microgeraÇÃo integração de sistemas de energia renovável a ... · ta xa interna de retorno...

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A queima de combustíveis fós- seis é uma das maiores fontes de emissões de dióxido de car- bono, as quais contribuem com o efeito estufa e o aquecimento global. Neste contexto, o uso de energias re- nováveis tornou-se mais relevante nos últimos anos. A escassez de fontes de combustíveis fósseis e o consumo crescente de eletricidade também figu- ram entre as razões que justificam a mudança de rota no paradigma ener- gético. A produção descentralizada de eletricidade por meio de fontes reno- váveis permite, além da preservação dos recursos naturais, segurança ener- gética e fornecimento sem impactos ao meio ambiente. Contribui ainda pa- ra maior independência energética de um país. Os sistemas elétricos enfrentam atualmente um enorme desafio em função do crescimento da produção de energia em pequena escala, conhecida como microgeração. Devido a ques- tões ambientais e econômicas, há uma preocupação crescente no setor de construção em relação à sustentabili- dade e eficiência energética dos edifí- cios nos ambientes urbanos, os quais, por um lado, apresentam consumo de Integração de sistemas de energia renovável a instalações residenciais Os sistemas de microgeração domésticos que produzem energia a partir de fontes renováveis necessitam de legislação específica e de ferramentas para identificar os potenciais e a viabilidade de implantação de soluções tecnológicas adaptadas ao ambiente urbano. Este artigo analisa exemplos de implementação de sistemas eólicos, fotovoltaicos e híbridos em uma edificação, debatendo questões econômicas e energéticas. Raquel Marujo, Teresa Simões e Ana Estanqueiro, do Ineti - Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação (Portugal) MICROGERAÇÃO 124 EM NOVEMBRO, 2010 MGLS Habiecológica

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Aqueima de combustíveis fós-seis é uma das maiores fontesde emissões de dióxido de car-

bono, as quais contribuem com oefeito estufa e o aquecimento global.Neste contexto, o uso de energias re -no váveis tornou-se mais relevante nosúltimos anos. A escassez de fontes decombustíveis fósseis e o consumocres cente de eletricidade também figu-ram entre as razões que justificam a

mudança de rota no paradigma ener -gético. A produção descentralizada deeletricidade por meio de fontes reno -váveis permite, além da preservaçãodos recursos naturais, segurança ener -gética e fornecimento sem impactosao meio ambiente. Contribui ainda pa -ra maior independência energética deum país.

Os sistemas elétricos enfrentamatualmente um enorme desafio em

função do crescimento da produção deenergia em pequena escala, conhecidacomo microgeração. Devido a ques -tões ambientais e econômicas, há umapreocupação crescente no setor decons trução em relação à sustentabili-dade e eficiência energética dos edifí-cios nos ambientes urbanos, os quais,por um lado, apresentam consumo de

Integração desistemas de

energia renovávela instalaçõesresidenciais

Os sistemas de microgeraçãodomésticos que produzemenergia a partir de fontesrenováveis necessitam delegislação específica e deferramentas para identificar ospotenciais e a viabilidade deimplantação de soluçõestecnológicas adaptadas aoambiente urbano. Este artigoanalisa exemplos deimplementação de sistemaseólicos, fotovoltaicos e híbridosem uma edificação, debatendoquestões econômicas eenergéticas.

Raquel Marujo, Teresa Simões e Ana Estanqueiro,do Ineti - Instituto Nacional de Engenharia,

Tecnologia e Inovação (Portugal)

MICROGERAÇÃO

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MGLS

Habiecológica

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energia sig nificativo, e, por outro, con -dições ideais para exploração dos recur-sos na turais e geração de energia.

Em Portugal, a figura do consumi-dor-produtor surgiu com o Decreto Lei68/2002 [1], que autorizou a produçãode energia elétrica para consumo pró -prio e a venda de 50% para a rede elé -trica com tarifa similar à dos gran despar ques eólicos e com capacidade má -xima de 150 kW. Cinco anos depois depublicada a lei, não havia ainda um nú -mero significativo de sistemas li cen cia -dos segundo essa legislação. Desta for-ma, o governo português publicou umnovo regulamento sobre microge ração,através do Decreto Lei 363/ 2007 [2], quetornou os procedimentos de licenciamen-to mais fáceis (utilizando a Internet) e astarifas mais atrativas.

Decreto Lei 363/2007 -Microgeração

A lei regulamenta a produção deeletricidade em pequena escala a par -tir de fontes reno -váveis e forneceum re gime de li-cenciamento sim-plifica do para co -ne xão dos produ-tores à re de de bai -xa tensão. Qual -quer en tidade quetenha um contra topara compra deener gia elétrica po -de tor nar-se pro - dutor de eletricida -

de a partir de fontes renová veis (solar,eó lica, hi dráulica, co-gera ção, biomassae cé lulas de combustível).

Sistemas de microgeração podempossuir apenas uma fonte ou combinarduas ou mais fontes renováveis (sis-tema híbrido), desde que não seja ex-cedido o limite anual de produção porkW instalado, de 2,4 MWh para ener-gia solar e de 4 MWh para outrasfontes.

A legislação contempla dois tiposde regime: geral e especial. No geral,a capacidade máxima instalada é de5,75 kW e a tarifa é igual ao custo daeletricidade vendida sob o contrato decompra. Já no regime especial (“bene-fícios adicionais”), os produtores po-dem injetar até 50% da energia men -cio nada no contrato de compra, limi -tada a 3,68 kW. Contudo, para usu fruirde tais benefícios, é necessário possuir2 m2 de coletores solares, no caso deresidências isoladas, e uma certificaçãoenergética, no caso de condomínios.

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Fig. 1 – Consumo elétrico durante 2007 na resisitência em estudo

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ta xa interna de retorno (IRR), o re-torno do investimento (ROI) e o tempode payback (P) em anos:

onde:r - taxa de desconto;IT - total investido;R - ganho anual;C0 - investimento no ano zero

CF - diferença entre ganhos e paga-mentos anuais (CF = R – D).

É calculado também um indicadordos lucros anuais. Nessas avaliações, énecessário analisar a tarifa a ser aplica-da. De acordo com o Decreto, a tarifade referência é diferente para cadafonte de energia. No sistema híbrido,ela é calculada por [3]:

onde:LMEPS - produção máxima de energiasolar;LMERP - produção máxima de outraenergia renovável;TR - tarifa de referência;PS - potência da energia solar; ePE - potência de outra energia re -novável.

Estudo de casosAqui se avaliam configurações téc-

nicas diferentes no escopo dos sis-temas integrados de microgeração. Sãomostrados quatro casos para umaresidência doméstica localizada emuma área com altos níveis de radiaçãosolar e potencial eólico. O local, quefica na região ocidental de Portugal (aonorte de Lisboa), possui fortes ventos

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A tarifa de referência, garantida porcinco anos após a instalação, é de €650/MWh para os primeiros 10 MWinstalados e diminui 5% a cada 10 MWadicionais constantes no sistema deregistro de microgeradores anual-mente. Ela depende da tecnologia uti-lizada: é de 100% para solar, 70% paraeólica e 30% para hidráulica, co-gera -ção, biomassa e outras. O licenciamen-to é feito pela Internet, por meio deuma plataforma eletrônica que permiteaos produtores solicitar e registrar suasinstalações [3].

A aplicação da lei foi iniciada emabril de 2008 com o registro dos sis-temas de microgeração. Até o finalde fevereiro, 5 MW (de um total de25 MW registrados) esperavam pelainspeção. A meta era possuir, em2010, 165 MW provenientes de pe-quenos sistemas e registrar aumentode 20% ao ano.

Embora a aplicação da nova legis-lação tenha sido bem-sucedida, a ade -são reduzida de consumidores domés-ticos (produtores de energia por pe-quenas turbinas eólicas ou sistemasfotovoltaicos) surpreendeu, principal-mente devido ao fato de recursos eóli-cos em algumas áreas urbanas e a pro-visão de tarifas colocarem as duas tec-nologias em condições econômicassimilares ou beneficiarem ligeira-mente os sistemas eólicos. Portanto,este artigo visa principalmente de -mons trar as vantagens de se tornar ummicrogerador de energia elétrica uti-lizando fontes renováveis sob a novalegislação, com ênfase nas micro-turbinas eólicas.

MetodologiaPara selecionar o sistema de micro -

geração e a fonte (fotovoltaica, eó licaou ambas) mais adequados e vanta-josos, o produtor em potencial deveprimeiramente analisar seu consumomensal ou anual e estimar a produção.Após a escolha do sistema, deve-seavaliar a geração de energia e o poten-cial dos recursos eólicos e solares,com erros aceitáveis. Nesses casos,infelizmente, os recursos devem sermonitorados durante um ano, no míni -mo, e os custos disso podem ser tãoaltos quanto os dos próprios sistemasde microgeração. Em Portugal, ferra-mentas publicadas pelo Ineti - Ins -tituto Na cio nal de Engenharia, Tec -nologia e Ino vação permitem identi-ficar os recursos potenciais em Por -tugal: os solares, por meio da SolTerm[4], e os eólicos, através da Eolos [5,6] e Atlas [7, 8].

A metodologia desenvolvida paradimensionar os sistemas foi baseadaapenas em um tipo de aplicação pre-vista na legislação: o regime especial,cuja potência máxima é de 3,68 kW,presumindo que anualmente seja cum -prida a potência instalada obrigatórianacional de 10 MW, o que leva à redu -ção da tarifa em 5% ao ano.

A avaliação econômica é baseadano cálculo de parâmetros econômicoscomuns [9], considerando: a taxa dedesconto de 3%, a manutenção anualdos sistemas, o NPV, que é o valor pre-sente líquido de um investimento uti-lizando taxa de descontos e série depa gamentos futuros (valores negati -vos) e entradas (valores positivos), a

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Fig. 2 – Evolução da tarifa no período de duração do projeto

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são de gases do efeito estufa. As avali-ações iniciais indicam que a micro -gera ção doméstica poderá suprir maisde 30% do consumo de eletricidadedes se segmento.

O estudo de caso apresentado aquimostra que essa legislação suportaade quadamente os consumidores fi-nais e oferece indicadores econômi-cos bem aceitáveis para o retorno doinvestimento em sistemas fotovol -taicos, eólicos e híbridos, favorecen-do-os a se tor narem microgera dores.É um investimento de longo prazo:

20 anos para sistemas fotovoltaicos e15 anos para turbinas eólicas. Emgeral, os lucros são 50% superioresaos investimentos. In fe lizmente, atarifa de referência decresce ao longodos anos, até atingir o valor de refe -rência do regime de consumo em ge -ral, tornando o investimento menosrentável.

Referências

[1] Dec. – Law 68/2002, 25 of March, Diário da República,no 71, 1st serie-A, pp. 2837-2839.

[2] Dec. Law 363/2007, 2nd November, Diário da República,no 211, 1st serie, pp. 7978-7984.

[3] ht tp://www.renovaveisnahora.pt[4] Aguiar, R.; Car valho, M.: Análise do desempenho de

sistemas solares térmicos e fotovoltaicos. SolTerm 5.0,CD-ROM, Inet i/DER, 2007.

[5] Simões, T.; Estanqueiro, A.: Base de dados do potencialenergét ico do vento em Por tugal - Eolos, CD-ROM,Inet i/DER, 2000.

[6] Brandão, R.; Rio, J.; Costa, P.; Teixeira, J.; Simões,T.; Estanqueiro, A.: Base de dados do potencialenergét ico do vento em Por tugal - Eolos 2.0, CD-ROM,Inet i/DER, 2004.

[7] Cos ta , P. ; Es tanquei ro , A . : At las do potenc ia leó l ico para Por t uga l cont inenta l . CD-ROM, Inet i /DER, 2004.

[8] Costa, P.; Miranda, P.; Estanqueiro, A.: Development andvalidat ion of the por tuguese wind atlas. European WindEnergy Conference, 2006.

[9] Caeiro, A.; Estanqueiro, A.; Rodr igues, A.: Siste-mas distribuídos de produção integrada de energia elé -trica em ambiente urbano. Faculdade de Ciên cias eTecnologia, Universidade Nova de Lisboa, 2007.

estáveis em altitudes relativamentebaixas, e a região já abriga mui -tos parques eólicos em operação. Are si dência, construída na vertente deuma colina, está localizada em umaárea de 1200 m2. O local tem pou-cas e pequenas edificações e regis-tra velocidade média do vento de6,9 m/s a 15 m a.g.l. e radiação solarmédia de 214 W/m-2.

O consumo de energia e a evoluçãoanual da tarifa estão representados nasfiguras 1 e 2, respectivamente. As ca -racterísticas do sistema para cada casoestão apresentadas na tabela I.

Quatro cenários foram simuladospara o primeiro ano do novo Decreto.A figura 3 apresenta os resultados paracada sistema escolhido.

Avaliação econômica

A vida útil considerada no estudode viabilidade econômica foi de 15anos para os sistemas eólicos e híbri-dos (turbina eólica + células foto-voltaicas) e de 20 anos para sistemasfotovoltaicos. As tarifas estimadaspara os próximos 15 ou 20 anos estãoalinhadas aos dados constantes nafigura 2, onde há decréscimo de 5%

por ano após cinco anos de vida do sis-tema. Os resultados não levam em con-ta o custo e a instalação do coletor so-lar, pois eles são iguais em todos os ca-sos e esses equipamentos já existem namaioria dos edifícios residenciais querealizam microgeração de eletricidade(tabelas II e III).

ConclusõesA legislação sobre microgeração

ado tada em Portugal está alinhada comoutros regulamentos de eficiência en-ergética e sustentabilidade, e com osesforços da Europa em reduzir a emis-

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Fig. 3 – Produção anual potencial de energia eólica e solar para cada caso

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