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ROGÉRIO PEREIRA DOS SANTOS A Apropriação Social do Espaço em Áreas Residenciais Segregadas na Cidade do Rio de Janeiro: O Projeto Rio e o Programa de Titulação Social na Favela da Maré Orientador: Prof. Dr. Alex Ferreira Magalhães RIO DE JANEIRO 2013 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado do curso de Especialização em Planejamento e Uso do Solo Urbano do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Especialista.

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Monografia submetida ao Curso de Especialização em Planejamento e Uso do Solo Urbano no Instituto e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro em abril/2013.

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  • ROGRIO PEREIRA DOS SANTOS

    A Apropriao Social do Espao em reas Residenciais Segregadas na Cidade do Rio de Janeiro:

    O Projeto Rio e o Programa de Titulao Social na Favela da Mar

    Orientador: Prof. Dr. Alex Ferreira Magalhes

    RIO DE JANEIRO

    2013

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado do curso de Especializao em Planejamento e Uso do Solo Urbano do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Especialista.

  • ROGRIO PEREIRA DOS SANTOS

    A Apropriao Social do Espao em reas Residenciais Segregadas na Cidade do Rio de Janeiro:

    O Projeto Rio e o Programa de Titulao Social na Favela da Mar

    Aprovado em:

    BANCA EXAMINADORA

    ________________________________________________ Prof. Dr. Alex Ferreira Magalhes - (Orientador) Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional UFRJ ________________________________________________ Prof. Dr. Mauro Kleiman - (Coordenador do Curso) Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional UFRJ

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado do curso de Especializao em Planejamento e Uso do Solo Urbano do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Especialista.

  • Esta pesquisa dedicada ao maior de todos os fenmenos religiosos, Deus! Aos meus entes queridos j falecidos: meu Pai (Sr. Edsio) e ao meu irmo Jos Rinaldo Pereira dos Santos, descansem em paz! A razo da minha existncia, minha filha Ellen Ferreira Pereira dos Santos, papai ti ama! Ao meu irmo Rildo Pereira dos Santos pelo suporte que deu a este pesquisador ao longo desse curso.

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente, ao maior de todos os fenmenos religiosos, Deus! A minha namorada Luciana Pereira. Ao meu orientador pela pacincia e disponibilidade de tempo empregado nesta rdua tarefa de orientar-me. Aos amigos da turma 2012 do Curso de Especializao em Poltica e Planejamento Urbano da UFRJ, em especial ao amigo Bruno Paixo (senhor paixo!). Ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional que lecionaram para a turma de 2012 da especializao, o meu imenso obrigado! Ao meu segundo clube de paixo, o Leo Rubro Anil da Leopoldina, o Bonsucesso Futebol Clube! Aos funcionrios da biblioteca do IPPUR pela imensa ajuda em todos os sentidos!

  • A favela um espao em constante movimento porque os moradores so os verdadeiros responsveis por sua construo, ao contrrio do morador da cidade f o r m a l , q u e m u i t o r a r a m e n t e s e s e n t e e n v o l v i d o n a construo do seu espao urbano e, em particular, dos e s p a o s p b l i c o s d e s u a c i d a d e . A p a r t i c i p a o comunitria ocorre de forma muito mais representativa nas favelas e reas favel izadas em geral do que na c i d a d e f o r m a l . O s t c n i c o s , a r q u i t e t o s e u r b a n i s t a s responsveis por projetos e intervenes em favelas, na m a i o r i a d o s c a s o s , e m v e z d e t e n t a r s e g u i r o s movimentos j iniciados pelos moradores, impem sua prpria lgica construtiva, diretamente ligada cultura e esttica da cidade formal. Esses profissionais lutam exatamente contra tal movimento do espao das favelas, com a finalidade de estabelecer uma pretensa "ordem". O resultado, como acabamos de ver no caso da Mar, uma rejeio por parte dos moradores d e s s a i m p o s i o f o r m a l , o q u e r e s u l t a e m u m a favelizao ainda mais generalizada e radical, como no exemplo das a l teraes real izadas pelos prpr ios moradores nos conjuntos habitacionais. (JACQUES, 2002, p. 56).

  • RESUMO

    Esta pesquisa tem como objetivo principal analisar de que forma iniciou-se o

    processo de titulao de propriedades, instrumento jurdico inserido no mbito da

    Regularizao Fundiria de Assentamentos Informais Consolidados, que ocorreu no

    Conjunto de Favelas da Mar entre 1979 e 1984, atravs da implementao do

    Programa de Erradicao da Subhabitao (PROMORAR) que ficou conhecido na

    Cidade do Rio de Janeiro como PROJETO RIO.

    A discusso central analisar como se efetivou o processo de legalizao de

    propriedades na rea da Mar aps o trmino do Programa Projeto Rio, analisando

    de que forma parte de seus moradores obtiveram o ttulo definitivo de compra e

    venda, bem como a legalizao total de seus imveis, mediante um processo de

    regularizao junto ao Banco Nacional da Habitao, o BNH, e a Secretaria de

    Patrimnio da Unio, a SPU, e para tal ser utilizado, como referncia, um imvel

    em particular para este estudo.

    Esse trabalho se justifica pela necessidade de elucidar dvidas em relao

    situao jurdica dos imveis aps o trmino do Programa PROJETO RIO, a partir

    do caso em particular analisado, alm, claro, da contribuio de mais um material

    acadmico relacionado ao tema proposto.

    Baseia-se principalmente em fontes documentais, retiradas de jornais da

    poca, e em alguns fragmentos da legislao vigente, bem como fontes

    bibliogrficas sobre o tema, tendo como principal referncia a vivncia deste

    pesquisador como morador da rea em questo.

    Palavras-chave: Favela da Mar. PROJETO RIO. Regularizao Fundiria.

    Assentamentos de Baixa Renda.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Foto 1 - Morro do Timbu/dcada de 1960 08

    Foto 2 - Favela Baixa do Sapateiro/dcada de 1970 09

    Foto 3 - Favela Parque Mar/dcada de 1960 10

    Foto 4 - Favelas Parque Rubens Vaz e Parque Unio /dcada de 1970 11

    Foto 5 - Favela Nova Holanda 12

    Foto 6 - Ministro Mrio Andreazza com lideranas comunitrias da Mar 15

    Foto 7 - Oscar Niemeyer em visita a Mar 22

    Foto 8 - Ministro Mrio Andreazza inspeciona o trabalho da Draga Kiel 24

    Foto 9 - Remoo dos moradores das palafitas da Mar dcada de 1980 25

    LISTA DE MAPAS

    Mapa 01 - Configurao Territorial da Mar em 1979 14

    Mapa 02 - Mapa do aterro hidrulico entre o Caj e Duque de Caxias 17

    LISTA DE TABELA

    Tabela 1 - Populao, famlias e domiclios por favela (1980) 20

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ARENA: Aliana Renovadora Nacional

    BNH: Banco Nacional de Habitao

    CEASM: Centro de Estudos e Aes Solidrias da Mar

    CEDAE: Companhia Estadual de guas e Esgotos

    CEG: Companhia Estadual de Gs

    CESHE: Carteira de Erradicao da Subhabitao e emergncias Sociais

    CHP: Centro de Habitao Provisria

    CNDU: Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano

    COHAB: Companhia Estadual de Habitao do Rio de Janeiro

    CODEFAM: Comisso de Defesa das Favelas da Mar

    COMLURB: Companhia Municipal de Limpeza Urbana

    CRU: Coordenadoria Regional de Urbanismo

    DCE: Diretrio Central dos Estudantes

    DNOS: Departamento Nacional de Obras de Saneamento

    FAMERJ: Federao das Associaes de Moradores do Estado do Rio de Janeiro

    FUNDREM: Fundao para o Desenvolvimento da Regio Metropolitana do Rio de

    Janeiro

    IAPAS: Instituto de Administrao Financeira da Previdncia e Assistncia Social

    IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ITERJ: Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro

    IPTU: Imposto sobre a propriedade Predial e Territorial Urbana

    OAB: Ordem dos Advogados do Brasil

    PCB: Partido Comunista Brasileiro

    PL: Projeto de Lei

    PROMORAR: Programa de Erradicao da Subhabitao

    RIP: Registro Imobilirio Patrimonial

    SEOSP: Secretaria de Obras e Servios Pblicos

    SMP: Secretaria Municipal de Planejamento

    SPGERJ: Secretaria de Planejamento da Governadoria do Estado do Rio de Janeiro

    SPU: Secretaria de Patrimnio da Unio

    UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro

  • SUMRIO

    1 INTRODUO 10

    2 PROCESSO DE LEGALIZAO DE IMVEL NA MAR APS O PROJETO

    RIO: UMA CONQUISTA 12

    3 A APROPRIAO SOCIAL DO ESPAO EM REAS RESIDENCIAIS

    SEGREGADAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: O CONJUNTO DE FAVELAS

    DA MAR 16

    4 O PROJETO RIO NA MAR: O FIM DAS HABITAES SUBUMANAS 24

    5 UMA BREVE HISTRIA DA REGULARIZAO FUNDIRIA NO BRASIL 40

    6 CONCLUSO 50

    7 REFERNCIAS 52

    8 ANEXOS

    ANEXO A - Recibo de Compra do Barraco 57

    ANEXO B - Escritura de Promessa de Compra e Venda Capa 58

    ANEXO B - Escritura de Promessa de Compra e Venda Pg. 01 59

    ANEXO B - Escritura de Promessa de Compra e Venda Pg. 02 60

    ANEXO B - Escritura de Promessa de Compra e Venda Pg. 03 61

    ANEXO B - Escritura de Promessa de Compra e Venda Pg. 04 62

    ANEXO C - Ofcio Trmino de Pagamento das Prestaes do Imvel 63

    ANEXO D - Carn de Pagamento do PROMORAR PROJETO RIO 64

    ANEXO E - Contrato Definitivo de Compra e Venda do Imvel Capa 65

    ANEXO E - Contrato Definitivo de Compra e Venda do Imvel p. 01 66

    ANEXO E - Contrato Definitivo de Compra e Venda do Imvel p. 02 67

    ANEXO E - Contrato Definitivo de Compra e Venda do Imvel p. 03 68

    ANEXO E - Contrato Definitivo de Compra e Venda do Imvel p. 04 69

    ANEXO E - Contrato Definitivo de Compra e Venda do Imvel p. 05 79

    ANEXO E - Contrato Definitivo de Compra e Venda do Imvel p. 06 71

    ANEXO F - Certido de Situao de Aforamento/Ocupao 72

    ANEXO G - Certido Negativa de Dbitos Patrimoniais 73

    ANEXO H - Certido de Inteiro Teor do Imvel 74

    ANEXO I - Planta do Imvel 75

  • 10

    1 INTRODUO

    Alguns fatores tm contribudo para a mudana de viso dos administradores

    municipais em face da problemtica no que tange recuperao das favelas, por

    meio da urbanizao, ao invs da remoo.

    Em trabalho apresentado em 1980 em Joo Pessoa, na Paraba, Vasconcelos

    aponta alguns desses fatores: o insucesso das remoes realizadas no Rio de

    Janeiro; a insatisfao e a repercusso poltica desfavorvel geradas pelas

    remoes; o crescimento desordenado das cidades brasileiras; e a expanso da

    populao favelada nessas cidades, acarretando a necessidade de recursos cada

    vez mais vultosos para a soluo do problema (1980, p. 6).

    A partir disto, essa monografia visa debater a especificidade da regularizao

    fundiria dos assentamentos de baixa renda como forma da apropriao social do

    espao da Cidade do Rio de Janeiro em reas residenciais segregadas, pela

    atuao precria do Estado. Ser discutido de que forma se deu a titulao de

    propriedades da rea do Conjunto de Favelas da Mar, regio da zona norte da

    Cidade do Rio de Janeiro, atravs do PROJETO RIO (1979-1983), programa

    inserido no projeto de mbito nacional, o Programa de Erradicao da Subhabitao

    (PROMORAR).

    Procura-se desvendar, de forma prtica, a situao jurdica de um determinado

    imvel, eleito como caso para estudo em particular, situado em uma das seis favelas

    que, poca, formavam o chamado Conjunto de Favelas da Mar, atual bairro

    Mar1, aps a implementao do PROJETO RIO. Para tal, sero utilizadas fontes

    bibliogrficas e da legislao a respeito da regularizao fundiria, e em especial a

    titulao de propriedades, bem como uma bibliografia sobre o que foi o PROJETO

    RIO e o local de consolidao do programa. Para dar conta do objetivo e do caminho

    de investigao a pesquisa apresenta-se estruturada em quatro captulos.

    No primeiro captulo iremos apresentar o imvel escolhido como caso particular

    de estudo dessa pesquisa. Iremos abordar a sua localizao no territrio da Mar,

    1 O atual bairro Mar foi criado atravs da Lei Municipal n 2.119, de 19/01/1994 e est organizado,

    de acordo com o Plano Diretor da Cidade, como pertencente s Coordenadorias Regionais de Urbanismos (CRU) 03 e rea de Planejamento 03. A rea em questo se localiza na XXX Administrao Regional, criada em 04/08/1986, conforme o Decreto Municipal n 6.011, Art. 2 do Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro. (SANTOS, 2009, p. 8 e 9).

  • 11

    bem como sua trajetria, ainda barraco, at se transformar em imvel juridicamente

    legalizado, apresentando as vrias fases desse processo.

    Em seguida ser apresentada, de forma concisa, a histria, a formao, bem

    como a localizao do conjunto de favelas da Mar. Para isso sero utilizados

    materiais bibliogrficos expedidos pelas Organizaes Sociais que atuam no

    territrio da Mar, como o Redes de Desenvolvimento da Mar, o Museu da Mar e

    o Centro de Estudos e Aes Solidrias da Mar (CEASM), onde ser utilizado vasto

    material sobre a formao das favelas, extrado de

    http://www.ceasm.org.br/historiadamare, de 2005.

    No terceiro captulo iremos esmiuar o que foi o Programa Federal

    PROMORAR que, na Cidade do Rio de Janeiro, ficou conhecido como PROJETO

    RIO e que teve sua efetiva implementao na Mar. Trabalharemos com matrias

    de jornais da poca (O Estado de So Paulo, Jornal do Brasil, O Globo e Jornal da

    Tarde), com referncias de dissertaes acadmicas daquele momento.

    No quarto captulo iremos historiar o programa de titulao de propriedades

    realizando uma trajetria histrica das principais leis que visavam dar autenticidade

    ao que hoje se entende por regularizao fundiria na Cidade do Rio de Janeiro.

    E por fim, no quinto captulo, faremos uma anlise geral do trabalho como

    forma de concluso, e concomitantemente, iremos verificar se os objetivos da

    pesquisa foram alcanados.

  • 12

    2 PROCESSO DE LEGALIZAO DE IMVEL NA MAR APS O PROJETO RIO: UMA CONQUISTA

    Neste momento iremos abordar a experincia do caso em particular estudado

    aplicado titulao de propriedades.

    O imvel que ilustra o caso em particular que analisamos situava-se, a poca

    do PROJETO RIO, no Parque Residencial da Baixa do Sapateiro, situado no

    condomnio 50-A, lote 11 e com benfeitoria edificada no Beco So Bento, n 08, na

    favela Baixa do Sapateiro.

    Inicialmente, este imvel era um barraco de madeira e foi comprado ao senhor

    Wilson Lucindo primo do Senhor Edsio em 23/03/1969, no valor de NC$ 300,00

    (Trezentos Cruzeiros Novos). O barraco possua um s pavimento e com gua

    ligada e luz eltrica instalada conforme cpia do recibo de compra do imvel, no

    anexo A.

    Algumas dcadas depois, o imvel foi adquirido mediante a Escritura de

    Promessa de Compra e Venda (vide anexo B), que foi celebrado em 28/09/1983,

    entre o promitente comprador, o Sr. Edsio Pereira dos Santos, morador do

    endereo supracitado, Mario Castorrino Fontes Brito (diretor do BNH), Antonio Luiz

    Candal Fonseca (diretor financeiro da Caixa Econmica Federal) e mais duas

    testemunhas, Lia Bandeira de Mello e a outra testemunha com nome ilegvel, foi

    registrado no Cartrio do 6 Ofcio de Registros de Distribuio (Imveis), em

    27/05/1988, sob nmero de protocolo 136681, livro n 1N, fl. 181V.

    Em 25/05/1988, conforme ofcio n 0096/88 (ver anexo C), expedido em nome

    do Senhor Gerente de Habitao e Hipoteca da Caixa Econmica Federal (CEF), o

    Sr. Edsio conclui os pagamentos referentes ao contrato de Promessa de Compra e

    Venda do imvel supra citado e, de acordo com o advogado Francisco Alves de

    Souza Gomes, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seo RJ n 55.846, o ofcio

    em questo visa: evitar-se a propositura de Ao de Adjudicao Compulsria2, e

    2 A adjudicao compulsria uma ao judicial destinada a promover o registro imobilirio

    necessrio transmisso da propriedade imobiliria quando no vier a ser lavrada a escritura definitiva em soluo de uma promessa de compra e venda de imvel. Quando o vendedor e o comprador de um imvel celebram um contrato de promessa de compra e venda, para pagamento do preo em prestaes, ambas as partes se comprometem, aps quitado o preo, a promover a lavratura da escritura definitiva. Se qualquer das partes, seja o promitente vendedor, seja o promissrio comprador, por razes diversas, no concluir o negcio jurdico com a lavratura da escritura definitiva, a parte interessada pode ajuizar a ao de adjudicao compulsria com a finalidade de, mediante sentena, obter a carta de adjudicao, que ser levada, ento, para o

  • 13

    solicita que sejam adotadas as providncias necessrias para a lavratura da

    escritura definitiva de compra e venda do referido imvel, como prova de

    pagamento das prestaes, vide anexo D.

    Ao fim do processo, em 27/04/1990, atravs do mesmo cartrio citado

    anteriormente, o 6 Ofcio de Registros de Distribuio (Imveis), h a assinatura do

    Contrato Definitivo de Compra e Venda anexo E, que envolve a CEF, de um lado,

    como vendedora, e o comprador, Sr. Edsio. Desta forma o morador conseguiu,

    luz da legislao vigente poca, a titulao fundiria definitiva do seu imvel. Todo

    o processo tramitou via Secretaria de Patrimnio da Unio (SPU), onde o Sr. Edsio,

    por diversas vezes, teve que comparecer para efetivar etapas de todo o processo

    burocrtico.

    Esse processo que o morador citado requereu junto a SPU denominado

    Titulao Social, que, no entender do Instituto de Terras e Cartografias do Estado

    do Rio de Janeiro (ITERJ), outorgado para famlias que residem em prprios

    estaduais ou em imveis de sua posse, mediante termos administrativos de

    concesso e de promessa de concesso de uso, respectivamente, valendo-se, para

    a expedio desses instrumentos de regularizao fundiria de interesse social, da

    Lei Complementar n 08/773, com as alteraes determinadas pelas Leis

    Complementares ns 26/814 e 45/855 e da Lei n 2.184/93. Este mesmo rgo

    estadual afirma, em relao a relevncia da Regularizao Fundiria nessas reas,

    que:

    competente registro no cartrio de imveis, independente da celebrao da escritura. A ao de adjudicao compulsria segue, na Justia, o procedimento sumrio (Cdigo de Processo Civil, arts. 275 a 281), de rito mais clere, sendo regulada pelos artigos 15 a 17 do Decreto-Lei n 58/1937, com a redao desses dispositivos conforme a Lei n 6.014/1973. Apesar de, inicialmente, as normas referidas se limitarem adjudicao compulsria nos contratos de promessa de compra e venda de terrenos loteados, a jurisprudncia estendeu a sua aplicabilidade a todo e qualquer tipo de imvel, como casas e apartamentos residenciais ou salas comerciais. A necessidade da interposio da ao de adjudicao compulsria, na prtica imobiliria, pode decorrer de diversas situaes mais comuns (conforme Ivanildo Figueiredo Tabelio Pblico do 8 Ofcio de Notas da Capital e Professor da Faculdade de Direito do Recife /UFPE. (Disponvel em: http://www.tabelionatofigueiredo.com.br/conteudo/30, acesso em 26/02/2013). 3 A Lei Complementar n 08, de 25/10/1977, dispe sobre o regime jurdico dos bens imveis do

    Estado do Rio de Janeiro e d outras providncias (Disponvel em: http://www.alerj.rj.gov.br/). 4 A Lei Complementar n 26, de 06/12/1981, altera dispositivos da Lei Complementar n 08, de

    25/10/1977. (Disponvel em: http://www.alerj.rj.gov.br/). 5 A Lei Complementar n 45, de 24/07/1985, d nova redao ao do 1 do Art. 35 da Lei

    Complementar n 08, de 25/10/1977. (Disponvel em: http://www.alerj.rj.gov.br/).

    Ao imaginarmos a importncia da regularizao fundiria, sentimos de perto que a titulao social, alm de contribuir para a preservao dos princpios bsicos e elementares republicanos, consistentes na erradicao da pobreza, na reduo das desigualdades sociais e na dignidade da pessoa humana, ainda possibilita a universalizao do acesso das famlias carentes

  • 14

    De acordo com Prcio Brasil Alvares, Gestor no Registro de Imveis da 1 Zona

    de Porto Alegre, elaborador da apostila do Curso de Regularizao Fundiria de

    Linhares (ES),

    Atualmente, o imvel encontra-se com sua situao cadastral legalizada,

    conforme a Certido de Situao de Aforamento/Ocupao, expedida pela SPU na

    internet, ligada ao Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto, sob o n de

    Registro Imobilirio Patrimonial (RIP), 6001 0035545-39, onde consta a afirmao

    que o Sr. Edsio foreiro do terreno da Unio do imvel citado (ver anexo F).

    Consta ainda nesse mesmo site, a Certido Negativa de Dbitos Patrimoniais,

    onde se l a autenticidade dada pela SPU ao imvel pesquisado: Certificamos,

    ainda, que para o imvel acima identificado esto comprovados os pagamentos das

    receitas patrimoniais devidas at a presente data (ver anexo G), alm da Certido

    de Inteiro Teor do Imvel6, onde no consta a existncia de qualquer dbito com a

    unio (ver anexo H). Soma-se, a isso, ao recebimento anual do Imposto Sobre a

    Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) que no caso do imvel em estudo

    (ver planta do imvel no anexo I), totalmente isento do pagamento dessa taxa,

    por se tratar de rea residencial de baixa renda.

    Desta forma, o imvel do Sr. Edsio, a partir do instrumento de poltica urbana

    denominado titulao social, enquadrado no tema da regularizao fundiria,

    6 Certido de inteiro teor ou certido negativa de nus reais um documento que na verdade um

    histrico do imvel, quais foram os donos e em que data, se tem embargo, se tem inventrio ou qualquer outra situao que possa negativar ou positivar a negociao de tal imvel. solicitado ao Registro de Imveis de sua cidade e tem validade de 30 dias (Disponvel em: http://centroimobiliario.wordpress.com/about/ acesso em 27/02/2013).

    de recursos moradia formal e ao direito cidade. E vai alm. Pode-se arriscar a concluso e afirmar que a regularizao fundiria de interesse social, alm de afastar a abominvel situao de clandestinidade das moradias e dos moradores, confere s famlias destinatrias da titulao acesso ao mercado formal pela possibilidade da comprovao da residncia, assim como garante a possibilidade da exibio de documento de aceitao obrigatria para obteno de crdito e de financiamento em contratos habitacionais, quebrando a antiga regra da aceitao exclusiva da escritura de compra e venda , residindo tambm da a sua relevncia enquanto instrumento de titulao e de insero social (INSTITUTO DE TERAS E CARTOGRAFIAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2013, p. 4).

    O procedimento de regularizao dever ter como alvo, desde sua instalao, o acesso de um ttulo hbil ao Flio Real. Desta forma, os interessados devem-se ater aos princpios registrais previstos na Lei dos Registros Pblicos (2012, p. 8).

  • 15

    alcana seu objetivo final, que a regularizao do seu imvel junto aos rgos

    competentes, neste caso, esse morador, em especial, obteve a sua documentao

    de propriedade em definitivo, ou seja, a propriedade escriturada e, desta forma, o

    seu imvel sai da esfera da informalidade.

    Vale destacar, ainda, que poucos moradores fizeram todo o trmite legal que o

    Sr. Edsio realizou na regularizao de seu imvel, motivo esse que fez esse

    pesquisador tomar como um caso em particular o imvel citado, que na verdade,

    sempre representou a sua residncia.

    Aps apresentarmos de que forma o imvel escolhido como fio condutor desta

    pesquisa ultrapassou todos os obstculos para a sua legalizao, iremos apresentar,

    em seguida, a histria e a formao das seis favelas que formavam o conjunto de

    favelas da Mar a poca do recorte temporal, onde se encontra o imvel de

    referncia.

  • 16

    3 A APROPRIAO SOCIAL DO ESPAO EM REAS

    RESIDENCIAIS SEGREGADAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: O

    CONJUNTO DE FAVELAS DA MAR

    As reas residenciais segregadas representam um ponto relevante no que

    tange aos processos de reproduo social, no bojo do qual se situam as diversas

    classes sociais e suas ramificaes, assim por dizer, os bairros que so os locais

    de reproduo dos diversos grupos sociais, como afirmamos em trabalho anterior

    (SANTOS, 2005).

    O PROJETO RIO foi concebido em 26/06/1979, atravs da Exposio de

    Motivos n 066/79, assinada pelo ento Ministro do Interior do Governo do

    Presidente Joo Baptista Figueiredo, Mrio Andreazza. Neste sentido, iremos

    detalhar a rea da Mar, no momento de implementao do Programa.

    poca de implementao do PROJETO RIO, o Conjunto de Favelas da

    Mar7 era formado por seis favelas um uma rea territorial de 81,3 hectares

    (VALLADARES, 1985, p. 35): Morro do Timbu, Baixa do Sapateiro, Nova Holanda,

    Parque Mar, Parque Unio e Parque Major Rubens Vaz. A Mar neste momento

    era delimitada pela Avenida Brigadeiro Trompowsky via de acesso ao Aeroporto

    Internacional do Galeo , a Avenida Brasil, a Avenida Bento Ribeiro Dantas (atual

    Linha Amarela) e pela Ilha do Fundo e Baa de Guanabara, pertencendo a X

    Regio Administrativa, situada no bairro de Ramos.

    Nessa poca, a Mar detinha cerca de 80% de sua rea ocupada

    pertencentes, at 1980, s seguintes entidades governamentais: Ministrio do

    Exrcito, Ministrio da Marinha, o Instituto de Administrao Financeira da

    Previdncia e Assistncia Social (IAPAS), o Banco Central e Banco do Brasil, os

    20% restantes so terrenos aforados a terceiros, conforme afirma Valladares em

    trabalho de OLIVEIRA (1983, p. 214).

    7 Atualmente o bairro Mar formado por dezesseis localidades. O recorte definido pelo IBGE

    ignorou a condio formal de bairro da Mar, estabelecida desde o final da dcada de 80, reconhecendo as comunidades locais como Unidades Territoriais Especficas a maior concentrao de populao de baixa renda do municpio do Rio de Janeiro. As 16 localidades so: Morro do Timbu (1930/1940), Baixa do Sapateiro (1947), Conjunto Marclio Dias (1948), Parque Mar (1953), Parque Roquete Pinto (1955), Parque Rubens Vaz (1951/1961), Parque Unio (1961), Nova Holanda (1962), Praia de Ramos (1962), Conjunto Esperana (1982), Vila do Joo (1982), Vila do Pinheiro (1989), Conjunto Pinheiro (1989), Conjunto Bento Ribeiro Dantas ou Fogo Cruzado (1992), Nova Mar (1996) e Salsa e Merengue (2000), (Censo Mar).

  • 17

    Ainda esta autora, referindo-se a publicidade que foi dada ao Conjunto de

    Favelas da Mar quando da instalao e implementao do PROJETO RIO, em

    1979:

    A formao do conjunto de favelas da Mar se deu em reas que remontam ao

    sculo XVI, o chamado Porto de Inhama, que serviu para escoar os produtos

    explorados e cultivados nesta poro carioca. Conforme afirma a Organizao

    Social CEASM, boa parte das informaes da histria da Mar foi retirada do stio

    dessa organizao, esse Porto desenvolveu importante papel econmico para o

    subrbio e terminou seus dias abrigando a Colnia de Pescadores Z-6 e devido aos

    sucessivos aterros na rea, desapareceu nas primeiras dcadas do sculo XX

    (HISTRIAS..., 2005).

    Ainda de acordo com informaes dessa organizao, entre meados dos

    sculos XVII e XVIII, a rea da Mar fazia parte da Freguesia Rural de Inhama e

    integrava uma grande propriedade: a Fazenda do Engenho da Pedra, cujas terras

    abrangiam os atuais bairros de Olaria, Ramos, Bonsucesso e parte de Manguinhos.

    Foto 1 Morro do Timbu/dcada de 1960

    Fonte: Acervo Orosina Vieira Museu da Mar

    Estas favelas ganharam visibilidade e os jornais da poca dedicaram grandes

    espaos a artigos sobre suas condies sociais e fsicas e sobre as origens

    da populao que as constitua. Trs anos depois, em 1983, surgiram as

    primeiras anlises do Projeto Rio e estes estudos abordaram, de forma mais

    sistemtica, um pouco da histria da ocupao e expanso das seis favelas,

    bem como a experincia associativa nestas comunidades faveladas

    (VALLADARES, 1985 p. 35).

  • 18

    No incio do sculo XX, pequenos ncleos de povoamento, quase sempre

    formados por pescadores, j se aglutinavam em torno dos portos desta rea. Mas

    este processo acelerou-se mesmo com a reforma urbana do Prefeito Pereira

    Passos, que expulsou a populao mais pobre do centro da cidade, provocando a

    ocupao das zonas perifricas.

    Neste sentido, a ocupao da rea que hoje abriga o Conjunto de Favelas da

    Mar se deu na Ponta do Thybau8, atual Morro do Timbu (ver foto 1) assim

    descrita:

    Em 1954 fundada a Associao de Moradores do Timbu, uma das primeiras

    em favelas do Rio de Janeiro. Aos poucos a organizao comunitria comeou a

    render frutos, tais como a distribuio de gua, eletricidade, esgoto, pavimentao e

    coleta de lixo. Com o PROJETO RIO, os moradores da rea conseguiram a

    propriedade da terra, via regularizao fundiria.

    Foto 2: Favela Baixa do Sapateiro/dcada de 1970

    Fonte: Acervo Orosina Vieira Museu da Mar

    8 O nome da favela passa a ser o da regio, que era conhecida como thybau, do tupi-guarani, "entre

    as guas", o que denota terem sido os ndios os primeiros habitantes do lugar.

    A partir da mesma poca, a enseada de Inhama, que se estendia da Ponta do Caju at a Ponta do Thybau (atual Morro do Timbu), teve sua orla de manguezais destruda pela ao de diversos aterros, como veremos mais adiante. A Ponta do Thybau, por ser uma poro de terra firme, foi uma das primeiras reas a ser povoada na Mar atual. Era o incio de povoao do atual Complexo da Mar (HISTRIAS..., 2005).

  • 19

    Enquanto a favela do Morro do Timbu apresentou um lento crescimento,

    permanecendo, na dcada de 40 do sculo passado, com poucos habitantes, surgia,

    ao final deste perodo (1947), a primeira grande concentrao humana que foi a

    Baixa do Sapateiro ver foto 2 , que, na poca, teve sua formao a partir de um

    pequeno grupo de barracos construdos sobre palafitas. No h consenso sobre a

    origem do nome.

    Em 1950, surgem as primeiras moradias do Parque Mar (foto 3), como um

    prolongamento da ocupao ocorrida na Baixa do Sapateiro, e essa rea tornou-se

    bastante atrativa s populaes que chegavam com o fluxo migratrio,

    principalmente da Regio Nordeste. A rea que ia sendo ocupada pelos moradores

    do Parque da Mar (em 1953 j consolidada) era dominada pela lama, por

    vegetao de mangue e pelo movimento das guas, tendo ocorrido a partir da

    dcada de 60, uma grande expanso da ocupao em direo Baa da

    Guanabara, sendo o Parque Mar, nesta poca, predominantemente dominado

    pelas palafitas.

    Foto 3: Favela Parque Mar/dcada de 1960

    Fonte: Acervo Orosina Vieira Museu da Mar

    A histria do Parque Rubens Vaz (foto 4) teve incio no ano de 1951, quando

    surgem no local os primeiros barracos. A rea, nesta poca, era conhecida como

  • 20

    Areal, devido grande quantidade de areia espalhada no local, por ocasio da

    drenagem e canalizao do Canal da Porturia. Quando uma pessoa chegava a

    rea para fixar residncia, j era avisada de que no deveria construir margem da

    Avenida Brasil, porque esta seria futuramente alargada, como de fato foi e, sendo

    assim, ningum construiu sua habitao a menos de 40 metros da via.

    O advogado Magarinos Torres ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB)

    e que tinha um escritrio nesta localidade o mesmo que defendeu a populao e

    seu direito de permanecerem na rea hoje conhecida como Parque Major Rubens

    Vaz, deu todas as coordenadas para a estruturao da comunidade Parque Unio,

    em 1959, e esta localidade foi uma das reas com um certo planejamento de

    ocupao, pois ele demarcou reas para a permanncia dessa populao, que se

    consolida em 1961. Foto 4: Favelas Parque Rubens Vaz (direita) e Parque Unio (esquerda)/dcada de 1970

    Fonte: Acervo Orosina Vieira Museu da Mar

    A favela Nova Holanda, ver foto 5, foi concebida como um Centro de Habitao

    Provisria (CHP) que funcionaria como um local de triagem, dentro da poltica de

    remoes do governo, que visava muito mais retirar ncleos favelados de reas

    nobres da cidade, do que resolver o problema habitacional. A tarefa de controlar o

    processo de transferncia dos moradores de favelas a serem erradicadas ficou a

    cargo da Fundao Leo XIII, que foi incorporada Secretaria de Servio Social da

  • 21

    Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Seu processo de formao se deu da

    seguinte forma:

    Foto 5: Favela Nova Holanda

    Fonte: Acervo Orosina Vieira Museu da Mar

    Desta forma surge a ltima das comunidades originais da Mar.

    Diferentemente das demais, a Nova Holanda, como dito anteriormente, surgiu como

    um Centro de Habitao Provisria e, como exemplo dos Parques Proletrios da

    dcada de 1940, tornou-se mais tarde uma favela.

    A comunidade Nova Holanda (1962) teve um processo de ocupao completamente diferente, para no dizer oposto, ao das demais formaes que vimos at agora. Sua origem no foi um invaso espontnea, nem mesmo uma invaso planejada, como ocorreu no Parque Unio. A comunidade de Nova Holanda foi inteiramente planejada e construda pelo poder pblico na dcada de 60, no governo Carlos Lacerda, sobre um imenso aterro realizado ao lado do Parque Mar. As dimenses do aterro realizado impressionaram tanto que influenciaram at a escolha do nome da comunidade, uma homenagem Holanda, o pas europeu quase inteiramente construdo abaixo do nvel do mar sobre aterros e diques. Outra semelhana so as roldanas, que podemos encontrar em algumas casas e que indicam que as mudanas eram feitas por cabos externos, exatamente como ocorre em cidades holandesas, principalmente Amsterd (HISTRIAS..., 2005).

  • 22

    Conforme aponta Nbrega Jnior; Belford; Ribeiro, a Nova Holanda fruto do

    Programa de Remoo de Favelas do ento Governador Carlos Lacerda:

    Estes autores citam que a ocupao de Nova Holanda iniciou-se em 1962 e

    durou at 1971, ano da ltima e significativa transferncia de moradores, onde foram

    removidos para l moradores da Favela do Esqueleto, do Morro da Formiga, do

    Morro do Querosene, da Praia do Pinto e de Macedo Sobrinho (2012, p. 84).

    respeito das condies materiais de Nova Holanda, o autor a define da seguinte

    forma:

    No Centro de Habitao Provisria de Nova Holanda, havia um forte controle

    sobre os moradores, assim descrita pelo mesmo autor, citando Souza Silva:

    Desta forma, a produo do espao urbano no acontece de maneira isolada,

    um somatrio das prticas sociais atravs das relaes polticas, econmicas e

    culturais e que constituem diferentes formas espaciais. Neste sentido, o conjunto de

    favelas da Mar, se apresenta como um exemplo fiel da chamada fragmentao do

    tecido scio-poltico espacial, conforme assinala Souza (2003, p. 90), devido sua

    rea territorial estar inserida em um contexto de uma atuao precria por parte do

    poder pblico.

    a Nova Holanda foi um dos trs Centros de Habitacionais Provisrios programados para abrigar os moradores removidos de vrias favelas, sobretudo da valorizada Zona Sul e da Zona Norte da cidade. A idia principal era a de que nesses CHPs os moradores aprendessem novos hbitos de higiene, novas formas de relacionamento social e convivncia comunitria (NBREGA JNIOR; BELFORD; RIBEIRO, 2012, p. 83).

    Nova Holanda diferenciava--se das demais comunidades da Mar por ser uma rea plana, espacialmente organizada e com ruas largas. Suas habitaes eram uniformes e distribudas em lotes de cinco metros de largura e dez metros de comprimento. Eram construdas em madeira e obedeciam a dois modelos: uma parte era de casas baixas e outra de dois andares, conhecidas como duplex. Todos os lotes possuam uma sala, dois quartos, uma cozinha, um banheiro, um quintal e uma varanda (2012, p. 86).

    Havia normas de conduta e uma srie de proibies, como a fixao do horrio de entrada e sada na comunidade, a proibio de se fazer qualquer alterao nas casas ou de sua venda e mesmo brigas familiares. O aparato responsvel pela administrao e fiscalizao da convivncia sob essas condies contou com a presena constante da Fundao Leo XIII e de um posto policial militar. O governo justificava a ingerncia sobre a vida privada com a desculpa de que era necessrio manter a ordem e desenvolver hbitos de boa convivncia (2012, p. 89).

  • 23

    A perspectiva analtica da produo desse espao compreenderia a

    organizao socioespacial no como uma estrutura conceitual ultrapassada das

    formas espaciais da cidade, mas como conseqncia direta das relaes entre

    processos econmicos, polticos e culturais. Essa mesma produo do espao

    constitui um elemento central da problemtica mundial contempornea, tanto da

    viso da realizao do processo de acumulao capitalista e, por conseqncia,

    de justificativa das aes do Estado em direo criao dos fundamentos da

    reproduo quanto do ponto de vista da reproduo da vida, que se realiza em

    espaos-tempos delimitados reais e concretos.

    Neste sentido, quando nos referimos produo de moradias em espaos

    residenciais segregados, neste caso a favela, e o processo de titulao de

    propriedades nesses locais, aceitamos a afirmao de Leito quando ele cita que

    essa produo de moradias:

    Conclumos, desta forma, a apresentao do processo de formao do

    Conjunto de Favelas da Mar que, passa a configurar-se no momento de

    implantao do Programa, conforme visualizado no mapa 1. A partir deste momento,

    iniciaremos a discusso a respeito do Programa de Erradicao da Subhabitao, o

    PROJETO RIO.

    Mapa 1 Configurao Territorial da Mar em 1979

    Fonte: Silva, 1984

    tem como aspecto marcante a inexistncia de regras ordenadoras como aquelas vigentes na cidade oficial. Ou melhor dizendo, existem regras, mas so poucas e flexveis o suficientes para corresponder s necessidades/possibilidades de quem constri. Estas regras no esto escritas e envolvem basicamente acordos com vizinhos, no sentido de estabelecer o que se pode e o que no se pode fazer. So acordos que buscam resolver variadas questes. Nem sempre as negociaes so simples (LEITO, 2010, p. 18).

  • 24

    4 O PROJETO RIO NA MAR: O FIM DAS HABITAES

    SUBUMANAS

    Em 25/06/1979 nasce o Programa de Erradicao da Subhabitao, o

    PROMORAR, resposta do governo a problemtica habitacional, atravs da

    Exposio de Motivos Ministerial n 66, por intermdio do Ministro do Interior do

    Governo do Presidente Joo Baptista Figueiredo, Mrio Andreazza (ver foto 6). O

    documento oficial rezava que:

    Desta forma, nas palavras de Valla, o programa visava solucionar o problema

    das habitaes subumanas, as favelas e as palafitas, urbanizando-as, quando

    possvel, e erradicando-as, quando eram vistas como caso perdido9, nas palavras

    do Ministro ao discursar sobre o projeto (1986, p.141).

    Foto 6: Ministro Mrio Andreazza com lideranas comunitrias da Mar

    Fonte: Acervo Orosina Vieira Museu da Mar

    De incio o Programa seria implementado na rea da Mar e, posteriormente,

    seria estendido a outras capitais do pas. Foi batizado como PROJETO RIO obtendo

    ampla divulgao nos meios de comunicao da poca. Era interesse do Governo

    9 Como rezava o Art. 66 da Constituio do Estado da Guanabara, de 1961.

    (Em conjunto com os Ministrios da Marinha e da Fazenda e Secretaria de Planejamento da PR). Programa de recuperao de reas alagadas, atravs de aterro hidrulico, com o aproveitamento de bancos de areia prximos, objetivando solucionar a questo da submoradia nas zonas faveladas de diversas capitais do Pas, com prioridade para a rea da Favela da Mar, nos Municpios do Rio de Janeiro e Duque de Caxias. "Aprovo. Em 25.6.79." (BRASIL, 1979).

  • 25

    realar o Programa, principalmente, nos jornais lidos pela classe mdia10, buscando

    aproximao desse leitor com a atitude do poder pblico face a realidade mais

    importante naquele momento, no que tange ao dficit habitacional.

    O PROMORAR seria desenvolvido inserido no Plano Nacional de Habitao

    Popular e teria, como principais objetivos, segundo o Departamento de

    Planejamento e Anlise de Custo do Banco Nacional de Habitao (1982, p. 24):

    Erradicar, atravs da eliminao e conseqente substituio por outras

    moradias construdas sob projeto aprovado pelo BNH, as subhabitaes

    destitudas das condies mnimas de servios, conforto e salubridade,

    especialmente as que compem aglomerados conhecidos por palafitas,

    mocambos, favelas, invases, etc;

    Propiciar a permanncia das populaes beneficiadas nas reas onde

    anteriormente se localizavam, aps a eliminao das subhabitaes;

    Promover a recuperao de assentamentos de submoradias, sujeitas a

    inundaes, mediante a utilizao de sistemas de aterro, ver mapa 2, sob a

    responsabilidade do Departamento Nacional de Obras de Saneamento

    (DNOS), para efeito de desenvolvimento nessas reas de projetos aprovados

    no mbito do PROMORAR.

    A Unidade Executiva do programa caberia Carteira de Erradicao da

    Subhabitao e Emergncias Sociais (CESHE/BNH); os agentes financeiros seriam

    as COHABs e rgos assemelhados, os bancos oficiais e estabelecimentos de

    crdito aceitos pelo BNH; os agentes promotores seriam os Governos dos Estados,

    os Territrios Federais, os Municpios, as concessionrias de servios pblicos, as

    COHABs e rgos assemelhados, ou ainda, outras entidades, a critrio da Diretoria

    do BNH e, os Beneficirios Finais, seriam os adquirentes das unidades

    habitacionais, os Estados, os Territrios Federais, os Municpios, as concessionrias

    de servios pblicos ou outros rgos governamentais aceitos pelo BNH. De acordo

    com documento do BNH de 1982, as fontes de recursos do programa seriam o

    prprio BNH (com recursos prprios, recursos internos e externos captados) e os

    Governos Federal, Estadual e Municipais.

    Em relao s reas de atuao de cada rgo envolvido no projeto, Hctor

    Atlio Poggiese as definia da seguinte forma:

    10

    Erradicao de favelas comea pelo Rio de Janeiro e Caxias (Jornal do Brasil de 29/06/1979, p. 24). Andreazza anuncia plano contra favelas (O Estado de So Paulo de 29/06/1979, p. 16).

  • 26

    Mapa 2: Mapa do aterro hidrulico entre o Caj e Duque de Caxias

    Fonte: Capa do Jornal do Brasil de 09/06/1979

    Na viso de Valla, o Programa tinha como propsitos principais os seguintes

    pontos:

    * Eliminar os focos de poluio da Baa e recuperar as praias, preservando a

    ecologia local;

    * Ordenar o espao urbano, recuperando a paisagem e melhorando as

    condies de navegao da Baa;

    * Prover soluo para o sistema virio (Avenida Brasil), h muito tempo

    reclamada;

    * Solucionar os problemas de saneamento ambiental e bsico de reas

    prximas s Ilhas do Fundo e do Governador, onde a poluio atinge nveis

    elevados, inadequados vida humana; e

    O BNH participa financiando as obras; o DNOS executa as obras da orla martima, dragando e aterrando uma faixa do mar, com o que a Ilha do Fundo ficar praticamente unida ao territrio. So atribudos FUNDREM os aspectos de desenvolvimento urbano e, dentro dessa competncia, foi realizada a concorrncia para a elaborao do Plano de Urbanizao. Na resposta ao Edital apresentaram-se onze consultoras de projetos resultando vencedora a proposta da ENGEVIX S.A. (1981, p. 3).

  • 27

    * Recuperar e urbanizar as favelas existentes na rea, sem remoo da

    populao atual, que dever ser mantida em condies adequadas de habitao,

    emprego e atendimento escolar e de sade, nas mesmas reas onde vive

    atualmente (VALLA, 1996, p. 142).

    Em relao s diretrizes especficas relacionadas ao PROJETO RIO, o

    documento elaborado em novembro de 1979 pela Fundao para o

    Desenvolvimento da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM),

    mencionava, quanto habitao, os seguintes itens:

    Consolidao das reas residenciais de baixa renda e favelas, criando

    condies para sua integrao ao complexo urbano a ser criado;

    Suprimento de servios bsicos nessas localidades, melhorando assim as

    condies de habitabilidade da rea;

    Considerao de formas no convencionais de construo e infra-estrutura,

    visando baratear custos e evitar deslocamentos da populao residente;

    Oferta de servios sociais e equipamentos comunitrios adequados;

    Estmulo associao comunitria atravs de esquemas de apoio que

    orientem a organizao da populao em condomnios, cooperativas,

    associaes de moradores, etc. (FUNDAO PARA O DESENVOLVIMENTO

    DA REGIO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO, 1979, p. 10).

    No que concerne aos aspectos particularmente j considerados do projeto,

    quanto s reas ocupadas por favelas, considera-se que:

    A populao total estimada de 250.000 habitantes, que ocupam

    aproximadamente 157 hectares (dados fornecidos pela Superintendncia de

    Informaes para Planejamento, da Secretaria Municipal de Planejamento

    (SMP), com base em levantamentos realizados em 1975/1976);

    Identificam-se a problemas tpicos de sub-habitao, sade pblica e

    saneamento bsico. Nas reas que dispem de redes de abastecimento

    dgua ou de sistemas de esgotos, estes foram construdos pelos prprios

    moradores, ao longo do tempo, representando assim trabalho e investimentos

    de muitos anos. No caso de favelas situadas em reas alagadias, o prprio

    terreno foi conquistado pelos moradores, atravs de aterros sucessivos,

    evidenciando, novamente, o esforo pela conquista da moradia. Assim sendo,

    a orientao a ser seguida diz respeito a este esforo, procurando-se em

  • 28

    conseqncia manter e complementar as reas semi-urbanizadas de cada

    favela, urbanizar in loco aqueles que no dispem de servios e somente

    remanejar, para reas adjacentes, as que venham a constituir empecilho ou

    dificuldade execuo dos servios. O que se objetiva respeitar, ao

    mximo, as caractersticas comunitrias e os investimentos fixos j feitos pela

    populao;

    Os critrios para delimitao das reas semi-urbanizadas ou a urbanizar

    devero basear-se no nvel de ordenamento da malha existente, no tipo de

    servios de cada rea e no grau de dificuldade que cada setor apresenta para

    instalao de infra-estrutura (1979, p. 14).

    Aps a assinatura de um protocolo de intenes envolvendo esferas dos

    governos Federal e Estadual, configurou-se, neste momento, o compromisso de

    urbanizar a rea objeto do programa nas trs instncias governamentais. O passo

    seguinte foi a assinatura de convnios entre a FUNDREM, a Companhia Estadual de

    guas e Esgoto (CEDAE) e a Companhia Estadual de Gs (CEG), assim como a

    contratao da fundao pelo BNH para a execuo do levantamento cadastral da

    Mar (SILVA, 1984).

    Esta autora afirma ainda que esse levantamento foi desenvolvido em nove

    meses (entre junho de 1980 a maro de 1981), a um custo estimado de US$

    131.000, segundo cmbio de 1980, envolvendo, sob a Coordenao da FUNDREM,

    a Fundao Leo XIII, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e a

    CEHAB/RJ.

    A efetivao do Programa PROJETO RIO na Cidade do Rio de Janeiro, mais

    precisamente na Favela da Mar, a partir de 1979, iria criar uma certa expectativa de

    alterao da configurao da ocupao do solo na favela pela legalizao da

    moradia. Desta forma, para viabilizar o objetivo da regularizao fundiria o Banco

    Nacional da Habitao, o BNH, obteve terras na rea da Mar ao longo do

    programa.

    De acordo com Cavallazzi (1993, p. 10) o BNH adquiriu, entre 1980 e 1986,

    terras da Unio Federal atravs de contrato de cesso, sob o regime de

    aforamento, e do Banco Central do Brasil, atravs do contrato de compra e venda.

    Vale destacar que o longo processo de regularizao fundiria na Mar veio a

    ser, a poca do PROJETO RIO, apenas parcial. O nmero de contratos de

    promessa de compra e venda entre os moradores e o BNH, tendo como objetivo a

  • 29

    aquisio da propriedade do solo, era reduzido e, deste contingente, apenas uma

    pequena parcela da populao reverteu em escritura definitiva de compra e venda,

    como mostrado no caso em estudo apresentado.

    Na tentativa de se criar uma voz de defesa em relao aos moradores da Mar

    (ver Tabela 1, com quantitativo populacional), criada a Comisso de Defesa das

    Favelas da Mar (CODEFAM11) em 10/06/1979, composta de cinco diretores, dois

    assessores e um presidente, todos ligados a entidades representativas das seis

    favelas da Mar (SILVA, 1984). Essa associao teve o mrito de ser o canal de

    comunicao entre os moradores e as entidades envolvidas do programa,

    principalmente o DNOS, e sua atuao foi assim definida:

    Na realidade, a populao da Mar, mesmo com a criao da CODEFAM, era

    pouco ouvida pelo poder pblico. Os moradores tiveram participao em momentos

    pontuais, como, por exemplo, no instante em que a empresa responsvel pelas

    obras, a ENGEVIX, iniciou o processo de disposio das ruas. Nesse instante a

    populao foi ouvida no sentido de melhoria do projeto.

    11

    A CODEFAM conseguiu criar um espao de participao na elaborao definitiva do Projeto Rio e transformou-se em um rgo fundamental na luta dos favelados pela posse definitiva de seu barraco. (SANTOS, 2005).

    O processo de regularizao, inclua cadastramento dos moradores da rea, via de regra efetuado atravs das Associaes de Moradores da respectiva comunidade, com a expedio de um protocolo aos chefes de famlias cadastrados. Os moradores cadastrados realizavam diretamente com o BNH, e alguns com a intervenincia da Companhia Estadual de Habitao do Rio de Janeiro, o contrato de promessa de compra e venda do lote referente s suas habitaes. O PROJETO RIO engendrou na Favela da Mar uma situao de legalidade parcial, em funo dos efeitos da regularizao proposta na rea. Esta situao configurou-se ao longo da existncia do BNH e, posteriormente, quando a Caixa Econmica Federal, com a extino do BNH em 1986, assumiu a responsabilidade pelo Programa PROMORAR (CAVALLAZZI, 1993, p. 12).

    Por vrias vezes surgiam desconfianas por parte dos moradores devido aos atrasos nas obras e ao no cumprimento dos cronogramas e, neste sentido, as associaes de moradores tiveram um papel de suma importncia ao criarem a CODEFAM Comisso de Defesas das Favelas da Mar onde exerceram forte presso para que as promessas de campanha fossem cumpridas (SANTOS, 2005).

  • 30

    Essa relao de estreitamento entre a CODEFAM e o DNOS, resultou, para os

    moradores da Mar, em um documento oficial emitido pela Comisso, com algumas

    reivindicaes da populao. De acordo com Valladares, as principais eram:

    No remoo das favelas;

    Possibilidade de dilogo entre presidentes de associaes e tcnicos do

    BNH;

    Urbanizao completa da rea consolidada das seis favelas, inclusive com a

    venda dos lotes aos moradores;

    Construo de casas baixas, e no de apartamentos em terrenos urbanizados

    para as famlias residentes nas palafitas (VALLADARES, 1985, p. 77).

    Conforme o projeto inicial, o rgo responsvel pela campanha de

    esclarecimentos do programa seria a Fundao Leo XIII, que se responsabilizaria

    pelos contatos com as lideranas comunitrias neste sentido, abrir-se-ia um canal de

    comunicao e de participao dos moradores.

    Em 22.06.1979 houve uma reunio na Universidade Federal do Rio de Janeiro

    (UFRJ) com membros do grupo de trabalho, criado pela Reitoria da Universidade,

    para estudar as conseqncias do PROJETO RIO na rea do campus.

    Paralelamente a essa reunio, o Diretrio Central dos Estudantes (DCE) da UFRJ e

    o Centro Acadmico de Engenharia promoveram um debate entre professores,

    estudantes, representantes das Favelas da Mar, da Federao das Associaes de

    Favelas do Rio de Janeiro e parlamentares, sobre a urbanizao e erradicao das

    favelas. Alm de manifestarem desconfiana em relao ao projeto, todos so

  • 31

    favorveis participao da comunidade favelada nas decises, para a garantia da

    posse das terras.

    Neste sentido, o Presidente da CODEFAM, Manuellino Silva, fez o seguinte

    comentrio respeito das remoes das favelas:

    O ento Presidente das Associaes de Favelas do Rio de Janeiro, Irineu

    Guimares, corroborava o pensamento de Manuellino Silva, quando cita que:

    Continuando a saga por apoio, a CODEFAM requisitou auxlio a Dom Eugenio

    Sales, Cardeal da Cidade do Rio de Janeiro a poca, para que este realasse a

    necessidade dos moradores serem ouvidos para o bom andamento do projeto12. Em

    16/07/1979, um ilustre personagem visita o Conjunto de Favelas da Mar, o

    arquiteto Oscar Niemeyer (vide foto 7), que caminhou por boa parte da regio e

    pode constatar que, contrrio a que muitos diziam, a mancha de palafitas no era a

    maior parte das habitaes, e sim as favelas eram como verdadeiros bairros13.

    Nesse instante ocorrem dois pontos positivos a favor dos moradores da Mar.

    Como noticiado na mdia14, apenas os moradores das palafitas seriam remanejados

    para futuras localidades a serem construdas em outras reas na Mar, como citado

    anteriormente. Esse acordo teria sido realizado entre o DNOS, a CODEFAM e os

    alunos e professores da Faculdade Silva e Souza, onde o arquiteto lecionava.

    12

    Jornal O Globo, 19/06/1979, p. 09. 13

    Jornal O Globo, 16/07/1979, p. 09 e 17/07/1979, p. 13. 14

    Jornal O Globo, 27/07/1979, p. 11.

    O Governo me pediu um crdito de confiana que eu no posso dar, pois temos apenas a palavra do Ministro e um acordo verbal com o Diretor-Geral do DNOS. Mas os governos mudam. Polticos e idias mudam. No temos garantias porque no conhecemos o projeto. Soubemos, pelos jornais, de um esboo apenas. No sabemos os interesses que existem por trs disso tudo (UFRJ...,1979).

    As comunidades faveladas nunca tiveram apoio oficial. O Governo tem

    verbas para fazer praas, parques, urbanizar toda a Barra da Tijuca, mas

    no pode dar uma manilha para o favelado fazer seu sistema de esgoto. A

    opinio da CODEFAM e da Faferj uma s: as comunidades tm de

    participar das decises para garantir a posse de suas terras (UFRJ..., 1979).

  • 32

    Foto 7 Oscar Niemeyer em visita a Mar

    Fonte: Stio da Ao Comunitria do Brasil

    15

    construdas casas mistas (vila de casas e apartamentos), de acordo com as suas

    reivindicaes.

    Ao trmino do programa, foram erguidas duas vilas de casas (novas favelas na

    Mar), a Vila do Joo e Vila do Pinheiro16 e dois conjuntos habitacionais (de acordo

    com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatsticas (IBGE) os conjuntos

    habitacionais no so considerados favelas), o Conjunto Pinheiro e o Conjunto

    Esperana.

    De acordo com Valladares (1985, p. 72) foram erguidas, no Setor Pinheiro,

    4.272 casas-embrio e 2.760 apartamentos e, no Setor Mar, 1.039 casas-embrio

    e 1.280 apartamentos, totalizando 5.311 casas e 4.040 apartamentos.

    Esta mesma autora afirma que seriam distribudos 12.000 ttulos de

    propriedade17 dos terrenos aos moradores da rea consolidada das seis favelas e

    esta distribuio seria feita a preo simblico com diferentes formas de pagamento,

    cujas mensalidades no poderiam ultrapassar a 10% do salrio mnimo (1985, p.

    73).

    15

    Disponvel em: http://www.acaocomunitaria.org.br/institucional/apresentacao_1024x768.html Acesso em 19.10.2012. 16

    De acordo com Steinert este foi o setor que teve o melhor tratamento pela Consultora, a Engevix, pois foi prevista a implementao de 4.300 lotes, sendo 1.300 no trecho prioritrio sobre o solo existente e 3.000 sobre o aterro hidrulico (1983 p. 171). 17

    De acordo com Oliveira, no que refere distribuio de ttulos de propriedade, calcula-se em torno de 10 mil o nmero de habitaes que tero sua situao regularizada, nas seis favelas que compem o subconjunto de Ramos, rea definida como prioritria pelo Projeto (OLIVEIRA et alii, 1983 p. 245).

    De acordo com a CODEFAM a primeira

    vitria para os moradores da Mar era o

    apoio dado pelos tcnicos da Engevix, que

    deram suporte populao no sentido de

    serem os responsveis pelo projeto de

    arruamento e que somente as moradias que,

    de alguma forma, prejudicassem o traado

    das ruas viriam a baixo, e os barracos que

    localizavam-se na rea de aterro

    poderiam ser substitudos por sobrados com

    vos independentes. J a segunda

    conquista seria a garantia de que fossem

    construdas

  • 33

    O PROJETO RIO poderia ser dividido em dois momentos distintos:

    * de 1979 a 1981, e que foi marcado pela criao de um grupo de trabalho,

    resultante de um protocolo assinado entre o Governo Chagas Freitas, o Ministro do

    Interior e um representante do Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, em 15/06/1979,

    * e o segundo instante foi de 1981 at o fim do programa em 1984.

    Esse grupo de trabalho recebeu a tarefa de definir as responsabilidades dos

    diversos rgos pblicos que viriam a participar de forma direta no PROJETO RIO.

    Os trabalhos desse grupo tiveram a superviso do Conselho Nacional de

    Desenvolvimento Urbano (CNDU) e foram coordenados pelo DNOS e compostos da

    seguinte forma:

    Ao nvel federal, participavam os representantes do DNOS, do BNH e do

    Ministrio do Interior;

    Ao nvel estadual, participavam os representantes da Secretaria de Obras e

    Servios Pblicos (a SEOSP), da Secretaria de Planejamento da

    Governadoria do Estado do Rio de Janeiro (a SPGERJ) e da FUNDREM;

    Ao nvel municipal, participava o representante da Secretaria Municipal de

    Planejamento (VALLADARES, 1985).

    Aps esse instante, o Grupo de Trabalho apresentou um documento tcnico

    que definiu os preceitos que deveriam orientar as propostas sociais, de saneamento

    e financeiras do projeto, era condio bsica de execuo do programa que no

    houvesse remoes dos moradores de seu territrio de origem.

    Em julho de 1980 a empresa ENGEVIX Estudos e Projetos S/A foi a

    vencedora da licitao pblica que foi aberta em janeiro de 1980, pela FUNDREM.

    Essa empresa definiu o projeto em trs momentos:

    a) Incio das obras de aterramento e relao mais estreita entre o DNOS,

    representante do Ministrio do Interior e a CODEFAM, representante dos

    moradores da Mar.

    b) Etapa de implementao das obras do PROJETO RIO, com o levantamento

    cadastral realizado pela FUNDREM (junho de 1980 a maro de 1981).

    c) O BNH passa a exercer supremacia sobre os rgos pblicos envolvidos no

    projeto (junho de 1981). O banco tornar-se-ia o responsvel pela realizao

    do trabalho relativo titulao da propriedade atravs da Diretoria de

    Terras e pelo cadastramento das palafitas, atravs da SESHE (1985, p.

    81).

  • 34

    Em 05/07/1980, o Jornal O Estado de So Paulo, publica uma matria sob o

    ttulo Governo constri casas para acabar com favelas, onde o ministro do interior,

    Mrio Andreazza estava presente no conjunto de favelas da Mar o qual assinou

    contratos referentes s obras do aterro hidrulico, como visto na foto 8. Nesta

    matria realado o compromisso dos rgos comprometidos com as obras, como

    cita o dito jornal:

    Foto 8: Ministro Mrio Andreazza inspeciona o trabalho da Draga Kiel

    Fonte: Jornal O Estado de So Paulo (05/07/1980, p. 17).

    De acordo com o jornal, o encontro e a assinatura dos contratos referiam-se

    execuo das seguintes obras:

    Plano geral de ocupao e detalhamento da rea prioritria (urbanismo);

    Plano bsico de macro e microdrenagem;

    Saneamento bsico;

    Energia e iluminao; e

    Abastecimento de gs.

    A distribuio dos ttulos de propriedade para os moradores teve incio na

    favela do Morro do Timbu, em junho de 1981. Em agosto desse mesmo ano j

    Ao assinar ontem trs contratos no valor de Cr$ 122,6 milhes para acelerao das obras, o ministro Mrio Andreazza, do Interior, revelou que a partir de agora o Projeto Rio torna-se uma realidade palpvel, pois em muito pouco tempo o Estado estar livre de uma de suas maiores favelas. O ministro, acompanhado do diretor do DNOS, Jos Reinaldo Carneiro Tavares, e do presidente do BNH, Jos Lopes de Oliveira, visitou o terreno onde sero construdas 1400 casas para os favelados, ao lado do prdio do Ministrio da Sade, na avenida Brasil (GOVERNO..., 1980).

  • 35

    haviam sido distribudos 562 ttulos 40,3% do total previsto para esta favela, de

    acordo com matria do Jornal O Estado de So Paulo, de 05/07/1980, pgina 17.

    De forma resumida podemos pontuar as realizaes do PROJETO RIO at

    1984 na rea prioritria:

    Obras de aterro: Concludos um total de 256,2 hectares nos seguintes

    setores: a) Setor Caju (30 ha), Setor Pinheiros (66 ha), Setor Mar (35 ha),

    Setor Ramos (7,2 ha) e Setor Misses (115 ha).

    Obras de instalao de Unidades Residenciais: Setor Pinheiros: 1.546

    unidades habitacionais que compem a Vila do Joo; Vila Pinheiro (2.300

    casas e 1.360 apartamentos);

    Obras de Infra estrutura: Criao das vilas do Joo e Pinheiro.

    Sintetizando, o PROJETO RIO, no que concerne s reas do Conjunto de

    Favelas da Mar, teve como finalidade realizar interveno que se apia em trs

    grandes linhas de ao: a erradicao das palafitas (ver foto 9) com o

    remanejamento da populao para o setor Pinheiro e Vila do Joo; a transferncia

    da propriedade aos moradores do Conjunto de Favelas da Mar no removidos; e a

    urbanizao da rea remanescente da Mar. (SILVA, 1984).

    De acordo com a FUNDREM, o objetivo maior do PROJETO RIO

    Foto 9: Remoo dos moradores das palafitas da Mar dcada de 1980

    Fonte: Sandra de Souza. Disponvel em: http://www.flickr.com/photos/sandra_de_souza/5910649280/in/set-72157627212640415/

    a recuperao de reas alagadas s margens da Baa de Guanabara, entre a Ponta do Caju, no municpio do Rio de Janeiro, e a foz do Rio Iguau no Municpio de Duque de Caxias, passando essas reas a se beneficiar de um programa de melhorias fsico-urbansticas e sociais (1979, p. 3).

  • 36

    Em 11/06/1981, o jornal O Estado de So Paulo faz uma reportagem sob o

    ttulo Figueiredo entrega os terrenos aos favelados do Projeto Rio, a respeito da

    entrega, por parte do ento Presidente da Repblica Joo Baptista Figueiredo, de

    terrenos que seriam destinados aos moradores da Mar, referentes ao PROJETO

    RIO. Na matria, o jornal exalta a visita do Presidente no Conjunto de Favelas da

    Mar onde seriam entregues os primeiros ttulos de propriedade:

    Em relao a esse dispositivo do Programa Promorar, que salientava a

    necessidade de que o valor das novas moradias no ultrapasse a quantia de 10% do

    salrio mnimo vigente poca aos moradores da Mar, os muturios ingressaram

    na 1 Vara da Justia Federal, Seo do Rio de Janeiro, em dezembro de 1983

    atravs do advogado da FAMERJ18, Sr. Edgard Ramos da Silva Rego Junior, com

    uma ao ordinria contra o Banco Nacional de Habitao, e a Companhia Estadual

    de Habitao do Rio de Janeiro (CEHAB), devido ao aumento abusivo no valor das

    taxas inicialmente acordadas.

    O acordo inicial com os muturios (792 do total de 1.400 famlias), realizado

    entre o Governador Chagas Freitas, o Ministro do Interior Mrio Andreazza e o

    Presidente da Repblica, General Joo Baptista Figueiredo, transcritos nos jornais,

    em panfletos, cartilhas e revistas da poca, era que a taxa de ocupao durante seis

    meses e posteriormente prestaes durante trinta anos, no ultrapassassem o valor

    18

    A Federao das Associaes de Moradores do Estado do Rio de Janeiro uma entidade civil, sem fins lucrativos e sem carter poltico partidrio e religioso, fundada em 05/01/1978 e tem como principais objetivos: Congregar Associaes de Moradores; Representar e defender os interesses de suas associaes; Defender a melhoria da qualidade de vida; Defender os muturios na luta por sua moradia; Preservar o patrimnio histrico, artstico e paisagstico; Estimular, promover e ajudar a criao de novas Associaes; e Defender os interesses da coletividade do Estado do Rio de Janeiro (www.famerj.com.br).

    O presidente Figueiredo visita hoje tarde a rea do Projeto Rio, onde far a entrega dos primeiros 300 ttulos de propriedade dos terrenos da favela do Timbu. At o final do ano, segundo tcnicos responsveis pelo projeto, as duas mil famlias que atualmente residem nos 1.300 barracos sobre palafitas j estaro em novas moradias, construdas no Setor Pinheiros. O custo total do Projeto Rio est estimado em Cr$ 28 bilhes, financiados parte com a venda de terrenos e casa aos atuais moradores da regio e parte pela venda dos terrenos destinados indstria. As prestaes dos financiamentos para aquisio de casa prpria, includa a parcela do terreno, no podero ultrapassar 10% do salrio mnimo, com o preo mdio da casa-embrio e do respectivo terreno girando em torno de 250 a 260 UPCs e prestao de Cr$ 450,00, nunca ultrapassando o limite de 300 UPCs, de acordo com s normas do Promorar (FIGUEIREDO..., 1981). Grifo nosso.

  • 37

    de 10% do salrio mnimo da poca19. De acordo com o documento da Federao

    de rgos para Assistncia Social e Educacional (FASE) de 1987, Aconteceu na

    Justia, em novembro de 1982 eclodiu o problema com os moradores: a taxa de

    ocupao correspondia a aproximadamente 50% do salrio mnimo vigente e, em

    julho de 1983, a surpresa maior quando do recebimento dos carns de pagamento

    das prestaes, essas foram reajustadas em 130,42%, algo em torno de 80% do

    salrio mnimo da poca.

    Atravs de Acrdo do Tribunal Federal de Recursos, de 15.10.1986, referente

    Apelao Cvel n 107.905, impetrada pelo advogado da FAMERJ em favor dos

    muturios da Favela da Mar, o relator, Ministro Eduardo Ribeiro, considerou a

    CEHAB culpada e obrigou a companhia a cobrar o que tinha sido acordado poca

    da campanha publicitria (desencadeada em 1982, atravs dos governos Municipal

    e Estadual) em todos os jornais do Estado do Rio de Janeiro, bem como em folhetos

    e revistas distribudas no conjunto de favelas da Mar.

    A titulao de propriedades das reas ocupadas por favelas um importante

    instrumento de cidadania e de incluso social. A titulao do domnio destas reas

    confere a seus moradores maior segurana quanto sua permanncia no local e

    garantia de prestao regular de servios pblicos. Representa, ainda, a

    oportunidade de uma maior apropriao de valor econmico, seja no caso de

    alienao do imvel ocupado ou na obteno de crdito, uma vez que a propriedade

    pode ser utilizada como garantia real para contrair emprstimo (COMPANS, 2003, p

    41).

    Aps a retirada dos moradores residentes nas palafitas, por volta de

    1981/1982, e a alocao destes nas novas favelas surgidas naquele instante,

    Conjunto Esperana e Vila do Joo (ambas em 1982) e Vila do Pinheiro e Conjunto

    Pinheiros (1989), passa-se a um novo momento em relao quelas famlias que

    continuaram em seu local de origem, a regularizao fundiria de seus imveis.

    19

    Em relao ao esquema de financiamento que rezava o Projeto, como era compatibilizar o valor das prestaes com a renda dos moradores, tendo-se estipulado em 10% do salrio mnimo a ser cobrado como mensalidade, a soluo criada para resolver o impasse entre o preo cobrado e o custo das moradias, planejou-se a constituio de um fundo especial para o BNH com recursos a fundo perdido. Vrias fontes so apontadas pelos tcnicos do Governo como fornecedores de recursos para a formao de tal fundo, como o lucro e o Imposto de Renda do BNH, o Imposto de Renda das COHABs e recursos antes destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano. Estima-se que este montante, juntamente com as aplicaes normais do BNH, seja suficiente para financiar a construo das habitaes (OLIVEIRA et alii, 1983, p. 249).

  • 38

    Como dito anteriormente, os ttulos foram concedidos a partir de junho de 1981,

    na favela do Morro do Timbu, e isso se deu motivado pelo fato desta favela ser a

    nica instalada em rea seca, no pantanosa, evitando, desta forma, gastos

    desnecessrios em aterramento da regio. Desta maneira, o capital seria realocado

    em outra espcie de investimento, como por exemplo, a construo de habitaes

    em alvenaria, bem como, servios bsicos, como afirma Vaz (1994, p. 5).

    Alm da regularizao fundiria, o PROJETO RIO previa, tambm, a

    urbanizao da regio e, neste sentido, o Morro do Timbu assistiu a um maior

    impacto no que tange questo da aferio de ttulos de propriedade. Isso remete

    ao fato de que por iniciativa dos prprios moradores, alguns servios pblicos j

    tinham sido conquistados, como gua e energia eltrica, alm da coleta de lixo que

    j era realizada pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB).

    Em relao ao programa de titulao das propriedades, de acordo com

    Valladares, at outubro de 1984, a Diretoria de Terras do BNH havia entregue 4.889

    ttulos provisrios, distribudos da seguinte forma pelas seis favelas da Mar: Morro

    do Timbu (707), Baixa do Sapateiro (737), Parque Mar (545), Parque Rubens Vaz

    (932), Parque Unio (1.367) e Nova Holanda (601) (VALLADARES, 1985, p. 88).

    A questo da legalizao dos Programas de Regularizao Fundiria no pas,

    baseados na legalizao por ttulos de propriedade individual plena, no tm sido

    totalmente bem-sucedidos, como afirmam Fernandes; Alfonsin (2003, p. 25). Na

    viso desses autores, esses programas no tm se prestado a garantir a

    permanncia das comunidades nas reas ocupadas, deixando, assim, de promover

    a desejada integrao socioespacial.

    A titulao vem sendo feita em etapas, em reas constitudas por grupos de ruas, espalhadas pelas diversas favelas da Mar. A explicao para tal distribuio parcelada reside, segundo os tcnicos do Banco, no andamento dos processos de aquisio dos terrenos aos seus proprietrios originais. Na verdade, apesar de uma parte das favelas se localizar em terras criadas pelos moradores, outra se encontra situada em terrenos da propriedade privada ou pblica. O Estado vem adquirindo estas terras, em processos geralmente morosos, e medida que as transaes se concluem, os terrenos so liberados para serem repassados aos moradores. Por serem geralmente rgos pblicos os proprietrios dos terrenos, a sua aquisio se d muitas vezes atravs de cesso ou de venda a preos simblicos, irrisrios; algumas vezes, no entanto, o processo se faz pelas vias normais, a preo de mercado de rea ocupada... A favela do Timbu j foi inteiramente titulada, tendo seu terreno sido cedido pelo exrcito (OLIVEIRA et alii, 1983, p. 251)(grifo nosso).

  • 39

    Em relao regularizao fundiria associada a erradicao da pobreza

    esses mesmos autores afirma que:

    A seguir iremos apresentar um breve arcabouo jurdico no que tange ao

    desenvolvimento das atualizaes das leis que discorrem a respeito da

    regularizao fundiria no Brasil.

    para ser bem-sucedido, os programas de regularizao precisam ser

    combinados e apoiados por um conjunto de processos e mecanismos de

    vrias ordens: financeira, institucional, planejamento urbano, polticas de

    gnero, administrao e gesto fundiria, sistemas de informao, outros

    instrumentos jurdicos, processos polticos e de mobilizao social

    (FERNANDES; ALFONSIN, 2003, p. 26).

  • 40

    5 UMA BREVE HISTRIA DA REGULARIZAO FUNDIRIA NO

    BRASIL

    Antes de adentrarmos na discusso a respeito da regularizao fundiria do

    caso proposto nesta monografia, convm debruarmos nossa ateno legislao

    brasileira no que tange proposta desse captulo.

    Betnia de Moraes Alfonsin traa um quadro evolutivo bem sintetizado a

    respeito do regime fundirio brasileiro, dividido em quatro fases distintas, e

    mostrando aquilo que atualmente constitui-se, na viso da autora, em um conjunto

    de leis vlidas para todo o territrio do pas (1997, p. 36).

    O primeiro momento a autora classifica como regime sesmarial e que marcou

    a poca do Brasil Colnia (1530/1822), com o acesso terra submetido a

    concesses da Coroa, sob condio de til aproveitamento. O segundo instante

    batizado de regime de posse, onde esse tipo de sujeio da coisa imvel

    sobreviveu, de forma jurdica, at a promulgao da clebre Lei de Terras n 601, de

    1850, tornando-se pioneiro na definio dos meios de acesso terra, a partir do

    qual se proibiu outro tipo de titulao das terras pblicas que no o da compra, e se

    regularam as chamadas terras devolutas. J o terceiro instante o do usucapio20,

    e ocorre quando a aquisio da terra pela posse prolongada era reconhecida no

    perodo anterior ao Cdigo Civil de 1916 e se estendia a qualquer terra pblica, s

    devolutas, ou somente s terras privadas. O ltimo momento seria o negcio

    jurdico criado pelo art. 1 da Lei 601, de 1850 e pelo art. 135 do Decreto Lei 9760,

    de 1946 (atualmente revogado), onde a compra do bem pblico era a forma

    permitida de acesso a esse tipo de bem imvel.

    Desta forma, segundo a autora, o sistema da regularizao fundiria resume-

    se quando:

    20

    uma das formas de aquisio da propriedade que consiste na aquisio de um direito real, pelo exerccio da posse sobre um bem imvel, com nimo de dono, por um prazo determinado em lei (ALFONSIN 1997, p. 88).

    O solo do qual a populao retira o seu sustento, e sobre o qual ela exerce

    sua cidadania e o direito de morar, teve disciplina marcadamente pblica, em

    especial a partir de 1850, embora com cunho inequivocamente garantidor da

    propriedade privada. Direta ou indiretamente, regularizao fundiria

    interessam as leis que, em mbito nacional, disciplinam a propriedade da

    terra, as formas de sua titulao e posse, bem como os registros pblicos

    que a identificam e protegem (ALFONSIN, 1997, p. 37).

  • 41

    Alm das leis citadas anteriormente, considerando a regularizao fundiria do

    ponto de vista mais amplo, no se pode excluir o Estatuto da Terra, as leis que

    regulam as desapropriaes (3365/1941 e 4132/1962), a lei de parcelamento do solo

    urbano (6766/1979), as leis relacionadas com as licitaes e contratos

    administrativos, as disposies legais relativas aos livros de registro do patrimnio

    pblico e, principalmente, a Constituio Federal, as constituies de cada estado

    da Federao, e as leis orgnicas de cada municpio, como ordenamentos jurdicos

    direta ou indiretamente ligados disciplina do espao imvel (ALFONSIN, 1997, p.

    38).

    De acordo com Silva (2003, p. 25), a proposta do anteprojeto de 1977, base

    para a Lei de Desenvolvimento Urbano, foi divulgada atravs do Jornal da Tarde de

    24/05/1977, no formato de seis captulos, em um total de 58 artigos. No Captulo 8, o

    ttulo de regularizaes da ocupao dos terrenos urbanos, no foi includo no

    texto da ntegra do anteprojeto, pois havia divergncia junto ao grupo tcnico do

    Ministrio do Interior e o objetivo, seria propor medidas necessrias de

    aperfeioamento, simplificao e agilizao dos instrumentos e procedimentos para

    efetivar a regularizao fundiria e, neste sentido, os debates incorriam,

    principalmente, quanto s reas particulares ocupadas por favelas, onde a

    regularizao fundiria poder dispor de diversos mecanismos j existentes, como o

    usucapio, a desapropriao por interesse social, a negociao e as situaes de

    perda de propriedade por abandono admitidos em lei social21 (SILVA, 2003, p. 33).

    Em relao a Lei n 676622, de 1979, Alfonsin chama a ateno para a sua

    importncia quando:

    A preocupao em criar dispositivos legais para se obter uma legislao

    adequada realidade urbana levou o governo federal a encaminhar o primeiro

    21

    Jornal da Tarde de 27/01/1982. 22

    A mencionada Lei deu uma nova dimenso s relaes civis, enfatizadas no Decreto-lei n 58/37, deixando de olhar o ato de parcelar a terra como uma transao entre particulares, para enxerg-lo como um processo comprometido com o ordenamento do solo. Alm disso, relacionou aspectos civis, urbansticos, administrativos e penais, todos envolvendo o ato de parcelar a terra (FERNANDES e ALFONSIN 2003, p. 442).

    O esforo culminou com a Lei 6.766 de 1979, cujas disposies tentaram reunir a experincia legal, jurisprudencial e doutrinria acumulada at ento sobre os efeitos de um tal mercado no espao jurdico permitido por essa lei, estados e municpios tm aproveitado a competncia que ela lhes conferiu para disciplinar o parcelamento do solo (1997, p. 58).

  • 42

    Projeto de Lei (PL) do Poder Executivo dispondo sobre poltica urbana, o Projeto de

    Lei n 775/83, que dispe sobre os objetivos e a promoo do desenvolvimento

    urbano. Entre outras inovaes, esse projeto caracterizava-se pela:

    De acordo com o Motta (MOTTA, 2001, p. 17), os principais objetivos desse

    Projeto de Lei eram:

    a) Melhoria da qualidade de vida nas cidades, a ser alcanada mediante a

    adequada distribuio espacial da populao e das atividades econmicas;

    b) Integrao e complementaridade das atividades urbanas e rurais e;

    c) Disponibilidade de equipamentos urbanos e comunitrios.

    O Projeto de Lei (PL 775/83) teve origem no Conselho Nacional de

    Desenvolvimento Urbano, vinculado ao ento Ministrio do Interior, e, ao longo dos

    anos, continuou sendo referncia nos debates que se seguiram sobre a

    regulamentao do Captulo da Poltica Urbana.

    As atribuies outorgadas pela Constituio Federal de 1988 no mbito do

    desenvolvimento urbano implicaram maior flexibilidade da ao executiva e

    legislativa quando comparadas com aquelas da Constituio vigente at esse

    momento.

    Em 1988 promulgada a Constituio Federal e o Captulo II, da Poltica

    Urbana (artigos 182 e 183), integrando o Ttulo VII (Ordem Econmica e Financeira),

    representa o mais significativo ordenamento constitucional sobre desenvolvimento

    urbano. Nesta Constituio Federal elaborado um importante instrumento de

    poltica urbana, o usucapio, que visto da seguinte forma pelo Estatuto da Cidade:

    Em 1989 surge o PL 2.191, de autoria do deputado Raul Ferraz, que foi o

    primeiro projeto de lei sobre a promoo do desenvolvimento urbano apresentado

    explicitao do preceito constitucional da funo social da propriedade, adotando como pontos bsicos: a) oportunidade de acesso propriedade urbana e moradia; b) justa distribuio dos benefcios e nus decorrentes da urbanizao; c) correo das distores da valorizao da propriedade urbana; d) regularizao fundiria e urbanizao especfica de reas ocupadas por populao de baixa renda; e e) adequao do direito de construir s normas urbansticas (MOTTA, 2001, p. 16).

    O Usucapio Especial Urbano passou a ser importante instrumento de acesso terra pela populao de mais baixa renda. peculiaridade do usucapio transformar a posse em propriedade, sem nus para o Poder Pblico e sem intermediao do Executivo ou Legislativo, tornando o acesso terra urbana um processo de justia social (ESTATUDO DA CIDADE, 2011, p. 20).

  • 43

    aps a promulgao da Constituio Federal de 1988. O PL 2.191/89 constitui o

    Substitutivo apresentado pelo deputado ao PL 775/83. Uma das principais inovaes

    apresentada por esse Projeto de Lei foi a criao do instituto da usucapio especial

    de imvel urbano e, de acordo com o Estatuto da Cidade:

    Em 1990 surge o Projeto de Lei 5.788, conhecido como Estatuto da Cidade,

    que estabelece diretrizes gerais da poltica urbana e d outras providncias. O

    Estatuto da Cidade a lei federal brasileira n 10.257, de 10/07/2001, que

    regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituio Federal de 1988. De especial

    esse PL introduz:

    Em 1990 elaborada a Lei Orgnica do Municpio do Rio de Janeiro em seu

    Captulo V (Do Patrimnio Municipal), Seo II Dos Bens Imveis, o art. 237 trata,

    assim dos imveis de baixa renda para a regularizao fundiria:

    J o Captulo VI da Lei Orgnica, que trata respeito da Poltica Urbana, em

    seu art. 429, da Seo II Do Desenvolvimento Urbano, da Subseo I Dos

    Preceitos e Instrumentos cita nos incisos VI e VII sobre a poltica de

    desenvolvimento urbano que respeitar o seguinte preceito:

    Em razo do qual todo aquele que, no sendo proprietrio rural nem urbano, detiver a posse, sem oposio, por trs anos ininterruptos entre presentes ou cinco anos entre ausentes, de rea urbana contnua, no excedente a 125 metros quadrados, utilizando-a para moradia prpria ou de sua famlia, no importando a precariedade da edificao, adquirir-lhe- o domnio. Associao condominial de moradores, representada pelo sndico, poder promover em juzo a ao de usucapio especial coletivo de imvel urbano (2001, p. 21).

    O imposto predial territorial urbano, a contribuio de melhoria, o parcelamento e edificao compulsrios, o direito de preempo, o direito de construir, o direito de superfcie e de usucapio especial foram os instrumentos melhor elaborados no mbito do projeto (BRASIL, 2001).

    Os bens imveis do Municpio no podem ser objeto de doao nem de utilizao gratuita por terceiros, salvo, mediante autorizao do Prefeito, no caso de imveis destinados ao assentamento de populao de baixa renda para fins de regularizao fundiria, ou se o beneficirio for pessoa jurdica de direito pblico interno ou entidade componente de sua administrao indireta ou fundacional. Alterao dada pela Emenda Lei Orgnica n. 13, de 2002 - Vigncia: 05/07/2002 (RIO DE JANEIRO, 2010).

    VI urbanizao, regularizao fundiria e titulao das reas faveladas e de baixa renda, sem remoo dos moradores, salvo quando as condies fsicas da rea ocupada imponham risco de vida aos seus habitantes, hiptese em que sero seguidas as seguintes regras: a) laudo tcnico do rgo responsvel; b) participao da comunidade interessada e das entidades representativas na anlise e definio das solues; c) assentamento em localidades prximas dos locais da moradia ou do trabalho, se necessrio o remanejamento; VII regularizao de loteamentos irregulares abandonados, no titulados e clandestinos em reas de baixa renda, atravs da urbanizao e titulao, sem prejuzo das aes cabveis contra o loteador (RIO DE JANEIRO, 2010).

  • 44

    A participao do Governo Municipal, no que tange regularizao fundiria,

    se dar da seguinte forma, de acordo com o art. 438 da Lei Orgnica:

    De acordo com o Captulo III da Lei Federal n 11.977, de 07/07/2009, a

    Regularizao Fundiria de Assentamentos Urbanos, assim definida:

    Conforme a cartilha elaborada pelo Ministrio das Cidades (2010, p. 11), os

    assentamentos apresentam normalmente dois tipos de irregularidade fundiria:

    irregularidade dominial, quando o possuidor ocupa uma terra pblica ou privada,

    sem qualquer ttulo que lhe d garantia jurdica sobre essa posse; e, urbanstica e

    ambiental, quando o parcelamento no est de acordo com a legislao urbanstica

    e ambiental e no foi devidamente licenciado.

    A efetiva integrao cidade requer o enfrentamento de todas essas questes,

    por isso a regularizao envolve um conjunto de medidas. Alm disso, quando se

    trata de assentamentos de populao de baixa renda, so necessrias tambm

    medidas sociais, de forma a buscar a insero plena das pessoas cidade.

    A irregularidade fundiria no se restringe aos assentamentos populares,

    existindo tambm bairros e loteamentos formados por famlias de mdia e alta renda

    que se encontram fora das leis. No caso dos assentamentos populares, os

    moradores foram obrigados a viver num bairro irregular por falta de alternativa legal

    de moradia. Nos demais, houve a opo por construir suas casas nos loteamentos e

    condomnios irregulares, apesar de terem condies financeiras para adquirir uma

    residncia legalizada.

    Para que se tenha um ordenamento legal que compreenda toda a cidade,

    necessrio regularizar esses dois tipos de situao, mas as condies e