a contação de histórias na prestidigitação

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  • 7/30/2019 A contao de histrias na prestidigitao

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    UNIVERSIDADE DE SOROCABA

    PR-REITORIA ACADMICA

    CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUS/INGLS

    LUS ALBERTO BERTELINE DE FRANA

    A CONTAO DE HISTRIAS NA PRESTIDIGITAO

    Sorocaba/SP

    2012

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    Lus Alberto Berteline de Frana

    A CONTAO DE HISTRIAS NA PRESTIDIGITAO

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado

    como exigncia parcial para obteno do Diplomade Graduao em Licenciatura em Letras

    Portugus/Ingls, da Universidade de Sorocaba.

    Orientador: Prof. Dr. Luiz Fernando Gomez

    Sorocaba/SP

    2012

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    Dedico este trabalho a toda

    comunidade mgica, brasileira e

    internacional.

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    Agradecimentos

    Agradeo a minha namorada por ter me aturado sempre com um baralho emmos quando redescobri minha paixo pela arte mgica e por sempre apoiar minha

    carreira, no s de mgico como tambm de professor, me amar e estar sempre ao meu

    lado quando preciso.

    Agradeo a minha amiga Priscila Mendes por ter revisado meus textos, t-lo

    acompanhado desde o comeo e me ajudado com eventuais dvidas.

    Agradeo ao Daniel Fazzio, um amigo mgico que conheci a pouco tempo mas

    que j tenho uma considerao muito grande, por ser uma pessoa que realmente se

    importa com a arte mgica, que infelizmente parece estar morrendo a cada dia que

    passa. algum que se importa com o futuro da mesma e faz o possvel para mant-la

    viva. Tambm agradeo a todos da Associao de Mgicos de Sorocaba e Regio

    (AMSR) por terem me aceitado e sempre serem prestativos nos estudos da arte mgica.

    Agradeo meus pais por terem me oferecido a oportunidade de fazer uma

    faculdade e em especial a minha irm Mariana, por ter me ajudado quando tive

    problemas financeiros, se no fosse por voc provavelmente eu no conseguiria ter

    terminado meus estudos.Por ltimo, e no menos importante, agradeo meu professor e orientador, Luiz

    Fernando Gomes. Voc uma das pessoas mais incrveis que eu j conheci em minha

    vida, e um profissional de um outro nvel, se um dia eu vier a ter uma pequena

    porcentagem de todo o conhecimento que voc possui, serei uma pessoa realizada,

    academicamente.

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    Resumo

    A mgica uma arte milenar que se renova a cada dia e est muito prxima de

    outras artes como o cinema, televiso e teatro. Uma das caractersticas que possui em

    comum com as outras artes a contao de histrias, algo que muitas vezes

    negligenciada por alguns profissionais da rea. Este trabalho faz um estudo sobre ascaractersticas da contao de histrias, em seu prprio meio, e o seu emprego dentro

    da mgica. Por meio de anlise bibliogrfica estudado um pouco sobre a teoria de

    como ser um bom contador de histria, mas tem como foco principal o uso da mesma

    dentro da mgica. Depois de analisado as caractersticas dela foi tambm estudado

    alguns aspectos tericos dentro do ilusionismo e ento feito uma intertextualidade entre

    as duas partes, para mostrar o quo benfico utiliz-la na mgica, para ampliar os

    seus efeitos e at mesmo provocar reaes mais fortes nos espectadores, utilizando

    artifcios como verissimilhana e suspenso de descrena, algo muito comum no

    cinema, teatro e literatura.

    Palavras-chave: Patter, Mgica, Ilusionismo, Contao de Histria,

    Prestidigitao.

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    Abstract

    Magic is a mileage art which renews itself each day and is very close to other art

    forms like the cinema, television and theater. One of its common features with the other

    arts is the storytelling, something that is forsaken most of the time for some professionals

    in the area. This essay studies the features of the storytelling by itself and its applicationin the magic. Through bibliographic analysis is studied a little about the theory of how to

    be a good storyteller, but it has its main focus in its use inside the magic. After analyzed

    the storytelling features it was also studied some theoretic aspects inside the magic and

    then made an inter-textuality between both parties to show how beneficial it is to utilize it

    in the magic, to enhance its effects and even achieve stronger reactions in the

    spectators, utilizing tools like verisimilitude and suspension of disbelief, something very

    common in the cinema, theater and literature.

    Keywords: Patter, Magic, Ilusionism, Storytelling, Sleight of Hand.

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    SumrioINTRODUO...................................................................................................................8

    DESENVOLVIMENTO......................................................................................................13

    Captulo 1: O Storytelling.................................................................................................14Captulo 1.1: Quem conta um conto aumenta um ponto.............................................14

    Captulo 1.2: A imerso do eu......................................................................................16

    Captulo 1.3: Cadncia e presena..............................................................................21

    Captulo 1.4: Espao e atmosfera................................................................................26

    Captulo 2: Mgica............................................................................................................36

    Captulo 2.1: O truque vs. A mgica............................................................................36

    Captulo 2.2: Pacincia...............................................................................................39

    Captulo 2.3: Alguns Patters........................................................................................41

    2.3.1: Houdini...........................................................................................................41

    2.3.2: A Ganncia.....................................................................................................41

    Consideraes Finais.......................................................................................................43

    Referncias......................................................................................................................44

    Apndica A: Vdeos..........................................................................................................45

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    INTRODUO

    Panorama

    Neste trabalho abordarei o uso do patter [ ptn] (o tagarelar) na mgica. Como, quando e por que ele influencia as reaes das pessoas quando veem uma mgica, a

    diferena de ter um efeito com e sem ele.

    No existe um termo em portugus para o patter, alguns chamam de histria, de

    conto, neste trabalho, continuarei usando o termo em ingls, por falta de um mais apropriado.

    Opatternada mais que uma histria que o mgico conta enquanto faz o seu efeito.

    Opatter utilizado como um eficiente mtodo de misdirection1 e como uma maneira de atrair

    mais o pblico para a mgica, fazer com que o efeito tenha um impacto maior e no seja

    apenas um desafio para o espectador adivinhar, seja em mgicas com moedas, cartas,

    cordas, bolinhas de espuma ou qualquer outro objeto que o mgico ou ilusionista deseja usar

    para entreter seus espectadores.

    Existem diversos tipos de patter , h aquele em que o ilusionista conta uma histria,

    muitas vezes fantasiosa e impossvel, ou mesmo algumas mais plausveis e realistas; existe

    a say-do-see, quando o ilusionista diz o que est fazendo e o que vai acontecer: (...) nscolocamos sua carta aqui no meio e com um estalar de dedos, ela sobe para o topo do

    baralho; e at mesmo umpattermudo, onde o ilusionista no diz uma palavra se quer, mas

    o enredo contado atravs de aes e do visual, como em um cinema mudo, ou mesmo

    atravs da msica utilizada no ato. Tambm existem certos efeitos que geralmente so feitos

    sem qualquer tipo depattercomo alguns efeitos com moedas ou apresentaes de palco.

    Nestre trabalho abordarei o uso do patterna cartomagia, isto , a mgica com cartas;

    que , no momento em que escrevo este texto, a minha especializao como mgico. O queestiver escrito aqui pode ser passado para outras formas do ilusionismo, mas nem tudo se

    encaixar perfeitamente.

    1 Uma tcnica de enganao onde o ilusionista direciona a ateno do espectador para longe de onde estacontecendo o efeito, a prestidigitao, servindo para manter o segredo da faanha.

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    Enquanto nem toda mgica necessita de um patter para ser feita e provocar boas

    reaes, todas podem fazer um bom proveito do mesmo.

    A mgica a arte do entretenimento, o foco do ilusionista no iludir as pessoas, ele

    no busca simplesmente engan-las mas sim entret-las. Como uma vez ouvi Jay Sankey

    dizendo: Qualquer idiota pode enganar as pessoas e faz-las se sentirem menores.

    necessrio um artista para engan-las e faz-las se sentirem ENORMES .2

    Este tem um papel fundamental neste objetivo. O patter pode ser uma histria

    engraada, alguma histria com moral, algo que faa rir, ou mesmo algo que emocione. Com

    o uso dopattero ilusionista transforma uma simples iluso, na verdadeira mgica, algo que

    encanta seus espectadores e os fazem esquecer por um momento que aquilo s ocorre

    porque as mos do ilusionista so rpidas ou porque ele usa adereos especiais.

    Ele ser equiparado com as telenovelas, o cinema, os livros e o teatro, voc sabe que o

    que v e ouve no verdadeiro, segue um script, uma fico e existem efeitos especiais,

    mas em nenhum momento voc contesta sua veracidade; acontece a chamada suspenso

    da descrena (NELMS, 2000), a qual abordarei melhor logo. No se pergunta como pode

    haver algum com poderes como o Super Homem; se os monstros do filme existem de

    verdade ou se na vida real existiria a chance de algum roubar vrios cassinos e sair ileso.Voc apenas assiste e se entretm.

    O patter, assim como os outros exemplos que dei no ltimo pargrafo, tem ligao

    direta com a contao de histrias, o storytelling. Enquanto ns ilusionistas utilizamos uma

    histria para intensificar o entretenimento que proporcionamos utilizando cartas, moedas e

    outras coisas, muitos precisavam apenas de histrias para prender a ateno das pessoas,

    no era necessria a prestidigitao3 ou objetos especiais, apenas a fala. Os ilusionistas

    ento incorporaram o storytellingnas suas mgicas, criando o patter. Logo impossvel noabordar a contao de histrias ao se estudar a origem do pattere os efeitos que ele possui.

    2 Todas as tradues do trabalho foram feitas por mim, salvo quando dito o contrrio.

    3 s.f. Arte de prestidigitador, presteza de mos, escamoteao; ilusionismo.

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    Como disse o grande Erdnase (1995, p. 111): [...] Em todo entretenimento com cartas,

    quanto maior o palavreado, maior o interesse animado, e a direo e o patterdo artista

    conta tanto se no mais que suas habilidades em manipulao.

    O grande mestre na manipulao de cartas (que no era um ilusionista, e sim um

    gamblerprofissional) j dizia que o patter to importante, se no mais, que as habilidades

    na manipulao do artista; no basta voc ter mos rpidas se no conseguir entreter seus

    espectadores com palavras, a prestidigitao sozinha no uma arte to forte.

    Hugard e Brau (1999, p. xviii) salientam o uso do patter em uma das suas cinco

    regras gerais que o ilusionista deve sempre ter em mente:

    Saiba qual o patterque usar para certo truque. No apenas o seu patterlhe ajudarem entreter sua audincia, mas lhe auxiliar em ocultar o modus operandida faanha.Como uma certa quantidade dos poderes de concentrao de uma pessoa precisaestar dedicado a assimilar aquilo que voc diz, ela no pode analisar com tanta clarezaaquilo que voc faz.

    Podemos ver algumas definies depatter, Neale (2009, p. 195) diz:

    Em um sentido geral, patter qualquer tipo de fala ou arenga rpida ou volvel. Em umsentido menos amplo, patter um afetado, tom de voz choramingado; o jargo degrupos de ladres e vagabundos; e a insinceridade utilizada em frases religiosas oupiedosas. Mais especificamente e antigamente, significa a fala feita por um trapaceiroou falsrio querendo chamar ateno para seus artigos ou performances. Aindaantigamente, significa dizer suas preces rapidamente, mecanicamente, ouresmungando-as. Como fomos lembrados, o termi derivado de patter em

    paternoster4.

    Segundo Nelms (2000, p. 265):

    As linhas faladas pelo ilusionista so comumente chamadas de patter.Como DanielFitzkee apontou, isto infeliz. Em uso ordinrio, a palavra patter se refere a um fluxorpido de palavras ou um discurso com pouca considerao com sua relao ao tpicono momento. Isto fielmente descreve o que uma grande parte dos mgicos realmentedizem, e tambm descreve o que muitos mgicos acreditam que devem fazer. Na

    4 Pai-Nosso.

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    verdade, patterem seu sentido estrito apropriado apenas quando o mgico faz opapel de Um Feirante ou Um Leiloeiro.

    Patter para truques so tramados ao invs de escritos. O mgico coleta todas astimas linhas que ele pode encontrar que tem alguma relao ao truque ou umas soutras. Ele ento as junta para que uma flua mais ou menos suavemente para a outra.

    Deixando claro que, alm de ajudar a entreter a audincia, o patter tambm auxilia a

    mascarar o feito. O ilusionista no pode deixar o espectador perceber, ou mesmo ter a

    mnima ideia de como um efeito realizado, para que no se quebre o encanto da mgica.

    Justificativa Pessoal

    Muitas vezes depois de alguma performance para um grupo de espectadores eu no

    me sentia muito bem. Todos gostavam da mgica, as tcnicas saam todas perfeitamente e

    todos tinham um bom tempo, me agradeciam dizendo o quanto foi bom e gostaram. Eu me

    afastava, e depois pensava: No gostei. Eu sentia que estava apenas a mostrar truques

    para meus espectadores, e no a mgica de verdade, nunca o maravilhoso, a falta de patter,

    de presena e atmosfera faziam isso; eu encantava as pessoas, mas no mudava a vida de

    ningum. E tambm via muitos mgicos na televiso e atravs de vdeos na internet fazendoo mesmo. Decidi estudar mais sobre o patter e me especializar nesta tcnica que

    infelizmente muitas vezes negligenciada por muitos mgicos, e poder ajudar a expandir

    esta arte.

    Justificativa Acadmica

    A arte de contar histrias algo que parece estar sendo esquecido, pelo menos emsua raz. As pessoas no se juntam para contar histrias, as crianas no pedem mais para

    que um parente mais velho lhe conte algo. A contao de histrias foi trocada pela

    telenovela, pelo cinema, e por poucos pelo teatro. Acho interessante abordar a importncia

    da contao de histrias e como esta veio a surgir. Para isto incorporar em um aspecto

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    pouco conhecido, dentro da mgica, uma maneira diferente de abordar o assunto, e que

    espero que incite o desejo de algum a estud-la.

    Objetivo

    O objetivo primrio desta pesquisa estudar como a contao de histrias pode afetar

    o efeito de uma mgica, para isso necessrio conhecer as tcnicas das narrativas e da

    contao de histrias assim como a teoria por trs da mgica, e o funcionamento e aplicao

    das mesmas em diferentes ambientes e situaes.

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    DESENVOLVIMENTO

    Metodologia de Pesquisa

    Este trabalho ser feito com pesquisa bibliogrfica, para se obter um conhecimento

    terico sobre a contao de histrias e toda a ligao dela com a mgica, assim como os

    elementos da narrativa presentes na contao de histria epatters utilizados por mgicos do

    mundo todo.

    O intuito desse trabalho no pesquisar unicamente sobre a contao de histrias,

    suas tcnicas e mtodos, e sim buscar assimilar as caractersticas da contao de histrias

    nas tcnicas empregadas pelos mgicos e ilusionistas no patterde seus efeitos, para isso

    necessrio ter a pesquisa dos fundamentos da contao de histria, e dos ilusionistas de

    outrora, como xams, pajs e outros, que, tendo ou no poderes mgicos, utilizavam de

    cincia bsica em suas faanhas, como quando jogavam um determinado p em uma

    chama, para criar uma pequena exploso, que fazia parte de seu ritual, ou da histria que

    contavam.

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    Captulo 1: O Storytelling

    Captulo 1.1: Quem conta um conto aumenta um ponto

    com este provrbio que gostaria de iniciar a pesquisa bibliogrfica sobre o assunto

    de contao de histrias, porque acredito que no h uma frase melhor para poder iniciar

    uma discusso sobre esta arte que passada de gerao em gerao.

    No sabido como nem mesmo quando se iniciou a contao de histrias, mas

    podemos afirmar que sempre que contamos uma histria que lemos em algum lugar, ou foi

    contada para ns, temos a tendncia a fazer pequenas alteraes, dando uma nfase maior

    no que tenha chamado mais a nossa ateno, ou modificando certos pontos, por acreditar

    ser mais adequado a histria.

    Talvez ela tenha comeado como uma desculpa para a falha, uma simples mentira,

    talvez na poca dos dinossauros e dos homens-da-caverna. Talvez fosse melhor dizer que a

    caa estava em um bando muito grande e seria perigoso demais entrar em um combate do

    que contar a verdade de ter tropeado em um pedao de rvore e afujentado a janta da

    famlia, ou talvez enriquecer a sua proeza e aumentar seu ego e status dentro da sociedade.

    As histrias poderiam ser usadas para acalmar, ou at mesmo incitar o medo nas pessoas.

    provvel que a contao de histrias tenha se iniciado de forma oral, embora as

    antigas pinturas nas cavernas tambm possam ter sido uma forma de contao de histria,

    ou um artifcio para auxiliar o contador. Era tambm usada em partes de rituais msticos e

    tambm empregado nas religies atuais, a bblia, verdica ou no, uma histria que foi

    contada e escrita.

    certo que as histrias so contadas h muito tempo, em todas as sociedades

    existentes, sem diferenciao por crena, raa ou cultura. Elas servem como meio deentretenimento, educao, preservao de cultura e incitao de valores morais.

    Antes da escrita o homem precisava guardar tudo o que sabia em sua memria, para

    isso era necessrio que ele tivesse uma boa audio. Os contadores de histrias eram

    pessoas sbias e respeitadas, at mesmo h poucas dcadas atrs. Eles detinham o

    conhecimento e o passavam para aqueles que parassem para ouvir. No era difcil para eles

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    encontrarem uma audincia, todos queriam aprender algo novo. Alguma habilidade, algo

    sobre a vida de seus antepassados, ou mesmo se entreter com histrias fantasiosas e

    inimaginveis.

    Existem inmeros temas para histrias: Histrias picas de heris; contos de fada;

    histrias de terror com monstros e fantasmas; mitos e lendas. Histrias que so contadas e

    recontadas, escritas e alteradas.

    Mas por que gostamos de ouvir uma histria? O homem vive em uma incessante

    busca por conhecimento, seja sobre as leis da astrofsica ou algo mais trivial como a soluo

    para uma determinada etapa de um jogo eletrnico. As histrias que ouvimos nos trazem

    esse conhecimento, essa sabedoria, contempornea ou milenar, a contao de histrias faz

    parte de nossa humanidade, somos os nicos seres capazes de criar e contar histrias.

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    Captulo 1.2: A imerso do eu

    Vamos abordar o ponto de vista do ouvinte agora, por que gostamos de ouvir histrias,

    por que sempre permanecemos atentos ao contador e nos entretemos com os contos, que

    muitas vezes so fantasiosos e jamais existiriam de verdade. Seria essa a razo?

    Gostaramos tanto que existissem drages, magia, reis e princesas, que estamos sempre a

    ouvir, ou ler histrias?

    Quando ouvimos uma histria ns nos colocamos dentro dela, ns temos a vontade

    de ser o outro, nossa vida, o nosso cotidiano no nos suficiente, gostaramos de ser

    valorosos cavaleiros brandindo espadas contra o exrcito inimigo, ser um agente secreto da

    CIA em uma misso confidencial, uma grande feiticeira com um drago de estimao.

    Machado relata (2004, p. 15):

    Somos ns os protagonistas, a nossa prpria histria que nos contamos enquantovivemos o relato exemplar. Enquanto estamos dentro do conto, experimentamos acerteza de que valores humanos fundamentais como a dignidade, a beleza, o amor ea possibilidade simblica de nos tornarmos reis permanecem vivos em algum lugardentro de ns.

    Existe a a imerso do eu dentro da histria, sempre que ouvimos algum contar uma

    histria, ou lemos em algum livro, nos colocamos l dentro, como uma personagem, nos

    vemos como o protagonista da histria, porque desejamos viver aventuras e ter

    superpoderes.

    Quando ouvimos um conto adultos ou crianas , temos uma experincia singular,nica, que particulariza para cadaum de ns, no instante da narrao, uma construoimaginativa que se organiza fora do tempo da histria cotidiana, no tempo do 'era'. Tal

    experincia diz respeito universalidade do ser humano e, ao mesmo tempo, existncia pessoal como parte dessa universalidade. Pois, se no fosse assim, comoseria possvel que compreendssemos uma histria de cinco mil anos como aEpopia de Gilgamesh ou a verso da Cinderela dos ndios algonquinos da Amricado Norte? Por que essas histrias falam para ns, fazem sentido, independentementede conhecermos qualquer coisa que seja sobre a Sumria de quatro mil anos atrs, ouuma cultura indgena americana? medida que ouvimos a histria, somostransportados para 'l', esse local desconhecido que se torna imediatamente familiar. Ahistria s existe quando contada ou lida e se atualiza para cada ouvinte ou cadaleitor. 'Era uma vez' quer dizer que a singularidade do momento da narrao unifica opassado mtico fora do tempo com o presente nico no tempo daquela pessoa

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    que a escuta e a presentifica. a histria dessa pessoa que se conta para ela pormeio do relato universal. (MACHADO, 2004 p. 23)

    Cada pessoa entra na histria com o seu prprio eu, por mais que voc conte a

    mesma histria, ao mesmo tempo, para um grupo de pessoas, cada uma a ouvir de uma

    maneira diferente, cada uma absorver aquilo que voc disser da maneira que mais se

    adequar a ela, pois elas se colocam dentro da histria e vivem a sua prpria enquanto

    ouvem, cada pessoa tem uma histria pessoal diferente, diferentes crenas e vontades,

    somos seres singulares e aplicamos essa singularidade ao ouvir ou ler uma histria.

    Como Machado (2004, p. 23) diz, ao ser indagada sobre a experincia de um conto

    que acabara de ouvir, cada pessoa diz que ouviu um conto, o seu prprio, como

    personagem, como observador. O conto diferente para cada ouvinte.

    A percepo do conto de maneira singular e a imerso dentro do mesmo tambm

    acontece dentro da mgica, com o que Nelms (2000, p. 19) aponta como Desiluso vs.

    Convico. O segundo, acontece na contao de histrias. Ele diz:

    Convico se diferencia fundamentalmente da desiluso. O sucesso na desilusoresulta em uma crena inquestionvel. A convico requer apenas o que chamadode suspenso da descrena. O espectador nunca relaciona os eventos da dramacomo sendo reais; ele meramente falha em desacredit-los. Esta pode parecer comouma base fraca para a iluso, mas o resultado pode ser esmagador. Se a mente daaudincia no permitir a suspenso da descrena, no haver drama. (NELMS, 2000,p. 19)

    Na mgica voc no quer que sua audincia acredite cegamente naquilo que voc

    est apresentando, todos sabem que apenas um truque, mas tambm, no seu intuito

    que digam: s um truque, ele vira ali rpido e por isso acontece o efeito. necessrio

    que voc apresente o seu efeito de uma maneira que ocorra a suspenso da descrena,

    isto , que eles deixem por um momento, de pensar que tudo aquilo falso.

    O mesmo ocorre na contao de histrias, e nos outros exemplos que dei na

    introduo deste trabalho. Uma histria nunca ser bem sucedida se o contador no

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    conseguir suspender a descrena de seus ouvintes, ns sabemos que drages e gnios que

    saem de lmpadas no existem, mas se pudermos por um momento que seja, esquecer

    sobre a inexistncia deles, podemos nos deleitar com um conto fantstico.

    Conforme Nelms (2000, p. 2) [...] o drama, como a prestidigitao, uma arte de

    iluso. A pea no acontece no palco, mas nas mentes dos espectadores. A mgica, o

    conto, a novela e o teatro, nenhum deles acontece no palco, nas ruas, ou onde for o

    ambiente em que voc est se apresentando, ele acontece dentro do pensamento dos seus

    espectadores, voc diz ou faz algo, e eles interpretam de uma maneira, cabe a voc fazer o

    melhor disso.

    Forar o espectador a interpretar o que eles veem e ouvem em maneiras que elessabem que so falsas o mais prximo da mgica genuna que ns podemosconseguir. As iluses do dia a dia nos palcos colocam todas, as melhoresperformances de prestidigitao vergonha. At mesmo uma pea de segundaconvence os espectadores de atos que eles sabem no ser verdadeiros. Isso vaialm e usam esses fatos imaginrios para torcer lgrimas verdadeiras dos olhos daaudincia. (NELMS, 2000, p. 2)

    Uma pea qualquer provoca as mais diversas emoes nos espectadores. O conto, o

    filme, a novela e o teatro, voc sabe que nada daquilo real, mas durante aquele momento

    em que est vendo a apresentao, o falso se torna verdadeiro e voc se emociona com o

    casamento da mocinha, vibra com a derrota do vilo. Um dos motivos disso acontecer, alm

    das habilidades do contador de histria, do roteirista e dos atores, porque no teatro e

    novela, e em alguns filmes e contos existe a verissimilhana.

    O espectador consegue reconhecer certas caractersticas similares ao seu prprio eu

    dentro do fantasioso, e ento acontece sua imerso na histria. Segundo Machado (2004, p.

    24) o maravilhoso est longe de ser iluso, ele nos fala de valores humanos fundamentais

    que se atualizam e ganham significado para cada momento da histria das sociedades

    humanas, cada conto tem a possibilidade atemporal de falar da experincia de cada lugar e

    cada povo, e isso traz ao espectador a suspenso da descrena e a convico do conto, de

    fcil assimilao pois ele j viu isso antes, lhe parece natural, algo que na mgica, mais

    dificultoso de se conseguir.

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    Conhecer o seu ouvinte, o seu espectador tambm de grande valia para que sua

    mgica tenha efeito, e para que seu conto seja interessante. Se voc conhece os interesses

    da pessoa, voc pode trabalhar o seu patter em cima disso, o conto pode ter um sentido

    maior e mais objetivo.

    Uma vez, um antroplogo chegou numa tribo africana no mesmo dia em que umateleviso foi levada para aquele lugar. Todos os habitantes da aldeia passaram trsdias em volta do aparelho, assistindo a todos os programas com grande interesse.Depois, abandonaram a televiso e no quiseram mais saber dela. O antroplogoperguntou-lhes se no iam mais assistir aos programas.

    - No disse um deles , preferimos o nosso contador de histrias.

    - Mas a televiso retrucou o antroplogo no conhece muito mais histrias do que

    ele?

    - Pode ser respondeu o homem mas o meu contador de histrias me conhece.(MACHADO, 2004 apud YASHINSKY 1985)

    De nada adianta voc conhecer inmeras histrias, ou inmeros efeitos mgicos, se

    voc no conhecer sua audincia, seu espectadores. Voc precisa saber o que eles gostam,

    quem eles so. Na mgica isso nem sempre fcil, nem sempre voc pode ter um

    conhecimento prvio sobre as pessoas para as quais voc se apresentar, com seus amigosisso algo simples, mas as coisas dificultam mais quando voc precisa se apresentar em um

    evento de gala, com pessoas que nunca viu na vida. Cada conto, cada patter afeta as

    pessoas de maneiras diferentes, existem inmeros gostos e cada pessoa tem o seu prprio,

    nem todo mundo gosta de histrias de cavaleiros e drages, ou ocultismo, logo, um patter

    que siga essa linha, ter um efeito muito mais fraco que um patterque poderia ser um pouco

    mais simples, como mesmo uma fbula.

    Tambm extremamente importante que o prprio contador (autor, ilusionista, ator...)tambm esteja imerso na histria. De nada adianta criar uma excelente atmosfera, um

    ambiente ideal para a sua histria, ter a melhor cadncia do mundo, se ele mesmo no entrar

    na prpria histria. O mgico pode usar a mgica mais cara do mundo, mas se ele no

    acreditar que o que est fazendo uma mgica de verdade, se pensar que aquilo no passa

    de iluso, seus espectadores tambm no iro.

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    Captulo 1.3: Cadncia e presena

    Falamos um pouco sobre a contao de histria e sobre a posio do espectador no

    meio. Passamos agora para um dos pontos mais importantes, o que Machado (2004) chama

    de cadncia e presena, a habilidade do contador de histrias em atrair o seu pblico para o

    seu conto.

    Segundo Nelms (2000, p. 76):

    A mgica na histria sempre faz sentido, o personagem pode mudar palha em ouropor ganncia ou transformar o prncipe em um sapo por rancor, mas os mgicos delivros de histria nunca fazem efeitos s para mostrar.

    Essa uma enorme dificuldade que ns mgicos e ilusionistas encontramos quando

    desejamos incorporar um patter trabalhado em nossas apresentaes. Nos contos ningum

    contesta os poderes dos mgicos, bruxos e feiticeiros, natural que a fada no convidada

    para a festa do pai da Bela Adormecida possa colocar a garota, e todos do castelo em um

    sono profundo que dure sculos, e mant-los todos vivos enquanto isso. Mas faz-los

    acreditar que seu av era um feiticeiro e deixou-lhe um grimrio cheio de antigos feitios e

    magias desconhecidas quase impossvel. Nos contos tudo natural, na realidade todos so

    um pouco cticos.

    Para conseguir tal ateno por parte de seus espectadores necessrio ter

    presena, um termo que acho muito cabvel aos ilusionistas, que Machado diz ao se referir

    sobre a caracterizao de um personagem ao contar um conto (2004, p. 68), quando voc

    deixa de ser voc mesmo e incorpora um personagem para contar a histria ou fazer a

    mgica no lugar da sua pessoa.

    O personagem extremamente importante para um mgico, voc precisa ter um.

    Nelms (2000) fala muito sobre os diferentes tipos de personagens, onde cada efeito pede por

    um personagem diferente. Fazzio (2006) tem um estudo muito interessante sobre a criao

    de personagem e a importncia deles para que o mgico possa, com perfeio, entreter sua

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    audincia. Se tiver algum interesse em saber mais sobre a criao de personagens,

    recomendo estes dois livros.

    Nos contos voc pode incorporar um vendedor, que viu os acontecimentos em sua vila

    e est contando para os viajantes, seus ouvintes, pode ser o prprio rei contando a histria

    de como chegou ao trono, entre outros. Conforme Nelms (2000, p. 50), o mgico tambm

    precisa se transformar em um personagem quando fizer sua mgica, nem sempre o mgico

    precisa incorporar o personagem mgico, s vezes ele pode ser um psiclogo fazendo

    experimentos com a mente, telepatia e coisas do tipo, a sua mgica vira um experimento e

    pode ter at um embasamento cientfico (mesmo que totalmente falso, onde um verdadeiro

    psiclogo daria risada de tanta besteira que voc diz), pode ser um astrlogo tentando ler o

    futuro de uma pessoa, e inmeros outros personagens. importante que o ilusionista veja

    por esse lado e adapte um bom personagem para suas rotinas, que faa um bom caimento.

    isso que acontece em um conto, a pessoa se altera quando conta, em uma pea de teatro

    voc v o personagem, e no o ator. A mgica no deve ser diferente.

    necessrio voc atrair o seu espectador para a mgica, para a histria que voc

    est a contar, no s comear a contar uma histria que voc automaticamente prender a

    ateno dos seus espectadores e poder ficar assim at o final da mesma. preciso que

    voc tenha um ritmo para contar a histria, a cadncia.

    A cadncia o ritmo, a respirao do contador de histrias, em consonncia com arespirao da histria. Para poder acompanhar a cadncia da histria, necessriauma disposio interna do contador, para deixar-se levar pela respirao, pelacadncia, pelo fluxo da narrativa, modulando a voz, o gesto e o olhar, de acordo comos diferentes climas expressivos que o conto prope. (MACHADO, 2004, p. 71)

    necessrio interpretar, no basta voc contar uma histria sem que voc se sinta

    dentro da mesma, voc no pode fazer uma mgica, se no acreditar que aquilo que faz

    real e verdadeiro.

    O contador de histria e o ilusionista precisam ser atores e atuarem quando fazem a

    sua arte, isto a presena, dessa maneira voc consegue chamar mais a ateno do seu

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    espectador. necessrio que voc tambm trabalhe no ritmo do conto, da mgica. Que

    suas expresses, a maneira que diz, se move e olha para seu espectadores condiga com o

    que est dizendo. Voc no pode contar uma histria de terror com um sorriso no rosto,

    preciso que tenha um tom mais assustador, um pouco mais macabro, da mesma maneiraque no pode contar um conto de fadas estando nervoso.

    A maneira que voc conta a histria, o ritmo que voc prope de extrema

    importncia para o seu espectador. Eles so to poderosos quanto a histria em si, e a

    vontade do espectador em te ouvir. Voc pode ter a histria mais incrvel do mundo, mas se

    no souber como interpret-la bem ao contar no ser suficiente. Voc pode ter comprado,

    ou criado o efeito mgico mais absurdo e fantstico que algum jamais viu, se no houver

    showmanship, ser apenas um truque.

    O ritmo de como voc conta a histria tem o poder de atrair, ou repelir a sua

    audincia, a sua interpretao do conto, o seu personagem, e a sua prpria auto imerso na

    histria e a suspenso de descrena naquilo que est dizendo, se combinam para criar um

    conto bom, ou ruim.

    Ler no melhor do que contar de boca, como dizem as crianas. Contar de bocano melhor do que ler. Ambas as aes requerem a presena do narrador. Ler oucontar podem igualmente sermontonas sequnciais de palavras que no produzemefeito significativo na audincia, se a pessoa que conta no estiver presente nahistria, imprimindo vivacidade e veracidade cadncia da narrao. (MACHADO,2004, p. 78)

    Voc no pode fazer com que sua audincia penetre em seu conto, se voc mesmo

    no estiver imerso nele, voc no consegue fazer seus espectadores acreditarem que sua

    mgica real, mesmo que s durante o efeito, se voc no acreditar que tudo ali

    verdadeiro, se voc aponta como um truque, s um truque. Eu pelo menos nunca ouvi um

    contador de histria dizendo: Lhe contarei uma histria, mas s uma histria, nela h

    gnios e monstros que saem do centro da terra, mas isso tudo no existe, voc sabe,

    apenas uma histria. J imaginou? Se um contador nunca diz isso para a sua audincia, por

    que alguns mgicos tendem a afirmar que no tem poderes algum e que aquilo s um

    truque? claro, algo que jamais podemos fazer enganar as pessoas dizendo que temos

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    poderes de verdade, que realmente conseguimos ler mentes, falar com espritos e coisas do

    tipo, mas durante o show tudo possvel. Quando em uma novela ou em um teatro, um ator

    mata outro, ele no para a cena para dizer: Calma gente, ele est vivo, s encenao.

    Que no verdadeiro ns todos sabemos, mas durante a pea, o efeito mgico, o conto queest sendo contado, preciso que exista a suspenso da descrena. Isso algo que s o

    contador, ator e mgico conseguem fazer com que tenhamos, no algo natural.

    A cadncia, o ritmo e a presena so vitais para que um bom contador de histrias,

    um bom ator e um bom mgico possam entreter seus espectadores como devem, mas

    muitas vezes s isso no o suficiente, tambm existem fatores externos que podem

    contribuir muito para uma contao de histrias como o espao, o ambiente, e a atmosfera,

    algo que o contador cria, antes de iniciar seu conto.

    Machado (2004, p. 169) diz:

    Qualquer pessoa pode se utilizar da linguagem para dizer sol verde; possvelimaginar um sol verde e mesmo desenh-lo. Mas dispor essa imagem num mundo emque seja acreditvel uma tarefa que Tolkien considera uma rara realizao da artenarrativa da fantasia. Tanto as crianas como os adultos so capazes de um acreditarliterrio, se a arte da histria for suficientemente boa.

    No basta s contar uma histria, preciso que todas as peas se encaixem

    perfeitamente, que se conhea toda a teoria por trs da contao de histrias, para poder

    transformar aquilo em arte, e entreter sua audincia.

    o que acontece muito no mundo mgico, e aqui fao uma citao muito comum

    entre os praticantes dessa arte: No existe efeito ruim, existe efeito mal apresentado. (eu

    discordo um pouco deste pensamento, mas o que eu penso sobre o assunto no vem ao

    caso no momento) aqui que voc v a diferena entre dois mgicos, o efeito pode ser

    exatamente o mesmo, mas a maneira que ele apresentado diferente. Por mais que

    existam milhares de efeitos mgicos (e a cada dia esse nmero cresce com efeitos novos)

    por a, muito comum voc sempre ver os clssicos, como a mulher sendo serrada ao meio,

    ou o jornal cortado que depois se restaura magicamente. Com certeza voc j viu esse efeito

    algumas vezes, feito por artistas diferentes. Um era melhor que o outro, no? muito

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    provvel que sim, que um dos mgicos que voc viu tenha desenvolvido mais tempo

    trabalhando naquele efeito, na teoria e psicologia por trs dele (e claro, nas tcnicas e

    sleights tambm), e conseguiu construir uma suspenso de descrena melhor que o outro.

    preciso ser bom o suficiente para encantar.

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    Captulo 1.4: Espao e atmosfera

    No basta s voc ter presena, ter um personagem para contar a sua histria e se

    colocar dentro dela. necessrio que o ambiente onde voc estar contando sua histria

    tambm faa parte da mesma, no estou dizendo que necessrio que voc v noite em

    um cemitrio s para poder contar histrias de lobisomens, fantasmas e outros monstros das

    trevas, claro que no, mas contar tal histria com uma parede colorida cheio de

    personagens da Nintendo tambm no dar certo.

    Machado (2004, p. 78) salienta que o espao onde voc conta a histria muito

    importante. Ela diz que qualquer parede cheia de desenhos, cartazes ou qualquer outra

    coisa que possa interferir na contao, na imaginao e na projeo da sua audincia no

    bom. Se voc conta uma histria com um fundo cheio de personagens da Disney e essa

    histria conter um rato falante, as pessoas pensaro no Mickey e na Minnie. Dessa maneira

    voc no permite que seus espectadores possam projetar suas prprias imaginaes na

    histria que esto a ouvir. necessrio um espao neutro, para que no haja interferncia

    alguma de elementos alheios histria.

    necessrio que voc consiga atrair os seus espectadores para o seu espao, para

    comear a contar a sua histria, ou fazer a sua mgica, para isso necessrio a criao deuma atmosfera:

    O primeiro passo para a convico consiste na induo da suspenso da descrena.Que feita ao estabelecer uma atmosfera em que a iluso parea plausvel. Em umapea, o cenrio e a iluminao providenciam a atmosfera quase que automaticamente.Entretanto, a menos que o prestidigitador seja afortunado o suficiente para ter umaproduo em um palco enorme, ele precisa providenciar sua prpria atmosfera.(NELMS, 2000, p. 28)

    No basta voc ter um bom patter, saber desenvolv-lo muito bem, e ter uma boa

    personagem, isso tudo sem a atmosfera no serve de nada. O patter necessrio para que

    seus espectadores aproveitem mais a sua mgica, e a atmosfera necessria para que eles

    possam aproveitar o seu patter. Do contrrio, as pessoas o interrompero enquanto voc

    est desenvolvendo o seu patter no meio do efeito, voc est fazendo o seu efeito, as

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    pessoas esto prestando ateno, mas sempre h algum que diz: Ele fica falando essas

    coisas porque da voc no presta ateno no que ele est fazendo ali com as cartas, ele

    ligeiro. Com a falta de atmosfera voc no consegue alcanar a suspenso de descrena,

    logo, no chega convico e para aquela pessoa, foi tudo s um truque.

    O mesmo acontece com a contao de histrias, voc precisa de um ambiente limpo,

    e algo que possa te ajudar a criar uma atmosfera, voc deve trazer a sua audincia para a

    sua histria, no o contrrio. Conforme Machado (2004, p. 79) voc faz um convite para

    seus espectadores, atraindo-os para a proposta do mistrio e desconhecido. A ateno

    ganha aos poucos, conforme a histria se desenrola e da sua narrao.

    O convite para a histria pode ser feita com uma conversa antes de come-la, voc

    pode usar algum objeto que condiga com a histria que ser contada, contar uma introduo

    a histria, ou olhar atentamente nos olhos da audincia (MACHADO, 2004, p. 79).

    Nelms (2000, p. 28) deixa bem claro como criar uma atmosfera no meio mgico. Basta

    voc conversar com seus espectadores, antes sequer de propor a ideia de fazer uma mgica

    ou algo do tipo, antes at mesmo deles saberem que voc um mgico. Na verdade ns

    temos uma ideia muito estereotipada de mgicos, aquele cara com terno e cartola, que tem

    uma varinha mgica e usa objetos especiais para enganar os outros.

    Quando um ilusionista se dirige a voc sem se apresentar como tal, ele consegue te

    prender em um assunto sem que ao menos voc perceba, ele pergunta o que voc acha

    sobre horscopo e vocs comeam a discutir sobre o assunto, vocs debatem sobre a ideia

    de adivinhao, de previso do futuro, vocs conversam por cinco, dez minutos, at que ele

    prope um experimento (ele entra no personagem) e ento prossegue com o seu efeito

    mgico, com o seu patter. Ele construiu a atmosfera enquanto conversava com voc, em

    nenhum momento ele anunciou o que iria fazer (algo que os mgicos nunca devem fazer,pois perdemos o essencial da mgica, o elemento surpresa), muito menos que era mgico.

    Te atraiu com um assunto comum, adentrou todos na atmosfera da adivinhao e da

    previso, e depois prosseguiu com seu efeito, quando todos j estavam no clima, no espao

    produzido por ele. Quando apresentado dessa maneira a suspenso de descrena fica fcil,

    vocs debateram o assunto e uma ou outra pessoa disse que acredita ser possvel algo

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    assim, que j viu em algum lugar ou ouviu algum falar sobre. O mgico props um

    experimento, no uma mgica, a ideia mais plausvel, somos todos cticos e no

    acreditamos na magia, mas um experimento pode dar certo; a cincia existe e no a

    discutimos, nem mesmo quando se fala de algo que no exatamente uma cincia, como aastrologia, desde que o ilusionista esteja convicto do que est fazendo.

    claro que independente do patter aplicado, da atmosfera gerada, ela precisa ser

    interessante para todos, do contrrio voc ser tedioso (NELMS, 2000, p. 31). Um patter

    sobre astrologia tambm nunca funcionaria em um grupo de astrnomos, seria um total

    desastre. A criao da atmosfera ajuda a conhecer melhor os seus espectadores, e saber se

    o seu efeito e o seu patterfuncionar com sua audincia, se ningum se mostrar interessado

    pelo tpico da astrologia, voc no prosseguir com o efeito da adivinhao e previso do

    futuro, todos acharo chato.

    Conforme Nelms (2000, p. 30), o que ajuda na criao da atmosfera o acrscimo de

    significado. Se voc acrescenta um significado para a mgica, voc altera totalmente o efeito

    que ela possui em seus espectadores. No importa o quo surpreendente possa ser um

    truque, ele sofre de uma falha principal ela no tem objetivo. (NELMS, 2000, p. 5)

    Pense nos mgicos das histrias, as bruxas transformam prncipes em sapos, osfeiticeiros jogam enormes bolas de fogo em seus inimigos, todas estas faanhas tm um

    significado, um castigo para o prncipe que no quis am-la, a necessidade de defender o

    seu castelo de uma invaso, todos tm um desgnio. Pelo motivo da magia, a audincia do

    contador/escrito de histrias nunca contesta a sua realidade, ele precisa criar a luz em seu

    cajado para atravessar a caverna escura. Nunca nenhum desses seres fantsticos pegou

    um baralho e adivinhou a carta de um espectador, ou a encontrou no monte aps ela ter sido

    perdida em um embaralhamento, no fazem isso porque no existe motivo para. Como fazer

    o seu espectador suspender sua descrena quando voc faz uma mgica to simples para

    ele? Se voc pode mesmo adivinhar o futuro, por que perderia tempo adivinhando cartas e

    objetos escondidos de espectadores e no prev logo os resultados da loteria?

    Adicione significados para seus efeitos. Nelms (2000, p. 102) diz que essencial que

    voc consiga identificar o seu efeito, para ento poder adicionar significados a eles, ele cita

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    vrias definies e categorias diferentes das mgicas onde pode se encaixar quela que

    voc est trabalhando, basta que voc analise-a para saber o que est querendo fazer, o

    que quer demonstrar com aquilo, adicionando significados, voc consegue trabalhar em uma

    melhor verissimilhana e permitir uma atmosfera, e ento uma suspenso de descrena,mais forte.

    Para isso necessrio a construo da atmosfera, no exemplo da astrologia a

    atmosfera a responsvel pela criao do significado no efeito da mgica. Voc discutiu

    com seus espectadores sobre a possvel existncia de pessoas capazes de prever algumas

    coisas, a sua mgica ento tem um significado, o seu experimento vem com a ideia de

    comprovar, ou no, que capaz adivinhar algo que acontecer no futuro, prever um futuro

    prximo. Voc no descobre os prximos nmeros da loteria, mas comprova, utilizando

    cartas ou qualquer outro objeto, que a faanha possvel.

    Segundo Nelms (2000, p. 132):

    Nenhuma convico to profunda que no possa ser quebrada ou destruda por umadiscrepncia na apresentao. Pelo contrrio, quanto mais profundamente oespectador estiver encantado por uma performance, maiores as chances deles serem

    jogados de volta realidade por qualquer coisa que no estiver em harmonia com ailuso.

    Agora chegamos em um ponto muito importante da mgica, a mnima falta de

    consistncia, a mnima discrepncia, o suficiente para quebrar todo o encantamento, para

    fazer as pessoas deixarem a sua suspenso de lado e ver tudo como um truque, e o pior,

    uma fala ou um movimento fora de harmonia com todo o efeito, pode at mesmo jogar o

    espectador direto para o segredo do efeito, fazendo-o descobrir como aquilo feito, e ento

    quebrando seu encantamento para aquela mgica, para sempre.

    Iluses so mais delicadas que drama. Uma pea longa, se a magia for quebrada,ela pode ser renovada. Tambm, o espectador faz de tudo para suspender a suaprpria descrena. Uma vez que uma iluso de mgica destruda, ela foi emborapara sempre. No h tempo para reconstru-la e o espectador no oferece ajuda. Elesquerem ser enganados, mas querem ser enganados a despeito de si. A audincia em

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    uma pea est disposta a fornecer credulidade. A audincia de uma iluso sodeliberadamente cticas. (NELMS, 2000, p. 133)

    Mais uma vez ns mgicos somos prejudicados pela nossa prpria arte, voc ofereceum show onde no prprio nome j diz que tudo uma mentira (e.g. Ilusionismo), e ainda

    precisa fazer seus espectadores acreditarem naquilo? Tarefa difcil, ainda mais quando o

    espectador no est muito disposto a ajudar (como visto nessa e em vrias outras citaes

    de Nelms, em todo este trabalho).

    necessrio que seu trabalho seja perfeito, no pode haver nenhuma brecha para

    erro, necessria a prtica infinita de todos os efeitos, que a atmosfera criada por voc seja

    perfeita, e que o seu patterseja analisado exaustivamente para remover as discrepncias emanter a histria enxuta (Nelms possui timas tcnicas sobre a deteco de discrepncias

    nos efeitos e como remov-las, no estarei as colocando aqui, para mais informaes

    consulte seu livro, que pode ser encontrado na bibliografia).

    Voc no pode se chamar um verdadeiro showman at que voc forme, e mantenha, ohbito de tratar qualquer discrepncia com importncia. A tentao de deixar osdetalhes escorregarem to forte em todos ns que ns nunca devemos deixar-nos

    render a ela. O artista que diz: Os espectadores nunca percebero isso, esttreinando a si a negligenciar inconsistncias que sero muito bvias para a maioriadas audincias. Este um estado de esprito que nenhum aspirante ao showmanshippode dispor. (NELMS, 2000, p. 138)

    Mas nenhum espectador perceber isso. H! Como comum essa fala no meio

    mgico. Eu mesmo j a disse vrias vezes, at finalmente aprender o correto. Nenhum

    detalhe pequeno o suficiente para que nenhum espectador o perceba, nenhum detalhe

    deve ser negligenciado, o mgico no pode nunca duvidar da inteligncia do espectador,

    realmente, dizer algo como: Ningum perceber, um insulto!

    Sigo com um pattermeu sobre um dos grandes mgicos que j existiram, o grande

    escapista Harry Houdini, utilizando os efeitos Here Then There:

    Houdini foi um dos grandes mgicos que j existiram, voc j ouviu falar dele no ?

    Ele era um grande escapista. Existe uma lenda que diz que em todos os baralhos, h uma

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    carta que possui o esprito de Harry Houdini, e neste baralho ela o (olha a carta do

    espectador), dez de espadas! Justo a carta que voc pegou. Pois bem, o que as pessoas

    esquecem que ele no nasceu como um grande mgico, antes disso ele era uma pessoa

    comum, como qualquer outra, como voc ou eu, at conseguir a sua fama. Ele era umapessoa normal no meio de uma multido (insere a carta no meio do baralho), quando de

    repente, em um estalar de dedos, ele aparece como Houdini (a carta aparece no topo do

    baralho), o que poucos sabem que Houdini j foi preso, mas ele era inocente ok? Por favor

    estenda sua mo (coloca a carta na mo da pessoa, com a face virada para baixo), coloque

    a outra mo sobre ela, fazendo uma priso com suas mos por favor. Quando ele estava

    preso todos os guardas falavam: Oh! O grande escapista, ningum chegue perto da sala

    dele, porque pode acontecer alguma coisa, ningum se aproxime, deixe-o l! At que um

    dia chegou um guarda novo naquela priso (revela a nova carta do topo do baralho,

    representando o guarda), que no sabia da histria de Houdini, e cometeu o erro de se

    aproximar da cela (pega a carta com a face virada para baixo,e se aproxima das mos do

    espectador, passando a carta na costa das mos do mesmo), quando ele fez isso, todas as

    luzes piscaram, e em um passe de mgica, Houdini estava solto (vira a face da carta que

    estava na mo, o antigo guarda, agora o Houdini), e o pobre guarda novo, acabou ficando

    preso (espectador separa as mos para ver que as cartas trocaram de posio).

    Esse umpattere um efeito que eu gosto muito de fazer, um de meus favoritos, mas

    eu demorei duas ou trs apresentaes (muitas!) at perceber a discrepncia que havia nele,

    e ento mudar a minha fala. Caso voc no tenha percebido, ela est no momento que eu

    observo a carta do espectador (na verdade, desde o incio do efeito), leia o patternovamente

    antes de ler o meu 2.0 do efeito:

    Ok, ento pegue uma carta (espectador pega uma carta no baralho em leque que o

    mgico segura), qual a sua carta? O dez de paus!? Oh! Sabia que em todos os baralhosexiste uma carta que possui a alma de Houdini? Neste meu baralho justamente o dez de

    paus. Voc conhece o Houdini certo? Ele...

    Conseguiu perceber a diferena? algo sutil, mas que faz uma diferena enorme na

    performance. Na primeira verso, eu j comeo o efeito, praticamente sabendo que a pessoa

    pegaria a carta com o esprito de Houdini (como eu saberia disso?!), na segunda, Houdini

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    vem apenas depois que eu j conheo a identidade da carta da pessoa, logo, dando uma

    consistncia melhor para o efeito, uma discrepncia que foi eliminada. Eu concordo que ele

    ainda pode ser mudado para melhor, como fazendo um efeito anterior, e tendo cincia da

    identidade na carta no final do primeiro efeito, para ento comear a histria sobre Houdini(eliminando a necessidade de ver a carta da pessoa, melhorando a atmosfera mgica).

    muito importante sempre analisar opattercriado, sempre analisar as performances que voc

    faz com ele, porque s assim voc perceber pequenas discrepncias.

    Outro ponto muito importante so as digresses, responsveis pela quebra de

    atmosfera mgica, e pelo enfraquecimento de efeitos. Conforme Nelms (2004, p. 138):

    Uma palavra ou ao que no inconsistente com o tema mas que no clarifica ouenriquece-o uma digresso. Digresses no so to ruins como discrepncias, maselas so sinal de um pobre showmanship. Aristteles apontou que qualquer coisa queno adiciona, ir subtrair. Em mais de dois mil anos, ningum encontrou uma exceopara esta regra.

    Eu conheo um cara que para no meio de cada efeito para contar uma piada. Suaspiadas so boas e ele as conta muito bem, mas elas esto fora de lugar. As pessoasperdem o fio-da-meada do efeito quando ele est contando a piada, e raramente riemda piada porque esto pensando sobre o efeito.

    Outra coisa muito comum no meio mgico, o excesso de piadas, ou gags, como so

    chamadas, no decorrer de uma rotina, e conforme Aristteles, isso subtrai do seu efeito, isso

    enfraquece a atmosfera criada por voc e puxa o espectador de volta para a realidade aos

    poucos. Voc est apresentando algo nico para eles, algo que nunca viram antes e jamais

    imaginaram existir, voc no pode interromper essa experincia para trazer algo a eles que

    podem ver em qualquer lugar ou ouvir de qualquer pessoa, lembre-se que voc especial,

    diferente (mas por favor, no se sinta superior!)

    No conte piadas demais, tenha o seu foco na histria, no efeito. No fique

    brincando com o foco dos seus espectadores, fazendo-os pensar nisso e depois naquilo.

    Gags no so uma boa fonte de misdirection, pelo contrrio, ela at pode acabar com ele.

    Quando voc faz uma pessoa rir voc perde completamente a noo de direo dela, para

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    onde ela est ou no prestando ateno, e isso pode fazer com que ela veja para onde no

    deve, voc perde o controle da situao (NEALE; BURGER, 2009)

    Assim como as discrepncias e digresses, existe uma outra coisa que trai o efeito

    mgico, as palavras.

    preciso escolher as palavras certas para um patter, ou mesmo para uma gag. Se

    voc utilizar a palavra errada, voc acabar destruindo a iluso e relembrando os

    espectadores que esto vendo apenas um truque (Nelms, 2000, p. 142).

    Se o seu tema fosse genuno, palavras como truques, iluso, rotina, e atonunca

    entrariam na sua mente. Certamente, voc raramente teria uma ocasio paramencionar a natureza de sua performance. Deva uma ocasio aparecer, voc podesempre se referir a esta demonstrao, este experimento, ou qualquer propsitoque seja. (NELMS, 2000, p. 142)

    Voc deve ter percebido que em nenhum momento eu utilizei a palavra truque, me

    referindo a mgica. Isso acontece porque eu acredito que a palavra truque seja pejorativa

    para ns mgicos, e voc nunca deve utiliz-la com seus espectadores (com outros

    mgicos, tudo bem), lembre-se que ests a apresentar mgica para eles! Est os convidando

    a entrar no mundo do fantasioso e do maravilhoso, onde qualquer coisa pode acontecer,

    voc possui poderes especiais e faz objetos levitarem, consegue ler mentes. Lembre-se que

    j temos o problema de sermos chamados ilusionistas, aos olhos dos espectadores, ns j

    estamos os enganando com o nosso prprio ttulo, se voc fala algo como Deixe-me te

    mostrar um truque, voc s refora essa ideia, que tudo ali uma mentira e s acontece

    porque existe um segredo mecnico por trs daquilo.

    claro que isso tambm pode depender de qual o seu objetivo, de como o seu

    personagem, mas raro ver um efeito onde voc pode aplicar a palavra truque, sem estragar

    tudo.

    Seja consistente com o seu tema, com o seu personagem, escolha sabiamente as

    palavras que usar em sua rotina, saiba que palavras colocar e quais evitar enquanto estiver

    escrevendo o seu patter, e aps utiliz-lo, analise-o novamente e veja que palavras voc

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    pode alterar, por no terem se encaixado bem no efeito ( raro conseguirmos encontrar erros

    enquanto estamos escrevendo, tudo parece perfeito, s percebemos as digresses e

    discrepncias depois que comeamos a utilizar no mundo real).

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    Captulo 2: Mgica

    Captulo 2.1: O truque vs. A mgica

    Uma das tarefas mais difceis na mgica convencer a sua audincia a suspender

    sua descrena, afinal, os espectadores (em sua grande maioria) so todos cticos. Eles

    precisam de uma convico dos seus poderes mgicos, eles precisam da prova.

    Pode parecer fcil convencer as pessoas que a bola de nove kilos genuna, mas istopode no ser necessariamente verdade. Quando um artista sabe que uma coisa real,ele est apto a a reconhecer sua realidade. Infelizmente, os membros da audinciatendem a ser cticos. Eles precisam ser convencidos, e eles gostam de assumir que

    at mesmo o elemento mais genuno de uma performance falso. Uma vez eu tive umator alemo e um britnico criticados pelos espectadores pelos seus sotaques falsos.

    Isto funciona da maneira reversa tambm. Se uma atmosfera suficientemente forte forcriada. As imitaes podem ser mais convincentes que a coisa de verdade. Uma vezeu encenei uma performance em uma sala de operaes. ter no foi usado nemsequer mencionado. Todavia, vrios espectadores saam da audincia em cadaperformance porque eles no conseguiam aguentar o cheiro do ter. (NELMS, 2000,p. 101)

    Com esse relato de Nelms fica claro o poder que uma boa atmosfera pode causar. Por

    experincia prpria, uma grande parte dos espectadores se deixa levar pela mgica, adentraa atmosfera e suspendem a sua descrena. Basta voc ser bom no que est fazendo, deixar

    de ser um mero fazedor de truques e fazer a mgica de verdade, com uma boa cadncia,

    uma boa atmosfera, a maioria das pessoas gostam de mgica, e gostam de ser enganadas

    (da maneira correta! As enganando como arte, no rebaixando-as), como disse um grande

    pensador: O segredo da vida apreciar o prazer de ser terrivelmente enganado (Oscar

    Wilde).

    bvio que tambm existem aqueles que no se deixam levar to facilmente, a

    tcnica de Nelms de propor experimentos, e no dizer que possui grandes poderes mgicos

    pode funcionar muito bem com eles. Durante a performance eles recebero sua mgica,

    possvel que depois que acabe o seu efeito eles voltem ao seu estado ctico, mas durante

    aquele curto intervalo que durou a sua apresentao, voc conseguiu trazer a maravilha e o

    encanto para ele, e isso j timo.

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    Contudo, h aqueles que no so nem um pouco receptivos com a mgica, so

    aqueles que denominamos hecklers, o espectador chato, que no est ali para aproveitar o

    sentimento de maravilha que voc traz, ele est preocupado em saber como voc faz aquilo,

    qual o segredo por trs da carta que flutua, para que mo ou manga foi a moeda que vocacabou de fazer desaparecer. Nestes casos no h muito o que fazer, voc no pode

    enfrentar um heckler, se ele no est aberto para receber a sua mgica, simplesmente no a

    faa, termine o efeito que voc est fazendo e v embora, voc no consegue venc-lo, pois

    est muito preocupado em evitar que ele veja algo, e no d o melhor de si para os outros

    espectadores que podem estar juntos. Simplesmente termine e v. (CHRISTIAN, 2002)

    muito importante tambm trabalhar do ponto de vista do espectador, pensar como

    ele v o seu efeito, e analis-lo dessa maneira.

    Do ponto de vista do mgico, transportaes, transposies e transformaes someramente a combinao de um ou mais desaparecimentos e produes. Eu atmesmo j ouvi artistas experientes negarem que eles so efeitos separados. Este um erro srio. Quando voc prepara para transformar um leno de seda em umpombo, voc precisa convencer a audincia que o leno de seda se transforma nopombo. Se o espectador pensar, Quo inteligente ele foi em fazer o leno sumir eproduzir o pombo, voc falhou. Voc preparou para conseguir um efeito, masalcanou dois efeitos diferentes. Se voc quer um efeito de transformao, voc

    precisa pensar e agir como se voc estivesse transformando algo. Se voc pensar eagir como desaparecimento-mais-produo voc no pode esperar que suaaudincia pense transformao. (NELMS, 2000, p. 105)

    Aqui vem mais uma vez aquele caso de que voc precisa acreditar em sua prpria

    mgica, para que sua audincia acredite, precisa estar imerso nela para ento poder imergir

    seus espectadores.

    O problema que tudo isso fcil durante uma contao de histrias, em uma pea

    de teatro ou uma produo hollywoodiana. Porque o espectador est mais propcio a

    acreditar que uma fada madrinha pode existir e transformar uma abbora em uma

    carruagem. Mas diminuir o tamanho de um baralho ou aumentar o de uma moeda ir contra

    as leis da fsica, e se no feito direito (cadncia e atmosfera), foi tudo um truque, voc

    escondeu o baralho e moeda normal, e depois fez aparecer o outro, trabalhado. No foi

    feita a mgica da transformao.

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    Captulo 2.2: Pacincia

    Um dos grandes problemas dos mgicos que eu vejo por a, na internet ou mesmo em

    performances ao-vivo a falta de pacincia.

    Imagine algum te contando uma piada, e algum interrompe com a punchline antes

    do tempo correto. Imagine se em Mil e Uma Noites a personagem principal terminasse de

    contar a histria logo na primeira noite. No teria graa alguma e isso que s vezes

    acontece com alguns mgicos. Existe esta expresso em ingls que dizem: Your trick is

    done, now just milk it to death.5 O que os profissionais querem dizer com isso? Em muitos

    casos voc j est com o efeito pronto, s precisando de um ou outro passo para termin-lo

    e revelar o resultado, quando voc chega aqui, em uma grande parte dos efeitos, quando

    voc deve explor-lo, no corte direto ao ponto, terminando-o, explore-o mais. Pegue essa

    atmosfera que voc criou no decorrer de todo o efeito e a aproveite, traga mais do mundo

    maravilhoso aos seus espectadores, desenvolva seu patterpara ele ter uma maior durao

    nestas etapas e fortificar a sua suspenso de descrena. isso que uma grande maioria

    esquece de fazer.

    Nelms (2000, p. 107) fala sobre isso, em muitos efeitos, principalmente com cartas, a

    ideia encontrar a carta escolhida previamente pelo espectador, depois da mesma serperdida no meio do baralho, ou ento tentar descobri-la, utilizando os poderes de

    adivinhao do mgico, e nesse ponto que muitos pecam. Se voc est lendo a mente da

    pessoa, nunca v direto e diga: o cinco de paus. Isso estraga toda a atmosfera que voc

    construiu antes, voc desenvolveu o efeito dizendo que algumas pessoas podem ler mentes,

    que voc viu em alguns livros antigos que os russos desenvolviam experincias com isso e

    voc aprendeu um pouco da tcnica que eles utilizavam, mas um processo difcil e nem

    sempre d certo, as imagens no so claras para voc, ento voc no pode pegar e dizer

    de uma vez qual a carta da pessoa. Voc precisa nesse momento ser consistente com o seu

    patter, que voc deve ter a cadncia. Explore o efeito como se realmente conseguisse ler os

    pensamentos do seu espectador: Eu vejo uma carta baixa, hmm... abaixo de sete talvez...

    uma carta preta... no... sim sim, preta mesmo... hmm... parece ser mpar... trs... cinco...

    5 Seu efeito est pronto, agora apenas explore-o at a morte.

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    sete... uma carta de paus... baixa, mpar... cinco de paus!, muito melhor fazer algo assim

    do que ir direto para o: Sua carta um cinco de paus, t certo?

    Nelms (2000, p. 108) desenvolveu algumas regras para seguir: Quebre a informao

    em fragmentos; oferea-os em ordem irracional; duvide de alguns pontos; faa perguntas

    para checar a sua 'viso', quando o espectador saber a resposta; faa um erro ocasional, ou

    um 'quase erro'.

    Nenhuma pessoa quando conta uma histria vai direto ao ponto, o bom contador

    aquele que entretm a sua audincia por um bom tempo, consegue deixar seu espectadores

    vidrados na histria, querendo saber o final, o xtase da histria. Eles imaginam que o

    cavaleiro conseguir salvar a princesa do grande drago negro, mas ser que no

    acontecer nada at que ele chegue at seu objetivo? E quando finalmente chegar, no

    pode ser um combate simples, sem desafios para o cavaleiro, se ele conseguir matar o

    drago com um nico golpe logo no comeo da batalha, todos sairo insatisfeitos com o final

    da histria. A mgica funciona do mesmo jeito, se voc vai direto ao ponto, acaba cortando a

    mgica, e aquilo vira s um truque (como dito no captulo anterior) para ser decifrado

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    Captulo 2.3: Alguns Patters

    Neste captulo gostaria de lhe mostrar alguma de minhas mgicas favoritas

    juntamente com os patters que utilizo, escreverei e analisarei todos, mas sugiro que antes

    veja os vdeos em apndice, para s depois continuar a leitura.

    Nota: Estes so os textos padres, e so suscetveis a mudanas em todas as

    minhas performances, voc poder perceber diferenas entre o que est escrito e o vdeo da

    performance, mas que no fazem muita diferena.

    2.3.1: Houdini

    Todos j ouviram falar do grande Houdini, o mgico-escapista, o que as pessoas

    esquecem que ele j foi uma pessoa regular, como ns, sem destaque na sociedade, e

    perdido no meio de todo mundo.

    De repente, ele aparece para todos, surge o grande ilusionista Houdini! Poucas

    pessoas sabem disso, mas logo depois dele se tornar um ilusionista ele acabou sendo preso,

    s no sabido o real motivo. Enquanto estava na cadeia o delegado avisou a todos os

    carcereiros que ficassem longe dele, pois ele poderia fazer algo e escapar da priso. Durante

    uma noite chuvosa de sbado, apareceu um novo carcereiro naquela priso, e ningumhavia avisado-o sobre o Houdini e que no deveria se aproximar. Sozinho na delegacia, ele

    chega prximo a cela onde Houdini estava preso. De repente as luzes se apagam, quando

    retornam, Houdini est fora de sua cela, e preso l dentro em seu lugar, o jovem carcereiro.

    2.3.2: A Ganncia

    Essa uma histria sobre quatro reis muito gananciosos, estes quatro reis queriam

    toda a riqueza do mundo s para eles. Ento estes reis se juntaram em uma jornada para

    conseguir o maior tesouro do mundo. O tesouro de (inserir figura rica aqui). E foi um rei de

    cada vez, em busca deste tesouro, primeiro foi um, e ficaram os outros trs. Diante da

    demora do primeiro rei em retornar, um outro decide averiguar e vai em busca dele. Depois

    de meses, os dois reis ainda no haviam voltado de sua jornada, e os outros dois que

    ficaram estava muito preocupados, um outro decide ir em busca dos reis perdidos, e se junta

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    a eles. Aps mais de um ano em espera, o ltimo rei, solitrio, decide ir em busca de seus

    companheiros.

    Os quatro reis encontraram o tesouro, a maior riqueza que podiam imaginar. S havia

    um nico problema, o tesouro era amaldioado, e por conta disso, acabaram morrendo, pela

    prpria ganncia.

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    Consideraes Finais

    Com o decorrer do trabalho foi possvel entender como funciona a contao de

    histrias e algumas das caractersticas da mesma, e tambm foi possvel conhecer umpouco da teoria mgica ligada a ela.

    Infelizmente deixarei este trabalho incompleto, bem, no necessariamente incompleto,

    mas no finalizarei-o como gostaria. Por questes de tempo eu no pude ter em mos uma

    grande parte da bibliografia que gostaria, poder entender mais sobre a contao de histrias

    com ensaios de C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien seria muito bom, assim como poder aprofundar

    mais no assunto de suspenso de descrena com o responsvel por cunhar o termo, Samuel

    T. Coleridge, seria fenomenal. Assim como arrumar outros livros sobre teoria mgica deautores fenomenais como Teller, Tamariz, Dai Vernon e outros.

    De qualquer maneira, eu continuarei a pesquisar sobre o assunto, bibliograficamente e

    tambm em campo, e pretendo seguir esta pesquisa em um futuro mestrado.

    Se tiver mais interesse sobre o assunto e quiser me contatar, fique vontade, meu

    endereo de e-mail estar nas propriedades deste .pdf.

    Espero que tenha gostado deste pequeno ensaio tanto quanto eu gostei de faz-lo.

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    Referncias

    NELMS, Henning, Magic And Showmanship: A Handbook for Conjurers. Mineola,

    NY: Dover Publications, INC: 2000. Traduo de Lus Alberto Berteline de Frana.

    MACHADO, Regina, Acordais: Fundamentos Terico-Poticos da Arte de Contar

    Histrias. So Paulo: DCL, 2004.

    ERDNASE, S. W., The Expert at the Card Table: The Classic Treatise on Card

    Manipulation, Mineola, NY: Dover Publications, INC: 1995. Traduo de Lus Alberto Berteline

    de Frana.

    HUGARD, Jean; BRAU, Frederick, The Royal Road to Card Magic, Mineola, NY:

    Dover Publications, INC: 1999. Traduo de Lus Alberto Berteline de Frana.

    BURGER, Eugene; NEALE, Robert E., Magic And Meaning Expanded, Seattle, WA:

    Hermetic Press, INC: 2009. Traduo de Lus Alberto Berteline de Frana.

    FAZZIO, Daniel. IMGICA, Sorocaba, SP: SE: 2006.

    WONDER, Tommy; MINCH, Stephen, The Books of Wonder Vol. I, Seattle, WA:

    Hermetic Press, INC: 1996. Traduo de Lus Alberto Berteline de Frana.

    WIKIPDIA: a enciclopdia livre. Storytelling. Disponvel em:

    . Acesso em: 31 de Maio 2012.

    HISTORY OF STORYTELLING how did storytelling begin? Disponvel em:

    . Acesso em:

    31 de Maio de 2012.

    http://en.wikipedia.org/wiki/Storytellinghttp://www.storytellingday.net/history-of-storytelling-how-did-storytelling.htmlhttp://www.storytellingday.net/history-of-storytelling-how-did-storytelling.htmlhttp://en.wikipedia.org/wiki/Storytelling
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    Apndica A: Vdeos

    Houdini, disponvel em: https://vimeo.com/54808368

    A Ganncia, disponvel em: https://vimeo.com/54808369

    https://vimeo.com/54808368https://vimeo.com/54808369https://vimeo.com/54808368https://vimeo.com/54808369