maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de venezuela e arábia saudita. no entanto, como...

21
Maldição dos recursos naturais e os riscos de desindustrialização no Brasil Rodrigo Loureiro Medeiros (UFES) Resumo O presente artigo busca analisar, a partir de uma perspectiva interdisciplinar apresentada nas suas seções, as articulações entre o desenvolvimento e os riscos para os arranjos e sistemas industriais brasileiros, considerando no presente um velho fantasma da teoria do desenvolvimento econômico: "a maldição dos recursos naturais". A perspectiva interdisciplinar adotada neste artigo baseia-se na macroeconomia do desenvolvimento de matriz keynesiana, com abertura para o tratamento da multidimensionalidade desse complexo processo socioeconômico. Palavras-chaves: Teoria do desenvolvimento; sistemas industriais brasileiros; processo socioeconômico. 12 e 13 de agosto de 2011 ISSN 1984-9354

Upload: others

Post on 12-Sep-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

Maldição dos recursos naturais e os riscos de

desindustrialização no Brasil

Rodrigo Loureiro Medeiros

(UFES)

Resumo O presente artigo busca analisar, a partir de uma perspectiva

interdisciplinar apresentada nas suas seções, as articulações entre o

desenvolvimento e os riscos para os arranjos e sistemas industriais

brasileiros, considerando no presente um velho fantasma da teoria do

desenvolvimento econômico: "a maldição dos recursos naturais". A

perspectiva interdisciplinar adotada neste artigo baseia-se na

macroeconomia do desenvolvimento de matriz keynesiana, com

abertura para o tratamento da multidimensionalidade desse complexo

processo socioeconômico.

Palavras-chaves: Teoria do desenvolvimento; sistemas industriais

brasileiros; processo socioeconômico.

12 e 13 de agosto de 2011

ISSN 1984-9354

Page 2: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

2

1. Introdução

Na teoria do desenvolvimento econômico nada parece ser mais dramático do que a maldição

dos recursos naturais. O debate sobre a mesma não é novo. Pode-se com certeza afirmar que o

mesmo foi mais feroz alhures, como parecem ser os casos da Venezuela e dos demais países

dependentes da exportação de petróleo. Entretanto, mais recentemente no Brasil, a perspectiva

de exploração e produção da camada pré-sal, mais de 50 bilhões de barris de petróleo,

demanda alguma atenção e debate racional.

Como aproximadamente 44% das exportações brasileiras são oriundas de commodities,

alguma reflexão sobre essa questão se faz necessária no presente. A maldição dos recursos

naturais pode ser interpretada no Brasil como um caso de “doença holandesa” (Bresser-

Pereira, 2005). Esta, por sua vez, traduz-se em um viés desindustrializante para países que

apresentam abundância de recursos naturais. O caso brasileiro é, por certo, distinto dos casos

de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities

primárias, seus riscos não devem ser subestimados.

A doença holandesa é resultante da apreciação artificial da moeda nacional em relação à

moeda de circulação internacional (apreciação cambial) como decorrência do baixo custo dos

produtos exportados. No geral, atividades econômicas que exploram abundantes recursos

naturais (renováveis ou não). A perspectiva interdisciplinar adotada neste artigo baseia-se na

macroeconomia do desenvolvimento de matriz keynesiana, com abertura para o tratamento da

multidimensionalidade desse complexo processo socioeconômico (cf. Furtado, 2008 [1957];

Thirlwall, 2002; Sen, 2010).

O presente artigo busca analisar, a partir de uma perspectiva interdisciplinar apresentada nas

suas seções, as articulações entre o desenvolvimento e os riscos para os arranjos e sistemas

industriais brasileiros, considerando no presente um velho fantasma da teoria do

desenvolvimento econômico: “a maldição dos recursos naturais”.

2. Dimensões do processo de desenvolvimento

O processo de desenvolvimento é complexo. Dificilmente ele pode ser descrito de forma

unidimensional. Segundo Bunge (1980), o conceito de desenvolvimento deve ser integral, ou

Page 3: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

3

seja, biológico (saúde, nutrição e moradia), político, econômico e cultural. O enfoque na

multidimensionalidade do processo de desenvolvimento não é exclusividade da obra do

acadêmico Mario Bunge.

A idéia básica da multidimensionalidade consiste na tese de que a evolução de uma das

dimensões pressiona as demais no sentido de mudança (evolução). Para além do tradicional

reducionismo econômico, afirma Amartya Sen (2010: 16-7) que o “desenvolvimento requer

que se removam as principais fontes de privação da liberdade: pobreza e tirania, carência de

oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e

intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos”. Costuma-se, recorrentemente,

reduzir o desenvolvimento ao mero crescimento do produto interno bruto (PIB). Não que o

seu crescimento seja irrelevante; ele é importante, porém não encerra a discussão sobre

desenvolvimento. Efeitos do desenvolvimento de conhecimentos, por exemplo, já são muito

estudados (Gomory e Baumol, 2000). Para que se tenha uma noção dessa relevância, logo

abaixo se apresenta a distribuição dos gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no

mundo. Notam-se, de imediato, as assimetrias entre as regiões.

América do Norte, União Européia e Japão dominam a alta tecnologia, sendo que respondem

por aproximadamente 90% do potencial tecnocientífico (Paulet, 2009). Os principais

laboratórios de P&D estão concentrados nos países industrializados. Essas são as vantagens

comparativas que são construídas pelo desenvolvimento de conhecimentos.

Page 4: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

4

No Brasil, o livro azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação apontou

para a necessidade do país passar por um “choque de inovação” acompanhado de uma

“revolução na educação” (Brasil, 2010). Compreende-se, nesse mesmo documento, que o

desenvolvimento do Brasil só se sustentará ao longo do tempo com a elevação dos esforços

sistêmicos de ciência, tecnologia e inovação (C, T & I) por parte dos diversos atores que

compõem a sociedade brasileira. Estima-se, para tanto, que se faz necessário elevar no Brasil

o gasto com inovação de pouco mais de 1% para 2,5% em relação ao PIB. Enfatizou-se ainda

a necessidade de um maior protagonismo do setor privado. No presente, há claras evidências

da desindustrialização de atividades econômicas e cadeias produtivas e sinais de como elas se

correlacionam com aspectos sociais relevantes (Bresser-Pereira, 2010).

Vejamos o que se passa, por exemplo, com a formação de profissionais de engenharia. Essa é

efetivamente uma questão preocupante, pois “esses profissionais estão geralmente associados

aos processos de melhoria contínua dos produtos e da produção, à gestão do processo

produtivo e também às atividades de inovação e pesquisa e desenvolvimento (P&D) das

empresas” (Iedi, 2010). Segue logo abaixo a baixa proporção brasileira desses profissionais.

Compreendendo a correlação positiva entre educação e desenvolvimento, o já citado livro

azul menciona a necessidade de uma “revolução na educação” (Brasil, 2010). Para se ter uma

Page 5: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

5

rápida idéia da dimensão do problema, basta mencionar que o Brasil não possui uma posição

boa no ranking de ciências do programa internacional de avaliação de estudantes, o Pisa 2009.

O Brasil ficou com a 53ª posição de um ranking de 65 países. Há, portanto, a clara

necessidade de se procurar melhorar a qualidade da educação brasileira. A própria qualidade

de sua democracia teria muito a ganhar com essa melhora. Essa não seria a única dimensão do

desenvolvimento brasileiro beneficiada com o investimento no povo. Segundo afirma

Theodore Schultz (1987: 47), “há considerável número de estudos que mostram que o

fornecimento de aptidão empreendedora é definitivamente aumentado por um ensino escolar

adicional”. Inclusive para que os atores sociais se adaptem melhor a mudanças econômicas. O

Brasil convive com problemas quantitativos e qualitativos na educação.

Page 6: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

6

Chama ainda atenção um estudo coordenado por Marcelo Neri (2009), que detectou o

desinteresse como o principal motivo da evasão escolar entre jovens de 15 e 17 anos no

Brasil, aproximadamente 40%. Segundo Neri, “é preciso que se informe a população sobre a

importância da educação” (p.4). De pouco adiantará expandir e melhorar a qualidade do

ensino se não houver uma maior consciência da parte dos usuários do sistema. Afinal, esses

são os atores sociais que, além de interessados, garantirão o êxito das políticas de educação.

Do ponto de vista do custo de oportunidade, essa situação no Brasil representa um grande

paradoxo, pois para cada ano de estudo estima-se um retorno de 15% na renda. Não se pode

deixar de destacar haver uma correlação positiva entre renda per capita e industrialização

Page 7: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

7

(Thirlwall, 2002). Vejamos algumas informações públicas: em 1988, a renda per capita média

dos oito principais países desenvolvidos - Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino

Unido, Itália, Canadá e Austrália - era de aproximadamente US$18.000, enquanto a renda

média dos oito principais países “emergentes” - China, Índia, Brasil, Rússia, Indonésia,

México, Argentina e África do Sul - era de US$1.300. A diferença da renda média era, em

1988, de US$16.700. No ano de 2008, por sua vez, a renda per capita média desses oito países

desenvolvidos atingiu a casa dos US$43.000, enquanto a renda média daqueles oito países

subdesenvolvidos chegou a US$6.000. A diferença de renda per capita entre os dois grupos de

países aumentou de US$16.700 para US$37.000 entre 1998 e 2008.

Nesse contexto de grandes assimetrias globais, muitos ainda se perguntam se algo mais pode

ser feito. Na prática, destaca-se a lúcida e concisa visão de Gilberto Dupas (2004: 34-5):

(...) é fantasioso imaginar ser possível um sensível e rápido acréscimo do

conteúdo da produção local de um grande país da periferia sem uma intensa

e pragmática negociação com essas corporações internacionais, estimulando-

as a incorporar-se às políticas locais de geração de valor. Afinal, são elas que

determinam, em boa medida, que partes, componentes ou produtos finais de

suas cadeias serão produzidos em determinado país.

Algum nível de negociação precisa ser mediado pelo Estado-nação. Vejamos o que diz um

importante acadêmico sobre a intervenção do Estado no jogo econômico. “A linha divisória

entre atividade estatal e atividade privada”, sugere Jan Tinbergen (1975: 33), “é, portanto,

originalmente, mais ou menos empírica, sendo, por isso, razoável a questão quanto a se

poderá haver uma demarcação mais sistemática entre as duas”. Em quase todos os países o

Estado costuma exercer influência, ainda que indireta, sobre as atividades privadas.

Mesmo um adepto do pensamento neoclássico-institucional, como é o caso de Thráinn

Eggertsson (1990), compreende serem os resultados econômicos dependentes do modo como

são organizadas as sociedades e as atividades de Estado. As regras do jogo (instituições),

formais e/ou informais, exercem influência no seu resultado; o peso e as possibilidades dos

atores (organizações) não são os mesmos nesse processo. Nesse contexto, pode uma eficiente

e esclarecida intervenção estatal no jogo econômico ainda se justificar?

Justin Lin (2009), economista-chefe do Banco Mundial, aponta para as linhas de menor

resistência, ou seja, a exploração dinâmica das vantagens comparativas. Essa linha estratégica

de desenvolvimento visa estimular as contínuas inovações tecnológicas e atualizações das

Page 8: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

8

suas estruturas industriais, assim como as correspondentes mudanças institucionais

demandadas pelo processo em curso, para que se logre êxito no desenvolvimento sustentado.

Lin ressalta a importância de um governo inteligente, indutor e facilitador como fundamental.

Essa argumentação é convergente com a proposta de Jan Tinbergen (1964: 21): “cada país

deve produzir aqueles produtos para os quais tem maior vantagem comparativa”.

Compreende-se que as estratégias desafiadoras das vantagens comparativas de um dado

momento costumam ser ineficientes, contraproducentes e mais onerosas inclusive do ponto de

vista político. Vantagens comparativas dinâmicas devem ser construídas a partir de

investimentos em capital físico e humano e na adoção de novas e melhores tecnologias de

produção. Outros acadêmicos pensam de forma distinta, mas não tão divergente.

Paul Krugman, por exemplo, afirma que “existem ocasiões em que o apoio decisivo a uma

indústria doméstica contra seus competidores estrangeiros pode ser de interesse nacional”

(1997: 289). Existem casos inclusive em que uma política temporária de apoio a uma indústria

em competição internacional pode criar círculos virtuosos na base doméstica nacional,

ampliando as vantagens competitivas de uma nação. Bom senso, naturalmente, é fundamental

para se desafiar as vantagens comparativas de um dado momento.

Para Michael Porter (2009: 171), “a competitividade de um país depende da capacidade de

suas indústrias de inovar e de melhorar”. Segundo esse autor, a base doméstica é a plataforma

em que se criam, sustentam e ampliam as vantagens competitivas. Ela pode exercer forte

influência sobre outros setores internos e gerar benefícios na economia nacional. Apesar da

globalização da competição, a natureza da demanda doméstica, ressalta Porter, exerce efeito

desproporcionalmente elevado sobre como as empresas percebem, interpretam e respondem

às necessidades dos compradores. O Estado tem aqui importantes papéis a desempenhar,

induzindo o processo de desenvolvimento econômico e/ou atuando como construtor direto de

infraestruturas física e institucional.

Vejamos um pouco o que se passa no mundo. Empresas transnacionais sediadas nos países

desenvolvidos chegam a responder por dois terços do comércio global e três quartos dos

fluxos dos investimentos estrangeiros diretos. Nesse contexto em que se reconhece o

estratégico papel do conhecimento no desenvolvimento das estruturas industriais, as nações

mais prósperas protegem, invariavelmente, suas indústrias-chaves. A nacionalização da

montadora General Motors (GM) parece ter integrado esse tipo de ação, pois inovações de

grande porte não podem ser simplesmente confiadas apenas a pequenas e médias empresas

Page 9: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

9

nos mercados. O Departamento de Energia norte-americano, por sua vez, anunciou em 2010

que planeja gastar mais de US$40 bilhões em financiamentos e subsídios para estimular

empresas privadas a desenvolverem tecnologias verdes - carros elétricos, novas baterias,

turbinas eólicas e painéis solares.

Afinal, estaríamos vivendo uma época de fim do livre mercado? Ian Bremmer (2011) sugere

que sim e apresenta o elenco principal dos responsáveis pelo “capitalismo de Estado” – China,

Rússia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos. Nesse sistema, os governos usam os

mercados para gerar riqueza a ser direcionada para fins políticos. Imaginemos um cenário de

radicalização político-ideológica em que três quartos das reservas de petróleo se encontram

sob o controle de empresas estatais. Não é preciso muito esforço para se imaginar um cenário

de convulsão social de uma massa que se intitula excluída do processo de desenvolvimento.

Empresas controladas pelo Estado são utilizadas dessa forma para explorar as jóias da coroa e

criar um grande número de empregos. Ademais, há nessa modalidade de capitalismo a gestão

dos fundos soberanos – Sovereign Wealth Funds (SWF). Esses fundos administram uma

quantia que pode superar a casa dos US$6 trilhões. Somente a China controlaria um terço

desse total. Ian Bremmer sugere que a principal motivação não é de natureza econômica, mas

política – maximização do poder do Estado no concerto das nações. Trata-se essa de uma

nova forma de mercantilismo? Deve-se destacar que mesmo Bremmer reconhece que “a

economia de nenhum país é puramente norteada pelo capitalismo estatal ou pelos livres

mercados” (2011: 53). O grau de intervenção dos governos em cada país oscila de acordo com

as circunstâncias históricas e suas tradições.

Mas se a mão invisível do mercado é tão boa como argumentam muitos economistas, por que

então precisamos de governos? A resposta, afirma Gregory Mankiw (2008: 10), “é o fato de

que a mão invisível precisa que o governo a proteja”. Seguindo a linha de raciocínio desse

autor, há dois motivos básicos para que um governo interfira na economia – promover a

eficiência e a equidade: “a maioria das políticas tem por objetivo ou aumentar o bolo

econômico ou mudar a maneira como o bolo é dividido” (p.11). Apesar de se considerar

teoricamente que a mão invisível conduza os mercados na alocação eficiente de recursos, isso

nem sempre ocorre. Falhas de mercado e externalidades, por exemplo, são recorrentes em

diversos contextos, inclusive nos mais desenvolvidos.

Em que se pesem as divergências de perspectivas entre os autores expostos nesta seção, pode-

se afirmar que não existe uma única receita de desenvolvimento universal. Trata-se o

Page 10: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

10

desenvolvimento de um complexo processo que desafia e pressiona as sociedades organizadas

a evoluírem de forma multidimensional – cultural, institucional, política, tecnológica,

econômica, etc.

Do ponto de vista do desenvolvimento de arranjos e sistemas industriais nacionais, chama

atenção uma análise econométrica empreendida por Dani Rodrik (1999): os países que

conseguiram sustentar o processo de crescimento econômico após a Segunda Guerra foram

capazes de articular uma ambiciosa política de investimentos produtivos com instituições

capazes de lidar com os choques externos adversos, não os que confiaram na mobilidade do

capital e na redução indiscriminada de suas barreiras alfandegárias.

Keynes, muito antes, expressou preocupações para o fato de a economia de mercado ser

incapaz de proporcionar naturalmente o pleno emprego e apresentar desigual distribuição da

riqueza e das rendas. Ele constatou que “parece improvável que a influência da política

bancária sobre a taxa de juros seja suficiente por si mesma para determinar um volume de

investimento ótimo” (Keynes, 2007 [1936]: 288). Para Keynes, o Estado não precisaria

possuir os meios de produção, bastaria que ele fosse capaz de determinar o montante agregado

dos recursos destinados a aumentar esses meios e a taxa de remuneração aos seus detentores.

A seletividade do ambiente de negócios e as crenças empresariais estabelecidas podem

influenciar de maneira adversa o desenvolvimento das organizações produtivas. O fenômeno

da seleção adversa não é estranho aos ambientes menos desenvolvidos, onde fazer negócios

costuma ser mais difícil (Akerlof, 2005). Nesses mesmos mercados os retornos privados e

sociais diferem muito, sendo que em alguns casos a intervenção governamental pode ajudar a

elevar o bem-estar coletivo. A preferência pela liquidez costuma ser mais elevada em

ambientes de negócios menos desenvolvidos, pois as incertezas são proporcionalmente

maiores e de difícil redução. Esse é o contexto que investimentos industriais precisam ainda

enfrentar em países como o Brasil.

Desde o filósofo moral Adam Smith (1723-1790) sabe-se que o processo de desenvolvimento

econômico está associado às manufaturas. A causa mais importante do crescimento

econômico, disse Smith, é a divisão do trabalho. Ele ilustrou essa idéia com um exemplo de

manufatura simples – uma fábrica de alfinetes. Smith afirmou ser a divisão do trabalho mais

profunda nos países avançados. O progresso econômico é resultante dos retornos crescentes

de escala propiciados pela introdução de melhorias nos métodos e na organização da produção

industrial (Thirlwall, 2002). Nesse sentido, a extensão do mercado é limitada pela divisão do

Page 11: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

11

trabalho e esta última é limitada pela extensão do mercado. Há certamente uma causalidade

circular exposta nessa conhecida afirmação.

Os limites de expansão da produção primária são inferiores em termos de retornos crescentes

e elasticidade da demanda. Quem presenciou as recorrentes crises nos balanços de

pagamentos dos países da América Latina sabe muito bem disso. A própria elevação da renda

média engendrou o estrangulamento das contas externas, pois a elasticidade-renda da

demanda agregada se deslocou para bens e serviços importados mais sofisticados, inclusive ao

longo dos processos substitutivos de importações.

Uma industrialização truncada já foi objeto de estudados na América Latina. Na época, Jan

Tinbergen (1964: 15) sugeriu que “a produção de bens de capital deve ser atacada, desde logo,

para prevenir os atrasos decorrentes do lapso de tempo exigido pelo processo produtivo”. Essa

não foi uma recomendação simples de se seguir, pois havia o componente do conhecimento

técnico-científico que não podia ser simplesmente transplantado de um contexto para outro.

Fernando Fajnzylber (1983) chamaria posteriormente a atenção para os setores pivôs do

crescimento industrial dos países desenvolvidos: química; eletroeletrônica; metal-mecânica;

equipamentos de transportes e atividades aeroespaciais. Segundo esse autor levantou então, no

pós-guerra esses setores foram contemplados com aproximadamente 90% dos gastos de P&D.

A indústria metal-mecânica foi o núcleo duro desse desenvolvimento industrial, pois podiam

ser encontrados 40% dos empregos manufatureiros nos países desenvolvidos nesse mesmo

setor. Não se podia desconsiderar a relação de complementaridade entre manufaturas e

serviços. Em geral, quem desejasse exportar serviços de assistência técnica e consultoria, por

exemplo, deveria buscar se associar a exportações de manufaturas de elevada intensidade

tecnológica. Deslocamentos de plantas e sofisticados serviços de produção, por sua vez, para

regiões que pagam salários menores são complexos e difíceis para as indústrias pivôs.

Mais recentemente, na década de 2000, informações da Organização Mundial do Comércio

(OMC) apontam para o fato de que as indústrias metal-mecânica, eletroeletrônica e química

representarem 70% das exportações mundiais de manufaturas e das inovações. Não se faz

necessário muito esforço para notar que essas indústrias constituem as bases da prosperidade

das nações desenvolvidas, sendo também responsáveis pela manutenção de seus elevados

salários e o equilíbrio dos seus balanços de pagamentos.

Page 12: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

12

Afinal, quais indústrias poderiam ser desenvolvidas no território brasileiro quando se pensa na

exploração da camada de petróleo do pré-sal, reservas que superam a casa dos cinquenta

bilhões de barris de petróleo? Pode-se pensar em acrescentar as demandas por mão de obra

qualificada para que sejam ofertados produtos e serviços à indústria do petróleo – engenharia,

infraestrutura, transporte, gestão, tecnologias de informação e comunicação, etc. Há inclusive

quem defenda que o pré-sal poderá ser um elemento catalisador de atividades de C, T & I

(Brasil, 2010). Existem grandes desafios e oportunidades nesse campo.

3. Empreendedorismo, risco e incerteza

Trata-se de uma discussão muito recorrente a importância dos empreendedores num sistema

econômico. Destacam-se, principalmente nos debates mais qualificados, os argumentos da

primeira metade do século XX de Joseph Schumpeter (2008 [1942]). Na visão clássica

schumpeteriana, o empreendedor não deve ser confundido com o capitalista; enquanto o

primeiro ator busca inovar e assumir riscos para auferir lucros, o segundo se contenta com

fazer render seu capital. Compreende-se ser essa ainda uma distinção teórica relevante e que

pode ajudar a se formular melhores políticas de desenvolvimento.

O capitalismo é, por natureza, um sistema de mudança econômica perene que não deve cair

no estado estacionário. Está-se lidando, portanto, com um processo evolucionário, sendo a

“destruição criadora” (inovação) a sua essência. Impulsos fundamentais que movimentam o

sistema são originários de novos produtos, novos métodos de produção e transporte, novos

mercados e novas formas de organização industrial. Esse é um debate que já se iniciou no

Brasil e que transbordou as fronteiras da academia. Muito se tem falando e escrito sobre

empreendedorismo.

Brasileiros e brasileiras são citados recorrentemente na mídia internacional como um povo de

grande potencial inovador. Mas onde estaria então o problema então do desenvolvimento?

Um nó da questão está no acesso ao capital. Outro, no sistema de inventivos. Segundo

Gregory Mankiw (2008: 7), “os formuladores de políticas públicas nunca devem esquecer-se

dos incentivos, já que muitas políticas alteram os custos e benefícios para as pessoas e,

portanto, alteram seu comportamento”. Há, para além dos estímulos, outro elemento

importante nesse imbróglio: a disposição do empresariado para enfrentar as incertezas.

O futuro é incerto, há incertezas incomensuráveis que os diversos modelos matemáticos não

conseguem identificar com clareza. Os atores sociais, por exemplo, não são redutíveis a uma

Page 13: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

13

equação matemática. Instituições podem até ajudar a transformar incertezas em risco, mas

ainda assim elas continuarão a existir (North, 1990). As instituições costumam moldar a

forma com que as sociedades evoluem ao longo do tempo. Elas reduzem as incertezas através

da promoção de uma estrutura reguladora das interações sociais. Essas interações, por sua

vez, promovem o aprendizado do tipo learning by doing. Desenvolvimentos de

conhecimentos científicos e habilidades técnicas ocorrem dessa forma.

Estamos, queiram alguns ou não, lidando com um mundo não ergódigo, ou seja, não

conhecemos de antemão (ex ante) as probabilidades de um empreendimento ser exitoso e, em

muitos casos, mal compreendemos a natureza dos riscos associados. Conforme afirmou o

filósofo Karl Popper (2010: 104), precisamos admitir “a falibilidade geral do conhecimento

humano, ou, como gosto de chamá-lo, o caráter conjectural do conhecimento humano”.

Seguindo essa linha de argumentação, até mesmo o conhecimento científico deve ser

encarado como essencialmente conjectural ou hipotético e a atitude “racional” exige a escolha

da teoria mais bem testada.

Nesse sentido, Albert Hirschman (1969: 25-6) sugere ironicamente que “a humanidade aceita

sempre somente os problemas que pensa que pode resolver”. Ocultar as incertezas pode se

revelar um estratagema importante para que projetos sejam executados quando se carece de

confiança na própria criatividade. Incertezas podem ocorrer tanto no lado da oferta

(tecnologia e gestão) como no da demanda (ociosidade e insuficiência de capacidade) de um

empreendimento. Afinal, qualquer empresário sabe o que é conviver e tomar decisões num

ambiente de incompletude das informações.

Não há grandes novidades práticas aqui apresentadas, apenas uma constatação da

racionalidade limitada dos agentes econômicos - os limites cognitivos do homo economicus

da teoria neoclássica. Segundo afirma Nassim Taleb (2009: 298), “quanto mais raro for o

evento, maior será o erro na estimativa de sua probabilidade – mesmo quando a curva na

forma de sino gaussiana for utilizada”. O problema encontra-se no fato de que as medidas de

incerteza baseadas na curva de sino gaussiana não consideram os grandes saltos e

descontinuidades dos processos sociais, tecnológicos e econômicos, algo cada vez mais

comum no presente. Como então enfrentar essas dificuldades na prática do dia a dia?

Uma boa dose de experimentalismo e de bom senso se faz necessária para que o processo de

desenvolvimento evolua e o aprendizado ocorra. Como já foi ressaltado, não há uma fórmula

única a ser seguida. Há experiências, mas mesmo elas precisam ser situadas e colocadas no

Page 14: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

14

seu devido contexto. Já é praticamente um senso comum para o empresariado dizer que um

ambiente institucional mais favorável ao investimento produtivo e ao empreendedorismo

ainda precisa ser construído no Brasil.

Pois bem, mas devem-se evitar grandes ilusões quanto à eliminação de incertezas e riscos.

Vivemos uma sociedade de riscos (Beck, 2002). Riscos são onipresentes nas sociedades

contemporâneas em que a “modernização reflexiva” emergiu como padrão. Esse processo de

modernização, por sua vez, introduziu riscos sistêmicos e inseguranças diversas e que eram

anteriormente desconhecidos (riscos socioambientais, por exemplo). Serviços ambientais não

remunerados são estimados em US$45 trilhões (Medeiros, 2011). Mas onde está esse

mercado? Quem está vendendo e pagando pelos serviços ambientais? A pegada ecológica, um

indicador que compara o impacto das atividades humanas sobre a capacidade produtiva da

terra, aponta que a humanidade utiliza recursos e serviços de 1,3 da Terra (Paulet, 2009).

Não se pode omitir o fato de que 75% dos recursos do planeta são consumidos por 25% dos

habitantes. Talvez fosse esse o tempo de demandar que esses afortunados 25% pagassem

pelos serviços ambientais? Conforme observa Michel Serres (1999: 224), “somos agora os

senhores da Terra e do mundo, não há dúvida, mas nosso domínio mesmo parece escapar a

nosso domínio”. O ilustre acadêmico francês se refere à incerteza provocada pelo progresso

técnico-científico, que, por sua vez, costuma gerar externalidades socioambientais negativas.

Nesse sentido, Anthony Giddens (1996: 101) nos sugere “que as decisões devem ser tomadas

com base em uma reflexão mais ou menos contínua sobre as condições das ações sociais de

cada um”. Reflexividade aqui se traduz na utilização eficaz das informações e como as

mesmas definem ou redefinem atividades sociais e econômicas. Quando se pensa em um

modelo de desenvolvimento não predatório para o século XXI, o Brasil ainda precisa

aprofundar e alargar esse debate.

De acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp, 2009), há 11.120

micro e pequenas empresas exportadoras no Brasil e 25% da sua pauta de exportação em 2008

eram formadas por máquinas e equipamentos mecânicos, enquanto que 20% da pauta das

grandes empresas são compostas por commodities (minérios, petróleo e combustíveis). Ainda

que essas informações demandem mais análise, pode-se dizer no momento que existem entre

essas mesmas empresas uma nítida diferença no valor agregado de produção e um distinto

posicionamento em relação a um paradigma de desenvolvimento que possa se chamar de

sustentável.

Page 15: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

15

4. Maldição dos recursos naturais

Trata-se de um princípio econômico que a taxa de produtividade de um país determina a taxa

de crescimento da sua renda média. Essa relação entre produtividade e padrões de vida não é

simples; suas decorrências costumam ser profundas (Mankiw, 2008). Tal relação traz

implicações paras as políticas públicas e a alocação de recursos de produção numa economia.

Estudo do Banco Mundial publicado no Brasil chama a atenção para um velho fantasma da

economia do desenvolvimento: a maldição dos recursos naturais (Sinnott, Nash e de la Torre,

2010). Seu capítulo 4 é muito esclarecedor. Nas mensagens principais do respectivo capítulo,

os autores do estudo afirmam que “a variedade de resultados do desenvolvimento econômico

em condições de abundância de recursos [naturais] em geral se explica como consequência de

diferenças na qualidade institucional” (p.41). Entende-se que o problema está no tratamento

da utilização desses recursos ao longo do tempo. O governo tem um papel importante na

gestão responsável das rendas oriundas, pois os recursos naturais apresentam alta volatilidade

dos seus preços. Essa questão é, obviamente, mais grave para os recursos não renováveis.

Não se precisa recuar muito na história de alguns países para se perceber como a bonança de

um dado momento fez com que os governos gastassem de forma inadequada as rendas

provenientes da exploração dos recursos naturais. Citando um caso muito conhecido na

América Latina, “a expansão do setor petroleiro foi condição necessária, mas não suficiente,

para que se desenvolvessem os demais setores [da economia]” (Furtado, 2008 [1957]: 49). Em

síntese, “as etapas de rápido crescimento com base em estímulos externos, quando não

produzem mudanças estruturais do sistema econômico, tendem necessariamente a um ponto

de estagnação” (p.37). Não se trata de uma certeza o desenvolvimento e tampouco se pode

afirmar que ele virá automaticamente com a elevação dos preços das commodities.

Mencionou-se no parágrafo anterior o caso venezuelano, porém deve-se compreender que ele

serve de alerta para o Brasil. Há estudos que já apontam para problemas de eficiência e

equidade nos gastos dos royalties do petróleo no Brasil (Serra, 2007). Eis que surgem

algumas perguntas legítimas. Por que não instituir mecanismos de controle social nos gastos

dos royalties do “ouro negro”? Por que não vincular, legalmente, uma parte dos royalties do

petróleo a programas sociais? Essas são perguntas revelam preocupação com o caráter pró-

cíclico dos orçamentos públicos dos países que se tornam dependentes das exportações de

commodities.

Page 16: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

16

Orçamentos pró-cíclicos criam a ilusão de que o presente de bonança não se esgotará jamais.

Situação essa que é mais crítica nas rendas oriundas dos recursos naturais não renováveis. Do

ponto de vista macroeconômico, Keynes (2007 [1936]) identificou a influência das

convenções nos comportamentos dos atores sociais. Segundo ele constatou, “a essência da

convenção – embora ela nem sempre de uma forma tão simples – reside em se supor que a

situação existente dos negócios continuará por tempo indefinido” (p.126). Não se acredita

aqui na duração indefinida de um estado de negócios, mas com certeza não se pode afirmar

exatamente quando ele termina.

Keynes estava mencionando o papel da incerteza nos processos socioeconômicos: “os

resultados reais de um investimento, no decorrer de vários anos, raras vezes coincidem com as

previsões originais” (2007 [1936]: 126). Nesse sentido, ironizou Keynes, “a sabedoria

universal indica ser melhor para a reputação fracassar junto com o mercado do que vencer

contra ele” (p.130). Vivemos em um mundo não ergódigo no qual não sabemos afirmar

exatamente quais as probabilidades de ocorrência de eventos ou cenários. Uma boa estimativa

é sempre diferente de uma certeza, ainda que pequena ou mesmo moderada. Para Keynes, a

continuidade e a estabilidade de um estado do mundo permanecem enquanto “pudermos

confiar na continuação do raciocínio” (p.127).

Retornando ao caráter pró-cíclico dos orçamentos públicos dos países dependentes da

exportação de commodities, o estudo do Banco Mundial, citado anteriormente, menciona as

dificuldades de se controlar as demandas reprimidas das massas carentes, incluindo a inclusão

social das mesmas no processo de desenvolvimento. Efeitos de demonstração do consumo dos

países desenvolvidos, por exemplo, podem gerar graves desequilíbrios nas contas externas dos

países menos desenvolvidos (Nurkse, 2007 [1951]). Esses governos precisam, em vários

momentos, de muito autocontrole, além de algum consenso suprapartidário, para gerenciar

com responsabilidade as rendas provenientes das commodities, fugindo do populismo.

Alguns países constituíram fundos de estabilização cambial ou fundos soberanos para aliviar

as pressões de alta na moeda nacional (apreciação cambial), gerenciando com transparência

ou não os mesmos. Não há uma homogeneidade entre países quanto a essa questão, pois “os

recursos naturais podem envenenar as instituições – talvez mais nas situações em que as

descobertas e as bonanças de recursos ocorrem quando as instituições do país já são

deficientes – e a debilidade institucional pode, por seu turno, abalar o crescimento

[econômico]” (Sinnott, Nash e de la Torre, 2010: 42). Em relação aos efeitos rentistas do

Page 17: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

17

capital, há ainda que se considerar as demandas por apropriação social do excedente gerado

pela exploração dos recursos naturais. Não são estranhas pressões por nacionalizações na

indústria do petróleo: “as estatizações são mais prováveis quando os preços das commodities

estão em alta, a desigualdade é ampla e a qualidade institucional é baixa” (p.60). As

privatizações, por sua vez, costumam ocorrer nos ciclos de baixa dos preços das commodities.

Para quem tem pressa, urgentes demandas reprimidas e grandes desigualdades sociais e

regionais a combater, ainda que seja necessário se pensar em um transparente fundo de

estabilização cambial para se poder fazer política macroeconômica anticíclica com eficácia,

um investimento seguro da parte do poder público se faz no “capital social básico” –

educação, saúde e infraestrutura física. Deve-se evitar a pulverização aleatória e disfuncional

dos investimentos públicos, pois “onde quer que esta idéia prevaleça, os governos estarão

despreparados e não dispostos a tomar as decisões sobre as prioridades e continuidade, que

são a essência dos programas de desenvolvimento” (Hirschman, 1977: 43). Há, para além

dessa questão, sinais preocupantes de mercado.

Segundo informações da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento

(SECEX/MDIC), entre 1994 e 2010 houve um salto de 24,88% para 44,58% na participação

de produtos básicos (commodities) na pauta exportadora brasileira. Os manufaturados, por sua

vez, tiveram sua participação reduzida de 57,86% para 39,40%.

A análise dessas informações pode seguir por dois caminhos intelectuais. O primeiro diz que

as vantagens comparativas finalmente se impuseram sobre uma industrialização artificial

baseada no processo substitutivo de importações. Essa perspectiva compreende que somente

as indústrias que deveriam existir poderiam de fato prevalecer em um processo de abertura.

Outro diagnóstico aponta para os efeitos desindustrializantes à la “doença holandesa”

provocados por uma moeda nacional sobrevalorizada. Essa explicação é convergente com o

diagnóstico do Banco Mundial (Sinnott, Nash e de la Torre, 2010). Informações divulgadas

por The Economist em meados de 2010 apontaram que a moeda brasileira estaria apreciada

em aproximadamente 31% em relação ao dólar norte-americano. O Banco de Compensações

Internacionais (BIS) também apontou sobrevalorização do real no primeiro trimestre de 2011.

Como resultado prático dessa política cambial, deve-se ressaltar que a fatia da indústria de

transformação no PIB brasileiro é menor do que há vinte e cinco anos. Esse fenômeno de fato

ocorre nos países ricos que passaram a deslocar mão de obra da indústria para setores de

Page 18: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

18

serviços de valor adicionado per capita maior. Não se pode dizer ser esse o caso brasileiro,

pois sua desindustrialização opera no sentido de produzir mais commodities.

A “doença holandesa” decorre, geralmente, da descoberta de fontes extraordinárias de

recursos naturais, levando a um excedente nas transações correntes e a uma sobrevalorização

da taxa de câmbio. Nesse sentido, um país pode muito bem encontrar equilíbrio

socioeconômico no subdesenvolvimento com abundância de divisas (Furtado, 2008 [1957]).

Como se pode então explorar de forma responsável esses preciosos recursos naturais para

desenvolver indústrias de apoio e correlatas? Quais efeitos de encadeamento industrial podem

ser construídos numa região ou no próprio país? Por certo se trata esse de um quadro

complexo. Não há como negar que vantagens comparativas falem alto quando se pensa na

alocação de recursos escassos. Por outro lado, não se deve negar o caráter dinâmico que as

vantagens comparativas podem adquirir ao longo do tempo.

Pensando no abundante petróleo brasileiro da camada do pré-sal, esses desafios do

desenvolvimento representam grandes oportunidades para os empreendedores. Algumas

questões abordadas aqui não são novas e tampouco escapam ao quadro de reais preocupações

do presente (Sinnott, Nash e de la Torre, 2010). Quais as técnicas serão utilizadas na

exploração dos recursos naturais, quais as competências necessárias da mão de obra e qual a

extensão do efeito multiplicador dos investimentos produtivos? Essas questões têm relação

direta com os níveis de emprego, renda e arrecadação de tributos, ou seja, a macroeconomia

do desenvolvimento.

Os recursos naturais não precisam ser vistos como uma “maldição” ou mesmo como um

“fantasmas”, desde que se tenha um projeto nacional de desenvolvimento coerente, factível e

que busque ir além das vantagens comparativas estáticas. A posse de abundantes recursos

naturais demanda grandes responsabilidades. Faz-se, para tanto, necessária maior clareza no

momento quanto ao que se permitirá que aconteça no Brasil em termos macroeconômicos.

5. Conclusão

O presente artigo buscou analisar um velho fantasma da teoria do desenvolvimento, a

maldição dos recursos naturais, e como o mesmo apresenta riscos para o Brasil no presente. A

entrada da exploração e produção da camada do pré-sal demanda cuidados com a gestão da

macroeconomia. Buscou-se apontar nesse sentido de modo a possibilitar um desenvolvimento

industrial correlato e de apoio no território brasileiro.

Page 19: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

19

Há grandes oportunidades quando se vislumbra a demanda do pré-sal – navios, mão de obra

qualificada, plataformas, serviços logísticos, máquinas, equipamentos, etc. Para que elas

sejam efetivamente produzidas no território brasileiro, fazem-se necessárias condições

macroeconômicas adequadas, ou que pelo menos que elas não sejam hostis ao investimento

industrial. Dentre as dimensões das condições do ambiente de negócios, buscou-se destacar os

riscos da doença holandesa. Não deve haver complacência com a administração da taxa de

câmbio no Brasil, pois há sinais e riscos eminentes de desindustrialização de atividades e elos

de cadeias produtivas no país.

Considerando que uma importante dimensão do desenvolvimento é a elevação da renda per

capita e que há uma correlação positiva entre desenvolvimento e industrialização, tais riscos

devem ser objeto de ponderação e intervenção governamental esclarecida no jogo econômico.

6. Referências bibliográficas

AKERLOF, G. Explorations in pragmatic economics. Oxford: Oxford University Press, 2005.

BECK, U. Risk society. London: Sage, 2002.

BRASIL. Livro azul - 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Brasília,

DF: MCT, 2010.

BREMMER, I. O fim do livre mercado. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRESSER-PEREIRA, L. C. Maldição dos recursos naturais. Folha de São Paulo, 06 de junho

de 2005.

BRESSER-PEREIRA, L. C. Brasil vive desindustrialização. Folha de São Paulo, 29 de

agosto de 2010.

BUNGE, M. Ciência e desenvolvimento. São Paulo: Edusp, 1980.

DUPAS, G. O impasse do valor adicionado local e as políticas de desenvolvimento. In:

FLEURY, A.; FLEURY, M. T. (orgs.) Política industrial 2. São Paulo; Publifolha, 2004.

EGGERTSSON, T. Economic behavior and institutions. Cambridge, UK: Cambridge

University Press, 1990.

FAJNZYLBER, F. La industrialización trunca de América Latina. México, D.F.: Editorial

Nueva Imagen; Centro de Economía Transnacional, 1983.

Page 20: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

20

FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Cadernos Política Industrial,

número 3. São Paulo: Fiesp, 2009.

FURTADO, C. O desenvolvimento recente da economia venezuelana. In: Ensaios sobre a

Venezuela: subdesenvolvimento com abundância de divisas. Rio de Janeiro: Contraponto;

Centro Internacional Celso Furtado, 2008 [1957].

GIDDENS, A. Para além da esquerda e da direita. São Paulo: Unesp, 1996.

GOMORY, R.; BAUMOL, W. Global trade and conflicting national interests. Cambridge,

MA: The MIT Press, 2000.

HIRSCHMAN, A. Projetos de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.

HIRSCHMAN, A. Transmissão inter-regional e internacional do crescimento econômico. In:

SCHWATZMAN, J. (org.) Economia regional: textos escolhidos. Belo Horizonte: Cedeplar,

1977.

IEDI – Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Carta Iedi no 424 – A

formação de engenheiros no Brasil: desafios ao crescimento e à inovação. São Paulo: Iedi,

2010.

KEYNES, J. M. A teoria geral do emprego, do juto e da moeda. São Paulo: Atlas, 2007

[1936.]

KRUGMAN, P. Vendendo prosperidade: sensatez e insensatez econômica na era do

conformismo. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

LIN, J. Economic development and transition: thought, strategy, and viability. Cambridge:

Cambridge University Press, 2009.

MANKIW, N. G. Introdução à economia. São Paulo: Cengage Learning, 2008.

MEDEIROS. R. Desenvolvimento versus meio ambiente? Monitor Mercantil, 15 de março de

2011.

NERI, M. (coordenador) Motivos da evasão escolar. Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS, 2009.

NORTH, D. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge, UK:

Cambridge University Press, 1990.

Page 21: Maldição dos recursos naturais e os riscos de ...de Venezuela e Arábia Saudita. No entanto, como possui produção eficiente de commodities primárias, seus riscos não devem ser

VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011

21

NURKSE, R. Problemas da formação de capitais nos países subdesenvolvidos. In: Memórias

do desenvolvimento. Ano1, n.1. Rio de Janeiro: Centro Internacional Celso Furtado de

Políticas para o Desenvolvimento, 2007 [1951].

PAULET, J.-P. A mundialização. Rio de Janeiro: FGV, 2009.

POPPER, K. Textos escolhidos. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2010.

PORTER, M. Competição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

RODRIK, D. The new global economy and the developing countries: making openness work.

Washington, DC: Overseas Development Council, 1999.

SCHULTZ, T. Investindo no povo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.

SCHUMPETER, J. Capitalism, socialism anda democracy. New York: Harper Perennial,

2008 [1942].

SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

SERRA, R. Concentração espacial das rendas petrolíferas e sobrefinanciamento das esferas de

governo locais. In: PIQUET, R.; SERRA, R. (orgs.) Petróleo e região no Brasil. Rio de

Janeiro: Garamond, 2007.

SERRES, M. Luzes. São Paulo: Unimarco Editora, 1999.

SINNOTT, E.; NASH, J.; DE LA TORRE, A. Recursos naturais na América Latina. Rio de

Janeiro: Elsevier; Washington, DC: World Bank, 2010.

TALEB, N. A lógica do cisne negro. 3.ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2009.

THIRLWALL, A. P. The nature of economic growth. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2002.

TINBERGEN, J. Programação para o desenvolvimento. Rio de Janeiro: USAID, 1964.

TINBERGEN, J. Desenvolvimento planejado. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.