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MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO INSTITUTO NACIONAL DO SEMIÁRIDO RELATÓRIO SEMESTRAL DE ATIVIDADES AGÊNCIA BRASILEIRA DA INOVAÇÃO-FINEP/CNPq/MCTI/INSA Raquel da Silva Santos Bolsista C AMPINA G RANDE - PB JULHO DE 2014

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MMIINNIISSTTÉÉRRIIOO DDAA CCIIÊÊNNCCIIAA,, TTEECCNNOOLLOOGGIIAA EE IINNOOVVAAÇÇÃÃOO

IINNSSTTIITTUUTTOO NNAACCIIOONNAALL DDOO SSEEMMIIÁÁRRIIDDOO

RR EE LL AA TT ÓÓ RR II OO SS EE MM EE SS TT RR AA LL DD EE

AA TT II VV II DD AA DD EE SS

AGÊNCIA BRASILEIRA DA INOVAÇÃO-FINEP/CNPq/MCTI/INSA

Raquel da Silva Santos

Bolsista

CC AA MM PP II NN AA GG RR AA NN DD EE -- PP BB

JJUULLHHOO DDEE 22001144

1. TÍTULO DO PROJETO

Semiárido em Tela 2. RESUMO DO PROJETO

O Projeto Semiárido em Tela é uma iniciativa do Instituto Nacional do Semiárido

(Insa) em parceria com o Projeto Cine Mandacaru com o objetivo de pesquisar,

capacitar, registrar e difundir a ciência e a tecnologia por intermédio do cinema,

sendo a própria população protagonista na produção de imagens (nos formatos

fotografias e vídeos) que contam histórias de convivência com o Semiárido. As

oficinas são realizadas em comunidades onde estão sendo desenvolvidos

projetos de pesquisa do Insa. No primeiro semestre de 2014 o Projeto Semiárido

em Tela realizou oficinas de alfabetização visual para crianças do Assentamento

Vitória, zona rural de Campina Grande-PB. Nesta comunidade atualmente é

desenvolvido pela equipe de recursos hídricos do Insa o Projeto Águas.

O Projeto Águas tem como objetivo desenvolver estudos de viabilidade técnica,

econômica, ambiental e social das tecnologias de captação de água de chuva e

de reuso de água com o intuito de garantir a segurança hídrica do

Assentamento. O Semiárido em Tela desenvolveu oficinas para os filhos das

famílias participantes do Projeto Águas com a intenção de desenvolver nas

crianças a capacidade de compreender, criar e produzir imagens fotográficas

com a temática sobre a questão da água no Semiárido, reconhecendo na

fotografia um meio privilegiado de expressão, comunicação e informação

pedagógica.

A popularização da ciência neste cenário consistiu em difundir as informações

da pesquisa que está sendo desenvolvida pelo Projeto Águas para a linguagem

infantil e na construção de um conhecimento que participasse dos saberes que

as crianças já detinham sobre a água: a convivência com a seca, as dificuldades

e os desafios da comunidade no armazenamento e uso racional da água. Como

resultados foram elaborados um acervo fotográfico com mais de 100 imagens

produzidas pelas crianças e uma exposição fotográfica reunindo uma seleção de

40 fotos deste acervo. A partir da leitura visual crítica dessas fotografias foi

possível ainda discutir sobre identidade e pertencimento comunitário para a

construção pelas crianças de uma nova imagem que represente o Semiárido:

rico e diverso.

3. DESCRIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES

O Projeto Semiárido em Tela realizou oficinas de 3 horas de duração semanais

durante o período de março a junho de 2014, na sede da Associação dos

Moradores do Assentamento Vitória. Foram realizadas uma oficina de

sensibilização e 13 encontros de estudos e técnicas visuais com a metodologia

de pesquisa ação onde a construção de conceitos e técnicas de fotografia foi

construída em conjunto com as crianças, e a partir do conhecimento adquirido

foram produzidas por elas imagens sobre a comunidade e sobre o Projeto

Águas.

Além da pesquisa ação, as práticas realizadas tiveram como referência a

educomunicação que possibilita que as crianças tornem se protagonistas das

expressões e informações geradas no processo e que utilizem a ferramenta

fotografia como meio educativo de aprendizado sobre o lugar em que vivem e

sobre a ciência aplicada nas comunidades através das pesquisas desenvolvidas

pelo Insa. Os conteúdos foram apresentados através de aulas teóricas e práticas

divididas em um encontro de sensibilização e três oficinas de formação,

conforme descrito:

Encontro de sensibilização

Na realização da sensibilização com as crianças foi apresentado o Insa e os

objetivos do Semiárido em Tela. Durante o encontro foram propostos exercícios

onde fosse possível identificar quem eram as crianças e quais as percepções

sobre fotografia e sobre o Projeto Águas elas tinham. Foi solicitado que as

crianças desenhassem um autoretrato e se apresentassem. Logo em seguida,

foi realizada uma contação de história, uma adaptação baseada nas botijas de

dinheiro que eram enterradas nas cidades do interior, crença do imaginário

popular da Paraíba. No caso, o dinheiro das botijas foi substituído por água. O

objetivo da atividade foi apresentar as formas de se contar uma história e como

podemos transformar a convivência da comunidade com a região semiárida em

desenhos.

Depois da contação, foi a vez das crianças contarem histórias individuais de

vivência com a água. Foi proposto que fosse construída uma história coletiva a

partir de depoimentos individuais. E assim se fez:

“Certa vez havia várias crianças que adoravam escutar histórias. Elas moravam

em um lugar muito bonito chamado Assentamento Vitória, só que lá muitas

vezes faltava água, passava um tempão sem chover. Até que um dia...”

“Começou a chover e as crianças começaram a guardar a água em um lugar

chamado cisterna...” (Andreza)

“Tinha uma cisterna que encheu 45 centímetros e outra cisterna chamada

calçadão que também encheu...” (Marcelo)

“Dona Cila, mãe de alguma dessas crianças, pegava essa água com o balde

para tomar banho e fazer comida...” (Luis Alberto)

“Tinha também o pluviômetro que servia para medir a água da chuva e saber

quanto a gente tem que guardar” (João)

“O bom quando chove é que enche o açude e dá para a gente nadar” (Alayne)

“A água deixa a planta verde” (Elen)

“Eu gosto da água para beber. A água do açude não é boa, ela é suja” (Adarlan)

“Com a água das cisternas deu para plantar palma e agave” (Anderson)

A partir das manifestações de cada uma das crianças no desenrolar da contação

de história sobre a sua comunidade, foi questionada se as cisternas já estavam

lá quando elas foram morar no Assentamento e se a água da chuva servia para

as pessoas da comunidade beberem. Seguem as respostas:

“Não, era uma antiga fábrica que na época tinha uma cisterna, só a calçadão

que foi construída a partir da estrutura que ficou de um antigo galpão” (Marcelo)

“Quem construiu as cisternas, limpou e cuida hoje são nossos pais e todo

mundo” (João)

“A gente bebe, mas é suja” (Anderson)

Depois do diálogo sobre a história narrada as crianças representaram o que

ouviram em desenhos. Todas elas desenharam o sistema de abastecimento de

água (1ª fase do Projeto Águas). Em alguns desenhos destacaram-se as

plantações de palma e agave localizadas próximas ao sistema de abastecimento

de água de chuva.

Em alguns desenhos apareceram elementos não identificados no coletivo, como

por exemplo, no retrato da comunidade feita por João há uma rede de

transmissão de energia que segundo ele “não existia e foi uma conquista da

gente”. Ele também desenhou o pluviômetro do sistema de abastecimento e

explicou que aquele instrumento funcionava para medir a água da chuva e que

era importante “porque ajudava saber o quanto de água que a comunidade

poderia guardar”.

Já no desenho de Marcelo ele inseriu a medição de água coletada na cisterna e

colocou alguns moradores buscando água na cisterna. Inclusive as poucas

pessoas que as crianças retrataram eram seu Severino e dona Cila, duas

grandes referências e lideranças comunitárias, que são fortemente

representados por elas em seus retratos sobre o Assentamento.

Adarlan foi o único que desenhou a placa solar e explicou que o instrumento

ajudava a movimentar a água da cisterna de pedra. Alayne a desenhou nadando

no açude após a chuva demonstrando que a água pode ser utilizada também

para o lazer das crianças.

Outro desenho que chamou a atenção foi feito por Luis Alberto (Lula) ele

desenhou um sistema de encanamento que leva a água da cisterna até as duas

caixas d’águas e dessas para a sua casa. Todos os desenhos apresentaram

elementos que já existem no Assentamento, que foram construídos pela própria

comunidade através do Projeto Águas, no caso de Luis ele apresenta um

imaginário de perspectiva, do que se quer ter no Assentamento. “Não existe

ainda, mas vai ter. Não tinha água nas cisternas agora tem”, responde Luis

quando questionado sobre a água chegar diretamente na sua casa.

Local onde foram realizadas as oficinas Brincadeira para interagir e envolver as crianças

Contação de história. Desenhos sobre a percepção sobre a água na

comunidade

Oficinas de alfabetização visual

As oficinas foram divididas em 13 momentos com um enfoque lúdico que

trataram dos seguintes aspectos:

Encontro 1: O que é fotografia? Análise e descrição de fotografias. Estudo

de luz e sombra.

Encontro 2: Como se constrói uma imagem? Construção de câmera

artesanal. Aguçando o olhar.

Encontro 3: Qual mensagem uma imagem carrega? Quais os temas

podem ser discutidos a partir da fotografia? O que se pode aprender

através do olhar.

Encontro 4: A câmera fotográfica. A mesma realidade, enfoques diversos:

visão, ângulo e enquadramento. Os planos de fotografia.

Encontro 5, 6 e 7: Expedição fotográfica – Qual é o caminho da água na

nossa comunidade? O Projeto Águas no Assentamento Vitória.

Encontro 8: O álbum da comunidade: assim somos nós, assim é a nossa

comunidade. O autorretrato.

Encontro 9: Descobrimos nosso território. Elaboração de mapas sociais:

nossa comunidade hoje e a comunidade de nossos sonhos.

Encontro 10,11 e 12: Produção exposição: seleção das fotos, como serão

expostas, onde serão expostas, o que poderemos expor, qual a

programação, quem iremos convidar para conhecerem nossas fotos,

funções e responsabilidade de cada um.

Encontro 13: I Exposição dos Pequenos Fotógrafos do Assentamento

Vitória.

A prática, no caso da alfabetização audiovisual com crianças, é essencial para

que elas possam compreender a técnica. Iniciamos o fazer fotográfico no

Assentamento contando sobre a origem da fotografia através de imagens e de

brincadeiras de luz. A primeira ação foi construir uma câmera de papelão

artesanal com a colaboração de todos. As atividades que envolveram a

participação integral dos alunos proporcionaram melhor entendimento posterior

dos conteúdos. A caixa, isolada de todas as entradas de luz, teve uma única

janela na lateral em forma retangular, que simulou o visor fotográfico.

A saída fotográfica com a câmera feita pelos participantes foi muito proveitosa

considerando que os alunos poucas vezes tiveram contato com uma câmera

fotográfica, o fato de realizarem a simulação trouxe, de forma bem simplificada,

como se pode pensar o olhar fotográfico e como a fotografia é construída a partir

do modo como cada um individualmente enxerga sua comunidade. Todos os

participantes simularam retratos de seus familiares e dos desenhos feitos por

eles em aulas anteriores. Os desenhos apresentaram o olhar deles sobre o

circuito da água na comunidade e a relação das pessoas com a água. Algumas

questões foram levantadas durante o percurso: O que queremos mostrar na

nossa imagem? Qual é o meu objetivo com esta foto? Qual a melhor forma de

enquadrá-la? A luz é boa? Por que a minha foto às vezes fica com sombra? Meu

desenho tem muita coisa, como vai sair tudo na minha fotografia?

Aprendendo sobre enquadramentos Brincando de fotografar a placa solar

Encontrando melhor ângulo para a plantação de palma

Fotografando a comunidade

Posterior o contato das crianças com máquinas artesanais iniciamos o ensino

sobre a formação de uma imagem a partir de alguns slides sobre as primeiras

experiências de fotografias. Utilizamos de algumas explicações ilustrativas para

iniciar a discussão de como uma imagem da comunidade vai parar dentro de

uma caixa escura que chamamos de máquina fotográfica.

Para exemplificar o aprendizado, foi proposta a construção de uma segunda

câmara, desta vez, escura para, na prática, visualizarmos a formação da

imagem. Com o instrumento discutimos técnicas fotográficas como

distanciamento e proximidade (zoom) do objeto a ser fotografado. Incidência da

luz na composição de uma imagem. Os diferentes tamanhos do buraco (lente)

que faz a imagem estar invertida quando a enxergamos dentro da caixa.

A partir da prática que foi realizada com a câmera artesanal e também com a

câmera escura, eles tiveram mais facilidade no manuseio da digital. Apesar de

não terem equipamentos fotográficos, alguns deles lembraram que já haviam

tirado fotografias com as câmeras emprestadas pela equipe do Insa durante as

ações do Projeto Águas na comunidade, o que facilitou as explicações sobre o

funcionamento e as características de uma câmera digital.

Com imagens coladas na parede da Associação de cada parte de uma câmera e

uma máquina na mão para comparativo, foi demonstrou o passo a passo de

como fotografar. As crianças começaram então a fazer as análises comparativas

entre a câmara escura que foi construída e a máquina fotográfica digital: a caixa

escura que fizemos é o corpo de uma máquina fotográfica, a imagem é

capturada a partir da incidência de luz dentro desse corpo e que o buraco feito

na caixa de papelão é a lente (olho) de uma câmera digital, quando tiver pouca

luz dentro de um ambiente, podemos ligar o flash da câmera.

Foi apresentado ainda as diferenças de dois tipos de imagens que se pode fazer

dos objetos a serem fotografados: retrato e paisagem. E sugerimos que a nossa

saída fotográfica fosse feita para fotografar dois objetos, um em formato de

retrato e outro em formato de paisagem. No entanto, choveu, e decidimos fazer

a experiência dentro da própria Associação onde estávamos. E Erick, um dos

participantes, foi o modelo para que cada uma das crianças pudesse testar as

máquinas fotográficas.

Após as fotos produzidas pelas crianças, sentamos em uma roda e projetamos

cada uma das imagens e as analisamos. Aproveitamos para discutir também

sobre composição, ou seja, sobre organizar os elementos que formam a imagem

em sua totalidade. Relembramos que havíamos aprendido sobre isso nos

encontros anteriores quando realizamos a saída com a câmera artesanal, onde

cada “olhada” pelo “buraco” nos exigia um jeito de olhar, um modo de selecionar

elementos, a cuidar dos vazios e a direcionar a visão para o mais importante.

Outro tema que trouxemos a partir da análise das fotos foi o enquadramento, na

saída fotográfica com as câmeras artesanais também brincamos com molduras

de papelão que orientavam sobre a direção do objeto a ser fotografado. O que

cada um dos pequenos fotógrafos gostaria que tivesse em seu enquadramento e

qual mensagem gostaria de identificar e transmitir com aquele tipo de

enquadramento (mais aberto ou mais fechado).

Nos outros encontros foi a vez de aprender sobre planos e sair novamente para

fotografar. Para isso utilizamos de uma apresentação em power point para

orientá-los sobre os principais planos fotográficos (geral, médio, inteiro,

americano, detalhe e próximo), alguns dos participantes já sabiam explicar em

decorrência de já termos introduzido o assunto quando analisávamos as

imagens feitas por eles. Cada um dos participantes produziu duas fotos, eles

tiveram que escolher o formato (paisagem e retrato) e qual plano seria realizado.

Deixamos a temática livre para que eles pudessem escolher quem ou o que

fotografar na comunidade. Alguns tiraram fotos do sistema de abastecimento de

água e grande parte escolheu fotografar seus familiares, mais uma vez

destacamos como as imagens deles e de pessoas próximas as crianças fazem

parte do universo imagético delas. A fotografia é um instrumento de retratar

aqueles que elas estimam e gostariam de ver nas imagens produzidas.

Câmara escura Como funciona a máquina fotográfica

As primeiras fotografias Saída fotográfica

Fotografia enquanto registro da e para a comunidade e do Projeto Águas

Após as oficinas de técnicas e uso de equipamentos aprofundamos sobre a

temática da água na comunidade. Como era antigamente e como é atualmente o

uso da água pelas famílias. Fizemos uma breve trajetória histórica e social

(modos e costumes de uso) do recurso hídrico na comunidade. A discussão teve

início com algumas perguntas norteadoras:

A água está presente na nossa comunidade de que forma?

Como ela chega até as nossas casas?

E como a água é usada na nossa comunidade?

Há falta de água na comunidade? Quais são os meses em que ela falta?

Qual a previsão e formas de abastecimento para este ano e para o

próximo?

As crianças responderam que há alguns anos as famílias pegavam água no

açude do Xorró (nome do proprietário da terra onde está localizado o açude),

mas que está seco hoje. Mesmo com esse açude, as famílias também recebiam

e ainda recebem água proveniente do caminhão pipa que segundo eles “traz

água do açude Boqueirão duas vezes por mês, uma no começo e outra no final”,

no entanto uma das crianças ressaltou que tem mês que o caminhão não vem

na comunidade. A quantidade recebida pelo caminhão pipa é de 20 litros de

água por dia. É dessa água que eles utilizam para beber e fazer a comida. Para

lavar a louça, dar de beber aos animais e molhar algumas poucas plantações é

com a água de outro açude que fica mais ou menos uns 5 km da comunidade.

Uma das crianças trouxe uma questão à tona durante a discussão: “O sistema

de abastecimento (1ª fase do Projeto Águas) deveria coletar nossa água para

podermos utilizá-la, mas não estamos fazendo nada com a água de lá. Então

temos água desse açude, do caminhão pipa e compramos de vez em quando”.

Retrucamos com outra pergunta: “Por que elas não poderiam usar da água

proveniente da cisterna calçadão?”. Elas não souberam responder. Solicitamos

que elas perguntassem aos pais que participavam das ações do Projeto Águas e

trouxessem a resposta na próxima oficina. Disseram ainda sobre as biqueiras

das casas que fazem o caminho de coleta da água da chuva até as cisternas e

dos poços que também são fontes de água. Perguntamos se havia algum poço

na comunidade, elas responderam que não. Ressaltamos a importância deles

responderam a partir da realidade que eles vivenciam porque as fotos deveriam

ilustrar esse contexto.

Após a discussão, entregamos as máquinas fotográficas para as crianças e

seguimos novamente em expedição pela comunidade. Quando chegamos aos

locais identificados pelas crianças encontramos fontes de água que são

impróprias para o consumo. Não podemos afirmar, pois não sabemos como

estão os índices da qualidade da água, mas somente pela aparência

percebemos uma eutrofização da água (uma camada verde sobre a água)

provavelmente pelo alto teor de minerais e também coliformes fecais (próximo a

margem foi observado um número considerável de caramujos). Havia ainda um

mau cheiro nos dois açudes que visitamos. Mesmo assim as crianças menores

entraram na água, encontraram alguns jovens coletando água em carroças e

também em baldes e aproveitaram para fazerem as fotografias.

Testaram os planos e estilos fotográficos. As crianças maiores entenderam

melhor a questão da incidência da luz, logo para algumas fotos utilizaram do

flash para complementar a luz. Os pequenos acabam imitando as fotografias

tiradas pelos maiores e a cada clique querem apresentar as fotos feitas para nós

para identificarmos a qualidade e a beleza da imagem.

As crianças ainda mencionaram um terceiro açude onde eles nadam aos finais

de semana, e fomos direto a um dos lugares que ainda não tínhamos

fotografado: o Açude da Fazenda. Antes de iniciarmos de fato os cliques,

orientamos os alunos para que fotografassem dois planos, uma fotografia em

plano geral e outra em plano detalhe. E assim foi feito, todos eles se planejaram

para fazer as fotografias nos planos sugeridos.

No momento em que estávamos no Açude da Fazenda, as crianças tiveram a

ideia de produzir uma imagem, na qual um deles estaria tomando banho no

açude. Então sugeriram pegar um balde emprestado e produzir algumas fotos

no açude do agave. As crianças costumam brincar e tomar banho aos finais de

semana no açude da fazenda e do agave.

Depois disso voltamos ao antigo roteiro para fotografar os outros locais que

ainda faltavam imagens, como por exemplo, o plano inteiro da cisterna calçadão,

algumas casas da comunidade, e a sede da Associação de Moradores, para

apresentar como funciona à biqueira que leva a água da chuva até a cisterna.

Desta vez, muito mais do que nas oficinas anteriores, os alunos buscaram

ângulos novos, e demonstraram ainda mais intimidade com o equipamento.

Foto tirada pelas crianças sobre as fontes e uso da água na comunidade

Foto tirada pelas crianças do sistema de abastecimento

As crianças tiram fotos do sistema de abastecimento Saída fotográfica

Visualidades cartográficas

Fizemos uma introdução sobre o conceito de mapa, para que servem e quem

eram os responsáveis pela sua produção. As crianças rapidamente relacionaram

os mapas como instrumentos de localização. “O mapa serve para a gente

localizar onde fica João Pessoa”. Perguntamos se elas já tinham visto o mapa da

comunidade onde moravam e se elas sabiam que existem mapas para localizar

e demarcar cidades e também os recursos hídricos. A nossa intenção em

construir o mapa foi delimitar a trajetória e relação da água com a comunidade a

partir da visão das crianças. Já havíamos produzido em conjunto um roteiro para

as saídas fotográficas, solicitamos que a partir do roteiro eles iniciariam os traços

do mapa.

Tivemos a participação de todas as crianças, seja no desenho, nos recortes, ou

na pintura. Um dos mapas retratava a realidade atual da comunidade. As

crianças fizeram questão de destacar as casas, todos os reservatórios de água,

como as cisternas e os açudes, a plantação de palmas e agave, os animais, e

principalmente o sistema de abastecimento do Projeto Águas, onde deixaram

um espaço considerável para desenhá-lo. Quando as crianças disseram que

haviam terminado, foi questionado porque não havia pessoas morando na

comunidade Vitória. Todos riram e começaram a traçar alguns moradores e eles

próprios no mapa. Reforçamos que no mapa feito por eles poderiam identificar o

que para eles é importante enquanto comunidade.

O outro mapa, elaborado em seguida, retratou a comunidade dos sonhos. Todos

os elementos do mapa anterior foram mantidos, porém um pouco mais bonitos e

coloridos. O interessante é que no mapa do futuro, as crianças acrescentaram

antenas de transmissão de energia em todas as casas e a encanação que liga o

sistema de abastecimento às residências. Questionamos porque o mapa estava

tão colorido, com pessoas caminhando na comunidade e mais infraestrutura que

o mapa anterior. As crianças responderam que aquele era o mapa da felicidade

e que eles acreditavam que um dia aconteceria tudo aquilo na comunidade a

partir das ações do Projeto Águas.

Fotografia enquanto memória do Semiárido

Como a fotografia contribui para o registro da memória de nossa comunidade? A

partir dessa pergunta construímos com as crianças o conceito de álbum de

fotografia e porque era importante para identificar os modos de viver de

determinada comunidade e período histórico. Uma das crianças respondeu que

“álbum são as fotos que eles tinham em casa quando eram ainda menores do

que são hoje”. Relembramos então que os mapas feitos anteriormente também

servem de registros. “Sim, um registro desenhado”, responderam. E como o

caminho das águas se insere nesse registro? Nesse imaginário da comunidade?

Discutimos sobre memória e interpretações de imagens que nos são trazidas

muitas vezes por pessoas que não moram na nossa comunidade. Uma das

crianças disse: “como a televisão?”, nos indagaram. Sim, como a televisão,

pelas revistas, pelos livros nas escolas e como é importante cada um de nós

construirmos nossas memórias, registrá-las na medida do possível e

encontrarmos meio de guardá-las. A partir desse contexto, perguntamos sobre

como a imagem da nossa região semiárida foi construída. E como as crianças

enxergavam o semiárido?

A partir das discussões, foi construído um álbum de fotografia com as imagens

que as crianças escolheram das fotos que haviam tirados durante as saídas

fotográficas. Que depositassem ali todas as memórias que ao longo das oficinas

do Projeto Semiárido em Tela foram registradas sobre a comunidade e o Projeto

Águas. Nas primeiras páginas do álbum eles fizeram uma auto-apresentação

dos pequenos fotógrafos e de seus familiares. Nas páginas do miolo, foram

dispostas as fotos de como é a comunidade e por último o Projeto Águas e

também as fontes de água que existem no assentamento.

Os dois mapas construídos também entraram no álbum. Os mapas foram

fotografados, impressos em papel A3 para poderem ser incluídos ao álbum. As

outras fotos utilizadas no álbum foram pré-selecionadas e escolhidas pelas

crianças como seriam inseridas. Além das legendas das fotos, as crianças

também criaram várias intervenções nas páginas. Usaram recortes de algumas

figuras como corações e árvores. Também criaram uma capa para o álbum com

o título: “Álbum da Comunidade Vitória”.

Elaboração do álbum de fotografia Álbum de fotografia

Mapa atual da comunidade Mapa dos sonhos

Exposição Fotográfica

Todas as crianças sugeriram um nome para a exposição fotográfica. Ao final

todos decidiram pelo título: “I Exposição dos fotógrafos mirins do Assentamento

Vitória”. O local escolhido para a realização da exposição foi o açude da

fazenda, onde as crianças costumam tomar banho e brincar aos finais de

semana. Durante as oficinas foram produzidas mais de 100 imagens pelas

crianças sobre a comunidade e o Projeto Águas, desse total elas selecionaram

40 para serem expostas no tamanho 20x30. Além das fotos, foi exposto o álbum

de fotografia e realizada uma intervenção de palhaço.

Foto feita pelas crianças: vista geral do sistema de abastecimento de água

Foto feita pelas crianças: uso da água pela comunidade

Exposição no açude da Fazenda Crianças admiram suas fotos

Ocorreu ainda uma segunda exposição das crianças na sede do Insa durante

lançamento da cartilha “O Semiárido brasileiro: Riquezas, diversidade e saberes”

da coleção (Re)conhecendo o Semiárido lançada pelo Instituto. A exposição

ficou em cartaz durante um mês no Insa para que o público semanal do

Programa Semiárido em Foco pudesse conferir a produção das crianças.

Exposição no Insa. Visitante com a cartilha na mão observa as fotografias.

4. RESULTADOS OBTIDOS

A partir da aquisição do conhecimento técnico e estético da fotografia as

crianças produziram um acervo memorial com mais de 100 imagens sobre o

Projeto Águas e o Assentamento Vitória. Após uma seleção de fotografias feitas

por elas foi organizada uma exposição fotográfica realizada no dia 02 de junho

de 2014 na própria comunidade. Foram expostas 40 fotografias em cor no

formato 20x30 com moldura em colorset preto e legenda. Também foi produzido

um álbum artesanal de fotografia com 20 retratos que não foram incluídos na

exposição, além de dois mapas sociais desenhados pelas crianças que foram

inseridos no álbum. Eles apresentaram dois contextos da água na comunidade:

o primeiro apresenta o momento atual de como as crianças enxergam o caminho

da água e a comunidade dos sonhos, retratando o futuro que elas gostariam de

ver.

Foi realizado também o segundo momento da exposição das fotografias feitas

pela criança no Instituto Nacional do Semiárido no dia 27 de junho de 2014

durante lançamento da cartilha “O Semiárido brasileiro: Riquezas, diversidade e

saberes” da coleção (Re)conhecendo o Semiárido. Foi produzido ainda um

vídeo resumo com duração de cinco minutos apresentando todas as etapas de

desenvolvimento das oficinas de fotografia do Projeto Semiárido em Tela no

Assentamento Vitória, disponível no canal do youtube do Insa e no Sistema de

Gestão da Informação e do Conhecimento do Semiárido Brasileiro (Sigsab).

O projeto Semiárido em Tela, além dos materiais produzidos, contribuiu para a

difusão das informações cientificas produzidas pelo Insa e possibilitou ampliar os

horizontes estéticos e éticos das crianças do Assentamento Vitória, as formas

delas estarem e enxergarem a comunidade e permitiu ainda que a esperança

possa ser registrada e tornar-se referência importante na busca do sonho

depositado no mapa da felicidade: um assentamento com água potável e

encanada para todos.

5. CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES

O Projeto Semiárido em Tela realizado no Assentamento Vitória demonstrou

como a alfabetização visual, entendida aqui como a habilidade de compreender

e se expressar por meio de um sistema de representação visual, é um processo

educativo importante para popularização da ciência e também para desenvolver

nas crianças uma análise crítica sobre a realidade da região semiárida.

As oficinas buscaram desenvolver a sensibilidade, a criatividade e a percepção

sobre a temática da água na comunidade. A leitura através das imagens

proporcionou a aquisição de conhecimento e de expressão das crianças,

contribuindo na maneira que elas entendem a si próprias, aos outros e ao

ambiente no qual estão inseridas.

Neste contexto a imagem adquiriu um papel extremamente significativo

enquanto foco de comunicação e de valorização de outros olhares sobre o

semiárido. Os desenhos, mapas e as fotografias produzidas pelas crianças são

elementos de auto-representação e de manifestação de uma forma particular de

entender o mundo ao redor, contribuindo para a promoção de autonomia, da

participação e garantia de direitos de expressão individual e coletiva, valorizando

as experiências pessoais e a construção de uma consciência crítica sobre a

região.

Além disso, as imagens retratadas pelas crianças e objeto de uma exposição

fotográfica apresentaram os sentimentos e desejos depositados sobre as

perspectivas relacionadas aos recursos hídricos, como por exemplo, um sistema

de água encanada que ainda não é uma realidade na comunidade, mas que é

uma esperança materializada na forma de imagem pelas crianças.

As ações realizadas e os resultados alcançados reforçam a importância de

desenvolver atividades de popularização da ciência que estimulem a interação e

participação do público infantil, que relacionem a ciência e as artes, e que as

atividades estejam contextualizadas com as realidades locais. Desta forma, as

pesquisas científicas poderão transformar e melhorar a vida na região

colaborando no re-conhecimento do semiárido.

Recomendações

A questão da água, principalmente no que diz respeito a sua distribuição

para as moradias através do encanamento, gerou grande mobilização nas

crianças. Foi recorrente nos desenhos e nas discussões levantadas o

desejo de não precisar caminhar para buscar água. E que esta água que

vai chegar, segundo as crianças, possa ser “limpa”. Elas ressaltaram que

quando adoecem as causas estão relacionadas à água “suja”. Observa-

se a importância da continuidade do Projeto Águas na comunidade.

Em uma análise superficial, que se permite nesse curto período de

atuação do Projeto Semiárido em Tela, há na comunidade relações de

conflitos entre as famílias que tem influenciado diretamente na qualidade

de vida das crianças e também de seus pais. De acordo com as

conversas com as crianças e de algumas mães, esta situação se agravou

com conflitos já existentes entre as duas agrovilas do Assentamento e

mais especificamente entre algumas famílias da agrovila onde o Projeto

Semiárido em Tela foi realizado. Não identificados as causas e os motivos

dos conflitos, mas é perceptível como este cenário interfere nas relações

de convívio e no comportamento das crianças, muitas vezes, violentos

entre elas.

Outro ponto observado é a falta de união entre as famílias do

Assentamento Vitória. Não há coletivo comunitário, não há um

pensamento comum que os caracterizam enquanto grupo organizado e

sim algumas lideranças que se destacam. Seria interessante pensar em

atividades que pudessem desenvolver conceitos de organização,

sociabilidade, coopeartivismo e gestão comunitária entre os assentados.

Poderia ainda incluir junto a essas ações a questão de higiene e limpeza

das moradias, da sede da Associação dos Moradores e do ambiente do

Assentamento.

Aspectos relacionados à educação são fundamentais para o

desenvolvimento das crianças. Durante os meses que permanecemos na

comunidade, inúmeros dias as crianças não estavam na escola. Ora

porque não havia transporte para levá-las ora porque não havia aulas,

segundo informado por elas. Essa alternância na continuidade da

formação escolar gera conseqüência no desenvolvimento como, por

exemplo, algumas das crianças com mais de seis anos não saberem

escrever seu nome ou terem dificuldade na escrita e compreensão

textual. Os mais velhos (faixa etária 10 a 14 anos) também apresentaram

dificuldades de leitura e interpretação de texto.

6. PRODUÇÕES CIENTÍFICAS

Textos em jornais de notícias/revistas

Matéria “Sistema lançado pelo Insa se estrutura como referência para informações e conhecimento sobre o semiárido” veiculada no site do Instituto Nacional do Semiárido no dia 19/05/2014: http://www.insa.gov.br/noticias/10106-2-2-2/#.U7SGYPldWC0 Matéria “Projeto do Insa realiza exposição fotográfica com crianças de comunidade rural” veiculada no site do Instituto Nacional do Semiárido no dia 02/06/2014: http://www.insa.gov.br/noticias/projeto-do-insa-realiza-exposicao-fotografica-com-criancas-de-comunidade-rural/ Vídeo teaser sobre o lançamento do Sistema de Abastecimento do Projeto Águas: https://www.youtube.com/watch?v=UaLazdeP5N8 Vídeo teaser sobre a oficina de fotografia no Assentamento Vitória: https://www.youtube.com/watch?v=bFiOIfDSUa8

7. LISTA DE EVENTOS TÉCNICOS

Seminário “Na busca da sustentabilidade de modos de vida no semiárido

brasileiro – Intercâmbio de experiências de cuidado e solidariedade”. 28 e 29 de

maio de 2014. Campina Grande: INSA/MCTI.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGER, J. Modos de ver. Barcelona: Gustavo Gili, 2007. DONIS, A. Sintaxe da linguagem visual. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1991. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1987. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. SCHAUN, Ângela. Educomunicação: reflexões e princípios. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. SILVA, Lázara Cristina e MIRANDA, Maria Irene. Pesquisa ação: uma alternativa à práxis educacional. Uberlândia: EDUFU, 2012. THIOLLENT, Michel, 1947. Metodologia da pesquisa-ação – 18. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

Campina Grande, 02 de julho de 2014.

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Raquel da Silva Santos Bolsista FINEP/Instituto Nacional do Semiárido – INSA/MCT