mauro sobhie - as intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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AS INTRÉPIDAS AVENTURAS DE UM COZINHEIRO INICIANTE Mauro Sobhie Todos os Direitos Reservados Homem na cozinha!!! Nunca quis aprender a cozinhar. Não aprendi segredos de família quando pequeno e nem em outra ocasião qualquer. Na verdade, as mulheres da família formavam paredão impenetrável na cozinha, desafiando qualquer homem sensato a invadir aquela convenção sagrada. Dessa forma, cheguei a provecta idade sem passar muito do misto quente e ovo frito. As coisas mudam. Agora, no comando de minha casa (que minha mulher não leia isso...), posso dar vazão a todo o meu potencial oculto por tantos anos. O trabalho intelectual e os esportes me deixam com muita fome, e o negócio é se virar. Além disso, uma vez Vilma não estava muito bem e pediu para eu fazer arroz. O resultado foi uma bola de massa branca sem sal presa à colher de pau. Embora publicamente declare até hoje que esse lamentável resultado teria sido causado pelo desvelo de um marido preocupado, tive secretamente que admitir minha total incapacidade no fogão. Então, aliando a sabedoria dos rincões de Minas Gerais com os conhecimentos dos rincões da Internet, fui à luta. Cozinha não é lugar de homem Preconceito dos antigos, que batia de longe o atual de que mulher não sabe dirigir. Claro que as coisas não são mais como antes, quando éramos gentilmente empurrados para fora da cozinha. Hoje em dia virou moda chique saber cozinhar. O que era visto até mesmo como sinal de mariquice, hoje é masculinidade. Li um artigo que diz que os homens que cozinham o fazem para se exibir. Essa é o que eu chamo de aposta óbvia, pois imagino que uns 90% do que os homens fazem na vida seja para se exibir e se destacar da multidão. Vivemos para agradar nossas mães e nossas mulheres, nossas filhas e por aí afora. O que nos coloca eticamente em um patamar inferior às mulheres, que como todo mundo sabe, cozinham por amor. Bom, homem que é homem não se preocupa com o que pensam dele. Mas qualquer coisa saída das mãos de um homem, principalmente se principiante, é ainda vista com desconfiança e risos. Sem falar nas indefectíveis perguntas: “Lavou as mãos?”, “O que tem aí dentro?” O que vale a pena é a surpresa de todos ao final de uma boa refeição. Ou a gentileza dos amigos de fingir que tudo estava muito bom, o que, pensando bem, até que tem o seu valor.

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AS INTRÉPIDAS AVENTURAS DE UM COZINHEIRO INICIANTE

Mauro Sobhie – Todos os Direitos Reservados

Homem na cozinha!!!

Nunca quis aprender a cozinhar. Não aprendi segredos de família quando pequeno e nem

em outra ocasião qualquer. Na verdade, as mulheres da família formavam paredão impenetrável

na cozinha, desafiando qualquer homem sensato a invadir aquela convenção sagrada. Dessa

forma, cheguei a provecta idade sem passar muito do misto quente e ovo frito.

As coisas mudam. Agora, no comando de minha casa (que minha mulher não leia isso...),

posso dar vazão a todo o meu potencial oculto por tantos anos. O trabalho intelectual e os

esportes me deixam com muita fome, e o negócio é se virar. Além disso, uma vez Vilma não

estava muito bem e pediu para eu fazer arroz. O resultado foi uma bola de massa branca sem sal

presa à colher de pau. Embora publicamente declare até hoje que esse lamentável resultado teria

sido causado pelo desvelo de um marido preocupado, tive secretamente que admitir minha total

incapacidade no fogão. Então, aliando a sabedoria dos rincões de Minas Gerais com os

conhecimentos dos rincões da Internet, fui à luta.

Cozinha não é lugar de homem

Preconceito dos antigos, que batia de longe o atual de que mulher não sabe dirigir. Claro

que as coisas não são mais como antes, quando éramos gentilmente empurrados para fora da

cozinha. Hoje em dia virou moda chique saber cozinhar. O que era visto até mesmo como sinal

de mariquice, hoje é masculinidade. Li um artigo que diz que os homens que cozinham o fazem

para se exibir. Essa é o que eu chamo de aposta óbvia, pois imagino que uns 90% do que os

homens fazem na vida seja para se exibir e se destacar da multidão. Vivemos para agradar nossas

mães e nossas mulheres, nossas filhas e por aí afora. O que nos coloca eticamente em um

patamar inferior às mulheres, que como todo mundo sabe, cozinham por amor. Bom, homem que

é homem não se preocupa com o que pensam dele.

Mas qualquer coisa saída das mãos de um homem, principalmente se principiante, é ainda

vista com desconfiança e risos. Sem falar nas indefectíveis perguntas: “Lavou as mãos?”, “O que

tem aí dentro?” O que vale a pena é a surpresa de todos ao final de uma boa refeição. Ou a

gentileza dos amigos de fingir que tudo estava muito bom, o que, pensando bem, até que tem o

seu valor.

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A vitória da cozinha sobre a pintura

Vejo estatísticas e estudos sobre o vício de internet, que as pessoas estão virando zumbis

encurvados e míopes de tanto fazer sei lá o que nas redes. Não que eu seja dos velhos tempos

(quem disser que sou, leva uma bengalada), mas sempre reservei algum tempo para algum hobby

manual, para manter a habilidade nas mãos e a perspectiva espacial - um termo chique para dizer

que você não vai derrubar nada enquanto se mexe e nem tentar colocar algo onde não cabe.

Antes de cozinhar, tentava pintar. O desenho e a perspectiva até que eu acertava

direitinho, mas as cores começavam a brigar entre si mal eu encostava o pincel nelas. E aquele

monte de tubinhos e vidrinhos? O que não cheirava forte, lambuzava tudo ao redor.

Acumulavam-se montes de telas mal acabadas e manchas misteriosas por toda parte. Chegou

uma hora que tive de parar com aquilo. D. Angelina conseguiu alguém para levar as telas

restantes embora. Fiquei por um momento imaginando se iriam alegrar as paredes das casas de

trabalhadores cansados de suas lides diárias, mas talvez tenham apenas feito uma grande

fogueira de São João daquilo. Foram-se também os pincéis, tubos de tinta, talvez para algum

futuro gênio da pintura ou futuro famoso designer.

Bom, foi assim que a cozinha passou a ser o meu hobby. Ao contrário das pinturas, a

comida até certo grau de ruindade dá para ser consumida sem grandes problemas e deixa de

ocupar espaço; de qualquer forma, só ficando em forma de lembrança rapidamente esquecida na

próxima tentativa de melhoria. Aprender com os erros passados; não deixá-los entulhar a vida ao

seu redor.

Fondue com requeijão

Antes de levar a sério esse negócio de aprender a cozinhar, tive de fazer um fondue.

Justamente o fondue, que até então chamava de “aquele prato que nunca dá certo”. Os que eu

havia visto, não derretiam totalmente e tinham um gosto esquisito, talvez as pessoas comprem

um vinho não muito bom para fazê-lo. Deve ter algum truque que eu ainda não conheça. E

sempre sobra um fundo de queijo ressecado e queimado no final da noite.

Bom, devo dizer que fiz esse prato em condições excepcionais. Temos uma amiga que

tem uma cozinha daquelas de revista, tudo perfeito, totalmente equipada. Só que ela não sabe

cozinhar muita coisa. Se ela convida a gente para comer frango em sua casa, não quer dizer que

vai haver um prato pronto à base de frango quando você chegar. Pelo contrário, logo após os

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cumprimentos, ela te leva à cozinha, mostra um frango congelado, ainda na embalagem, e diz:

“Aqui está o frango e aqui está a cozinha”, e como perfeita anfitriã, acrescenta: “pode ficar à

vontade”. O mesmo aconteceu comigo, tive de enfrentar o desafio do fondue e botar mãos à

obra.

O que me salvou é que ela havia conseguido uma receita de fondue não muito

convencional, acho que adaptaram a receita para dar certo e incluíram o requeijão entre os

ingredientes. Provavelmente algum francês se revirou em sua tumba. Mas não é que deu certo? O

queijo ficou bem mais cremoso e derretido do que os que eu havia experimentado até então.

Então, valeu o desafio. A única observação é que no final da noite ainda sobrou o tal resto de

queijo ressecado e queimado no fundo da panelinha. Fica aquela sensação de desperdício.

Tiras de fígado perfumadas

Então vamos às minhas primeiras tentativas. No início, procurei receitas fáceis. Lembrei

com saudade das tiras de fígado aceboladas. Tem algo mais fácil? É temperar e fritar as tiras de

fígado (fritar bem, que é servir fígado mal passado a alguém que essa pessoa vai fugir daquilo o

resto de sua vida), fritar a cebola, misturar e pronto. Bom contra a anemia, pouca gordura.

Querendo fazer tudo como manda o figurino e atento à higiene, lavei as mãos

cuidadosamente. Cortei um quilo e meio de fígado em tiras e misturei as tiras ao tempero com as

mãos na tigela.

Vilma veio olhar e decretou: “Pegou o cheiro do sabonete, não serve para mais nada...”

Vocês não imaginam como fica estranho fígado com cheiro de lavanda. Estava com mais

perfume que o próprio sabonete. Tive de jogar todo o quilo e meio de fígado fora, com tempero e

tudo. Acho que nem os gatos da rua chegaram perto daquilo.

Pois é, nem tudo o que se faz com boa intenção dá certo. Ficou a lição de enxaguar as

mãos com bastante água antes de chegar perto de qualquer alimento e um resto de desconsolo no

peito.

Salada de cebola

Para me deixar menos triste com o tropeço com o fígado, Vilma veio me ensinar a sua

salada de cebola. É realmente fácil, só cortar a cebola em fatias, escaldar em água fervente para

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retirar o ácido, escorrer, temperar com sal, azeite e orégano, talvez vinagre ou limão, e pronto.

Serve de entrada e acompanhamento. Até eu consigo fazê-la.

A cebola é um dos terrores do cozinheiro principiante, agravado pelo fato de você usar

cebola em quase tudo. Você está no meio do trabalho de fatiar a cebola e começa a não enxergar

mais nada, as lágrimas correndo pelo rosto enquanto você tenta evitar cortar os dedos em fatias;

quem passa, não deixa de rir de você. Vexame total. É uma situação que lembra os filmes nos

quais o samurai bonzinho é cegado temporariamente por um truque sujo do bandido durante a

luta, com a espada na mão, somente enxergando vultos distorcidos ao seu redor.

Não tive ainda tempo de comprar um par de óculos de proteção para essa tarefa, mas

descobri que deixar a cebola esfriar no freezer antes de cortar ajuda a segurar o ácido lá dentro.

Dá para cortar a cebola sem perder a pose de machão por um pouco mais de tempo. E caso você

queira cebolas picadas em quadradinhos, tem também o processador, que consegue picar duas

cebolas em poucos segundos. Très jolie.

Panela em chamas

O cinema sempre tem clichês sobre novatos na cozinha que se repetem de tempos em

tempos. Vi um desses em um trailer de um filme recente. A panela no fogão que de repente

começa a soltar labaredas. Todos os presentes na sala de projeção riem do coitado do iniciante,

que começa a gritar, sem saber o que fazer. Mas nunca vi alguém explicar porque essa catástrofe

acontece e nem como evitá-la.

De minha experiência prática em falta de noção na cozinha, isso pode acontecer quando

você coloca água demais na panela de pressão ao cozinhar algo e o líquido começa a sair

misturado ao vapor pela válvula. Dependendo da quantidade de gordura na água, pode pegar

fogo ao atingir a chama do fogão. Claro que o que acontece na realidade é muito menos

espetacular do que os efeitos especiais no cinema.

Mas o que eu consegui fazer foi ainda melhor. Aconteceu um dia quando coloquei carne

com legumes para cozinhar na panela de pressão. Deu uns vinte minutos e nada de começar a

ferver. De repente, começou a sair caldo por todos os lados, inundando o fogão de caldo e

provocando a maior fumaça. O motivo foi algo totalmente improvável para mim até então: não

havia conferido se a tampa da panela de pressão estava com a borrachinha – minha assistente a

havia retirado para lavar e se esquecido de colocá-la de volta na tampa.

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Agora o momento pedagógico: se houver qualquer vazamento em uma panela de pressão,

fique preparado psicologicamente para, antes de mais nada, apagar imediatamente o fogo. Se

houver pressão no interior da panela, use luvas e/ou um pano de prato para colocá-la na pia

debaixo de uma torneira aberta para esfriá-la; só tire a tampa quando a pressão tiver sido bem

reduzida. Mantendo a calma nas horas de emergência, evitamos um dano ainda maior.

Arroz soltinho

O arroz é outro dos lendários pavores do cozinheiro principiante; é onde ele certamente

será ridicularizado, com o seu arroz queimado ou empapado. O que é uma injustiça, porque

embora possa parecer coisa simples, exige técnica e arte. Então, para o bem geral da

humanidade, coloco aqui alguns truques de Vilma para fazer arroz soltinho, com o seu devido

consentimento prévio por escrito, é claro.

Lave o arroz bem - costumo fazer dois copos de arroz - e deixe por um par de horas no

escorredor de arroz. Dependendo da posição do escorredor, empoça lá dentro e não sai toda a

água. Então preste atenção, tem de ficar bem sequinho para não grudar depois. Então vamos ao

próximo passo, o cozimento do arroz. Coloque um meio litro de água para ferver. Cuidado com

os três passos seguintes:

1. Em uma panela, esprema um dente pequeno ou meio dente de alho; tem de ser bem

pouco, que é só para dar o cheiro. Arroz com alho demais fica com gosto e cheiro ruins.

2. Coloque um fio de óleo. Evite também exagerar no óleo, que acaba por deixar o arroz

com gosto ruim (principalmente no dia seguinte) e um brilho meio esquisito.

3. Frite o alho até dourar. Só tome cuidado para não queimar, que fica gosto amargo.

Se você prestou atenção e escapou dessas três armadilhas, coloque o arroz escorrido na

panela e o refogue no alho e o óleo, mexendo com uma colher de bambu. Quando os grãos

ficarem bem secos, coloque a água fervente. Mais ou menos um dedo e meio acima do nível do

arroz.

Uma coisa que quase sempre esqueço nesse ponto é do sal (agora, por exemplo, só

lembrei de escrever essa parte quando fui revisar o texto), então nesse ponto, adicione o sal, sem

exagerar. Para os dois copos de arroz, umas duas colheres de sobremesa não muito cheias. Mexa

para misturar o sal ao arroz, abaixe o fogo ao mínimo e coloque a tampa fechando parcialmente a

panela.

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Essa história de arroz e água tem certo quê artístico-aleatório, pois, por um lado, o arroz

tem de ser cozido, e por outro, não grudar. Isso envolve algumas variáveis: por exemplo, se

comprar arroz novo (isso é, recém-colhido), você terá uma grande probabilidade de sair com um

arroz empelotado. Não dá para identificar o arroz novo no saco, mas geralmente é vendido em

promoção. Os recursos que temos para evitar catástrofes são colocar mais ou menos água no

início e ir experimentando o cozimento do arroz, para ver se precisa adicionar mais água no

final, e tampar a panela ou não, o que determina se a água vai secar em mais ou menos tempo,

com mais ou menos tempo de cozimento.

Quando a água do fundo do centro da panela secar (o que pode ser verificado abrindo um

pequeno buraco com um garfo), experimente alguns grãos para ver se estão al dente, isso é,

cozidos mas não muito. Se ainda não estiverem, coloque um pouquinho a mais de água, só

molhando o arroz, e deixe cozinhar mais um pouco. Quando estiver bom, use o garfo para soltar

levemente os grãos, como se estivesse passando um arado na superfície do arroz.

Desligue o fogo e feche completamente a panela com a tampa. Esse é um truque: deixe lá

uns 15 minutos, cozinhando sem fogo, em seu próprio vapor. Às vezes, temos de deixar as coisas

andarem por si só para que tudo ande bem. De vez em quando, tire a tampa e use o garfo para

soltar os blocos que eventualmente se formem, principalmente nas laterais da panela.

E é isso. Se mesmo seguindo essa receita você errar, não desanime, porque a vida é assim

mesmo; com atenção e sorte, a segunda vez será melhor do que a primeira.

Como ilustração, hoje não deu para escorrer os grãos o tempo suficiente. Então Vilma

refogou o arroz rapidamente, para não empapar, colocou a água e cozinhou o arroz sem tampar a

panela, em fogo alto, para cozinhar por menos tempo. Quando a água secou, desligou o fogo e

tampou a panela, como faz normalmente. Esse método também serve para o arroz recém-

colhido. Ficou soltinho. Fazer o quê? Quem sabe, sabe.

Diletantismo x obrigação

Vilma veio ler a história do “arroz soltinho” e logo começou a rir sem parar: “Eu nunca

tinha percebido como é difícil fazer arroz.” Pois é. Se você quiser explicar uma receita direitinho

àquele que não sabe cozinhar, sai um texto enorme e complicado.

Uma das coisas que percebi logo de começo é a dificuldade de se fazer uma receita

exatamente da mesma maneira por duas vezes seguidas. A gente sempre muda alguma coisa, são

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muitos passos e muitos detalhes; na maior parte das vezes, acerto de primeira e arruíno tudo na

segunda vez, quando acho que já sei fazer a receita. Esqueço qual era a quantidade de algum

ingrediente, deixo um pouco a mais no fogo. Mas não é só o esquecimento, muitas vezes

queremos experimentar alguma variação na receita, comprar uma marca ou tipo diferente de

alguma coisa. Normalmente, depois temos de assumir a culpa pela audácia.

O desafio de ser um cozinheiro incidental é justamente o fato de cozinhar bem quer dizer

cozinhar sempre, cozinhar por obrigação e cozinhar sem mudar nada, nunca. A constância aqui é

uma virtude. As cozinheiras excelentes são as Tias Anastácias de antigamente, que eram

obrigadas a cozinhar todos os dias para a família inteira e repetiam toda semana as mesmas

receitas por anos a fio, sem poder errar, possivelmente sem televisão ou até mesmo rádio para

atrapalhar. Pensando bem, talvez esse seja mesmo o papel social dos hobbies: permitir dar asas

ao nosso lado aventureiro, que poderia trazer riscos ao bom funcionamento da sociedade se

despertado durante nossas ocupações normais.

Cozinhar feijão

Hoje em dia, nem é preciso escolher muito o feijão, que há marcas de boa qualidade no

mercado (parênteses para os mais novos: escolher o feijão é colocar o feijão que você for

cozinhar em uma superfície lisa e dar uma varrida rápida com as mãos para ver se há pedrinhas,

milho ou algum grão com caruncho – um bichinho que deixa um buraquinho bem redondo no

grão e um gosto ruim no feijão – e colocar o que está bom em uma vasilha).

Uma etapa importante nessa preparação é deixar o feijão (mais ou menos um terço de

quilo) de molho por um par de horas em uma vasilha com água. Fiquei sabendo que o que faz o

feijão causar incômodo a alguns é o seu conteúdo de enxofre. Como esse enxofre é solúvel em

água, o molho deixa o feijão mais leve, além de mais macio.

O feijão precisa ser cozido em uma panela de pressão, coberto por água suficiente para

não deixar queimar durante a fervura, o que na minha panela dá uns 5 cm de água. Um truque

aqui evita que a água em ebulição saia pela tampa, que é deitar um fio de óleo na água, o que

evita também entupir a válvula da panela de pressão durante a fervura. Coloco a panela no fogo

de médio para alto e marco uns 20 minutos a partir do momento que a panela começar a ferver e

soltar vapor pela válvula. Passado esse tempo é necessário verificar se o feijão está bem cozido.

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Todo cuidado é pouco com a panela de pressão, como já comentei anteriormente.

Costumo usar o pano de pratos para retirar a panela do fogo e colocá-la sob a torneira aberta da

pia, para diminuir a temperatura e a pressão e poder abrir a tampa. Daí é usar uma colher para

experimentar alguns grãos e ver se eles estão molinhos. Se não estiverem, é fechar a panela e

voltar ao fogo. Estando macios, costumo usar uma concha para retirar o excesso de caldo da

panela (retirando mais enxofre y otras cositas) e aí podemos passar para a etapa seguinte,

temperar o feijão.

Essa é a parte fácil, só refogar em um fio de óleo um dente de alho na panela óleo até que

ele fique amarelo, despejar o feijão e colocar o sal (lembrei, dessa vez...) e um pouco de água.

Alguns gostam de adicionar uma pequena folha de louro (a ser retirada no final) ou um pouco de

cominho em pó, mas eu gosto mesmo do gosto simples do feijão. Devo aqui dizer que, por mais

simples que pareça, uma das experiências que me deixaram mais contente em meu primeiro ano

de cozinheiro foi fazer arroz e feijão, que agora posso levar para qualquer lugar do mundo. O

conhecimento tradicional não será perdido.

O CD de receitas

Como incentivo, me deram de presente um CD com mais de 10.000 receitas.

Já me imaginando no meio de um banquete, mostrei o CD à minha assistente.

_Veja só, D. Angelina, aqui tem mais de 10.000 receitas.

Ela veio saltitante para o meu lado e sorriu.

_ E quantas o senhor vai fazer por dia?, indagou, com cara sapeca.

Olhei para ela, com cara séria. Ela continuava me olhando com cara de sapeca.

_ Não sei, D. Angelina, vou ter de fazer a conta., respondi, sério, tentando manter a

dignidade.

Ela deu uma desculpa e correu se refugiar no banheiro para rir de mim à vontade.

O pior é que nem consigo mais encontrar aquele CD.

Receitas rápidas

E quem foi que disse que a receita leva só quinze minutos???

Para o principiante, uma simples receita esconde uma infinidade de detalhes que pode te

tomar o dia inteiro. Tem de ir comprar as coisas. Voltar para comprar o que você se esqueceu de

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comprar da primeira vez. Afiar a(s) faca(s). Lavar tudo bem lavado. Descascar e cortar o que é

para ser descascado e cortado (às vezes minha assistente ajuda, às vezes não). E achar as vasilhas

para colocar tudo o que você cortou. Derrubar algo e parar para pegar o que caiu no chão.

Procurar aquele saquinho de tempero que se escondeu lá atrás no armário. Atender ao telefone.

Procurar a receita para confirmar de novo que você está fazendo tudo certinho, rezando para não

ter de sair para comprar mais nada. Aí, quem sabe, faz tudo em quinze minutos. Tomando o

maior cuidado para não errar no sal no final e estragar tudo depois de tanto trabalho.

Delegar nem sempre funciona

A impressão que eu tenho às vezes é que quando te dão uma receita, acham que você tem

uns dois ou três ajudantes de plantão. Você fica lá no comando de uma tropa de choque que

compra, cozinha e limpa tudo depois. Resolvi um dia deixar D. Angelina para cuidar da panela,

em um dia que o computador estava exigindo um pouco mais de minha atenção.

D. Angelina? A panela de pressão apitando que nem trem chegando na estação e ela

tranquilamente de pé junto ao pezinho de boldo que começou a cultivar como remédio para o

fígado – muito bom, aliás. Chamei e nada. Fiquei em dúvida: será que ela teve um ataque

cardíaco e morreu de pé? Toquei seu ombro. Ela virou sorrindo com os seus dentinhos e tirou o

fone de ouvido, voltando de seu mundo particular. Olhou para a panela apitando, olhou para mim

de novo e sorriu de novo.

Falta de inspiração

Tem dias que não é fácil resolver o que cozinhar. O pior é que às vezes a falta de

inspiração é tamanha que não dá nem vontade de sair por aí para comer algo em um restaurante.

É uma fome desanimada. O que me fez pensar novamente em quem cozinha por obrigação.

Realmente não é fácil inventar um cardápio novo todos os dias. Tem dias que a gente

entende aquelas donas de casa que repetem o tradicional “arroz, feijão, bife e salada” por

semanas a fio. Se pensarmos bem, fica mais fácil até de calcular a quantidade do que comprar. O

que sobrar de um dia, até dá para aproveitar no seguinte. Imagino até que haja famílias que se

acostumem com o hábito, pela repetição, e não queiram se aventurar em novos sabores.

Por outro lado, imagino que fazer e compor o cardápio da semana seja algo difícil quando

há muita gente em casa ou convidados inesperados. Como agradar a todos? Às vezes, por mais

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esforço e capricho que se tenha, parece algo impossível. Se houver cinco pessoas à mesa e

apenas uma comentar que não gosta de algo, as outras ficarão sem graça. Há muitas armadilhas:

alergias, traumas de infância com algum ingrediente e até mesmo um: “Puxa, comi frango a

semana inteira, tem outra coisa?” – como prever algo assim?

Garimpando receitas

Ganhei um conjunto de livros de receitas de nossa amiga Soraya. Complica um pouco,

por estarem escritos em francês, mas por outro lado, fica tudo mais sofisticado, por estarem

escritos em francês. Fotos muito bonitas. Nada mais desencorajador do que um livro de receitas

com fotos mal feitas. Tenho um livrinho de receitas em micro-ondas com fotos tão desanimadas

que quase joguei fora o forno de micro-ondas. Claro que depois da história do CD das 10.000

receitas, escondi os livros de D. Angelina.

Você já pensou em como se escolhe uma receita? Claro, sempre há a tradicional

aprendizagem com quem já sabe; você come algo e gosta, daí pede a receita – e claro que recebe

apenas uma vaga indicação de como fazer a receita, que quanto mais você elogiar um prato, mais

o cozinheiro tenderá a guardar para só ele os segredos dessa receita. Com a Internet, ficou mais

fácil encontrar quem dê receitas, elas praticamente saltam no nosso colo; além disso,

apresentadas de forma mais detalha e instrutiva. Você só não come antes para saber se vai gostar.

Quando vou analisar uma receita nova, dou uma boa olhada na lista de ingredientes. Vejo

se todos os ingredientes e as combinações entre eles me agradam, se vou ter tempo de seguir

todas as instruções,se já conheço e sei onde comprar todos os ingredientes. Depois penso em

preços e essas coisas. Muitas vezes, as receitas indicadas trazem ingredientes demais, algo caro

demais ou ingredientes cujo uso ocasional não vale a pena – gastar uma soma relativamente

considerável para usar algumas gotas ou ramos e perder o resto.

Mas nem por isso as receitas descartadas são totalmente inúteis para o principiante.

Sempre há alguma coisa que você pode aproveitar; às vezes, anoto alguma técnica usada em

parte da receita e aproveito em outra, muitas vezes corto pela metade e faço algo com menos

sofisticação. Geralmente fica um Frankenstein de cara boa.

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Croissant instantâneo

A receita do croissant é uma das coisas mais complicadas que já vi na vida. É dobrar a

massa e colocar na geladeira várias vezes, por várias horas, o que deve levar o dia todo, coisa de

profissional. Então se quero um croissant, compro um na padaria e a questão está resolvida. Mas,

na correria da semana, às vezes é difícil até mesmo comprar o pão normal. Aí, na hora da fome,

temos de improvisar. Muitas vezes, o que sai é o que chamo de “croissant instantâneo".

Sempre acaba sobrando algum pãozinho francês amanhecido, quase passando para a fase

de “pão duro”. É só cortar no sentido longitudinal, também conhecido como “de comprido”,

passar uma camada generosa de margarina e colocar na frigideira quente. Quando o pão

esquentar, aperte as metades do pão contra a frigideira; elas vão começar a ceder, pois a gordura

da margarina amolece o pão. Assim que o lado com a margarina estiver dourado, até quase o

ponto de queimar, e as metades do pão estiverem quase da espessura de um dedo, tire da

frigideira. Deixe esfriar alguns segundos em um prato. A margarina vai umedecer o pão e formar

uma crosta no lado com a margarina.

Aí alguém vai dizer: “Mauro, isso é pão na chapa...”, mas oras, o nome é mais marca

fantasia do que descrição científica, como muitas vezes acontece no mercado. Depois, acho que

não seja exatamente um pão na chapa, por ser mais lambuzado e feito com pão amanhecido,

quase duro (ótima propaganda, hein?). Bom, tá certo, não é exatamente um croissant... Por isso

mesmo, chamei de “croissant instantâneo”, algo entre o pão francês (brasileiro) e o croissant

francês (francês mesmo).

Fica gostoso, mas por pouco tempo, como diria Andy Warhol, uma celebridade

instantânea com cinco minutos de fama que ajudam a matar a fome de um solitário. Depois desse

breve período de glória, é bom esquecer, que vira uma coisa dura e engordurada. Obviamente

que isso não é culpa do pãozinho, e sim de nossa fome constante e imperiosa por algo novo e

gostoso, não necessariamente duradouro, complexo ou de grande profundidade filosófica. Algo a

ser consumido rapidamente quando não houver algo melhor à vista e a gente não estiver disposto

a investir muito tempo em uma preparação elaborada. E se esse nome fizer sucesso um dia,

lembrem-se de que fui eu que o inventei (até prova em contrário).

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Completando a pizza

Mesmo tendo comprado algo pronto, ainda podemos exercer alguma criatividade e

escapar da mesmice. Muitas vezes, dá aquela fome repentina de comer uma coisinha qualquer e

compramos uma pizza congelada no mercado. Mas nem sempre ela está assim tão preparada para

essa fome. Algo simples de se fazer nessas horas é completar a pizza. O que tinha de dar trabalho

seria fazer a massa, abri-la e cobri-la passar um molho de tomate – e isso você já pagou para

alguém fazer. O resto fica fácil. Pode ser colocando uma camada extra de mussarela, por

exemplo. Mas o que deu um resultado mais eficiente até agora foi colocar uma camada extra de

fatias fininhas de cebola na pizza de calabresa. O cheiro da cebola misturado ao da calabresa no

forno é fatal para despertar o apetite. Fácil, rápido e gostoso (claro que não como uma pizza de

verdade, mas dá para quebrar o galho...).

O pão e a farinha de rosca

De vez em quando nos deparamos com receitas que utilizam farinha de rosca. A solução

mais fácil e mais acertada é comprar um saquinho de farinha de rosca, que é baratinho. Só que

essas receitas normalmente sugerem usar preferencialmente farinha de rosca feita do pão;

obviamente a gente ignora essa sugestão e usa a farinha pronta mesmo. Mas digamos que você

queira experimentar a farinha de rosca feita em casa. O processo não é muito fácil: tem de ter

pão amanhecido em casa, cortar em fatias, deixar torrar um pouco no forno, passar no moedor de

carne, peneirar.

Isso fica meio complicado para mim, que não tenho moedor (se formos ter todos os

acessórios, precisaríamos ter uma cozinha enorme, então vamos nos contentar apenas com os

acessórios mais usados). Normalmente, também não tenho pão amanhecido em casa. Sabe por

quê? Não? Então aqui vai a primeira dica, para os que não têm tempo de comprar pão fresco

todos os dias. Congele no freezer os pães que sobrarem, ainda frescos, que depois é só deixá-los

descongelar que eles voltarão a ficar macios. Essa dica já vale a história.

Então se você não tem o tal pãozinho amanhecido, é só colocar pão fresco no freezer por

algumas horas que ele fica quebradiço. O truque usa um saco plástico transparente desses que

ficam na seção de frutas e legumes do mercado (lembre-se de verificar se está razoavelmente

limpo). Coloco o pão ou os pães (lembre-se que cada pãozinho tem mais ou menos 50g) ainda

congelados dentro do saquinho fechado e os estraçalho com a mão. Cuidado para não se

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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entusiasmar demais, porque se o saco estourar, vai voar migalhas de pão para todo lado. É bom

deixar um prato embaixo do saco. Depois coloco essas migalhas na frigideira que uso para

esquentar o pão e deixo lá até torrar um pouco. Não jogue fora o saquinho plástico.

Quando começar a escurecer, desligo o fogo e deixo esfriar. Depois, recoloco essa quase

farinha no saco plástico e volto a despedaçá-la com as mãos. Dá até para colocar o saquinho

entre as mãos e esfregá-las, como se estivesse no inverno. Cuidado para não se entusiasmar

demais, porque se o saco estourar, vai voar migalhas de pão para todo lado. É bom deixar um

prato embaixo do saco. Quando as crostas de pão estiverem esmigalhadas e a farinha, fina,

acabou. Fica uma farinha bonita e não leva muito tempo. Mas mesmo assim talvez você queira

comprar mesmo a farinha pronta da próxima vez.

Desfrutar o tomate

Li em algum lugar que conhecimento é saber que o tomate é fruta; sabedoria é não

colocá-lo na salada de frutas. Li também que, para a biologia, a diferença entre frutas e legumes

é que frutas têm sementes e legumes não. Dessa forma, muito do que consideramos legumes são,

na verdade, frutas. Por esse critério, o circunspecto quiabo, ícone da mais tradicional entre as

tradicionais cozinhas brasileiras, seria fruta; fruta como a temível pimenta também o é. Mesmo

antes de saber disso, em um trocadilho meio infame, tinha como costume retirar as sementes para

desfrutar do tomate.

Além de retirar as sementes, também descasco os tomates que uso na cozinha, porque

fiquei sabendo que a casca do tomate torna o prato indigesto, além de ser o local onde os

agrotóxicos mais se acumulam; as sementes, dizem que provoca pedras nos rins, o que não sei se

é verdade, mas de qualquer forma, soltam um gosto meio amargo quando mordidas no meio do

molho.

Tem um truque que aprendi para tirar as cascas dos tomates, que é tirar a parte do

cabinho com um corte cônico, riscar um xis com a faca na parte de baixo e colocá-los em água

fervente por alguns minutos. Quando a pele começa a soltar, você os coloca em uma vasilha com

água gelada. Normalmente, dá para tirar a pele com a mão. É um bom truque, mas gasta energia

demais, do gás e da geladeira. Preocupado com o planeta, se tiver até três tomates, prefiro

descascá-los na faca mesmo. O que de início desafiou minhas canhestras habilidades manuais.

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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Vilma veio me ajudar: “descascar tomate é como descascar laranja”. Bom, aí danou-se de

vez. Sempre foi um mistério para mim como as pessoas conseguiam descascar uma laranja de

uma vez só em uma tira única de casca, ficava tentando arrancar pedaço a pedaço com a faca.

Fiquei olhando-a demonstrar como se descasca uma laranja e percebi que, além de se ter uma

faca bem afiada, é a posição das mãos que determina o sucesso dessa empreitada. Em meu

constante aperfeiçoamento em artes manuais, tento arduamente conseguir descascar os tomates

sem fazer cortes muito fundos e sem ficar a tarde inteira nisso. Ainda não acertei essa posição

das mãos, mas estou conseguindo baixar o meu tempo de descascar tomate. Depois dessa

complicada tarefa, fatiar e retirar as sementes parece mais fácil.

Evitando prejuízos com ovos

Em receitas que utilizam ovos, como bolos, por exemplo, precisamos usar um truque que

é muito simples, mas que pode evitar grandes prejuízos. Imagine que você já tenha um monte de

ingredientes na vasilha e no finalzinho, na hora de colocar os ovos, por conta do aquecimento

global ou por puro azar, um deles esteja estragado. É o que muita gente faz normalmente, quebra

o ovo diretamente em cima dos outros ingredientes, sem ver o que tem lá dentro. Se houver algo

errado com o ovo, é perda total; precisamos jogar tudo fora, que ovo estragado tem toxinas até

não poder mais. Pensando bem, mesmo que vá apenas fritar um ovo, se somente perceber que ele

está estragado quando colocá-lo na frigideira, você terá um trabalho adicional de lavá-la antes de

fritar o próximo ovo. Irritante e desanimador.

Então, para esses casos, é bom usar uma tigelinha para quebrar o ovo antes. Você pode

quebrar um por um cada um dos ovos exigidos na receita nessa tigela, examiná-lo e só então

juntá-lo aos demais ingredientes, passando então para o próximo ovo. Fica bem mais seguro e

não dá tanto trabalho assim.

Aproveitando a salsinha

Tinha comigo que quem não gosta de salsinha tem algum problema com comida; gosto

muito do cheiro, do gosto e do colorido que traz a diversos pratos, de cozidos e refogados

diversos ao macarrão. Isso até fazer uma rápida consulta em uma rede social e constatar que há

muita gente que tem horror à coitadinha. Muitos não percebem gosto nenhum, outros detestam o

gosto. Achei estranho, mas fazer o quê, vox populi vox dei. Foi bom ter feito essa pesquisa de

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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mercado e descobrir que nem todos a apreciam, como antes imaginava. Porque quem gosta dela,

como eu, tenta espalhar cheiro verde (salsinha mais cebolinha) em cima de tudo que puder – às

vezes, em quantidade até um pouco exagerada. Daí que é bom perguntar antes aos seus

convidados, para evitar cara feia.

Para quem não usa muito, um maço de cheiro verde rende bastante. Mas se você deixar o

maço na geladeira, estraga logo. A salsinha é bastante perecível, em pouco tempo começa a

murchar. Depois de picada, então, começa a melar rapidamente na geladeira. O que dá para fazer

é lavar o maço de salsinha e deixá-lo por algum tempo em um escorredor de macarrão. Depois,

separe os ramos, coloque-os em uma tábua de cozinha e use uma folha de papel toalha para

deixá-los bem secos. Lembre-se que na hora de picar os raminhos de salsinha, a faca precisa

estar bem afiada, senão as folhinhas saem machucadas, ficam feias e duram menos. Deixando a

salsinha bem seca, dá para guardar por mais tempo na geladeira, inteira ou picada – só algumas

poucas folhinhas ficam amarelas. A outra saída é congelar as folhas picadas, fica bem prático de

usar na hora e quantidade que quiser.

A plantação de D. Angelina

Tive a ideia de plantar um pé de salsinha em casa. Certamente teria salsinha fresca

sempre que quisesse, exatamente na quantidade necessária, sem deixar nada passar do prazo de

validade. Isso animou imediatamente D. Angelina, que adora uma novidade. Em poucos dias,

veio com o saquinho de sementes, vaso, terra, fertilizante e tudo o mais. Depois de alguns dias,

novamente me foi comprovado o que eu já havia descoberto desde pequeno: que esse negócio de

planta sair de semente é algo que só dá certo nos programas rurais da televisão e com grãos de

feijão para estudantes do ensino fundamental. A gente afunda aquilo na terra e fica semanas

esperando sair uma folhinha.

Então ela me veio com umas mudinhas de salsinha já um pouco crescidas – que havia

percebido que as sementes iriam demorar um pouco para germinar. Escavou o vaso e plantou as

mudas lá no vaso. Assim fica mais fácil. Ótimo, D. Angelina, se também não der certo, a senhora

pode comprar um maço de salsinha no mercado e espetar nesse vaso, que pelo menos eu sei onde

achar. Ela riu de mim, com ar de Mestre Jedi.

Tá bom, entendi o recado. Sumiram de minha área de serviço o vaso, a terra, o

fertilizante, as sementes, mudas e tudo o mais. O duro é agora aguentá-la desfilando com o maço

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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de cheiro verde prontinho na mão pela casa. Ela poderia simplesmente dizer que minha ideia não

era lá muito esperta, mas pode ser que ela apenas ache que eu tenha um pouquinho de

dificuldade para entender coisas simples.

A lista de compras

Já falei antes sobre o tempo gasto em comprar os ingredientes e depois em voltar para

comprar o que me esqueci de comprar da primeira vez. Claro que vieram me perguntar: “Você já

ouviu falar de lista de compras?”.

Já ouvi falar sim, mas descobri que uma lista de compras não será infalível se você se

esquecer de incluir algum item na lista. O principiante sempre vai se esquecer de algo. A

principal armadilha é achar que já tem o ingrediente em casa e depois descobrir que já acabou,

que a quantidade é insuficiente ou que passou do prazo. Assim, agora antes de sair coloco tudo o

que tenho e vou usar enfileiradinho na mesa, ao lado da lista de compras, então confiro a receita.

Só então eu saio para fazer a compra.

Mas também não limito as compras à lista. Para não limitar a compra à lista, ou pelo

menos dar uma olhadinha nas coisas que você não estava pensando em comprar, é muito

importante esquecer aquela história de não ir ao mercado com fome. De experiência própria,

digo que é muito chato ir ao mercado sem fome, ou pior, logo depois de comer, faz tudo perder a

graça. Vira obrigação. Você só compra o necessário e não vê a hora de voltar correndo para casa.

A fome é condição necessária para novas descobertas.

A melancia horrenda

Uma de minhas primeiras experiências na escolha de frutas foi extremamente feliz; por

mero acaso, é claro. Era meu primeiro Natal com a família de Vilma e me deram a tarefa simples

de trazer uma melancia para a festa.

Nesse ponto, é preciso dizer que as coisas há uns dezoito anos eram muito diferentes que

agora nos supermercados. Hoje em dia, temos artigos de Natal abarrotando as prateleiras de

novembro até o final de janeiro. Naquela época, você tinha que antecipar as compras; na semana

de Natal, perus, pernis e até frangos sumiam como se houvesse ataques de barracudas em toda a

cidade, e o mesmo acontecia com as frutas muito consumidas. Como iniciante, não havia me

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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dado conta desse consumo abrupto no Natal; quando fui ver, não achei a tal melancia – e vamos

lembrar que o meu papel como marido estava sendo posto à prova pela primeira vez.

Após procurar em alguns supermercados, encontrei uma única melancia entre as hordas

de compradores desesperados. Foi fácil entender porque ninguém a quis. Havia um grande

machucado cinza na casca, como se ela tivesse sido arrastada pelo deserto por cavalos cherokees.

O restante da casca era de um verde-branco malhado de desanimar qualquer cristão. E para falar

a verdade, não era muito simétrica, lembrava um pouco a cabeça do presidente Nixon. Mas eu já

estava um pouco cansado da procura, e comprei essa mesmo, já pensando na reprovação certa e

nos risos de todos.

Na noite de Natal, após alguns olhares de reprovação pela aparência da bichinha, acabei

por se cumprimentado por todos como um grande escolhedor de melancias. Estava simplesmente

um mel, uma das melhores que já haviam provado. Certamente Papai Noel ajudou.

Bom, acho que agora eu poderia fazer alguma preleção filosófica sobre aparências e

qualidades, mas vou parar por aqui, porque uma das coisas que aprendi na vida é que a gente

também não pode ficar abusando da sorte.

À busca do feijão novinho

O feijão vai escurecendo com a idade, ficando mais duro e demorado de cozinhar. Nas

prateleiras, nem sempre o feijão está novinho, então temos de ir à busca do menos escuro. Só que

como as embalagens das diferentes marcas têm cores diferentes, nem sempre é fácil ver sob a luz

do supermercado qual o saquinho que tem os feijões mais claros. A técnica que uso é simples:

escolho um saquinho que me pareça o mais clarinho e o coloco bem perto dos saquinhos de outra

marca. O mais claro nessa comparação vence (claro que aí já dá para ter uma ideia da qualidade

geral dos grãos, mas hoje em dia a maior parte das marcas é de boa qualidade) e passamos à

próxima rodada de comparação com uma terceira marca, e assim vai até eu achar o mais clarinho

de todos ou cansar dessa história, o que acontecer primeiro.

A difícil adaptação dos recém-casados

Logo assim que casei, tive sérios problemas, por nunca ter feito compras. De repente,

você descobre que se não tiver comprado antes, não vai ter abridor de latas. Ou descobre que se

não tem filtro de água, vai ter de beber água da torneira. E por aí vai, em outras coisas até mais

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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necessárias. E vejam que logo assim que casei, tive a sorte de morar encostado em um

supermercado 24 horas, as quais utilizei em quase a sua totalidade, subindo e descendo nos

horários mais inusitados. Porque em um apartamento novo, sempre há algo que falta. Você

compra atum em lata e não tem o abridor de latas. Ou se esquece de comprar ovos ou sal, o que

só vai descobrir nas horas mais impróprias.

O pior foi estar no mercado e não encontrar nada. A minha sorte, que nunca me

abandona, é que na primeira vez que fui ao mercado, encontrei meu amigo Ivan, velho conhecido

dos tempos de universidade e casado então já havia muito tempo. E que morreu de rir de meu ar

de perdido no mercado com uma lista de compras na mão; na verdade, aproveitou para rir de

mim à vontade, mostrando o que havia em cada corredor como se faria com uma criança

pequena. Amigos são para isso mesmo. Mas hoje tenho pelo menos uma boa ideia onde está cada

item de minha lista de compras. Claro que após esse estágio, você tem de ter uma boa noção dos

preços de cada item, quantidades das embalagens, prazos de validade, escolha de frutas, verduras

e legumes. Comprar o que é mais fácil fazer. Não se deixar levar por promoções. Não

economizar em bobagem... Pensando bem, talvez ganhe algum dinheiro um dia abrindo um curso

de sobrevivência no supermercado.

Oportunidades e armadilhas

Quando estamos fazendo compras, temos de distinguir o que é oportunidade e o que é

armadilha. Por exemplo, hoje em dia, em uma atitude louvável, muitos supermercados avisam

que um produto está sendo vendido abaixo do preço porque está próximo do final do prazo de

validade. Se você acha que vai consumir aquilo rapidamente, pode considerar um bom negócio e

achar que vale a pena comprar.

Outros agem como os caçadores da natureza. Mostram algo que parece uma oportunidade

de ouro e te pegam na armadilha – como no caso do arroz recém-colhido. Já vi também alguns

produtos em oferta não pela qualidade do produto em si, mas devido a algum problema com o

sistema de abertura da embalagem; normalmente você tem um “abra aqui” impresso em um lado

e só consegue abrir a embalagem pelo outro lado. Aí quem tem mais curiosidade em ver como

vai conseguir abrir aquilo ou mais força nos dedos, leva vantagem.

Claro que às vezes vemos ao longe um preço baixo de fruta ou legume anunciado em uma placa

chamativa e quando vamos ver, descobrimos que não há a menor possibilidade de se escolher

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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alguma coisa. Decepções acontecem. Mas convenhamos, ficaria muito esquisito o supermercado

avisar: “Olha, o preço está baixo porque o produto está muito ruim.” Então temos de prestar

atenção – e não só no supermercado.

Maridos no mercado

Enquanto fazemos compras, vemos diferentes tipos de pessoa e diferentes

comportamentos. Hoje, vou comentar um comportamento que observo com frequência em vários

supermercados diferentes: os maridos mal humorados.

Aparentemente, esses maridos acham que as compras no supermercado só servem para

serem pesadas de carregar e gastar dinheiro. Geralmente, ficam reclamando o tempo todo; muitas

vezes, largam a mulher sozinha assim que chegam e vão direto para a seção de bebidas. Mas até

aí, tudo bem, vai. Cada um tem os seus interesses imediatos. Tem também aquela questão do

machismo; certamente ficariam diminuídos se os seus amigos os vissem em contato com

produtos destinados às reles lides domésticas.

Agora, na hora de pagar, vejo muitos de pé do lado de fora do caixa, com os braços

cruzados e cara feia, deixando suas esposas colocarem na esteira do caixa todas as compras de

seus carrinhos cheios até a boca e depois carregarem todos os pacotes de volta ao carrinho. No

máximo, dirigem-se à caixa no final para pagar, com aquela cara de reprovação do tipo “essa

minha mulher... tudo bobagem...”. Até parece que aquela compra não tem nada a ver com eles.

Eles podem achar que não, mas todo mundo percebe o que está acontecendo, as esposas

percebem que todo mundo está percebendo e ficam constrangidas. Coisa feia.

Fiz a conta em uma comprinha básica: 20 quilos do carrinho para o caixa, do caixa de

volta ao carrinho, do carrinho ao porta-malas de meu carro e depois do porta-malas do carro ao

carrinho do prédio, depois do carrinho para o armário. Dá 100 quilos. Não deixaria de jeito

nenhum minha esposa carregar tudo isso.

Velhinhas no caixa

Tenho por costume prestar atenção nas pessoas e personagens no mercado, como os

maridos mal humorados. Uma vez ou outra, vejo uma senhora chegar ao caixa (na minha frente,

é óbvio) com um monte de compras e a primeira coisa que faz é mostrar o dinheiro que tem. Aí,

a menina da caixa, em seus vinte anos, a ajuda a fazer as contas, perguntando o que ela vai ter

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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mesmo de levar, quando insiste: “não, esse tem de ir”, e o que pode ficar para trás. Às vezes, fica

comparando dois produtos com cara de dúvida para escolher o que vai levar.

Por muito tempo, vi nesse comportamento uma óbvia falta de dinheiro e uma vontade de

relembrar os bons tempos, quando podiam encher o carrinho e comprar tudo o que quisessem. É

algo para deixar a gente bem chateado. Em uma segunda interpretação, talvez mais romântica,

fico imaginando uma realidade alternativa, na qual elas deixam a imaginação e a vontade

correrem soltas nos corredores, colocando no carrinho tudo o que têm vontade, para tomar no

caixa a decisão final, mais séria e responsável. Poderia ser também que isso seja alguma

estratégia de processo decisório participativo. Nem todo mundo percebe, mas essas velhinhas são

muito sabidas e usam seu conhecimento acumulado sempre que podem – aliás, estão sempre lá

para me ajudar na hora de escolher frutas, pelo que sou imensamente grato. Talvez tenham

descoberto que os funcionários têm alguma informação interna sobre a qualidade dos produtos

naquele dia – mostram o produto e ficam tentando descobrir algo pela expressão da moça no

caixa – algo até lúdico, pois já descobri que as velhinhas tem capacidade de descobrir diversão

em qualquer situação do dia a dia.

De qualquer maneira, o resultado final é que acabam por tomar o maior tempo na nossa

frente na fila do caixa, mas, pensando bem, e daí? A vida pode ser curta demais ou longa demais,

dependendo de suas atitudes ao longo do caminho.

Ô compra inútil!

Foi o que disse em um momento de frustração, logo depois de chegar do supermercado.

A gente enche um carrinho até a boca, descarrega, carrega de novo, guarda uma compra imensa

nos armários e quando percebe que está morrendo de fome, descobre que não tem nada para

comer de imediato. Dá para se sentir totalmente idiota.

Claro que a compra não foi inútil, ao longo do mês usei cada um dos itens que comprei. E

claro que não “inútil” a palavra que eu usei na hora, mas vai ficar essa mesma, para vocês não

terem uma má ideia de minha pessoa. Mas, às vezes, quando chega em casa, você só quer comer

e descansar um pouco. Então por mais circunspecto que você seja em suas compras, não se

esqueça de colocar alguma bobagem para comer logo assim que chegar. Em outros termos, o

planejamento para o futuro é essencial, mas a gente não pode se esquecer das pequenas

necessidades do dia a dia.

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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A faca mal amolada

Como nunca trabalhei em fazenda e nem servi ao Exército, não tinha muita experiência

com facas. Por exemplo, para mim, as facas tinham corte eterno. Ou seja, em sendo faca, tinha

por obrigação cortar bem. Quando a gente não usa alguma coisa, não presta atenção nela e nem

acha que precisa de manutenção. E quando usa e não presta atenção, também não percebe que

precisa de manutenção.

Algo paradoxal é que a faca mal cuidada pode ser mais perigosa do que a com corte

perfeito e implacável. O fio vai desgastando com o uso; um dia a faca resvala em algo durante o

corte e vai direto para o seu dedo. A faca mal amolada também deixa machucadas as folhas mais

delicadas, como a do manjericão. Em situações delicadas, é necessário fazer cortes cirúrgicos de

uma vez só – aliás, um ponto no qual o grande samurai Miyamoto Musashi muito insistiu:

“cortar, não talhar” – embora não estivesse falando propriamente de frutas e legumes.

Ademais, como nunca havia prestado atenção em facas, as que comprei também não são

das melhores. Tenho que afiá-las constantemente para ter um corte aceitável; às vezes, tenho a

impressão que elas estão melhorando com as inúmeras afiações, outras vezes, acho que deveria

comprar logo um jogo de facas boas, mas com aquele cepo de madeira para proteger-lhes o fio

contra batidas. Fazer tudo certinho e ter as melhores ferramentas desde o início.

Abrir embalagens com a tesoura

Um acessório que percebi ser muito importante é a tesoura para trinchar – com ela, você

separa facilmente pedaços de frango e tudo o mais que tiver de ser cortado nas juntas dos ossos.

A faca, embora seja o instrumento do cozinheiro por excelência e aclamada por alguns como

mais poderosa até que armas de fogo na curta distância, perde feio para tesouras em cortes de

coisas pequenas. Tente cortar uma fita plástica dessas usadas em embalagens e você perceberá o

que estou dizendo. Não é um dos primeiros acessórios lembrado para a cozinha; na verdade, a

minha, comprei apenas porque a achei bonitinha.

Descobri recentemente um uso um pouco inusitado para minha tesoura para trinchar:

abrir embalagens de creme de leite do tipo tetrapak. Quando abria com a faca, respingava creme

de leite em toda a pia, na faca e em minhas mãos. Com a tesoura, é só puxar as pontas da

embalagem para cima, conforme as instruções da própria embalagem, e fazer um corte simples.

Fácil, rápido e limpo.

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O abridor de latas e o canivete suíço

Fiquei muito chateado ontem. Estava fazendo um pastelão espanhol, com o tempo

contado, e cadê o abridor de latas? Depois de procurar nos locais mais óbvios, imaginei que

novamente a criatividade de D. Angelina tivesse encontrado um lugarzinho especial para ele. Foi

quando me lembrei de meu canivete suíço. Usei com cuidado, para o óleo do atum não lambuzar

o canivete, mas funcionou que foi uma beleza. A lâmina abriu a tampa da lata como se estivesse

cortando manteiga.

Como gosto de consertar coisas e fuçar em tudo, esse canivete é uma mão na roda, e mais

uma vez me salvou em uma situação difícil. Além disso, ele contraria o senso comum, que

glorifica os especialistas. Apesar de ser uma ferramenta com muitas funções, normalmente

executa cada uma de suas funções muito melhor do que as ferramentas feitas especificamente

para a função em questão. Em minha opinião, o custo x benefício é muito bom.

As pessoas costumam ser classificadas em generalista ou especialista. O meu canivete

mostrou que se pode ser multifuncional – resolvendo com excelência seja lá o que for – o que é

importante independentemente do nome que se dá a algo - ou a alguém.

Pequenos ativos permanentes

Após ficar incomodado pela enésima vez com uma espátula de qualidade não muito boa,

que comprei há muitos anos ao montar a casa, vi que ao comprar acessórios e ferramentas, temos

de comprar o melhor possível dentro de sua disponibilidade de orçamento no momento. Você já

parou para pensar quanto tempo vai ficar com aquilo? Veja ao seu redor quantas coisas de má

qualidade você aguenta há mais de cinco anos porque quando as comprou estavam baratinhas e

na hora aparentemente davam conta do recado. A única coisa boa nessas coisas baratinhas é a

sensação de prazer quando você compra uma substituta de boa qualidade a joga a antiga fora,

sabendo que não vai mais ver aquilo pela frente.

Marido tem de ter pegada forte

Cozinhando ou apenas em apoio à esposa, uma pegada forte é necessária em casa.

Não apenas para abrir o vidro de palmito, também é importante ter pegada forte na hora

de fazer uma massa de torta ou misturar os ingredientes do kafta. E espremer limão , laranjas,

pepino (uma das próximas receitas) y otras cositas más. Não espanta que as cozinheiras antigas

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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tivessem aquele muquetão. O que me ajudou muito nisso foram os meus últimos anos treinando

jiu-jitsu. Ajudou, por exemplo, a quebrar os dois espremedores de alho que eu tinha em casa.

Acho que é por isso que dizem que homem tem de ficar longe da cozinha.

Claro que existem técnicas e acessórios que diminuem em muito a necessidade da força

bruta, mas, em primeiro lugar, teríamos de achar o tal acessório ou lembrar como é que era

mesmo a tal técnica. Depois, é bem legal fazer o papel de troglodita de vez em quando e

constatar que os músculos ainda estão cumprindo satisfatoriamente o seu papel. Ou pelo menos

achar que sim.

Nada como um lava louças

Mesmo quem tem diarista, precisa lavar a louça de vez em quando. Aliás, você só não

fica com louça suja se tiver uma empregada que vá dormir todos os dias depois de todo mundo,

como nos tempos antigos, e mesmo assim, é capaz de sobrar alguma coisa. Em cálculos rápidos,

descobri que um dos serviços domésticos que mais exige de seu tempo é lavar louça – porque é

todo dia. Dessa maneira, estou vendo como consigo colocar um lava louças na cozinha. Tem uns

modelos modernos, com mil recursos. Além do mais, economizam água, o que é importante,

hoje em dia. Os governos deveriam subsidiar essas máquinas.

Uma grande função que descobri dessas máquinas é esconder a louça suja enquanto você

não resolve lavar, o que é bem melhor do que deixar em um canto da pia ou, como já vi em casas

de colegas estudantes, ir acumulando tudo na pia e só lavar o que vai usar na hora - sua cozinha

fica parecendo o pantanal de um filme de terror.

Colocar a louça molhada na pia é algo como fechar os olhos para o bicho-papão não te

pegar. Se você deixa a louça de molho no detergente por muito tempo, não facilita de nada a

limpeza; depois de um rápido tempo, os resíduos grudam de novo na louça. Sem falar na

possibilidade da montanha de louça desabar e algo sair quebrado. Porque você coloca a louça na

pia não é logo depois de usar, como alguns acham, e sim logo antes de lavar. O que significa que

se você coloca a louça dentro da pia, ou está se obrigando ou obrigando alguém a lavar essa

louça logo em seguida. Normalmente sobra para a mãe ou empregada, que tem de largar o que

está fazendo para não deixar acontecer nenhuma tragédia. Mas convenhamos, não é culpa do

pobre. Se ninguém nos avisa que estamos fazendo algo errado, continuamos fazendo e achando

que está tudo bem.

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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A esponjinha para frutas e legumes

Todos dizem para lavar bem frutas e legumes; nem todos dizem como fazê-lo. Você vai

escolher frutas e legumes e nem sempre repara em quanta gente põe a mão nelas – ou espirra em

cima, o que é bem pior. Logo que reparei nessa promiscuidade toda, voltei correndo à seção de

limpeza e comprei uma esponjinha para essa limpeza. Dá bem mais confiança no que você vai

comer. O único cuidado que tomei foi comprar uma esponjinha de cor diferente das usadas para

lavar a louça para não confundi-las.

Há frutas e legumes que não se consegue esfregar, como uvas e brócolis, por exemplo.

Essas, deixo alguns minutos dentro de uma vasilha com água e algumas gotinhas de vinagre –

não exagere no vinagre e nem no tempo, senão o vinagre cozinha o que estiver lá dentro. Depois

as enxaguo em água corrente e torço para ter conseguido fazer uma limpeza pelo menos decente,

sem ter deixado nenhum bichinho lá dentro. Alguém deveria inventar uma máquina – por meios

mecânicos, de alta frequência ou radioativos, sei lá – para deixar as frutas e legumes mais

limpas, com mais facilidade e sem gastar tanta água.

Churrasqueira de fogão – cozinhar com uma mão na roda

Um dos acessórios mais criativos e práticos que encontrei nos últimos tempos foi a tal

churrasqueira de fogão. É uma estrutura circular com base, grelha e tampa e um furo no meio,

que a deixa com aparência de roda, colocada sobre qualquer uma das bocas do fogão. Sobre a

grelha, colocamos os alimentos. Na base, você coloca água, que impede que a gordura que cai da

grelha vire fumaça. A tampa serve para fazer o ar quente circular uniformemente sobre os

alimentos e também para impedir a saída de qualquer fumaça que reste ao ambiente. Economiza

gás, em relação ao forno e, na minha opinião, é muito melhor até mesmo do que uma

churrasqueira convencional.

Coloco na roda para grelhar as batatas, frangos e kafkas. A base e a tampa são

esmaltadas, o que facilita a limpeza. Só a grelha não é muito fácil de limpar, gostaria muito de

encontrar uma churrasqueira de fogão com a grelha esmaltada também, para facilitar a limpeza.

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O racionalismo do descarte

Quando a gente cozinha, tem de pensar em tudo, desde a compra e o descasque até a

limpeza e o descarte. Algo que sempre me deixa impressionado é a quantidade de embalagens

que sobram depois de qualquer coisa que inventemos fazer em uma cozinha.

Quanto às cascas e talos dos legumes e frutas, nem sempre é possível aproveitá-las,

porque a quantidade é pequena. Reciclagem exige alguma economia de escala. Felizmente, os

condomínios já estão se organizando para providenciar uma primeira triagem no lixo doméstico,

o que nos deixa com um pouco menos de culpa.

O truque que uso é ir fazendo coisas com um saquinho plástico ao lado, que não gosto

daquela história de lixinho de pia. Vou cortando e colocando no saquinho. Daí fica fácil para

jogar tudo fora imediatamente, que tem coisa, como pedaços de gordura de carne ou pedaços de

peixe, que você não pode simplesmente jogar no lixo e largar lá. Por mais inacreditável que

pareça, é possível deixar a cozinha tão arrumada quanto quando estava antes de você começar a

cozinhar. Ou quase.

Pelas sacolas biodegradáveis

Vi algumas discussões sobre o banimento das sacolas plásticas do mercado. São

confeccionadas com polietileno de baixa densidade, que leva até 300 anos para ser dissolvido

pela natureza. Bom, se é assim, o uso desse material deveria ter sido banido já há muito tempo.

Uma ou duas décadas atrás, havia uma brincadeira chamada “descubra se você é pobre”,

com uma lista de coisas que diziam que os pobres faziam, entre as quais usar sacolas plásticas de

mercado como sacos de lixo. Eu achava que isso era coisa antiga, pois hoje em dia temos de

reaproveitar o que pudermos. Mas aparentemente algumas pessoas aproveitam essa ideia elitista

para falarem mal da pobre da classe média, que deveria largar de poluir a natureza, entre outras

coisas malévolas que dizem que a classe média faz, botar as mãos nos bolsos e comprar sacos

específicos para lixo. Acho essa uma despesa plenamente possível; só fico preocupado em saber

se alguém se preocupou em averiguar de que material são feitos os sacos plásticos produzidos

especificamente para o lixo, porque se esses também agredirem a natureza, aí não vai adiantar

nada. Eu fui ver pessoalmente no mercado do que esses sacos são feitos. Adivinhem: polietileno.

Ótimo.

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

26

Continuando minhas pesquisas, descobri que existe um plástico biodegradável que pode

ser usado em sacolas de mercado. O que me deixou atônito foi a informação de que o uso desse

plástico biodegradável significaria um aumento de preço de 5 a 6% com relação às sacolas

plásticas. Gostaria que alguém me confirmasse esse dado. Eu simplesmente não acredito que

toda essa discussão seja causada por causa de 6% de uma sacolinha plástica. É muita vontade de

dar lição de moral nos outros. A grande dica do dia é passarem a comprar sacolas feitas desse

plástico biodegradável. Se quiserem cobrar, que cobrem. Se quiserem dar de graça para derrubar

a concorrência, ótimo.

O que peço para o momento é que as caixas de alguns supermercados parem de olhar feio

cada vez que eu pego uma sacolinha a mais, o que faço porque ando com as tais sacolas uns 5 ou

6 quarteirões e não quero passar pelo desastre de ver alguma sacola se romper e derrubar todas as

minhas compras no chão. Não fui eu que inventei esse polietileno tenebroso, certamente não fui

o responsável pela compra de sacolas feitas desse material pelo supermercado e tampouco fico

criticando quem polui o meio ambiente indo ao supermercado de automóvel – aliás, se houvesse

a tal de taxa de carbono para pessoas, seria até capaz de eu ficar rico, pois de 9 em 10 vezes, vou

a pé. Então vão olhar feio para quem merece.

Tendência ao exagero

Uma das primeiras coisas que aprendi a tentar domar ao cozinhar é a tendência ao

exagero, a ideia de que quanto mais, melhor. O principiante tende a comprar e fazer quantidades

enormes de tudo o que gosta – parece que vai receber um batalhão em casa. Deixar a comida no

forno ou cozinhar “só um pouquinho mais”. Cortar tudo pequeno demais ou até mesmo uniforme

demais (porque se alguém quiser um pedaço menor, por exemplo, não vai encontrar). Tudo o que

é demais não funciona muito na cozinha. Mas o principal problema é exagerar no sal e/ou no

tempero, principalmente pimenta. Aprendi, por exemplo, que colocar “sal e pimenta a gosto” não

quer dizer que a comida vá ficar boa independentemente do tanto de sal e pimenta que você

queira colocar. Significa que você tem de colocar um pouquinho - já que depois de colocar, não

dá para tirar - e experimentar, colocar mais um pouquinho e experimentar de novo, até ficar bom.

O único problema é que, às vezes, quando o prato fica pronto, você já perdeu a vontade de

comer, então nem nisso pode exagerar. Tem de ser tudo certinho. Cozinhar é a arte de dominar o

fogo e o aço, qualidade e quantidades, o tempo e a vontade.

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Colocar sal é mais difícil que jogar 21

Não sou adepto de jogos de cartas; o 21 (ou blackjack), por exemplo, só conheço de

filmes. Pelo que entendi, você recebe uma carta, o seu adversário outra. A partir daí, você vai

pedindo cartas até o momento em que julgue ter uma soma de pontos maior do que a soma dos

pontos do adversário, tendo, no entanto, que evitar estourar o limite de 21 pontos. Então você

recebe um sete, tem sete pontos. Recebe um nove, chega a dezesseis pontos. Aí você calcula a

possibilidade de o adversário parar de pedir cartas com menos de dezesseis pontos versus a

possibilidade de receber uma carta maior que cinco e estourar o limite.

É como colocar sal na comida. Depois que recebeu uma carta, não dá para devolver;

depois que você colocou sal, não dá mais para tirar. Só que colocar sal na comida é mais difícil;

primeiro porque não existe uma carta no baralho com valor maior que 21. No jogo, você tem a

chance de decidir se pede mais cartas ou não. Ao salgar a comida, você pode exagerar na

primeira tentativa e estragar tudo antes de ter a chance de experimentar e perceber que algo

errado está acontecendo. Acho que por esse motivo eu fazia uma coisa aparentemente ilógica ao

errar no sal; em vez de colocar uma quantidade razoável de sal no início e depois colocar só um

pouquinho para finalizar, colocava um pouco no começo, mais um pouquinho, mais um

pouquinho e daí ficava cansado daquilo e acabava por colocar uma quantidade grande no final e

passar do ponto (isso quando não me esqueço totalmente do sal, o que acontece frequentemente).

Além disso, você tem de levar em consideração os outros ingredientes; há ingredientes

que já são naturalmente salgados ou conservados em salmoura, aí você tem de deixar para

experimentar o sal no final da receita e só então decidir se vai colocar mais. É o que estou

fazendo atualmente em tudo que vai creme de leite, no qual qualquer pequeno excesso aparece

demais no resultado final, quando o creme está mais cozido. Outra dificuldade é a percepção de

sal que cada pessoa tem. Você está lá todo pimpão achando que tem vinte e um pontos em sua

receita, mas a outra pessoa acha que você só tem quinze. Ou vinte e cinco. Aí, lá se foram as

suas fichas.

Traços de tempero

Em conversas com amigos, percebi que uma característica comum aos homens é o

exagero no tempero. Uma das coisas que aprendi é que o tempero serve para realçar alguma

característica do sabor do alimento, não devendo se sobrepor a ele. É como em nossas relações

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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pessoais, nas quais podemos dar uns toques na vida de algumas pessoas que as faça despertarem

as suas melhores qualidades; mas, se exagerarmos na dose, é possível que ofusquemos essas

qualidades e deixemos a pessoa uma caricatura de nossa vontade – perdendo diversidade

interpessoal em nossas relações e fazendo tudo sair com a nossa cara. Voltando aos temperos,

então a ideia é não sentir o gosto do tempero. Caso contrário, é capaz de acabar saindo tudo com

o mesmo gosto, independentemente do alimento que você temperou. O ideal é ouvir, por

exemplo: “Nossa, como esse peixe está gostoso”, sem que a pessoa chegue a perceber se você

usou coentro, limão, pimenta e/ou sal, e não: “Ficou muito bom o peixe com esse tempero”.

Claro que se a pessoa for fanática por cozinha, vai ficar tentando adivinhar o que você usou;

nesse caso, quanto mais difícil para ela descobrir, melhor terá sido a sua alquimia e o seu prazer

em ver o ponto de interrogação estampada na cara da sabidinha. Quem disse que cozinhar não

pode ser divertido?

Pimentas e temperos

Voltando ao assunto dos temperos, é divertido também ficar tentando descobrir como

funciona cada um em termos de que tipo de sabor ele vai realçar e a maneira pela qual ele vai

levar para se manifestar. O molho de pimenta já cai ardendo na língua, se espalhando como uma

horda de hunos furiosos, que fecha a sua garganta e faz tossir às vezes. A pimenta em pó é mais

sutil, você está lá mastigando o alimento e de repente ela começa a se misturar com a saliva e ir

tomando conta mansamente de toda a sua boca, entrando em suas narinas. Tem ervas que deixam

tudo com gosto de incenso quando colocadas exageradamente, como o louro ou o alecrim e, às

vezes, o limão deixa tudo ácido demais.

Quando tudo está combinadinho, sinto uma onda de sabor subindo até a nuca. É uma

sensação próxima à de quando você encaixa um golpe de judô e consegue projetar o adversário

ao chão – ou também quando você é que leva o golpe perfeito – tudo está em sintonia. Quando o

golpe dá errado, o corpo se ressente, e os gostos ficam competindo na boca, cada um tentando

brigar só com base na força, e você termina com a sensação de ficar sem saber o que fazer em

seguida.

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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Beber e cozinhar

É o fetiche de todo cozinheiro de fim de semana, ficar a tarde toda cozinhando e bebendo

um vinho ou uma cervejinha com os amigos. É muito relaxante mesmo. Só penso que uma

precaução muito importante que você deve tomar é se certificar que todos os seus convidados

também estejam bebendo junto com você. Isso porque a probabilidade de sair algo errado é

grande; aí é bom todo mundo estar alegrinho nessa hora.

A probabilidade de se exagerar no tempero (comentada anteriormente) e/ou de se

esquecer de algo (comentada anteriormente) é exponencialmente proporcional ao que você

bebeu. Normalmente, a bebida alcoólica prejudica o paladar, atrapalhando na hora de corrigir o

tempero. Esquecer alguma coisa da receita, o que já é normal no cozinheiro principiante, também

passa a ser algo previsível. Além disso, você pode derrubar parte de sua receita no chão ou em

cima de alguém, queimar e/ou cortar um dedo, ou outra catástrofe maluca qualquer.

Então acho bom que, por segurança, antes de abrir uma garrafa, certifique-se de ter por

perto algum anjo da guarda que saiba cozinhar e não esteja bebendo ou o cartão de algum

delivery em mãos.

O drink sem álcool

Para aqueles que querem beber algo diferente e evitar os efeitos do álcool, apresento a

receita de drinque não alcoólico que costuma fazer muito sucesso por aqui, inclusive nas últimas

festas. Claro que não fui eu que criei essa receita, mas não lembro agora onde a vi pela primeira

vez. A receita é fácil: em um copo alto, coloque uns cinco cubinhos de gelo 1/3 de suco de

laranja (natural), 1/3 de guaraná e 1/3 de água tônica. Um jato de groselha por cima. Só isso. E

por que o sucesso desse drink? Porque é gostoso, nutritivo e hidratante, leve e refrescante, e até

mesmo bonito.

É gostoso primeiramente por não ser doce demais, compensando o açúcar do guaraná

com o amargo da água tônica. Esse amargor pode também dar a impressão de que você colocou

algo alcoólico na mistura, o que pode ser útil às vezes. O fato de ter suco natural de laranja torna

o drink mais nutritivo do que se tivesse apenas refrigerantes. E o gás carbônico dos refrigerantes

o deixa mais leve, compensando a maior densidade do suco natural. A impressão que fica é que o

líquido gelado se espalha por toda a garganta e tórax, diferentemente de quando você bebe água,

por exemplo, quando a gente tem a impressão de que a água vai direto para o estômago. Quanto

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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à aparência, o jato de groselha cria camadas de diferentes tons de vermelho ao se misturar com

as cores do suco de laranja, com o guaraná e a água tônica – lembrando um por de sol na praia.

Além disso, o cheiro da groselha é algo refrescante, que quebra um pouco o cítrico da laranja.

É interessante observar como as diferentes características dos ingredientes se misturam

em oposições que formam uma composição favorável – algo em que se a gente prestar atenção,

pode aplicar em vários aspectos do cotidiano. Além do mais, como vocês podem imaginar, é um

drink bem barato – embora dê a impressão de ser caro.

Brincando de Jamie Oliver

Um casal de amigos veio nos visitar e para ajudá-los em sua estrita obediência à Lei Seca,

corri preparar o drink não alcoólico. Minhas mãos começaram a seguir o ritmo da conversa e

comecei a fazer algum malabarismo com as garrafas. Provavelmente baixou o espírito de algum

cozinheiro da televisão na hora. Jamie Oliver, por exemplo, faz tudo com uma excepcional

naturalidade, de fatiar cebolas em segundos a descascar uma cabeça de alho apenas batendo-a

contra a mesa, falando o tempo todo e aparecendo bem na câmera o tempo todo. Claro que os

seus anos de experiência prática em grandes cozinhas de todo o mundo ajudam.

E claro que eu não tenho esses anos de experiência prática em grandes cozinhas de todo o

mundo, e no finzinho, fui pego novamente na armadilha da garrafa sem dosador. Do azeite à

groselha, a falta do dosador na garrafa às vezes me pega de surpresa e inesperadamente deito

uma grande quantidade de algo no que estou fazendo. Imaginei o grande mestre Pai Mei me

olhando com ar de reprovação por minha falta de habilidade, dizendo algo como: “Seu suposto

kung-fu é patético...”. Tive de fazer outro drink, mas com foco e concentração dessa vez, que

ainda não cheguei ao nível do espetáculo e da prestidigitação. Serviu como lembrete do tipo

"sandálias da humildade" de que a cozinha é uma ciência altamente exata.

Posso pegar um?

É a perguntinha que tira do sério muitos cozinheiros e que já rendeu algumas gags em

cenas de filmes e comerciais. Você está lá todo concentrado e no finalzinho da receita, vem

alguém para dar uma beliscadinha em um dos ingredientes antes que o prato esteja pronto. Ou

seja, você fica umas duas horas tentando fazer o prato sair direito e quando faltam apenas uns

cinco minutos para acabar, chega alguém para atrapalhar a sua receita. O resultado não será mais

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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o mesmo, mas temos de ser adaptáveis e resilientes, respirar fundo e completar o prato o melhor

possível apesar dos percalços.

Como tudo na vida, é possível de se remediar essa situação, já dando por certo que

alguém será inevitavelmente atraído pelos aromas e cores e virá pegar alguns pedacinhos.

Quando for fritar linguiça para um cozido, por exemplo, é só ser prevenido e fritar um pouco a

mais do que a receita pede. Ou se sua salada incluir presunto cru, compre um pouco mais do que

o necessário. Certamente não vai sobrar. É uma espécie de gerenciamento de risco do sucesso.

Claro que você também tem a opção de trancar a cozinha até tudo estar pronto, mas controlar

toda a situação tira um pouco a graça da vida; às vezes temos de deixar espaço para brincar um

pouco com os imprevistos e as improvisações.

Quanto tempo vai levar isso aí?

Vima fica às vezes exasperada com o tempo que demoro para fazer algumas receitas na

cozinha. É que normalmente trabalho com precisão e prazos apertados; na hora de cozinhar,

gosto de deixar um pouco a preocupação com a rapidez de lado. Mas ela fica lá morrendo de

fome e beliscando o que tiver à mão. Chegou até a inventar um sistema de classificação do

tempo que eu levo em minhas receitas: (a) rápida, pelo menos na opinião dele; (b) demora, mas

ele acha que não é tanto assim. (c) até ele acha que demora um pouco; (d) é para hoje? (e) sai daí

e deixa que eu mesma faço isso. Ela compreende minha “cozinha artística” mas tendo uma

praticidade sem limites, faz em segundos o que eu levo um pouquinho mais de tempo. Mas eu

chego lá. Ou não.

Montar um prato atraente

É uma capacidade inata, que não sei de onde veio. Hoje lembro que sempre conseguia

compor um prato enorme, cheiroso e suculento com o que havia em qualquer geladeira. Pratos

que atraiam a atenção e a gula de quem estava por perto. Fazer o quê, né? ...

Além da combinação de cores, que já comentei anteriormente, percebo que há também a

questão de combinação de cheiros, como por exemplo, os do feijão e linguiça. Isso me lembra

uma vez que estava na fila do supermercado com o pão recém saído do forno e mortadela cortada

na hora. O cidadão que estava atrás de mim na fila parou, como que hipnotizado (o que chamo

de a cara de alguém que tomou uma tijolada na testa), e saiu da fila - certamente para comprar o

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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seu pão e mortadela. Se estivéssemos na selva, possivelmente haveria uma briga feia ali. Viva a

civilização. Mas ficou o exemplo prático do uso do marketing sensorial como poderosa

ferramenta de vendas por impulso.

O gerenciamento do entusiasmo

Quando a gente começa a cozinhar alguma coisa, temos de ir até o fim. E quando há um

grande número de passos a serem seguidos, temos de controlar a energia e o tempo, para não

desistirmos antes do fim. Se você gasta muita energia no começo, começa a ficar cansado do

meio para a frente e faz tudo errado no final. Temos de planejar para não fazer nada errado, para

não ter picos de stress e vales de desânimo no meio do caminho. Concentrar-se no que é

importante e não perder o foco com outras coisas, deixar de lado por um momento o computador

e ignorar o telefone. Ter alternativas se algo sair errado. Planejar para não deixarmos surgir

emergências desnecessárias, como começar a procurar um acessório ou ingrediente justamente

na hora de usar. Para fazermos tudo com o máximo desempenho até o fim.

Comida para depois do treino.

Logo após o treino, fico sem vontade de comer nada. Talvez seja por toda a suadeira, que

dá sede, a adrenalina e o calor que fica mesmo após o banho. Como um auxílio aos esbaforidos,

deixo aqui uma sugestão para esse intervalo pós-treino. Nessas horas, só mesmo a bendita da

salada para deixar tudo mais ou menos em ordem.

É fácil. Fatio e lavo uma cabeça de alface americana (se lembra do pequeno truque que

descrevi em janeiro deste ano?), um ou dois tomates descascados, sem as sementes, meia cebola

fatiada bem fininha e descongelo um punhadinho de ervilhas em uma tigelinha. Tempero, só o

sal, vinagre de maçã ou suco de limão, e azeite.

A salada tem bastante água, que ajuda a reidratar o corpo. Aparentemente, a morfina

presente na alface, mesmo que em ínfima quantidade, ajuda a baixar a adrenalina. Por outro lado,

ajuda também nossa reflexão comer a salada com os hashis – os pauzinhos japoneses. Talvez

porque exija destreza e concentração. De qualquer forma, não sei o porquê, ultimamente anda

meio esquisito para mim comer salada verde com talheres metálicos. Deve ser alguma questão de

harmonização elétrica, se é que isso existe. O cheiro de natureza da salada também parece casar

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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melhor com os hashis de madeira – ademais, às vezes é meio complicado conseguir pegar uma

ervilha azeitada usando um garfo.

Para desfolhar a alface americana

Descoberta feita durante as saladas das festas de final de ano. Se você for desfolhar uma

alface americana puxando as pontas de cada folha uma a uma, que é a saída mais óbvia, pode

despedaçar uma grande quantidade delas, porque as folhas às vezes ficam firmemente presas

umas às outras. O que resolve é virar a alface de ponta cabeça e fazer um corte cônico ao redor

do talo, retirar esse talo, que prende tudo junto, aí é só puxar, que as folhas já estão soltinhas. A

vantagem é que justamente nesse fundinho é que se juntam terra e outras sujeiras, o que facilita

bastante a lavagem das folhas depois do corte. Esse truque deve ser óbvio para qualquer

cozinheira de verdade, eu sei – aliás, depois descobri que esse método é usado para desfolhar o

repolho. Mas eu não estou aqui para descobrir coisas que ninguém sabe, e sim para contar para

você, pobre gafanhoto iniciante na cozinha, o que essas sabidinhas não contam para a gente;

mais ou menos como o Mister X das panelas. Provavelmente você pagaria uma montanha de

euros para aprender isso em uma escola de gastronomia tradicional, então fique contente por

hoje.

Ervilhas congeladas

Acho que antigamente só havia ervilhas em latas. Nas latas, as ervilhas vêm

aparentemente pré-cozidas e submersas em uma salmoura, para durarem mais. Após abrirmos

uma lata, temos de usar tudo logo, senão essa salmoura vira, mesmo na geladeira, um caldo

melado de aparência esquisita.

Recentemente descobri as ervilhas congeladas, mais caras, mas muito mais práticas e

gostosas. Você pode manter o saquinho no freezer e retirar somente o que vai usar. Depois de

descongeladas (você pode colocar os punhados de ervilhas congeladas em uma tigelinha de água

à temperatura ambiente), ficam com aparência, textura e cheiro de frescas. Claro que se você for

usar toda a lata de ervilhas de uma vez, pode economizar mais da metade do preço, mas vi nas

ervilhas congeladas uma das coisas que por serem mais práticas, podem ter até um preço mais

alto, mas acabam por terem um custo global menor e serem melhores.

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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Linguiça na grelha

A linguiça tem seus pontos positivos. É gostosa, fácil de fazer e você não desperdiça

nada. Frita na churrasqueira de fogão, fica melhor que na churrasqueira. É lavar em água

corrente, cortar cada linguiça da forma que preferir e botar no fogo. Inicialmente, cortava cada

linguiça no meio e fazia um corte longitudinal (de comprido) para cozinhar bem. Depois percebi

que simplesmente cortando cada uma em três pedaços elas ficavam mais suculentas. É a salvação

em horas de fome repentina, seja você solteiro ou não: se você achar que o feijão, macarrão ou

pão não vão dar conta do recado, ela ajuda bem.

Não é muito difícil de você perceber qual é boa e qual é ruim. Eu costumo prestar atenção

na quantidade e tamanho de gomos brancos de gordura, se tiver gordura demais ou algum

conteúdo meio esquisito, está fora. Tem umas linguiças também que só de olhar, você já desiste,

têm cara de vilarejo perdido no meio do nada, sem frescor ou energia alguma. Então, cuidado:

nem sempre algo (ou alguém) que aparentemente pode ajudar muito realmente vai resolver o seu

problema. Talvez até crie outros. Tem de escolher bem. A regra é: na dúvida, não há dúvida.

Hoje em dia, temos linguiças de boa qualidade no mercado. Nem sempre foi assim, mas a

maior parte das coisas hoje é bem melhor do que há vinte (ou trinta...) anos atrás. Geralmente, as

coisas que estão há mais de vinte (ou trinta...) anos por aí.

O macarrão de manhã

Depois de algum tempo perdendo peso, percebi que o pãozinho de manhã não era

suficiente. E resolvi fazer refeições de verdade de manhã. Elegi a macarronada como o prato

preferencial para a manhã, se bem que às vezes vai o que tiver na geladeira, da pizza requentada

e lasanha para fomes razoavelmente normais à feijoada, em um dia de fome inacreditavelmente

inadequada para o horário. Tenho uma teoria de que aquele cafezinho da manhã com no máximo

um pãozinho poderia ser adequado para os anos 70, de uma vida menos agitada e mais

romântica. Hoje o ritmo de tudo é mais frenético e exigente, das novas tecnologias aos esportes;

por exemplo, muitas pessoas comuns exibem músculos que antigamente só eram reservados aos

atletas de alto nível. O que sei é que se não tomo cuidado, perco vários quilos rapidamente.

Uma vez D. Angelina me flagrou nesse café da manhã meio reforçado demais: “Os

trabalhadores lá da roça almoçam de manhã igualzinho ao senhor”. Essa proximidade com as

tradições de nossa cultura me fez sentir cheio de sabedoria popular e me animou a falar aqui um

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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pouco sobre a receita de macarrão que sigo atualmente, o que, aliás, eu acabaria fazendo de uma

maneira ou outra.

Massa, cada um tem a sua receita

Vamos começar pelo molho. Nunca fui com a cara daquele excesso de molho, que

espalha evidências de sua refeição por todo o lado, especialmente em sua camisa branca. Um

molho do qual gosto é o chamado “sugo finto” – o que significa “molho falso”. Li em algum

lugar que leva esse nome porque não contém caldo de carne. Então até aí tudo bem, pois como

cozinheiro iniciante, nunca havia percebido que vai caldo de carne no molho de tomate e, para

falar a verdade, nem senti falta quando fiz sem.

É bem fácil. Em uma frigideira, refogo metade de uma cebola fatiada fina até ficar

transparente. Aí adiciono três tomates descascados e cortados em fatias, sem sementes e um

punhado de ervilhas. Após 5 ou 10 minutos, quando o tomate começa a amolecer, desligo o fogo,

rego com um pouco de azeite e coloco umas duas folhinhas de manjericão. Fica muito bonito,

parecendo fotografia de livro de culinária, e é uma ótima opção para os vegetarianos. Tampo a

frigideira e deixo descansar. Passemos para a massa.

Uso espaguete de grão duro, dizem que massas com ovos provocam o aumento do

colesterol. Uma panela com uma colher bem cheia de sal e água em fogo alto. Quando a água

ferve, coloco nessa panela, aos poucos, meio pacote de meio quilo de espaguete quebrado no

meio. Aí temos que não deixar os fios do espaguete grudarem uns nos outros. Usando o grano

duro, não precisa colocar óleo na água, é só mexer um pouco com uma colher de pau ou algo

assim que os fios não grudam. Nesse item, não vale a pena economizar. Após alguns minutos,

experimento um espaguete e vejo se está bem cozido, o que percebo quando experimento e não

sinto mais gosto de farinha. Obviamente, nunca entendi o porquê de se tentar fazer espaguete na

panela de pressão, mas gosto é gosto e não se discute. Quando o espaguete estiver bem cozido, é

só despejar tudo no escorredor de macarrão e jogar um pouco de água fria por cima.

Após escorrido, devolvo para a panela, coloco o molho por cima e misturo tudo com uma

colher e a espátula, ou o meu par de hashis, que ultimamente estou usando bastante como

acessório de cozinha. O manjericão, embora em pequena quantidade, dá um cheiro e um gosto

muito bons, mas você não pode exagerar. Duas folhinhas está bom. No conjunto, esse espaguete

ao sugo finto é um prato leve que oferece um conjunto de sabores bastante sutil. Tão leve e sutil,

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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aliás, que normalmente corro para jogar uma porção de linguiça frita ou queijo derretido por

cima. Arte é arte e fome é fome.

Peixe frito

Cabe observar que tendo passado pelas febres de dieta da década de 90, sempre tive

distância das frituras. Mas meu peixe frito nem fica com tanto óleo assim, só que tem de fazer

direito. O primeiro passo é temperar os filés de peixe com o tempero pronto de sal com alho,

cominho e suco de limão, deixando marinar por um par de horas na geladeira em um recipiente

tampado. Uma parte que pessoalmente gosto é montar um tipo de linha de produção, com o

recipiente com os peixes marinados à esquerda, seguido pelo recipiente com a farinha, depois a

tábua onde deixo os próximos filés que vão à frigideira e finalmente a frigideira. À direita do

fogão, a vasilha onde deposito os filés já fritos. Fica tudo certinho.

Em primeiro lugar, o óleo tem de estar bem quente. Depois, não pode encher a frigideira,

não tenha pressa de fritar todos os filés de uma só vez. Veja bem, quando você coloca um filé no

óleo quente, a temperatura do óleo abaixa. Quanto mais filés você colocar, mais a temperatura do

óleo vai baixar e mais vai demorar para chegar à temperatura boa de fritura. Assim, vão demorar

mais para fritar. Colocando menos filés, eles vão ficar bem fritos e menos gordurosos em menos

tempo. Sabendo como acontece, você vê que não adianta ter pressa.

Em minha frigideira, cabem uns quatro filés por vez. Então empano apenas os quatro filés

de cada fritada por vez; se você empanar todo o lote, a farinha dos filés que estiverem na fila vai

ficar úmida e eles vão terminar engordurados. Enquanto uma batelada estiver fritando, aproveito

o tempo para empanar os próximos.

Uma questão que tive de resolver foi como empanar o peixe. Novamente, as coisas a

gente tem de saber como acontece para fazer bem feito. Não é esfregar a farinha no peixe, como

já vi minha assistente fazer, nem afogar o peixe em um monte de farinha. A função da farinha é

deixar o filé sequinho, porque se for ao óleo molhado, vai engordurar. O que faço é tirar o

excesso de tempero, colocar sobre a farinha um tempo e deixar a umidade do filé interagir com a

farinha. Vire o filé do outro lado. Então retiro com a mão o excesso de farinha, vai ficar

parecendo que há apenas uma camada fina de farinha seca sobre o filé. Obviamente, o recipiente

deverá ter uma quantidade de farinha suficiente para sobrepujar a umidade dos filés.

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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Quando estiverem fritos dos dois lados (vire com cuidado, para não levar um espirro de

óleo quente) ao gosto do freguês, tiro cada filé da frigideira com uma espátula e um garfo e deixo

o excesso de óleo escorrer de volta por alguns segundos. Coloco na vasilha da direita, com as

toalhas de papel. Seco o lado de cima do filé com outra toalha de papel. Entre uma batelada de

filés e a próxima, espero um pouco para o óleo voltar a ficar bem quente. Com paciência e

cuidado, fica um nível aceitável de gordura, até para os padrões dos anos 90.

O peixe no vapor

Descobri recentemente uma alternativa mais saudável ao peixe frito. É o peixe cozido

pela técnica do papillon, pela qual colocamos os filés de peixe em um pacotinho de papel

manteiga, papel alumínio ou os saquinhos plásticos para cozinhar no vapor. É rápido, não

esfumaça a casa e facilita a limpeza; é só jogar fora o papel ou saquinho do pacote. Além disso, o

peixe cozido fica molhadinho, diferentemente de quando o colocamos no forno ou o fritamos no

fogão.

É lavar aproximadamente 1/2 kg de filés de peixe que tenha carne firme, como a merluza,

e deixá-los marinar de 1/2 a 2 horas em sal e limão, além de outros temperos opcionais, como o

coentro e pimenta do reino, umas folhinhas de tomilho, um pouquinho de azeite de dendê e

azeite de oliva, além de um tomate cortado em fatias. Essa parte fica ao gosto do freguês.

Lembrete: alho que não vai muito bem com o peixe.

Pego uma folha de mais ou menos 45 cm de papel alumínio, coloco sobre uma assadeira

untada com óleo de cozinha; sobre essa folha, coloco uma camada fina de rodelas de cebola e,

sobre essa camada, os filés de peixe temperados. A única coisa mais complicada para os mal

dotados em artes manuais é dobrar o papel alumínio para formar um pacote bem fechado, mas

normalmente é possível fazê-lo em algumas tentativas; só é preciso tomar cuidado porque o

papel alumínio rasga com muita facilidade. Lembre-se que o peixe vai cozinhar no vapor, então

o pacote tem de estar bem fechadinho. Daí é só colocar a assadeira com o pacote no forno por 20

ou 30 minutos e o peixe está pronto. É uma técnica bem mais fácil para fazer peixe – em minha

história sobre o peixe frito, contei mais de dez cuidados a serem tomados para o peixe não ficar

com óleo demais, o que é cuidado demais.

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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Batatas não fritas

Batatas são deliciosas e muito versáteis. Segundo meus amigos marombeiros, também

são ótimas para alimentar os músculos. Batatas fritas, então, nem se fala, são uma tentação muito

grande. Pena que parece ser difícil fazer batata frita decente; normalmente, vêm encharcadas de

óleo ou murchas. Assim, dando continuidade à série de receitas saudáveis feitas em casa, deixo a

dica das batatas ao forno, de aparência e gosto próximos aos das batatas fritas e que também

servem de aperitivos - só que sem aquele óleo frito.

Compro batatas bolinha, tento escolher as menores e mais compridinhas. Isso porque vou

cortá-las em quatro em seu sentido longitudinal (de comprido), o que deixa cada pedaço com a

forma de uma canoinha. Como as cozinho sem tirar as cascas, tenho de lavá-las bem antes de

cortar, uso uma esponjinha separada especialmente para lavar frutas e legumes. Aí passamos

para o cozimento, que dura poucos minutos. É só colocá-las em uma panela pequena, com água

suficiente para cobri-las e – agora o truque – com mais ou menos uma colher de sal para um

quilo de batatinhas cortadas. Cozinhando as batatas com sal, elas pegam gosto e nem precisa

colocar sal depois. Deixo cozinhando até o ponto no qual dá para espetar com o garfo. Não acho

que valha a pena tentar cozinhá-las na panela de pressão.

Então retiro as fatias de batata da água com uma escumadeira (que vem a ser uma

colherona furada, para deixar a água escorrer) e as coloco em uma travessa de alumínio untada

com um pouco de óleo e forrada com uma folha de papel alumínio, para não grudar. Coloco no

forno quente por uns minutos, para secá-las e formar uma casquinha. Nunca contei o tempo, só

vou controlando de vez em quando para ficar com a casquinha de que gosto. Aí é retirá-las do

forno e ver se está bom de sal. Uma vez tentei temperá-las com alho e azeite; ficou bom para

quem gosta de tempero exagerado, mas cobriu um pouco o sabor delicado da batata, que aliás,

pega tempero com muita facilidade. Isso quer dizer que precisamos tomar cuidado com o

tempero que vamos colocar nas batatas, em qualquer prato.

Batatas e sal, apenas. É um prato muito gostoso e, por que não dizer, de preço

extremamente acessível.

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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Batatas ao forno

Claro que já que mencionei as batatas, não posso deixar de falar na receita campeã de

batatas ao forno. Muita gente faz e tem a sua própria receita, pesquise e ache a sua preferida. A

minha, eu faço assim:

Corte umas três ou quatro batatas médias em fatias e coloque-as para cozinhar em água

filtrada, com uma colher de sopa de sal. Enquanto espera que elas fiquem cozidas, pegue uma

bandejinha de presunto fatiado, corte-o em tiras e separe as fatias com as mãos. Corte uma

cebola pequena em fatias finas. Abra uma caixinha de creme de leite e misture um pouco com

uma colher, para que o soro volte a ficar misturado com o creme. Como a batata e o presunto já

estão salgados, se precisar colocar sal no creme de leite, é bem pouco.

Pegue uma assadeira e regue o fundo dela com azeite. Retire as batatas cozidas da água

com uma escumadeira e as distribua no fundo da assadeira. Espalhe as tiras de presunto por cima

da batata, juntamente com as fatias finas de cebola. Regue com o creme de leite e, por cima da

superfície do creme, espalhe queijo parmesão ralado. Uns poucos vinte minutos de forno, ou até

o queijo ficar dourado, e está pronto.

A receita é ótima, o único problema é que por mais que você faça, fica pouco e acaba

logo.

Abobrinhas

Vamos ao inesperado. A abobrinha. Quando se pensa em fazer algo para comer, nunca se

pensa em abobrinha. No mercado, só perde para o chuchu no quesito sem-graceza (aliás, não me

ocorre nada no momento para falar sobre o chuchu). Tanto que abobrinha virou sinônimo de

nulidade. Falar abobrinha, por aqui, é dizer algo que não vale nada. Talvez por isso seu preço

seja tão baixo – apenas alguns centavos o quilo.

Entretanto, dá para fazer um acompanhamento bem gostoso com a abobrinha, acredite se

quiser. Pegue duas abobrinhas pequenas (se quiser saber como escolher bem abobrinhas,

pergunte à gentil senhora mais próxima na banca de abobrinhas no mercado – ah, e antes de

perguntarem, prefiro as do tipo italiano). Lave-as bem, corte as extremidades e rale as abobrinhas

com um ralador grosso.

Em uma frigideira, esprema um dente pequeno de alho e o refogue em óleo. Quando o

alho começar a dourar, coloque a abobrinha ralada, juntamente com um tablete de caldo de

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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galinha, sal a gosto e duas pimentas dedo de moça picadinhas, sem as sementes. Vá mexendo até

desfazer o tablete de carne; não precisa cozinhar muito, mesmo porque elas ficam gostosas é

meio cruas e crocantes. Tampouco é necessário acrescentar água, que elas se cozinham em sua

própria água mesmo. Para um gran finale, desligue o fogo e coloque um pouco de salsinha

picada sobre a abobrinha. Como acompanhamento de um arroz e feijão, fica muito gostoso.

Poucas calorias; preço, quase nenhum.

Abóboras e outros legumes refogados

Assim como a abobrinha e a linguiça, a abóbora japonesa refogada é bom exemplo de

coisas simples que vão bem com o arroz e feijão. A única coisa que atrapalha é aquela casca,

dura e difícil de tirar.

Certa vez, um irmão de Vilma pediu abóbora refogada. Ela concordou, mas com a

condição de que já viesse descascada. De tão dura a casca, ele acabou por recostar a abóbora na

barriga, para ter um bom apoio para a faca. Terminou com uma rodela lambuzada de amarelo-

esverdeado em sua camiseta branca. Mas ganhou a sua abóbora, como prêmio de consolação.

Hoje em dia essa catástrofe não precisa mais acontecer, temos bandejinhas de abóbora

japonesa descascada e cortada em cubinhos no mercado, o que facilita bastante. A receita que

faço segue a fórmula geral dos legumes refogados, que aliás, serve também para o jiló, fruto de

gosto amargo com o qual a gente se acostuma aos poucos, mas quando acostuma, sente falta

quando não tem.

Refogue um dente pequeno de alho em óleo quente, adicione a abóbora cortada em

cubinhos com duas pimentas dedo de moça picadinhas, sem as sementes, um tablete de caldo de

galinha sal a gosto, cozinhe até ficar macio e inclua um punhado de salsinha ao final, depois de

desligar o fogo. As cores vivas e o gosto peculiar combinam bem com o arroz e feijão,

principalmente se houver alguma carne seca envolvida na história.

O jiló

Passei rapidamente pelo jiló na história anterior, o que me lembrou de uma moça que me

viu escolhendo jiló e perguntou como fazia para não ficar amargo. É, embora nem todo mundo

saiba, temos uma comunidade secreta disseminada ao longo de todas as bancas de frutas,

legumes e verduras, na qual trocamos receitas, informações e críticas sobre o estado dos

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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produtos vendidos, em rápidos sussurros que passam despercebidos pelos não iniciados.

Infelizmente fiquei devendo essa, respondi que achava que as pessoas gostam justamente porque

é amargo. E ela desistiu do jiló. Vergonha pela minha falha.

Dá sim para deixar o jiló menos amargo – e aqui dou os créditos para os altos

conhecimentos culinários de Vilma, o que nem sempre me lembro de fazer em minhas receitas.

O primeiro passo é descascar os jilós e, à medida que os for descascando, ir colocando-os em

uma vasilha com água (o suficiente para cobri-los), porque se você não descascá-los, eles ficam

mais amargos, e se você descascá-los sem essa água, eles oxidam e ficam mais amargos. Você

vai ficar com o dedão preto, provavelmente (não encontrei a resposta na Internet) pelo ferro que

o jiló contém.

Após descascados, fica fácil. É cortá-los em quatro. Refogar um dente de alho (para um

meio quilo de jiló) em óleo e, quando o alho estiver dourado, colocar os jilós cortados. Incluir

um tablete de caldo de galinha e uma pitada de bicarbonato de sódio (para manter o jiló

verdinho, sem embranquecer). Incluir umas duas pimentas dedo de moça picadinhas, sem a

semente. Um quarto de copo de água, para cozinhar bem. No final, um punhado generoso de

salsinha picada. Bom para o arroz e feijão, bom para o seu fígado e estômago.

O pastelão espanhol

Sim. Demorei alguns dias para dar a receita do pastelão, só para criar um clima de

mistério. A massa é a mesma da torta de palmito, só muda o recheio.

Descasque umas cinco batatas médias e as corte em tiras de aproximadamente meio

centímetro. Uma lata de atum ralado em conserva. Umas duas colheres de sopa de ervilhas. Uma

cebola cortada em fatias finas (sem chorar, hein?). Pode colocar uma colher de sopa de

alcaparras, se quiser. Sobre a massa do fundo da torta (agora, do pastelão), faça um piso de fatias

de batata com metade das fatias que cortou – cruas mesmo, que vão assar no forno, junto com a

torta. Coloque um pouco de sal nessas fatias de batata. Em uma travessa, misture a cebola

cortada, o atum, as ervilhas e as alcaparras, além do restante das fatias das batatas, cortadas em

tiras. Eu costumo picar umas duas ou três pimentas bodinho em conserva – de meu repertório de

truques secretos, tenho um vidro de pimentas em conserva – e juntar ao recheio. Mas você pode

também usar outro tipo de pimenta, molho de pimenta, ou não usar pimenta, simplesmente. Em

seguida, fazendo jus à cozinha mediterrânea, rego esse recheio com uma boa quantidade de

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azeite. Acerto o sal, coloco sobre as fatias de batata da torta e fecho com a massa da tampa. Aí é

só colocar alguns vinte minutos no forno. Fica muito bom, o único problema é que sempre que

faço esse pastelão, como metade antes de esfriar.

É uma daquelas coisas que sinto falta, provavelmente carências atávicas incrustadas em

meu DNA, felizmente remediáveis com alguns ingredientes simples e um pouco de azeite.

O recheio da torta de palmito e o pó branco

Uma hora teria que contar como faço minha famosa torta de palmito. Mesmo porque está

cada vez mais difícil encontrar uma boa torta de palmito pronta à venda por aí. Então lá vai,

primeiro falo do recheio, em segundo lugar da massa e depois do acabamento. Refogo uma

cebola na frigideira, com um pingo de óleo, talvez meio dente de alho. Quando a cebola está

transparente, coloco um vidro inteiro de palmito picado, com salmoura e tudo. Meu toque

pessoal é colocar uma ou duas pimentas dedo de moça, que uma pimenta sempre vai bem, um

pouco de tomilho ou uma folha de louro também. Se quiser colocar esses ou outros temperos,

fique à vontade e experimente.

Quando o palmito estiver cozido e o recheio com pouca água, tem um truque, de misturar

ao palmito uma colherinha de maisena (também conhecida como amido de milho - maizena com

"z" é marca registrada do produto), um pó branco fino, dissolvida em uns dois dedos de leite

quente (alguns segundos no micro-ondas) em um copo americano. A maisena deixa o recheio

cremoso, mas se a colocarmos diretamente no recheio, pode encaroçar, então é bom dissolver no

leite. Depois é colocar uns 400 ml de creme de leite, ralar um pouco de noz moscada em cima, se

tiver, ir mexendo até perceber que o creme está cozido e borbulhando. Aí está pronto.

Esse truque da maisena deu certo algumas vezes. Em uma das últimas vezes que fui

dissolver o tal pó branco no leite, subiu uma espuma e um vapor quase até meu pulso. Descartei

o leite espumado e fiquei alguns dias sem entender o que havia acontecido. De repente, percebi

que havia trocado a maisena por bicarbonato de sódio. É um pó branco fino também, só que em

vez de engrossar o leite, vaporiza tudo, que nem comprimido efervescente. O efeito foi

justamente o contrário do desejado. Não conseguiria errar mais nem se tivesse usado talco de

bebê.

Bom, agora passei a prestar mais atenção e não confiar tanto assim em minha memória

visual. Nem todo pó branco é igual.

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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A massa da torta de palmito

Uma de minhas pequenas glórias foi acertar a massa da torta de palmito, procurei por

muito tempo uma receita daquela massa que derrete na boca. Tentei diferentes receitas, cujas

massas apresentaram diferentes graus de emborrachamento depois de cozidas. Não consegui

acertar com as receitas que levavam leite, óleo ou a clara do ovo. Como podem imaginar, para

chegar à receita final, comi muita torta com massa dura.

Depois de algumas tentativas, acertei na massa podre. Assim como muita gente, sempre

tive curiosidade de saber o porquê desse nome tão pouco apetitoso. Talvez pelo fato de se

desmanchar facilmente na boca, talvez por um certo cheiro de azedo que notei enquanto

misturava os ingredientes da massa - farinha (umas quatro xícaras), a margarina (uma quatro

colheres), a gema do ovo (uma) e a água gelada (uma xícara).

O modo como misturo talvez não seja o melhor jeito de fazer, mas é o jeito que gosto

mais. Coloco a gema do ovo e a margarina na farinha, daí vou misturando tudo com a mão até

formar uma farofa bem uniforme. Dá para pensar um pouco na vida enquanto você faz isso – se

bem que dizem que não se pode ficar muito tempo nessa mistura, que o calor da mão não é muito

bom para a massa podre. Só depois vou formando uma bola de massa, juntando água gelada aos

poucos – um fiozinho de água de cada vez. O interessante é que no início você não acredita que

aquilo vai virar uma massa, dá a impressão de que os ingredientes úmidos nunca serão

suficientes.

Em minha penúltima receita, errei. Margarina demais, ficou tão mole que tive de montar

a massa na forma, pedacinho por pedacinho. A textura ficou boa, derretendo na boca, mas o

sabor ficou um pouco puxado demais para a margarina (óbvio...). Na última, experimentei usar

metade manteiga e metade margarina, a massa ficou um pouco dura. Bom talvez seja aquele

pouquinho de clara do ovo que caiu na massa quando fui separar a gema usando uma colher.

Preciosismo demais, da próxima vez separo a gema com a mão mesmo. E prometo que da

próxima vez não vou experimentar nada de novo, pelo menos por uma vez.

A torta de palmito (Gran Finale)

Às vezes D. Angelina chega de manhã cedo com a cara fechada e acusa: “a torta que o

senhor me ensinou a fazer não deu certo, a massa ficou uma pedra”. Claro que depois eu vou

perguntando o que aconteceu e normalmente ela se esqueceu da receita e usou umas gemas de

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ovo a mais ou a quantidade de margarina foi toda a que tinha no pote de sua casa–

evidentemente, insuficiente – ou alguma outra coisa errada; às vezes, simplesmente eu não

consigo descobrir o que ela fez de diferente, ela é extremamente imaginativa na hora de

descobrir formas alternativas de fazer uma receita dar errado. Deve ter aprendido isso comigo,

observando o modo como eu interpreto as receitas.

Bom, mas vamos tentar fazer a nossa torta dar certo. Voltando de onde paramos no

último relato sobre a torta de palmito (prometo que este será o último, que está começando a

parecer novela), assim que a massa fica lisa, soltando da mão, coloco-a para descansar por meia

hora na geladeira, apenas tampando a vasilha na qual misturei a massa com um prato ou algo

assim – ainda não sei realmente o que acontece com a massa nesse descansar, por enquanto só

sigo instruções. Nesse tempo, unto a minha forma de torta com margarina e farinha – uso uma

forma com fundo removível, que facilita bastante.

Depois é dividir a massa para a base e laterais (mais massa) e para o topo (menos massa),

abrir a massa com a ajuda de um rolo de macarrão em área suficiente para a base e as laterais e

montar essa base na forma. Para o recheio não amolecer a massa da base, coloco-a em forno em

temperatura média por uns quinze minutos, até ficar semiassada.

Então retiro a forma do forno, coloco o recheio, abro a massa reservada para o topo da

torta e encaixo (ou pelo menos tento encaixar) esse topo na base, sobre o recheio. Daí é só

colocar em forno médio para assar por uns vinte ou trinta minutos, até a parte de cima ficar

dourada e as laterais começarem a soltar. C’est fini.

Deixo esfriar antes de tirar da forma e esfriar mais um pouco antes de cortar, para o

recheio endurecer um pouco, senão ele começa a escorrer assim que você corta o primeiro

pedaço. E é claro que essa demora tem também a função dar mais vontade naqueles que querem

comer um pedaço imediatamente, que depois de todo esse trabalho, um pouco de charme não faz

mal a ninguém.

Frango com laranja

As sobrecoxas são uma parte que gosto no frango, carnudas e suculentas. Pena que essa

suculência seja, na verdade, em grande parte gordura. Deixo aqui registrado um pequeno truque

que Vilma me ensinou para melhorar essa situação.

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Antes do truque: Em primeiro lugar, lavo as sobrecoxas em água corrente. Deixo marinar

por duas ou três horas na geladeira com tempero de sal com alho, um pouco de cominho em pó e

o sumo de um limão. Fazer pequenos furos na carne com um garfo ajuda a temperar melhor.

Em seguida, frito bem as sobrecoxas de frango, colocando-as uma ao lado da outra na

frigideira (na minha frigideira, cabem seis); se uma ficar sobre a outra, você tem de mexer

demais e elas acabam despedaçadas. Coloco as sobrecoxas com a pele do frango para baixo, em

fogo baixo, e deixo fritarem bastante, até a pele ficar bem queimada. Viro do outro lado e deixo

fritar mais um tempo. Costumo virar e desvirar umas duas vezes, para fritar melhor, mas talvez

isso não seja realmente necessário. Quando os dois lados estiverem bem fritos, aí vem o grande

truque.

O truque: Nesse ponto, retiro as sobrecoxas e descarto toda a gordura do frango que ficou

na frigideira. Geralmente dá mais de meio copo de gordura. E todo mundo sabe onde aquela

gordura iria parar, pneus e culotes. Até onde eu saiba, pouca gente descarta a gordura. É um

pequeno passo para o cozinheiro, mas um grande alívio para o fígado da humanidade.

Devolvo as sobrecoxas à frigideira, para refogá-las em um pouco de água quente e o suco

de uma laranja, se gostar, pode colocar também um pouco de pimenta dedo de moça em

quadradinhos. Quando o molho reduzir e ficar grosso, viro as sobrecoxas, coloco um pouco mais

de água para continuar a refoga (não precisa colocar mais suco de laranja) e assim vai. Vai

chegar um momento que elas estarão bem cozidas, aí deixo o molho reduzir bastante e dou uma

última virada, para que fiquem quase que carameladas. Demora um pouco, mas você não precisa

ficar ao lado do fogão o tempo todo (mas também não dá para sentar ao computador e

esquecer...).

Frango com curry

Receita que faz sucesso em casa, feita na churrasqueira de fogão. Não requer muito

tempo de cozinha, mas gosto de deixar o frango marinar com um dia de antecedência. No dia

anterior, lavo um quilo de sobrecoxas, ou coxas com sobrecoxas, de frango e faço cortes

paralelos (metendo a faca) na carne, do lado que tem a pele, para o tempero entrar melhor no

frango.

Em uma tigela, preparo o tempero, misturando o suco de um ou dois limões, um copo de

iogurte desnatado, pimenta dedo de moça cortada em pedacinhos, sem as sementes, umas tiras de

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gengibre e um pouquinho de curry em pó. Coloco os pedaços de frango em um recipiente

plástico com tampa, despejo o tempero e sobre o frango e, com as mãos, misturo tudo muito

bem. Fecho o recipiente e o coloco na geladeira. No dia seguinte, é só arrumar os pedaços de

frango na grelha da churrasqueira de fogão e acender o fogo bem baixo. Tampo a churrasqueira e

deixo lá até tostar bem o frango. Viro os pedaços – com garfo, espumadeira, colher ou hashi, o

que tiver por perto- e largo lá até tostar de novo. Os pedaços de frango ficam com uma cor bem

bonita, com belos contrastes entre a pele tostada e os espaços dos cortes, além de bem

temperados. Na base da churrasqueira, você verá uma quantidade enorme de gordura de frango,

o que fará você pensar duas vezes antes de fazer frango por outros métodos que não permitem

retirar toda essa gordura. Receita gostosa (que, claro, não fui eu que inventei) e saudável, que

demora um pouco para fazer, mas não toma o seu tempo tanto assim.

Quiabo sem baba

Apesar de ser bem gostoso, principalmente com frango, muita gente tem horror ao quiabo

por causa daquela baba que ele solta. Se você não quiser quiabo com baba, alguns cuidados são

necessários. Vamos então à receita e aos truques que Vilma me ensinou.

Após lavar muito bem cada quiabo, você tem de enxugá-los. Costumo lavá-los com a

parte macia de minha esponjinha; se usar a parte grossa, o quiabo já começa a soltar baba logo de

início. O primeiro passo para evitar a baba é enxugar um por um, bem enxugado mesmo, com

papel toalha - pode deixar escorrer bem a água antes de enxugá-los. Depois que todos estão

secos, corte-os em pedaços de aproximadamente meio centímetro. Ponha um pouco de água para

esquentar.

Coloque uma colher de óleo na frigideira em fogo alto - não muito, quantidade suficiente

para fritar, o que depende da quantidade de quiabo e do tamanho da frigideira. Na hora de fritar,

dois cuidados. Só ponha o quiabo para fritar quando o óleo estiver bem quente. Depois,

importante: NÃO PODE mexer o quiabo nesse ponto com colher de pau ou escumadeira DE

FORMA NENHUMA, senão o quiabo termina com baba. No máximo, faça movimentos

circulares com a frigideira para os pedacinhos fritarem por igual.

Quando estiver bem frito, refogue o quiabo com um pouco de água quente, mas não

muita, que se você fizer uma poça na frigideira, o quiabo fica amarelado e ruim. Abaixe o fogo.

Polvilhe com um pouco de bicarbonato de sódio, para o quiabo continuar verdinho. Deixe secar

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um pouco, despeje mais um pouco de água quente e por aí vai, até ficar cozido. Quando estiver

cozido (tente cortar um pedacinho de quiabo com a colher, se conseguir, está bom). Essa é a hora

de colocar o sal a gosto; podemos colocar também uma colher de pimenta dedo de moça

cortadinha por cima, sem as sementes, e um punhado de salsinha.

Troque batatas fritas por quiabo

Venho aqui lançar um desafio. Já que estou mesmo com a mão no quiabo, vou passar

aqui uma receita fácil que encontrei em um blog de uma moça vegan. Segundo ela, de tão fácil,

não considera essa nem mesmo como receita, o que vai ao encontro de minha proposta de

apresentar comidas bem simples. No mercado, escolha os quiabos menores, um meio quilo ou a

quantidade que você tiver coragem de fazer para esse desafio. Em casa, lave-os bem, deixe secar

melhor ainda, como na receita anterior. Não precisa cortar o talo, que ele vai ficar macio e

comível, no final; tempere-os inteiros, com sal, pimenta do reino e azeite. Misture bem, para que

todos peguem o tempero. Aí é só colocá-los em uma travessa ligeiramente untada no forno ou,

como fiz, arrumá-los enfileiradinhos sobre a grelha de minha churrasqueira de fogão, e deixá-los

lá até começarem a ficar com aparência de sequinhos e crocantes, soltando cheiro de que estão

prontos (o que, como muita coisa na cozinha, pode ser um tanto quanto subjetivo).

Caso você seja um dos que tenham horror à baba do quiabo, pode ficar tranquilo, que eles

vão ficar sequinhos. Se achar que falta sal, pode colocar mais um pouquinho. Para mim, o gosto

lembra muito o das batatas fritas, mas com um toque de quiabo (claro, né?) e a forma de comer é

a mesma, como entrada ou acompanhamento. E aí, vai correr ou vai encarar?

Legumes cozidos

Legumes cozidos são uma ótima opção, nenhuma gordura, muitas vitaminas e sais

minerais, pouco sódio. Você pode escolher a combinação de legumes que gosta mais, o que faz

sucesso aqui é mandioquinha, vagens holandesas (pegam sabor mais facilmente que as vagens

macarrão) e brócolis. Então é descascar a mandioquinha e lavar as vagens holandesas e os ramos

de brócolis.

Como sempre, tem o truque de Vilma. Para manter as vagens e os ramos de brócolis com

o seu verde natural, é só regá-los com uma solução de meio copo de água com um pouco de

Mauro Sobhie As intrépidas aventuras de um cozinheiro iniciante

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bicarbonato de sódio antes do cozimento. Os legumes ficam com uma cor até mais viva do que a

natural – lembre-se de que a aparência sempre é importante.

Inicialmente, cozia os legumes em uma panela d’água. Mas logo descobri uma técnica

melhor na internet. A técnica de cozinhar a vapor, que pode utilizar o papel alumínio ou o saco

plástico próprio para o forno, encontrado nos bons supermercados do ramo. A vantagem dessa

técnica é que os nutrientes dos legumes não são perdidos na água. A diferença é imediatamente

perceptível ao paladar.

Inicialmente, utilizei o papel alumínio. Tem de enrolar tudo direitinho para o vapor não

escapar, o que requer habilidade e bastante papel alumínio. Também é necessário retirar os

legumes logo ao final do cozimento, porque o alumínio oxida rapidamente.

O saco plástico tem a vantagem da praticidade, é só colocar tudo dentro do saco e fechar.

Entretanto, não dá para abrir o saco e verificar se tudo está bem cozido (enfiando um garfo em

alguns pedaços), o que é possível quando usamos o papel alumínio. Mas com o tempo, dá para

saber o tempo certo de cozimento, então essa não é uma desvantagem tão grande assim.

Então é colocar tudo no saco e deixar no forno por uns 20 minutos sobre uma assadeira

untada em óleo, para não grudar. Na hora de abrir, cuidado com o vapor quente – lembre-se de

que onde há fogo, há perigo. Aí é só temperar na hora de comer, com um pouco de sal, limão e

azeite, ou outro tempero de sua preferência. O moral da história é que mesmo que você esteja

fazendo algo bom, sempre é possível encontrar uma técnica melhor, o que nos leva a uma busca

incessante, quase sempre vezes recompensadora.

Kafta na grelha

Receitas que estão fazendo sucesso aqui em casa. Kafta são aqueles espetinhos de carne,

assados na churrasqueira. Pessoalmente, prefiro fazê-los sem o palito; ficam com jeito de kibe. A

receita abaixo rende um pouco mais de 30 kaftazinhos, dependendo do tamanho e da grossura

desejada.

Em uma vasilha funda, coloco um quilo de carne moída de primeira, três cebolas médias

bem picadas no processador, umas dez metades de noz bem picadinhas com a faca e os

temperos: duas colherinhas de hortelã moída, uma colherinha de zátar, uma colherinha de

pimenta síria e umas duas colherinhas de sal . Misturo tudo com as mãos mesmo, até formar uma

bola brilhante, aí experimento a carne para ver se o tempero ficou bom.

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Uma mão de carne moída por vez, faço rolos de uns 25 centímetros de comprimento e um

centímetro e meio de largura e corto em uns quatro ou cinco pedaços. Vou colocando na grelha

de minha churrasqueira de fogão, previamente untada com óleo e coloco para assar, enquanto

vou fazendo outros rolos. É deixar assar de um lado, virar os rolinhos para assar do outro lado e

fica pronto em uns vinte minutos cada fornada, ou grelhada, se preferirem.

É uma receita bastante prática para uma hora de fome repentina. Primeiro, porque são

nutritivos: bastante proteína, tudo aquilo que tem em uma noz e pouca gordura. Depois, podem

ser guardados alguns dias na geladeira e, após de alguns segundos no forno de micro-ondas,

comidos com um pouco de limão e pimenta ou com o molho de iogurte com pepino.

O molho de pepino com iogurte para a kafta

Falei do molho, agora tenho de mostrar a receita. Essa receita tem uma parte interessante,

que é retirar a água do pepino ralado, o que requer habilidade e talvez alguma força. Eu costumo

simplesmente colocar o pepino ralado em uma peneira e espremê-lo com a mão mesmo,

retirando o máximo de líquido possível, o que inclusive é um pouco terapêutico. As raspas secas

de um pepino são misturadas (misturar bem) ao suco de meio limão e um copinho de iogurte

desnatado, com pimenta síria, sal e um pouquinho de pimenta do reino moída.

Analisando o conjunto em termos de proximidades e diferenças, temos que o fato das

raspas de pepino estarem secas deixa o molho com uma textura e umidade mais próximas

daquelas do kafta. O frescor do iogurte e do pepino em conjunto com o azedo do limão fazem

contraponto com a temperatura mais alta e o sabor de gordura da carne moída. Por outro lado, o

tempero do molho e o tempero do kafta têm em comum a pimenta síria e o sal. A mim parece

que esse sabor em comum ajuda na integração entre o kafta e o molho, a sensação do sabor vai

de um lado a outro na boca em um conjunto harmonioso que, ao mesmo tempo, ajuda a ressaltar

as diferenças. Percebo que tem um certo quê nessa história de composição de sabores e texturas

que ainda preciso descobrir como funciona.

Barrinhas de figo seco instantâneas

Nem preciso dizer que se é instantâneo é porque já vem quase tudo pronto, claro. O único

ingrediente é um tijolinho de figo seco de 250 ou 300 gramas, à venda nos bons supermercados,

de procedência nacional ou turca. E uma faca bem afiada.

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Figo seco é muito gostoso e saudável, dizem que tem um monte de propriedades

alimentares. Só não vejo como muito prática a forma como é comercializado. Um tijolinho de

uns 12x5 cm aproximadamente, formado por vários figos secos grudados uns nos outros. Como

esse tijolinho é um pouco melado, fica difícil separar um figo seco dos demais. Tente, e vai sair

com as mãos lambuzadas. A primeira vez que vi no mercado, fiquei imaginando como

transformaria aquilo em algo facilmente comível.

A criatividade mais uma vez venceu. A saída foi fazer cortes de um lado a outro em fatias

de um pouco menos de um centímetro, transformei aquele tijolinho em barrinhas pequenas. Não

sei se descobri sozinho algo que todo mundo já sabia, mas fica aqui a dica, de qualquer forma.

Dá para encher uma pequena vasilha e ir comendo facilmente. Talvez facilmente até demais.

A dieta branca

Fiquei sabendo que as pessoas que fazem determinados tratamentos de clareamento nos

dentes não podem comer alimentos com cores fortes por 48 horas, como café, shoyu, balinhas

jujuba e outros mais. Claro que isso aguçou meu lado solucionador de problemas e pus-me a

tentar encontrar pratos formados apenas por alimentos de cor clara. Os laticínios são a saída

óbvia para um lanchinho. Pão de forma, queijo branco, iogurte e requeijão. Mas o que fazer

como refeição?

O que dificulta é que todo prato tenta compor cores de forma agradável, pois todo

cozinheiro sabe que comemos também com os olhos, que o sucesso de seu prato depende

também do visual.

Juntando a técnica de garimpagem de receitas comentada anteriormente ao meu lendário

espírito pioneiro e minha coragem destemida, resolvi fazer um prato todo branco para ver o que

dava. Peixe com creme de palmito e arroz. Peixe cozido no papelote, para ficar bem branquinho,

sem pimentões e outros temperos coloridos. Creme de palmito, usei a receita do recheio da torta

de palmito, sem o leite com maizena. Arroz, foi arroz branco mesmo. Retirei tudo o que dava cor

das receitas.

Resultado: Isoladamente, o peixe ficou muito bom, o creme de palmito também, assim

como o arroz. Mas tenho de reconhecer que depois da refeição ficou uma sensação de vazio e

sem-graceza, nem consigo lembrar os aromas da comida. É, realmente constatei na prática que,

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como dizem os franceses, uma corzinha faz falta... Mas fica a dica para aqueles que fizeram

clareamento nos dentes, de qualquer maneira.

Fazer café

Não sou especialista, mas fico impressionado com o número de pessoas que (dizem que)

gostam do meu cafezinho e que nunca ouviram falar em um jeito certo de fazê-lo. Eu, por

exemplo, não tinha antes uma ideia exata de como se fazia café.

Aconteceu que um dia estava cansado de pensar em minha tese. Fui ao mercado para

esfriar a cabeça e acabei por ficar uma boa meia hora lendo todos os rótulos de café que

encontrei pela frente no mercado. Uma biblioteca de rótulos; aprendi sobre tipos de café, regiões

e altitude das plantações, modo de fazer.

Já ouvi dizerem: “Pode usar água da torneira, que vai ferver mesmo” – dois erros em uma

mesma sentença. As impurezas da água da torneira alteram o gosto do café, e a água quente

demais parece que queima o pó, fica um gosto estranho no final. O recomendado é usar água

filtrada e tomar cuidado para não deixar a água ferver; quando começa a borbulhar já está bom.

Estou também aprendendo a não desafiar a quantidade de pó. Uma colher de sopa de café não

muito cheia para cada xícara cheia de água, quando saio disso, não gosto do resultado.

Experimentei também usar um coador de pano, mas não notei muita diferença de sabor com

relação ao de papel, que é bem mais prático; o outro ficou aqui de reserva, para o caso de eu me

esquecer de comprar coadores de papel, o que às vezes acontece.

Bom também é escolher o tipo de café que você gosta mais, testei umas quatro ou cinco

marcas. Escolhi até um que não é o mais sofisticado, mas tenho de confessar que não sou uma

pessoa sofisticada. Gosto de café expresso quando estou fora de casa, aqui, o simples é o que

mais me atrai, mesmo porque tomo café o dia inteiro; se for forte demais, acabo o dia com um

zumbido nos ouvidos. Considerando tudo, foi um bom investimento de tempo e dinheiro.

Sushi de maçã

Tem coisas que são muito simples, nem chegam a ser receita, mas que podem dar muito

resultado.

Um dia estava assistindo televisão e, não sei bem porque, peguei uma maçã, nem estava

com muita vontade. Como havia acabado de afiar uma faca, sentei no sofá, distraído, e comecei a

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cortar a maçã em fatias finas, como se fosse sushi. Vilma sentou ao meu lado e pediu uma fatia.

Depois mais uma, e assim foi, conversando, acabamos por comer outra maçã. Depois ela

comentou que dificilmente comia maçã, porque achava difícil de morder. Agora, chegamos a

comer três ou quatro, às vezes.

Ora, veja só, pensei eu, como sou pedagógico até mesmo sem querer. Uma mãe ou um

pai podem muito bem incentivar um filho a comer frutas e ainda passar um tempo junto com ele

ou com ela graças à técnica milenar do sushi, apenas com um sofá, uma maçã e uma faca. Fiquei

achando que eu devia ganhar algum prêmio por isso – até saber que minha irmã e provavelmente

muitas outras mães no mundo já fazem isso regularmente. É, quando você é iniciante

provavelmente vai descobrir um monte de coisas que todo mundo já sabe faz tempo.

O dia do sanduíche

Desculpem-me os nutricionistas, mas acabei de instituir o “dia do sanduíche”. Um dia

sem data marcada, um dia no qual você não está com vontade de comer um prato convencional,

quer se alimentar o dia inteiro somente à base de sanduíches.

Muitas pessoas têm um prato que lembra a avó ou mãe, ou um restaurante predileto. Mas

por muito tempo, a tábua de salvação dos mortos de fome nas horas de fome repentina que não

tinha mãe, avó ou carteira recheada à disposição foram os sanduíches. Há não muito tempo atrás,

as opções de quem estava fora de casa eram o prato feito, os salgadinhos de sei lá o quê, feitos

não se sabe quando, e os sanduíches de bar. Quando eu era estudante, não havia ainda os

restaurantes por quilo e a grande variedade de comidinhas rápidas que hoje temos à disposição;

até mesmo os fast food eram raros.

Há sanduíches com combinações imbatíveis, a maior parte delas com algum ingrediente

que faz explodir níveis de colesterol de qualquer mortal. Mesmo porque qualquer mortal gostaria

muito de ficar comendo sanduíches deliciosos o dia todo, um após o outro.

Bom, aí você vai perguntar: “Será que essa vontade de sanduíche não faz parte daquelas

fomes esquisitas, descritas anteriormente?” Boa pergunta, gafanhoto. E eu digo que não.

Esquisito é o que os outros fazem, o que nós às vezes cometemos são pequenos caprichos que

refletem nossa natureza inovadora e criativa.

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Cozinhar por lazer, cozinhar como negócio

Um dia estava às voltas com meu sanduíche de peito de peru e fiz uma rápida

comparação com o sanduíche de uma conhecida empresa de fast food, que lucra milhões com os

seus negócios.Cheguei à conclusão que acho que o meu sanduíche é melhor do que o carro-chefe

deles. Bom, isso provavelmente acontece porque eu levo o maior tempo para fazer um

sanduíche, com o maior carinho. Possivelmente não seria tão bom assim se eu tivesse de fazer

algumas dezenas por dia. Aí cairia na questão do “cozinhar por obrigação”, que já discuti

anteriormente. A qualidade certamente não seria a mesma.

Também temos de considerar que o fato de eu achar o meu sanduíche melhor não quer

dizer que outra pessoa vai também achar a mesma coisa, nem mesmo que chegue a gostar do

meu sanduíche. Ainda mais, posso até achar o meu sanduíche o melhor, mas tenho de reconhecer

que não sou lá muito bom em fazer batatas fritas, que eles fazem muito bem. Comprar coisas

todo dia também é meio cansativo e comprar ingredientes de qualidade demanda experiência e

toda uma rede de contatos. Atrair clientes e atendê-los bem chega a ser uma arte. E não vamos

esquecer que tem de organizar e limpar tudo no final do dia.

O moral da história é que gostar de fazer algo ou conseguir fazê-lo relativamente bem, ou

até mesmo muito bem, é uma coisa. Conseguir ganhar dinheiro com isso por muito tempo é uma

coisa completamente diferente, é algo que temos de respeitar.

Comer e seguir em frente

Por que estou aprendendo a cozinhar? Às vezes penso se seria mais lucrativo ir a um

restaurante em vez de perder tempo cozinhando, mas o que acontece é que a gente também perde

tempo indo aos lugares, arranjando mesa e esperando o pedido, além de perder o foco. Além

disso, gasto muita energia no trabalho e atividades físicas e preciso de algo sempre à mão para

comer várias vezes ao dia. Relaciono minha experiência na cozinha com as incursões do antigo

caçador-coletor. Alimentar-se enquanto está trabalhando em alguma coisa, tomando decisões e

prestando atenção nos prazos. Ou até mesmo aproveitando os horários livres para descansar a

cabeça e alongar os músculos, porque o gerenciamento do tempo também inclui o gerenciamento

do descanso e das oportunidades de deixar a mente voar um pouco. Assim, o que faço, tem de ser

fácil de fazer. Algo que descobri ser conveniente, por exemplo, é ter um conjunto de alguns

poucos ingredientes que possam ser usados em várias receitas. Por outro lado, isso implica que

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você vai ter de prestar atenção no estoque para sempre comprar, sempre ter em casa e nunca

deixar passar do prazo de validade. E sempre deixar os utensílios de cozinha e os temperos

sempre à mão, em local certo e sabido. Comidas que seguram o tranco e que não tomem muito

tempo, com etapas simples e não muitos ingredientes a serem comprados e preparados (aliás, foi

por isso que incluí aqui a história simples demais do croissant caboclo). O objetivo de minha

cozinha é resolver a fome que incomoda e continuar na jornada à sobrevivência, não mostrar

habilidade e conhecimento. A não ser em ocasiões especiais, é claro.

Consumo e consumismo

Sempre digo que consumismo é o péssimo hábito de algumas pessoas de comprar coisas

que são totalmente supérfluas para nós. Muitas vezes, somos tachados de consumistas e fúteis

por alguma compra particular ou hábito de compra – como, por exemplo, arriscar desperdiçar

dinheiro em ingredientes para experimentar um prato. Por essa ideologia, a sobrevivência de

cada uma das pessoas da humanidade seria muito mais importante do que nossa satisfação

pessoal, ou seja, deveríamos viver com o mínimo necessário para a subsistência até que nenhuma

das pessoas do planeta passasse mais fome. Assim, ao comprar uma roupa nova ou comer uma

azeitona recheada, provavelmente você está matando alguém. Essa é uma noção intuitivamente

aceitável, mas com a qual não concordo.

O capital não é um recurso natural finito, como a água, o ar ou o petróleo. Assim, a

distribuição de capital não é um jogo de soma zero, no qual se um ganha, o outro tem de perder.

A riqueza total da sociedade aumenta ao longo do tempo e, longe de ser apenas um valor

numérico, mostra o total de recursos que tem essa sociedade para alterar a vida das pessoas –

sem o qual não seria possível construir grandes obras, melhorar as condições de vida e vencer

doenças, alimentar multidões em caso de catástrofe, instruir mais pessoas e descobrir novas

formas de expressão, por exemplo. Capital gera capital.

Nesse quadro, segundo os economistas, o consumo aumenta a demanda agregada da

economia, que aumenta o nível de emprego sem exigir o aumento do gasto público, evitando

consequências como o aumento dos juros e/ou impostos, que diminuiria o excedente de

consumidores e produtores e o nível de bem-estar de toda a sociedade. Então, consumindo, você

ajuda a sociedade. Sem prejudicar ninguém.

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Entradas – couvert

Houve um dia no qual me deu um estalo e descobri de repente o papel do couvert. Até

então, achava que era aquilo que os garçons empurravam para a gente por um preço bem caro.

Se você comer o prato principal, geralmente mais elaborado, com fome, não vai sentir o

gosto. Será gostoso, mas porque eliminou a queimação no estômago, não pelo paladar. Qualquer

macarrão instantâneo ou croissant instantâneo que você comer provocaria o mesmo efeito – por

isso que todo mundo lembra com saudade daquele macarrão com molho de tomate que comeu

uma vez na praia – ardendo de fome, claro. Apenas quando a necessidade de comer está

razoavelmente satisfeita é que temos calma para perceber aspectos mais sutis na comida.

Primeiro a necessidade de sobrevivência, depois a do conhecimento e prazer. Mas normalmente,

não queremos desperdiçar a fome com algo menos nobre do que o prato principal.

Comecei a pensar na relação entre esses pensamentos e meus estudos. Em um trabalho

recente discuti os aspectos linguísticos da interação com o leitor em materiais de marketing

business-to-business. Aplicada à cozinha, despertaria a seguinte pergunta: Quais seriam as etapas

do relacionamento com o consumidor em uma refeição, do couvert (e talvez o paninho japonês

quente), bebidas, entrada, prato principal, sobremesa até o cafezinho? Ou ainda: Qual a gama de

experiências que você poderá ter em sua refeição?

Fomes específicas

Descobri uma coisa interessante: às vezes a gente está com vontade de comer algo e não

sabe o quê. Ontem, por exemplo, fiquei com vontade de comprar uma pizza congelada e comê-la

inteira. Mas na verdade, você está precisando mesmo é de uma refeição bem forte, como um

virado à paulista ou um arroz de carreteiro. Não sei bem por que isso acontece, talvez porque a

falta completa de nutrientes deixe o corpo meio maluco, pedindo por comidas também não

convencionais. Em vez de comprar a pizza, fiz um virado completo, que é algo que combina bem

quando você vai ao mercado com fome, porque dá para colocar tudo o que você vê pela frente.

Funcionou.

Ultimamente, percebi em mim fomes diferentes após atividades físicas e intelectuais.

Depois do treino, quando baixa a adrenalina, dá uma fome súbita, que faz o estômago arder e a

comida parecer mais gostosa. Mas quando fico o dia inteiro no computador, trabalhando ou

estudando, não sinto essa fome. O que acontece é um cansaço que vem aos poucos, deixando a

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gente triste e sem vontade de fazer nada, inclusive de comer. Agora que já sei disso, como

mesmo sem fome e vejo minha disposição voltar aos poucos. Então moçada, na dúvida, antes de

tomar algum antidepressivo, ataquem um prato bem caprichado e atraente e vejam o que

acontece depois. Oras, quem sabe descobri a causa de tanta gente deprimida nos dias de hoje e o

seu remédio. Claro que aí temos de fazer algum exercício para queimar as calorias a mais depois;

mas exercício também libera endorfinas e deixa a gente mais alegre. Dois coelhos com uma

cajadada. Voilá.

Conveniência e experiência do usuário

Vi algumas conclusões uma pesquisa sobre o consumo de alimentos industrializados no

Brasil. Uma delas foi que o principal fator para a escolha dos alimentos no supermercado é a

conveniência e praticidade, de consumidores que confiam na qualidade de produtos

industrializados e têm propensão em consumir semiprontos e congelados.

Imagino que muita gente não saiba fazer nada na cozinha. Mas também tem que o

número de processos a serem seguidos desanima. Para cada ingrediente a ser usado, pode ser

necessário passar por várias operações: comprar – incluindo escolher – lavar e descascar, cortar,

temperar, cozinhar/fritar e outras mais. Os alimentos congelados têm a vantagem de, por já

estarem prontos, viram ingrediente único. Não precisa escolher, é só tirar da caixa e botar no

micro-ondas. Já vi muita gente também se limitar ao macarrão instantâneo ou ao sanduíche de

mortadela, bife frito ou salsicha. Um ou dois itens apenas. Mas temos de concordar que não são

opções lá muito atraentes.

Em minhas aventuras, fujo de receitas que tenham uma lista de ingredientes longa

demais. Ter ingredientes demais significa que no final você vai ficar com um panelão cheio de

comida ou que você vai usar só um pouquinho de cada ingrediente, o que, considerando o risco

do prato final ou dos ingredientes passarem do prazo de validade, resulta em um alto custo da

receita, apenas viável para famílias grandes ou restaurantes. De qualquer forma, certamente

significa que o seu trabalho vai aumentar bastante. Mas também não fujo assim tão facilmente da

luta. Tenho vários motivos para isso. O primeiro foi a necessidade de comer, o que todo mundo

tem. Depois, a busca do conhecimento e do risco.

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Você é tão bom cozinheiro quanto a sua última receita

Cozinhar envolve certo risco, como sempre comento em minhas receitas, muita coisa

pode dar errado e você pode enfrentar uma situação na qual os convidados saem para comer uma

pizza e você fica com os frutos da catástrofe na mão.

Ouvi dizer que um filósofo atribuiu a emoção do futebol à dificuldade de se fazer tudo

certo, uma jogada brilhante pode acabar com um passe errado e até mesmo um pênalti não é

certeza de gol. A vida da gente também é assim, às vezes o jogo é ganho em um lance totalmente

ocasional e perdido em um descuido, em uma fração de segundo. Muitas receitas que à primeira

vista pareçam bobas podem salvar o seu dia. O que talvez torne a vida tão emocionante para

alguns e tediosa para outros, que não veem chance de derrota ou de vitória. Se você não vê

nenhuma chance de fazer algo que preste na cozinha, se não há pessoas que te ajudem ou se não

há críticas ao que você faz, tudo pode ficar bem chato.

A tecnologia moderna, a meu ver, contribui para trazer essa tendência aos meios de

comunicação. Em um livro, pode haver partes boas e outras chatas, mas o leitor pode se prender

às boas e perdoar os trechos não tão bons assim. Em um blog, uma postagem precisa sempre ser

um convite para que o internauta visite as outras; caso essa primeira impressão não agrade,

provavelmente você não vai ter outra chance. O mesmo acontece em uma comparação entre os

álbuns de música, nos quais duas ou três músicas boas já deixavam o ouvinte satisfeito, e as

músicas vendidas e julgadas individualmente. Então, em receitas e blogs, a meta nos dias atuais é

sempre fazer o melhor possível em cada ocasião, porque qualquer resultado abaixo do ótimo

certamente trará perdas para todo o sempre.

Muitas vezes fico chateado quando uma receita não sai como o previsto ou quando não

consigo uma boa atuação nos treinos. Mas a vida não é feita só de vitórias, mas sim de altos e

baixos. Penso que é exatamente isso que nos incentiva a aprender cada vez mais, pois sempre se

pode tirar algo de bom de tudo o que nos acontece, mas nunca do que não aconteceu, e ir em

frente com essa bagagem adicional. O que nos mata não é a fome, seja de comida ou

conhecimento, e sim a inanição, é quando não tem mais jeito e nem forças para se sair do lugar.

Então é pegar facas e panelas e ir à luta.