ~ dwu, ~. J4í fU1 ptYk da w:Jn" ~ UK7U1 ffliU· ~ ~ Iidw. ~ ~ WJJft'v ~ 'l&. ~ ~, ~ Ma ~. tJnoo. ~ fYW1 fi~ ~ ~ ~ s. ~. :fiam fJvt ~ ~. ~ fIM &wu ... r& dá fW1 ~uukl'v ...

A~ ~ ~ ~ ~ ~M, ~M.m ~I'v pJwu, ~ ~ ~ do;" 1iM., ~~. t~ ~ ~I'v pJwu fM'l' ~, fW1 k.t um ~ ... "

o depoimento que me foi escrito por urna professora mostra

como essas crianças, desde pequenas, já vão compreendendo a vida de

modo diferente das outras que vivem em situações menos expostas à

violência:

205

IIC~ um, diIL CM7l- f7\AU6 alulflM, ~ fIt~ ciur-"- ~

~ i ~ ~ f'JM' ~ {It ~ aJiwv1 ~ CM7l- um ~ f7UliA ck ~, ~ ~ {It ~ da oidn..

:1st ~ ~ ~ f1I& ~ iwr (1~ ClKI.M na, ~ ~) ~ ~: '3i12, ~ ptJNL fj&' ~ m ~ f71iiik ~ fj& ~, CM7l- um ~ ~? & ~, &t, i !lQ/l, ~'.

~~~fj&uh~~~~~fXWL {It ~ f71iiik wk., ~ ~ ,L" I&. ~, ~ ~ {It win..

~ ~ ffW,~: 'f2Wb~, &t?'

Y& ~, + pw.Ji fj& ~ ~ ~ 1frIUik tun, ~ oidn. fIM i ~ ~ ~ I.~ ~ ~ +-1frIUik f7UliA ~. Vik i lu. U#M, ~ ~ ook ~ ~ F' f1M CANJ:L. lJ~ uh diIL, fi&. vi 'IrlIJib ~ !.,w,l. CIYfI1, ~ ,L, + ~ ~ w:k fIM ~ ~ oiM paw- {It oob."

Aqui já não se sonha. Já não se tem futuro. Só o aqui e agora.

Esse imediatismo e descrença vai tornando a vida provisória, já que viver

ou morrer se resume numa questão de sorte. Já não há nada a perder:

"Que vida, tia'?" ...

Como não ser violento quando se tem violentada a própria

vida? .. Aqueles que escapam são, na realidade, acidentes da vida.

Existe espaço na escola para o resgate de pelo menos um certo

sentido para essas vidas? ..

206

5. LIMITES E POSSIBILIDADES DA ESCOLA

EM LIDAR COM A VIOLÊNCIA

A opinião desse pai, expressa no depoimento acima, representa a

visão de uma geração que experimentou bem de perto, quem sabe na

própria pele, uma violência tão explícita, mas naquela época talvez nem

reconhecida como tal.

Quem já não ouviu falar desses tipos de violências fisicas e de

outras, mais sutis, num tempo em que "a escola é vivida como um lugar

trancado, que impõe aos corpos urna ordem unifotme, hierarquizada, à

qual não há meios de fugir: regras, controles, punições, dominação, são

meios habituais de disciplina ... "? (Colombier, 1989 : 18)

Olhando para a escola de hoje, apesar de modernizada na sua

estrutura fisica e mesmo predisposta a adotar pedagogias mais

avançadas, pode-se perceber que a violência petmanece entranhada nas

suas práticas, expressando-se através do seu rigor institucional: continua,

através dos tempos, utilizando-se de atitudes autoritárias, repressoras,

para reverter comportamentos dos alunos, por sua vez considerados

agressivos, rebeldes, desobedientes, violentos ...

Evidentemente novas formas de violência vão aparecendo nos

colégios, à medida que as relações sociais se alteram e que a violência

toma outras proporções na sociedade. Se antigamente as pessoas se

207

surpreendiam diante dos roubos nas residências, hoje se deparam com

assassinatos, após os quais os corpos chegam a ser esquartejados. Se

antigamente nas escolas, a preferência das crianças era brincar de "polícia

e ladrão", aproveitando aquele espaço para liberar sua agressividade

natural, para viver suas fantasias e exercitar sua imaginação, hoje, as

brincadeiras vão desde a imitação de personagens de lutas marciais

conhecidos pela TV e pelo cinema, até a expressão da própria violência

experimentada no seu cotidiano, como no caso das novas brincadeiras

chamadas "extermínio", "arrastão" etc.

Especialmente em regiões como a Baixada Fluminense onde as

formas mais cruéis de violência fazem parte do dia a dia das crianças, a

escola convive com uma nova realidade, inexistente há alguns anos atrás.

Se é novo o contexto social e se tem uma clientela com outras

vivências, que revelam a violência de maneira mais crua, que postura tem

tomado a escola? Quais seriam os seus limites ao se defrontar com essa

realidade diferente? Existe, minimamente, alguma possibilidade de

interferência de sua parte enquanto instituição de caráter formador e

transformador, para diminuir a violência?

Ao longo de todo esse trabalho, pode-se perceber que as

possibilidades da escola em lidar de fonna significativa com algumas

questões sociais, dentre as quais a violência é uma delas, se tomam

impraticáveis, muitas vezes devido às suas infinitas limitações, desde a

falta de recursos e até mesmo a dificuldade em assumir-se como um dos

agentes da violência. As tantas violências que a escola sofre parecem

tomá-la cega às que pratica, impedindo-a de vislumbrar caminhos que

pudessem combater tanto uma prática quanto outra.

A insistente negação da realidade dos alunos e o não conseguir

208

trabalhar dentro desse contexto, por desconhecimento, por medo, por

despreparo técnico, ou por qualquer outra justificativa, parecem ser os

principais obstáculos apontados nos depoimentos.

Na ESCOLA LÍRIO, a discussão com os alunos sobre esse terna

é tirnida e limitada pelo receio de que venha a colocá-lo em maior

evidência, além da dificuldade ~u medo de aprofundá-lo. Embora

considerado preocupante, este assunto só é abordado de forma

assistemática.

II t-u ~ ~ CMUWI6ll/I, CM7J., mwA ~ yJ~. a

ooJ.MlIir.L. ~ ~ pnwrk, lWUL lWj ~ w-~ ~ ~ iIL.fn.M ~

wm ~ QNJ, da ~ q. ~ l.urJw. uW:k. à wmlW. J~

OMIvkda.... ~ QU cuh- ~ C1Jf1i i um ~ fM ~. da ~ ~ ~ fim, ~ QU ~ 'f!.Wl, ~ ~ ~. b~ ~ rJYnin/w7l, ~. ~ QU ~', f7WA ~ lYr ~

~."

Segundo os próprios profissionais essa questão apenas é tratada

entre eles, em ocasiões em que o assunto surge espontaneamente ou

diante de determinada situação, raramente de forma planejada.

"m, ~ ~ a dwuM&-~ a ~ ooi Qm ciJma ck,

~, ck, ~. (JJ~ Ij& fIÍM. ~ fmt uma, ~ f7l/JJM

~ Ollr C/JLIIJIJb. A ~ f.iAA ~ M-~ ~ ~

M6Q,~fWA1t,~~~~~~a ~~Iur.."

209

~ 8U ~ tn+ ~ ~~. rlM F dw.n1imM ~. oiJÚIJilL. f1Ulf. !lWJ, ~ ~ ~ rk foim'. da~. e~ ~ fW#7I, e~rk e~ ~ a, ~ ~ ~ ~ M

~-~t~~~-~F ~ fflllik ~. ~í ~ ~ oodn. um Q,

~~.II

o reconhecimento da dificuldade desses profissionais em se

reunirem fora do horário das aulas e a falta de tempo são parte das

limitações com que se defronta, não apenas para debater sobre a

violência, mas para propor qualquer inovação no seu calendário de

atividades.

A falta de apoio para encarar as possíveis consequências

imaginadas pelos professores caso assumissem outra posição, também

dificulta o enfrentamento da questão.

o que pode impedir ainda mais essa busca de alternativas, talvez

210

seja o isolamento em que os educadores se encontram: cada qual

permanece em sua sala de aula, convivendo com os mesmos conflitos do

companheiro da turma ao lado, sem oportunidade de socializá-los.

Outro limite significativo destacado permanentemente é a falta de

preparo dos professores para enfrentar as problemáticas que fazem parte

do cotidiano da escola pública. As causas dessa limitação ora recaem

sobre o desinteresse e descompromisso do professor, ora sobre a

precariedade do seu Curso de F ormação, o qual, segundo diversas

opiniões, tem se mostrado ineficaz no preparo para se trabalhar com

crianças das chamadas classes populares.

II~ ~ ~ v1á ~~, Q~ ~ ~, ~' àA ~ vai ~ ~ ~ é, 1f7lIJib fod, ~ ~ fflM!.M vai ~ lfTllM ~ ~ ~ ~o ~ i LWU1 ~

F' ~ ~ ~ ~ fmto e. !)W1, ~ fN1' cá Q,

IufiF LWU1 cuJa ~ pk ~ riA, ~ ~ ~ lKli ~. eMlU:. ~ ~ vtm ~, ~ ~ ~ (1 '1iJri rk.. iWl&.

~' ~ W\, rimuJ" ~ lMna ~, !)W1, f'1NL cá ~-. eU, acivJ- ~ é, dfd ~ CM1l- WJ:L CIIÜlJnÃ.fL, fflnA· ~ i ~Jo

(o .. ) eJá ~ ~ ~ !IQ, ~ fYJN.L ~'" WJ:L

r.lMkfu. "

Os limites da escola para lidar com a violência, como se vê, são

muitos e vão muito além dos apresentados aqui. Mas a escola tem

consciência de que precisa tomar alguma medida para impedir que a

situação atual se agrave. Ainda não sabe tratar da questão, mas por outro

lado, não quer permitir que a violência se propague.

Como que tateando no escuro, tem buscado o caminho que

211

melhor lhe parece, ora repetindo atitudes da escola tradicional,

expulsando os alunos que não consegue controlar, ora tentando adotar

práticas inovadoras, a exemplo da professora que decidiu alfabetizar a

partir das iniciais CV - do Comando Vennelho - uma vez que esta sigla

era escrita a todo tempo no caderno pelos alunos. (Conforme reportagem

do Jornal O Globo, 12/07/92 p.20)

A problemática da violência na escola vem se agravando, à

medida que se agrava na sociedade. Entretanto, geralmente têm-se

recorrido a estratégias de controle, deixando de se fazer uma análise de

suas causas, reproduzindo o mesmo tratamento que lhe é dado lá fora.

Se entendida em rede, a violência nunca pode ser vista como abstrata,

mas contextualizada a partir do reconhecimento de suas raízes.

Assim como a sociedade pede o exército na rua para controlar,

porque muitos pensam em resolver o problema com medidas de

segurança, chegando até mesmo a sugerirem a pena-de-morte, a escola

também, em determinadas situações se vê sem opção e trata da questão

não pedagogicamente, mas sim de forma policialesca.

O momento se reproduz com tanta gravidade na escola que se faz

necessário às vezes adotar medidas até mesmo vistas como incoerentes

com o seu papel educativo. Parece que em determinados momentos,

para não perder o controle da situação, precisa usar de uma forte

repressão, mesmo que contrária a seus princípios.

Algumas experiências me vem sendo relatadas por professores e

diretores de outras escolas e mesmo expressas ultimamente nos jornais

demonstrando a fragilidade dessa instituição em lidar com a violência,

como o exemplo de uma escola, na Zona da Leopoldina - Rio de Janeiro

- que "organiza suas turmas levando em conta a região onde moram os

212

alunos. Só assun consegue evitar que conflitos entre grupos rivais

transformem as salas de aula em praças de guerra." ( O Globo - Grande

Rio - 12/07/92 p.20)

A diretora de uma escola pública de Duque de Caxias somente

conseguiu amenizar a venda de tóxico no portão do colégio e também

dentro da escola, procurando uma pessoa da comunidade envolvida com

o próprio esquema do tráfico de drogas, para pedir uma sugestão de

como deveria agir.

Segundo esta diretora a melhor maneira que a escola tem para

lidar com estas questões é aliar-se à comunidade, independente de quem

quer que dela faça parte.

Nesta mesma escola, todas as atividades são abertas à

comunidade não fazendo restrições a grupos, nem a pessoas. Numa das

festas realizadas, da qual tive oportunidade de participar, fui apresentada,

pela direção, a um "bandido" considerado "matador" da área, que lá era

tratado como qualquer outro cidadão. Esta pessoa partilhava do mesmo

espaço, sem nenhuma discriminação ou constrangimento, uma vez que a

saída encontrada pela escola para conciliar não só problemas como o da

violência, foi a integração com a comunidade.

Desafiada em seus conhecimentos e na sua competência, cada

escola ou mesmo cada um dos seus profissionais, embora diante de um

problema comum, vai buscando suas soluções de forma solitária, o que,

na realidade, só vem afastando-a mais do encontro de táticas adequadas

à natureza do tema em questão.

Para grande parte dos alunos do colégio onde se desenvolveu essa

pesquisa, a escola pode fazer muitas coisas para diminuir a violência.

213

IlfEJm.. ~ ~ ~ pmm ~, f1~' Jub,1, ~

fi&. ~ wut, ~ ... "

IlaBa/\, ~, WIJÍAIIJIJ, M ~ ~ (L fi&. ~ II

CMr\, M m.tf1M.M-•••

IlffJ~ ~ u,m rwJM fo'k, fi&. ~ ~ .-1&,

~~~,~~ ... "

IIq ""'A""",,.,_l,,,. II rI 0ifA U,.IIff rlA~ ...

Os pais acrescentam algumas sugestões: orientar, dar conselhos

para irem direto para a casa, apesar de afirmarem com frequência que a

escola não pode interferir em nada para mudar a realidade lá fora.

"A~Ffmt~~. A ~dJ:L~í~. ~ ~ í (L ~ ~ Iun, ~ GIJi"-. J4 wk fi&. ~ ~ ~. ~~ ~ fi&. ~m mm e-~ ~, ~ diN1 ~."

Embora reconhecendo ser praticamente impossível reverter o

quadro em que a escola se encontra, alguns professores ainda se

mostram otimistas, acreditando que alguma coisa pode ser feita, apesar

de todos as dificuldades.

214

"eu' ~ ~ (1 ~ ~ ~ rk ~, !lQ, WiM !lQ,

~,ptJNL umw. ~ ~ck."

liA ~ ~ fmF um IM1dk, ~ (1 ~ rk lá ~ CMM- í P t ... dnr" umfJ, ~ ~ ~ p ~ CMn ~ ~ ~ ~ CM1l. ~ ~"fI,."

Embora apresentando sugestões como estas, a maior parte dos

professores continua reafirmando que seria muito difícil concretizá-las.

"fiM é, ~' ~ ~ 'l& Cf1Wv:L ~ ~, ~ rfu ~ 01jUi fU1 ~. e ~ ~ ~ ~ f1.W1, CMM- fmF ... "

Alguns consideram que a resolução deste problema extrapola as

condições nas quais a escola se encontra.

215

No entanto, mesmo com idéias vagas sobre o que poderiam

fazer, e mesmo conscientes das barreiras que possivelmente

encontrariam, muitos destes profissionais se mostram dispostos a

buscarem soluções, como no caso de um grupo de professores que

chegou ao colégio em março de 1992.

Uma professora desse grupo afinna que apesar de se sentirem

péssimas, estão pensando em fazer alguma coisa. Sua idéia de trabalhar o

coletivo é uma das pistas que apontam para uma saída, não totalmente

impossível de ser explorada pela escola, e de fundamental importância

nesse processo de construção de uma pedagogia anti-violência.

"t(k ~ ~ ~ uma ~ rk 1~' f'1M ~ Qõ, ~ ~ ~ ~ ám, ~ Qõ,~. ~ V&l­

~, 1R, ~ ~, pk mmM 1uJd. t4wa ~~ qm,

~ Qll6Q, ~ rk ~, mw:lm. ali fflAM'M. Qõ, ~.

ffJMlMi QA"fl, ~ uma FmIfL 00 ~ CMn ~, qm, CMfJJIJ'.f11" f'Y'v ai,

cad.a um ~ uma ~, ~" ... fM' ~ ~ a /mr"" um

ilrdMdJJfnlM ~ ~, f&"'L ~ ~71 a ~A F a ~ Q,

~" ~ ~ {iaut, ~ !wJ, ~ ~ ~ ~ ~."

Essa outra fala revela também a importância do diálogo, da

conversa, seja para favorecer ou socialjzar a troca de experiência entre os

educadores, seja para comprometer os educandos no processo de

ensino- aprendizagem.

"'fIM lwtM 0YfI).#.~ fXlNL tw. IJ. ~ VQ.f7IM ~, ~ Miá ~ difúil. ~'fW" m+, eu, eJm.m ~ uma ~ e,

UIffl, dml(J, um ClW.J..I.~ Mo ~. Aí eu, ~ ~ ~ a cuk., clv:ww.t.

216

a, ak •... m ali fflA, alwvwi ... e~ já ~ ~ ~, ~ ~ ~ ... ~ ~ m dJL ~ fi1NL fflA, ~ • .f)~ ~.

A~ ~ QWl, ~, ~ ~ ~ clJakada., ~, ~ m

Ww, ~ ~ M ~, ~ uma, aJn, fOM' ~, fik ~, ~, ~ ... ~ fmF um ~ ~ CMfl, ~, fi ~ fIM ui&. ~ ~. At clAimi-M ~ ... Q, F fi1NL ~. ~ vJki ~ ~ ~ iam ~ . .f)t ~ ~ ~ ttm~. A~ m n&. ~ CMM- uai ~."

Estas professoras recém-chegadas se dizem assustadas e

chocadas com o comportamento dos alunos. Porém, para a maioria dos

profissionais da escola, as crianças agora estão muito melhores, devido

ao trabalho que foi feito, objetivando diminuir o problema da

agressividade delas.

11f2~ m vim fY1í.L cá ai; ~ W1m ~l1IIlt~, ~~.

5- ~, M alutn,M M.am tem. ,J,Jck. ~ Ivi ~ aHlM. alr.& . .f)t ti fW2 cá qu. ~ <f1R' 5-~ ~ ~ tun, ai; clliJJJrlf.,&,

~ 0W1 ~ fok um ~ pk, ~ CM11, ai; rJIiJJAupb, ali em ~ rk ~ ckk ckJ.~ dJL w:.Ja, ~. da w:Ja, fU1

~ ... 17M ~ iJ..M. cu: km. eu ~ ~ bt· Q,ffl, dia ai; ~ rk ~ ~ ~ ffli1 04!fh ~ ~ ai; ~.II

"rk ~ Q/IlL um caM. A~ ~ n&. ~,

~, ~ ~, WJ.m ~, ~ .•.

~ ~ ~ uma, CIJÚm dA, ~ Mo ~ dJL f1LQM, f'1M'

~,~~fM'~' A ~ foi ~ i&-, ~ !IW\, ~W'". A ~ iI:L

aM~,~~~,mM~~ Olfd W1 ~ ~. mdM ~ fw:wv ~, ~

217

Segundo os professores alguns alunos mudaram totalmente seu

comportamento, dando-lhes esperança de que outros também poderão

se modificar.

II~F Mo eJttJ nM ~ ~ ~, Cf1R' F ~ (1 ~ ~ ~, f7Ull; ~ ~. ~ q,m dia Q, UA1U1

ClJilJKIJf2 ~ !IQ, iK~ c» ~, ~ nM ~ WJa

~.

tu, ~ ~ ~, ~ /;w. alunl& ~ ~. F' QN1 ck.1ipe. ~ rk f?JA t· ~. ffJ~ (1 ~, eKfooa 'M­

~ ... e~. ~ ali •. ai ~. tJiL ~~ ... tu. w,

~ ('M7l. ~ aL.M-, ~ c/n1: f1&. !IQ, ~1Vli~ ~ w:vJa. e ~ 'fl'l' m dur: 00A7tM ~ ~ ~, 00A7lM ar.t~

'M- F' ~ fmr~·"

"A ~ fi ~oo ~. tu ~ ~ ~"" um alu'M-. t& QN1 um afwí6- F' +tWf~ ooâ 'fIM ~ Jw,JA ~. t~. ~ ~, ~ rft tM Jlw,.,.. ~. Wl. dia MU alu"'t.ô-, ~~ dJb

~ ~., F CMW.'f'Il' ~ ~ Cl1IU/rJtIJ pJa w:sJa" ~ a.mM. t~ ~ ~ ~ CM7J, ~. rrb w Q,

~ CM7], ~. [1 cdAi ~ CMM ~. JJQ, UA1U1 ~ ~ ~

~ 0ifW1' lMn, UA1U1 ~ 00&- rk, ~.'I

Este trabalho de "recuperação" dos alunos, envolve

principalmente, de acordo com o pensamento de muitos entrevistados,

uma conscientização da importância da escola - lugar que lhes dará

218

oportunidade de mudar de vida.

",4 c;wk ~ ~ f"J2 ~ ~ fi&. ~ ~ ~ fmb rb ooln.. e ~, ~ ~ ~, ~ ~ f'JNL ~ ~. ftu&.11

A diretora garante, com toda a certeza, que a escola pode realizar

um trabalho para diminuir a violência, a começar pela tentativa de se

trazer a criança para a escola, mostrando-lhe os caminhos que são bons

para ela.

",4 .. ~ ~ vVLtm paM (1 ~, Cl. ~ fmml I(ta 'lUCL,

~~~~.~~~.,~, I)W\, a ~ ~~ F 4'1& ~. ~. ~ ..• a/ ek ~ fflw:ln,,~, ~ w,m ~ ~ ~.II

Nesse momento ainda me vejo com uma certa ansiedade em

querer criticar alguns desses relatos, especialmente no que se refere ao

tipo de educação apontada como solucionadora do problema. De

qualquer forma, não se pode negar que, embora sem ter muita

consciência do porquê ou para quê, fazer e como fazer, a escola vem

tentando fazer alguma coisa. E essas conquistas, ainda que pequenas,

podem ser consideradas avanços, diante das tantas limitações que

enfrenta.

A Festa da Primavera, descrita a seguir, apresenta-se como uma

219

iniciativa da maior importância, para se entender o esforço que a escola

vem fazendo e o quanto ainda é valorizada pela comunidade, mostrando­

se como um sinal de esperança e de compromisso.

O dia 4 de Outubro (do ano de 1991) foi escolhido para a

comemoração da Primavera, por ser o dia de São Francisco de Assis, não

somente pelo aspecto religioso, mas por sua ligação com a ecologia, uma

vez que se pretendia realizar um trabalho sobre o meio ambiente.

A festa foi organizada em conjunto, pelos professores sob a

coordenação da Orientadora Pedagógica.

Além dos objetivos inerentes à comemoração, aproveitou-se para

arrecadar algum dinheiro para compra de presentes para o Dia das

Crianças. Para tal, foram feitas rifas diversas (cestão de alimentos,

arranjos de flores, batom, perfume ... ) passadas durante a festividade.

Também foram organizadas barracas de doces e salgados, roupas e

sapatos usados e pescaria.

Esta iniciativa é reconhecida e valorizada por um dos profissionais

de apoio:

Foi solicitado aos alunos que trouxessem prendas. Porém,

segundo uma das professoras, os objetos trazidos se encontravam em

condições tão precárias, que esta tarefa ficou por conta das professoras,

as quais também já vinham trazendo doces e salgados para serem

vendidos diariamente entre elas, com a mesma intenção de arrecadar

220

dinheiro para os presentes das crianças.

Pela primeira vez conseguiram que a Associação de Moradores de

uma das comunidades emprestasse o som, sem o qual a festa certamente

teria ficado prejudicada.

A festa aconteceu no andar térreo do prédio, cujas paredes se

encontravam enfeitadas com flores de papel.

A comunidade foi convidada e desde cedo aguardava a

apresentação das crianças, percorrendo barracas e conversando.

A apresentação das crianças foi feita por turnla, às vezes em

conjunto com outra da mesma série. Cantavam e dançavam de acordo

com uma coreografia ensaiada previamente. Aparentemente a dança que

mais chamou a atenção de adultos e crianças foi a "Vamp", para a qual

as crianças estavam enfeitadas com roupas e adereços de papel crepon.

Conversei com as pessoas presentes, perguntando sua opinião

sobre a festa e questionando sobre a importância desse evento.

As crianças de modo geral, achavam a festa alegre, bonita,

animada, gostavam das danças, da pescaria e da presença dos pais.

Para os pais, esta atividade é muito importante, porque as crianças

aprendem mais, ficam sabendo das coisas, ficam animadas, se

incentivam, se alegram ...

Uma das mães dá um valor especial à comemoração de datas

como esta:

"e ~ ~ fOML a. ~ fi.&. ~ F' wiJk Qb

~, ck- dm. ~. ~ ... j)~ Ja vai ~ fU a ~

fnfa ~, WL fw.t... ~ ~ ~ ffWik., ~ Fi fodn.. Cu w ~ ~, mm ~. ~ ~ fJk da ~ Jwrt em C1JUL (l,

~a~ ... "

221

Além de considerarem que esta atividade estimula a

aprendizagem e atende aos interesses das crianças, os pais destacam

principalmente a oportunidade de participarem da vida escolar dos filhos:

"e difw1 tWJ, fXU' Q, ~ M w:J.a. ~Ii tm ~ a ~ F~. em~~~."

"CMfl, WJIL ~ ck fodn., OÃ mOO ~, ~ 00nn ~ OÃ

màM aJiM· ~ ~ fW" ~, fIM ~. ~ Iwu:u. ck au!n., ffl.(!b

fUJ, ~ ~1fT1,."

A fala seguinte de uma das mães demonstra tamanha consciência

coletiva, que chega a emocionar:

Toda a equipe técnico-pedagógico-administrativa, assim como os

professores regentes de tunna e alguns funcionários de apoio

participaram da festividade, demonstrando grande animação e interesse,

dançando com as crianças e tirando retratos.

Os profissionais da educação da ESCOLA LÍRIO entendem que

esta é uma oportunidade de sair da rotina do estudo.

"e fwm fON1 ~ a ~ ~ ~, ~ ~ ~,~1. •• '1

222

Um grupo bastante significativo dentre estes profissionais levanta

o aspecto da socialização das crianças e da própria comunidade, na

vivência de experiências corno esta.

/ / /I

CIWl~.

Dá-se ainda, importância relevante à integração entre os próprios

profissionais da escola.

Todavia, a valorização maior, percebida nas entrevistas trata-se da

integração da comunidade com a escola, resumida aqui nos seguintes

depoimentos:

223

~."

wJa.. 11

II~ ~ ~ a~. e~ a ~ a

~ f'JM' d.uJM. rb ~, ~ ~ ~ fodm., F ~ ~ fTlIJiA • .B~ ~ ~ f'JM' ~ CJY.M.b ~ ~ 00m ... "

o clima de alegria no momento da comemoração foi percebido e

comentado pela maioria dos entrevistados, mostrando a necessidade e a

importância de se trazer o lúdico para a escola, como sugere um dos pais

presentes:

Colocar o lúdico em permanente aliança com o pedagógico,

tomar o estudo sinômino de prazer, trazer a vida e alegria para o seu

espaço é o desafio que se apresenta para a escola.

Despertou-me bastante atenção o relato no qual a professora

declara que a festividade ajuda na relação afetiva entre os alunos,

inclusive amenizando sua agressividade. Se existe a indicação de que

"quase não tem mais brigas entre os alunos para separar", durante as

festas, quem sabe se uma das saídas não seria mantê-las e explorá-las

com maior frequência, inclusive para favorecer a aproximação com a

comunidade? .. Quem sabe não se está diante de uma das alternativas a

se contrapor à violência? ...

224

Ao me encaminhar para as reflexões finais, vejo mais de perto o

grau de complexidade desse tema. A própria trama tecida nesse estudo

mostra a pluralidade e ambivalência existente no fenômeno da violência,

indicando a impossibilidade de se reduzir sua análise a uma interpretação

única.

Dentro do espaço escolar a violência se manifesta sobre diversas

fonnas, mostrando-se associada a uma multiplicidade de causas externas

e mesmo internas. O cotidiano de violência vivido na comunidade é

trazido para a escola; esta, por sua vez, não se vê em condições para

enfrentar tantos complicados problemas. A negação da violência parece

ser a peça principal desse quebra-cabeça. Porém, para a construção de

pistas ou saídas que se contraponham à violência, há que se reconhecer e

considerar essa rede de elementos.

Ainda nesse momento final, continuo percebendo as limitações

desse trabalho para responder muitas questões que apareceram.

Acredito mesmo que algumas dessas lacunas só poderão ser preenchidas

à medida que for ampliando essa discussão com outros educadores.

E esse é o grande desafio que pennanece: construir em rede,

rede de idéias, rede de interesses, rede de encontros, o dificil e

apaixonante desvelamento da trama que envolve a violência na escola.

225

CAPÍTULO V

DO MEDO DO CAOS À BUSCA DO PRAZER DA DESCOBERTA.

226

DO MEDO DO CAOS À BUSCA DO PRAZER DA

DESCOBERTA

Ao chegar a esse momento em que preciso, de certa forma, traçar

algumas considerações finais, sinto-me mais uma vez muito próxima dos

companheiros trabalhadores da educação da ESCOLA LÍRIO,

compartilhando das suas ansiedades, das suas dúvidas, dos seus medos,

da sua impossibilidade em apresentar uma saída de solução imediata

para o quadro caótico que observo ao concluir essa pesquisa.

Novamente me vejo, como no início, num vai e vem, sem ter

certeza da forma como poderia demonstrar as contradições e

questionamentos com os quais convivi durante esse tempo, assim como

as descobertas, ainda que provisórias, que me surgem nessa etapa final.

De certa maneira, revivo agora, o que experimentei ao longo

dessa caminhada: a linguagem nem sempre me parece suficiente para dar

conta da intensidade dos acontecimentos, pensamentos e sentimentos.

Mais uma vez prefiro retomar o entrelaçamento de sentimentos e

idéias, falando da dor e do prazer vividos ao longo dessa experiência,

contando do tanto de medo e conflito, até chegar à construção de um

novo entendimento: verdadeiro aprendizado metodológico.

Desde os primeiros contatos com a escola percebi que a minha

tarefa enquanto pesquisadora não era tão simples como havia imaginado.

Um mundo diferente me esperava, não só nas comunidades, mas dentro

da própria escola. Ler, ouvir falar, passar perto da violência, era uma

coisa. Entrar em contato direto com ela, conviver, fazer dela objeto de

227

estudo cotidiano, era por demais perturbador ...

Não foi nada fácil para mim dar de cara com as suas múltiplas

faces. Chego a afinnar que muitas vezes me senti verdadeiramente

violentada pela minha própria opção em trabalhar com esse problema.

Por diversas vezes pensei em abandonar tudo, por não conseguir

suportar estar presente naqueles espaços, pensando sobre aquela

realidade tão cruel, principalmente por não vislumbrar quase nenhuma

perspectiva de mudança.

Não raros foram os momentos em que não conseguia controlar o

choro, a surpresa, o medo, o assombro, ao deparar-me com a dureza das

situações. Certa vez me senti tão perdida que cheguei a errar o caminho

da minha própria casa, tamanha a angústia com que saí do colégio.

A princípio preocupei-me por demais em separar o meu lado

emocional, por considerar que sua interferência poderia ser prejudicial ao

trabalho, até que aos poucos fui assumindo a impossibilidade de

dissociar afetividade e razão.

Além dessa questão fui me dando conta de que muitos dos meus

pensamentos e conceitos precisavam ser relativizados. A leitura que fazia

daquele mundo necessitava ser revista em múltiplos aspectos.

Referências teóricas já tão asseguradas nem sempre correspondiam à

realidade.

Ultrapassados os momentos iniciais da tendência em colocar a

culpa maior na escola, da pretensão ingênua de querer dar conselhos e

sugerir coisas; já começando a perceber as contradições, os conflitos que

marcavam as relações, o choque de culturas que me levava a estranhar

tantos fatos, a não entender tantas falas, até mesmo "violentar" as

pessoas, que de certa forma se sentiam ameaçadas ou invadidas com

228

minhas perguntas, pude então iniciar a verdadeira aventura desveladora

da trama da violência na escola.

No entanto nada disso era tão simples como pudesse parecer.

Nessa busca do "prazer da criação" foi preciso enfrentar o "caos criador",

como denomina a educadora Madalena Freire. Para pensar e chegar a

essa construção final, um longo e dificil caminho cheio de retrocessos foi

percorrido, cujo percurso vem marcado pela frustração de ver derrubadas

idéias que me pareciam inquestionáveis, pela insegurança em me ver

diante do desconstruído, pela ansiedade de não saber por onde ir, e

principalmente pelo medo.

O medo não se fez presente nesse trabalho, apenas nas falas e nas

atitudes dos pesquisados. Esteve também freqüentemente comigo:

medo da desconstrução, medo do choque com o real, medo de não me

fazer entendida por aquelas pessoas de um "mundo" tão distante do

"meu", medo de chegar perto da realidade de vida daquelas pessoas,

medo da violência, enfim ...

Todos esses ingredientes foram necessários, entretanto, para

alimentar essa construção / reconstrução do saber, possibilitando ao

final, o desfrutar de um prazer, sentindo de maneira muito mais intensa,

por quem entrega seu corpo, pensamento e emoção. Prazer dos que

experimentaram o fascínio do momento da descoberta, por correrem o

risco de confrontar-se e expor-se de fonna inteira.

A leitura final desse estudo pode ter desenhado uma realidade

marcada por fatos e acontecimentos carregados de violência,

privilegiando os "sinais de morte", sem contraposição com as inúmeras

229

situações que na certa ocorreram, podendo ser consideradas como

"sinais de vida", seja na escola, seja nas comunidades, desde o esforço

dos profissionais da educação em trabalhar em condições tão dificeis, até

a organização e resistência das comunidades.

Se por um lado esse enquadramento da temática, ainda que de

forma não planejada, favoreceu uma visão mais unilateral da minha

parte, e até mesmo dos demais sujeitos da pesquisa, fazendo com que

me procurassem sempre para trazer apenas dados envolvendo a

violência, por outro lado parece ter sido exatamente este recorte que

permitiu uma compreensão mais "real" desse fenômeno.

Apesar de resultar numa dissertação que pode se mostrar pesada,

dura, cruel, talvez somente esse mergulho, esse cara a cara com a

violência, sem brilho, sem purpurina, tenha possibilitado enxergá-la da

forma que ela é. Talvez essa própria oportunidade de procurar

desmascará-la, de não poder negá-la, em muito tenha contribuído para

chegar ao pensamento básico que permeia toda essa trama.

o desenvolvimento e a conclusão desse trabalho apontam para

uma dimensão nova, não prevista inicialmente. Se antes me preocupava

em compreender a produção I reprodução da violência escolar, nos seus

aspectos fisicoe simbólico, ao final, uma outra categoria é colocada: a

negação da violência na escola.

N a verdade esse lado da trama começa a se delinear e ser

percebido por mim, quando a maioria dos entrevistados diz que não

existe violência na escola. Embora reconhecendo nesse momento final

que essa pergunta tão direta tenha demonstrado um pouco de

ingenuidade ou falta de experiência da minha parte, tendo interferido no

230

próprio desenrolar da pesquisa, a partir daí uma nova questão se abriu.

Necessário se fez então buscar os elementos que contribuíam para essa

negação, através de um novo caminho.

À medida em que esses componentes iam surgindo, ora dentro

ora fora do espaço escolar, ora através das contradições, ora através da

coerência dos depoimentos e observações, foi sendo possível ir

desatando os fios que se emaranhavam naquela rede.

1. Ao se colocar a violência em questão, num debate teórico,

além de se constatar que este fenômeno sempre existiu, em todas as

sociedades, ainda que expresso de diferentes maneiras, percebe-se um

enorme grau de subjetividade subjacente à sua compreensão,

envolvendo valores, experiências, cultura, enfim.

Esta subjetividade, por exemplo, faz com que algumas pessoas

afirmem que Duque de Caxias é uma cidade muito perigosa, enquanto

outras acreditam que não é tanto assim, ou mesmo que não seja uma

cidade violenta.

O resultado desse estudo revela uma grande diversidade de

opiniões a respeito da violência na escola. Um número bastante reduzido,

destacando-se os professores, admite que há violência naquele espaço,

expressa principalmente nas atitudes agressivas dos alunos. A maioria

dos participantes, no entanto, nega essa hipótese.

Verificou-se ainda, que uma mesma atitude considerada uma

grave forma de violência para um, não o era para outro, mostrando a

relatividade nos limites entre a violência "aberta" e " simbólica" .

2. Além da subjetividade inerente ao próprio termo, a

231

compreensão da violência geralmente é reduzida a seu aspecto fisico,

consequentemente relacionada à criminalidade, ao crime organizado, a

assassinatos, assaltos, estupros.

No capítulo IH pode-se notar o quanto a violência, com suas

multifaces, vem atingindo fisicamente aquelas comunidades e o próprio

município, onde moram os alunos. Violência para eles é sinônimo de

agressão fisica, é morte mesmo.

E se a violência é dessa maneira entendida, na escola não existe

violência. Ou o que existe é tão mínimo, que passa quase despercebido.

3. Talvez decorrente principalmente da afirmação acuna,

observa-se que vem se criando um tabu em tomo do próprio tema, que

passa a ter uma conotação negativa, tomando o assunto proibido,

ameaçador.

A própria palavra já assusta. As pessoas têm receIO de falar

porque necessariamente precisariam fazer referências a dados que

poderiam comprometê-las.

A escola também não quer se envolver com a realidade em que

vivem os alunos, tem medo das consequências possíveis de ocorrer ao

enfrentar essa discussão, já que não sabe aprofundá-la. Melhor então é

ficar calada, fingir que não vê e que não sabe de nada.

4. Além disso, a concepção ideológica que se tem da escola,

em especial parece contribuir, não só para que se negue a existência da

violência, mas até mesmo para justificar sua prática, tratando-se nesse

caso, de uma verdadeira legitimação da violência.

De acordo com ° imaginário social, a escola é um espaço sagrado,

232

preselVado, protegido, por ISSO mesmo mcapaz de praticar qualquer

fOlma de violência.

A escola é pensada pela sociedade e por ela própria como um

espaço sem crise, sem conflito, mantendo-se no plano do dever, da

ordem, da disciplina, consequentemente, da permissão do castigo e da

punição, em nome dessa mesma ordem.

A escola é habitualmente definida como espaço do método, do

modelo a seguir, lugar onde os "educadores" deverão passar o saber que

dominam e conigir aqueles que "nada sabem" e que precIsam ser

"educados" nos seus "maus-comportamentos".

N essa perspectiva, a escola coloca-se e é colocada como um

espaço isolado da sociedade, distante dos seus problemas,

desenvolvendo uma pedagogia que escamoteia o conflito, que impede

que as contradições apareçam, uma pedagogia que nega a realidade e que

prepara para um mundo que não existe, ou melhor, não prepara para o

que existe.

5. Todavia, o elemento que parece contribuir de forma

relevante para tornar a violência um ingrediente negado na escola, é a

naturalidade que vem se processando frente à violência.

Convivendo no dia a dia com tantas fotnlas de violência, já não se

estranha mais, passando-se até a achar notnlal, natural, que ocorram

determinadas situações, as quais poderiam ser consideradas "menos

graves".

O que é um grito da professora ou da inspetora, quando o pai

chega em casa alcoolizado, em altos brados? .. O que é um beliscão da

professora, quando o rato roeu um pedaço do dedo do irmão? .. O que é

233

ficar de castigo em pé, de costas para a parede, quando assiste gente

sendo morta pelas costas? .. O que é ficar sem recreio, sem merendar por

um dia, para quem está acostumado a ficar tantas vezes sem comer? ..

Qualquer tipo de castigo ou punição que a escola utilize não faz

diferença para quem já experimenta punições muito maiores, para quem

a própria vida já é um castigo.

Por outro lado, a escola também parece passar pelo mesmo

processo que toma a violência um fato natural, à medida em que vai se

acostumando com as diferentes formas de violência presentes no seu dia

a dia. Logo que chegam à escola, os professores se chocam com a

realidade, depois de algum tempo já não estranham mais.

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Se lá fora o contato permanente com a violência faz da morte um

fato natural, na escola, beliscões ou sacudidas do professor no aluno não

são mais considerados uma violência. Se antigamente o aluno usava

palavrões tão agressivos com a professora, chamá-la de bruxa hoje,

234

passa a ser "uma coisa nonnal".

Alguns professores têm se mostrado atentos para esse sentimento

de indiferença, que faz com que a violência se transfonne num

fenômeno banal, corriqueiro.

Dentre as conseqüências que possam interferir na fonnação dos

alunos, preocupam-se com a perda de sentido pela vida, que eles vêm

demonstrando. Não enxergam nada no futuro, não há projeto de vida.

Vida e morte parecem ter o mesmo valor, o mesmo significado. Além

disso preocupam-se com a sua identificação com o "bandido-herói", que

se tomam seus ídolos, à medida que lhes asseguram melhores condições

de vida, inclusive lhes dando proteção. Tomam-se mitos devido ao poder

que exercem na comunidade e até mesmo sobre a própria escola.

Reconhecendo que muitas faces da violência não explicitadas

aqui, poderiam parecer também uma negação da minha parte, quero

reforçar a observação no que se refere à minha opção em priorizar os

dados que foram apontados, devido à amplitude e complexidade que

envolve esta temática.

Em regiões como Duque de Caxias, ou na Baixada Fluminense,

onde as crianças estão crescendo no meio das violências mais brutais, é

impossível a escola continuar desconsiderando que está trabalhando com

um conteúdo de morte.

Essa dura realidade ameaça e faz com que se evite que ela apareça

como ingrediente a ser explorado. Fazer frente a essa cultura da

violência, descobrindo como lidar com ela, é um desafio para a escola,

fragilizada que se encontra diante da complexidade do contexto social.

235

Entretanto, além de pensar em projetos maiores que prevêem

inclusive mudanças nessa realidade, diante das situações factuais de

emergência, é preciso que a escola vá construindo saídas através de

pequenos projetos, utilizando-se talvez das próprias iniciativas e

conquistas já experimentadas.

Um ponto de partida poderia ser a definição de uma ação

pedagógica que inclua o reconhecimento dessa situação, buscando

entender a criança que está sendo construída / destruída nesse espaço. É

necessário, em princípio, conhecer essa pessoa que está crescendo no

"brejo", que tem um código de viver, de valores, de cultura, que se choca

às vezes com a instituição escolar, da mesma forma que esta diz chocar­

se com suas atitudes. , E preciso saber o que o aluno quer dizer com suas atitudes

"violentas", é preciso ouvi-lo, buscar o significado do "seu mundo",

saber das suas expectativas e da sua falta de expectativas, diante da vida

e diante da morte.

A escola não pode colocar-se como mais uma interdição para os

filhos de uma classe já tão proibida de ser, mas, ao contrário, ajudá-los a

descobrirem-se, motivá-los, fazendo aflorar valores, tomando-se, quem

sabe, um espaço avesso aqueles onde são tão impedidos de sonhar e ser

feliz.

Incluir a vida como valor maior é um projeto filosófico da escola,

fio condutor das práticas cotidianas, que se pode concretizar através de

atividades (como a Festa da Primavera) que façam da escola uma

experiência de prazer, contribuindo assim para que as crianças se sintam

sujeitos e se sintam percebidos como gente.

Muitas pesquisas vêm comprovando que ao se envolverem com

236

gangues, o jovem está buscando um modelo de identificação, segurança,

amizade e afeto. Se a sociedade não lhe tem facilitado esse caminho, se

pelo contrário, só lhe tem reforçado a baixa-estima, caberia à escola

resgatar estes valores. Se é no grupo, no coletivo, que ainda se busca a

saída, a escola poderia se dispor a implementar cada vez mais práticas de

condutas solidárias, que favoreçam o despertar da importância do

encontro, da troca, da partilha, do afeto, explorando inclusive as

experiências coletivas, que, em geral, essas crianças já trazem de sua

vivência comunitária.

Talvez o desafio maior seja aceitar e respeitar essa criança com

seu modo de agir e de falar tão "diferente", que tanto agride as

instituições. Abrindo mão do mito do discurso competente, poderá

investir num projeto de educação que pretenda alimentar a auto-estima

dessas crianças, o que, necessariamente incluirá uma nova forma de

relacionamento, baseado na afetividade, pois "( ... ) só a partir de uma

relação afetiva forte pode ser possível cortar o bloqueio da fala e da

escuta, levando o aluno a desabrochar sua autoconfiança, estabelecendo

gradativamente o diálogo entre o grupo de alunos e o professor" . (Leite,

1987: 194).

Construir essa pedagogia do afeto, do carinho, radicalmente

oposta ao tratamento paternalista ou maternalista com o qual às vezes é

confundida, implica no transformar a escola num mundo em que o aluno

possa passar um tempo diferente, numa vivência de prazer, onde o

estudo não significa mais um limite, mais um obstáculo em sua vida, e

sim um desafio à sua criatividade e à sua capacidade de pensar.

Inventar essa nova pedagogia que admita e dê lugar à violência

para trabalhá-la, ao invés de negá-la, utilizando como referenciais as

237

próprias situações surgidas, analisando suas causas e implicações, é o

compromisso que se apresenta como continuidade para esse estudo -

tarefa tão dificil e tão instigante quanto a própria realização dessa

pesquisa, sonho somente possível de ser ousado ao perceber as marcas

das diferenças que surgiram, provocando em mim tantas necessárias

mudanças.

Na busca desse desvelamento, além da negação da violência,

aparece uma outra parte da trama. Se de início não se admitia a sua

presença, após um novo encaminhamento dado especialmente às

entrevistas, foram-se despontando outras opiniões reconhecendo que, na

verdade, a escola se mostrava ora como agente, ora como vítima da

violência, até o entendimento final, tanto por parte de alguns

participantes, quanto por mim mesma, de que essas duas ações se

processavam de maneira interligadas, numa perfeita interação dialética.

Segundo os profissionais da educação entrevistados, toda e

experiência vivida pelos alunos num cotidiano de violência, produzindo a

chamada cultura da violência, é levada para dentro da escola,

expressando-se através das conversas, dos trabalhos que realizam, nas

brincadeiras e principalmente nos seus gestos e atitudes por demais

agressivas.

Além disso a escola diz que sofre também inúmeras outras

violências, desde a depredação por parte da comunidade, à

desvalorização e descaso com seus profissionais, por parte do governo.

Embora reconhecendo-se em alguns casos como agente da

violência, na maioria das vezes a escola se coloca como vítima,

justificando suas práticas como forma de uma necessária reação às

238

agressões recebidas, ou para cumprir seu papel de "educadora".

Apesar de muitos dados indicarem os alunos como malores

vítimas da violência, raramente eles aparecem explicitamente nessa

condição. Ao contrário, são citados até por eles próprios e por seus pais,

exatamente como principais autores da violência: são eles que destroem

o prédio e os materiais, agridem os colegas e os professores, prejudicam

o bom andamento do trabalho devido ao seu desinteresse e despreparo ...

E aqui pode-se notar novamente mais um detalhe da trama que se

processa nessas relações, onde a própria vítima não se reconhece como

tal.

N a verdade, ao tratar dessa análise da escola enquanto agente ou

vítima da violência, em muitas ocasiões tinha a sensação de estar diante

de uma verdadeira teia, trançada de forma tão emaranhada, que se

tomava impossível reconhecer os limites dos pequenos fios, o que

mostrava sempre a necessidade de recorrer à teoria de interpretação em

rede para facilitar esse desvelamento.

As possibilidades da escola em lidar com a violência, no sentido

de minimamente poder contribuir para alterar esse quadro, parecem

tomar-se insignificantes diante das suas inúmeras limitações.

Diversos obstáculos foram apontados ao longo desse trabalho,

impedindo a concretização de propostas sugeridas até mesmo pelos

grupos envolvidos. Muitas vezes os profissionais da educação querem

fazer alguma coisa, mas não sabem o que, nem como. Sentem-se

despreparados e sem condições.

N esse sentido, a saída que muitos encontram, é fingir que não vê,

é não falar nada, é negar, tomando-se um grande personagem dessa

239

trama, embora sem consciência da sua cumplicidade.

Por outro lado, a escola acredita que muito já contribuiu para a

melhoria do comportamento das crianças, em comparação ao periodo

em que foi inaugurada, embora o que me pareça ser chamado de

melhoria seja um enquandre do aluno a determinadas normas.

Qual seria, afinal, a saída para o caos que se instala, produzido e . reproduzido por toda a complexidade do contexto em que a escola se

localiza? ..

Penso que a frustração que de certa forma me acompanha nesse

momento, por não poder apresentar uma resposta mais definitiva para

esse quadro caótico, é a mesma que deve experimentar o leitor, idêntica à

que atinge os profissionais da ESCOLA LÍRIO.

N a verdade, em contrapartida, um dos privilégios experimentados

nessa pesquisa foi perceber mais claramente esse inesgotável da

realidade, diante do qual nem sempre se consegue dar conta de explicar

todas as possibilidades.

Um dos aspectos de principal importância desse estudo parece

estar exatamente nessa aparente indefinição conclusiva, nesse deixar em

aberto, nesse entendimento de que a resposta para o problema da

violência, assim como para qualquer outro problema que exista na

escola, não pode vir de fora, como uma receita pronta de quem sabe para

quem não sabe, mas deve ser buscada no dia a dia, pensada e construída

pelas pessoas envolvidas diretamente.

As constatações e sugestões da pesquisadora podem ser usadas

apenas como referências, como colaboração para a reflexão. O grupo

envolvido é o lo cus da partilha das experiências pessoais e das diferentes

240

concepções. Construir o seu saber é uma dinâmica muito mais válida e

enriquecedora do que qualquer competência vinda de fora.

Da mesma forma como foi construído esse trabalho, com suas

idas e voltas, seu levantamento permanente de hipóteses, seu confronto

com as diferenças; da mesma forma como precisei ousar e arriscar

saídas, montando e desmontando idéias, num constante fazer e desfazer,

assim também precisaria ser o caminho que a escola assumisse para

encontrar o seu que-fazer educacional.

Não é que se faça dessa, uma simples experiência de ensaio e

erro, mas sim como a montagem de um quebra-cabeça, em que as peças

precisam se mexer, se rearrumar, para encontrarem seu melhor caminho.

A partir da "desordem" teórica é que a proposta pedagógica precisa ser

construída, trabalho que exige dedicação, competência, compromisso,

seriedade e paixão.

Não se pode esquecer ainda que o problema da violência, como

outro qualquer, é historicamente situado, contextualizado. O provisório

da realidade faz com que a cada instante surjam novos aspectos

imprevisíveis, deixando sempre em aberto aquilo que se pretendia

fechar. A cada momento o professor vai se encontrar diante de diferente

situação. Desvendada parte da violência, novas tramas se despontam. Da

vontade de continuar desenrolando esse novelo, de montar esse quebra­

cabeça é que as respostas podem surgir, ainda que provisórias.

N o entanto, não se pode descartar a necessidade de um

compromisso ético político que na verdade venha respaldar uma

proposta filosófica que sustente toda a prática da escola. Construídos e

assumidos por toda a comunidade escolar, estes princípios se

constituirão no eixo principal de ação. Somente a partir da definição de

241

um projeto que contemple as duas dimensões: pessoal (que homem

novo e mulher nova se pretende formar?) e social (que sociedade se quer

construir?) - sujeitos singulares e plurais - é que se pode tomar-se

caminheiros de outros caminhos.

Decorrente dessa discussão tomar-se-á bastante visível e evidente

a real função social e política da escola e de seus profissionais. Definidos

os objetivos para a educação, educadores e educandos sabendo enfim o

que estão fazendo naquele lugar, muito mais fácil e consistente será a

abordagem sobre todos os problemas, inclusive a violência, uma vez que

esta não mais será entendida como um problema isolado, mas dentro de

um contexto, onde os diversos outros problemas se intercruzam.

Além do reconhecimento da impossibilidade de apresentar uma

solução mágica, esse trabalho vem confinnar o pensamento de que as

respostas somente poderão ser descobertas se buscadas num coletivo.

Toda essa dissertação é resultado de um entrelaçamento de muitas vidas,

verdadeiro desafio de construir coletivamente.

A busca de saídas para a questão da violência, seja a nível mais

amplo, seja a nível mais específico da escola, precisar ser assumida como

uma luta unificada, uma luta coletiva, entendendo que a luta contra a

violência não é diferente das outras lutas.

Ciente de que tem uma parcela de contribuição a oferecer, a

escola precisa integrar-se a outras instâncias, assumindo seu papel de

denunciadora do velho, e anunciadora do novo que transforma. O sonho

da mudança não pode deixar também de ser um sonho coletivo.

Por outro lado, é preciso que os profissionais da educação, além

de se fazerem parceiros de caminhada, incluam pais e alunos como

242

companheiros da construção de uma pedagogia que, desafiando a morte,

aponte para a conquista da esperança e da vida.

Morte e vida estiveram sempre presentes, desde o início desse

trabalho, ora se contrapondo, ora interagindo, expressando a contradição

que parece existir no próprio interior do fenômeno da violência.

Prazer e desprazer caminharam lado a lado, como se um

sustentasse o outro. A todo tempo instalou-se o impasse entre a

desesperança em relação a educação, o desamparo do educador, a falta

de perspectivas futuras, a descrença na vida, a proibição de ser feliz e a

resistência, a crença, o sonho, a esperança, o desejo de mudança.

Vida e morte marcaram toda essa caminhada, sempre num clima

dialético, como se a vida precisasse passar pelo caminho da morte, como

se a morte recebesse a função de servir à vida.

Se por um lado a violência mostrava-se como sinal de morte,

contraditoriamente parecia acenar com o sonho e o compromisso de

uma luta em favor da libertação e da vida.

A experiência dessa pesquisa remete para a reflexão de que não é

o contato com a morte que destrói, não é o mergulho no caos que mata,

como de costume se pensa. Ter compartilhado da dor não me fez

afundar junto, mas sim me permitiu produzir novos referenciais, pensar a

escola e o mundo de outra maneira.

Não se pode negar, não se pode achar natural, não se pode perder

a capacidade de estranhar. É preciso chegar perto, arriscar o sofrer,

romper com o modelo, experimentar do desprazer e da dor do parto,

para conhecer o novo que surge. É preciso ter certeza de que o medo do

caos, aos poucos vai se dissolvendo e dando lugar ao prazer de continuar

243

construindo e reconstruindo um saber novo, uma nova descoberta.

De uma perplexidade, de um susto, de um espanto, pode

acontecer o nascimento de uma nova forma de olhar e de sentir. Antes

do nascimento, densa expectativa; depois do nascimento, o

incomensurável prazer da criação.

Conviver com aqueles que resistem e lutam contra tudo e contra

todos para continuar vivendo, só me fez acreditar que existe um desejo

de vida, ainda que impensado ou oculto, presente quanto maior a

miséria: "da sujeira, esterco sadio, brota vida". Um desejo de vida que

ainda faz sonhar e buscar uma saída, ainda permite cantar e fazer festa, e

investir na educação e acreditar na escola.

A pedagogia a ser reinventada deve se constituir, portanto,

exatamente num agenciamento desse desejo de vida: a pedagogia da

resistência, a pedagogia da construção coletiva, a pedagogia do sonho, a

"pedagogia da esperança", como denomina Paulo Freire.

"N'" h I d I ao a mu ança

sonho sem esperança"

(Freire, 1992: 91)

244

sem sonho como não há

A ,

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253

Nome dos

Componentes da

Banca Examinadora

Dissertação apresentada aos Srs.:

Carlos Minayo Gomez

(Orientador)

Maria Lúcia do Eirado Silva

Nilda Teves Ferreira

Visto e permitida a impressão

Rio de Janeiro, ~/ ~/ 1993

Sucupira·

Coordenado Geral do IESAE

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