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AÇÃO RESCISÓRIA EM FACE DA COISA JULGADA PROGRESSIVA: uma análise da súmula 401 do Superior Tribunal de Justiça

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Page 1: Monografia

AÇÃO RESCISÓRIA EM FACE DA COISA JULGADA PROGRESSIVA: uma

análise da súmula 401 do Superior Tribunal de Justiça

Page 2: Monografia

Universidade Anhanguera-Uniderp

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

AÇÃO RESCISÓRIA EM FACE DA COISA JULGADA

PROGRESSIVA: uma análise da súmula 401 do Superior Tribunal de

Justiça

ROBERTO DE OLIVEIRA ALMEIDA

SÃO LUÍS/MA

2011

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ROBERTO DE OLIVEIRA ALMEIDA

AÇÃO RESCISÓRIA EM FACE DA COISA JULGADA

PROGRESSIVA: uma análise da súmula 401 do Superior Tribunal de

Justiça

Monografia apresentada ao Curso de Pós-

Graduação Lato Sensu TeleVirtual como

requisito parcial à obtenção do grau de

especialista em Direito Processual Civil.

Universidade Anhanguera-Uniderp

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

Orientador: Prof. Luciano de Almeida Pereira

SÃO LUÍS – MA

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2011

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RESUMO

A formação progressiva é o trânsito em julgado de determinadas matérias em momentos distintos da relação processual, pela ausência de recurso ou pelo não-provimento dos mesmos. Para tal hipótese, a doutrina entendeu ser possível caber quantas ações rescisórias quanto necessárias no curso do processo, bem como a existência de inúmeros prazos decadenciais para ajuizamento das respectivas. Tal questão gerou divergência no Superior Tribunal de Justiça, tendo sido pacificada no enunciado de Súmula de número 410. O que se objetiva é o estudo do prazo para ajuizamento da ação rescisória em face da formação progressiva da coisa julgada, bem como a análise da Súmula 410 do STJ juntamente com os precedentes que fundamentaram a sua elaboração.

Palavras-chave: Coisa julgada progressiva, Ação Rescisória, Prazo Decadencial.

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ABSTRACT

The progressive estoppel by judgement is the estoppel by judgement of some that occurs of some demands in diferent moments of the procedural link by the absence of appeal or the denial of them. For these hipotesis, the authors thought that it was possible to file as many termination claims as necessary for each estoppel by judgement. They also thought that each estoppel by judgement should have it’s own lapse. This understanding lead the judges of the Superior Justice Court do diverge. The solution was found on the digest number 410 of the dominating precedents of the Superior Justice Court. The goal of this study is to analyze the lapse to file the termination claim against the progressive estoppel by judgement, such as to proceed to the analisis of the digest number 410 of the Superior Court of Justice and the precedents that justified it.

Keywords: Progressive Estoppel by Judgement, Termination Claim, Lapse.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................

1 COISA JULGADA...........................................................................................

1.1 Nota introdutória ........................................................................................

1.2 Coisa julgada formal e coisa julgada material ........................................

1.3 Requisitos da coisa julgada material .......................................................

1.4 Acepções da coisa julgada .......................................................................

1.5 Formação da coisa julgada .......................................................................

1.6 Limites da coisa julgada material .............................................................

1.6.1 Limites objetivos .....................................................................................

1.6.2 Limites subjetivos ...................................................................................

1.7 Efeitos da coisa julgada ............................................................................

1.8 Revisão da coisa julgada material ...........................................................

2 AÇÃO RESCISÓRIA ......................................................................................

2.1 Notas introdutórias ....................................................................................

2.2 Pressupostos da ação rescisória .............................................................

2.3 Objeto da ação rescisória .........................................................................

2.4 Legitimidade ...............................................................................................

2.5 Competência ..............................................................................................

2.6 Hipóteses de cabimento da ação rescisória ...........................................

2.6.1 Se verificar que a decisão foi dada por prevaricação, concussão ou

corrupção do juiz .............................................................................................

2.6.2 Decisão proferida por juiz impedido ou absolutamente

incompetente ...................................................................................................

2.6.3 Dolo ou conluio entre as partes ............................................................

2.6.4 Ofensa a coisa julgada ...........................................................................

2.6.5 Violar disposição de lei ..........................................................................

2.6.6 Prova falsa ...............................................................................................

2.6.7 Documento novo .....................................................................................

2.6.8 Houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou

transação, em que se baseou a sentença ....................................................

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2.6.9 Decisão fundada em erro de fato .........................................................

2.7 Juízo rescindente e juízo rescisório .......................................................

2.8 Prazo ..........................................................................................................

3 FORMAÇÃO PROGRESSIVA DA COISA JULGADA E AÇÃO

RESCISÓRIA .....................................................................................................

3.1 Os capítulos da sentença e a formação progressiva da coisa julgada.

3.2 Coisa julgada progressiva e prazo decadencial para ajuizamento da

ação rescisória .................................................................................................

3.3 O posicionamento adotado pelo STJ: o enunciado de súmula

número 401 .......................................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................

REFERÊNCIAS .................................................................................................

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INTRODUÇÃO

Uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, a quaestio iuris

submetida à apreciação do Judiciário deve ser examinada, acolhendo-se ou não o

quanto pedido pelo autor. Via de regra, as decisões que apreciam os pedidos são

impugnáveis por meio de recursos.

Contudo, os meios de impugnação das decisões judiciais não são

ilimitados. Uma vez julgados todos os recursos interpostos, ou mesmo em caso de

não interposição de recursos, há o trânsito em julgado daquela decisão, momento

em que adquire imutabilidade.

Essa imutabilidade da decisão judicial é o que se chama de coisa julgada.

A imutabilidade da decisão judicial é direito fundamental assegurado pelo Estado

Democrático de Direito. No ordenamento jurídico pátrio, a expressão da proteção

dada à coisa julgada resta consubstanciada no inciso XXXVI do art. 5o da

Constituição Federal. Trata-se de princípio que evita a perpetuação da relação

processual, bem como a garantia, ao autor, de obter um provimento judicial,

guardando íntima relação com a segurança jurídica.

A imutabilidade da decisão judicial transitada em julgado também não é

irrestrita, contudo. O Código de Processo Civil prevê a possibilidade de ajuizamento

da ação rescisória para os casos em que as decisões judiciais são injustas ou

viciadas. As hipóteses para ajuizamento da ação rescisória estão previstas no art.

485 do Código de Processo Civil.

O direito ao ajuizamento da ação rescisória também não é irrestrito. É que

a hipótese de se ajuizar a ação desconstitutiva muitos anos após consolidada a

situação das partes após a decisão judicial também atenta contra o princípio da

segurança jurídica. Assim, constatada uma das hipóteses do art. 485 do Código de

Processo Civil, possui o interessado prazo decadencial de 2 (dois) anos contados do

trânsito em julgado da decisão para ajuizamento da ação rescisória, nos termos do

artigo 495 do mesmo diploma.

Ocorre que, em algumas situações, a contagem de prazo para

ajuizamento da ação rescisória não é tão simples quanto se extrai de simples leitura

da norma. É o caso da coisa julgada progressiva.

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Reza o art. 495 do Código de Processo Civil que o direito de propor ação

rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.

A doutrina, por seu turno, identificou o fenômeno da formação progressiva da coisa

julgada, que ocorre, dentre outras hipóteses, quando do trânsito em julgado de

capítulos das sentenças.

A formação progressiva da coisa julgada caracteriza-se pelo trânsito em

julgado de determinadas matérias em momentos distintos da relação processual.

Por exemplo, quando não se recorre dos danos materiais em uma sentença que

condena o réu ao pagamento destes e de danos morais. Assim, com relação aos

primeiros a decisão transita em julgado, não podendo ser rediscutida

posteriormente.

Para essas hipóteses, a doutrina majoritária entendeu ser possível caber

quantas ações rescisórias quanto possíveis no curso do processo, bem como a

existência de inúmeros prazos para ajuizamento das respectivas rescisórias à

medida em que as coisas julgadas fossem formadas.

Tal questão gerou divergência no Superior Tribunal de Justiça, tendo sido

pacificada no ano de 2009 pelo enunciado de Súmula de número 410 da

jurisprudência dominante daquela Corte.

O objetivo do presente trabalho é o estudo do prazo para ajuizamento da

ação rescisória em face da formação progressiva da coisa julgada, bem como a

análise da Súmula 410 do Superior Tribunal de Justiça juntamente com os

precedentes que fundamentaram a sua elaboração.

Para a consecução do presente trabalho, far-se-á, inicialmente, um

estudo da teoria da coisa julgada. Em seguida, passa-se à análise do meio de

impugnação à coisa julgada, qual seja, a ação rescisória. Por fim, far-se-á a análise

da teoria da formação progressiva da coisa julgada e suas implicações no dies a quo

para contagem do prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória, bem

como o exame da solução contemplada pelo Superior Tribunal de Justiça para a

controvérsia.

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1. COISA JULGADA

1.1 Nota introdutória

Uma vez processada e julgada a demanda submetida à apreciação do

Poder Judiciário, cabe ao julgador decidir no sentido do acolhimento ou não dos

pedidos formulados. Via de regra, é facultado às partes a possibilidade de impugnar

a decisão tomada pelo Judiciário. Ocorre que essa impugnabilidade das decisões

judiciais não é irrestrita, pena de se perpetuar-se a incerteza acerca da questão

apreciada pela justiça.

Assim, uma vez esgotados os meios de impugnação previstos na lei

processual, não há mais que se falar em debate, tornando-se imutável e indiscutível

o julgamento final, surgindo, assim, a coisa julgada.

A coisa julgada é uma técnica da qual se vale o legislador para quando

entender oportuno que os julgados permaneçam imutáveis e tenham força

vinculante entre as partes do processo e face à sociedade. Assim, esta surge como

uma garantia de segurança, impondo a definitividade da solução judicial acerca da

situação jurídica submetida à apreciação do juiz.

1.2 Coisa julgada formal e coisa julgada material

A coisa julgada, segundo Didier (2007, p. 478) é “a imutabilidade da

norma jurídica individualizada contida na parte dispositiva de uma decisão judicial”.

Essa mutabilidade, contudo, pode restringir-se aos limites do processo na qual foi

proferida ou projetar-se para além do mesmo. Daí a se distinguir coisa julgada

formal da coisa julgada material.

A coisa julgada formal é a imutabilidade da decisão judicial dentro do

processo em que foi proferida, para que não seja mais impugnada por meio de

recurso. Trata-se, no dizer de Didier (2007, p. 479) de “fenômeno endoprocessual”,

que ocorre com a irrecorribilidade da decisão judicial. Para Chiovenda (1998, p. 446-

461), a coisa julgada formal se confunde com a preclusão – perda do poder de

impugnar decisão no processo na qual foi proferida –, constituindo, assim, uma outra

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expressão para designar a situação idêntica. Liebman (2006, p. 68), contudo,

encabeça a doutrina majoritária que entende que preclusão e coisa julgada material

não se confundem, sendo aquela a perda de uma faculdade processual, enquanto

esta constitui uma qualidade da decisão judicial (a de imutabilidade dentro de um

processo).

A coisa julgada material, por sua vez, é a imutabilidade da decisão judicial

no processo em que foi produzida e em qualquer outro. A decisão se torna

inalterável e imutável dentro e fora do processo, possuindo, assim, “eficácia

endo/extraprocessual” (DIDIER, 2007, p. 479). A coisa julgada formal, portanto,

constitui um pressuposto para a formação da coisa julgada material, não se

confundindo com a mesma.

1.3 Requisitos da coisa julgada material

Para que se possa falar em imutabilidade da decisão judicial por via da

coisa julgada material, devem estar presentes quatro requisitos: i) a decisão há de

ser jurisdicional, sendo a coisa julgada característica exclusiva dos atos estatais

praticados no exercício da jurisdição; ii) a decisão deve versar sobre o mérito da

causa; iii) o mérito deve ter sido analisado em cognição exauriente; iv) que tenha

havido coisa julgada formal (DIDIER, 2007, p. 480).

As decisões de mérito são aquelas contempladas pelo art. 269 do Código

de Processo Civil. O legislador infraconstitucional optou por restringir a ocorrência de

coisa julgada material a tais hipóteses, nos termos do art. 468 do Código de

Processo Civil, que determina que “a sentença que julgar total ou parcialmente a

lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.

É necessário, ainda, que o mérito tenha sido examinado em cognição

exauriente, isto é, com conhecimento total dos fatos e após o devido processamento

do feito. Não há que se falar, assim, em coisa julgada fundada em cognição sumária,

a exemplo do que acontece nas decisões que antecipam a tutela.

Também há necessidade da formação da coisa julgada formal,

consistente na imutabilidade da decisão judicial adstrita ao processo em que foi

proferida, em razão da impossibilidade de impugnação (vide item 1.2). Tal

pressuposto pode ser observado a partir do art. 467 do Código de Processo Civil,

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que diz que “denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e

indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

1.4 Acepções da coisa julgada

Existem, na doutrina, inúmeras acepções acerca do instituto da coisa

julgada. Merecem maior destaque as seguintes: i) a coisa julgada como um efeito da

decisão judicial; ii) a coisa julgada como uma qualidade dos efeitos da decisão

judicial; iii) a coisa julgada como uma situação jurídica do conteúdo da decisão

A primeira corrente, que defende a coisa julgada como um efeito da

decisão judicial tem como adeptos, no Brasil, Pontes de Miranda (1997, t. 03, p.

157), Ovídio Baptista da Silva (2003, p. 81) e Araken de Assis (2001, p. 243). Essa

concepção tem influência do direito germânico, sendo encabeçada por Rosenberg,

Hellwig, dentre outros (LIEBMAN, 2006, p. 22).

Para estes doutrinadores, a coisa julgada está restrita ao elemento

declaratório da decisão. A coisa julgada, portanto “restringe-se a uma eficácia,

proveniente da inimpugnabilidade, que recobre a força ou o efeito da declaratório da

sentença, porquanto somente a declaração se revela, na prática, imutável e

indiscutível” (ASSIS, 2001, p. 243). Assim, a força vinculante da declaração da

existência de um direito que consistiria na autoridade da coisa julgada.

A segunda corrente, perfilhada por Liebman (2006, p. 21), tem

ressonância no pensamento de Cândido Rangel Dinamarco (2003, p. 303-304),

Teresa Arruda Alvim Wambier (2003, p. 19-20), dentre outros.

Para Liebman, não há que se confundir os efeitos da sentença (mais

precisamente, o efeito declaratório) com a autoridade da coisa julgada. A coisa

julgada, desta forma, não constitui um efeito da sentença, mas o modo como se

manifestam esses efeitos em geral (2006, p. 23).

O Código de Processo Civil brasileiro, contudo, adotou a primeira

concepção (art. 467). A redação inicial do Código de Processo, elaborada por

Alfredo Buzaid e de inequívoca influência liebmaniana, restou rejeitada. Na redação

do anteprojeto, coisa julgada era conceituada como “a eficácia, que torna imutável e

indiscutível o efeito da sentença”. O legislador adotou o conceito de coisa julgada

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como aquilo que torna imutável e indiscutível a própria sentença, não apenas os

seus efeitos (vide art. 467 do Código de Processo Civil).

A última corrente entende a coisa julgada como uma situação jurídica do

conteúdo da decisão. Isso significaria dizer que o conteúdo da decisão, no seu

comando, composto pela norma jurídica individualizada para o caso concreto, seria

imutável. Barbosa Moreira (1977, p. 82) é o principal expoente dessa corrente.

Para Moreira (1977, p. 88-89), toda sentença, meramente declaratória ou

não, contém a norma jurídica concreta que deve disciplinar a situação submetida à

análise judicial. Em algum momento, pois, a sentença proferida nesse processo

sofre uma mutação em sua condição jurídica. Antes mutável, passa a ser imutável e

indiscutível. O que se coloca como indiscutível, assim, não são os efeitos da

sentença, porquanto disponíveis e alteráveis, mas a norma jurídica nela contida.

1.5 Formação da coisa julgada

Quanto ao modo de produção, existem três espécies de coisa julgada: i)

coisa julgada pro et contra; ii) coisa julgada secundum eventum litis; e iii) coisa

julgada secundum eventum probationis.

A coisa julgada pro et contra é a que se forma não importa qual seja o

resultado do processo, isto é, não importando o teor da decisão judicial proferida.

Assim, não importa se a decisão é de procedência ou improcedência, sempre tal

decisão poderá formar coisa julgada. É essa a regra geral adotada pelo Código de

Processo.

Em seguida, há a coisa julgada secundum eventum litis. Essa espécie de

coisa julgada é produzida somente quando a demanda for julgada procedente. Em

caso contrário, isto é, na hipótese da demanda ser julgada improcedente, ela poderá

ser reproposta, conquanto tratar-se de decisão que não produz coisa julgada

material. Com efeito, essa modalidade de coisa julgada não é bem vista, pois trata

as partes de maneira desigual. Como exemplo dessa espécie de coisa julgada, tem-

se a resultante da ação coletiva que disponha acerca de direitos individuais

homogêneos, prevista pelo Art. 103, III do Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, tem-se a coisa julgada secundum eventum probationis, que só se

forma quando há esgotamento das provas, isto é, se a demanda for julgada

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procedente (oportunidade em que as provas restam esgotadas) ou improcedente

com suficiência de provas. Assim, se a decisão proferida julgar a ação improcedente

por insuficiência de provas, não há formação da coisa julgada. Na regra geral, essa

hipótese tornar-se-ia indiscutível pela coisa julgada. No caso de coisa julgada

secundum eventum probationis, ocorre o contrário. A título exemplificativo, tem-se o

art. 18 da Lei n. 4.717/65 (da Ação Popular).

1.6 Limites da coisa julgada material

A extensão dos limites da coisa julgada material pode ser analisada em

duas dimensões. São elas: i) os limites objetivos da coisa julgada, que consiste no

que se submete aos seus efeitos; e ii) os limites subjetivos da coisa julgada, que

dizem respeito a quem se submete aos seus efeitos.

1.6.1 Limites objetivos

Como já analisado nos itens acima, a decisão é ato jurídico que possui,

em seu núcleo, uma norma jurídica individualizada e de aplicação para o caso

concreto, estabelecida no dispositivo da sentença. Somente se submete à coisa

julgada material a norma jurídica concreta, constante do dispositivo, que julga o

pedido. Questões incidentes (relativas à análise de provas, p. ex.), portanto, não

fazem coisa julgada.

Ao tratar sobre os limites objetivos da coisa julgada, Barbosa Moreira

(1977, p. 93) exemplificou a questão de forma bastante clara. Para o processualista,

caso um locador ajuíze uma ação de despejo alegando que o locatário cometeu

infração contratual grave (dano ao prédio alugado) e, no curso do processo, restar

demonstrado por meio da análise das provas que tal fato ocorreu, é perfeitamente

possível que, em demanda posterior, na qual o primeiro venha a cobrar do segundo

a indenização pelo dando sofrido, venha o órgão judicial rejeitar o pedido

entendendo que não restou suficientemente demonstrada a danificação.

A posição adotada na legislação pátria é nesse sentido. O art. 468 do

Código de Processo Civil dispôs que “a sentença que julgar total ou parcialmente a

lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”. Veja-se que o

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legislador atribui à sentença força de lei apenas nos limites da lide e das questões

decididas. A lide decidida, por sua vez, resta limitada pelo pedido levado à juízo pela

parte. E o dispositivo da sentença atem-se a este pedido, surgindo, assim, a norma

individualizada para o caso concreto (MOREIRA, 1977, p. 91).

A despeito da clareza do art. 468 do Código de Processo Civil, os artigos

469 e 470 reforçam a ideia de que as questões incidentes não se restam

inquebrantáveis pela coisa julgada.

1.6.2 Limites subjetivos

Os limites subjetivos, como dantes mencionado, consistem em quem está

sujeito à coisa julgada. Assim, a coisa julgada pode operar i) inter partes; ii) ultra

partes; e iii) erga omnes.

A coisa julgada inter partes é a regra do sistema processual brasileiro,

restando prevista no art. 472 do Código de Processo Civil. O referido artigo

determina que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não

beneficiando nem prejudicando terceiros”. Com efeito, trata-se de dispositivo que

visou atender às garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do

contraditório, já que garantiu que nenhuma parte pudesse ser atingida pelos efeitos

da coisa julgada sem que se lhe tivesse garantido acesso à justiça e oportunidade

de defender-se. Segundo Eduardo Talamini (2004, p. 203), ao se estabelecer como

imutável uma decisão perante terceiro, sem oportunizar-lhe participação no

processo, constitui frontal violação àqueles princípios.

Conquanto seja considerado o efeito inter partes da coisa julgada a regra

geral, existem exceções segundo as quais o terceiro pode ser atingido pela decisão

jurisdicional passada em julgado.

A coisa julgada ultra partes atinge não só as partes que constituem a

relação processual, como também terceiros que não participaram do processo,

vinculando-os ao quanto decidido pelo órgão jurisdicional. Os exemplos por

excelência dessa hipótese podem ser vislumbrados nos casos de substituição

processual, em que o substituído, conquanto não tenha figurado como parte na

demanda, tem sua esfera de direitos alcançada pelos efeitos da decisão judicial

passada em julgado.

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Por derradeiro, a coisa julgada erga omnes é aquela cujos efeitos atingem

todos os que se submetem à jurisdição, independente de terem participado do

processo. É o que ocorre com a coisa julgada produzida nas ações de controle

concentrado de constitucionalidade, por exemplo. Para tanto, veja-se o parágrafo

único do art. 28 da Lei n. 9.868/99 que diz que “a declaração de constitucionalidade

ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a

declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia

contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à

Administração Pública federal, estadual e municipal.”.

1.7 Efeitos da coisa julgada

A coisa julgada tem o condão de produzir três efeitos: i) positivo; ii)

negativo; e iii) preclusivo.

O efeito negativo da coisa julgada é aquele que impede que a questão

definitivamente decidida seja novamente discutida e julgada em outro

pronunciamento judicial (MITIDIERO, 2004, p. 204-205). O efeito positivo da coisa

julgada, por sua vez, vincula o julgador de outras causas ao quanto decidido no

processo judicial no qual a coisa julgada fora produzida. Assim, na hipótese de se

devolver como incidental a coisa julgada produzida em outro processo, deve o

julgador ater-se ao quanto decidido onde a mesma fora produzida.

O efeito preclusivo da coisa julgada está previsto no art. 474 do Código de

Processo Civil, que determina sejam reputadas como “deduzidas e repelidas todas

as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à

rejeição do pedido”. Noutras palavras, a coisa julgada impede a rediscussão de

quaisquer questões que poderiam ser alegadas mas não foram. Essas questões

“perdem, por assim, dizer, toda a relevância que pudessem ter em relação à matéria

julgada” (MOREIRA, 1977, p. 100).

Nos dizeres de Didier (2007, p. 495), “a coisa julgada cria uma sólida

armadura em torno da decisão, tornando irrelevantes quaisquer razões que se

deduzam no intuito de revê-la”.

Também é possível que a coisa julgada produzida na esfera cível produza

efeitos na esfera penal. A hipótese contrária também pode vir a ocorrer.

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Page 18: Monografia

1.8 Revisão da coisa julgada material

A coisa julgada material, conquanto revestida, via de regra, de

imutabilidade, pode ser revisada. O ordenamento jurídico pátrio previu os seguintes

instrumentos: i) a querela nulitatis ou exceptio nulitatis; ii) a impugnação com base

na existência de erro material; iii) a impugnação de sentença inconstitucional; e iv) a

ação rescisória.

A querella nulitatis é o meio de impugnação da decisão proferida em duas

hipóteses: i) quando a decisão for desfavorável ao réu e proferida em processo que

correu à sua revelia por ausência de citação; e ii) quando a decisão for desfavorável

ao réu e proferida em processo que correu à sua revelia por citação defeituosa. Tais

hipóteses são previstas pelos artigos 475-L, I, e 741, I do Código de Processo Civil.

A querella nulitatis é imprescritível e não se submete a qualquer prazo decadencial.

A revisão da sentença inconstitucional é prevista pelo art. 475-L, §1o do

Código de Processo Civil, que determina sejam inexigíveis os títulos judiciais

fundados em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo

Tribunal Federal.

Por fim, tem-se a ação rescisória. Trata-se de uma ação de impugnação

da decisão de mérito transitada em julgado que tenha algum dos vícios previstos no

art. 485 do Código de Processo Civil.

Passa-se, portanto, ao estudo aprofundado dessa modalidade de

impugnação à coisa julgada.

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2 AÇÃO RESCISÓRIA

2.1 Notas introdutórias

Ação rescisória possui a natureza de ação autônoma cujo fim é a revisão

da decisão de mérito transitada em julgada, desde que presente pelo menos uma

das hipóteses do art. 485 do Código de Processo Civil. Não é um recurso, pois não é

prevista em lei como tal. Ademais, recursos não inauguram uma nova relação

processual, ao passo que a ação rescisória inaugura um processo novo. Trata-se,

portanto, de uma ação autônoma de impugnação. É, assim, uma ação

desconstitutiva ou constitutiva negativa, já que visa o desfazimento da coisa julgada

material dantes formada.

2.2 Pressupostos da ação rescisória

Para a propositura da ação rescisória, assim como toda ação, deve-se

observar seus pressupostos processuais. Para a rescisória, é necessária a

observância aos seguintes pressupostos: i) decisão de mérito transitada em julgado;

ii) subsunção a uma das hipóteses de rescindibilidade contempladas pelo art. 485 do

Código de Processo Civil; iii) observância ao prazo decadencial de dois anos.

Não há que se falar em ação rescisória sem que reste demonstrado a

ocorrência de uma das hipóteses do art. 485 do Código de Processo Civil. O rol é

taxativo, numerus clausus, “não se admitindo ampliação por interpretação analógica

ou extensiva” (NERY JUNIOR, 2003, p. 829). A entendimento acerca da inadmissão

de interpretação ampliativa ou analógica é unânime na doutrina e na jurisprudência e

tem como fundamento a proteção constitucional da coisa julgada (BUENO, 2004, p.

1475).

A doutrina considera a existência de duas hipóteses de cabimento de

ação rescisória que excedem o quanto previsto pelo art. 485 do Código de Processo.

A primeira, constante nos artigos 1.029 e 1.030 do mesmo diploma, são explícitas.

Trata-se do cabimento de ação rescisória contra a decisão que julga a partilha

(MOREIRA, 2005, p. 155). A outra hipótese é contemplada por Barbosa Moreira,

para quem “é lícita a interpretação extensiva que se limita a revelar o verdadeiro

alcance da norma, quando a lei minus dixit quam voluit” (2005, p. 154). É o caso da

19

Page 20: Monografia

interpretação do art. 485, inciso VIII (houver fundamento para invalidar confissão,

desistência ou transação, em que se baseou a sentença), “em que se deve

compreender como incluída nele a previsão de rescisória contra sentença que se

basear em reconhecimento da procedência do pedido” (DIDIER, 2006, p. 246).

2.3 Objeto da ação rescisória

O objeto da ação rescisória é a decisão de mérito transitada em julgado.

Não cabe, pois, ação rescisória contra decisão que decida acerca de matéria

estranha ao mérito da causa. No entender de Barbosa Moreira (2005, p. 102),

“tampouco é possível rescindir acórdão que julgue recurso contra decisão,

interlocutória ou final, de primeiro grau ou de graus superior, sobre matéria estranha

ao meritum causae”.

É tranquilo na doutrina o entendimento segundo o qual exige-se, para

propositura da ação rescisória, além dos requisitos comuns a qualquer demanda

(condições de ação e pressupostos processuais), os seguintes: i) decisão de mérito

transitada em julgado; e ii) subsunção a uma das hipóteses de rescindibilidade

(enumerados no art. 485 do Código de Processo Civil).

O que importa, assim, é o trânsito em julgado. Não importa se tenha

ocorrido porque a parte não interpôs recurso ou interpôs todos os recursos.

Tampouco se exige que tenham sido esgotadas todas as instâncias recursais para a

propositura da ação rescisória, em consonância com o entendimento consolidado na

súmula 514 do Supremo Tribunal Federal. (DIDIER, 2006, p. 247).

2.4 Legitimidade

Tem legitimidade para propor ação rescisória, nos termos do art. 487 do

Código de Processo Civil, “quem foi parte no processo ou seu sucessor a título

universal ou singular”, bem como o “terceiro juridicamente interessado”. O Ministério

Público também pode propor ação rescisória, desde que configuradas as hipóteses

das alíneas a e b do inciso III do Art. 487. Quais sejam: i) quando o Ministério

Público não tiver sido ouvido no Processo em que era obrigatório intervir; ii) em caso

de colusão das partes, a fim de fraudar a lei.

20

Page 21: Monografia

Importante observar que a jurisprudência do Tribunal Superior do

Trabalho (Súmula n. 407) é no sentido de que as hipóteses de legitimidade ad

causam do Ministério Público contempladas no Código de Processo Civil são

meramente exemplificativas, podendo os mesmo propor ação rescisória ainda que

não tenha sido parte do processo em hipóteses outras que não as das alíneas do

inciso III do art. 487.

Não há, no Código de Processo Civil, menção à legitimidade passiva da

ação rescisória. Na doutrina, tranquilo é o entendimento segundo o qual todos os

partícipes da relação processual oriunda da ação original devem ser citados, na

qualidade de litisconsortes necessários, já que a decisão a ser proferida na ação

rescisória atingirá a esfera jurídica de todos. Nesse sentido, se o objeto da ação

disser respeito apenas a um dos participantes da ação matriz, somente esses

devem ser citados como litisconsortes necessários. (DIDIER, 2006, p. 254)

Didier (2006, p. 254) também entende ser possível que o legitimado para

integrar o polo passivo da ação rescisória não tenha integrado a relação processual

originária. Tal hipótese tem relação direta com o pedido deduzido no juízo rescisório.

A título exemplificativo, tem-se a ação rescisória cujo objetivo é a desconstituição do

capítulo da sentença reservado à condenação ao pagamento de honorários

advocatícios. Nessa hipótese, o advogado da parte no processo matriz, agora um

terceiro, apresenta-se na posição de parte da relação jurídica que está sendo objeto

de discussão da ação rescisória.

Portanto, a regra geral é no sentido de que a legitimidade passiva na ação

rescisória está diretamente ligada ao capítulo da decisão que se busca desconstituir,

para que se possa identificar o titular do direito ali certificado.

Nesse sentido, no caso de substituição processual, tendo algum

legitimado extraordinário ocupado a posição de autor ou réu e subsistindo essa

legitimação extraordinária, é da participação desse substituto que se tem que cogitar

na rescisória. Ressalte-se que, se a sentença for complexa e o pedido de rescisão

visar um distinto capítulo, desnecessária se faz a citação daquele que, conquanto

parte no processo originário, não diga respeito ao capítulo rescindendo. (MOREIRA,

1998, p. 174).

2.5 Competência

21

Page 22: Monografia

A competência originária para julgar as ações rescisórias é dos tribunais.

A regra geral de competência para processar e julgar ações rescisórias é a seguinte:

“os tribunais julgam as ações rescisórias dos seus próprios julgados” (DIDIER, 2006,

p. 255). Em se tratando de decisões proferidas por juízes de primeiro grau, estas

são desconstituídas por ação rescisória processada e julgada pelo tribunal ao qual

está vinculado.

Assim, o Supremo Tribunal Federal é competente para processar e julgar

as ações rescisórias dos seus julgados (art. 102, I da Constituição Federal). O

Superior Tribunal de Justiça é competente para julgar as ações rescisórias do seus

julgados (art. 105, I, e da Constituição). Os Tribunais Regionais Federais, por sua

vez, processam e julgam as ações rescisórias de seus julgados (art. 108, I, b da

Constituição). Os Tribunais de Justiça também possuem competência para julgar as

ações rescisórias de seus julgados, regra geralmente insculpida nas Constituições

Estaduais. Da decisão proferida por um juiz federal, cabe ação rescisória para o

respectivo Tribunal Regional Federal. De igual forma com os Tribunais de Justiça.

Caso não haja recurso de apelação da sentença de mérito, é ela que

transita em julgado, devendo a ação rescisória ser ajuizada junto ao tribunal ao qual

o juízo está vinculado. Em caso de apelação não conhecida, não é o acórdão do

tribunal que transita em julgado, pois não se opera o efeito substitutivo. Assim,

continua a sentença transitando em julgado. (NERY JUNIOR, 2004, p. 489). Caso

contrário, sendo a apelação conhecida, vários resultados são possíveis.

Se a apelação for não provida ou provida para reformar a sentença,

opera-se o efeito substitutivo. Não havendo recursos contra o acórdão, é contra este

que deverá ser intentada possível ação rescisória. Se contra o acórdão do Tribunal

for interposto recurso especial e este venha a ser conhecido, é contra a decisão

proferida pelo Superior Tribunal de Justiça que cabe ação rescisória.

Na hipótese de se prover a apelação para anular a sentença, não há

efeito substitutivo, já que nova decisão deverá ser proferida pelo juízo singular.

(DIDIER, 2006, p. 256).

2.6 Hipóteses de cabimento da ação rescisória

As hipóteses previstas no art. 485 do Código de Processo Civil

correspondem à causa de pedir que fundamenta a rescisão do julgado. Para

22

Page 23: Monografia

Barbosa Moreira (1989, p. 205), “a cada fundamento típico (não a cada inciso)

corresponde uma possível causa de pedir.” Assim, quando alguém ajuíza ação

rescisória com invocação de dois ou mais fundamentos, o que se está propondo são

duas ou mais ações cumuladas. (MOREIRA, 1989, p. 205)

2.6.1 Se verificar que a decisão foi dada por prevaricação, concussão ou

corrupção do juiz

O inciso I do art. 485 contempla a hipótese de cabimento da ação

rescisória quando a decisão de mérito transitada em julgado tiver sido dada por

prevaricação, concussão ou corrupção do juiz. Cabível será a rescisória, pois se o

juiz tiver praticado uma conduta penal típica, cometendo os crimes elencados no

inciso I do art. 485 do Código de Processo Civil.

Para Pontes de Miranda (1998, p. 228-229), não há necessidade de se

ater aos textos do direito penal, mas a configuração daqueles crimes deve se dar

nos termos do quanto disposto no Código Penal. A interpretação extensiva não é

possível nesse dispositivo, já que prevaricação, concussão e corrupção não são

conceitos vagos, tampouco constituem termos juridicamente indeterminados. Daí a

se falar na estrita observância ao Código Penal. (WAMBIER, 2002, p. 686)

Para que se verifique o cabimento da ação rescisória na hipótese do

inciso I do art. 485, também não há necessidade de prévia condenação criminal do

magistrado, ou mesmo a existência de ação penal em curso. Basta que a prática do

crime seja demonstrada e comprovada nos autos da ação rescisória. (BUENO,

2004, p. 1.475; MOREIRA, 1994, p. 108; NERY JUNIOR., 2002, p. 829; PORTO,

2000, p. 305; RIZZI, 1982, p. 54; SOUZA, 2004, p. 732)

2.6.2 Decisão proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente

Também é rescindida a sentença proferida por juiz impedido ou

absolutamente incompetente. O impedimento se dá nas hipóteses dos artigos 134 e

136 do Código Processo Civil. O impedimento é um vício do juiz, ao passo que a

rescisória é um vício do juízo.

O que enseja a ação rescisória é apenas a incompetência absoluta, não

cabendo ação rescisória da sentença proferida em casos de incompetência relativa.

23

Page 24: Monografia

2.6.3 Dolo ou conluio entre as partes

O inciso III do art. 485 do Código de Processo Civil desdobra-se em duas

hipóteses: cabe rescisória quando tiver havido dolo da parte vencedora ou conluio

entre as partes para fraudar a lei. Tais dispositivos estão intrinsecamente ligados

aos deveres de lealdade e boa-fé, bem como o respeito ao devido processo legal.

A rescisória, nesses casos, está relacionada ao ato das partes. O dolo

induz o juiz a erro, devendo a rescisória constituir razão determinante ao resultado

que chegou o juiz. Há que se verificar, então, o nexo de causalidade entre a conduta

da parte e o provimento jurisdicional (MOREIRA, 1994, p. 125). A colusão das partes

também induz o juízo a erro, sendo bilateral, enquanto o dolo é unilateral,

restringindo-se à parte vencedora.

2.6.4 Ofensa a coisa julgada

A proteção à coisa julgada dada pelo ordenamento jurídico pátrio justifica

essa hipótese de rescindibilidade. Em regra, o acolhimento da pretensão veiculada

na rescisória dessa hipótese gera apenas juízo rescindente, não devendo o tribunal

proferir novo julgamento, pena de se violar, novamente, a coisa julgada.

2.6.5 Violar disposição de lei

O inciso V do art. 485 contempla a hipótese de se ajuizar ação rescisória

por violação a dispositivo literal de lei. O entendimento doutrinário é tranquilo no

sentido de que lei, nos termos do artigo mencionado, abrange todo ato de conteúdo

normativo, constituindo sinônimo de norma jurídica (BUENO, 2004, p. 1477). Assim,

sua violação pelo julgado enseja a possibilidade de se ingressar com ação

rescisória.

2.6.6 Prova falsa

Cabe rescisória, ainda, quando a sentença de mérito fundar-se em prova

falsa (art. 485, VI). A falsidade da prova deve ter sido devidamente apurada em

24

Page 25: Monografia

processo criminal ou apurada na própria ação rescisória (DIDIER, 2006, p. 278).

Deve-se demonstrar, na rescisória, que a falsidade da prova guarda nexo de

causalidade com a decisão rescindenda.

2.6.7 Documento novo

A ação rescisória também é cabível quando o autor, após a sentença,

obtiver documento novo (art. 485, VII). Nesse caso, por documento novo deve-se

entender o documento que não pertencia à causa. Novo, portanto, não é o

documento confeccionado posteriormente, mas que, dantes existente, não fora

juntado aos autos (MOREIRA, 1994, p. 122). No mesmo sentido das disposições

anteriores, o documento falso deve possuir o condão de modificar a decisão

proferida ante o seu desconhecimento.

2.6.8 Houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação,

em que se baseou a sentença

Cabe ação rescisória, ainda, quando houver fundamento para invalidar

confissão, desistência ou transação em que se baseou a sentença. Por “desistência”

deve-se entender renúncia. É que a desistência, em regra, não impede o autor de

intentar nova ação, enquanto a renúncia faz coisa julgada material. (BUENO, 2004,

p. 1480). No que diz respeito à confissão, esta só pode ser anulada em caso de erro

ou coação (Art. 214 do Código Civil). Em se tratando da confissão, somente caberá

ação rescisória se a sua homologação fizer coisa julgada material (hipóteses de

resolução do mérito).

2.6.9 Decisão fundada em erro de fato

Cabe ação rescisória se a decisão que se visa desconstituir for baseada

em erro de fato, resultante de atos praticados ou documentos juntados aos autos. É

a hipótese do art. 485, IX do CPC. A doutrina elenca os seguintes requisitos para

que se configure o erro de fato: i) que a sentença se funde no mesmo; ii) que o erro

seja apurável mediante exame dos documentos e peças dos autos, não se

admitindo a produção de novas provas; iii) não ter havido controvérsia sobre o fato;

25

Page 26: Monografia

iv) que não tenha havido pronunciamento judicial acerca do erro de fato. (MOREIRA,

1994, p. 148-149).

O erro de fato denota a existência de uma decisão injusta, que deve ser

desconstituída. Para que o provimento judicial seja adequado, necessário se faz que

se suponha corretamente os fatos, caso contrário as consequências jurídicas a eles

emprestados serão equivocadas.

2.7 Juízo rescindente e juízo rescisório

No juízo rescindente (ou rescindens) será decidido se deve, ou não, ser

desconstituída a ação coisa julgada atacada. Consiste no pedido, formulado pelo

autor da rescisória, para que seja desconstituída a decisão transitada em julgado.

Esse juízo está presente em todas as hipóteses previstas no art. 485 do Código de

Processo Civil, pois caracteriza a ação rescisória como tal (BUENO, 2004, p. 1494).

O juízo rescisório, por sua vez, é o novo julgamento da causa. O exercício

do julgamento rescisório depende do acolhimento do juízo rescindente, sendo este

preliminar àquele. Assim, desconstituída a decisão transitada em julgado, com o

acolhimento do juízo rescindente, o tribunal passa ao exame do juízo rescisório,

fazendo um novo julgamento da causa, julgando procedente ou improcedente o

pedido formulado na causa originária.

A ação rescisória desencadeia o exercício de três juízos. Quais sejam: i)

de admissibilidade; ii) rescindente; e iii) rescisório. No primeiro, o tribunal analisa o

cabimento da ação rescisória, analisando a presença dos pressupostos processuais,

bem como as condições da ação. No juízo rescindente, decide-se se é

desconstituída ou não a coisa julgada. No juízo rescisório, julga-se a o mérito da

causa.

Assim, o pedido na ação rescisória divide-se em duas pretensões: i) juízo

rescindente; e ii) juízo rescisório. O tribunal, quando da análise do pedido, aprecia a

pretensão quanto a rescisão da sentença (desconstituição da coisa julgada) e novo

julgamento da causa. O juízo rescindente está ligado às hipóteses do art. 485 do

Código de Processo Civil, enquanto o juízo rescisório está relacionado ao direito

material pleiteado na ação originária.

2.8 Prazo

26

Page 27: Monografia

O prazo para ajuizamento da ação rescisória é previsto no art. 495 do

Código de Processo Civil, que diz que “o direito de propor ação rescisória se

extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.” Trata-se,

portanto, de “decadência legal, devendo o tribunal conhecer de ofício a situação que

retrate ter sido a rescisória intentada além do prazo previsto”. (DIDIER, 2006, p. 260)

A contagem do prazo de dois anos para ajuizamento da ação rescisória

inicia-se do trânsito em julgado da decisão final. Ocorre, entretanto, que existem

situações em que a contagem do prazo decadencial de dois anos não ocorre tão

facilmente quanto se imagina a partir da dicção legal. São esses os casos a serem

analisados no próximo capítulo do presente trabalho, bem como a análise da

jurisprudência dos tribunais pátrios sobre a questão.

27

Page 28: Monografia

3 FORMAÇÃO PROGRESSIVA DA COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA

3.1 Os capítulos da sentença e a formação progressiva da coisa julgada

Muito embora seja formalmente única, é possível se estabelecer uma

cisão lógica da decisão judicial. São inúmeras as hipóteses. Por exemplo, quando a

decisão versa sobre mais de uma pretensão, isto é, quando há cumulação de

pedidos. Ou quando, não obstante seja uma única pretensão, esta seja possa ser

decomposta, isto é, quando tratar de coisas suscetíveis de contagem, medição ou

quantificação. Ou mesmo quando o juízo, ao analisar, no corpo da decisão,

questões processuais, as repelindo e passando à análise do objeto litigioso

propriamente dito.

Pode-se dizer, portanto, que capítulo de sentença é “toda unidade

autônoma contida na parte dispositiva de uma decisão judicial” (DINAMARCO, 2006,

p. 69). Essa unidade pode ser um capítulo puramente processual, dispondo acerca

da possibilidade de se passar à análise do mérito. Também pode ser um capítulo de

mérito, que se pronuncia sobre o objeto litigioso (DINAMARCO, 2006, p. 38-42).

Também há que se falar na possibilidade de cisão jurídica do dispositivo,

levando-se em conta decomposição do tipo de provimento pleiteado. (DINAMARCO,

2006, p. 74-75).

A noção dos capítulos de sentença é essencial para a teoria dos recursos.

É que, na hipótese de recurso parcial (que impugna só um dos capítulos

desfavoráveis), há, em regra, preclusão quando à discussão sobre capítulos não

impugnados.

O recurso parcial é aquele que, por limitação voluntária, não acoberta

todo o conteúdo impugnável da decisão. O recurso integral, por sua vez, impugna

todos os capítulos da decisão, devolvendo ao tribunal toda a matéria decidida. Ao

examinar o efeito devolutivo da apelação, Ovídio Baptista da Silva (2000, p. 429)

entendeu ser possível o recorrente reduzir os limites desse efeito recorrendo apenas

de uma parte da decisão.

Na hipótese de recurso parcial, não cabe ao tribunal examinar questões

que não compreendidas na apelação. É que o silêncio das partes fez com que se

consumasse a coisa julgada.

28

Page 29: Monografia

Pois bem. O entendimento majoritário da doutrina, portanto, é no sentido

de que há a possibilidade de a decisão judicial, caso recorrida parcialmente, ter seu

trânsito em julgado igualmente fracionado. Como consequência, as resoluções de

mérito proferidas em momentos distintos fazem com que as decisões transitem em

julgado em momentos igualmente diferentes, produzindo, assim, coisa julgada. A

esse fenômeno a doutrina deu o nome de “formação progressiva da coisa julgada”

ou “coisa julgada progressiva”.

3.2 Coisa julgada progressiva e prazo decadencial para ajuizamento da ação

rescisória

O prazo para ajuizamento da ação rescisória, como dantes mencionado, é

de 2 (dois) anos. O Código de Processo Civil, de maneira bastante clara, estipulou

que este prazo é contado do trânsito em julgado da decisão que se visa

desconstituir. Em se tratando da hipótese acima, isto é, da formação progressiva da

coisa julgada, surgem controvérsias acerca do início do prazo para ajuizamento da

ação rescisória.

Como já demonstrado, um único feito, um único “caderno processual”,

pode reunir diversas pretensões teoricamente distintas entre si. A título

exemplificativo: suponha-se que numa mesma ação o autor pede danos morais e

materiais por conta do mesmo fato. O juízo de primeiro grau defere ambos os

pedidos, reservando um capítulo para cada um deles e, assim, proferindo sentença

judicial objetivamente complexa. A parte ré, irresignada com a condenação em

danos materiais, interpõe recurso de apelação, que resta provido pelo Tribunal de

Justiça.

Houve, portanto, de acordo com a teoria processualista, trânsito em

julgado dos danos materiais a partir do momento em que a parte ré optou por não

devolver tal matéria ao tribunal. Os danos morais, contudo, transitarão em julgado

quando encerradas a sua discussão pelas instâncias superiores.

Não é difícil vislumbrar as consequências práticas do trânsito em julgado

por capítulos e da formação progressiva da coisa julgada, mormente no que diz

respeito à ação rescisória. Na hipótese de a parte ré decidir ajuizar a ação

desconstitutiva, quando se deve iniciar a contagem do prazo decadencial de dois

anos previsto no art. 495 do Código de Processo Civil?

29

Page 30: Monografia

A priori, resposta lógica e que coaduna com o entendimento majoritário da

doutrina acerca da formação progressiva da coisa julgada é aquela no sentido de

que a contagem de prazo para ajuizamento da ação rescisória se dará no momento

de cada trânsito em julgado.

No sentido da teoria da formação progressiva da coisa julgada, se algo da

decisão transitou em julgado (seja por ter ficado por fora do alcance do recurso ou

por não ter sido conhecido no órgão ad quem), a ação rescisória deve ser ajuizada

contra a decisão recorrida. Assim, quando o vício residir na parte unânime de

acórdão proferido em grau de apelação e não naquela que tenha dado ensejo aos

embargos infringentes, é da parte unânime que cabe ação rescisória, porquanto

tenha transitado em julgado. Naturalmente, poder-se-ia falar em outra ação

rescisória contra o acórdão dos embargos infringentes. Ambas com seus

fundamentos distintos (MOREIRA, 1994, p. 317-318).

Para Pontes de Miranda, haveriam tantas ações rescisórias quantas

decisões transitadas em julgado em diferentes juízos e nas diferentes jurisdições. O

prazo preclusivo para a rescisão da sentença proferida sem recurso ou daquela que

do recurso não conheceu, inicia-se com o trânsito em julgado da decisão irrecorrida.

Havendo recurso, deve-se distinguir o que se conheceu do que não se conheceu.

Portanto, a extensão da ação rescisória se daria não pelo pedido, mas pela

sentença em que se compõe o pressuposto de rescindibilidade. Logo, se a sentença

possuía três pedidos e o julgamento acerca de cada um foi em três graus de

jurisdição, há tantas rescisórias quanto graus de jurisdição (MIRANDA, 2003, p.

355).

Conquanto majoritário, esse entendimento não era pacífico na doutrina ou

mesmo na jurisprudência. Coadunando com o entendimento acerca da formação

progressiva da coisa julgada, pode-se verificar o seguinte precedente:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO

RESCISÓRIA. PRAZO PARA O AJUIZAMENTO. TERMO INICIAL.

DECADÊNCIA. QUESTÕES AUTÔNOMAS EM UMA SÓ DECISÃO.

IRRESIGNAÇÃO PARCIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA MATÉRIA NÃO

IMPUGNADA. PRAZOS DISTINTOS. SÚMULA Nº 514/STF. RECURSO

IMPROVIDO.

1. "1. O termo inicial do prazo decadencial para a propositura de ação

rescisória não se conta da última decisão proferida no processo, mas,

30

Page 31: Monografia

sim, do trânsito em julgado da que decidiu a questão que a parte

pretende rescindir.

2. Deliberando o magistrado acerca de questões autônomas, ainda que

dentro de uma mesma decisão, e, como na espécie, inconformando-se a

parte tão-somente com ponto específico do decisum, olvidando-se, é certo,

de impugnar, oportunamente, a matéria remanescente, tem-se-na

induvidosamente por transito em julgado.

3. A interposição de recurso especial parcial não obsta o trânsito em

julgado da parte do acórdão federal recorrido que não foi pela insurgência

abrangido.

4. 'Se partes distintas da sentença transitaram em julgado em momentos

também distintos, a cada qual corresponderá um prazo decadencial com

seu próprio dies a quo: vide PONTES DE MIRANDA, Trat. da ação resc., 5ª

ed., pág. 353.' (in Comentários ao Código de Processo Civil, de José Carlos

Barbosa Moreira, volume V, Editora Forense, 7ª Edição, 1998, página 215,

nota de rodapé nº 224).

5. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. (...)" (REsp 381.531/RS,

da minha Relatoria, in DJ 19/12/2002).

2. "Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda

que contra ela não se tenham esgotado todos os recursos." (Súmula do

STF, Enunciado nº 514).

3. Em sendo a matéria deduzida e apreciada no recurso extraordinário

estranha aos fundamentos do pedido rescisório, é de se reconhecer a

decadência da ação rescisória, seja pelo prazo de dois anos previsto no

artigo 495 do Código de Processo Civil, seja pelo prazo de quatro anos

estabelecido pela Medida Provisória nº 1.703-16, que deu nova redação ao

artigo 188, inciso I, do Código de Processo Civil, contados do trânsito em

julgado do acórdão proferido pelo Tribunal a quo.

4. Recurso especial improvido.

(REsp 299.029/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA

TURMA, julgado em 26/05/2004, DJ 25/10/2004, p. 399, grifou-se)

Em sentido contrário, entendeu o Superior Tribunal de Justiça, no mesmo

ano de 2004, pela impossibilidade da formação progressiva da coisa julgada. Senão

se veja:

EMBARGOS À EXECUÇÃO. RECURSO ESPECIAL. EXPURGO

INFLACIONÁRIO. PLANO REAL. NÃO-OCORRÊNCIA. JUROS DE MORA.

INCIDÊNCIA. TRANSITO EM JULGADO. COISA JULGADA MATERIAL.

ARTIGO 467 DO CPC.

1. Esta Corte pacificou entendimento de que não houve expurgo

inflacionário no período do Plano Real. Precedentes.

31

Page 32: Monografia

2. Enquanto a sentença estiver passível de recurso parcial ou total não

estará resolvida a lide e não ocorrerá a coisa julgada material, que

somente se consubstancia quando encerrada a lide pela sentença de

que não caiba mais recurso ordinário ou extraordinário.

3. No curso do processo não há que se falar em coisa julgada material,

mesmo quando remanescente, porque inatacada, parte da sentença.

4. A incidência dos juros de mora deve dar-se a partir do trânsito em julgado

da decisão em que se operou a coisa julgada material.

5. Recurso especial provido.

(REsp 636194/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA,

julgado em 10/08/2004, DJ 20/09/2004, p. 270. Grifou-se)

No ano de 2009, enfim, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o

entendimento acerca da contagem do prazo para ajuizamento da ação rescisória,

posicionando-se contrariamente à possibilidade de formação progressiva da coisa

julgada.

3.3 O posicionamento adotado pelo STJ: o enunciado de súmula número 401

Após sucessivos entendimentos em sentidos diversos, houve por bem o

Superior Tribunal de Justiça pacificar a questão, editando o enunciado de súmula de

n. 401. Diz a referida súmula que “o prazo decadencial da ação rescisória só se

inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.”

Simples leitura do enunciado é o suficiente a se constatar que o Superior

Tribunal de Justiça optou por adotar uma solução pragmática, em vez de se ater aos

conceitos doutrinários de direito processual civil.

De acordo com a súmula n. 401, em vez de compulsar os autos para

buscar eventual trânsito em julgado ocorrido silenciosamente dentro do caderno

processual, preferiu o STJ determinar um critério simples de aferição do prazo para

ajuizamento da ação rescisória: quando não for mais possível recorrer da última

decisão proferida nos autos.

Assim, cai por terra o entendimento doutrinário segundo o qual são

cabíveis tantas ações rescisórias para quantos forem os trânsitos em julgados

ocorridos ao longo da relação processual. Da edição da súmula em diante, passa a

caber apenas uma ação rescisória para determinado caderno processual, cujo prazo

32

Page 33: Monografia

para contagem é contado apenas quando não for mais possível interpor recurso nos

autos.

A súmula de relatoria do Min. Felix Fischer resultou de inúmeros

julgamentos realizados pelo STJ nos quais entenderam os ministros, em sua ampla

maioria, pela impossibilidade da formação progressiva da coisa julgada, bem como a

impossibilidade do ajuizamento de várias ações rescisórias.

Dentre os principais precedentes que fundamentaram a redação da

súmula, tem-se os Embargos de Divergência em Recurso Especial de números

404.777, 441.252 e 341.655; as Ações Rescisórias de números 3378 e 1337; o

Agravo Regimental na Ação Rescisória número 3.799; o Recursos Especiais

números 639.233, 841.592, 543.368, 765.823 e 968.227; e o Agravo de Instrumento

número 980.985. Passa-se, assim, à análise dos seus principais aspectos.

Em 2003, por oportunidade do julgamento do EREsp 404.777, entendeu a

Corte Especial que o termo inicial para contagem do prazo para propor rescisória

começa do trânsito em julgado da última decisão da causa. A contagem deve ser

feita da sentença como um todo, não sendo possível fazê-lo em separado para

capítulos de sentenças. O acórdão dos referidos embargos assim restou ementado:

PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO

ESPECIAL - AÇÃO RESCISÓRIA - PRAZO PARA PROPOSITURA -

TERMO INICIAL - TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA DECISÃO

PROFERIDA NOS AUTOS - CPC, ARTS. 162, 163, 267, 269 E 495.

- A coisa julgada material é a qualidade conferida por lei à sentença

/acórdão que resolve todas as questões suscitadas pondo fim ao processo,

extinguindo, pois, a lide.

- Sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em fracionamento

da sentença/acórdão, o que afasta a possibilidade do seu trânsito em

julgado parcial.

- Consoante o disposto no art. 495 do CPC, o direito de propor a ação

rescisória se extingue após o decurso de dois anos contados do trânsito em

julgado da última decisão proferida na causa.

- Embargos de divergência improvidos.

(EREsp 404777/DF, Rel. Ministro FONTES DE ALENCAR, Rel. p/ Acórdão

Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, CORTE ESPECIAL, julgado

em 03/12/2003, DJ 11/04/2005, p. 169. Grifou-se.)

Do voto condutor do referido acórdão, entendeu o ministro relator ser

inadmissível, no mesmo processo, várias ações rescisórias. Em caso positivo, ter-

33

Page 34: Monografia

se-ia a peculiar situação na qual uma ação em curso teria várias ações rescisórias

em seu bojo. Tal situação agravaria, mais ainda, a realidade de morosidade do

poder judiciário.

No EREsp 441.252, entendeu o STJ que o prazo da rescisória deve ser

contado da última decisão, mesmo que exista recurso intempestivo nos autos e que

o processo siga apenas para debater essa intempestividade. É o que se observa da

ementa abaixo transcrita:

PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO RESCISÓRIA - PRAZO DECADENCIAL -

ART. 495 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - TERMO A QUO -

TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE O ÚLTIMO

RECURSO INTERPOSTO, AINDA QUE DISCUTA APENAS A

TEMPESTIVIDADE DE RECURSO - PRECEDENTES - EMBARGOS

REJEITADOS.

I - Já decidiu esta Colenda Corte Superior que a sentença é una, indivisível

e só transita em julgado como um todo após decorrido in albis o prazo para

a interposição do último recurso cabível, sendo vedada a propositura de

ação rescisória de capítulo do decisum que não foi objeto do recurso.

Impossível, portanto, conceber-se a existência de uma ação em curso e, ao

mesmo tempo, várias ações rescisória no seu bojo, não se admitindo ações

rescisórias em julgados no mesmo processo.

II - Sendo assim, na hipótese do processo seguir, mesmo que a matéria

a ser apreciada pelas instâncias superiores refira-se tão somente à

intempestividade do apelo - existindo controvérsia acerca deste

requisito de admissibilidade, não há que se falar no trânsito em

julgado da sentença rescindenda até que o último órgão jurisdicional

se manifeste sobre o derradeiro recurso. Precedentes.

III - No caso específico dos autos, a questão sobre a tempestividade dos

embargos de declaração opostos contra sentença que julgou procedente o

pedido do autor refere-se à alteração do serviço de intimação dos atos

judiciais, que antes era feita pelo correio para o advogado residente em

outra capital, e que posteriormente passou a ser por meio de publicação de

edital.

IV - Prevalecendo o raciocínio constante nos julgados divergentes, tornar-

se-ia necessária a propositura de ação rescisória antes da conclusão

derradeira sobre o feito, mesmo que a matéria pendente se refira à

discussão processual superveniente

V - Desconsiderar a interposição de recurso intempestivo para fins de

contagem do prazo decadencial para a propositura de ação rescisória seria

descartar, por completo, a hipótese de reforma do julgado que declarou a

34

Page 35: Monografia

intempestividade pelas instâncias superiores, negando-se a existência de

dúvida com relação à admissibilidade do recurso.

VI - Embargos de divergência rejeitados.

(EREsp 441252/CE, Rel. Ministro GILSON DIPP, CORTE ESPECIAL,

julgado em 29/06/2005, DJ 18/12/2006, p. 276. Grifou-se.)

Ao longo do tempo, o STJ corrigiu inúmeras incertezas acerca do prazo

para ajuizamento de ação rescisória. No EREsp 341.655, a Corte Superior entendeu

que o dia seguinte ao trânsito em julgado constituía o dies a quo para a contagem de

prazo da ação rescisória. Na AR 1.337, determinou o STJ que o prazo para

contagem se dava quando não cabível mais recursos, e não a partir da certidão do

trânsito em julgado.

No REsp 639.233, esclareceu o Superior Tribunal de Justiça que o prazo

para ajuizamento da ação rescisória é contado quando não mais cabível recurso da

última decisão proferida para ambas as partes. Isto é, ainda que apenas uma delas

esteja recorrendo, o prazo para ajuizamento da ação rescisória se faz idêntico para

ambas.

O REsp 841.592 contempla uma exceção à súmula. É que, no caso de

recurso grosseiramente intempestivo, de caráter meramente protelatório e cujo

objetivo é a clara ampliação do prazo para ajuizamento da ação rescisória, a

contagem de prazo se dá a partir do dia do trânsito em julgado, e não da última

decisão proferida nos autos. Senão se veja:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA DO DIREITO

AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ART. 495 DO CPC. OFENSA AO ART. 535,

II DO CPC. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL DO BIÊNIO DECADÊNCIA.

TRANSITO EM JULGADO DA AÇÃO. RECURSOS ESPECIAL E

EXTRAORDINÁRIO. INADMISSÃO. INTEMPESTIVIDADE. NÃO PODEM

OBSTAR O TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO. PRECEDENTE DA 1ª

SEÇÃO.

1. A ação rescisória tem como termo a quo do biênio decadencial o dia

seguinte ao trânsito em julgado da decisão rescindenda.

Precedente: EREsp. 341.655/PR, Corte Especial, DJU 04.08.08.

2. "Consoante o disposto no art. 495 do CPC, o direito de propor a ação

rescisória se extingue após o decurso de dois anos contados do trânsito em

julgado da última decisão proferida na causa." (EREsp. 404.777/DF, Corte

Especial, DJU 11.04.05).

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Page 36: Monografia

3. A inadmissibilidade ou intempestividade do recurso interposto deve ser

considerada como dies a quo para o prazo decadencial do direito a rescindir

o acórdão recorrido salvo se constatado erro grosseiro ou má-fé do

recorrente. Precedentes da Primeira Turma: REsp. 917.671/SC, Rel. Min.

FRANCISCO FALCÃO, DJU 07.05.07 e REsp. 544.870/RS, Rel. Min.

TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJU 06.12.04.

4. In casu, o acórdão, cuja desconstituição ora se pretende, foi publicado em

10.08.92 e a parte interpôs o recurso extraordinário, por fac-símile, no dia

25.08.92, protocolizando os originais somente em 31.08.92 (fls. 164), sendo

certo que anteriormente à Lei 9.800/99, a jurisprudência somente

considerava tempestiva a interposição de recurso via fax se o original fosse

apresentado dentro do prazo recursal (EREsp. 103.510/SP, Rel. Min. HÉLIO

MOSIMANN, Corte Especial, DJU 02.03.98) sobrevindo, em decorrência

disso, a negativa do seguimento do extraordinário em 27.08.93, verificou-se

o trânsito em julgado em 26.08.92, por ser considerada a intempestividade

do mencionado recurso erro grosseiro à época de sua interposição

5. A propositura da ação, posto a petição inicial da rescisória ter sido

protocolizada em 23.11.94, o foi em momento processual quase dois meses

superior ao decurso do prazo de 2 anos previsto no dispositivo legal

supratranscrito.

6. Deveras, quando a intempestividade do recurso extraordinário

consubstanciar erro grosseiro, como na hipótese dos autos, o prazo

decadencial da rescisória deve ser contado do dia seguinte ao trânsito

em julgado do acórdão do Tribunal a quo intempestivamente recorrido.

7. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora

sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão

posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a

um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos

utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

8. Recurso especial desprovido.

(REsp 841592/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em

07/05/2009, DJe 25/05/2009. Grifou-se)

Assim, com esses entendimentos consolidados pelo Superior Tribunal de

Justiça e com a edição da Súmula 401, tem-se como solucionadas quaisquer

questões acerca do prazo para ajuizamento de ação rescisória, mormente no que

diz respeito à impossibilidade de formação progressiva da coisa julgada.

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Page 37: Monografia

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se observa, por todo o exposto nesse trabalho de conclusão de

curso, é que a solução buscada pela doutrina processualista civil nem sempre

coaduna com os princípios que regem este mesmo direito processual.

Conquanto coerente com o defendido pela doutrina processualista, a

teoria dos capítulos de sentença e da formação progressiva da coisa julgada, se

levado à prática processual, poderia agravar a realidade de lentidão do judiciário

brasileiro, prejudicando, assim, a prestação jurisdicional.

É que, como dantes demonstrado, acolhida a teoria da formação

progressiva da coisa julgada, estar-se-ia diante da possibilidade de ajuizamento de

múltiplas ações rescisórias para um só processo. De igual forma, poder-se-ia falar

na decadência de prazo para ajuizamento da ação rescisória pelo simples fato de a

parte imaginar que esta, a rescisória, seria cabível apenas após a última decisão

proferida nos autos.

Daí a ter o Superior Tribunal de Justiça, quando da resolução da

controvérsia, adotado a solução mais pragmática em vez daquela que coaduna com

a teoria processualista.

Sinteticamente, o Superior Tribunal de Justiça, pelos precedentes

jurisprudenciais que fundamentaram a redação da súmula n. 401, assim entendeu: i)

a contagem do prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória é contado a

partir da última decisão proferida no caderno processual (EREsp 404.777); ii) tal

contagem se aplica mesmo em caso de interposição de recurso intempestivo

(EREsp 441.252); iii) para a hipótese de intempestividade, há exceção quando o

recurso for grosseiramente intempestivo e manifestamente protelatório (REsp

841.592); iv) a contagem do prazo se dá a partir do dia seguinte ao do trânsito em

julgado da decisão que se visa rescindir, não a partir da respectiva certidão de

trânsito em julgado (EREsp 341.655 e AR 1.337); e que v) o prazo é contado para

ambas as partes, ainda que apenas uma delas seja a recorrente (REsp 639.233).

Assim, a solução adotada pelo Superior Tribunal de Justiça é a que

melhor coaduna com os princípios que regem o direito processual civil moderno,

cujo objetivo é a garantia da prestação jurisdicional célere e adequada.

37

Page 38: Monografia

5. REFERÊNCIAS

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MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado da ação rescisória. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 1998.

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MITIDIERO, Daniel Francisco. Coisa Julgada, limites objetivos e eficácia preclusiva. In: Introdução ao Estudo do Processo Civil – primeiras linhas de um paradigma emergente. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004.

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38

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MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5. 7. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998.

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MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações sobre a causa de pedir na ação rescisória. In: Temas de direito processual – quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989.

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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. MEDINA, José Miguel Garcia. Dogma da coisa julgada. São Paulo: RT, 2003.

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Page 40: Monografia

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que isento

completamente a Universidade Anhanguera-Uniderp, a Rede de Ensino Luiz Flávio

Gomes e o professor orientador de toda e qualquer responsabilidade pelo conteúdo

e idéias expressas no presente Trabalho de Conclusão de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso

de plágio comprovado.

São Luís, 10 de outubro de 2011.

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