metodologia para etnodiagnostico - pptal

54
PPTAL Fundação Nacional do Índio Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal PPTAL Levantamentos Etnoecológicos em Terras Indígenas na Amazônia brasileira: uma metodologia Versão revista e atualizada Janeiro de 2004

Upload: girimum

Post on 14-Nov-2015

234 views

Category:

Documents


10 download

DESCRIPTION

Metodologia para Etnodiagnósticos em Terras Indígenas

TRANSCRIPT

  • PPTAL

    Fundao Nacional do ndio

    Projeto Integrado de Proteo s Populaes e Terras Indgenas da Amaznia Legal

    PPTAL

    Levantamentos Etnoecolgicos em Terras Indgenas na Amaznia brasileira: uma metodologia

    Verso revista e atualizada

    Janeiro de 2004

  • 1

    SUMRIO

    NOTA INTRODUTRIA ................................................................................................................3 FUNDAMENTOS ............................................................................................................................4

    Estudos Ambientais e Levantamentos Etnoecolgicos: o PPTAL e a demarcao de terras indgenas......................................................................................................................................................4 Etnoecologia na Amaznia brasileira..............................................................................................5 Gesto Ambiental em Terras Indgenas...........................................................................................8 Projetos Demonstrativos dos Povos Indgenas (PDPI)...................................................................10 Ojetivos da Metodologia para Levantamentos Etnoecolgicos em Terras Indgenas......................10 Metas principais e Objetivos.........................................................................................................10 Objetivo Secundrio.....................................................................................................................12 Recursos disponveis limitaes dos levantamentos...................................................................12

    ESTRUTURA DO LEVANTAMENTO ........................................................................................13 Viso Geral..................................................................................................................................13

    Pontos chave............................................................................................................................13 Fase 1 Identificao de complexos de reas indgenas................................................................13 Fase 2 Preparao do ncleo de recursos de informaes...........................................................15 Fase 3 Seleo da equipe de levantamento.................................................................................15

    Consultores especialistas..........................................................................................................16 Representante da FUNAI..........................................................................................................17 Participantes indgenas............................................................................................................17

    Fase 4 Os levantamentos...........................................................................................................18 Fase 5 Disseminao.................................................................................................................18

    METODOLOGIA DO LEVANTAMENTO .................................................................................19 Direitos de propriedade................................................................................................................19 Como utilizar esta metodologia....................................................................................................19 Composio da equipe de levantamento........................................................................................20 Estrutura do levantamento............................................................................................................20 Estgio I Pesquisa de fundamentos e preparao........................................................................20

    Atividades................................................................................................................................20 Escopo da pesquisa de fundamentos.........................................................................................22

    Estgio II - Pesquisa de campo.....................................................................................................22 Escopo da pesquisa de campo...................................................................................................22 Tcnicas e abordagens no campo.............................................................................................25

    Coleta de dados....................................................................................................................25 Tcnicas participativas..........................................................................................................27 Identificao de espcies.......................................................................................................27 Nomes comuns.....................................................................................................................28 Lngua..................................................................................................................................28 Mapeamento.........................................................................................................................28 Fotografia.............................................................................................................................30 Cronograma..........................................................................................................................30

    A agenda de campo workshops e visitas comunitrias............................................................30

  • 2

    Workshop de apresentao do levantamento e identificao de prioridades...........................31 Visitas comunitrias.............................................................................................................31 Workshop de discusso e restituio dos resultados..............................................................31

    Estgio IV - Consolidao dos resultados e elaborao dos produtos.............................................32 Relatrio para o PPTAL/FUNAI...............................................................................................32 Relatrio para as comunidades indgenas.................................................................................33 Produtos - Algumas notas administrativas................................................................................33

    APNDICE 1: Aide-Mmoire etnoecolgico..................................................................................35 APNDICE 2: Cronograma e organizao do levantamento.......................................................52 APNDICE 3: Lista de siglas........................................................................................................53

  • 3

    NOTA INTRODUTRIA

    Com o objetivo de implementar o Sub-Componente Estudos e Capacitao Levantamentos Etnoecolgicos, o Projeto de Proteo s Populaes e Terras Indgenas da Amaznia Legal PPTAL, desenvolveu, por meio de consultoria especializada, uma metodologia especfica, que tem sido utilizada no apenas em estudos do Projeto, mas tambm por outras instituies de pesquisa e de apoio ao desenvolvimento de comunidades tradicionais.

    Todavia, face s crescentes discusses acerca da bio e da sociodiversidade brasileira e as recentes regulamentaes de atividades e prticas que envolvem acesso ao patrimnio gentico e cultural do pas, o PPTAL entendeu por bem proceder a uma reviso dos procedimentos adotados no mbito dos Levantamentos Etnoecolgicos, cuja verso original foi elaborada por William Milliken, em 1998. Assim, este documento se constitui em uma verso revisada e atualizada dos procedimentos a serem adotados na investigao da etnoecologia em Terras Indgenas na Amaznia Legal, propostos por William Milliken. Constitui-se, portanto, em uma ferramenta prtica, e tambm bastante flexvel, para a sistematizao de informaes necessrias implantao de futuros projetos de gesto territorial e desenvolvimento das comunidades indgenas.

    As alteraes feitas em relao ao documento original, e que resultaram no texto que segue, dizem respeito adequao deste referencial metodolgico a questes prticas, operacionais e oramentrias dos Levantamentos Etnoecolgicos em Terras Indgenas, bem como s diretrizes contidas na Conveno de Diversidade Biolgica e suas recentes atualizaes1, sobretudo no que tange a questo do acesso ao conhecimento tradicional e proteo da biodiversidade.

    Por fim, ressalta-se que esta metodologia deve ser vista como um documento orientador de estudos de natureza etnoecolgica, cuja aplicao requerer no apenas reflexes e ajustes constantes, como tambm um certo grau de experincia do usurio. Isso porque a abordagem etnoecolgica engloba conceitos ainda em discusso, e regulamentaes tambm em curso. Considerando esse carter dinmico, e ainda o fato de que a Amaznia um mosaico de ambientes e sociedades diversos, haver sempre uma necessidade de adaptao de determinados elementos e procedimentos do levantamento.

    1 Decreto n 2.519, de 16/03/1998; Medida Provisria n 2.186-16, de 28/08/2001; Decreto n 4.339, de 22/08/2002; Decreto n 4.703, de 21/05/2003; e, Decreto n 4.946, de 31/12/2003.

  • 4

    FUNDAMENTOS

    Estudos Ambientais e Levantamentos Etnoecolgicos: o PPTAL e a demarcao de terras indgenas

    At janeiro de 1996, a incluso de um componente ambiental no processo de identificao e delimitao de reas indgenas no Brasil no era requerida pela legislao. Embora alguns dos estudos de identificao empreendidos por antroplogos anteriormente a essa data tivessem includo componentes ambientais, em geral este no era o caso. Em 1996, porm, uma exigncia legal2 foi imposta, estipulando que a identificao e a delimitao deveriam incorporar as seguintes atividades:

    Identificao e descrio das reas imprescindveis preservao dos recursos necessrios ao bem estar econmico e cultural do grupo indgena;

    Explicitao das razes pelas quais tais reas so imprescindveis e necessrias.

    Como conseqncia, tornou-se obrigatrio incluir um especialista em assuntos ambientais nos Grupos de Trabalho responsveis pela identificao de Terras Indgenas, e a incorporao de dados ambientais aos seus resultados. Subseqentemente, em reconhecimento ao fato de que os dados ambientais somente so realmente relevantes e utilizveis para a futura ocupao de terras indgenas se incorporarem a perspectiva de seus habitantes indgenas (em lugar de fornecer puramente uma lista de recursos), uma metodologia para estudos ambientais de identificao detalhados foi desenvolvida3. Essa metodologia, planejada para produzir resultados de relevncia prtica e beneficiar, no futuro, processos de gesto em terras indgenas, foi testada pelo PPTAL4 em reas que passaram pelo processo de identificao.

    Os objetivos do PPTAL incluem5:

    Realizar, simultaneamente identificao / delimitao das terras indgenas, o levantamento das suas condies ambientais e de elementos que possam viabilizar projetos de auto-sustentao.

    Implementar aes visando ao equilbrio ambiental das reas indgenas, possibilitando uma auto-sustentao da sua populao.

    Entre as terras indgenas cuja demarcao est sob responsabilidade do PPTAL, vrias j tinham sido identificadas em 1996 algumas h cerca de 20 anos. Como resultado, algumas dessas reas no foram submetidas a estudos ambientais. Dado que o processo de identificao (com seu novo componente ambiental) no ser repetido nessas reas, seria,

    2 Portaria no. 14, de 9 de Janeiro de 1996, referente ao pargrafo 60 do artigo 20 do Decreto no. 1.775, de 8 de Janeiro de

    1996. 3 Esta metodologia, Reviso da proposta preliminar de estudos de levantamento ambiental (Setembro, 1997), resultou de

    discusses de um grupo multidisciplinar (Lcio Cardaval Bed, Salatiel Alves Arajo, Sandra Aires, Nadja Havt Bind, Carlos Peres, Isabelle Giannini Vidal, Win Sombrek) sob a coordenao de Plcido Costa Jnior.

    4 Projeto Integrado de Proteo s Populaes e Terras Indgenas da Amaznia Legal. 5 Programa Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil. Livro das Secretarias Tcnicas. MMA, Braslia.

    Outubro, 1997.

  • 5

    ento, teoricamente possvel que a demarcao fosse finalizada sem que qualquer estudo ou levantamento ambiental tivesse sido realizado.

    Para evitar essa situao, recursos especficos foram obtidos para realizar amplos levantamentos etnoecolgicos nessas reas identificadas previamente. A metodologia esboada neste documento foi criada primariamente com esse propsito (veja Objetivos desta Metodologia abaixo). Todavia, tambm se pretende que ela seja um modelo usado de modo mais abrangente, em levantamentos ambientais em reas indgenas.

    ETNOECOLOGIA NA AMAZNIA BRASILEIRA

    Para Frechione6 et al. (1989), a Etnoecologia pode ser definida como as percepes que os indgenas tm das divises naturais no mundo biolgico e relacionamentos terra-planta-animal-humano. Essas caractersticas ecolgicas cognitivamente definidas no existem isoladamente; assim, a etnoecologia tambm deve tratar de percepes dos inter-relacionamentos entre divises naturais (Posey, 1983)7. Essas percepes formam uma moldura para as interaes pessoais com o ambiente natural. Como Frake (1962)8 indica, o propsito da investigao etnoecolgica descrever o meio ambiente como a prpria comunidade o interpreta, de acordo com as categorias de sua etnocincia. Freqentemente, h uma alta correlao entre percepes populares da realidade biolgica e os sistemas ocidentais de classificao cientfica (Hunn, 1975)9.

    Bale (1994)10 discute o uso do termo ecologia histrica para descrever, aproximadamente, o mesmo campo:

    Ecologia histrica mais do que um aperfeioamento metodolgico sobre a ecologia cultural, antropologia cognitiva e certas abordagens orientadas para a construo de listas, comuns botnica econmica e botnica mdica. Diferentemente, em minha opinio este um paradigma poderoso para compreender inter-relaes entre ambientes amaznicos e sociedades indgenas a eles associadas, porque enfoca a interpenetrao da cultura e do meio ambiente, no lugar da adaptao de seres humanos ao meio ambiente.

    Independente de algum escolher referir-se a este assunto como etnoecologia ou como ecologia histrica, existe um consenso de que o estudo dos inter-relacionamentos homem-meio ambiente complexo, e demanda uma abordagem interdisciplinar holstica. No contexto amaznico, existe variao considervel nas relaes prticas entre populaes indgenas e seus respectivos ambientes, assim como existe variao nas percepes e compreenso que as populaes tm dos mesmos.

    6 Frechione, J., D.A. Posey & L.F. da Silva, 1989. The perception of ecological zones and natural resources in the

    Brazilian Amazon: an ethnoecology of Lake Coari. Advances in Economic Botany 7: 260-282. 7 Posey, D.A., 1993. Indigenous ecological knowledge and development. Pages 225-227 in E. Moran (ed.), The dilemma

    of Amazonian development. Westview Press, Boulder, Colorado. 8 Frake, C.O., 1962. Cultural ecology and ethnography. American Anthropologist 64 (1): 53-59. 9 Hunn. E.S., 1975. A measure of the degree of correspondence of folk to scientific biological classification. American

    Ethnology 2: 307-327. 10 Bale, W., 1994. Footprints of the forest. Ka'apor ethnobotany - the historical ecology of plant utilization by an

    Amazonian people. Columbia University Press, New York.

  • 6

    Tambm varia grandemente o conhecimento e o entendimento que pessoas de fora das comunidades tm a respeito da etnoecologia desses povos. Alguns grupos (por exemplo, os Ka'apor e Kayapo) j foram submetidos a estudos detalhados e extensos, e razovel dizer que agora so bem compreendidos por pessoas de fora da comunidade, embora, mesmo nesses casos, haja, sem dvida, muito mais para ser aprendido. Enquanto isso, existem vrias outras populaes sobre cuja etnoecologia at agora quase nada de significativo foi registrado.

    A variabilidade das relaes entre as populaes indgenas e seu meio ambiente na Amaznia se origina, em parte, na diversidade daquele ecossistema. Contrariamente percepo de muitas pessoas, que vem a regio como uma grande rea homognea de floresta de terras baixas, a Amaznia um mosaico complexo de florestas de terra firme, savanas arbreas, buritizais, vrios tipos de caatingas com vegetao lenhosa, florestas inundadas ou igaps, florestas de vrzea, vegetao secundria e outros habitats antropognicos. Dentro de cada um desses habitats, a composio de espcies e a diversidade variam grandemente de uma regio para outra. Alm disso, sobreposta a toda essa variabilidade est a diversidade de culturas das populaes indgenas que moram na Amaznia.

    Um ponto fundamental que a etnoecologia de qualquer populao indgena no , e nunca foi, um fenmeno esttico. Pelo contrrio, as populaes da Amaznia so notveis por sua adaptabilidade e pela vontade de aprender novos usos para seus recursos naturais. Assim, pelo menos do ponto de vista prtico, suas relaes com o meio ambiente amaznico tm evoludo desde que chegaram bacia. Historicamente, a mudana tem sido estimulada por modificaes ambientais, provocadas pelo homem ou no, e por migraes para novos ambientes. Alm disso, a base de recursos de informao etnobiolgica transmitida oralmente e a base de recursos genticos de plantas cultivadas ou animais de criao sofreram um processo contnuo de evoluo, enquanto novas descobertas eram feitas e novas informaes, materiais ou espcies eram intercambiadas com populaes vizinhas.

    Mais recentemente, os estmulos para mudanas tornaram-se mais numerosos e passaram a requerer muito mais habilidades. O contato com o mundo exterior (sociedade nacional) colocou muitas populaes indgenas da Amaznia em situaes que alteraram dramaticamente seus ambientes e/ou suas relaes com os mesmos. Essas situaes incluem, entre outras:

    Projetos de desenvolvimento. Esses projetos, que incluram a construo de usinas hidroeltricas, rodovias, vias fluviais, bases militares, etc., resultaram em perda de terras e recursos, em degradao ambiental (por exemplo, a acidificao de rios) e em mudanas sociais (por exemplo, a abertura de suas reas a colonos).

    Perda de terra. Muitos grupos perderam acesso a pores significativas de seu territrio tradicional (se no a todo ele) e, por conseguinte, aos recursos ali contidos. A terra foi perdida para fazendeiros, madeireiros, projetos de desenvolvimento, atividades de minerao, colonizao formal ou informal, etc.

    Invaso de terra. As populaes indgenas acabaram compartilhando, involuntariamente, suas terras com invasores (por exemplo, garimpeiros, pequenos proprietrios, madeireiros, extrativistas, etc.). Alm de causar problemas de sade, sociais e ambientais, isso tambm resultou no aumento da disputa por recursos naturais.

  • 7

    Epidemias. Estas eliminaram ou reduziram maciamente muitas populaes indgenas amaznicas, liberando terra para a expanso de grupos vizinhos. Em muitos casos, essas epidemias eliminaram a maioria dos idosos nas comunidades e provocaram perda irreversvel de conhecimento tradicional. Em alguns casos, elas levaram ao estabelecimento de grandes programas de apoio sade, que tiveram eles mesmos efeitos secundrios sobre o meio ambiente. As epidemias de doenas introduzidas estimularam, em alguns casos, populaes indgenas a experimentar (e descobrir) novas plantas medicinais.

    Alterao demogrfica. A diminuio de populaes causada por epidemias alterou significativamente a presso sobre recursos naturais e, em alguns casos, resultou numa retrao da rea efetivamente usada. De forma inversa, expanses subseqentes de populaes, que em alguns casos se seguiram implantao de operaes de atendimento na rea de sade, esto resultando em crescente presso populacional.

    Migrao / translocao. Alguns grupos migraram para escapar de presses adversas e ameaas, ou para tirar vantagem de terras que se tornaram disponveis (veja acima), e assim se viram em ambientes leve ou significativamente diferentes daqueles aos quais estavam habituados. Em outros casos, como por exemplo, no Parque do Xingu, grupos foram ativamente transportados pela FUNAI, de uma rea para outra. Isso requereu uma certa adaptao etnoecolgica.

    Sedentarizao. Em muitos casos, o contato crescente com a sociedade brasileira e a dependncia crescente de assistncia na rea da sade ou de bens manufaturados, resultou no abandono ou reduo, pelos grupos indgenas, de suas migraes sazonais e/ou no estabelecimento de povoamentos permanentes. A crescente presso sobre os recursos naturais prximos de uma comunidade assentada pode, em longo prazo, resultar em alteraes nas estratgias de subsistncia (por exemplo, dependncia crescente da horticultura), nas prticas de manejo de recursos naturais e na escolha de espcies teis.

    Desenvolvimento tecnolgico. A introduo de novas tecnologias teve um efeito significativo na relao das populaes com o seu meio ambiente. A introduo de ferramentas cortantes eficazes (inicialmente machados e faces, e depois moto-serras), por exemplo, fez com que o corte de madeira de lei ficasse relativamente fcil. Como resultado, as prticas em horticultura mudaram (uma vez que fica mais fcil limpar a terra11), madeira de espcies nobres, que no podiam anteriormente ser derrubadas, pode agora ser obtida; e, em alguns casos, rvores foram derrubadas por causa de seus frutos, quando antes se subia nas mesmas para apanh-los. A introduo de armas de fogo e redes de nylon mudou as prticas de caa e pesca e a eficcia das mesmas, e a introduo do transporte motorizado (exemplo, motores de popa) aumentaram o possvel raio de explorao de recursos.

    Introdues de espcies. Embora em alguns casos a introduo de uma nova espcie possa ser insignificante, em outros o impacto ambiental e a forma como o ambiente utilizado podem ser muito significativos. Esse o caso do gado (cuja manuteno geralmente requer a derrubada peridica de grandes reas da floresta) e de certas

    11 Isso pode resultar em diferentes habitats tornando-se os mais atraentes para o cultivo.

  • 8

    espcies invasoras que, uma vez estabelecidas, podem tomar conta de uma rea e causar alteraes dramticas na disponibilidade de espcies nativas.

    Desenvolvimento comercial. Muitas comunidades indgenas amaznicas esto agora envolvidas, em algum nvel, com o comrcio. Geralmente, isso envolve a explorao de recursos naturais em suas terras (abrangendo da explorao madeireira comercial produo em pequena escala de produtos no madeireiros coletados de modo sustentvel na floresta, ou ao artesanato). Isso pode ter um impacto significativo no apenas na forma pela qual as comunidades utilizam e manejam os seus recursos, mas tambm na maneira como estes so percebidos por elas.

    Pode ser questionado por que importante que a etnoecologia de terras indgenas demarcadas seja documentada e compreendida. Por que conduzir esses levantamentos etnoecolgicos?

    As respostas se baseiam justamente nas foras de mudana mencionadas acima. Se as circunstncias nas quais as comunidades indgenas esto vivendo fossem estveis, ento os principais beneficirios desses levantamentos seriam as pessoas que os conduziram. Alm disso, se essas pessoas fossem totalmente estranhas s comunidades indgenas envolvidas, ento no haveria nenhuma garantia de qualquer benefcio direto para essas comunidades. Porm, as circunstncias geralmente no so estveis, e tambm no se pretende que estranhos realizem esses levantamentos sozinhos.

    Muitas das populaes indgenas da Amaznia brasileira agora se encontram em situaes dramaticamente diferentes daquelas nas quais seus antecedentes viveram, e esto em processo de adaptao a mudanas muito radicais. Muitas dessas mudanas ocorreram com tal rapidez que no houve tempo suficiente para compreender suas implicaes. At mesmo dentro do contexto do PPTAL e das iniciativas de demarcao da FUNAI, seria extremamente ingnuo imaginar que mudanas e desenvolvimento desse tipo no continuaro, e que as populaes indgenas da Amaznia no continuaro sofrendo as conseqncias da cobia e da ignorncia de outros povos. Existem benefcios que podem ser obtidos de uma maior compreenso da etnoecologia, que podem contribuir para o desenvolvimento de iniciativas apropriadas para mitigar alguns dos efeitos das mudanas nas terras, recursos naturais, economias e na sobrevivncia.

    GESTO EM TERRAS INDGENAS

    Ao invs de desperdiar tempo em discusses semnticas ou filosficas sobre o que significa gesto, qual seu papel nas terras indgenas e como pode diferir de manejo, seria melhor focalizar a discusso na realidade prtica das comunidades indgenas cujas terras esto passando pelos processos de identificao e de demarcao. Muitas comunidades indgenas esto, como discutido acima, se adaptando a mudanas que afetaram no apenas seu meio ambiente, mas tambm a forma pela qual elas o utilizam. Algumas comunidades esto buscando ativamente fontes de renda para satisfazer as suas novas necessidades (por exemplo, bens manufaturados, sade, educao). Outras esto buscando meios para adaptar seus estilos de vida e de subsistncia para as suas circunstncias, agora alteradas. Muitas esto buscando meios de mitigar as ameaas, por foras externas, s suas terras e recursos.

  • 9

    Alguns objetivos da gesto em terras indgenas: Promover atividades que trazem benefcios econmicos em longo prazo para a maioria da

    populao. Emancipar os povos indgenas da tutela e substituir servido pela autonomia econmica. Dar poder a grupos indgenas, demonstrando a eles como ganhar controle sobre suas

    prprias necessidades comerciais. Apoiar o uso racional dos recursos indgenas sem colocar em risco o meio ambiente ou o

    manejo tradicional de recursos. Proteger os recursos indgenas da usurpao. Defender a comunidade da desintegrao social por meio do encorajamento de formas

    comunitrias de produo e comercializao. Beauclerk et al. (1988)12

    importante lembrar que o processo de demarcao intenta dar poder aos povos indgenas, reforando o controle sobre as suas prprias terras. Assim, qualquer processo de gesto que acompanhe ou surja desse processo de demarcao deve ser conduzido pelos prprios povos indgenas, com a meta final de promover ou restabelecer a auto-sustentao. Os dias de paternalismo devem agora ser coisa do passado, e essencial que quaisquer novas iniciativas focalizem mais a capacitao e a aquisio de poder do que a proviso de ajuda por prazo limitado.

    Enquanto os povos indgenas geralmente tm uma compreenso muito mais profunda do que ningum da ecologia do seu meio ambiente e de seus recursos naturais, em muitos casos eles ainda no tm uma idia clara de como esses recursos podem ser comercializados, ou de como podem ser administrados para acomodar um estilo de vida diferente. H, porm, uma riqueza de experincias, tecnologias e informaes que poderia, se apropriadamente direcionada e adaptada, ajud-los a alcanar essas metas.

    H vrias advertncias a serem enfatizadas aqui. A primeira que qualquer processo de desenvolvimento que ocorra em terras indgenas deve ser comeado por iniciativa dos povos indgenas, por eles realizado, e efetivado porque eles genuinamente necessitam do mesmo, e no porque eles foram convencidos de faz-lo.13 A segunda que qualquer projeto desse tipo deve ser realista, sustentvel, muito cuidadosamente e antecipadamente planejado14. Um projeto mal concebido e inadequadamente executado freqentemente pior do que no ter projeto algum, pois cria expectativas irrealistas e, nos piores casos, pode causar dano ou degradao cultural e/ou ambiental. Lamentavelmente, porm, o mundo est cheio de projetos de desenvolvimento e de ajuda que falharam e, muito freqentemente, isso acontece porque so mal concebidos, porque no envolveram suficientemente as comunidades que os receberam, e porque as circunstncias nas quais foram implantados foram insuficientemente pesquisadas e compreendidas.

    12 Beauclerk, J., J. Narby & J. Townsend, 1988. Indigenous peoples. A fieldguide for development. Development Guidelines

    n 2. Oxfam, Oxford. 13 No incomum que trabalhadores em terras indgenas estimulem projetos por motivo de seu prprio interesse, ao invs

    do interesse da comunidade indgena. 14 Em outras palavras, deve continuar a fornecer benefcios muito tempo, mesmo depois de qualquer capital inicial ter

    acabado. Qualquer nova tecnologia a ser introduzida deve ser acompanhada de treinamento, e deve ser fornecida em um nvel apropriado.

  • 10

    PROJETOS DEMONSTRATIVOS DOS POVOS INDGENAS (PDPI)

    O PDPI, coordenado pelo Ministrio do Meio Ambiente, no mbito do Programa Piloto para Proteo das Florestas Tropicais do Brasil PPG-7, um projeto de apoio a atividades das comunidades indgenas da Amaznia Legal. Essa iniciativa, que tem como prerrogativa a valorizao da cultura e do modo de vida dos povos indgenas como elementos fundamentais para a conservao do meio ambiente, proporciona apoio financeiro e orientao tcnica s comunidades indgenas para o desenvolvimento de projetos de gesto e desenvolvimento de suas terras. As principais reas temticas so: fortalecimento institucional, desenvolvimento de atividades econmicas sustentveis, e proteo das terras indgenas.

    Para que sejam implementadas, as propostas, elaboradas pelas comunidades indgenas, devem ser analisadas e aprovadas por uma equipe da Unidade de Gerenciamento ou da Comisso Executiva do Projeto. Nesse sentido, os dados produzidos no mbito dos Levantamentos Etnoecolgicos, assim como demais dados existentes constituem uma forma de subsidiar essas anlises.

    OBJETIVOS D A METODOLOGIA PARA LEVANTAMENTOS ETNOECOLGI -COS EM TERRAS INDGENAS

    Principais Metas e Objetivos

    O objetivo bsico desta metodologia fornecer uma ferramenta prtica e flexvel para a investigao da etnoecologia, ou interface tnica/ambiental, em Terras Indgenas na Amaznia brasileira.

    As investigaes para as quais a metodologia foi planejada sero conduzidas naquelas reas cuja demarcao est sob a responsabilidade do PPTAL, mas que, devido ao fato de terem sido identificadas antes de 199615, no passaram por estudos ambientais e etnoecolgicos anteriores. Assim como leva em conta a quantidade e a qualidade da informao etnoecolgica, o processo de seleo de reas-alvo tambm considera suas relativas vulnerabilidades. Essas investigaes adquirem a forma de levantamentos que so conduzidos por equipes multidisciplinares e multiculturais.

    Uma quantidade limitada de dinheiro (US$ 300.000,00) foi garantida para este trabalho. Como conseqncia, no possvel conduzir levantamentos separados em cada uma das reas selecionadas. Foi decidido ento, pelo PPTAL, que os levantamentos devem ser conduzidos em complexos de terras indgenas j demarcadas, e em conformidade com a metodologia delineada neste documento.

    O recurso mais importante suprido por esses levantamentos se constitui num corpo de informaes etnoecolgicas bsicas e em macro-escala sobre as reas indgenas estudadas, com o objetivo de fornecer informaes bsicas, cruciais para o desenvolvimento de qualquer processo subseqente de gesto nessas reas16. A proviso dessas informaes o primeiro

    15 Veja Fundamentos acima. 16 Esses processos ficam fora da rea de atuao do PPTAL.

  • 11

    passo no processo de desenvolvimento. Com base nesse conhecimento, ser possvel fazer recomendaes para investigaes posteriores mais aprofundadas, focalizando as necessidades comunitrias atuais e futuras, as opes para explorao de recursos de potencial importncia, e os meios de mitigar ou prevenir ameaas ao seu modo de vida relacionadas ao meio ambiente ou aos recursos.

    Alm dos dados em escala macro, esses levantamentos tambm oferecero uma oportunidade para a coleta de quantidades limitadas de informaes mais detalhadas (em escala micro). Esse aspecto do levantamento focalizar situaes e demandas especficas das comunidades indgenas, identificadas em workshop a ser realizado no incio do levantamento. Por exemplo, os levantamentos podem incorporar informaes detalhadas sobre aspectos prticos da comercializao ou produo de um recurso que j tenha sido identificado pela comunidade como tendo potencial, ou uma investigao sobre uma dada ameaa ao meio ambiente ou aos recursos da rea em estudo.

    Um contexto no qual os resultados destes levantamentos sero, potencialmente, de relevncia particular o desenvolvimento de projetos de gesto no mbito do PDPI (veja acima). O desenvolvimento de projetos viveis e bem sucedidos vai requerer slida compreenso da etnoecologia das terras indgenas, por parte dos representantes do PDPI responsveis pela tomada de decises, pela alocao de recursos e pelo fornecimento de apoio para as comunidades receptoras. Entretanto, tambm vai requerer entendimento prtico, por parte das comunidades indgenas, da realidade da comercializao de produtos, das ameaas ambientais externas, das experincias de outros projetos de natureza semelhante, etc. A realizao desses levantamentos multidisciplinares e multiculturais fornecer informaes e experincias de relevncia a esse processo.

    Para satisfazer essa exigncia de informaes e experincias prticas, os produtos dos levantamentos etnoecolgicos sero elaborados de duas formas: a primeira, apropriada para ser usada pelas comunidades indgenas onde foram levados a cabo os levantamentos; e a segunda, para uso de indivduos e organizaes responsveis pelo fornecimento de apoio a essas comunidades. Os detalhes desses produtos esto descritos abaixo.

    Informaes de macro-escala sobre as reas A, B, C e D (= Complexo 1)

    Informaes de micro-escala sobre a rea A

    A

    C

    D

    B Informaes de micro-escala sobre a rea B

    Informaes de micro-escala sobre a rea C

    Informaes de micro-escala sobre a rea D

    1

  • 12

    Alm disso, no se pretende que esses levantamentos sejam terminados, pela equipe de pesquisa, ao final da visita de campo. Ao invs disso, prev-se que o trabalho de campo sirva para dar incio a um processo, de longa durao, de avaliao etnoecolgica pelas prprias comunidades indgenas. Para esse fim, um elemento de capacitao e treinamento foi incorporado metodologia do levantamento.

    Objetivo Secundrio

    O objetivo secundrio desta metodologia proporcionar uma ferramenta bsica que possa ser adaptada para uso em levantamentos etnoecolgicos em outros contextos, isto , fora das atividades do PPTAL. O nvel de detalhe e o enfoque desses levantamentos (por exemplo, provimento de informaes de fundamentos macro etnoecolgicos, ou estudos mais especficos de viabilidade para processos de gesto) podem ser ajustados para satisfazer as exigncias contextuais. Por exemplo, uma verso adaptada desta metodologia poderia potencialmente se mostrar til nas atividades mais amplas do PPTAL e do PDPI, no desenvolvimento futuro dos Corredores Ecolgicos na Amaznia, e nas atividades do GCPIMA e CGID (FUNAI). Alm disso, sua aplicao no precisa ser necessariamente restrita Amaznia.

    Recursos disponveis limitaes dos levantamentos

    As limitaes inerentes a esta abordagem so evidentes, e importante que a metodologia e os resultados do levantamento sejam examinados no contexto dessas limitaes:

    Aglomeraes (complexos) de reas indgenas, embora cuidadosamente escolhidas, so intrinsecamente artificiais e, como tal, inevitavelmente tero descontinuidades culturais e ambientais que limitaro a relevncia dos resultados para uma rea particular.

    O tempo que a equipe de levantamento ser capaz de passar em qualquer uma das reas e com qualquer um dos grupos indgenas ser necessariamente pequeno, razo pela qual determinados dados coletados sero inevitavelmente superficiais.

    O que parece constituir um complexo lgico para a equipe do projeto pode no ser visto como uma unidade apropriada pelas comunidades indgenas, particularmente onde existirem rivalidades tradicionais entre os grupos de uma regio. Isso pode causar dificuldades prticas e polticas para a equipe de levantamento. Porm, esse problema pode ser mitigado pela incluso de povos indgenas no processo de definio dos complexos.

    A quantidade limitada de tempo que pode ser gasto pelas equipes de pesquisa com cada grupo indgena deixar pouca oportunidade para transferncia de tecnologia e capacitao em tcnicas de pesquisa

    Todavia, essas limitaes so menores que os benefcios potenciais que podem ser obtidos com a realizao desses levantamentos.

  • 13

    ESTRUTURA DO LEVANTA MENTO

    Esta seo esboa a estrutura proposta para o Levantamento Etnoecolgico

    Viso Geral

    Um levantamento etnoecolgico de uma nica terra indgena, apoiado por recursos financeiros adequados, poderia fornecer, potencialmente, um quadro quantitativo muito detalhado (nvel micro) da disponibilidade de recursos naturais, bem como das interaes com o meio ambiente e das percepes do mesmo pelo grupo. Seria esperado que o mesmo inclusse, por exemplo, o mapeamento (geo-referenciado) detalhado de recursos e a produo de dados razoavelmente abrangentes sobre o uso de plantas e animais, etc. ao nvel de espcie.

    Levantamentos mais gerais, do tipo esboado nesta metodologia, com recursos disponveis mais limitados, devem inevitavelmente abordar os vrios elementos de um levantamento etnoecolgico em nvel mais macro (qualitativo). Assim sendo, por exemplo, enquanto o componente etnobotnico de um estudo em nvel micro poderia fornecer listas detalhadas de espcies de plantas, seus nomes comuns, usos, associaes com habitats e quaisquer outras informaes referentes a elas, um estudo em nvel macro forosamente enfocar os tipos principais de vegetao na rea, fornecendo informaes detalhadas somente sobre as espcies de maior importncia cultural, social ou econmica.

    Embora a etnoecologia seja um campo muito extenso, por razes prticas o enfoque dos levantamentos ser mantido nos aspectos da interao homem-ambiente que so de maior relevncia para o futuro dos povos indgenas inseridos nos complexos.

    Pontos chave

    Pretende-se que esses levantamentos forneam informaes funcionais que sejam teis para as prprias comunidades indgenas e tambm para no-especialistas. Eles devero, portanto, ser mantidos em um nvel prtico e compreensvel, com mnima referncia a teorias e hipteses acadmicas pouco relevantes ou mnima incluso das mesmas. Todos os resultados devero ser apresentados graficamente e de forma clara.

    Os povos indgenas devero ser includos em todas as fases do processo de levantamento17.

    Os resultados dos levantamentos devem ser comparveis entre si. Assim, embora inevitavelmente existam diferenas no contedo dos levantamentos devido s suas circunstncias diferentes, importante que a estrutura esboada nesta metodologia seja seguida tanto quanto possvel.

    Fase 1 Identificao de complexos de reas indgenas

    A identificao de complexos de reas indgenas mais apropriados uma parte importante deste projeto, da qual a validade e a aplicabilidade dos resultados do levantamento

    17 Com exceo, em muitos casos, da pesquisa de fundamentos.

  • 14

    dependero em alto grau18. A identificao de complexos apropriados ser efetuada pelo PPTAL, em consulta a um grupo de consultores especialistas. Isto ser alcanado inicialmente por meio da classificao de cada uma das reas selecionadas, de acordo com os seguintes critrios:

    Fatores ambientais

    - habitat principal ou tipos dominantes de vegetao na rea19

    - outras divises ambientais significativas (planaltos/ plancies, gua preta/ gua branca, etc.).

    Fatores culturais e lingsticos

    - famlia lingstica

    - relaes intertribais tradicionais

    - religio e crenas

    Outras caractersticas culturais/ estilo de vida

    - meios primrios de subsistncia (por exemplo, pesca, caa, horticultura);

    - grau de sedentarizao (sedentrio; seminmade; nmade);

    - grau de integrao na sociedade/ economia nacional.

    Fatores geogrficos

    - proximidade com outras reas demarcadas; agrupamentos geogrficos naturais.

    Depois de classificadas de acordo com esses fatores, as reas sero agrupadas em complexos. Tendo em mente o tempo limitado disponvel para as equipes de levantamento, a proximidade geogrfica ser, potencialmente, de importncia considervel, particularmente considerando-se o tempo que pode ser gasto simplesmente em viagens pela Amaznia. A importncia de se evitar a incluso de dois ou mais grupos tradicionalmente inimigos dentro de um complexo bvia. Porm, tambm existem vrios itens mais complexos a serem considerados no processo de tomada de decises.

    O primeiro destes itens a natureza das terras indgenas sob considerao. Algumas dessas so to grandes e culturalmente/lingisticamente heterogneas (por exemplo, o Alto Rio Negro) que j podem ser consideradas como complexos, enquanto outras so relativamente homogneas, com um nico grupo tnico em uma rea comparativamente pequena. A segunda considerao, fundamental, decidir se a homogeneidade cultural/ ambiental uma caracterstica desejvel em um complexo ou no. A vantagem da homogeneidade que ela permite um certo grau de extrapolao dos resultados. Em outras palavras, se as caractersticas e as condies culturais, sociais e ambientais das reas de um complexo so muito similares, ento razovel admitir que as concluses obtidas sobre a etnoecologia do complexo sero aplicveis a todas as reas dentro do mesmo. Este, porm,

    18 poca da elaborao desta metodologia, esses complexos j tinham sido provisoriamente identificados. 19 Estes podem incluir, por exemplo, floresta mida; floresta sazonal; floresta de altitude; savana seca; savana mida; plancie

    aluvial, etc.

  • 15

    no ser o caso, se existirem diferenas culturais ou ambientais significativas naquele complexo.

    Por outro lado, a heterogeneidade dentro do complexo, que pode ser inevitvel se as reas so agrupadas primariamente por suas posies geogrficas20, reduziria a capacidade das equipes de levantamento de gerar concluses relevantes sobre o complexo como um todo. No obstante, isso traria outros benefcios. Estes seriam derivados, principalmente, da oportunidade de compartilhar experincias e vises diferentes entre comunidades indgenas de diferentes origens, tanto durante o levantamento como nos processos subseqentes de gesto.

    Na deciso sobre a composio dos complexos, a questo das vantagens relativas da generalizao e da comparao no projeto deve ser, ento, definida pelo PPTAL.

    Fase 2 Preparao do ncleo de recursos de informaes

    Para minimizar a repetio de esforos e desperdcio de tempo, recursos de informaes que provavelmente sero requeridas por todas as equipes de levantamento sero identificados e localizados (ou, quando possvel, adquiridos) antes do incio dos levantamentos. Esses recursos sero obtidos por pessoas adequadamente experimentadas, contratadas especificamente com esse propsito. Os recursos acumulados incluiro o seguinte:

    Imagens de satlite e fotografias areas (INPE, LANDSAT, SIVAM);

    Mapas topogrficos existentes - em pequena e larga escalas;

    Mapas bsicos padronizados, em larga escala21;

    Dados climticos (por exemplo, DNAEE);

    Pesquisas, relatrios e mapas do RADAM;

    Dados e mapas do IBGE;

    Outros mapas de recursos da Amaznia (solos, geologia, vegetao, recursos e concesses minerais, etc.);

    Outros levantamentos gerais, teses ou livros sobre recursos naturais e usos de recursos naturais na Amaznia.

    Fase 3 Seleo da equipe de levantamento

    A identificao e a seleo de consultores para as equipes de levantamento ser conduzida pelo PPTAL. Cada equipe consistir de dois especialistas apropriadamente

    20 Por exemplo, em Roraima, onde os territrios indgenas a serem pesquisados incluem reas de savana ocupadas por

    povos do grupo lingstico Arawak (Wapixana) adjacentes a reas de floresta ocupadas por povos grupo lingstico Carib (Wai-Wai).

    21 Estes sero preparados para cada um dos complexos, baseados em mapas produzidos durante o processo de demarcao, em mapas do IBGE ou em qualquer outro que seja mais apropriado para a rea. A escala ser determinada de acordo com o que estiver disponvel para a rea e com o tamanho do complexo. Esses mapas serviro de padro para todos os produtos do projeto de levantamento. Em um projeto com grande disponibilidade de recursos, esses devem ser digitalizados em um GIS (Sistema de Informao Geogrfica), de forma que os dados referenciados coletados pelos levantamentos em campo possam ser, eventualmente, incorporados e integrados. Porm, no contexto deste estudo em escala macro, o geo-referenciamento de dados no essencial.

  • 16

    qualificados (um em meio ambiente/recursos naturais e outro em antropologia social), pelo menos trs representantes indgenas da rea em estudo, e um representante da FUNAI. Isso possibilitar uma abordagem multidisciplinar e multicultural, e contribuir para a capacitao e apropriao dos resultados do levantamento tanto pela FUNAI, como pelas comunidades anfitris. Idealmente, para facilitar a coleta equilibrada de informao e para facilitar as relaes de trabalho com as comunidades indgenas, essas equipes deveriam ser constitudas de pessoas de ambos os sexos.

    Consultores especialistas

    provvel que seja necessrio contratar alguns desses especialistas para mais de um levantamento. Os candidatos ideais so aqueles que possuem a experincia e as caractersticas delineadas abaixo. Esta lista de requisitos deve ser vista apenas como referncia, pois na maior parte dos casos no seria realista esperar encontrar consultores que atendessem a todas essas exigncias. Entretanto, os atributos anotados em negrito devem ser considerados essenciais.

    Serem aceitos pelas comunidades indgenas com as quais iro trabalhar;

    Terem experincia substancial de trabalho com populaes indgenas na Amaznia brasileira, preferencialmente nas reas e/ou com as comunidades a serem estudadas;

    Terem disponibilidade de trs meses contnuos para efetuar o levantamento.

    Serem graduados em cursos apropriados; preferencialmente, com ps-graduao22;

    Falarem portugus fluente e, de preferncia, algum conhecimento da(s) linguagem(ns) indgena(s) falada(s) na rea de estudo;

    Terem grande experincia prtica em tcnicas participativas de levantamento;

    Terem experincia demonstrvel no atendimento de prazos e na produo de relatrios e publicaes sucintas e detalhadas;

    Terem experincia de trabalho com equipes multidisciplinares.

    O especialista em recursos naturais deve ser capaz de demonstrar conhecimento e entendimento abrangente em relao ao ambiente amaznico, incluindo a sua flora, fauna, solos, manejo, ameaas ambientais, etc. essencial que essa pessoa tambm tenha, ao menos, alguma experincia de trabalho com povos indgenas amaznicos. De preferncia, essa pessoa deve ter tambm experincia em pesquisa etnobiolgica e etnoecolgica, isto , no estudo da relao entre os povos indgenas e o seu ambiente e recursos naturais, assim como em tcnicas prticas de mapeamento.

    22 Em casos nos quais a experincia e a especialidade do candidato so, claramente, de relevncia, durao e qualidade

    suficientes, ento estas devem ser consideradas como substitutos para a ps-graduao. De fato, provvel que, em muitos aspectos, a experincia tenha maior valor do que as qualificaes acadmicas.

  • 17

    O antroplogo social deve, na medida do possvel, ter experincia anterior de trabalho com ao menos um dos grupos indgenas da rea de estudo, e tambm compreenso razovel do ambiente amaznico.

    Representante da FUNAI

    recomendvel que um representante da FUNAI participe do levantamento, principalmente na etapa de treinamento de capacitao, para que receba orientao e experincia em tcnicas de levantamento etnoecolgico. Essa pessoa (preferencialmente do CGPIMA) deve ter experincia anterior de campo e um entendimento razovel de antropologia e meio ambiente. importante que essa pessoa seja liberada oficialmente de suas atividades funcionais durante todo o trabalho de campo.

    Participantes indgenas

    Os trs participantes indgenas sero selecionados pelos seus conhecimentos do meio ambiente e cultura da sua regio, pelos seus interesses no processo de levantamento, pelas suas disponibilidades para participao no trabalho de campo, e pelas suas capacidades de comunicao (preferencialmente fluncia em sua prpria lngua e em portugus). O ideal que essas pessoas tenham boa reputao em suas comunidades. Devem ser de diferentes terras indgenas dentro do complexo, e o grupo deve incluir homens e mulheres. Esses membros da equipe acompanharo todo o processo de levantamento em campo. As vantagens desse arranjo so as seguintes:

    Os participantes indgenas desenvolvero uma slida compreenso do projeto, que eles provavelmente no obteriam se apenas acompanhassem visitas s suas prprias comunidades. Isso no apenas significar que eles e suas comunidades provavelmente continuaro o processo depois da partida do resto da equipe, como tambm facilitar a coleta de dados durante o levantamento23.

    Se a equipe incluir pessoas que falam as lnguas indgenas e so capazes de explicar o propsito do levantamento comunidade, isso far a coleta de informaes teis substancialmente mais eficiente quando a equipe chegar a uma nova localidade. Alm do mais, h um valor intrnseco na experincia que esses participantes ganharo por visitar e conversar com outros grupos indgenas durante os levantamentos.

    Esforos devem ser empreendidos para identificar esses participantes durante o workshop inicial. As indicaes de participantes adequados podem ser obtidas de trabalhadores anteriores na rea (antroplogos, etc.), assim como dos lderes das comunidades. Sabe-se que a seleo desses participantes est sujeita a influncia poltica nas comunidades, o que pode complicar as coisas (e requerer uma certa dose de diplomacia).

    23 geralmente aceito que os coletores de informaes etnoecolgicas mais eficientes so as prprias comunidades

    indgenas, se tiverem a experincia e o treinamento necessrios.

  • 18

    Fase 4 Os levantamentos

    Cada levantamento ser conduzido por um perodo entre seis e sete meses. Os levantamentos sero efetuados em trs estgios principais:

    Estgio I Pesquisa de fundamentos;

    Estgio II Pesquisa de campo;

    Estgio III Consolidao dos resultados e elaborao dos produtos.

    Para detalhes, veja a Metodologia do Levantamento abaixo.

    Fase 5 Disseminao24

    A disseminao fundamental para o sucesso deste projeto. O feedback dever ser fornecido s comunidades indgenas, ao final de cada estgio do levantamento:

    Estgio Disseminao

    Estgio I Resultados da pesquisa de fundamentos apresentados s comunidades em workshops no incio do trabalho de campo.

    Estgio II Resultados do trabalho de campo apresentados s comunidades em workshops ao final da fase de campo.

    Estgio III Resultados finais do levantamento apresentados s comunidades (veja abaixo).

    Os produtos finais dos levantamentos, como os relatrios, mapas e outras mdias que apresentem as informaes coletadas, sero elaborados em dois formatos distintos, cujos detalhes especficos so apresentados no Estgio III da Metodologia do Levantamento (abaixo).

    O primeiro formato ser apropriado para uso das comunidades indgenas, onde os levantamentos foram realizados, como um recurso prtico para o desenvolvimento de projetos de gesto e como uma base para posterior documentao etnoecolgica (feita pelas prprias comunidades).

    O segundo formato ser apropriado para uso pelo PPTAL, FUNAI, PDPI etc., como uma ferramenta para a tomada de decises e para facilitar o provimento de apoio s comunidades indgenas.

    24 Atendidas as exigncias legais referentes aos direitos de propriedade e ao consentimento prvio das comunidades

    envolvidas.

  • 19

    METODOLOGIA DO LEVAN TAMENTO

    A metodologia de levantamento esboada abaixo apropriada para levantamentos em escala macro e com cronograma limitado, em complexos de reas indgenas, definidos pelo PPTAL, para os quais ela foi planejada (veja acima). Porm, com modificaes em nvel de detalhamento, tempo despendido em campo, etc., a metodologia tambm seria apropriada para levantamentos mais detalhados, aprofundados, em reas indgenas individuais, que podem ser solicitados por outros projetos e organizaes.

    Direitos de propriedade

    Alguns aspectos das informaes coletadas durante o levantamento podem ser de valor potencial para outros grupos organizados da sociedade. muito provvel que este seja o caso das informaes referentes ao uso de espcies animais ou vegetais, mas pode tambm se estender a outras reas do conhecimento. Portanto, o consentimento das comunidades com quem os levantamentos sero efetuados deve ser obtido previamente. Todos os dados sensveis devem ser tratados de forma legal e moralmente aceitvel, assegurados, com antecedncia, a proteo dos direitos de propriedade intelectual dos povos indgenas envolvidos, de acordo com normas nacionais e internacionais vigentes.

    Como utilizar esta metodologia

    importante lembrar, quando se utiliza esta metodologia, que a mesma pretende ser uma ferramenta flexvel, cuja aplicao requerer inevitavelmente alguma reflexo e algum grau de experincia do usurio. Ela NO simplesmente uma receita que pode ser seguida cegamente, ao p da letra. Na Amaznia brasileira, no existem duas situaes iguais em termos de condies fsicas, sociais, culturais, polticas, histricas, ambientais e econmicas, e sempre ser necessrio adaptar certos elementos do levantamento para compatibilizar as circunstncias por exemplo, a cronologia do levantamento (incluindo a durao total), a composio da equipe de levantamento, as tcnicas usadas para coleta de informaes, o nvel de detalhamento (macro ou micro), o enfoque, etc.

    Para ajudar a focalizar os assuntos de relevncia, foi fornecida uma lista bsica de temas-chave (veja Escopo da Pesquisa de Campo). Conforme as circunstncias, certos elementos do levantamento podem ser descartados nesta fase. Por exemplo, se as reas do complexo no foram demarcadas, ento a seo 23 pode ser irrelevante e, da mesma forma, se as comunidades no entraram, em nenhuma extenso, na economia, ento a seo 20.1 pode ser excluda.

    Uma relao mais minuciosa dos elementos que PODEM ser includos na pesquisa apresentada Apndice 1. Esta inclui muito mais perguntas e assuntos do que poderiam ser de fato considerados nos levantamentos rpidos e de escala macro deste projeto, e deveria ser utilizada pela equipe de levantamento como um aide-memoire para auxiliar a identificao de assuntos que seria apropriado abordar.

  • 20

    Composio da equipe de levantamento

    A equipe de levantamento consistir de seis pessoas: dois consultores especialistas (antropologia social e meio ambiente), um representante da FUNAI e trs representantes indgenas, sendo o Antroplogo o Coordenador da equipe. Os critrios para a seleo da equipe de levantamento e os papis de seus membros dentro do levantamento foram discutidos acima em detalhes (Fase 3).

    Estrutura do levantamento

    Conforme j mencionado, cada levantamento ser conduzido por um perodo contnuo de seis a sete meses. A cronologia ser determinada pelo tamanho do complexo, pelas dificuldades de transporte e por outros detalhes operacionais, bem como pela quantidade e qualidade da informao preexistente. Os levantamentos sero divididos em trs estgios principais:

    Estgio I: Pesquisa de fundamentao

    Estgio II: Pesquisa de campo

    Estgio III Consolidao dos resultados e elaborao dos produtos

    Estgio I Pesquisa de fundamentos e preparao

    A pesquisa de fundamentos e a preparao do projeto sero levadas a cabo pelos consultores especialistas, e podem contar com a participao do representante da FUNAI designado para a equipe. Essa uma parte importante do levantamento, mas deve considerar o tempo disponvel limitado. Uma parte deste trabalho dever ser desenvolvida em Braslia, onde o ncleo dos recursos de informao estar disponvel (veja abaixo). O apoio, inclusive no sentido de disponibilizar escritrio e meios de comunicao, ser fornecido para os especialistas pelo PPTAL enquanto estiverem em Braslia.

    Atividades

    Acumulao de informaes relevantes sobre a rea (complexo) e sua populao isso envolver tanto a pesquisa bibliogrfica, como o estabelecimento de contato com outros especialistas com experincia relevante na regio. As fontes de informao (alm daquelas disponveis no ncleo de recursos de informao) incluiro o seguinte:

    - Relatrios produzidos durante o processo de identificao da Terra Indgena25;

    - Peridicos acadmicos;

    - Livros, teses de doutorado e mestrado, estudos de caso;

    25 Dado que os levantamentos baseados na metodologia esboada aqui focalizaro principalmente reas que foram

    identificadas antes de 1996, a quantidade de informaes relevantes nesses relatrios, pelo menos em termos ambientais, provavelmente ser limitada. No obstante, em alguns casos os antroplogos que conduziram esses estudos incluram um elemento etnoambiental significante em suas pesquisas, que fornecer informaes importantes para os presentes levantamentos.

  • 21

    - Relatrios de projetos;

    - Avaliaes de impacto ambiental;

    - Arquivos missionrios;

    - Ongs operando na rea de estudo;

    - Organizaes governamentais (federais, estaduais e municipais) que tenham trabalhado ou que estejam trabalhando na rea de estudo (inclusive IBAMA, FUNAI, PPTAL, etc.);

    - Especialistas e material bibliogrfico de museus, universidades e outras instituies de pesquisa (por exemplo, INPA, MPEG, etc.) que tenham trabalhado na rea;

    Elaborao de um documento preliminar sobre a etnoecologia da regio, baseado nos materiais acumulados26;

    Familiarizao com as ortografias aceitas utilizadas para transcrever as linguagens de cada um dos grupos indgenas representados na rea;

    Identificao de reas e tpicos prioritrios para estudo de campo, e elaborao de um plano detalhado e estruturado do levantamento;

    Acumulao de materiais para o trabalho de campo:

    - Mapas bsicos,

    - Imagens de satlites e fotografias areas (ampliadas para escala maior),

    - Materiais para workshops (cartazes, materiais de papelaria, etc.),

    - Estruturao de entrevistas e plano de levantamento,

    - Folhas de dados pr-preparadas (planilhas)27,

    - Mapas de recursos (vegetao, solos, etc.),

    - Equipamento (equipamento de coleta, equipamento de acampamento, equipamento fotogrfico, GPS, equipamento de gravao de udio, materiais de papelaria, etc.),

    - Guias de identificao em campo,

    - Listas de espcies de animais e plantas mais importantes na regio (junto com nomes comuns e nomes indgenas, quando possvel),

    26 A qualidade do material existente ir variar consideravelmente. Em avaliaes de impacto ambiental comercial, por

    exemplo, no incomum serem geradas listas de espcies a partir de outros levantamentos (por exemplo, de listas de espcies de rvores registradas em outro lugar, em vegetao superficialmente similar), sem qualquer estudo de campo que as apiem. Os consultores precisaro, ento, analisar a validade de quaisquer dados antes de incorpor-los ao levantamento. Esta validao baseia-se, inevitavelmente, em algum grau, em juzo subjetivo. Indicadores teis incluem: experincia e reputao dos pesquisadores, contexto no qual o estudo foi desenvolvido, tempo gasto no campo, citao de espcimes (no caso de trabalho biolgico), etc.

    27 No foram includas planilhas de amostras nesta metodologia, pois as categorias apropriadas de informao variam de levantamento para levantamento, dependendo do nvel de detalhe que seria prtico coletar. No obstante, planilhas bem pensadas podem economizar tempo no campo e facilitar bastante a coleta de dados, minimizando o risco de omisso de informaes importantes. Elas tambm so teis para tornar mais clara a apresentao dos resultados. Ento, fortemente recomendado que tais planilhas sejam produzidas pela equipe de levantamento durante o Estgio I, depois de cuidadosa anlise sobre a estrutura e o escopo mais apropriados. Este processo ser facilitado pela referncia ao aide memoire no Apndice 1.

  • 22

    - Material para deixar com as comunidades indgenas (para encorajar e facilitar a continuidade das atividades do levantamento aps o final do trabalho de campo)28,

    - Meios de compensao para membros indgenas da equipe de levantamento29.

    Escopo da pesquisa de fundamentos

    O nvel de informao que pode ser obtido na pesquisa de fundamentos ir variar consideravelmente de um complexo para outro, dependendo da quantidade de pesquisa que j foi conduzida na rea. A diviso de tempo entre pesquisa de fundamentos e pesquisa de campo deve, portanto, ser ajustada de acordo com esse aspecto. Se houver pouca informao, a equipe do levantamento poderia decidir que o perodo de campo deve ser estendido, s custas da pesquisa de fundamentos. Em qualquer caso, um mnimo de seis semanas deveria ser gasto em campo.

    A pesquisa de fundamentos deveria abordar as disciplinas, assuntos e questes esboadas no Apndice 1 conforme a sua relevncia para a rea em questo, e fosse possvel, dentro do cronograma. Embora inevitavelmente haja sobreposies entre as informaes compiladas do trabalho de campo e das fontes documentais, existem certos elementos do levantamento que no podem ser abordados em campo. Por exemplo, a fundamentao histrica para o levantamento ter de ser elaborada, em grande parte, a partir dos dados existentes. Igualmente, ser impossvel, durante uma nica visita, juntar informaes vlidas sobre o clima, etc. Ento, particularmente importante que esses elementos sejam cobertos nos estudos de fundamentao.

    Para chamar ateno para essas sees, elas foram marcadas no Apndice 1 com os marcadores do tipo 1.

    Estgio II - Pesquisa de campo

    Escopo da pesquisa de campo

    Segue uma lista de assuntos, em escala macro, que podem ser tratados pelo levantamento, quando apropriado. Uma lista mais detalhada desses assuntos fornecida no Apndice 1.

    1. Fundamentao Em que se fundamentam os aspectos geogrficos, ambientais, culturais, lingsticos, sociais, polticos, demogrficos e histricos do complexo (e de seus arredores)? 2. Clima Quais so as condies climticas experimentadas no complexo (durante o ano) e como elas afetam a vida das populaes indgenas?

    28 Este poderia incluir uma verso simplificada desta metodologia. 29 Estes podem ser dinheiro ou mercadoria com valor monetrio equivalente (veja Fase III).

  • 23

    3. Geomorfologia e unidades de paisagem Quais so as principais caractersticas geomorfolgicas/topogrficas do complexo e como elas so interpretadas pelas populaes indgenas? 4. Recursos hdricos Quais so os recursos hdricos encontrados no complexo e como eles afetam a vida das populaes indgenas? 5. Geologia e solos Quais so as principais caractersticas geolgicas e pedolgicas do complexo e como elas so percebidas e utilizadas pelas populaes indgenas? 6. Minerais Quais so os depsitos minerais conhecidos localizados no complexo, quem os reivindica, quais (se algum) foram explorados e quais foram (so) as conseqncias? 7. Vegetao Que tipos principais de vegetao ocorrem no complexo (naturais ou outros), e como eles so interpretados pelas populaes indgenas? 8. Fauna Que animais so encontrados no complexo, e em que ambientes eles so encontrados? 9. Assentamento, ocupao espacial e demografia Como a populao indgena est distribuda ao longo do complexo, e quais so as dinmicas de movimento populacional (a curto e a longo prazos)? 10. Distribuio de recursos naturais, explorao e propriedade Que ambientes e recursos so os mais importantes para o modo de vida dos povos indgenas, quando e como eles so explorados, e quem (se algum) os possui? 11. Sazonalidade e o calendrio Como a disponibilidade e a explorao de recursos variam ao longo do ano? 12. Agricultura e pecuria Que plantas e animais so cultivadas ou criados pelas comunidades indgenas no complexo? Como, onde e para qu? 13. Uso no comercial de plantas silvestres (e fungos) Que plantas so coletadas pelos ndios para uso no comercial, para que so usadas, como so coletadas, e qual a importncia delas nas suas vidas? 14. Uso no comercial de animais selvagens Que animais so capturados pelos ndios para uso no comercial, como so utilizados, como so capturados e quo importantes so em suas vidas?

  • 24

    15. Espcies importantes Quais so as espcies mais importantes de plantas e animais silvestres para o modo de vida dos povos indgenas, e o que conhecido sobre sua ecologia, comportamento, distribuio, abundncia, etc.? 16. Compreenso ecolgica e conhecimento tradicional Que conhecimento ecolgico tradicional existe entre os ndios, como utilizado, quem o possui? Esse conhecimento est ameaado? 17. Assuntos de gnero Que diferenas existem, em termos de conhecimento, percepo e desenvolvimento de atividades relacionadas aos recursos naturais, entre os sexos? 18. Associaes espirituais/rituais Que recursos e ambientes so caracterizados com associaes espirituais ou rituais, e como estas afetam seu uso? 19. Manejo da terra e de recursos naturais Quais so as prticas de manejo de recursos reconhecidas ou utilizadas pelas populaes indgenas? 20. Comercializao Que requisitos esto sendo (ou poderiam ser) atendidos para a comercializao de recursos pelos ndios do complexo?

    20.1. Mercados atuais Quais recursos (silvestres ou cultivados) esto sendo atualmente comercializados, por quem, como, onde, e com que medida de sucesso e retorno financeiro? 20.2. Mercados potenciais Que potencial existe para produo comercial no complexo? 20.3. Ecoturismo O ecoturismo est ocorrendo dentro do complexo? Nesse caso, quais so os efeitos?

    21. Pessoas de fora da comunidade Que estranhos so encontrados (por perodos curtos ou longos) dentro do complexo, e qual o seu efeito sobre o meio ambiente e as atividades dos povos indgenas? 22. Impactos humanos sobre a rea Que impactos foram (ou esto sendo) causados ao meio ambiente no complexo pelos seres humanos, quando, onde, por quem, e quais os efeitos sobre a vida dos povos indgenas? 23. Demarcao Quais foram os efeitos da demarcao sobre a utilizao e disponibilidade de recursos no complexo? 24. Doenas e o meio ambiente

  • 25

    Qual a relao entre doena e meio ambiente no complexo? 25. Capacidade de suporte Os recursos disponveis dentro das reas indgenas limitam as populaes que podem ser sustentadas no complexo? 26. Mudana Que processos de mudana esto acontecendo dentro (e ao redor) do complexo, e como estes afetam a subsistncia dos povos indgenas? 27. Ameaas e problemas Quais so as principais ameaas e problemas enfrentados pelos ndios no complexo, em termos ambientais e de disponibilidade de recursos, e como eles podem ser mitigados? 28. Prioridades, Aspiraes e Restries Quais so as principais prioridades e aspiraes dos ndios no complexo, e que oportunidades existem para realiz-las?

    Tcnicas e abordagens no campo

    Esses levantamentos foram especificamente planejados para serem interdisciplinares e multiculturais, permitindo equipe de levantamento incorporar pesquisa ambiental e antropolgica e mesclar as perspectivas de cientistas treinados e das populaes indgenas de cada um dos grupos representados na rea. Essa abordagem deveria fornecer um quadro razoavelmente equilibrado da etnoecologia da regio. Entretanto, para que isso acontea, importante que a equipe trabalhe como uma unidade em campo, ao invs de separada, cada qual seguindo sua prpria agenda.

    A metodologia especfica e as tcnicas adequadas para cada levantamento de campo dependero, at certo ponto, da natureza do complexo em estudo. O tamanho e o nmero de terras indgenas dentro de um mesmo complexo, por exemplo, afetaro a representatividade das observaes de campo que a equipe ser capaz de fazer. Nveis de alfabetizao e fluncia em portugus influenciaro as decises sobre o uso de questionrios, entrevistas, etc. Num complexo no qual h variaes substanciais intergrupais na habilidade de falar, ler e escrever em portugus, as discusses participativas envolvendo todas as partes inevitavelmente sero mais difceis, e a estrutura dos workshops dever ser ajustada em conformidade com essa realidade.

    Em outras palavras, as equipes de levantamento precisaro manter uma atitude pragmtica em relao metodologia, mantendo o foco nos objetivos prticos mais amplos do estudo.

    Coleta de dados

    No deveria ser necessrio discutir aqui, em detalhes, as abordagens e o comportamento bsicos necessrios para conduzir o trabalho de campo entre os ndios, dado que um dos fatores mais importantes para a seleo de consultores a sua experincia anterior

  • 26

    de trabalho com populaes indgenas da Amaznia. Entretanto, alguns pontos bsicos so os seguintes:

    Geralmente, necessrio que o pesquisador ajuste seus estudos ao ritmo das atividades da comunidade. Desse modo, importante que os planos de pesquisa incluam uma forte dose de flexibilidade.

    importante que o consultor especialista seja capaz de evitar a tentao de projetar suas prprias percepes, suposies e interpretaes sobre aquelas dos povos com quem ele/ela esteja trabalhando. Isso requer respeito pelas convices e idias dessas comunidades.

    A estrutura do processo de coleta de dados deve ser interessante e variada, tanto quanto possvel.

    Feedback deve ser fornecido s comunidades indgenas ao longo dos levantamentos.

    Quando possvel, a transferncia de informao deve ser um processo de mo dupla. Isso significa que, quando possvel, informao/material relevante e de interesse para as comunidades indgenas deve ser levado para a rea pela equipe e, se possvel, deixado l.

    Deve-se tomar cuidado para no interferir na estrutura de liderana existente nas comunidades, com a distribuio de responsabilidades e papis de coordenao. Isto requer a compreenso, anterior ao comeo de pesquisa, do sistema de liderana.

    importante escolher perguntas com cuidado. Por exemplo, no que for possvel, deve-se evitar colocar perguntas de forma que possam ser respondidas com sim ou no, pois pode haver uma tendncia de se responder na afirmativa, independentemente do contexto.

    Algumas informaes podem ser especficas de homens ou mulheres, e pode ser difcil para membros do sexo oposto ter acesso quelas informaes30.

    importante que, quando possvel, a informao seja obtida junto a pessoas reconhecidas em suas comunidades como especialistas31 em aspectos particulares do conhecimento e no uso de recursos indgenas, bem como de pessoas com conhecimentos mais amplos.

    Os nomes32 de todos os participantes e todas as fontes de informao devem ser registrados.

    Recomenda-se que combinaes de tcnicas de workshop participativo e de entrevistas semi-estruturadas e abertas33 sejam utilizadas como os principais meios de coleta de dados.

    30 Esta uma das razes para se escolher uma equipe mista de levantamento. 31 Os nveis de especializao variam. Entre alguns povos, certos aspectos do conhecimento tradicional (exemplo, plantas

    medicinais) podem ser bem restritos. 32 Isso naturalmente complicado em algumas sociedades amaznicas, nas quais nomes reais podem ser pejorativos e usados

    apenas por pessoas estranhas. Entretanto, na maior parte dos grupos, um nome substituto brasileiro agora usado. 33 Essas entrevistas seguem livremente a estrutura delineada na Apndice 1, mas no a ponto de cortar informaes que

    ficaram fora da abrangncia da estrutura. Os pesquisadores devero: a) achar um equilbrio entre uma curiosidade que apela para o grupo e outra que desperta suspeita; b) refletir sobre os comentrios das pessoas em situaes especficas, e tentar interpretar suas reaes sem questionamento constante; c) desenvolver tcnicas para iniciar discusses com desfecho em aberto.

  • 27

    Em complexos onde h um nvel suficiente de alfabetizao, pode ser possvel suplementar essas tcnicas com o uso de questionrios, ampliando, dessa forma, a base de informaes.

    Tcnicas participativas

    No se sugere que tcnicas participativas especficas, tais como Diagnstico Rpido Participativo (DRP) e Diagnstico Rpido Rural (DRP), sejam empregadas nos levantamentos. No obstante, existem lies teis e pertinentes para serem aprendidas dessas tcnicas:

    Uma viso geral das tcnicas participativas

    Pessoas locais so integralmente participantes do estudo, ao invs de serem apenas objetos de investigao. Elas tomam parte no planejamento do estudo, na coleta de dados, na anlise das descobertas e nas discusses de como esses resultados podem ser aplicados em benefcio da comunidade. As pessoas de fora possuem formaes acadmicas variadas, assegurando uma perspectiva multidisciplinar. A relao entre todos os participantes locais e externos igualitria, evitando uma abordagem hierarquizada, ou de cima para baixo, comum em muitas pesquisas.

    As tcnicas podem ser aplicadas em um perodo exguo de tempo e no exigem ferramentas caras, porque os participantes esto buscando fazer um esboo das condies locais ao invs de um estudo profundo. Um pequeno grupo de pessoas locais selecionado para ser entrevistado de forma semi-estruturada. Uma ampla variedade de tpicos pode ser coberta de forma preliminar, permitindo uma viso abrangente de como a comunidade, como um todo, funciona. Medies so qualitativas ao invs de quantitativas, e poucas ferramentas estatsticas so utilizadas na interpretao dos resultados. A nfase colocada em tcnicas altamente visuais, que os membros da comunidade executam entre eles mesmos, freqentemente em colaborao com pesquisadores externos esboando mapas para mostrar a classificao local de zonas ecolgicas, criando grficos que representam a quantidade de tempo que as pessoas dedicam s vrias atividades produtivas, ou esboando calendrios que mostram flutuaes climticas sazonais, para dar alguns exemplos. A anlise dos dados executada na comunidade, o que permite aos participantes modificar os seus mtodos no local da ao e completar quaisquer dados que estejam faltando depois do trabalho de campo. Freqentemente, os participantes passam por sucessivas rodadas de coleta e anlise de dados, o que lhes permite redefinir suas tcnicas durante o curso do exerccio.

    Martin, 199534

    Identificao de espcies

    A identificao de certos grupos de animais e plantas (por exemplo, mamferos, aves, peixes) pode ser facilitada pelo uso de guias de campo ilustrados. Com uma combinao de informantes confiveis e guias bem ilustrados, possvel fazer, por exemplo, rpidas listagens dos animais presentes e/ou utilizados em uma rea. As limitaes dessas tcnicas repousam,

    34 Martin, G.J., 1995. Ethnobotany. A methods manual. Chapman & Hall, London.

  • 28

    em parte, na dificuldade das pessoas em reconhecer desenhos e fotografias, se no esto habituadas em trabalhar com os mesmos e, em parte, na tendncia das pessoas em dar respostas confirmatrias a perguntas, independentemente do contexto (mostrar a algum um desenho , nesse contexto, um tipo de pergunta). Entretanto, pode-se ter uma medida da confiabilidade dessas informaes investigando-se a presena (e a freqncia) ou no de certas espcies que sabidamente no ocorrem na rea, isto , pela checagem das informaes.

    Nomes comuns

    importante que os nomes comuns das principais espcies, lugares, tipos de vegetao, unidades de paisagem, etc., sejam registrados em todos os dialetos ou lnguas faladas na rea (usando-se as ortografias aceitas), assim como em portugus35. Se estudos anteriores registraram nomes comuns de plantas e animais, ento listas pr-preparadas desses nomes podem fornecer um meio til para a identificao de espcies-chave em campo. Entretanto, cuidado considervel deve ser tomado quando se usam nomes comuns para identificao ao nvel de espcie, pois muitas vezes os mesmos se referem a mais de uma espcie36. Alternativamente, uma espcie pode ter mais do que um nome comum, mesmo dentro do mesmo povoado. Num contexto multicultural (por exemplo, trabalhando num complexo onde mais de uma lngua indgena falada), o uso de nomes comuns pode causar confuso durante as discusses em grupo. Assim, se nomes em portugus so amplamente conhecidos, ser melhor trabalhar com os mesmos.

    Lngua

    J foi especificado na descrio da experincia exigida dos consultores que, ao menos, o etnolgo/antroplogo deve ter experincia anterior em trabalhar com os povos das reas em estudo. Se esse for o caso, ento pode ser tambm que eles falem as lnguas indgenas dos complexos nos quais estejam fazendo levantamento. Ainda assim, altamente provvel que, em muitos casos, no seja possvel encontrar consultores que falem essas lnguas. Em tais casos, extremamente importante que providncias anteriores ao trabalho de campo sejam tomadas, para a identificao de informantes e participantes de workshops e da pesquisa no campo que falem bom portugus. Infelizmente, em muitos casos os membros mais velhos da comunidade, capazes de fornecer a grande parte das informaes buscadas pelo levantamento, acabem sendo as pessoas menos habilitadas a falar portugus. Nesses casos, ser necessrio acertar a presena de tradutores bilnges (que podem ser membros mais jovens dessas mesmas comunidades).

    Mapeamento

    Como j foi discutido, o mapa fornece um meio essencial para coletar dados em escala macro (e em escala micro), bem como para apresent-los de forma acessvel e de fcil compreenso. Entretanto, para que os mapas sejam teis no contexto desses levantamentos,

    35 Nomes vulgares na Amaznia, amplamente conhecidos entre pessoas que falam a lngua portuguesa, so em muitos casos

    derivados do tupi e de outras lnguas indgenas. 36 As diferentes espcies s quais os nomes comuns se referem podem mesmo no ser biologicamente relacionadas.

  • 29

    importante que eles sejam compreendidos pelas comunidades indgenas37, e que faam referncias a caractersticas da paisagem que as pessoas reconheam. Essas caractersticas podero ser diferentes daquelas normalmente usadas para definir o layout de um mapa (por exemplo, topografia, drenagem, etc.), e podem incluir caractersticas como stios de importncia histrica (por exemplo, lugares onde algo aconteceu), stios de importncia ritual ou mtica, stios associados com recursos especficos, quedas dgua, povoados abandonados, trilhas de caa, etc. Embora possivelmente nem todos esses stios possuam importncia direta para os temas do levantamento, mesmo assim importante que sejam includos, para que os mapas sejam amplamente compreendidos. O nvel de detalhe e a escala nos quais os recursos e as caractersticas ambientais so mapeados ser determinado pelo tempo disponvel mais til produzir mapas de baixa resoluo de toda rea do que mapas de alta resoluo de uma pequena parte da mesma.

    Quando o mapeamento efetuado com os povos indgenas, tambm importante ter em mente que o mapa produzido pelas mulheres pode ser muito diferente daquele produzido pelos homens, pelo menos em termos das caractersticas e dos recursos includos38.

    Todos os mapas devem ser fundamentados em mapas bsicos, produzidos durante a Etapa de fundamentao (veja acima). Embora esses mapas possam ter sido plotados (digitalizados) em um sistema GIS, esses levantamentos no tm recursos e tempo disponveis para produzir dados GIS detalhados. Entretanto, o uso de imagens de satlite e fotografias areas pode mesmo assim ser til nesse contexto, tanto para identificar caractersticas-chave e locaes que podem ser reconhecidas pelas comunidades indgenas, como para avaliar a extenso e a distribuio espacial de habitats e tipos de vegetao claramente identificados39. Impresses em escalas maiores dessas imagens (de preferncia na mesma escala em que os mapas bsicos) devem ser levadas a campo e usadas como ferramentas durante os workshops e os trabalhos de campo.

    Cada um dos habitats e tipos de vegetao claramente identificados dever ser visitado e classificado pelas populaes indgenas, de acordo com seu prprio sistema de classificao. Ao mesmo tempo, o especialista ambiental dever executar uma confirmao paralela, de acordo com sistemas de classificao cientficos. Pode tambm ser til conseguir um sobrevo na rea40.

    Sistemas de Posicionamento Global (GPS) podem fornecer ferramentas teis para mapeamentos precisos, mas h problemas prticos associados com o seu uso nesses levantamentos. O primeiro problema conseguir uma referncia para a sua posio numa vegetao densa (particularmente, floresta tropical). Embora isso possa ser contornado pelo uso de antenas extensveis, esse processo demorado. O tempo o outro fator limitante: geo-

    37 Pessoas que no esto habituadas com caneta e papel podem se sentir melhor desenhando mapas no cho com varas, e

    usando pedras etc. para marcar stios e caractersticas. 38 Esta outra razo pela qual homens e mulheres devem ser envolvidos no processo de mapeamento. 39 Isso certamente ser possvel no nvel mais grosseiro, como por exemplo, para definir limites entre floresta e savana ou

    pastagem. A extenso em que ajudar na deteco de mudanas mais sutis de vegetao depender em parte da qualidade e da resoluo das imagens, e em parte da natureza daquelas mudanas.

    40 Sobrevos, embora teis, apresentam vrios problemas. O primeiro o custo, o que podia ser potencialmente resolvido se organizaes colaboradoras (por exemplo, a FUNAI) disponibilizassem avies. O segundo que alguns povos indgenas podem no querer voar, por no terem feito isso antes. O terceiro que pode ser difcil colocar representantes de todas as reas indgenas no complexo, alm de especialistas, no mesmo avio.

  • 30

    referenciamento de toda a informao coletada durante esses levantamentos demandaria tempo, que poderia ser mais bem empregado em outras atividades. Finalmente, mesmo se fosse possvel coletar todos esses dados, eles s seriam teis se pudessem ser plotados em uma imagem geo-referenciada. Ento, embora seja recomendado que as equipes de levantamento levem equipamento de GPS, este deveria ser utilizado apenas para geo-referenciamento de locais de particular importncia, e para confirmao in loco de informaes obtidas de outras fontes ou de imagens de satlite.

    Fotografia

    Fotografias podem ser muito teis para apresentar os resultados de um levantamento etnoecolgico de modo mais acessvel, particularmente para o no-especialista. difcil, por exemplo, obter-se uma imagem mental das unidades de vegetao dentro de uma rea a partir de, apenas, descries verbais. Uma boa fotografia pode poupar a necessidade de muitas palavras. H, entretanto, problemas potenciais associados com a dependncia excessiva de fotografias. O primeiro que, se algo acontecer com o equipamento, isso pode deixar o pesquisador em srias dificuldades, uma vez que no h substituto para boas notas de campo em termos de confiabilidade. O segundo que alguns povos indgenas podem se ofender ou se alarmar ao serem fotografados (ou, particularmente, terem suas crianas fotografadas) por razes culturais/espirituais. Essas preocupaes devem, obviamente, ser respeitadas.

    Cronograma

    A poca do ano na qual o trabalho de campo empreendido pode ser importante. Esta pode influenciar a habilidade da equipe de levantamento viajar dentro da rea (isto , nveis dos rios, estado de estradas e pistas de pouso, etc.). Tambm influenciar as atividades e interaes homem-ambiente observadas nas comunidades. Alm disso, tambm pode influenciar a disponibilidade das pessoas nas comunidades indgenas para participar do levantamento, em situaes nas quais as atividades de subsistncia so sazonalmente definidas.

    A agenda de campo workshops e visitas comunitrias

    Uma das principais formas de coleta de dados durante os levantamentos ser a discusso de grupo. Para essa finalidade, um workshop de 2-3 dias ser realizado pela equipe na rea de levantamento, ao incio de cada estudo de campo, e um outro workshop (1-2 dias) no final. Esses workshops sero realizados em lugares definidos antecipadamente (em consulta com as comunidades, durante o Estgio I), e contaro com a participao de representantes de cada grupo indgena do complexo. Os representantes devem incluir tanto homens como mulheres41, escolhidos pelos lderes comunitrios pela sua experincia e conhecimento. Seria proveitoso que esses workshops tivessem, quando possvel, a participao de representantes de organizaes indgenas locais, e de quaisquer organizaes governamentais e no governamentais trabalhando no complexo.

    41 Mesmo que as mulheres sejam envolvidas nesses workshops, pode ser que elas no queiram colocar suas opinies na

    presena dos homens. Se for esse o caso, possivelmente o workshop ter de ser reestruturado para resolver o problema.

  • 31

    Workshop de apresentao do levantamento e identificao de prioridades

    O primeiro workshop ajudar a estabelecer relaes de trabalho com as comunidades e proporcionar aos membros da comunidade uma oportunidade para serem introduzidos na agenda de pesquisa. Tambm fornecer uma importante oportunidade preliminar para a coleta de informaes e para dar a arrancada no processo de coleta de dados pelos participantes indgenas.

    O roteiro do workshop deve ser mais ou menos como segue42:

    Auto-apresentao de todos os participantes;

    Apresentao do estudo (o que , para que serve, resultados esperados);

    Discusses sobre a agenda do workshop e sobre as tcnicas a serem utilizadas;

    Introduo aos mapas: familiarizao com conceitos de mapeamento, interpretao de mapas, tcnicas bsicas de mapeamento, adaptao e apresentao de mapas bsicos, etc.43;

    Discusses sistemticas e entrevistas;

    Identificao de prioridades;

    Planejamento de uma agenda de pesquisa e itinerrio de campo.

    Visitas comunitrias

    Aps o workshop, a equipe de levantamento coletar dados das terras indgenas dentro do complexo44, enfocando as reas e os assuntos prioritrios definidos durante o workshop. Isso incluir entrevistas nas comunidades indgenas (incluindo, quando possvel, especialistas em reas relevantes do conhecimento), confirmao de tipos de vegetao, observao de prticas de manejo, etc. recomendado que um encontro seja realizado ao trmino de cada visita comunitria, no qual uma explicao preliminar dos resultados do levantamento ser apresentada e discutida. Isto fornecer feedback sobre a primeira fase e ajudar a preparar os membros da comunidade para participao no workshop final.

    Workshop de discusso e restituio dos resultados

    O workshop final, a ser realizado no final da fase de campo, com representantes de todo o complexo (como no workshop inicial), fornecer um frum para discusso dos resultados e interpretaes preliminares. Esse encontro dar um feedback rpido do

    42 A agenda desses workshops, assim como toda e qualquer atividade desenvolvida em campo, no pode ser rgida, sendo este

    apenas um esboo. muito importante que tanto a metodologia, quanto o pessoal envolvido na realizao dos levantamentos mantenham altos nveis de adaptabilidade e flexibilidade durante o estudo, como requer qualquer trabalho envolvendo comunidades indgenas.

    43 Uso de mapas uma parte muito importante do processo de coleta de dados e, a menos que os participantes do workshop tenham um entendimento claro dos mapas que esto sendo usados, e de como se trabalha com os mesmos (veja acima), haver srio risco de erros nos dados. Vale a pena, portanto, prever um certo tempo no comeo do workshop para garantir que todos tenham compreenso suficiente do processo.

    44 A possibilidade de visitar todas as reas depender da natureza do complexo. Se no, ento as reas devem ser selecionadas para fornecer tanto um quadro to amplo quanto possvel das situaes culturais, ambientais e econmicas encontradas no complexo.

  • 32

    levantamento para as