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Literatura Brasileira III Profa. Drª Silvania Núbia Chagas 2 a edição | Nead - UPE 2011

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Literatura Brasileira III

Profa. Drª Silvania Núbia Chagas

2a edição | Nead - UPE 2011

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Chagas, Silvania Núbia

Letras: Literatura Brasileira III/ Silvania Núbia Chagas. - Recife: UPE/NEAD, 2011.

60 p. il.

ISBN - 978-85-7856-090–4

1. Literatura Brasileira 2. Modernismo 3. Poesia 4. Prosa 5. Educação à Distância I. Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título

C433m

CDU 869.81

Reitor

Vice-Reitor

Pró-Reitor Administrativo

Pró-Reitor de Planejamento

Pró-Reitor de Graduação

Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Pró-Reitor de Extensão e Cultura

Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado

Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

Prof. José Thomaz Medeiros Correia

Prof. Béda Barkokébas Jr.

Profa. Izabel Christina de Avelar Silva

Profa. Viviane Colares S. de Andrade Amorim

Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

UNIVERsIDADE DE PERNAmbUCo - UPE

NEAD - NÚCLEo DE EDUCAÇÃo A DIsTÂNCIA

Coordenador Geral

Coordenador Adjunto

Assessora da Coordenação Geral

Coordenação de Curso

Coordenação Pedagógica

Coordenação de Revisão Gramatical

Gerente de Projetos

Administração do Ambiente

Coordenação de Design e Produção

Equipe de design

Coordenação de suporte

EDIÇÃo 2011

Prof. Renato Medeiros de Moraes

Prof. Walmir Soares da Silva Júnior

Profa. Waldete Arantes

Profa. Silvania Núbia Chagas

Profa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima

Profa. Angela Maria Borges CavalcantiProfa. Eveline Mendes Costa LopesProfa. Geruza Viana da Silva.

Profa. Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes

Igor Souza Lopes de Almeida

Prof. Marcos Leite Anita SousaGabriela CastroRafael Efrem Renata MoraesRodrigo Sotero

Afonso BioneProf. Jáuvaro Carneiro Leão

Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplaresAv. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife - Pernambuco - CEP: 50103-010Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

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Literatura BrasiLeira iii

Profa. Drª. silvania Núbia ChagasCarga Horária | 60 horas

ementa

Estudo da Literatura Brasileira. Modernismo (poesia e prosa) e tendências con-temporâneas. Análise de obras fundamentais, tendo em vista o aspecto formal, histórico e social. Prática de produção literária.

OBjetivO GeraL

Compreender os pressupostos do Movimento Modernista no que se refere à bus-ca de uma nova estética para a arte literária. Entender a trajetória da literatura brasileira até a contemporaneidade, analisando suas obras e conhecendo todo o percurso trilhado até os dias atuais.

apresentaçãO da discipLina

Prezado estudante!

O advento do Modernismo trouxe para a literatura brasileira a sua consolidação, demonstrando a importância que a nossa literatura alcançou em sua longa traje-tória, que você vem acompanhando já há algum tempo.

Com esta disciplina – Literatura Brasileira III – chegamos finalmente ao ápice de nossos estudos literários, pois é aqui que veremos como a nossa literatura se tor-nou relevante universalmente, nada deixando a desejar entre as outras literaturas.

Grandes poetas e escritores contribuíram e ainda hoje o fazem para o enriqueci-mento da literatura brasileira. Somos um povo mestiço, cuja cultura foi formada pela contribuição da cultura de vários povos que povoaram o Brasil desde o seu descobrimento, mas temos uma cultura peculiar, pois muitas adaptações foram feitas e, essa peculiaridade sempre permeou a formação da nossa literatura.

Esperamos que você esteja aproveitando toda essa riqueza, seja na prosa ou na poesia, e que a literatura possa contribuir para a ampliação do seu universo e a melhoria do seu intelecto.

Muito sucesso!

7Capítulo 1 77Capítulo 1

OBjetivOs específicOs

• CompreenderatrajetóriadoMovimentoModernista. • ConhecerospressupostosquesubsidiaramodesfechodoMovimento. • Entenderoquedesencadeouanecessidadedesebuscarumanovaestética

na arte literária.

intrOduçãO

O Modernismo, considerado um movimento de ruptura com a estética dos mo-vimentos anteriores, tem suas raízes nos muitos “ismos” que permearam as van-guardas: futurismo, cubismo, dadaísmo, surrealismo entre outros. Na verdade, trata-se de um movimento de cunho internacional, uma vez que carrega em sua gênese, “a insatisfação geral perante o estado do mundo que as ciências descorti-navam em meados do século XIX”. (Moisés, 1993, p. 16).

Uma breve investigação nos faz perceber que o Modernismo está vinculado às transformações ocorridas na sociedade, geralmente provocadas por fenômenos exteriores que repercutiram em nosso meio.

Embora fosse contra o sentimentalismo reinante no movimento Romântico, a euforia, característica da belle époque, que imperava entre seus participantes, trazendo-lhes “o gosto da aventura e do individualismo” não conseguia anular o seu vínculo com a cosmovisão romântica. É por isso que costuma-se afirmar que o ideário romântico prenunciou a modernidade.

Aqui, no Brasil, A Semana de Arte Moderna, que se realizou de 13 a 17 de feve-reiro de 1922, ficou como marco desse período. No entanto, apesar de afirmar que o ápice do movimento se dá entre 1910 e 1930, deve-se considerar que a sua hegemonia permanece até os nossos dias.

O ano de 1922 foi escolhido para a realização da Semana de Arte Moderna por coincidir com o Centenário da Independência.

A Primeira Guerra Mundial, ocorrida de 1914 a 1918, influenciou não somente na área econômica do nosso país, mas também na política e nos costumes da nação. Com isso, surge uma nova reflexão sobre a estética passadista e a busca por sua transformação.

mOdernismO

Profa. Drª. silvania Núbia ChagasCarga Horária | 15 horas

8 Capítulo 1

Apesar de ser considerado um movimento que tem seus antecedentes calcados na Europa, não se pode desconsiderar os fatos nacionais que contribuíram para esse desfecho, cujo momento foi chamado de “pe-ríodo heróico”, por Mário de Andrade.

1. antecedentes da semana de arte mOderna

• 1912 – Oswald de Andrade volta de sua pri-meira viagem à Europa, trazendo as novida-des causadas pelo futurismo de Marinetti nos meios literários.

• 1913 – Lasar Segall realiza a primeira exposi-ção de “pintura não acadêmica” no país.

• 1914 – Anita Malfatti regressa de uma longa

temporada na Alemanha, onde esteve fazendo um estágio e faz a sua primeira exposição em São Paulo.

• 1915 – Ronald de Carvalho, junto com inte-lectuais portugueses, dirige, com Luís de Mon-talvor, a revista Orpheu, que dá início ao Mo-dernismo em Portugal.

• 1916 – Funda-se a Revista do Brasil, publica-se Rondônia, de Roquette-Pinto, Casos e Impres-sões, de Adelino Magalhães e História da Litera-tura Brasileira, de José Veríssimo.

• 1917 – Anita Malfatti volta dos EUA e realiza a sua segunda exposição. Se, para os moder-nistas, a pintura de Anita Malfatti correspon-dia aos seus anseios futuristas, para Monteiro Lobato foi totalmente o contrário, pois a 20 de dezembro ele publica o artigo Paranóia ou Mistificação? no jornal O Estado de S. Paulo, de-negrindo a obra da pintora.

Nesse mesmo ano, ocorre a aproximação en-tre Mário de Andrade e Oswald de Andrade,

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Anita Malfatti Lasar Segall Oswald de Andrade Victor Brecheret Mário de Andrade

GALERIA

define-se o grupo que faria parte dos futuros modernistas de 1922, participando, também, Di Cavalcanti, Guilherme de Almeida e Me-notti del Picchia, entre outros.

Várias obras foram publicadas, entre elas: Há uma gota de sangue em cada poema, de Mário de Andrade; Juca Mulato, de Menotti del Picchia e A Cinza das Horas, de Manuel Bandeira.

• 1919 – Dá-se o encontro do grupo modernista com Victor Brecheret, que acabara de regressar da Itália, onde estivera durante seis anos, em contato com a arte moderna. O mesmo entu-siasmo experimentado com a pintura de Ani-ta Malfatti se realizou diante da escultura de Victor Brecheret. Com as comemorações do Centenário da Independência, pensou-se em erigir um monumento em homenagem aos bandeirantes e Victor Brecheret foi escolhido para a realização da obra.

Mais algumas obras foram publicadas: A Dan-ça das Horas e Messidor, de Guilherme de Al-meida; Poemas e Sonetos, de Ronald de Carva-lho e Carnaval, de Manuel Bandeira.

• 1920 – Mário de Andrade escreve Paulicéia Desvairada, que só seria publicada em 1922.

• 1921 – realiza-se o “Manifesto do Trianon”. Oswald de Andrade com o pretexto de home-nagear Menotti del Picchia, pela publicação de As Máscaras, profere um discurso reivindi-cando o rompimento com “as forças antivan-guardistas”.

9Capítulo 1

Nesse mesmo ano, Oswald de Andrade publi-ca um artigo sobre Mário de Andrade, cujo título é O Meu poeta Futurista.

Di Cavalcanti faz uma exposição na livraria “O Livro”, ocasião em que surgiu a ideia da reali-zação da Semana de Arte Moderna.

Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Ar-mando Pamplona viajam ao Rio de Janeiro para divulgar suas ideias futuristas entre os in-telectuais cariocas.

Graça Aranha volta para o Brasil, depois de uma longa temporada no estrangeiro e, de imediato, adere ao movimento.

Cavalcanti, entre outros; arquitetura de Antônio Moya e George Przirembel e escultura de Victor Brecheret e W. Haarberg. (Moisés, 1993, p. 25/26)

Enquanto Isso...

O fragor da Semana de Arte Moderna, espalhando-se por toda a parte, como se anunciasse as mudanças que esse ano-chave trazia no âmago, juntamente com a celebração do Centenário da Independência. Em março, realizam-se as eleições presidenciais, saindo vencedor Artur Bernar-des, e se funda o Partido Comunista, após um período (1917-1920) de greves operárias. A 5 de julho de 1922’ – conforme relata um historiador da república – ‘sublevava--se o forte da Igrejinha, em Copacabana, e amotinava-se a Escola Militar, contando naturalmente com a adesão de outras forças do Exército. A fortaleza revoltada dispara al-guns tiros contra pontos estratégicos da cidade. Reage o Governo com a maioria das tropas que lhe eram fiéis e com os vasos de guerra. Bombardeado, o forte rendia-se; eram igualmente sufocados levantes na Escola Militar e em alguns quartéis. Recusando-se à capitulação, um gru-po de jovens oficiais e praças vieram bater-se na avenida, à beira-mar de Copacabana, contra as poderosas forças do Governo para o sacrifício heróico das próprias vidas’. Era o chamado ’18 do Forte de Copacabana’, composto de 17 militares, entre tenentes e praças, incluindo Eduardo Gomes, então aluno da Escola de Aviação, incorporado ao grupo como voluntário, e um paisano, Otávio Correa, gaúcho que se associara aos revoltosos no trajeto pela Av Atlântica. ‘O grupo, que era comandado pelo 1º Tenente Siqueira Campos, foi totalmente aniquilado: os que não morreram, foram feridos mortalmente pelas baionetas; mas é preciso reconhecer que se bateram como leões con-tra leões’. Somente sobreviveram, além do comandante, o Ten. Newton Prado e Eduardo Gomes.

Passados dois anos, precisamente a 5/7/1924, estouraria em S. Paulo uma revolução contra o governo federal, co-mandada pelo Gen. Isidoro Dias Lopes. Pouco mais de três semanas eram decorridas quando os rebeldes se retiraram para Bauru, indo juntar-se a Luís Carlos Prestes, que tam-bém se revoltara em Alegrete, Rio Grande do Sul, forman-do a Coluna Prestes, a qual, após percorrer o País, se em-brenharia pela Bolívia, em 1926. Ao mesmo tempo, e por decorrência da revolução paulista, outras forças de sedição se organizaram no Amazonas, em 23 de julho, durante 30 dias, ocasião em que várias medidas de caráter social foram tomadas pela Comuna de Manaus; e no Rio Grande do Sul, em fins de outubro, sob o comando de Luís Carlos Prestes, João Francisco Honório de Lemos e Siqueira Campos.

Tais insurreições vinham na vaga do tenentismo, como se chamou o movimento dos tenentes, inaugurado em 1922, e extinto em 1935, com a intentona comunista. Nesse interregno, duas datas merecem destaque, em torno de acontecimentos que constituem prolongamentos de 1922 e 1924; a revolução de 1930, mercê da qual Getúlio Var-

SAIBA MAIS!

Conheça a obra de Anita Malfatti, aces-

sando o site:

http://obrasanitamalfatti.wordpress.com/

Leia o artigo Paranóia ou Mistificação?, de

Monteiro Lobato, no site:

http://www.pitoresco.com.br/brasil/anita/

lobato.htm

2. a semana de arte mOderna

A Semana de Arte Moderna realizou-se em São Paulo, no Teatro Municipal, entre 13 e 17 de feve-reiro, teve como principal empreendedor, o escri-tor Graça Aranha. O programa era composto por três festivais, envolvendo a arte literária, a música e as artes plásticas. No dia 13, teve início com uma conferência de Graça Aranha: A Emoção Estética na Arte Moderna, seguida de música executada por Ernâni Braga, poesia de Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho e música de Villa Lobos. Em seguida, conferência de Ronald de Carvalho: A Pintura e a Escultura Moderna no Brasil, com solos de piano de Ernâni Braga. No dia 15, houve uma palestra de Menotti del Picchia, ilustrada por poe-sias e trechos de prosa de vários autores, entre eles Oswald e Mário de Andrade e solos ao piano de Guiomar Novaes. Logo após, Mário de Andrade proferiu palestra sobre a exposição de artes plás-ticas. O último dia (l7), incluía música de Villa Lobos, exposição de pintura de Anita Malfatti, Di

10 Capítulo 1

gas depôs Washington Luís e assumiu o poder; o político gaúcho candidatara-se à presidência juntamente com Júlio Prestes, e saíra derrotado nas urnas; a Aliança liberal, que o apoiava, insatisfeita com o resultado, decidiu-se pela via revolucionária; deflagrada a revolução a 3 de outubro da-quele ano e irradiando-se do Rio Grande do Sul para o resto do País a 24 do mês, Washington Luís é deposto, e o governo é entregue nas mãos de Getúlio Vargas. Findava, assim, a Primeira República ou República Velha. Em 1932, novamente S. Paulo é palco de uma revolução, dessa vez contra Getúlio Vargas que, demorando a constituciona-lizar o seu governo, baixou atos antipáticos aos paulistas (como a imposição de um interventor na pessoa de Pedro de Toledo que, no entanto, procurou agir de acordo com os seus conterrâneos); a morte de alguns estudantes foi a gota que faltava e, durante dois meses e meio, a rebelião enfrentou as tropas federais. Conquanto derrotados, seu ideal saía vitorioso: a 16/7/1934, promulgava-se a Cons-tituição, vigente até 10/11/1937, quando Getúlio Vargas, mediante um golpe de estado, instala o Estado Novo. (Moi-sés, 1993, p. 27/28)

2.1 mOmentO mOrdenista (1922-1928)

O primeiro momento modernista teve início em 1922 e, praticamente, terminaria em 1928, com o lançamento do Manifesto Antropófago, por Oswald de Andrade. Aparece, também, a revista Verde, em Cataguases (Minas Gerais) e várias obras são publi-cadas, entre elas, Laranja da China, de Antônio de Alcântara Machado; Martin Cererê, de Cassiano Ri-cardo; Retrato do Brasil, de Paulo Prado; Essa Nega Fulô, de Jorge de Lima; A Bagaceira, de José Améri-co de Almeida; Canto do Brasileiro – Canto do Liber-to, de Augusto Frederico Schmidt e Macunaíma, de Mário de Andrade.

Será em 1928 que o movimento Modernista terá o seu ápice, ou seja, é nesse momento que se dará o amadurecimento de um processo que teve início no começo do século XX, com a publicação de Ca-naã, de Graça Aranha.

Nesses anos (1922 a 1928), o movimento foi disse-minado pelo país, a começar pelo Rio de Janeiro, um ano antes da realização da Semana de Arte Mo-derna. Segundo Wilson Martins,

“em 1924 (...), já o vírus se espalhava em Pernambuco e na Paraíba; logo depois no Amazonas; em 1925, no Rio Gran-de do Sul; em 1927, em Cataguases, que em matéria de penetração no tempo, se não no espaço, foi o símbolo da

conquista territorial.” (In: Moisés, 1993, p. 40)

A disseminação do Modernismo alcançaria outros

Estados e os seus adeptos se manifestavam através de revistas. Várias foram publicadas nesse interva-lo, entre elas, Klaxon, publicada três meses após a realização da Semana de Arte Moderna e, funcio-nou como porta-voz do “movimento renovador paulista”. Muitos intelectuais participaram dessa revista: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Graça Aranha entre outros. Em 1926, foi substituída por Terra Roxa e Outras Terras. Em 1928, surge a Revista de Antropofagia, dirigida por Antônio de Alcântara Machado e Raul Bopp.

No Rio de Janeiro, foi publicada de 1924 a 1925, a revista Estética, dirigida por Prudente de Morais Neto e Sérgio Buarque de Holanda. Vários escri-tores colaboraram: Graça Aranha, Ronald de Car-valho, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e outros. No entanto, Minas Gerais foi quem mais publicou revistas nesse período, fican-do à frente de São Paulo e Rio de Janeiro.

O Modernismo Brasileiro foi um movimento mui-to intenso, nunca houve “tantos manifestos e tex-tos doutrinários”. No entanto, antes de 1922 seus participantes sabiam claramente o que não que-riam, ou seja,

“se rebelavam: antiparnasianos, anti-realistas, repudiavam todo o passado brasileiro que não representasse um avanço na direção que pretendiam tomar; excluíam o Simbolismo do índex, visto nele descortinar algumas raízes de sua in-quietação; diziam-se ‘futuristas’, nutriam sentimentos na-cionais, recusando a ‘influência portuguesa’ (...) Em suma eram contra o status quo literário reinante no País...” (Moi-

sés, 1993, p. 29).

Entretanto, muitas divergências entre os partici-pantes desse movimento surgiram após 1922, suas ideias nem sempre convergiam na mesma proposta teórica, o que não permite se falar numa estética modernista resultante de um mesmo consenso.

Diante disso, “muitos manifestos ou prefácios doutrinários” foram produzidos, mas, após essa primeira fase, a tendência era desaparecer, uma vez que eram frutos de um momento impulsivo, inspi-rado pelos acontecimentos de 1922. Os principais pronunciamentos desse momento foram:

• Klaxon–1922• ManifestodaPoesiaPauBrasil–1924• AArteModerna–1924• ParaosCéticos(editorialdARevista,BeloHo-

rizonte) – 1925

11Capítulo 1

• ParaosEspíritosCriadores(ibidem)–1925• TerraRosaeOutrasTerras–1926• Festa–1927• Manifesto do Grupo Verde, de Cataguases

(Minas Gerais) – 1927• ManifestoAntropófago–1928• NhegaçuVerdeAmarelo(ManifestodoVerde-

amarelismo, ou da Escola da Anta) – 1929• LeiteCriôlo–1929. (In: Moisés, 1993, p. 31)

Havia, porém, uma proposta comum a todos: “abrasileirar o Brasil”, com base nos três princípios propostos por Mário de Andrade:

O direito permanente à pesquisa estética; atualização da inteligência artística brasileira; e a estabilização de uma

consciência criadora nacional. (In: Moisés, 1993, p. 32)

Esse abrasileiramento do Brasil tinha como meta redescobrir o Brasil e isso significava resgatar as raízes culturais brasileiras, tentando encontrar em seu passado histórico “seu caráter mais autêntico”.

No entanto, essa proposta não poderia ser bem su-cedida, uma vez que, não era mais possível ignorar a influência de outras culturas que já haviam aden-trado o país.

Houve, porém outra proposta em que o nacionalis-mo foi melhor definido e incorporado definitiva-mente à cultura brasileira, que foi a transformação da língua. No Manifesto da Poesia Pau Brasil, Oswald de Andrade conclama pela ‘língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.’ (Moisés, 1993, p. 34) Com isso, apesar de se tratar da mesma língua, sua normatização deixa-va de pertencer ao Português de Portugal.

De acordo com alguns críticos, na primeira fase do Modernismo, a poesia foi predominante. Além de essa vertente permear alguns manifestos e pre-fácios, torna-se evidente n’A escrava que não é Isaura, publicada em 1925, por Mário de Andrade, “uma espécie de poética do Modernismo”.

Algumas reformas na poética eram conclamadas pelos modernistas, tais como: Verso Livre, Rima Livre, Vitória do dicionário, Substituição da Or-dem intelectual pela Ordem Subconsciente, Rapi-dez e Síntese, Polifonismo entre outras. Duas visitas importantes ao Brasil, especificamen-

te em São Paulo, aconteceram em 1926: Marinetti, que profere uma conferência sobre o Futurismo e é vaiado pelo povo, tendo em vista, nesse momento, o Futurismo já fazer parte do passado e os moder-nistas se declararem veementemente antifuturistas e, Blaise Cedrars, poeta suíço, que representava o oposto, totalmente identificado com as ideias modernistas, seja pela sua poesia, seja pelo seu entusiasmo diante da realidade brasileira. Exerceu grande influência sobre os modernistas, chegando a ser citado nominalmente no Manifesto Pau-Brasil, de Oswald de Andrade.Vários intelectuais, além de Mário de Andrade e

SAIBA MAIS!

Leia o Manifesto Antropófago no site:

http://www.lumiarte.com/luardeoutono/

oswald/manifantropof.html

e o Manifesto da Poesia Pau Brasil no site:

http://www.lumiarte.com/luardeoutono/

oswald/manifpaubr.html

Oswald de Andrade colaboraram para que o em-preendimento do Modernismo fosse bem sucedi-do, entre eles, Paulo Prado (1869-1943), que repre-sentará o final do primeiro momento modernista. Pertencente a uma família aristocrata, fazendeiros de café, dono de uma cultura esmerada, adquirida através de suas constantes viagens à Europa, por ser um homem de negócios. Apesar de ser mais velho que os demais modernistas, participou ativamente, na década de 1920, das atividades do movimento, inclusive cedendo sua casa para as reuniões que se fizeram necessárias. Deixou apenas duas obras: Paulística (1925) e Retrato do Brasil (1928).

Além de Paulo Prado, outro intelectual que se des-tacou foi Plínio Salgado (1901-1975), ligado ao ver-deamarelismo, sua produção intelectual se dividiu entre a criação literária e os ensaios doutrinários. Deixou uma obra extremamente significativa.

MárIo dE andradE

Mário Raul de Morais Andrade (1893-1945), um dos principais empreendedores do movimento Modernista, teve uma produção intensa, várias obras voltadas para a cultura brasileira. Segundo Massaud Moisés,

12 Capítulo 1

publicando Paulicéia Desvairada em 1922 e Macunaíma em 1928, Mário de Andrade balizava, simbolicamente, o pri-meiro momento modernista: dava-lhe o arranco inicial nos domínios da criação literária e anunciava-lhe o término, revelando ao mesmo tempo que se identificava com o mo-vimento de 22 a ponto de servir-lhe de guia e chegar a ser chamado de ‘papa do Modernismo’.” (1993, p. 65)

Massaud Moisés, analisando a obra poética de Má-rio de Andrade, desde a elaboração de Paulicéia Desvairada, em 1920, até Café, ‘concepção melo-dramática’ em três atos, última obra, escrita entre 1933 e 1942, afirma que a poética de Mário é for-mada por dois eixos norteadores: o poema-piada, que prima pelo humor, tendo por base ‘ridendo castigat mores’ e o poema-crônica, que se caracteri-za pela “narração de acontecimentos ou situações”, podendo ser considerada uma poesia engajada. (1993, p. 67) No entanto, Massaud afirma, ainda, que a este engajamento “contrapõe-se uma tendên-cia à emotividade”, às vezes, até no mesmo poema. São Paulo foi uma grande temática em sua poética, desde Paulicéia Desvairada até Lira Paulistana. Veja--se um poema que faz parte de Lira Paulistana:

Garoa do MEu são Paulo

Garoa do meu São Paulo,- Timbre triste de martírios-Um negro bem vindo, é branco!Só bem perto fica negro,Passa e torna a ficar branco. Meu São Paulo da garoa,- Londres das neblinas finas –Um pobre bem vindo, é rico!Só bem perto fica pobre,Passa e torna a ficar rico.

Garoa do meu São Paulo,- Costureira de malditos –Vem um rico, vem um branco,São sempre brancos e ricos...

Garoa, sai dos meus olhos.(In: Moisés, 1993, p. 68)

Em 1926, Mário dá início a sua obra em prosa, com a publicação da obra Primeiro Andar, livro de contos escritos entre 1914 e 1923. Em 1927 publica Amar, verbo intransitivo e no ano seguinte, Macuna-íma (1928). Em 1934, publicou Belazarte, reunião de contos escritos entre 1923 e 1936, porém, é com a publicação póstuma (1947) de Contos Novos, que se percebe a consolidação de sua obra literária.

A produção literária de Mário de Andrade nas dé-cadas de 1920 a 1930 foi muito intensa, a partir de 1930, porém, o autor passou a interessar-se pela Política, pela Etnografia, Antropologia, o que faz com que diminua um pouco a sua produção literá-ria, ainda que não pare completamente.

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Mário de Andrade, aces-

sando o site:

http://www.releituras.com/marioandra-

de_bio.asp

MacunaíMa

Publicado em 1928 e tendo como subtítulo “o herói sem nenhum caráter”, foi classificado pelo autor como “rapsódia”; termo emprestado da mú-sica, o autor queria ressaltar a diversidade constan-te na obra “ou sua indeterminação no painel dos gêneros literários”, pois, segundo Massaud Moisés,

...a narrativa da trajetória de Macunaíma entre o nascimen-to e a morte participa da epopéia e da novela, ao mesmo tempo que se aproveita do nosso rico folclore luso-afro--indígena: o mosaico de nossa realidade histórico-geográ-fico-social se representa no tecido rapsódico da fábula e do seu herói. Da epopéia, no sentido de canto exaltador do mito capital de um povo, Macunaíma se aproxima pelo maravilhoso, com a diferença de que se trata não do mara-vilhoso he|ênico ou cristão das epopéias tradicionais, mas do ameríndio e negro puxado ao absurdo surrealista: o ma-ravilhoso ludicamente concebido, e praticado por mentes ingênuas, peculiar às lendas e crendices disseminadas pelas principais etnias que constituem o brasileiro, ‘herói sem nenhum caráter’, - eis o substrato de Macunaíma. (Moisés,

1993, p.77)

Mário de Andrade foi um intelectual muito ativo, exerceu várias funções: poeta, crítico de arte, críti-co literário, contista, romancista, músicólogo, fol-clorista, entre outras. Escreveu muitas cartas, que inclusive foram compiladas em várias obras. O re-sultado dessa trajetória é facilmente percebido na tessitura de sua obra mais expressiva: Macunaíma.

Talvez menos modernista que seus pares, pois ti-nha um grande apreço pelas raízes culturais de seu país, Mário foi um grande expoente, ou seja, “a fi-gura mais representativa do primeiro momento do Modernismo” e, por meio de sua obra, tornou-se um dos “clássicos” da literatura brasileira.

13Capítulo 1

atividade |Leia Macunaíma e resgate as teorias aprendi-das em Teoria Literária, faça uma análise breve desse livro e poste no Fórum Tira dúvidas para que seus colegas possam ler, comentar e fazer acréscimos.

oswald dE andradE

José Oswald de Sousa Andrade (1890-1953) fez sua primeira viagem à Europa em 1912, onde teve contato com as vanguardas europeias, mais especi-ficamente o Futurismo, de Marinetti. Em 1917 for-mou-se em Direito e conheceu Mário de Andrade e Di Cavalcanti e, com eles, tomou parte do grupo que iria empreender a Semana de Arte Moderna, em 1922.

Oswald de Andrade teve uma obra diversificada, pois primou pela poesia, pela narrativa, pela crí-tica e pelo ensaio. Dono de um caráter inquieto, a elaboração de sua obra obedece a uma disponi-bilidade que lhe era peculiar. Membro de família abastada, pode viajar várias vezes à Europa e obter o gosto pela novidade, como bem denota a sua po-esia, pois,

Irreverente, chocarreiro, seus versos não raro antagonizam a poesia. Repassados de prosaísmo, provavelmente delibe-rado, para chocar o leitor anestesiado pelo Parnasianismo, geralmente dão primazia à descrição linear, objetiva, e ig-

noram a emoção ou a idéia. (Moisés, 1993, p. 84)

Em 1922, Oswald já estava escrevendo em prosa, pois, nesse mesmo ano, inicia a primeira parte da Trilogia do Exílio ou Romances do Exílio, dando con-tinuidade em 1927, com A Estrela do Absinto e com-pletando com A escada Vermelha em 1934. Mas, os romances mais aclamados pelo público foram Me-mórias sentimentais de João Miramar, publicado em 1924, e Serafim Ponte Grande, em 1933.

Segundo Massaud Moisés, nessas obras, o autor co-locaria em prática “os anseios revolucionários de 1922”, pois,

...as Memórias Sentimentais de João Miramar, vindo a públi-co em 1924 ‘apresenta pela primeira vez’ – no dizer do prefácio, entre sério e jocoso, assinado pelo pseudo-autor Machado Penumbra – “o estilo telegráfico e a metáfora las-cinante. (...) O intuito era ‘o trabalho de plasma de uma língua modernista...’” (Moisés, 1993, p. 87)

Serafim Ponte Grande segue a mesma estética de Memórias sentimentais de João Miramar, inclusi-ve, há quem diga que o primeiro parece continui-dade do segundo.

Posteriormente, Oswald de Andrade escreveu Mar-co Zero, projetado em cinco volumes, mas somente dois foram publicados: “A Revolução Melancólica” (1943) e “Chão” (1945).

É no teatro, porém, que o talento de Oswald de An-drade encontrará lugar adequado para se consoli-dar. Três peças foram produzidas: A Morta, O Rei da Vela, O Homem e o Cavalo. Segundo Massaud Moisés,

Teatro expressionista, sobretudo a primeira peça, teatro político, teatro de tese, exibe um dinamismo, uma exube-rância de situações e pormenores, que nem a velocidade espasmódica da prosa das Memórias Sentimentais de João

Miramar e Serafim Ponte Grande alcançou. (1993, p. 92)

Enfim, Oswald de Andrade teve uma obra expres-siva, porém, talvez, devido as suas inquietações não conseguiu o mesmo destaque que teve Mário de Andrade.

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Manuel BandeiraMenotti Del Picchia Cecília Meireles Antônio A. Machado Jorge de Lima

GALERIA

14 Capítulo 1

MEnottI dEl PIcchIa

Paulo Menotti del Picchia (1892-1988) foi um dos intelectuais mais revolucionários do Modernismo, antes de 1922 e posteriormente. Seu nome tem sido lembrado pela obra poética e, principalmente, por Juca Mulato. Sua obra tem raízes no clima da belle époque, pois,

Embora apoiasse com entusiasmo a revolução de 22, toda a sua obra, mesmo quando buscou expressar coerentemen-te o novo credo estético, exprime uma visão do mundo afinada com a dos pré-modernistas. (Moisés, 1993, p. 96)

Mas foi com seus poemas que despontaria a sua notoriedade, entre eles, Moisés, Juca Mulato, As Máscaras, A angústia de Dom João, O Amor de Dulci-néia, Jesus. Todos são definidos como poemas dra-máticos, mais propícios para serem lidos que para serem encenados. Elaborados em versos, “parna-sianamente rimados”, devidamente bem represen-tados por Juca Mulato.

Bandeira não somente dedicou-se à poesia, mas também à história literária, “fruto de sua atividade docente”, à biografia; foi ensaísta e cronista, além da compilação de antologias.

Várias obras foram publicadas ao longo da vida, porém, é com Libertinagem que se tem “o triunfo da estética modernista”, pois defende uma ‘Poética’ antiparnasiana, veja-se:

Estou farto do lirismo comedidoDo lirismo bem comportadoDo lirismo funcionário público com livro de pontoexpediente protocolo e manifestações de apreçoao Sr. DiretorEstou farto do lirismo que para e vai averiguar noDicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas(In: Moisés, 1993, p. 121)

Mas o poema mais conhecido, ainda incluso neste livro, é Vou-me embora pra Pasárgada, veja-se,

Vou-me embora pra PasárgadaLá sou amigo do reiLa tenho a mulher que eu queroNa cama que escolhereiVou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra PasárgadaAqui eu não sou felizLá a existência é uma aventuraDe tal modo inconseqüenteQue Joana a Louca de EspanhaRainha e falsa dementeVem a ser contraparenteDa nora que nunca tive.....................................................................

Em Pasárgada tem tudoÉ outra civilizaçãoTem um processo seguroDe impedir a concepçãoTem telefone automáticoTem alcalóide à vontadeTem prostitutas bonitasPara a gente namorar(Bandeira, 1993, p. 143/44)

Manuel Bandeira, apesar de se considerar “um po-eta menor”, foi autor de obra de extrema relevân-cia para a literatura brasileira. No entanto, talvez por conta da tuberculose que o acompanhou até a morte, declarou:

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chia.html

ManuEl BandEIra

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1886-1968) iniciou sua carreira em 1917, com a publica-ção de A cinza das Horas. Não pode participar da Semana de Arte Moderna, mas enviou o poema “Os sapos”, que foi declamado no Teatro Muni-cipal, por Ronald de Carvalho, “sob apupos, os assobios, a gritaria de ‘foi não foi’ da maioria do público, adversa ao movimento”. (Moisés, 1993, p. 120) Nesse poema, havia uma crítica muito con-tundente à estética da poesia parnasiana.

Autor de uma produção literária prolífera, Manuel Bandeira participou intensamente da construção da literatura brasileira. Tendo iniciado sua obra sob a estética do Parnasianismo e o do Simbolis-mo, é com Libertinagem, que veremos uma mudan-ça na poética do autor, uma vez que o verso livre passará a ser utilizado, indiciando, assim esse mo-mento de libertação.

15Capítulo 1

No fundo, sou, apenas, por força das circunstâncias, um simples poeta lírico, um poeta menor, que há uns cinqüen-ta anos não faz senão esperar a morte, cantando as grandes tristezas e as pequenas alegrias que a vida lhe tem propor-

cionado. (In: Arriguci, 1983, p. 107)

Ao falar sobre a poética, Bandeira e sua ligação com o cotidiano, Davi Arrigucci afirma:

As relações entre o Eu e as circunstâncias se tornam o eixo de uma questão de poética: a da construção do poema em que mudam os fatos e muda o sujeito, na alquimia da lin-guagem, sempre em busca de um despojamento, que, na verdade, corresponde a uma inserção do poeta na existên-cia real, no mundo misturado do cotidiano. (1983, 108)

E como que complementando isso, continua:

A poesia se dá, pois, no mesmo plano da materialidade do corpo, como uma autêntica ‘iluminação profana’ um alum-bramento. É quando se subverte a banalidade da existência, o lugar comum se muda num insólito mais real e se produz o estranhamento do novo (...) instante de manifestação do sagrado em chão profano – epifania, plenitude instantânea da vida que se sustém por um fio, por milagre, diante da morte onipresente. (Arrigucci, 1983, 109)

Dessa forma, fica clara a importância de Manuel Bandeira para a literatura brasileira.

Além de Brás, Bexiga e Barra Funda, há uma outra obra bastante expressiva, que é Laranja da China, livro de contos, publicado em 1928. Como tam-bém, publicou ainda em 1928, Anchieta na Capi-tania de São Vicente, história, Mana Maria, roman-ce incompleto em 1936 e Cavaquinho e Saxofone, artigos de jornal em 1940. Formado em Direito, logo ingressou no jornalismo e tornou essa a sua atividade principal.

Segundo Massaud Moisés, esse autor apresentava com maestria as duas linhas que norteavam o mo-vimento modernista: “cosmopolitismo e paulista-nidade”. (1993, p. 128)

Massaud Moisés acrescenta ainda:

Escritor que resistiu aos amavios da poesia, Antônio de Alcântara Machado é acima de tudo o prosador de S. Pau-lo, como ninguém antes nem depois. Circunstâncias várias – dentre as quais o momento histórico paulistano que lhe foi dado viver – se congraçam para fazer dele uma espécie de porta-voz de sua cidade, hesitante ainda entre ser a me-trópole trepidante, fruto da industrialização, e o plácido

burgo provinciano coberto de garoa. (1993, p. 128)

Ao publicar Pathé-Baby, o escritor publicava o re-gistro de suas impressões sobre as viagens que fize-ra como jornalista. Somente depois é que ele vai se debruçar sobre a sua cidade – São Paulo – para desvendá-la aos olhos dos leitores em suas narrati-vas curtas.

Ao ler a sua obra, percebe-se que o seu trabalho jornalístico é intrínseco à elaboração de sua obra literária, veja-se, por exemplo, como ele faz a apre-sentação de Brás, Bexiga e Barra Funda:

Este livro não nasceu livro: nasceu jornal. Estes contos não nasceram contos: nasceram notícias. E este prefácio portanto também não nasceu prefácio: nasceu artigo de

fundo. (In: Moisés, 1993, p. 130)

Claro está que a sua sensibilidade aguçada, o faz transformar o acontecido em imaginário, porém, as suas narrativas nos fazem perceber que as suas raízes estão calcadas em acontecimentos reais.

cEcílIa MEIrElEs

Cecília Meireles (1901-1964) se vincula ao primei-ro momento do Modernismo por ter colaborado, no início de sua carreira, com o grupo Festa, diri-gido por Tasso da Silveira, que era contra as ideias

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antônIo dE alcântara Machado

Antônio de Alcântara Machado (1901-1935) es-treia na prosa de ficção, na capital paulista, em 1926, com a obra Pathé-Baby, viagens; no ano se-guinte publica Brás, Bexiga e Barra funda, que se tornou sua obra mais conhecida e denota a paixão pela terra, pois, descendente de família radicada em São Paulo desde “os tempos coloniais”, mesmo tendo cultivado o gosto por viagens e por conhecer coisas novas, inclusive, indo três vezes à Europa, bem como a Montevidéu e Buenos Aires, sempre teve o olhar voltado para São Paulo e isso ficou claramente registrado em sua obra.

16 Capítulo 1

propagadas pelo movimento, porém, “anos depois, preferiria trilhar caminhos pessoais mais moder-nos”. (Bosi, 1997, p. 516) No entanto, segundo Alfredo Bosi, do programa desse grupo, que era “polêmico e confessional”, nada restou na poética da autora.

Mesmo durante a vigência do primeiro momento modernista, Cecília, como vários outros poetas, ainda utilizou a estética passadista, ou seja, a es-tética parnasiana e a simbolista que permearam a belle époque.

A obra Espectro ainda faz parte da estética parna-siana, enquanto Nunca Mais e Poema dos Poemas pertenceram à estética simbolista; posteriormente, foram renegadas pela autora.

Muitos anos se passaram até a poeta publicar Viagem, obra portadora de sua maturidade “e de adesão definitiva à mundividência simbolista”. A adesão, porém, a essa estética dá-se de forma mais amadurecida, pois “a identificação consubstancial entre ela e a estética, e a superação, por isso mes-mo, dos seus lugares comuns, o que a distingue dos demais correligionários”, ou seja,

Se o Modernismo mergulha raízes no Simbolismo, sua po-esia é o atestado mais eloqüente dessa continuidade: mo-derna sem ser modernista, sua poesia se entroca no ima-ginário simbolista, sem as demasias observadas durante a

belle époque.” (Moisés, 1993, p. 138)

Posteriormente, Cecília publica o Romanceiro da Inconfidência; trata-se de um poema épico que des-creve a revolução mineira; no entanto, não parece ter sido bem sucedida.

A poética de Cecília Meireles é apontada por al-guns críticos, como uma poética intimista, pois, “pende entre a sondagem nos ‘vagos d’alma’, de as-cendência romântica, passando pelo Simbolismo espiritualista e místico, e a confissão de estados d’alma afetivos, a ‘coita d’amor’, que remonta a Idade Média trovadoresca.” (Moisés, 1993, p. 140), Veja-se,

FioNo fio da respiração,rola a minha vida monótona,rola o peso do meu coração.

Tu ao vês o jogo perdendo-seComo as palavras de uma canção.

Passas longe, entre nuvens rápidas,Com tantas estrelas na mão...

- Para que serve o fio trêmuloEm que rola o meu coração?(In: Moises, 1993, p. 139)

Muitas obras foram publicadas por Cecília Meire-les, as quais grande contribuição deram à literatura brasileira, o que colaborou para que o seu nome esteja entre os dos grandes poetas brasileiros.

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JorGE dE lIMa

Jorge Mateus de Lima (1893-1953) iniciou sua car-reira em 1907, com a publicação do soneto O Acen-dedor de Lampiões. Poema de cunho parnasianista, que lhe deu grande notoriedade, mas é através da publicação de Essa Nega Fulô, que ficará conheci-do, poema com o qual se declara adepto do Moder-nismo, pelo viés da Negritude.

Muitos anos se passaram entre a publicação de O Acendedor de Lampiões e a adesão do poeta à estética modernista. A publicação de “Novos Poemas trazem a novidade da poesia da negritude, onde ressalta ‘Essa Nega Fulô’, a certa contensão formal assinala a tentativa de corrigir o prosaísmo da coletânea pre-cedente; o resultado, porém, não satisfaz...” (Moi-sés, 1993, p. 147)

A conversão do poeta ao Catolicismo (1935), tam-bém tornará o cristianismo temática de alguns poe-mas. Em 1947, porém, a temática da negritude vol-tará aos seus poemas, com a publicação de Poemas Negros. Posteriormente escreve, em parceria com Murilo Mendes, Tempo e Eternidade, começando aí “a fase mais tensa de sua carreira”, cujo ápice se dará em Invenção de Orfeu, que grande entusiasmo provocou entre os críticos da época, pois, segundo alguns estudiosos, trata-se de um dos melhores po-emas da língua portuguesa.

17Capítulo 1

GLOsssÁriO

AclAmAr: saudar com entusiasmo.

Adesão: aceitação dos princípios de (uma ideia, uma doutrina, um modo de vida etc.); apoio, aprovação, re-conhecimento.

AguçAdo(A): que apresenta perspicácia, sagacidade, agudeza de espírito.

AlquimiA: a química da Idade Média, que procurava des-cobrir a panaceia universal, ou remédio contra todos os males físicos e morais, e a pedra filosofal, que deveria transformar os metais em ouro.

AlumbrAmento: estado de quem se deslumbra; maravi-lhamento.

Análise: estudo pormenorizado de cada parte de um todo, para conhecer melhor sua natureza, suas funções, relações, causas etc.

AntologiA: coleção de textos em prosa e/ou em verso, geralmente. de autores consagrados, organizados segun-do tema, época, autoria etc.

ápice: ponto máximo; grau mais elevado de (algo) sujeito a determinado processo; culminância, apogeu.

Apreço: estima, consideração que se tem por alguém ou alguma coisa; admiração.

AristocrAtA: membro da aristocracia; nobre, fidalgo.

AveriguAr: fazer cuidadoso exame de; apurar, investigar, verificar.

bAlizAr: efetuar a separação de; distinguir.

Belle époque: fase de euforia e despreocupação vivida es-pecialmente. na Europa, entre 1871, final da guerra fran-co-prussiana, e 1914, ano do início da Primeira Guerra Mundial, caracterizada por grande produção artística, li-terária e bom desenvolvimento tecnológico.

cético: aquele que não confia, duvida; descrente.

clássico: que segue ou está de acordo com os cânones ou usos estabelecidos ou que é conforme com um ideal; tradicional.

conclAmAr: chamar com insistência, amplamente e de maneira oficial; convocar.

compilAção: reunião, coleção de textos, documentos ou trechos de autores diversos.

consenso: concordância ou uniformidade de opiniões, pensamentos, sentimentos, crenças etc., da maioria ou da totalidade de membros de uma coletividade.

cosmopolitismo: afeição, interesse por tudo o que pro-vém de ou que caracteriza os grandes centros urbanos.

denotAr: mostrar, indicar por meio de sinais ou indícios.

despojAmento: ato de despojar-se - privar(-se) da posse; desapossar(-se).

desvendAr: tornar(-se) patente ou manifesto; dar(-se) a conhecer; revelar(-se).

disseminAr: tornar(-se) amplamente conhecido; divulgar(--se), difundir(-se), propagar(-se).

eixo: a ideia fulcral; o ponto mais importante; o centro das atenções.

empreendimento: ato de uma pessoa que assume uma ta-refa ou uma responsabilidade.

engAjAmento: participação ativa em assuntos e circuns-tâncias de relevância política e social, passível de ocorrer

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resumO

Nesse capítulo, foram apresentados os antecedentes da Semana de Arte Mo-derna, em 1922, sua realização, o con-texto histórico da época, bem como o primeiro momento do Modernismo e seus autores mais relevantes. Deve-se ressaltar que nem todos os intelectuais que participaram dessa fase foram con-templados, pois, como já foi dito, so-mente os que mais foram ressaltados.

18 Capítulo 1

por meio de manifestação intelectual pública, de natureza teórica, artística ou jornalística.

epifAniA: apreensão intuitiva da realidade por meio de algo ger. simples e inesperado (como um lugar-comum ou uma pessoa vulgar).

epopeiA: poema épico ou longa narrativa em prosa, em estilo oratório, que exalta as ações, os feitos memoráveis de um herói histórico ou lendário que representa uma co-letividade.

esmero: apuro, perfeição, refinamento.

estAbilidAde: condição do que se mantém constante, in-variável.

estéticA: segundo o criador do termo, o filósofo alemão Alexander Baumgarten (1714-1762), ciência das faculda-des sensitivas humanas, investigadas em sua função cog-nitiva particular, cuja perfeição consiste na captação da beleza e das formas artísticas.

etniA: coletividade de indivíduos que se diferenciam por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua, religião e maneiras de agir; grupo étnico.

evidente: claro, aceitável, indiscutível pela incontestabili-dade; indubitável, patente, irrefutável.

expoente: indivíduo que, por possuir qualidades ou atri-butos notáveis, é visto como representante ilustre de sua classe, profissão etc.

fábulA: narração de aventuras e de fatos (imaginários ou não), no romance, na epopeia, no conto; fabulação.

imAginário: criado pela imaginação e que só nela tem existência; que não é real; fictício.

influênciA: poder de produzir um efeito sobre os seres ou sobre as coisas, sem aparente uso da força ou de auto-ritarismo.

ingenuidAde: qualidade, caráter de ingênuo; simplicida-de, candura, singeleza.

impulsivo: diz-se de ou indivíduo que atua, reage sob o impulso do momento, de maneira irrefletida.

insólito: que se opõe aos usos e costumes; que é contrá-rio às regras, à tradição.

intenso: que se manifesta ou se faz sentir com força, com vigor, com abundância.

intrínseco: que faz parte de ou que constitui a essência, a natureza de algo; que é próprio de algo; inerente.

lirismo: exaltação do espírito, que se manifesta pela ex-pressão viva de sentimentos; paixão.

lúdico: que visa mais ao divertimento que a qualquer ou-tro objetivo.

mAestriA: perfeição.

metA: objetivo que se almeja.

místico: relativo à vida espiritual e contemplativa.

mundividênciA: percepção, concepção de mundo.

notoriedAde: importância social, fama proveniente de ações, opiniões de um indivíduo consideradas valorosas pela sociedade; notabilidade.

peculiAr: que é predicado de algo ou de alguém; próprio.

permeAr: atravessar.

plAsmAr: dar forma a (alguém, algo ou si mesmo); modelar(-se), organizar(-se).

poéticA: sistema poético de um escritor, de uma época, de um país.

portA-voz: indivíduo que fala publicamente por outro.

predominAnte: que predomina; prevalecente, dominante.

primAr: chamar a atenção por causa de alguma qualida-de ou algum defeito; destacar-se, distinguir-se.

profAno: que não pertence ao âmbito do sagrado.

proferir: dizer em voz alta ou fazer publicar; decretar.

propAgAr: tornar(-se) amplamente conhecido; difundir, divulgar, propalar.

rApsódiA: peça musical de forma livre que utiliza ger. melodias, processos de composição improvisada e efei-tos instrumentais de determinadas músicas nacionais ou regionais.

repudiAr: opor recusa a; demonstrar rejeição por; repelir.Resgatar: recuperar.

substrAto: que atua no interior; íntimo.

veemente: em que se coloca ânimo, energia, vigor; enér-gico, forte, vigoroso.

vertente: de que se trata; a respeito de que se fala; que é objeto de discussão.

19Capítulo 1

referÊncias

ANDRADE, Mário. Macunaíma. Rio de Janeiro: Ed. Agir, 2008.

ARRIGUCCI, Jr. Davi. O humilde cotidiano de Manuel Bandeira. In: SCHWARZ, Roberto. (Org.). Os pobres na literatura brasileira. S. Paulo: Ed. Brasiliense, 1983, p. 106 a 122.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

BRITO, Mário da Silva. História do modernis-mo brasileiro: antecedentes da Semana de Arte Moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.

BOZI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1997.

COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. Era modernista. Vl. V. São Paulo: Global, 1997.

MACHADO, Antônio de Alcântara. Brás, Bexi-ga e Barra Funda. São Paulo: Ática, 2002.

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasi-leira: modernismo (1922-atualidade) – Vl. V – São Paulo: Cultrix, 1997.

21Capítulo 2Capítulo 2Capítulo 2

OBjetivOs específicOs

• ConhecerospressupostosquenortearamasegundafasedoModernismo.

• Compreenderatrajetóriadanovaestéticaadotadapelosautores.

• Entenderaimportânciadessemomentoparaaliteraturabrasileira.

intrOduçãO

O segundo momento modernista tem início em 1928, com a publicação de várias obras e termina em 1945, com o surgimento da chamada “Geração de 45”. Se bem que alguns críticos alegam que o Modernismo tenha terminado em 1930, “com o advento das revoluções políticas e da pacificação literária”. (Cou-tinho,1997, p. 170). Para Mário de Andrade, seria mesmo 1930, tendo em vista, ter sido um momento destruidor e desde então já poder se falar em construção; para outros, porque finalizava o “primitivismo” paulistano e finalmente predo-minava a preocupação com o homem em detrimento da paisagem. Existe ainda a premissa de que o seu término teria sido em 1932, momento em que “cedia o posto ao Pós-Modernismo”, no entanto, isso nunca ficou muito bem definido.

O período de 1928 a 1945 foi de grande relevância na produção literária, pois, tanto na poesia quanto na prosa e até na crítica, estava se consolidando uma nova era na literatura brasileira.

Além do que já havia sido publicado até 1928, pois até então, grandes autores já haviam dado a sua significativa contribuição, surgiram outros, adeptos dessa nova estética que puderam alçar vôos dentro das novas coordenadas. Todas essas mu-danças, em parte, se devem às sementes plantadas pelo movimento de 1922, bem como pelas revoluções de 1930 e 1932. Foi um momento de grande criatividade.

Algumas revistas surgiram nesse período: Movimento Brasileiro (1929), Boletim de Ariel (1931) e Lanterna Verde (1934), Revista do Brasil (1938) todas no Rio de Janei-ro. Em São Paulo, vem a público, a Revista Nova (1931). Essas revistas divulga-vam a nova fase da literatura.

Escritores, sociólogos e historiadores se voltam para tratar sobre a realidade na-cional, questão iniciada em 1922, com o lema “vamos abrasileirar o Brasil”. As condições políticas, econômicas, geográficas e históricas são temáticas para a pro-dução, não somente do ensaio sócio-histórico, bem como a produção literária,

mOdernismO

Profa. Drª. silvania Núbia ChagasCarga Horária | 15 horas

22 Capítulo 2

pois é nesse momento que nasce o “romance de 30”, principalmente no Nordeste e no Sul, alcançando tanta notoriedade quanto o romance do final do século XIX.

1. pOesia

A poesia do Modernismo teve suas raízes calcadas na Europa, houve um desejo de atualização de acordo com as correntes vanguardistas. O objetivo da Revista Klaxon não era praticar uma poesia inédita, nunca vista, mas sim uma poesia atual. Diante disso, a estética que se praticava na Europa nesse momento, por poetas como Rimbaud, Apollinaire entre outros, servia de modelo para o empreendimento modernista aqui no Brasil.

Agora, no segundo momento, “Adquirida, porém, a consciência nacional, já a poesia modernista toma consciência de si própria e passa a independer das modas europeias, convicta de sua própria existência” (Coutinho, 1997, p. 172) Isso não quer dizer que se passe a menosprezar o que vem de fora, mas a mani-festação de interesse agora tem outro objetivo, ou seja, agora servirá como ponto de referência para atuali-zação e não mais para imitação ou cópia.

Carlos Drummond de Andrade, falando sobre a poesia que caracterizou a ruptura com a estética anterior, afirma:

a poesia modernista foi, em grande parte, uma poesia de região, de município e até de povoado, que se atribuiu a missão de redescobrir o Brasil, considerando-o antes encoberto do que revelado pela tradição literária de cunho europeu (...) Mas esse ex-cesso de Brasil corria o risco de degenerar simplesmente em excesso de pitoresco, de tal modo o particular se substituía ao geral,

na sofreguidão dos revolucionários, marcados ainda por uma tendência pulverizada de humorismo.(In: Coutinho, 1997, p. 171)

No entanto, como bem assinala o poeta, foi, em “grande parte”, não se poder desprezar a poesia moder-nista que não tinha essa preocupação.

Essa é uma fase permeada pela produção literária dos modernistas de 1922 que continuaram ativos e por outros que surgiram tardiamente. Estes, menos comprometidos com as coordenadas do movimento, puderam cultivar outras temáticas, abrir novos espaços, enfim, requerer para a poesia uma nova missão. Há, nesse momento uma preocupação maior com o homem, ou seja, com o ser social. Como já foi dito, pensa-se até em pós-modernismo, como se o movimento Modernista já tivesse chegado ao ápice e agora cedesse espaço para um novo ideário. Massaud Moisés, porém, afirma:

Considerar, porém, a década de 30 ‘pós-modernista’, com isso significando o esgotamento das propostas estéticas de 22, está longe de ser verdadeiro. Não obstante as novidades trazidas pelos ‘novos’, continua em vigência o ‘Modernismo’ ...” (Moisés,

1993, p. 330)

Vários poetas colaboraram com a produção literária nesse momento do Modernismo, como Augusto Fre-derico Schimidt, Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Vinícius de Moraes, entre outros.

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Mário Quintana Augusto F.Schmidt Murilo Mendes Carlos Drummond

de Andrade Vinícius de Moraes

GALERIA

23Capítulo 2

auGusto FrEdErIco schMIdt

Augusto Frederico Schmidt (1906-1965) viveu em São Paulo entre 1924 e 1925, quando se integrou ao grupo que fez parte do Movimento Modernista em 1922. Sua produção literária foi bem expres-siva, chegou a ser editor, publicando obras de vá-rios escritores que se revelaram grandes talentos da literatura brasileira. Foi, também, industrial e di-plomata, sem jamais interromper a sua carreira de poeta. Várias foram as suas publicações, entre elas: Canto do Brasileiro (1928); Cantos do Liberto (1928); Navio Perdido (1929); Canto da Noite (1934); Estrela Solitária (1940); Fonte Invisível (1949); Mensagem dos Poetas Novos (1950); O Caminho do Frio (1964).

Talvez, por ter se filiado ao Movimento tardia-mente, Schmidt não obedece rigorosamente às coordenadas da estética proposta, uma vez que a sua forma de expressão nem sempre contempla os pressupostos do Modernismo, ou seja,

A recusa ao lirismo amoroso (logo mais desmentida) vem acompanhada, pois, de anti-nacionalismo. Se aquela pode ser interpretada como expressão natural de alguém que se alistou nas fileiras modernistas, este deve ser entendido como repúdio ao fácil patriotismo que agitou essas mes-mas hostes revolucionárias. Tal repúdio envolve, ao mesmo tempo, a aversão a certos aspectos do Modernismo, que permitem supor, pelo menos, a inadequação do poeta às suas principais matrizes. Refiro-me ao verso livre, vizinho da prosa, à descontração inconseqüente, ao humor juvenil. (Moisés, 1993, p. 335)

Augusto Federico Schmidt abre o seu poema Canto do Brasileiro, assim:

Não quero mais o amor,Nem mais quero cantar a minha terra.Me perco neste mundoNão quero mais o BrasilNão quero mais geografiaNem pitoresco.Quero é perder-me no mundoPara fugir do mundo.(In: Coutinho, 1997,p. 174)

Pode-se perceber aí todos os pressupostos elenca-dos por Massaud Moisés anteriormente.

MárIo quIntana

Mário de Miranda Quintana (1906-1994) teve seus primeiros poemas publicados na Revista do Globo, em 1930, mas foi somente em 1940 que publicou

seu primeiro livro A Rua dos Cataventos; poste-riormente, publicou Canções (1946), Sapato Florido (1948), O aprendiz de Feiticeiro (1950), Espelho Má-gico (1951), Apontamentos de História Sobrenatural (1976), A Vaca e o Hipogrifo (1977) e Baú de Espantos (1986).

Ao iniciar suas publicações em livro já estava com 34 anos, podendo ser considerado como um dos integrantes da “geração de 1945”, ou como aque-les retardatários que reagiram contra os excessos de 1922, pregando a volta das formas tradicionais à poesia, mas, nos dois casos, fica difícil integrá-lo, pois a sua poética, como bem disse Augusto Meyer, “não cabia em nenhuma receita ou formulário do momento”. (In: Moisés, 1993, p. 347) A poesia de Mário Quintana traz em seu bojo as marcas da dé-cada de 1930, na vertente espiritualista, calcada no Simbolismo.

Segundo Alfredo Bosi, Mário Quintana foi um “poeta que encontrou fórmulas felizes de humor sem sair do clima neo-simbolista que condicionara a sua formação.” (1997, p. 519). Vejamos:

canção do dIa dE sEMPrE

Tão bom viver dia a dia... A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida, Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio: Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua, Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança Das outras vezes perdidas, Atiro a rosa do sonho Nas tuas mãos distraídas...

In: http://www.fabiorocha.com.br/mario.htm Mário Quintana, mesmo sem a possibilidade de situar a sua poética dentro de uma estética precisa dos movimentos Simbolista ou Modernista, pois,

24 Capítulo 2

como já foi dito, nunca houve essa preocupação por parte do poeta, não deixa de ser um grande nome da literatura brasileira.

Carlos Drummond de Andrade é talvez o único poeta mo-derno do Brasil cuja nota político-social não dá a impres-são de mero panfleto ou de simples atitude, mas se alça ao nível da poesia cristalizada e expressa: por isso mesmo, já houve quem o dissesse um ‘poeta público’. Melhor dizer que é o único de emoção realmente coletiva, apto a trans-mitir essa emoção em poemas que ostentam peremptoria-

mente seu ‘poder de palavra’. (1997, p.137)

Vejamos:

sonEto a PErdIda EsPErança

Perdi o Bonde e a esperança.Volto pálido para casa.A rua é inútil e nenhum autoPassaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lentaEm que caminhos se fundem.Todos eles conduzem aoPrincípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendoou se é alguém que se divertepor que não? na noite escassa

com um insolúvel flautim.Entretanto há muito tempoNós gritamos: sim! ao eterno.(Andrade, 2008, p. 23)

Poética universal permeada pelo engajamento político, contrabalanceado pelo apelo individual, Drummond é um homem do seu tempo, não so-mente meditando sobre “o provisório e o eterno”, “o aquém e o além”, mas também sobre “questões menos circunstanciais”. (Moisés,1993, p. 361)

Carlos Drummond de Andrade foi um dos maio-res poetas da literatura brasileira e porque não di-zer, da língua portuguesa. Sua obra tornou-se, ao longo do tempo, uma referência universal.

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Mário Quintana e sua

obra, acessando o site:

http://www.releituras.com/mquintana_

bio.asp

carlos druMMond dE andradE

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) es-treia em 1930, com a publicação de Alguma Poe-sia. A poética de Carlos Drummond de Andrade permeia praticamente todas as fases do Modernis-mo após 1922, tornando-se uma espécie de símbo-lo de todas as tendências desse movimento.

Além de Alguma Poesia, Drummond publicou vá-rias obras, entre elas, Brejo das Almas (1934); Senti-mento do Mundo (1940); Poesias (1942); A Rosa do Povo (1945); Claro Enigma (1951); Lição de Coisas (1962); Boitempo (1968); As Impurezas do Branco (1973); Discurso de Primavera e Algumas Sombras (1977); Esquecer para lembrar (1979); A Paixão Me-dida (1980); Corpo (1984); Amar se aprende amando (1985).

Carlos Drummond de Andrade, poeta extrema-mente relevante da literatura brasileira, além da poesia, produziu contos e crônicas, mas foi na poe-sia que mais se destacou.

A poética de Drummond se divide em várias fases. Para Mário da Silva Brito, “assenta-se em três ba-ses: a província, a família e o mundo”. (In: Moisés, 1993, p. 355) Ao que Massaud Moisés acrescenta:

E ainda é de observar o surgimento de outra das caracterís-ticas do autor, a preocupação com o ‘mistério da poesia’, estampada numa poética, primeira de uma série em que condensará o resultado de suas indagações nesse terre-no...” (1993, p. 355)

A poética de Drummond está centrada na preo-cupação com o homem como ser social, com “o regional e o cósmico”, com o “contemporâneo e o eterno”. O que resulta de tudo isso é a contensão que será cultivada ao longo do tempo. Sobre isso, Afrânio Coutinho afirma:

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Drummond e sua poéti-

ca, acessando o site:

http://www.releituras.com/drummond_

bio.asp

Leia também o ensaio A cartografia lírico-

-social de sentimento do mundo, de Vag-

ner Camilo, na Revista USP. Acesse:

http://www.usp.br/revistausp/53/06-vag-

ner.pdf

25Capítulo 2

atividade |Leia alguns poemas de Carlos Drummond de Andrade e faça uma análise, procurando em sua tessitura elementos que demonstrem ca-racterísticas da poesia moderna, bem como o contexto histórico em que cada um deles se apresenta. Em seguida, poste no Fórum Tira dúvidas e peça aos colegas que leiam, comen-tem e complementem a sua análise.

MurIlo MEndEs

Murilo Monteiro Mendes (1901-1975) publicou seu primeiro livro Poemas, em 1930. Autor de uma poesia de cunho surrealista e de uma liberdade de expressão nem sempre muito compreendida, pois para se interpretar os seus poemas, precisa-se “re-correr à noção de antinomia, paradoxo, polivalên-cia e cognatos...” (Moisés, 1993, p. 368)

Além de Poemas, Murilo Mendes publicou História do Brasil (1932); Tempo e Eternidade, em colabora-ção com Jorge de Lima (1935); A Poesia em Pânico (1938); O Visionário (1941); As Metamorfoses (1944); Mundo Enigma (1945); Poesia Liberdade (1947); Con-templação de Ouro Preto (1954), entre outros.

Poesia considerada complexa, pois tem a sua estru-tura marcada por conflitos e oposições, gravita en-tre “forma e transparência ou signo e significado”.

Trata-se de uma poesia cuja emoção é repelida pelo poeta, pois o que importa é o intelecto, parece ade-rir ao preconceito do modernismo contra a emo-ção. No entanto, em uma determinada fase, a sua poética irá primar pela religiosidade. Vejamos o que diz o próprio poeta sobre a elabora-ção de sua obra:

Nossa época, nascida sob o signo do relativismo, se distin-gue em boa parte pela flutuação e instabilidade das idéias. (...) Em minha poesia procurei criar regras e leis próprias, um ritmo pessoal, operando desvios de ângulos, mas sem perder de vista a tradição.(...) Preocupei-me com a apro-ximação de elementos contrários, a aliança dos extremos, pelo que dispus muitas vezes o poema como um agente ca-paz de manifestar dialeticamente essa conciliação, produ-zindo choques pelo contato da idéia e do objeto díspares, do raro e do quotidiano etc. (...) Atraído simultaneamente pelo terrestre e o celeste, pelo animal e o espiritual, en-tendi que a linguagem poderia manifestar essa tendência, sob a forma dum encontro de palavras extraídas tanto da

Bíblia como dos jornais; procurando mostrar que o ‘social’ não se opõe ao ‘religioso’.(In: Candido e Castello, 1968, p. 180/181)

Dessa forma, Murilo Mendes define todas as fases da sua poética, ou seja, sua complexidade na for-ma, o conflito, a liberdade de expressão, o surrea-lismo e a religiosidade. Vejamos:

MEtadE Pássaro

A mulher do fim do mundoDá de comer às roseiras,Dá de beber às estátuas,Dá de sonhar aos poetas.

A mulher do fim do mundoChama a luz com um assobio,Faz a virgem virar pedra,Cura a tempestade,

Desvia o curso dos sonhos,Escreve cartas ao rio,Me puxa do sono eternoPara os seus braços que cantam.(In: Bosi, 1997, p. 502)

o Pastor PIanIsta

Soltaram os pianos na planície desertaOnde as sombras dos pássaros vêm beber.Eu sou o pastor pianista,

Vejo ao longe com alegria meus pianosRecortarem os vultos monumentaisContra a lua.

Acompanhado pelas rosas migradorasApascento os pianos que gritamE transmitem o antigo clamor do homemQue reclamando a contemplaçãoSonha e provoca a harmonia,Trabalha mesmo à força,E pelo vento nas folhagens,Pelos planetas, pelo andar das mulheres,Pelo amor e seus contrastes,Comunica-se com os deuses.(In: Candido e Castello, 1968, p. 193)

Murilo Mendes, em sua poética, lutou sempre para conciliar os opostos, quando conseguiu isso, colocou-se entre os melhores poetas da literatura brasileira.

26 Capítulo 2

VInIcIus dE MoraIs

Marcos Vinicius de Melo Morais (1913-1980) em 1933 publica o seu primeiro livro de poemas, O Caminho para a Distância. A sua poética está divi-dida em duas fases: a primeira transcendental e, às vezes, mística; já a segunda caracteriza-se pela apro-ximação com o mundo material. Tendo iniciado sua carreira de poeta muito jovem, recorreu ao pas-sado lírico, representado pelo Simbolismo, porém, com traços marcantes do Modernismo.

Posteriormente, publicou Forma e Exegese (1935); Ariana, a Mulher (1936); Novos Poemas (1938); Cinco Elegias (1943); Poemas, Sonetos e Baladas (1946); Pá-tria Minha (1949); Antologia Poética (1954); Livro de Sonetos (1957); Novos Poemas, II (1959); Cordélia e o Peregrino (1965) e vários livros de crônicas.

A poética de Vinicius é uma “poesia confessio-nal, adolescente, de um romântico retardatário. A expressão que a reveste peca por ser excessiva-mente ‘literária’, convertendo em Arte o que seria transbordamento duma crise mística ou religiosa”. (Moisés, 1993, p. 377)

Na primeira fase, como já foi dito, a sua poética está permeada pelo transcedentalismo e lirismo oriundo do Simbolismo; já na segunda, o materia-lismo, o gozo da existência, o erotismo são predo-minantes, porém a temática cultivada naquela – a paixão – continua vigente nesta.

A forma poética cultivada por Vinicius, principal-mente em sua segunda fase, é o soneto.

“Seus sonetos são permeados por uma aragem camoniana que, não os desmerecendo, antes pelo contrário, dá a me-dida da inspiração: seu talento enrijece-se, estabelecendo equilíbrio entre o sentimento romântico e a estrutura clás-

sica.” (Moisés, 1993, p. 378)

Veja-se:

sonEto da FIdElIdadE

De tudo, ao meu amor serei atentoAntes, e com tal zelo, e sempre, e tantoQue mesmo em face do maior encantoDele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momentoE em seu louvar hei de espalhar meu cantoE rir meu riso e derramar meu prantoAo seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procureQuem sabe a morte, angústia de quem viveQuem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):Que não seja imortal, posto que é chamaMas que seja infinito enquanto dure.(In: Moisés, 1993, p. 379)

sonEto da sEParação

De repente do riso fez-se o prantoSilencioso e branco como a brumaE das bocas unidas fez-se a espumaE das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o ventoQue dos olhos desfez a última chamaE da paixão fez-se o pressentimentoE do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repenteFez-se de triste o que se fez amanteE de sozinho o que se fez contente,

Fez-se do amigo próximo o distante,Fez-se da vida uma aventura errante,De repente, não mais que de repente.

Há quem diga que a poética de Vinicius “é antes de tudo, expressão de um caso pessoal”, talvez por conta do seu lirismo, mas não se pode desconside-rar a sua relevância para a nossa literatura.

Após essa segunda fase, Vinicius de Moraes enve-redou pela música popular brasileira, área em que também foi muito profícuo e, segundo alguns críti-cos, abandonou a poesia.

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Vinicius de Morais e sua

obra, acessando o site:

http://www.releituras.com/viniciusm_bio.

asp

2. ensaiO

Além da poesia e da prosa, que trataremos adiante, outro gênero se destacou nesse segundo momento – o ensaio. Dois nomes se ressaltaram: Gilberto Freyre (1900-1987) e Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982).

27Capítulo 2

Gilberto Freyre, com a publicação de Casa-Grande e Senzala em 1933, obra oriunda de seu trabalho para obtenção do título de mestre em uma univer-sidade norte-americana, nos propiciou uma obra fundamental para o conhecimento de nossa iden-tidade histórica.

Posteriormente publicou Sobrados e Mucambos (1936), Nordeste (1937), O mundo que o português criou (1940), Região e Tradição (1941), Sociologia (1945), Ingleses no Brasil (1948), Aventura e Rotina (1953), Um Brasileiro em Terras Portuguesas (1953), Ordem e Progresso (1959), entre outras.

A obra que recebeu mais destaque foi Casa-Grande e Senzala, porém, em toda a sua trajetória, Gilberto Freyre desenvolveu um longo trabalho acerca da família patriarcal brasileira, sempre analisando as relações Portugal e Brasil, a casa grande e a senzala, ou seja,

(...) examina as relações entre o colonizador latifundiário e escravocrata, e o servo, índio no princípio, negro poste-riormente; ali, o substrato histórico-social desse binômio. Traça o perfil do português quinhentista que aportou às nossas plagas e suas origens étnicas desde antes da fun-dação da nacionalidade, e o retrato do solo e gente que encontrou e colonizou à sua imagem e semelhança, para aqui trazendo valores, crenças, uma visão do mundo e as soluções práticas empregadas em território continen-tal e/ou aprendidas no contato com os povos africanos e asiáticos descobertos após a Tomada de Ceuta em 1415. (Moisés, 1993, p. 171)

Dessa forma, Gilberto Freyre trata da formação da cultura brasileira mediante a cultura imposta pelos portugueses.

Obra que contém em sua linguagem certo pendor literário, pois, “se lê com agrado, quase como se se percorresse um romance.” Inclusive no prefácio da primeira edição de Casa-Grande e Senzala, chega a relacionar vários romancistas em cujas obras se ‘recolheu muito detalhe da vida e dos costumes da antiga família patriarcal’, mas em seu ensaio só chega a mencionar Macedo e Machado de Assis. (Moisés, 1993, p. 173)

Trabalho exaustivo e minucioso, a obra de Gilber-to Freyre nos faz perceber que estamos diante de uma espécie de porta-voz do contexto histórico do segundo momento do Modernismo.

Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), com a publicação de Raízes do Brasil em 1936, “realizava os ideais acalentados pela geração de 22”, e dar continuidade ao projeto de Gilberto Freyre no que se refere ao passado patriarcal do país. Segundo Massaud Moisés:

Raízes do Brasil é bem o ensaio de um participante do grupo revolucionário de 22: nele, o impulso nacionalista, tomado a sério, se casa a um estilo nitidamente literário; e os apor-tes sociológicos se mesclam com a visão historiográfica e estética de nossas raízes coletivas. (1993, p. 175)

Buscando compreender o nosso “perfil histórico”, a obra retoma marcas históricas que demonstram as características do nosso povo que não permitem um desenvolvimento harmonioso.

A diferença entre Raízes do Brasil, de Sérgio Buar-que de Holanda e Casa-Grande e Senzala, de Gil-berto Freyre, é que esta se apoia numa rica biblio-grafia, que lhe dá um caráter científico, já aquela é subsidiada pela erudição do autor. Além disso, enquanto o primeiro assume uma postura crítica e mais generalizante, o segundo aposta no descriti-vo, deixando os fatos falarem por si, fazendo ape-nas as induções necessárias.

Além dessa obra, Sérgio Buarque de Holanda pu-blicou História do Brasil (1944), em pareceria com Octavio Tarquínio de Sousa, A Expansão Paulista do Século XVI e Começo do Século XVII (1948) e, Visão do Paraíso (1959), em que parece retomar ao clima de Raízes do Brasil, tratando, dessa vez dos ‘motivos edênicos no descobrimento e coloniza-ção do Brasil’, que foi sua tese para o concurso de História do Brasil, da Universidade de São Paulo.

Enfim, as obras de Gilberto Freyre e de Sérgio Buarque de Holanda têm mais diferenças que semelhanças. No entanto, foram determinantes para incentivar o romance social de 1930, pois “enquanto um se concentra no passado a fim de compreendê-lo e enaltecer-lhes as virtudes, o ou-tro atravessa todo o nosso conspecto histórico à procura das pistas que anunciem o futuro”. (Moi-sés, 1993, p. 177)

Assim, esses dois ensaístas foram fundamentais para a construção de nossa literatura.

28 Capítulo 2

GLOssÁriO

AntinomiA: contradição entre quaisquer princípios, dou-trinas ou prescrições.

ArAgem: conjuntura ou momento favorável.

Aversão: sentimento de repugnância em relação a pessoa ou coisa; repulsão, antipatia.

conciliAr: harmonizar ou harmonizarem-se (coisas con-trárias, contraditórias, incompatíveis ou que assim o pare-çam); compatibilizar.

convicto: que tem convicção de algo; convencido, per-suadido.

degenerAr: mudar para pior; transformar-se, piorando.

diAléticA: no aristotelismo, raciocínio lógico que, embora coerente em seu encadeamento interno, está fundamenta-do em idéias apenas prováveis, e por esta razão traz sem-pre em seu âmago a possibilidade de sofrer uma refutação.

díspAres: lat. dispar,àris ‘dessemelhante, diferente, desigual.

enAltecer: tornar glorioso; exaltar, engrandecer.

enveredAr: fazer seguir ou seguir determinado caminho (em sentido intelectual, ideológico ou moral).

grAvitAr: ser fortemente atraído por um centro de influên-cia (pessoa ou coisa).

pAnfleto: texto curto, violento e sensacionalista.

pArAdoxo: pensamento, proposição ou argumento que contraria os princípios básicos e gerais que costumam orientar o pensamento humano, ou desafia a opinião con-sabida, a crença ordinária e compartilhada pela maioria.

peremptório: que é terminante, definitivo, decisivo.

polivAlente: que apresenta múltiplos valores ou oferece várias possibilidades de emprego, de função.

pós-modernismo: denominação genérica dos movimen-tos artísticos surgidos no último quartel do século XX, ca-racterizados pela ruptura com o rigor da filosofia e das práticas do Modernismo, sem abandonar totalmente seus princípios, mas fazendo referências a elementos e técni-cas de estilos do passado, tomados com liberdade formal, ecletismo e imaginação; pós-moderno.

profícuA: que dá proveito; de que resulta o que se esperava.

rupturA: interrupção de continuidade; divisão, corte.

sofreguidão: desejo ou ambição de conseguir sem de-mora alguma coisa; impaciência, ansiedade, avidez.

referÊncias

ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. Rio de Janeiro: Record, 2008.

BOZI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1997.

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Gilberto Freyre, acessando

o site:

www.releituras.com/gilbertofreyre_bio.asp

Saiba mais sobre Sérgio Buarque de Holan-

da, acessando o site:

http://www.unicamp.br/siarq/sbh/

Leia o artigo de Leandro Konder, Intelectuais

brasileiros & marxistas: Sérgio Buarque de

Holanda, no site:

h t t p : / / w w w. e s p a c o a c a d e m i c o . c o m .

br/081/81konder.htm

Leia na revista Estudos Avançados, o artigo

de Maria Odila Leite da Silva Dias, Sergio Bu-

arque de Holanda na USP, no site:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_

arttext&pid=S0103-40141994000300033

resumO

Neste capítulo, foram apresentadas as características do II Momento Moder-nista, a poesia e seus principais poetas e a maneira como contribuíram para a trajetória da Literatura Brasileira, bem como os ensaístas Gilberto Freyre e Sér-gio Buarque de Holanda, os quais, com suas obras, contribuíram de forma rele-vante para o romance social de 1930.

29Capítulo 2

CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderal-do. Presença da literatura brasileira. Modernis-mo. Vl.III. S. Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968.

COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. Era modernista. Vl. V. São Paulo: Global, 1997.

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasi-leira: modernismo (1922-atualidade) – Vl. V – São Paulo: Cultrix, 1993.

31Capítulo 3Capítulo 3

OBjetivOs específicOs

• Conhecerocontextohistóricoquenorteouoromancede30.

• Compreender a estética da prosa regionalista e da prosa introspectiva dadécada de 1930.

• Entenderatrajetóriadoromancebrasileiro.

intrOduçãO

O romance de 30, também conhecido como romance social ou romance regiona-lista, teve sua grande repercussão na região Nordeste. No Sul só quem conseguiu ter o mesmo destaque foi o escritor Érico Veríssimo.

Foi nos anos 30 que se deu “a grande explosão do romance moderno brasileiro – marcado então por definida vocação social e agudo posicionamento crítico com relação às estruturas vigentes”. (Almeida, 1999, p. 202)

Novos estilos permeavam a ficção brasileira, propiciados tanto pelo Modernismo como também pelos acontecimentos históricos da época.

O Modernismo e, num plano histórico mais geral, os abalos que sofreu a vida brasileira em torno de 1930 (a crise cafeeira, a Revolução, o acelerado declínio do Nordeste, as fendas nas estruturas locais) condicionaram novos estilos ficcionais marcados pela rudeza, pela captação direta dos fatos, enfim por uma retomada do naturalismo, bastante funcional no plano da narração-documento que então prevaleceria. (Bozi, 1997, p. 438)

Para essa “narração-documento”, as obras de Gilberto Freyre e de Sérgio Buarque de Holanda, de caráter documental, muito contribuíram, pois, segundo Massaud Moisés,

...De um lado, temos a vertente realista, entroncada no Realismo oitocentista, prolongando-se os traços que persistiram, apesar de tudo, no decurso da belle époque e das arremetidas iniciais do Modernismo; ou retomando-lhe, por vezes, as teses “científicas” e so-ciais. Tal filiação se manifesta no romance social, romance de tese, romance-denúncia, roman-ce-documento, agora defendendo posições de teor marxista, fruto da propagação do ideário socialista de origem soviética. Outra modalidade do realismo não confundida com a outra, se encontra na tendência para registrar as marcas regionais de certas situações ou paisagens físicas e humanas, ou os sinais típicos de certos meios urbanos, paredes-meias com o costumbrismo, igualmente a explorar um veio patente na ficção do século XIX.(1993, p. 179)

O rOmance de 30Profa. Drª. silvania Núbia Chagas

Carga Horária | 15 horas

32 Capítulo 3

Por causa disso, esse momento também foi chamado de neorrealista. No entanto, houve uma segunda ver-tente representada pela ficção psicológica ou introspectiva, oriunda ainda do Simbolismo, bem como da belle époque, ou seja, “a prosa de ficção de 30 ergue-se sob o signo da pluralidade, razão por que somente se pode aceitar por necessidade de clareza a sua bifurcação em duas linhas contrastantes, uma realista e outra introspectiva”.(Moisés, 1993, p. 256)

O apelo ao pitoresco, tão comum na literatura regionalista do século XIX, tende a se manifestar nesse mo-mento, tanto é que alguns escritores, como Graciliano Ramos e Jorge Amado, percebendo o esgotamento da temática, procuram enveredar por um realismo mais brando, embora sem renunciar as suas posições revolucionárias. E isso vai repercutir no terceiro momento do modernismo, pois escritores como Guima-rães Rosa, Osman Lins, entre outros, vão procurar dar outras feições ao regionalismo valendo-se do mito, por exemplo.

A principal temática desse momento é a seca junto com o cangaço e o misticismo, cujos representantes desse ciclo são José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos. Além disso, teremos também o açúcar, representado por José Lins do Rego, o cacau por Jorge Amado e o ciclo amazônico por Peregrino Júnior, bem como o ciclo gaúcho, por Érico Veríssimo. Como já foi dito, porém, é no Nordeste onde houve a maior repercussão desse romance, o que na época foi muito bom, pois descentralizou um pouco a produção literária que antes só acontecia de maneira enfática no Rio de Janeiro. Segundo Afrânio Coutinho,

A região nordestina prestava-se à maravilha para a valorização das tradições culturais, daí a força com que o movimento regiona-lista se difundiu por toda a região, da Bahia ao Ceará e mais ao Norte. A fórmula era buscar o ambiente social, cultural e geográ-

fico os elementos temáticos, os tipos de problemas, os episódios, que seriam transformados em matéria de ficção. (2004, p. 278)

Quanto ao estilo, ressalta Massaud Moisés, “observa-se o gosto pelo coloquial, e, mesmo pelo folhetinesco, sob o pressuposto de se dirigir ao leitor comum, de poucas letras, cuja causa ali se defende e a quem se pretende transmitir a consciência das injustiças que o reprimem”. (1993, p. 182)

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre o romance de 30, lendo a resenha do livro Uma

História do Romance de 30, de Luís Bueno, publicada na Revista do

Instituto de Estudos Brasileiros, da USP, por Simone Ruffato, no site:

www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/rieb/n44/a13n44.pdf

Font

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Rachel de Queiroz José Lins do Rego

Jorge Amado

José Américo de Almeida

Graciliano Ramos

GALERIA

Érico Verissimo

33Capítulo 3

José aMérIco dE alMEIda

José Américo de Almeida (1887-1980), ao publicar o romance A Bagaceira, em 1928, inicia um novo momento na literatura brasileira, o que lhe confe-re o título de pioneiro. No entanto, se por um lado há esse pioneirismo, por outro há uma retomada ao movimento Romântico, mais precisamente ao Regionalismo, desencadeado durante esse perío-do, o que de certa forma foi inesperado, pois uma nova estética havia se ressaltado com a publicação de Macunaíma nesse mesmo ano. Deve-se conside-rar que esse romance abre um novo ciclo na produ-ção literária, que é o romance de 30.

A Bagaceira traz à tona o mesmo clima plasmado em Casa-Grande e Senzala, o que, segundo Massaud Moisés, traz para a literatura “um recorte passadis-ta”, comprometendo de certa forma o intuito revo-lucionário que reinava no movimento modernista, ou seja, “dir-se-ia que o Modernismo, ao tentar pôr em prática os ideais de 1922, assumiu uma pos-tura imprevistamente conservadora, quando não retrógrada”. (Moisés, 1993, p. 182) No entanto, no prefácio do romance, o autor faz afirmações que vislumbram a sua rejeição tanto ao Romantismo como ao Naturalismo, pois anuncia seus princípios estéticos, dispondo-se a ‘dizer a verdade’, alegando que ‘a paixão só é romântica quando é falsa’, afir-mando que ‘o Naturalismo foi uma bisbilhotice de trapaceiros’, pois ‘ver bem não é ver tudo: é ver o que os outros não veem’.(In: Moisés, 1993, p. 183)

Massaud Moisés, ao analisar o romance de José Américo de Almeida, afirma que

O estilo, procurando modernizar-se, refletir a linguagem fa-lada, acentua, por contraste, a feição romântica da narrati-va. Técnica pontilhista, de frases sincopadas, enunciativas, apura-se em descrições puxadas ao Expressionismo, par a par com a tendência para mostrar a ação das personagens como dados consumados, em vez de narrá-la em curso, im-pelida por uma lenta, gradual e verossímil metamorfose. O autor parece incapaz de ver os protagonistas em liberdade; antes, vislumbra-os monoliticamente, como se suas reações psicológicas fossem perfeitamente previsíveis. A despeito dessas limitações, A Bagaceira reúne os méritos do pionei-rismo, pois franqueou as portas para a ficção nordestina dos anos 30. (Moisés, 1993, p. 186)

No entanto, outro crítico considera o autor “bem mais renovador do que fariam prever tais afirma-ções teóricas”, mesmo escrevendo durante o mo-vimento Moderno, nunca conseguiu se libertar

“de um certo ranço acadêmico” (Almeida, 1999, p. 211), o que se justifica por ter tido a sua formação no início do século, marcado pelo cientificismo positivista e na arte literária, pelo Naturalismo e pelo Parnasianismo.

Além d’A Bagaceira, José Américo de Almeida pu-blicou ainda dois romances: O Boqueirão (1935) e Coiteiros (1936). Publicou também algumas coletâ-neas de ensaios: A Paraíba e Seus Problemas (1922); Ocasos de Sangue (1954) e memórias: Antes Que me Esqueça (1976).

Com a publicação dos três romances, o autor pare-ce construir uma trilogia em torno da temática da seca. No entanto, ao publicar Coiteiros, parece ter esgotado a temática, concluindo sua curta carrei-ra literária ou enveredando por “outras formas de intervenção cultural, mais condizentes com o seu temperamento combativo”. (Moisés, 1993, p. 188)

rachEl dE quEIroz

Rachel de Queiroz (1910-2003) estreia na literatura aos 19 anos com a publicação do romance O Quin-ze, que causou uma boa impressão entre a crítica literária da época. Impressionou não somente pelo estilo, mas também por se tratar de uma escritora tão jovem, o que gerou certa expectativa entre os críticos para os próximos romances da escritora.

O estilo adotado pela escritora na elaboração dessa obra – O Quinze – chamou a atenção do público, pois

A linguagem faz coro com esse realismo sem disfarces: des-pojada, ‘sem literatura’, recorda a concisão do discurso tea-tral, ou da crônica. Aqui talvez se encontre a chave da visão do mundo da autora: vivacidade da crônica, condensação dramática. (...) As frases sincopadas ostentam função estéti-ca e dramática, como se entre a narradora e as personagens

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre José Américo de Almeida,

acessando o site:

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEra-

Vargas1/biografias/jose_americo_almeida

Leia a resenha do romance A Bagaceira, de

José Américo de Almeida, publicada por Zeldi

Lemos, no site:

http://recantodasletras.uol.com.br/resenhas-

delivros/2412067

34 Capítulo 3

não se abrisse distância alguma: a identificação sustentaria o peso grave das palavras, a sua carga semântica. (Moisés, 1993, p. 190)

Posteriormente a escritora publicou João Miguel (1932), Caminho de Pedras (1937), As Três Marias (1939). O Galo de Ouro, publicado primeiramente na revista O Cruzeiro (1950), em folhetim, só pu-blicado em livro em 1985; Dôra, Doralina (1975) e Memorial de Maria Moura (1992).

Rachel de Queiroz publicou também livros infantis, peças de teatro, entre elas Lampião (1953) e A Beata Maria do Egito (1959), mas foi com a publicação de crônicas que a autora obteve maior expressividade.

o romancista pode ser considerado, no campo específico da afirmação crítica e da criação literária, o que foi o inspi-rador do referido movimento no setor das interpretações sociológicas. (In: Almeida, 1999, p. 213)

José Lins do Rego publicou ainda, Pureza (1937), Pedra Bonita (1938), Riacho Doce (1939), Água-Mãe (1941), Fogo Morto (1943), Eurídice (1947), Canga-ceiros (1953); memórias: Meus Verdes Anos (1956); várias crônicas e ensaios e literatura infantil, mas foi com Fogo Morto, que o autor atingiu o ápice na literatura, senão vejamos:

Fogo Morto é, reconhecidamente, a obra-prima de José Lins do Rego e uma das mais representativas não só da ficção dos anos 30 como de todo o Modernismo. A explicação para o fato reside em que o autor alcançava a maturidade sem abjurar de suas mais fundas raízes, patentes no ciclo da cana-de-açúcar. Realizava, por conseguinte, o equilíbrio entre o amadurecimento como ficcionista e o respeito às matrizes de sua cosmovisão: regresso às origens em pleno apogeu existencial e artesanal, eis a razão dessa coerência íntima entre memória e invenção, uma e outra em grau su-perior, de acordo com as possibilidades do escritor. (Moi-sés, 1993, p. 206)

No estilo de José Lins do Rego, a memória é pre-dominante, “é um estilo e uma mundividência sem lirismo e sem conotação política, como se a veracidade das lembranças, pessoais e dos outros, predominasse sobre a vibração interior de quem rememora”. (Moisés, 1993, p. 202/203) É como se a memória servisse de documento para embasar o que está sendo transformado em matéria imagi-nária e isso anulasse as fronteiras entre memória e ficção.

A transição do engenho para a usina na região ca-navieira da Paraíba e de Pernambuco teve a mais alta expressão literária no ‘ciclo da cana-de-açúcar’, de José Lins do Rego, uma vez que

... o romancista soube fundir numa linguagem de forte e poética oralidade, as recordações da infância e da adoles-cência com o registro intenso da vida nordestina colhida por dentro, através dos processos mentais de homens e mulheres que representam a gama étnica e social da região.

(Bosi, 1997, p. 449)

Narrativa de cunho memorialista, confere ao escri-tor o título de representante do Regionalismo no Nordeste, dando início ao romance social de 30 nessa região. As características do povo nordestino e sua realidade física permeiam essa obra, pois,

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Rachel de Queiroz, aces-

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http://www.releituras.com/racheldequei-

roz_bio.asp

Leia a resenha do romance O Quinze, de

Rachel de Queiroz, publicada por Frodo

Oliveira, no site:

http://recantodasletras.uol.com.br/rese-

nhasdelivros/987132

José lIns do rEGo

José Lins do Rego (1901-1957) estreou com a pu-blicação de Menino de Engenho (1932), dando iní-cio ao que se chamou “ciclo da cana-de-açúcar” na literatura. Compõem ainda esse ciclo os romances Doidinho (1933), Banguê (1934), O Moleque Ricardo (1935) e Usina (1936).

Além de essa obra carregar em seu bojo “uma se-quência de capítulos de memórias” (Moisés, 1993, p.201), pois o autor passou toda a sua infância em um engenho de cana-de-açúcar, tem também a in-fluência do pensamento freyryano, uma vez que Gilberto Freyre exerceu grande influência na for-mação literária de José Lins do Rego. Segundo José Aderaldo Castello,

O pensamento crítico de José Lins do Rego, intimamente relacionado com as atitudes, sugestões e preferências de Gilberto Freyre, corresponde, nas suas definições iniciais, à fase heróica do movimento regionalista e tradicionalista centralizado no Recife. Acompanha, desde então, a pró-pria evolução da obra de Gilberto Freyre, motivo pelo qual

35Capítulo 3

Entre as suas obras deposita-se, e mesmo algumas vezes vive, o nordeste úmido das várzeas do Paraíba, com seus cabras do eito, os seus mestres carpinas, as suas negras serviçais para o trabalho e para o amor, os seus senhores de engenho. O escritor penetra pelo interior e amplia-se com o nordeste sertanejo dos cangaceiros, beatos, fanáti-cos e coronéis. Todas estas figuras continuam na ficção a sua linguagem coloquial que invade a literatura brasileira com a força e o vigor raramente encontrados nos que an-tecederam o paraibano na captação da matéria regional.

(Coutinho, 2004, p. 342)

Em Fogo Morto, o descritivismo utilizado pelo au-tor em outras obras cede lugar à “dialogação cons-tante”, que torna viva e concreta a linguagem co-loquial e essa combinação entre o uso do diálogo e a linguagem coloquial é um dos fatores decisivos para que tal obra se torne um marco na literatura brasileira.

Menino de engenho

Publicado em 1932, Menino de Engenho dá início ao ciclo da cana-de-açúcar e se tornará a sua “matriz bá-sica”, pois todos os romances que constituem esse ci-clo estarão permeados pelos pressupostos daquele.

Trata-se de uma obra que entrecruza autobiogra-fia e memória, uma vez que o narrador-menino se confunde com o narrador-adulto: ora pensamos estar lendo o que conta o menino, ora verificamos se tratar do adulto resgatando suas memórias, para contar a história de um menino criado em um engenho no nordeste e, com isso, demonstra não somente o patriarcalismo ali existente, bem como o meio geográfico, social e toda a população que o constitui. Segundo Almeida,

No contexto mais amplo da literatura nordestina, Menino de engenho deixa perceber – mais do que qualquer outra criação ficcional do período – a transição entre o espírito que havia alimentado o movimento regionalista dos anos 20, com sua visão poético-folclórica do Nordeste, e a ati-tude que passa então a prevalecer, caracterizada por uma intenção consciente, por parte dos escritores, de questiona-mento e denúncia da realidade social imperante na região. (1999, p. 216)

No entanto, a parte dramática da obra está dire-tamente relacionada ao menino: seu medo, sua angústia, a iniciação sexual precoce, a descoberta da realidade que o cerca e a forma de se relacionar com o mundo. Enfim, é a transformação que se opera em um menino dos quatro aos doze anos de idade; veja-se que

Os pensamentos ruins principiavam a fazer ninho no meu coração. Batiam asas por fora, mas vinham sempre terminar comigo, nas soluções que me da-vam, nos sonhos que me faziam sonhar, nos ódios a que me arrastavam. Por debaixo dos sapotizeiros, nas sombras amigas destas árvores, à espera dos ca-nários, só pensava pensamentos maus. Criava assim dentro de mim uma pessoa que não era a minha. As reclusões forçadas, a que submetiam o menino que precisava de ar e de sol, iam perdendo mais a minha alma que salvando o meu corpo. Lembrava-me de Maria Clara com uma saudade cheia de desejos que nunca tivera. Misturava minhas alegrias de antiga-mente a umas vontades perversas de posse. Os meus impulsos tinham mais anos que a minha idade. Fi-cava horas seguidas olhando, no curral, as vacas que mandavam de outros engenhos para reproduzirem com os zebus do meu avô, e as bestas vadias rinchan-do com os pais-d’égua pelo cercado. O sexo crescia em mim mais depressa do que as pernas e os braços.

A negra Luísa fizera-se comparsa das minhas depra-vações antecipadas. Ao contrário das outras, que nos respeitavam seriamente, ela seria uma espécie de anjo mau da minha infância. Ia me botar pra dormir, e enquanto ficávamos sozinhos no quarto, arrastava-me a coisas ignóbeis. Eu era um menino sem contato com o catecismo. Pouco sabia de rezas. E esta ausência perigosa de religião não me levava a temer os pecados. Muito depois, esta miséria de sentimentos religiosos se refletiria em toda a minha vida, com uma desgraça. A moleca me iniciava, na-quele verdor de idade, nas suas concupiscências de mulata incendiada de luxúria. Nem sei contar o que ela fazia comigo. Levava-me para os banhos da beira do rio, sujando a minha castidade de criança com os seus arrebatamentos de besta. A sombra negra do pecado se juntava aos meus desesperos de menino contrariado, para mais me isolar da alegria imen-sa que gritava por toda parte. (Rego, 1998, p. 69)

A citação é longa, mas vale a pena para termos uma ideia de toda a trajetória da narrativa, pois, como já foi dito, o ponto de vista do narrador- menino e do narrador-adulto se confunde, já que “a visão e os sentimentos do adulto contaminam e/ou se superpõem à visão e aos sentimentos do menino, tornando impossível uma separação nítida entre ambos”. (Almeida, 1999, p. 220)

A ideologia do autor que permeia o romance traz a ótica da classe dominante, como não poderia dei-xar de ser, uma vez que se tem por base “vivências pessoais” de um menino que viveu a infância no engenho do avô.

36 Capítulo 3

Fogo Morto

Fogo Morto, publicado em 1943, é considerada a obra-prima do autor, pois, nesse romance, ele não somente retoma a temática do ciclo da cana-de-açú-car, como lhe dá um novo tratamento. Trata-se de uma obra escrita por um escritor na sua maturida-de, o que faz com que os elementos que não haviam sido aprofundados nos primeiros romances, agora sejam tratados com maior acuidade. Veja-se que

Em Fogo Morto, a narração descritiva cede lugar à dialoga-ção constante. Este uso combinado da dialogação com a linguagem coloquial é o terceiro fator decisivo para a posi-ção, sem paralelo, de Fogo Morto, entre as obras do autor.

(Coutinho, 2004, p. 357)

Nos primeiros romances, predominavam o discur-so indireto e o descritivismo. A quebra desses pres-supostos em Fogo Morto é o que torna a narrativa mais interessante, haja vista que a história tem iní-cio mediante um diálogo entre dois personagens: mestre José Amaro e o pintor Laurentino e, além disso, o autor não coloca antes nenhum “preâmbu-lo explicativo”. Segundo Almeida,

A narrativa de Menino de Engenho se constituía a partir de uma perspectiva central, o foco único do narrador-perso-nagem; neste novo romance, José Lins do Rego utiliza-se do narrador externo, mas apresenta a realidade a partir de diversas perspectivas. Recusando a técnica tradicional da onisciência absoluta e influenciado talvez pelas tendências renovadoras da ficção moderna americana, o autor estrutu-ra o romance por meio de uma narração tanto quanto pos-sível objetiva das ações, diálogos ou reflexões dos próprios personagens, evitando a intervenção pessoal do narrador.

(1999, p. 228)

Em Menino de Engenho, a visão de mundo apresen-tada é sempre a do narrador, já em Fogo Morto, o leitor se defronta diretamente com o mundo da fic-ção, tornando assim essa visão plurissignificativa.

A narrativa se divide em três partes, cada uma de-las representada por uma personagem: a primeira tem como núcleo o seleiro Mestre José Amaro, a segunda, o Coronel Lula de Holanda Chacon e, a terceira, o Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, o popular Vitorino Papa-Rabo. No entanto, este úl-timo permeia toda a narrativa e se torna “a maior figura de José Lins do Rego e uma das primeiras em toda a literatura nacional.” (Coutinho, 2004, p. 354). Inclusive nos remete a Dom Quixote, só que sem uma razão palpável para as suas loucuras.

Em Fogo Morto, a temática da loucura se ressalta de maneira muito enfática, pois se expressa como “o conflito profundo existente entre os personagens e a realidade que os cerca”. (Almeida, 1999, p. 233). Além disso, outra temática que vem se juntar a essa é a solidão que ronda não somente os senhores do engenho Santa Fé como também o seleiro José Amaro.

A natureza apresenta-se sempre com muita vitali-dade e alegria, o que contrasta com “o universo humano, atormentado, mórbido e sombrio”, por exemplo, quando José Amaro, abatido por uma doença, observa que

... na manhã que ele olhava da rede, pela janela aberta, o mestre Amaro via a vida, via a terra donde estivera tão longe, tão distante. Quis parar nas coi-sas do passado mas a memória era fraca. Só via, só sentia aquela manhã fresca, com a ventania mexendo nas folhas da pitombeira. Ouviu a voz da mulher na cozinha, ouviu a voz de Marta falando sem parar, e tudo estava para lá do horizonte, para uma dis-tância que ele não tinha capacidade de dominar. O canário cor de gema de ovo trinava na biqueira, naque-le mesmo lugar onde ficava sempre. E pela voz do pássaro, pelo canto que lhe amaciara os ouvidos na vida passada, a vida presente foi chegando para o mestre. Sabia que não morria mais. Pôs-se de pé. E uma tonteira nublou-lhe a vista. Era como se va-cilasse da cabeça aos pés. Mas reagiu, teve coragem para espantar a fraqueza das pernas duras e venceu. Quis andar pelo quarto, chegar até a janela. E o ven-to lhe trouxe para a boca, para as narinas, o cheiro dos cajás maduros derramados no chão. Os bogaris cheira-vam. Nunca sentira com tanta intensidade aquele perfume, aquela doçura de perfume que lhe dava vontade de sorver como bebida. A barba grande, os cabelos enormes cobrindo-lhe as orelhas davam às feições deformadas do mestre um aspecto de bicho, de monstro. Ele não sabia de nada. Olhava para tudo, comia tudo com os olhos famintos. (In: Al-meida, 1999, p. 244)

É com esse romance que José Lins do Rego chega ao ápice em sua obra, pois

A grande realização de José Lins do Rego, em Fogo morto, está em ter conseguido projetar a imagem de uma vivên-cia coletiva através do destino individual de alguns poucos personagens, sem que isso implique esquematismo psico-lógico ou qualquer gênero de deformação caricatural. O social não se constitui em detrimento do existencial: ao contrário, esses dois aspectos da realidade humana rea-limentam-se mutuamente fazendo com que Fogo morto, apesar de profunda e radicalmente regionalista, se torne

37Capítulo 3

também um dos romances da literatura brasileira mais uni-versais no seu significado. (Almeida, 1999, p. 251)

Dessa forma, José Lins do Rego foi um escritor que teve grande importância na trajetória da literatura brasileira.

poesia: A Estrada do Mar (1938); a biografia: ABC de Castro Alves (1941), Vida de Luiz Carlos Prestes (1945); a literatura de viagens: O Mundo da Paz (1951), entre outros.

Sua obra divide-se em três fases, correspondendo a primeira às obras iniciais até São Jorge dos Ilhéus; a segunda, Seara Vermelha e Subterrâneos da Liberda-de; e a terceira, iniciando se com Gabriela, Cravo e Canela.

Jorge Amado foi um escritor de grande prestígio no Brasil e no mundo; teve sua obra traduzida em várias línguas e exerceu, juntamente com os seus pares da década de 1930, grande influência sobre a Literatura Portuguesa, “colaborando para a im-plantação do Neorrealismo (anos 40 e seguintes) e invertendo uma secular tendência histórica”. (Moi-sés, 1993, p. 209)

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre José Lins do Rego, aces-

sando o site:

http://www.releituras.com/jlinsrego_

menu.asp

Assista ao documentário, José Lins do

Rego: o contador de histórias, no site:

http://www.dominiopublico.gov.br/

pesquisa/DetalheObraForm.do?select_

action=&co_obra=99992

JorGE aMado

Jorge Amado (1912-2001) inicia sua carreira literá-ria em 1931, com a publicação do romance O País do Carnaval, mas com a publicação de Cacau em 1933, dará início ao período que se chamou “ciclo do cacau”.

Diferentemente de José Lins do Rego, na obra de Amado, a ótica contemplada é a do trabalhador alugado, uma vez que, naquela, era a visão patriar-cal. Outra diferença que ocorre também é que a origem dos coronéis do cacau nada tem a ver com os senhores de engenho do nordeste, os quais sempre faziam parte de uma classe privilegiada, en-quanto aqueles eram pessoas de origem humilde, antigos tropeiros e/ou vendeiros que desbravaram as matas e tiveram sua ascensão garantida pelo plantio do cacau.

A obra de Jorge Amado está composta por: O País do Carnaval (1931), Cacau (1933), Suor (1934), Ju-biabá (1935), Mar Morto (1936), Capitães da Areia (1937), Terras do Sem Fim (1942), São Jorge dos Ilhéus (1944), Seara Vermelha (1946), Os Subterrâneos da Liberdade (1954), Gabriela, Cravo e Canela (1958), Os Velhos Marinheiros (1961), Os Pastores da Noite (1964), Dona Flor e seus Dois Maridos (1966), Tenda dos Milagres (1970), Teresa Batista Cansada de Guerra (1972), Tieta do Agreste (1977), Farda Fardão Cami-sola de Dormir (1979), Tocaia Grande: a Face Obscura (1984); O Sumiço da Santa: uma História de Feitiçaria (1988); o teatro: O Amor de Castro Alves (1941); a

SAIBA MAIS!

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do o site:

http://www.releituras.com/jorgeamado_

bio.asp

Leia, também, o artigo “A propósito de

Terras do sem fim e o romance de 30”, de

Lígia Militz da Costa, da UFSM, no site:

http://w3.ufsm.br/revistaletras/artigos_

r1/revista1_3.pdf

GracIlIano raMos

Graciliano Ramos (1892-1953) inicia sua trajetória literária com a publicação de Caetés (1933). Ro-mance escrito entre 1925 e 1930. No entanto, dife-rentemente dos seus pares, José Lins do Rego e Jor-ge Amado, a sua escritura, apesar da vertente social comum a todos, apresenta certa dicotomia no que se refere à linguagem. Conhecido por elaborar suas narrativas sempre com concisão e objetividade, Graciliano Ramos, que, segundo Massaud Moisés, “enraíza na linguagem machadiana”, traz a tona uma “técnica narrativa avançada para o tempo” e com isso “é não só moderno, sem ser modernis-ta, como também precursor do romance novo que se produziu entre nós após 1950.” (1993, p. 222)

Posteriormente, Graciliano Ramos publicou São Bernardo (1934), Angústia (1936), Vidas Secas (1938); contos: História de Alexandre (1944), Insônia

38 Capítulo 3

(1947); e memórias: Infância (1945). Postumamen-te, saíram as Memórias do Cárcere (4 vols., 1953), Viagem (1954), contos: Alexandre e Outros Heróis (1962); crônicas: Linhas Tortas (1962), Viventes das Alagoas (1962).

De acordo com alguns críticos, é em Angústia que o escritor demonstra melhor a sua maturidade, mas São Bernardo e Vidas Secas foram os romances que tiveram maior repercussão.

O Regionalismo apontado na obra de Graciliano Ramos, cujo romance mais enfático é Vidas Secas, é diferente dos demais, pois, apesar de demarcar a região em que a narrativa acontece, os conflitos que ocorrem com as personagens são conflitos que poderiam ocorrer em qualquer parte do universo e, por isso, a sua obra é considerada universal, ou seja,

Escrevendo sob o signo dialético por excelência do confli-to, Graciliano não compôs um ciclo, todo fechado sobre um ou outro pólo da existência (eu/mundo), mas uma série de romances cuja descontinuidade é sintoma de um espírito pronto à indagação, à fratura, ao problema. (Bosi,

1997, p. 453)

Há nessa obra uma inquietação constante, “denun-ciadora e angustiada”, resultado de uma interpre-tação constante do intercâmbio entre o ser huma-no e a região, ou seja, é um “regionalismo nem um pouco reduzitivo, e sim aberto para conter toda a experiência vital”. (Coutinho, 2004, p. 390)

Como já foi dito, o período literário da década de 1930 foi também chamado de neorrealista, mas o realismo apresentado por Graciliano Ramos em sua obra se diferencia dos seus pares, pois

... as coordenadas estéticas e ideológicas são totalmente ou-tras. Ao invés de exaltar o sertanejo, o romancista alagoano deseja retratá-lo com o máximo de realismo, nas condições sub-humanas em que vive, acossado pelo clima e explorado

pela sociedade...”(Almeida, 1999, p. 309)

Segundo Afrânio Coutinho, as temáticas funda-mentais dessa obra são

...a sociedade reificada, a falta de comunicação humana, os indivíduos animalizados, a injustiça social, a submissão, tudo isso sempre veiculado através dos ‘subterrâneos do espírito’ de algum personagem central, pertencente a clas-ses sociais diversas mas, por motivos vários, à margem da vida.” (2004, p. 395)

A linguagem também tem uma importância crucial nessa obra, pois age como mediadora da realidade entre as personagens e o mundo criado pelo escri-tor, ou seja, é “a situação humana no entrechoque da sobrevivência social.” (Coutinho, 2004, p. 391)

Dessa forma, Graciliano Ramos foi um escritor que deixou um grande legado para a literatura brasileira.

São Bernardo

Publicado em 1934 e o foco narrativo em primeira pessoa, São Bernardo é um romance que surpreen-de o leitor pela rusticidade do narrador- persona-gem - Paulo Honório -, que declara ser oriunda do meio em que vive, pois

...é em São Bernardo que o foco narrativo em primeira pessoa mostrará a sua verdadeira força na medida em que seria capaz de configurar o nível de consciência de um ho-mem que tendo conquistado a duras penas um lugar ao sol, absorveu na longa jornada toda a agressividade latente

em um sistema de competição. (Bosi, 1997, p. 454)

Em São Bernardo, Paulo Honório conta toda a sua trajetória para enriquecer, as privações pelas quais passou, bem como as trapaças que realizou, passan-do por cima de tudo e de todos para chegar a ser um grande latifundiário, ou seja,

...todas as ações estão diretamente vinculadas à vida e ao processo de busca de identidade da consciência de Pau-lo Honório. De guia de cego a senhor de engenho, esta trajetória de um homem possessivo e violento será desen-volvida aos olhos do leitor na dinâmica de seu acontecer.

(Coutinho, 2004,p. 397)

Entretanto, o conflito só tem início no momen-to em que resolve se casar para providenciar um herdeiro para suas terras. Por ironia do destino, se apaixona pela professorinha Madalena, cujo perfil é diferente do seu, pois, para Paulo Honório, é ne-cessário ter para ser, já Madalena tem uma maneira de ser diferente, pois ser para ela é totalmente hu-manitário e, após o casamento, quando ele percebe isso, a sua vida começa a desmoronar e os confli-tos emergem cada vez com mais acuidade, levando Madalena ao suicídio. Após a morte dela, ele faz um balanço em sua vida e resolve contá-la em livro; é como se, por meio da narrativa, ele conseguisse se redimir do remorso que o atormenta. No entan-to, ao final, chega à conclusão de que nada valeu a pena e ele lamenta a falta de compreensão que levou a professorinha a esse desfecho. Assim,

39Capítulo 3

Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste. (Ramos, 1984, p. 101).............................................................................

Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os propósitos es-barraram com a minha brutalidade e o meu egoísmo.

Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A pro-fissão é que me deu qualidades tão ruins. (Ramos, 1984, p. 187)

Paulo Honório procura se identificar nas diferen-ças que existiam entre ele e Madalena, é uma ten-tativa angustiada de procurar reconhecer o “seu ser no mundo”, ou seja, “entre Paulo Honório e Madalena também o diálogo é impossível. Ela re-presenta o germe humanizador naquele mundo de posses contínuas e é a partir de sua presença que se dá o conflito e o caminho do fim.”(Coutinho, 2004, p. 400)

No entanto, apesar de todo o seu esforço, conclui que o tempo é irreversível, veja-se então:

Cinquenta anos! Quantas horas inúteis! Consumiu--se uma pessoa a vida inteira sem saber para quê! Comer e dormir como um porco! Como um porco! Levantar-se cedo todas as manhãs e sair correndo, procurando comida! E depois guardar comida para os filhos, para os netos, para muitas gerações. Que estupidez! Que porcaria! Não é bom vir o diabo e levar tudo? (Ramos, 1984, p. 181)

E assim, voltando à questão do Regionalismo em Graciliano, pode-se perceber que a falta de comu-nicação entre Madalena, “sensível e aberta à solida-riedade humana” e Paulo Honório, “embrutecido e obcecado pelo ‘desejo de propriedade’, nada tem em si de regional”. (Almeida, 1999, p. 288)

Será em Vidas Secas que algumas características do Regionalismo serão enfatizadas.

VidaS SecaS

Publicado em 1938, Vidas Secas tem sido o roman-ce de Graciliano Ramos mais estudado ao longo do tempo. “É um romance duro e seco como a terra que retrata, mas não traz a carga de amargura e pessimis-mo dos livros anteriores.” (Coutinho, 2004, p. 404)

De acordo com alguns críticos, Vidas Secas é o ro-mance que atinge o Regionalismo no seu mais alto grau, mas vai mais além, pois

O drama de Fabiano e sua família em Vidas Secas – con-quanto o romance tenha suas raízes profundamente mer-gulhadas na realidade social e telúrica do sertão – ultrapas-sa de muito o seu significado regional: é o eterno drama do homem oprimido pelas circunstâncias, que luta assim mesmo por afirmar a dignidade de sua condição. A hosti-lidade do meio físico e social e a precariedade das armas tornam ainda mais intenso e pungente o esforço. (Almei-

da, 1999, p. 311)

A história de Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Ba-leia não é a história da seca no sertão, e sim de uma família que tenta sobreviver a ela, mediante condições precárias que fazem com que o homem e o meio estejam, o tempo todo, imbricados, ou seja, não é um romance de denúncia, “a denúncia está implícita na realidade retratada” e,

Nessas circunstâncias, os personagens, como não poderia deixar de ser, representam o ser humano reduzido à sua condição mais rústica, quase à condição de brutos – fato este caracterizado, em termos culturais (e simbólicos) pela pobreza da linguagem e todas as suas inevitáveis implica-ções: dificuldade de comunicação e impossibilidade para o sertanejo de adquirir consciência clara da própria situação

e tentar transformá-la.” ( Almeida, 1999, p. 308/309)

A precariedade da natureza, as injustiças da socie-dade e a privação de meios que propiciem a defesa e a luta, não deixam saída para Fabiano e sua famí-lia, senão se resignarem diante da sorte e “conside-rarem a própria existência como dominada por um sentido de fatalidade, de irreparável sina.” (Almei-da, 1999, p. 309) Veja-se:

Tinha obrigação de trabalhar para os ou-tros, naturalmente, conhecia o seu lugar. Bem. Nascera com esse destino, ninguém tinha culpa de ele haver nascido com um destino ruim. Que fazer? Podia mudar a sorte? Se lhe dis-sessem que era possível melhorar de situação, es-pantar-se-ia. Tinha vindo ao mundo para amansar brabo, curar feridas com rezas, consertar cercas de inverno a verão. Era sina. O pai vivera assim, o avô também. E para trás não existia família. (Ramos, 1982, p. 96)

Fabiano é a personagem principal do romance. Nessa personagem há um amálgama de todas “as possibilidades e impossibilidades” das outras.

40 Capítulo 3

Além disso, é mediante essa personagem que Gra-ciliano chega ao ápice no que se refere à concisão da linguagem, pois

Fabiano é a imagem da terra que pisa; é um ser ilhado pela incapacidade de verbalização dos próprios pensamentos. Todas as observações metalingüísticas contidas nas obras anteriores com relação à dificuldade de comunicação en-contram sua mais radical estruturação no isolamento ver-bal de Fabiano. (...) Graciliano Ramos constrói nele e em sua família seres estacionados no nível operatório concreto da inteligência, percebendo o mundo através das sensações diretas: a abstração de qualquer tipo é-lhes obstáculo insu-

perável. (Coutinho, 2004, p. 406)

Outro pressuposto desse romance é a zoomorfiza-ção, mas este nada tem a ver com o que ocorria no Naturalismo, ou seja, não há uma “visão do homem ontologicamente degradado” sob a influ-ência do Evolucionismo. Aqui o que ocorre é que a pressão do meio em que vive, ora pelas condições impostas pela natureza, ora pela exploração da so-ciedade, não deixa outra saída ao “homem pobre do sertão, para sobreviver, senão recuar a condição de bruto”. (Almeida, 1999, p. 302) E, diante des-sa vida áspera da caatinga, muitas vezes só resta se nivelar aos demais seres: papagaio, boi, cavalos, a cachorra, que, nesse romance, não somente é tra-tada como as outras personagens, como recebe um nome em detrimento dos meninos, que não são nomeados.

Vivendo dessa forma, a condição de “bicho” passa a ser motivo de orgulho, veja-se então:

- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.

Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Ver-melho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cui-dava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.

Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades.

Vivia longe dos homens, só se dava bem com ani-mais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado, confundia--se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. A pé, não se agüentava bem. Pendia para um lado, para o outro lado, cam-

baio, torto e feio. Às vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopéias. Na verdade falava pouco. (Ramos, 1982, p. 18/19/20)

Assim, Graciliano Ramos abrange uma das maio-res obras da literatura brasileira.

atividade |Pesquise mais sobre a obra de Graciliano Ra-mos: características, contexto social, romance de 30; poste no fórum Tira dúvidas e peça aos seus colegas que façam a mesma coisa e o com-plementem. Ao final, criem um blog na inter-net com as informações coletadas.

ErIco VEríssIMo

Erico Veríssimo (1905-1975) deu início a carreira literária com a publicação de Fantoches (1932), li-vro de contos e peças de teatro. Em 1933, publicou o romance Clarissa.

Diferentemente dos escritores do Nordeste, naquele momento, a obra de Erico Veríssimo traz em seu bojo,

...manifestações de um ficcionista lírico, sentimental, tan-to quanto suas personagens, como que herdeiro do clima penumbrente dos simbolistas conterrâneos, vão despon-tando sinais, se não contrários, pelo menos denunciadores de uma sensibilidade aberta a outros influxos. (Moisés,

1993, p. 235)

Além dessas publicações, o escritor publicou ainda: Caminhos Cruzados (1935), Música ao Longe (1936), Um Lugar ao Sol (1936), Olhai os Lírios do Campo (1938), Saga (1940), As Mãos de Meu Filho (1942),

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Graciliano Ramos, aces-

sando o site:

http://www.releituras.com/graciramos_

bio.asp

Leia, também, o artigo “Graciliano Ramos:

a narrativa metalinguística e os cárceres

da linguagem”, de Ana Maria Abrahão

dos Santos Oliveira, na Revista Eletrôni-

ca do Instituto de Humanidades, da UNI-

GRANRIO, acessando o site:

http://publicacoes.unigranrio.edu.br/in-

dex.php/reihm/article/view/342/327

41Capítulo 3

O Resto é Silêncio (1943), Noite (1954), O Tempo e o Vento (1949-1961), O Senhor Embaixador (1965), O Prisioneiro (1967), Incidente em Antares (1971); via-gens: Gato Preto em Campo de Neve (1941), A Volta do Gato Preto (1946), México (1957), Israel em Abril (1969); biografia: A vida de Joana D’Arc (1935); me-mórias: Solo de Clarineta (2 vols., 1973, 1976); lite-ratura infantil e didática.

Segundo alguns críticos, Erico constrói com sua obra o que se chamou “ciclo gaúcho”, no entanto, o que se sabe é que desde Clarissa o escritor coloca em prática, mesmo involuntariamente, a saga do Rio Grande do Sul.

A grande obra de Erico Veríssimo é O Tempo e o Ven-to, composto por uma trilogia que se divide em sete livros, “O Continente”, “O Retrato” e o “O Arqui-pélago”; conta a história das famílias Terra Cam-bará e Amaral, por meio de várias gerações, cons-tituindo um “painel histórico” do Rio Grande do Sul, que vai de 1745 a 1945. Com O Tempo e o Vento,

o escritor encontrava sua maneira mais funda de ser, como homem e profissional das letras: a estrutura de novela, a serviço da epopéia de seu povo. (...) Poucas vezes, na mo-dernidade, a beleza da linguagem em prosa alcançou tal grau de transparência e emoção, como se cada ‘aventura’ ou ‘episódio’ pairasse numa zona intemporal e inespacial, próxima da lenda ou do mito. A lenda ou o mito de um povo de vocação heróica, - eis em síntese O Tempo e o

Vento. (Moisés, 1993, p. 241)

Como já foi dito, somente Erico Veríssimo alcan-çou tanto destaque em 1930 quanto os escritores do Nordeste, mais especificamente Jorge Amado. Como se sabe, porém, suas obras, salvo o aspec-to regional, carregam em seu bojo mais diferenças que semelhanças, veja-se:

... Tais características ganham vulto quando comparamos o autor com seus confrades dos anos 30, sobretudo os nordes-tinos: enquanto a obra desses reflete uma tensão que se diria fruto do ambiente circundante, a de Erico Veríssimo respi-ra ausência de dramas complexos, uma espécie de bom sen-so, ou de otimismo e amor à vida. (Moisés, 1993, p. 246)

A obra de Erico Veríssimo alcançou grande desta-que internacional e foi um dos escritores brasilei-ros que alcançou êxito no seu trabalho ainda em vida. Deu uma grande contribuição para a literatu-ra brasileira e sua obra é cada vez mais revisitada.

prOsa intrOspectiva

Na década de 1930, ainda há a produção de uma obra de caráter introspectivo por um grupo de escritores dignos de registro. Nela há uma certa inclinação “mais para o equacionamento dos pro-blemas subjetivos que da coletividade, mais para a sondagem psicológica que a descrição de exteriori-dades”. (Moisés, 1993, p. 256).

De certa forma, surge uma escritura que, em vez de denunciar as mazelas da sociedade, opta pela extin-ção, o que demonstra uma reação contra a corren-te chamada “neorrealista”. No entanto, como se pode verificar, as duas modalidades estão sempre se cruzando, pois,

Não só se cruzam mais de uma vez, como levam até o fim o dualismo em que se sustentam: se de um lado, é possível distinguir notas introspectivas em autores do grupo ante-rior, de outro, não estranha a presença de traços realistas ou costumbristas mais sensíveis à manifestações psicológi-

cas.(Moisés, 1993, p. 256)

Vários nomes se ressaltaram nessa modalidade, entre eles, Jorge de Lima, com a publicação dos romances: O Anjo (1934), Calunga (1935), A Mulher Obscura (1939) e Guerra Dentro do Beco (1950); Ri-beiro Couto, com a publicação de Cabocla (1931) e Prima Belinha (1940); Lúcia Miguel-Pereira, com a publicação de Maria Luísa (1933), Em Surdina (1938) e Cabra-Cega (1954); João Alphonsus Gui-marães, com a publicação do livro de contos, Ga-linha Cega (1931) e dois romances: Totônio Pache-co (1935) e Rola-Moça (1938), mas quem mais se destacou foi Ciro dos Anjos, com a publicação de três romances: O Amanuense Belmiro (1937), Abdias (1945) e Montanha (1956).

As duas vertentes da década de 1930 seguirão jun-tas até os dias atuais, por meio da escritura de gran-des escritores da literatura brasileira como Clarice Lispector e João Guimarães Rosa.

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42 Capítulo 3

GLOssÁriO

AcuidAde: qualidade do que é agudo; grande capacidade de percepção; acuição, finura, sutileza.

AmálgAmA: mistura, reunião ou ajuntamento de elemen-tos diferentes ou heterogêneos, que formam um todo.

bisbilhotice: aquilo que é falado ou comentado em se-gredo, ou como boato ou suposição sobre outrem; intri-ga, mexerico.

coloquiAl: diz-se de ou variante da língua falada em situ-ações informais ou de pouca formalidade.

conciso: reduzido ao essencial; em poucas palavras (diz-se de escritos, ideias, discurso etc.); preciso, sucinto, resumido.

condensAção: ato ou efeito de resumir ao essencial (um texto, uma ideia etc.); resumo.

cosmovisão: concepção do mundo.

difundir: propagar(-se), divulgar(-se).

ênfAse: destaque, realce marcante ou ostensivo; relevo.

evolucionismo: doutrina segundo a qual toda a cultura de uma sociedade é resultado constante de um processo evolutivo.

folhetinesco: relativo a ou próprio de folhetim.

ideário: conjunto das ideias principais de um autor.

ideologiA: conjunto de convicções filosóficas, sociais, po-líticas etc. de um indivíduo ou grupo de indivíduos.

legAdo: o que é transmitido às gerações que se seguem.

resumO

Nesse capítulo foi apresentado o ro-mance social de 30, a vertente intros-pectiva, seus principais escritores e a maneira como contribuíram para a tra-jetória do romance no Brasil. Deve-se ressaltar que nem todos os escritores que participaram dessa fase foram con-templados, pois, como já foi dito, ape-nas os que mais se ressaltaram.

mAturidAde: estado ou condição de pleno desenvolvi-mento; condição de plenitude em arte, saber ou habili-dade adquirida.

mórbido: falta de vigor, de energia.

norteAr: guiar(-se) numa dada direção moral, intelectual etc.; orientar(-se), regular(-se).

ontológico: no heideggerianismo, relativo ao ser em si mesmo, em sua dimensão ampla e fundamental.

oriundo: originário, que tira a sua origem de, descendente.

recuAr: desistir de um propósito; renunciar.

repercutir: refletir(-se), reproduzir(-se).

retrógrAdo: que ou aquele que tem atitudes conserva-doras ou atrasadas, que ou quem se mostra contrário ao progresso, ao que é atual, novo; conservador, reacionário.

rusticidAde: falta de delicadeza; impolidez, rudeza ainda que sem estupidez.

telúrico: relativo à Terra ou ao solo.

trAjetóriA: caminho percorrido.

referÊncias

ALMEIDA, José Maurício G. de. A tradição re-gionalista no romance brasileiro (1857-1945). Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.

BOZI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1997.

BUENO, Luís. Guimarães, Clarice e antes. In: Teresa revista de literatura brasileira, nº 2. Dep-to. De Letras Clássicas e Vernáculas. FFLCH da USP. São Paulo: Editora 34, 2001.

CANDIDO, Antonio. Ficção e confissão: en-saios sobre Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. Era modernista. Vl. V. São Paulo: Global, 1997.

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasi-leira: modernismo (1922-atualidade) – Vl. V – São Paulo: Cultrix, 1997.

43Capítulo 3

PINTO, Manuel da Costa. Os cárceres da lin-guagem. In: Cult revista brasileira de literatura, nº. 42. S. Paulo: janeiro/2001.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janei-ro: Record, 1982.

_______. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 1984.

REGO, José Lins do. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.

SÜSSEKIND, Flora. Tal Brasil, qual romance? Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.

45Capítulo 4Capítulo 4

OBjetivOs específicOs

• Conhecerocontextohistóricoquenorteouaestéticadaproduçãoliterária.

• Compreenderasmudançasqueseprocessaramnaliteraturaapartirde1945.

• Entenderatrajetóriadaliteraturabrasileiraatéaatualidade.

intrOduçãO

O terceiro Momento Modernista ou geração de 45, como é chamado, tem iní-cio com uma perspectiva analítica, ou seja, a análise dos momentos anteriores, principalmente do surgimento do Modernismo em 1922. Com isso, como não poderia deixar de ser, surge uma nova geração de críticos que irão suceder a geração anterior, composta por críticos como Tristão de Ataíde, Augusto Meyer, Agripino Grieco e Sérgio Milliet. Isso, porém, não significa que esses críticos tenham interrompido o seu trabalho, pelo contrário, muitos deles ainda darão grande contribuição à literatura brasileira.

A nova geração de críticos, composta por Álvaro Lins (1912-1970), Antonio Can-dido de Melo e Sousa (1918), Afrânio Coutinho (1911-2000), Wilson Martins (1921-2010), entre outros, vão nortear os novos tempos.

A poesia irá refletir, talvez, mais que a prosa, as transformações ocorridas pós-45, no entanto, os novos poetas “compreendiam, ao fim de tudo, que eram cauda-tários da poesia modernista, ainda quando, em gesto de revolta, empunhavam a bandeira da liberdade. Não faziam mais que imitar, a contragosto, o furor icono-clasta de 22.” (Moisés, 1993, p. 393)

Massaud Moisés, ao falar sobre esse momento, afirma que, tendo iniciado em 1945 e prolongando-se até os dias atuais, está dividido em três fases: até 1960, quando tem início as vanguardas, o primeiro; o segundo até 1973, com a publi-cação de Avalovara, de Osman Lins e, o terceiro, a partir daí até os nossos dias. (Moisés, 1993)

iii mOmentO mOdernista

(1945-atuaLidade)Profa. Drª. silvania Núbia Chagas

Carga Horária | 15 horas

46 Capítulo 4

Várias publicações surgiram nesse momento, re-fletindo as mudanças profundas trazidas pelo término da II Grande Guerra à estética literária. Alguns indícios desse processo já se observam an-tes de 1945, com a publicação em 1941, do poema “Elegia à lua dos Olhos de Prata”, de Péricles Eugê-nio da Silva Ramos, bem como do livro Mundo sub-merso, de Bueno Riviera, “dentro dos parâmetros da nova geração”. Em 1945, são publicados: Rosa extinta, de Domingos Carvalho da Silva, O Enge-nheiro, de João Cabral de Melo Neto, Predestinação, de Geraldo Vidigal e Ode e Elegia, de Lêdo Ivo, todas portadoras das transformações que estavam ocorrendo na literatura brasileira.

Em 1947, Tristão de Ataíde, por meio de um arti-go, considera encerrado o ciclo modernista e pro-põe que se chame esse momento composto pelas novas tendências de “Neomodernismo”, mas isso não se consolidou.

Enquanto Isso...

A década de 30, como vimos, tinha sido um tempo de crise no plano internacional e no plano nacio-nal. O comunismo e o nazifacismo em ascensão dominam a cena política, procurando tornarem-se hegemônicos. A Revolução Espanhola, deflagrada em 18 de julho de 1936, extremando os campos ide-ológicos e refletindo um estado de coisas mais am-plo, “é o primeiro teatro em que vão defrontar-se os blocos contrários, e daí o rigor dessa luta intestina”, e a Espanha, “o terreno em que os blocos realizam grande manobra”. (René Rémond. O Século XX, trad. bras., S. Paulo, Cultrix, 1976, PP. 114-115)

Finda a revolução em março de 1939, tudo estava preparado para a eclosão da II Grande Guerra, cujos primeiros sinais são dados pela anexação da Áustria à Alemanha de Hitler, em 12 de março de 1938, e a invasão da Albânia pela Itália de Mussolini em abril de 1939. Com a invasão da Polônia pelas tropas ale-mãs, no dia primeiro de setembro de 1939, começa a guerra, que se prolongaria até abril de 1945. Com o término da conflagração, abre-se uma época de profundas mudanças geográficas, econômicas, polí-ticas, que culminaria na guerra fria entre as potên-cias até então aliadas, cujos desdobramentos ainda estão em curso: de um lado, o Oeste, representado pela Inglaterra, França e Estados Unidos; de outro, o Leste, pela URSS.

O Brasil acabou por envolver-se no conflito, ade-rindo aos Aliados, não sem antes cortejar o Eixo Alemanha-Itália-Japão, por intermédio de Vargas e o Estado Novo. Mas, em 1942, mercê da reação

popular contra o nazifacismo, o país declara guerra ao Eixo, e em 1944 envia uma divisão de 25.000 homens para combater na Itália.

Com o retorno dos “pracinhas” em 1945, a nação põe-se em marcha no rumo da democratização, que se dará nesse mesmo ano, com a eleição do Marechal Eurico Gaspar Dutra. Respiram-se novos ares, uma sensação de euforia que nem a guerra fria diminui, invade a todos. Mas o momento é paradoxal: suspei-ta-se vagamente de que o interlúdio de paz durará pouco. O endurecimento das posições políticas se reflete nas atividades literárias: o anseio de progres-so, que o alargamento de horizontes estimula, segue par a par com o temor de ressurreição do passado. Todos sentem, nas ocultas do inconsciente, que um ciclo de cultura chegara ao fim, e que principiava uma nova idade histórica, destinada a permanecer séculos ou simples décadas, dependendo da acele-ração da tecnologia e do saber. Vencem-se etapas, o país entra a movimentar-se, visando superar o subdesenvolvimento. No plano literário, é a fase dos “testamentos” e “plataformas”, por meio dos quais a geração atuante, entre as duas guerras e a emergente, dava seu depoimento, sua mensagem ao futuro. (Moisés, 1993, p. 382/383)

1. pOesia

Em 1948, realizava-se em São Paulo o I Congres-so Paulista de Poesia, em que Domingos Carvalho da Silva defendia a tese de que 1945 “é o ano em que pode considerar-se implantado um novo regi-me na poesia brasileira.” (In: Moisés, 1993 p. 391) Pouco tempo depois, dava uma entrevista em que foi escrito pela primeira vez o termo “Geração de 45” e, a partir daí, esse momento assim se passou a chamar.

Vale salientar que essa geração, diferente da gera-ção de 1922, não tinha um projeto estético defi-nido ou uma “profissão de fé”, como geralmente ocorre; as tendências ou características de suas obras foram surgindo aos poucos, porém, mesmo reconhecendo-se caudatários do momento ante-rior, embora com algumas restrições, faz-se neces-sário esclarecer que

(...) é patente o testemunho de que a ruptura, se houve, deu-se naqueles pontos em que a poesia de 22/30 envelhe-cera, repetira-se mecanicamente, assim traindo o sentido revolucionário das origens. Reagiam, portanto, contra os excessos de 22 por julgar que denotavam decadência ou imobilismo de soluções, academização ou aburguesamen-

47Capítulo 4

to. E reagiam para que o Modernismo reencontrasse, em consequência de sua rebelião, a face de sua missão transformadora. Em suma: propunham que a poesia voltasse aos trilhos próprios, sem os preconceitos, as demasias e o prosaísmo de 22/30. (Moisés, 1993, p. 393)

Não houve, no entanto, um repúdio à estética anterior, pois há de se reconhecer que, apesar “dos excessos de 22 – o poema-piada, o desleixo formal, o prosaísmo, o falso brasileirismo da linguagem” (Moisés ,1993, p. 396), a que essa geração – 45 – se posiciona contra, houve uma inovação propiciada pela geração de 1922. Entretanto, ao reconhecer esses “excessos”, a Geração de 45 dá uma grande contribuição à literatu-ra, porque, segundo Domingos Carvalho da Silva:

A geração de 45 encarou a poesia – não como uma aventura individual do talento de cada poeta – mas como uma arte a ser conquistada, com obediência a princípios teóricos, pois sem estes não há edifício artístico ou literário que vá além da improvi-sação. Na elaboração do poema, o poeta de 45 não se prende apenas ao seu corpo total, mas ao de cada estrofe, de cada verso, de cada palavra, de cada sílaba, de cada som. (In: Moisés, 1993, p. 394)

E, como que complementando isso, Cyro Pimentel afirma:

Mas, a contribuição da Geração de 45 na poesia brasileira é muito maior, apesar da negativa de seus opositores; ela se opõe a 22 e 30 também pela sobriedade de expressão, o espírito universalista, a preocupação do ritmo, do verso e a correção da linguagem. A revalorização da imagem e da metáfora, a dignidade do vocábulo e o apelo aos mitos gregos e célticos e um maior emprego de sinestesia. E há a visão órfica da vida, do amor e da morte. Com a geração de 45 aprofundou-se o estudo da poesia e da poética. (In: Moisés, 1993, p. 396)

Enfim, “o que praticou foi antes uma busca de novos significados, sem esquecer a clareza, a economia de palavras e a simplicidade. A noção de artesanato poético voltou a imperar, no sentido de que a obra de arte tem que ser feita, segundo disciplinas internas.” (Coutinho, 2004, p. 196)

Com isso, fica definida a nova estética da poesia brasileira, mas se precisa levar em conta que grandes poetas, oriundos das gerações anteriores, como Carlos Drummond de Andrade, atravessaram o tempo e continuaram escrevendo grande obras, como A rosa do povo, publicada em 1945, sob uma nova perspectiva, é claro, pois acompanhou as mudanças ocorridas.

João caBral dE MElo nEto

João Cabral de Melo Neto (1920-1999) publicou sua primeira obra Pedra do sono em 1942. Essa foi seguida por muitas outras, entre elas: O Engenheiro (1945), Psicologia da composição (1947), O cão sem plumas (1950), Poemas reunidos (1954), O rio (1954), Duas águas (1956), Quaderna (1960), Dois parlamen-tos (1961), Poemas escolhidos (1963), Antologia poética (1965), A Educação pela pedra (1966), Morte e vida Severina e Outros poemas em voz alta (1966), Poesias

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José Paulo Paes João Cabral de Melo Neto

Hilda Hilst Ferreira Gullar Mauro Mota

GALERIA

completas (1968) Museu de tudo (1975), A escola das facas (1980), O auto do frade (1984), Agrestes (1985), Crime na Calle Relator (1987) e, alguns ensaios: Con-siderações sobre o poeta dormindo (1941), Joan Miró (1950).

Ao estrear, o poeta rompe com a estética do moder-nismo de 1922/1930, embora continuasse preso “à lição de Carlos Drummond de Andrade, Muri-lo Mendes e outros”, bem como se integra ao gru-po surgido após a II Grande Guerra.

48 Capítulo 4

A poesia de João Cabral nasce do embate do poeta contra a subjetividade e o Surrealismo que tenta des-terrar de seus domínios; esses acabam sendo venci-dos pelo espaço que se abre à prosa, dando margem à não-poesia. Como bem afirma Massaud Moisés:

Poética do “não-eu”, poética das coisas, dos objetos, da pe-dra – educar-se pela pedra, nortear-se por ela, fazê-la musa e mestra, eis o supremo ideal para João Cabral (...) O alvo preferido é a linguagem substantiva, descarnada, denota-tiva, tornada objeto concreto,- à semelhança da pedra...

(1993, p. 423)

A poética de João Cabral de Melo Neto é carac-terizada pela “despoetização do poema”, isso se configura como “ausência de emoção” e “repulsa à melodia”. “Para o poeta, as palavras são coisas, res, no duplo sentido, e é graças a isso que a poesia se instaura no espaço onde tanta prosa se organiza-ria.” (Moisés, 1993, p. 425)

Outra característica que se ressalta nessa poética é que o poeta está sempre refletindo sobre o ato criador da sua poesia. Além disso, há também a questão do visualismo, porque, para ele, “é a visão o sentido com que se prende às coisas, ou ao qual se reduzem as sensações auditivas, tácteis ou olfa-tivas.” (Moisés, 1993, p. 426) Isso, de certa forma, nos remete a Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa.

A reflexão que o poeta faz constantemente sobre o seu fazer, mediante sua própria poesia, instaura nessa poética, como se pode perceber, metalingua-gem ou metapoesia, pois

O interesse que suscita, provém, ou talvez prove-nha, mais desse gosto pela reflexão acerca do ato poético, que de ser propriamente dita, se a enten-dermos como máquina de produzir emoção. (...) Sua poesia inclina-se a ter como tema ela própria, extrema-se em ser poesia de poesia, chama menos a atenção sobre si que sobre aquilo a que alude. (...) Em suma, poesia que tem a si própria como objeto, embora não o declare de forma aberta, se-não oblíqua, numa zona intervalar, em que a des-crição se dá por meio de palavras-coisas articuladas a coisas-palavras.(Moisés, 1993, p. 429). Vejamos:

catar FEIJão

Catar feijão se limita com escrever:jogam-se os grãos na água do alguidare as palavras na folha de papel;

e depois, joga-se fora o que boiar.Certo, toda palavra boiará no papel,água congelada, por chumbo seu verbo:pois, para catar esse feijão, soprar nele,e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:o de que entre os grãos pesados entreum grão qualquer, pedra ou indigesto,um grão imastigável, de quebrar dente.Certo não, quando ao catar palavras:a pedra dá à frase seu grão mais vivo:obstrui a leitura fluviante, flutual,açula a atenção, isca-a com o risco.

antI-char

Poesia intransitiva,sem mira e pontaria:sua luta coma língua acabadizendo que a língua diz nada.

É uma luta fantasma,vazia, contra nada;não diz a coisa, diz vazio;nem diz coisas, é balbucio.

A obra de João Cabral de Melo Neto é uma das mais importantes da poesia, não somente nacio-nal, mas também universal. A sua contribuição para o desenvolvimento da literatura brasileira e para torná-la conhecida universalmente foi extre-mamente significativa.

José Paulo PaEs

José Paulo Paes (1926-1998) estreia na literatura publicando O aluno, em 1947. Posteriormente, publicou Cúmplices (1951), Novas cartas chilenas (1954), Epigramas (1958), Anatomias (1967), Meia palavra (1973), Resíduo (1980), Calendário perplexo (1983) e em 1986, reuniu todos essas obras em Um por todos. Publicou, também, A poesia está morta mas juro que não fui eu, em 1988, entre outras. Publicou, ainda, poesia para crianças: em 1984, É isso ali e em 1997, Um passarinho me contou.

SAIBA MAIS!

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Melo Neto, acessando o site:

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49Capítulo 4

Além de poeta, José Paulo Paes foi também ensa-ísta e tradutor, fazendo tradução de línguas como o grego moderno e o dinamarquês. Muito acla-mado ainda em vida, já em sua estreia “o poeta despontava maduro na substância de seu projeto estético.”(Moisés, 1193, p. 407) Embora, confessas-se não estar integrado a nenhuma escola literária, é colocado entre a Geração de 45, por ter inicia-do nesse momento, mas “embora reconhecesse o magistério de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Murilo Mendes e Pablo Neru-da, afirmava uma radical independência, que as mudanças futuras apenas confirmariam.” (Moisés, 1993, p. 407)

Sua poética traz certa preocupação com a socieda-de e suas mazelas, veja-se:

A partir de Novas cartas chilenas, a minha poesia fica im-pessoal, ela se debruça sobre o mundo, principalmente para vê-lo sob lentes críticas, ideologicamente informadas. Eu me debruço sobre a sociedade de consumo para denun-ciar a pequenez e as misérias dela. (Paes. Entrevista a Cult,

nº 22, 1999, p. 45).

Vejamos:

aos Óculos

Só fingem quem põemo mundo ao alcancedos meus olhos míopes.

Na verdade me exilamdele com filtrar-lhea menor imagem.

Já não vejo as coisascomo são: vejo-as como eles queremque as veja.

Logo, são eles que vêem,Não eu que, mesmo cônsciodo logro, lhes sou grato

por anteciparem em mimo Édipo curiosode suas próprias trevas.

José Paulo Paes ainda teve uma pequena participa-ção na poesia concreta, mas logo tomou seu pró-prio rumo. Deixou uma obra vasta e extremamen-te relevante para a literatura brasileira.

FErrEIra Gullar

Ferreira Gullar (1930), nome literário de José Ri-bamar Ferreira, estreou na literatura com a publi-cação de Um pouco acima do chão, em 1949. Em 1954, com Luta corporal, inscreve-se na Geração de 45, com características que anunciam o Concretis-mo na poesia. Fase que não se estende por muito tempo, pois logo propõe o Neoconcretismo e, no início da década de 1960, abraça a poesia social, em forma de romance de cordel, pois publica João Boa-Morte, Cabra marcado para morrer e Quem ma-tou Aparecida, em 1962. Posteriormente, em 1975, publica Noite veloz, que, apesar de apresentar as mesmas características, o verso redondilho é subs-tituído pelo verso livre e o engajamento torna-se mais moderado.

Uma das obras mais conhecidas de Ferreira Gullar é o Poema sujo, publicado em 1976, escrito no ano anterior em Buenos Aires, durante o exílio, “in-troduz a raiva e um tom desbragado, de revolta, que recorda, do ângulo formal, o clima de 22/30.” (Moisés, 1993, p. 410)

Segundo Massaud Moisés, ao publicar Na verti-gem do dia (1980), Crime na flora ou Ordem e Pro-gresso, 1986, Barulhos (1987), o poeta dá sinal de mais uma metamorfose, pois, “sem abandonar o engajamento político, mostra sinais de regresso ao intimismo de Luta corporal, em poemas como “Cantiga do Acaso”, “Um Sorriso”, OVNI”, assim pondo em evidência o dilema que lhe preside, des-de o princípio, a evolução literária (“Traduzir-se”):

Uma parte de mimé todo mundo:outra parte é ninguém:fundo sem fundo.”(In: Moisés, 1993, p. 411)

Ferreira Gullar faz parte da contemporaneidade e grande contribuição tem dado à literatura brasilei-

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre José Paulo Paes,

acessando:

http://mundolliterario.blogspot.

com/2010/12/biografia-de-jose-

-pulo-pes.html

50 Capítulo 4

ra, não somente como poeta, mas também como tradutor, ensaísta, dramaturgo, escritor de seriados para a televisão brasileira e ainda tem publicação de poesias infantis.

Considerado um dos grandes intelectuais da atuali-dade, o poeta já recebeu, ao longo do tempo, prêmios de grande relevância, como o Prêmio Luís de Ca-mões, em 2010, por exemplo, e continua sendo acla-mado não somente no Brasil, mas em vários países.

atividade |Pesquise mais sobre a obra de Hilda Hilst; pos-te no fórum Tira dúvidas e peça aos seus cole-gas que o façam também e o complementem. Ao final, criem um blog na internet com as informações coletadas.

Mauro Mota

Mauro Mota (1911-1984), poeta pernambucano, estreou na literatura brasileira em 1952, com a publicação de Elegias; posteriormente publicou A tecelã (1956), Os epitáfios (1959), O galo e o cata--vento (1962), Canto ao meio (1964), Antologia poética (1968), Itinerário (1975), Pernambucância ou cantos da comarca e da memória (1979, Pernambucância dois (1980).

Logo de saída, ficou conhecido como “o poeta das elegias”. Sua estreia se deu já na maturidade, porque, ao iniciar, o poeta já estava com quarenta anos de idade e as temáticas abordadas na sua poé-tica são o amor e a morte.

Além de poesia, Mauro Mota também publicou vários ensaios; entre eles: O cajueiro nordestino (1954, Paisagem das secas (1958) e Geografia literá-ria (1960).

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Ferreira Gullar, acessan-

do o site:

http://www.releituras.com/fgullar_bio.asp

hIlda hIlst

Hilda Hilst (1930-2004) publicou sua primeira obra, Presságio, em 1950 e, posteriormente, pu-blicou Balada de Alzira (1951), Balada do festival (1955), Trovas de muito amor por um amado senhor (1960), Ode fragmentária (1961), Sete cantos do poe-ta para o anjo (1962), Poesia (1967), Júbilo, memória noviciado da paixão (1974). E em prosa: Fluxofloema (1970), Qadós (1973), Ficções (1977). Autora de uma poética de expressão relevante, Hilda Hilst,

Seja nos metros e ritmos aprendidos no convívio com os clássicos e os trovadores medievais, seja nos metros de-senvoltos; seja nos momentos em que exprime seu amor frustre pelo homem, seja quando o “outro” lhe ocupa a atenção, reconhece-se “Mulher/Vate/Trovador” (Trovas de Muito Amor para um Amado Senhor) a compor cantigas de amigo. Rilkeana no seu “puro lirismo”, oscila entre o trans-bordamento da paixão e a mansa resignação, entre o ero-

tismo sem peias e o magoado pudor. (Moisés, 1993, p. 411)

Apesar da insatisfação com o público e com a crí-tica por não compreenderem os seus textos, Hilda Hilst teve sua obra traduzida em outras línguas e, além de poeta e escritora, também foi cronista e escreveu várias peças teatrais.

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Hilda Hilst, acessando o site:

http://www.releituras.com/hildahilst_bio.

asp

SAIBA MAIS!

Leia os poemas de Mauro Mota no site:

http://www.revista.agulha.nom.br/mmo-

ta1.html

a PoEsIa concrEta

A poesia concreta, ou Concretismo, teve início em 1956, com expressão mais enfática da nossa van-guarda estética.

O grupo de escritores que embasaram esse movi-mento, por meio da antologia pré-concreta Noi-grandes 1 (1952), foi formado por Haroldo de Cam-pos, Augusto de Campos e Décio Pignatari, “cujas obras de estreia têm ainda um ou outro ponto de ligação com o formalismo de 45.” Veja-se:

Preciosismo verbal, amplo uso dos metros tradicionais, imagética frondosa são traços de O Carrossel (S. Paulo, 1950), de Décio Pignatari, de Auto do Possesso (1950), de Haroldo de Campos e de O Rei menos o Reino, de Augusto de Campos (1951); em todos, porém, uma desenvoltura

51Capítulo 4

auto-irônica e um maior desembaraço no trato de motivos eróticos já diziam das suas diferenças em relação à poética de 45. Diferenças que logo se aprofundaram, na medida em que o grupo se põe a pesquisar numa linha de sintaxe espacial abandonando polemicamente o verso: é o que se vê nas antologias de Noigrandes nº 2 (1955), nº 3 (1956) e nº. 4 (1958). Na última, aparece o Plano-Piloto para Poesia Concreta, texto que, ao lado da tese “Situação Atual da Poe-sia no Brasil” de Décio Pignatari, é a melhor introdução à inteligência da nova poética.” (Bosi, 1997, p. 531)

A poesia concreta se firma como antítese da ver-tente intimista da estética dos anos 40, inclusive, revendo formas e atitudes peculiares ao Moder-nismo de 22 em seus momentos mais polêmicos e de adesão às vanguardas europeias. Pode-se afir-mar que os poetas do Concretismo aprofundaram “certos processos estruturais que marcaram o futu-rismo (italiano e russo), o dadaísmo e, em parte, o surrealismo, ao menos no que este significa de exaltação do imaginário e do inventivo do fazer po-ético.” (Bosi, 1997, p. 532)

O intuito dessa poética é “atingir e explorar as ca-madas materiais do significante”, ou seja, “o som, a letra impressa, a linha, a superfície da página; eventualmente, a cor, a massa”, o que não admite nenhuma concepção que se embase nos temas ou no estado psicológico do emissor, seu interesse ou juízo de valor. É uma poesia antiexpressionista.

Vejamos um poema de Décio Pignatari:

beba coca colababe colabeba cocababe cola cacocacocolac l o a c a

Enfim, a poesia concreta teve um papel de desta-que no desenvolvimento da poesia brasileira.

2. prOsa

A prosa, assim como a poesia produzida pela gera-ção de 45 e as vanguardas dos anos de 1950 e 1960, se caracterizou por uma revolução formal que se constituiu em torno da II Grande Guerra e se opôs ao “prosaísmo deliberado de 22”.Com foi visto anteriormente, a prosa da década de 1930 teve uma certa autonomia, nem sempre seguindo as diretrizes do movimento de 1922. Ali-nhou-se mais com a prosa realista do final do sécu-lo XIX que com a estética modernista. Já na década de 1940, houve uma significativa reviravolta, pois, sem se opor ou desprezar a estética de 1930, os prosadores, inclusive alguns oriundos dessa época, passaram a se preocupar com a estrutura nos domí-nios da ficção.

Em 1943, Clarice Lispector escreve Perto do coração selvagem, que só vem a público em 1944, tão impor-tante para a prosa de ficção quanto O engenheiro (1945), de João Cabral de Melo Neto, para a poe-sia. Em 1946, João Guimarães Rosa publica Sagara-na, que provoca uma verdadeira revolução entre os críticos literários da época.

O que se pode afirmar é que,

...graças a Guimarães Rosa, bem como a Clarice Lispector e outros escritores (...) a prosa de ficção elevou a níveis mais altos que a poesia a onda renovadora do terceiro momen-to modernista, logrando efeitos mais convincentes e mais duradouros, decerto porque movida por anseios menos ex-perimentalistas, ou porque, presa por condição à realidade concreta, soube evitar o fascínio enganador da vanguarda

pela vanguarda, do novo pelo novo. (Moisés, 1993, p. 452)

Vamos tratar agora de alguns autores que fizeram parte da Geração de 45 e de outros que são con-temporâneos e continuam atuando, bem como de alguns que surgiram mais recentemente.

Font

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João Guimarães Rosa

Clarice Lispector Carlos Heitor Cony

Antônio Callado Nélida Piñon

GALERIA

Autran Dourado

52 Capítulo 4

clarIcE lIsPEctor

Clarice Lispector (1926-1977) escreve seu primeiro livro Perto do coração selvagem, aos dezessete anos de idade e, publica-o em 1944. Posteriormente, publi-cou O lustre (1946), A cidade sitiada (1949), A maçã no escuro (1961); A paixão segundo G.H. (1964), Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969), Água viva (1973), A hora da estrela (1977); contos: Alguns con-tos (1952), Laços de família (1960), A legião estrangei-ra (1964), Felicidade clandestina (1971), Imitação da rosa (1973), A via-crucis do corpo (1974), Onde estives-tes de noite (1974), A bela e a fera, que reúne os con-tos escritos em 1940/41 e ainda inéditos (1979); crônica: A descoberta do mundo (1984) e, publicou também livros infantis.

A escritura de Clarice Lispector é de cunho existen-cialista, porque prima pela busca do “eu”. Alguns críticos alegam que sua obra se caracteriza pelo lirismo,namesmalinhadeKatherineMansfield,bem como de Virginia Woolf, que ela só conheceu depois de escrever o primeiro livro. Nessa obra, ainda é possível entrever algumas características de James Joyce anterior ao Ulysses.

Massaud Moisés afirma que

...toda a sua obra, desde Perto do coração selvagem até os textos póstumos (ainda que narrados na terceira pessoa), espraia-se como um imenso monólogo, ou, com mais rigor, um solilóquio, uma vez que se processa perante um interlo-cutor, representado pelo leitor ou pelo “eu” tornado objeto

de si próprio. (1993, p. 458)

O objetivo dessa obra parece registrar o instante por meio de palavras, como se fosse um flagrante fotográfico, o momento em que “o ser se converte em não-ser, o mistério se entreabre sem deslindar--se, a contemplação defronta-se com a fatal iminên-cia da morte.” (Moisés, 1993, p. 457)

A prosa de ficção de Clarice Lispector carrega em seu bojo uma visão de mundo totalmente desalen-tada, em que não há esperança nem escapatória. Mas, como já foi dito, é por essa maneira de escre-ver que a escritora colabora para colocar a literatu-ra brasileira no ápice de seu desenvolvimento.

João GuIMarãEs rosa

João Guimarães Rosa (1908-1967) estreia na lite-ratura, um pouco tardiamente, pois, apesar de ter escrito Sagarana na década de 1930, só irá publicá--la em 1946. Em 1956, publicou Corpo de baile (2 volumes) e Grande sertão: veredas. Em 1962, Primei-ras estórias e, em 1967, Tutaméia. Postumamente foi publicado Estas estórias (1969) e Ave, Palavra (1970).

No entanto, antes de Sagarana, Guimarães Rosa escreveu vários poemas que formaram uma cole-tânea – Magma –, que em 1937 ganhou o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras, mas só publicado após a sua morte.

Em 1938, também, recebeu o segundo lugar do prêmio Humberto de Campos, da Academia Bra-sileira de Letras, pelo livro de contos que, como já foi dito, publicou em 1946, com o título de Saga-rana. Mas a obra de grande repercussão do escritor foi Grande sertão: veredas, que provocou um grande impacto na crítica literária brasileira, porque, ape-sar das fontes regionalistas, das quais Rosa se apro-priou, além de remeter às novelas de cavalaria, “A metafísica, o mito invade o universo dos Gerais: o regionalismo se torna mítico, e o que antes era re-alista, dum realismo ingênuo, agora se transforma em metafísico.”(Moisés, 1993, p. 466)

Muitos estudos sobre a obra de Guimarães Rosa já foram realizados e continuam se realizando ao longo do tempo. Fonte inesgotável de tantas temá-ticas, essa obra parece infinita. Muitas característi-cas se ressaltam nessa escritura, mas a que primeiro despertou a atenção dos críticos foi a virtualidade da linguagem. Escrita em prosa-poética, construí-da por muitos neologismos, Guimarães Rosa nos

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre a obra de Clarice Lispector,

acessando o site:

http://www.releituras.com/clispector_bio.asp

Leia também o ensaio A narração desarvora-

da, de Benedito Nunes, no site:

http://issuu.com/ims_instituto_moreira_salles/

docs/ensaio_de_benedito_nunes_clarice_lis-

pector

53Capítulo 4

legou uma escritura de decifração, ou seja, quanto mais se lê, mais se descobre. Uma obra, tal qual a de Clarice Lispector, também de cunho existencia-lista, que trabalha a cultura popular em harmonia com a cultura erudita e se ressaltou como um divi-sor de águas na literatura brasileira.

Apesar de, a princípio, ter sido considerada pela crítica como uma escritura regionalista, logo foi percebido que até contempla essas características, porque não deixou de se apropriar das temáticas contempladas nas obras que compõem essa mo-dalidade, bem como o painel descritivo que ergue de Minas Gerais, mas logo foi percebido que o re-gionalismo de Guimarães Rosa é diferente porque tudo que ali é tratado se processa de maneira uni-versal. Não é à toa que Riobaldo, personagem de Grande sertão: veredas, declara: “O sertão está em toda parte”, “O sertão é do tamanho do mundo.”

João Guimarães Rosa foi um grande escritor; sua obra foi um grande legado à literatura universal.

...uma e outra repousando, porém, numa estrutura nar-rativa linear (sobretudo nas primeiras obras), (...) e numa visão da realidade brasileira que procura surpreender-lhe os traços (míticos) mais definidores, sejam os vinculados ao fanatismo religioso (nos romances iniciais) sejam os de natureza política do Brasil pós-64, (...) sejam os de feição etnográfica, remontando ao meio indígena para descrever a festa da ressurreição dos mortos e, por meio dela, tor-nada metáfora ou símbolo, denunciar o estado de coisas vigentes nos anos 60 (Quarup) ou para mostrar o processo de extermínio do aborígene às mãos do branco predador (A Expedição Montaigne). (Moisés, 1993, p. 474/475)

Antônio Callado foi um dos autores contemporâ-neos cuja obra alcançou uma grande expressivida-de na literatura brasileira.

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre a obra de Antônio

Callado, acessando o site da Academia

Brasileira de Letras:

http://www.academia.org.br/abl/cgi/

cgilua.exe/sys/start.htm?sid=138

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre João Guimarães Rosa, aces-

sando o site:

http://www.releituras.com/guimarosa_bio.asp

Leia também o ensaio Escrever, subtrair, de

Paulo de Andrade, acessando o site:

http://www.ich.pucminas.br/cespuc/Revis-

tas_Scripta/Scripta10/Conteudo/N10_Parte04_

art01.pdf

antônIo callado

Antônio Callado (1917-1997) publicou seu primei-ro livro em 1954, Assunção de Salviano e, posterior-mente, A madona de cedro (1957), Quarup (1967), Bar Don Juan (1971), Reflexos do baile (1976), Sem-previva (1981), A expedição Montaigne (1982). Peças de teatro: A cidade assassinada (1954), Pedro Mico (1957), Forró no Engenho Cananéia (1964). Suas histórias transcorrem em vários lugares, desde o sertão baiano até o Rio de Janeiro, passando por Congonhas do Campo ou Corumbá, bem como por uma tribo indígena. A diversidade geográfica propicia a diversidade temática, pois

carlos hEItor cony

Carlos Heitor Cony (1926) estreia na literatura bra-sileira publicando o romance O ventre, em 1958, e logo após A verdade de cada dia (1959), Tijolo de se-gurança (1960), Informação ao crucificado (1961), Ma-téria de memória (1962), Antes o verão (1964), Balé branco (1966), Pessach: a travessia (1967); contos: Sobre todas as coisas, Pilatos (1973).

Carlos Heitor Cony, além dos vários romances, escreveu, também, contos, crônicas e vem se dedi-cando ao jornalismo ao longo do tempo.

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Carlos Heitor Cony,

acessando o site:

http://www.releituras.com/cony_bio.asp

nélIda PIñon

Nélida Piñon (1935) estreia na literatura em 1961, com a publicação de Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo; posteriormente publicou Madeira feita cruz (1963), Tempos de frutas (1966), Fundador (1969), A casa da

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paixão (1972), Sala de armas (1973), Tebas do meu coração (1974), A força do destino (1978), O calor das coisas (1980), A República dos sonhos (1984), A doce canção de Caetana (1987).

Sua escritura, a princípio, se caracteriza pelo frag-mentário, “como se utilizasse a técnica da colagem, ou do ‘guia-mapa’.” À medida que segue, porém, deixa de lado a preocupação com o experimenta-lismo e avança “numa progressão em que cada vez mais o social, o histórico, invade a teia de sua fic-ção.” (Moisés, 1997, p. 483)

consciências primárias, surpreendidas num fluxo de ideias, emoções e deslumbramentos...” (Cou-tinho, 2004, p. 573) É autor de uma vasta obra de grande expressão em nossa literatura. Publicou Nove histórias em grupos de três (1957), A barca dos homens (1961), Uma vida em segredo (1964), Ópera dos mortos (1967), que foi escolhida pela UNESCO para integrar uma coleção de obras representativas da literatura mundial; O risco do bordado (1970), Os sinos da agonia (1974), Armas e corações (1978), entre outras. Segundo Alfredo Bosi,

A refinada arte de narrar de Autran Dourado (...) move-se à força de monólogos interiores. Que se sucedem e se com-binam em estilo indireto livre até acabarem abraçando o corpo todo do romance, sem que haja, por isso, alterações nos traços propriamente verbais da escritura. (1993, p. 477)

Autran Dourado tem mais obras publicadas; todas de grande importância para a nossa literatura e é um autor que merece ser mais estudado, pois sua escritura é uma inesgotável fonte de pesquisa.

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Autran Dourado, aces-

sando o site:

http://www.releituras.com/adourado_

menu.asp

autran dourado

Autran Dourado, (1926) cuja obra inaugural é Teia, publicada em 1947, “desde seus primeiros contos e novelas, procurou articular a sondagem psicológica com a percepção estruturadora do tem-po e do espaço, manifestando, na caracterização dos personagens, uma constante predileção por

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre a obra de Nélida Piñon,

acessando o site da Academia Brasileira de

Letras:

http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgi-

lua.exe/sys/start.htm?sid=290

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Lygia Fagundes Telles

Ruben Fonseca Murilo Rubião Dalton Trevisan Moacir Scliar

GALERIA

Osman Lins

lyGIa FaGundEs tEllEs

Lygia Fagundes Telles (1923) publicou seu primei-ro livro de contos – Praia viva -, em 1944, poste-riormente, O cacto vermelho (1949), Ciranda de pedra (romance) em 1954, Histórias do desencontro (contos), em 1958, Verão no aquário (romance), em 1963, Histórias escolhidas (contos), em 1964, O jardim selvagem (1965), Antes do baile verde (1970), As meninas (romance), em 1973, Seminário dos ratos

(contos), em 1977, Filhos pródigos (contos, em 1978, A disciplina do amor, fragmentos, em 1980 e Misté-rios (contos), em 1981, entre outros, que continua publicando na atualidade.

Fábio Lucas, analisando a obra da autora, afirma:

É comum na sua ficção que o sobrenatural se misture à ordem secular das coisas, como se não houvesse distância entre o real e o surreal. Fantasias secretas, noturnas e diur-

55Capítulo 4

nas, encontram expansão no seu texto, enfatizando ora a vida, ora a morte. Enquanto isto, a arte da contista está no controle da narrativa, cujo efeito cênico é obtido com o rigor e o cálculo de um enxadrista. O racional se entrelaça com a rotação do insólito, do maravilhoso e das proprie-dades mágicas. A lógica do real se apresenta em estado de transe. (1999, p.15)

Como se pode perceber, a escritura de Lygia Fa-gundes Telles é também permeada pelo fantástico. Sua obra tem sido traduzida para várias línguas, tornando-se importante não somente no Brasil como em muitos outros países.

autor muito aclamado, inclusive, muitos prêmios já lhe foram entregues em homenagem a sua obra.

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Lygia Fagundes Telles,

acessando o site:

http://www.releituras.com/lftelles_bio.asp

ruBEM FonsEca

Rubem Fonseca (1925) publicou seu primeiro li-vro – Os prisioneiros -, em 1963 e, posteriormente, A coleira do cão (1965), Lúcia McCartney (1969), O homem de fevereiro ou março (1973), Feliz ano novo (1975), O cobrador (1979), Romance negro e outras histórias (1992), Contos reunidos (1994), O buraco na parede (1995), na área do conto, e os romances O caso Morel (1973), A grande arte (1983), Bufo & Spallanzani (1985), Vastas emoções e pensamentos im-perfeitos (1988), Agosto (1990), O selvagem da ópera (1994), entre outros.

Autor de uma obra de grande porte, Rubem Fon-seca destacou-se na literatura brasileira pelo seu estilo. Segundo Massaud Moisés,

...os contos de Rubem Fonseca, e mesmo seus romances, identificam-se, acima de tudo, por seu realismo, um realis-mo feroz, cruel, violento, que não teme recorrer ao pala-vrão mais contundente, ao baixo calão, para exprimir-se. (...) Em verdade, trata-se duma visão impiedosa, quase de crônica policial, escrita no calor dos acontecimentos, do homem fluminense contemporâneo, seja ele da Zona Sul, seja da favela, acossado pelo medo, pela opressão, carente de solidariedade e de sentido para a vida, que transforma todo gesto de amor, ou de sexo, numa agressão desordena-da, suicida, ou, ao menos, sem conseqüência. (1993, p. 501)

Rubem Fonseca publica não somente no Brasil, como em vários países e já teve várias obras adapta-das para o teatro e para a televisão, o que o torna um

SAIBA MAIS!

Para saber mais sobre Rubem Fonseca e sua

obra, acesse o site:

http://www.releituras.com/rfonseca_bio.asp

dalton trEVIsan

Aclamado como um dos maiores contistas da atu-alidade, Dalton Trevisan (1925) estreou na litera-tura, com a publicação de Novelas nada exemplares (1959), continuando sua produção com Cemitério de elefantes (1964), Morte na praça (1964), O vampiro de Curitiba (1965), Desastres de amor (1968), Mistério de Curitiba (1968), A guerra conjugal (1969), O rei da terra (1972), O pássaro de cinco asas (1974), A faca no coração (1975), Abismo de rosas (1976), A trombeta do anjo vingador (1977), Crimes de paixão (1978), Vir-gem louca, loucos beijos (1979), Primeiro livro de contos (Antologia pessoal) (1979), 20 contos menores (An-tologia escolar) (1979), Lincha tarado (1980), Cho-rinho brejeiro (1981), Essas malditas mulheres (182), Meu querido assassino (1983), Contos eróticos (1984), Pão e sangue (1988), além do romance Polaquinha (1985), entre outros.

Um fato curioso é que, mesmo sem o autor sair de Curitiba e sua temática estar sempre vinculada à terra, ser reconhecido não somente em seu país, mas também internacionalmente, pois,

O mundo do autor é o da pequena burguesia, provinciana, não porque de Curitiba, mas porque de horizontes estrei-tos, caracterizada por conflitos de honra, sexo e sangue (...) Mundo onde impera o grotesco, na acepção vulgar do ter-mo, e ainda no de haver um múltiplo parasitismo entre as personagens, como se pertencessem a diferentes espécies de seres animados. (Moisés, 1993, p. 506)

A escritura de Dalton Trevisan é uma escritura de cunho existencialista, em que a esperança, a alegria e a felicidade não têm espaço.

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bio.asp

56 Capítulo 4

MurIlo ruBIão

Murilo Rubião (1916-1991) estreou em 1947, com a publicação de O ex-mágico, um livro de contos, que teve grande dificuldade em publicar. A este seguiram-se A estrela vermelha (1953), Os dragões e outros contos (1965), O pirotécnico Zacarias e O convi-dado, em 1974, A casa do girassol vermelho (1978) e O homem do boné cinzento (1990).

Apesar de não ter uma obra extensa, Murilo Ru-bião é apontado como o precursor da literatura fantástica entre nós.

(1982), A estranha nação de Rafael Mendes, romance (1983), A majestade do Xingu (1997), A mulher que escreveu a bíblia (1999), Eu vos abraço milhões (2010).

Segundo Massaud Moisés, “a ficção de Moacir Scliar deriva da convergência de três fontes: a pro-fissão de médico, a ascendência judaica (judeus russos) e o contexto portoalegrense.” A profissão propicia-lhe os temas correlatos, ou seja, “vida é sofrimento”, “vida é emoção”, “vida é miséria”, já “o cosmos hebreu, bem como a cultura que por meio dele se preserva, inspira-lhe histórias e perso-nagens, e transmite-lhe uma finura analítica, um humor, uma ironia que imediatamente o distin-guem dentre a chusma de contistas do tempo...” (Moisés, 1993, p. 511).

Moacir Scliar, escritor contemporâneo, foi au-tor de uma produção bastante relevante em nos-sa literatura.

SAIBA MAIS!

Saiba mais sobre Moacir Scliar e sua obra,

acessando o site:

http://www.releituras.com/mscliar_bio1.asp

SAIBA MAIS!

Para saber mais sobre Murilo Rubião e sua

obra, leia o ensaio A corrosão do real na

obra de Murilo Rubião, de Audemaro Ta-

ranto Goulart, acessando:

http://www.ich.pucminas.br/posletras/

Producao%20docente/Audemaro/Muri-

lo%20Rubiao%20-%20A%20corrosao%20

do%20real.pdf

Leia também o artigo A arte do conto de

Murilo Rubião, de Fábio Lucas, acessando:

http://www.mondoweb.com.br/muriloru-

biao/teste05/criticas.aspx

MoacIr sclIar

Escritor de contos, romances e livros infantis, Mo-acir Scliar (1937-2011) foi também cronista e ensa-ísta. Iniciou suas publicações com o livro de contos Histórias de um médico em formação (1962), cujo títu-lo remete a sua profissão. Teve sua obra traduzida em vários idiomas e uma produção muito vasta. Em 1963, publicou em parceria com Carlos Stein, Tempo de espera, mas é com a publicação de O car-naval dos animais – contos – (1968), que se projetou na literatura brasileira. Vários livros foram publi-cados, entre eles: A guerra do bom fim, romance (1972), O exército de um homem só, romance (1973), Os deuses de Raquel, romance (1975), A balada do falso Messias, contos (1976), Histórias da terra trêmu-la, contos (1976), O ciclo das águas, romance (1976), Os mistérios de Porto Alegre, crônicas (1976), Mês de cães danados, romance (1977), Doutor Miragem, ro-mance (1978), O anão no televisor, contos (1979), Os voluntários, romance (1979), O centauro no jardim, romance (1980), Max e os felinos, novela (1981), Cavalos e obeliscos, novela (1981), A festa no castelo

osMan lIns

Osman Lins (1924-1978), escritor pernambucano, estreou na literatura com a publicação de O visitan-te (1955), publicando logo após, Os gestos (1957), O fiel e a pedra (1961), Avalovara (1973), Nove novena (1975), A rainha dos cárceres da Grécia (1976). Escre-veu também peças de teatro: Lisbela e o prisioneiro (1964), Capa-verde e o natal (1967), Santa, automóvel e soldado (1975), O diabo na noite de natal (1977) e ensaios: Um mundo estagnado (1966), Guerra sem testemunhas (1969), Lima Barreto e o espaço romanes-co (1976), Do ideal e da glória - problemas inculturais brasileiros (1977); artigos e entrevistas: Evangelho na taba – outros problemas inculturais brasileiros (1979); textos para televisão: Casos especiais de Osman Lins (1978); viagem: Marinheiro de primeira viagem (1963), La paz existe? (1977), este em parceria com Julieta Godoy Ladeira. Deixou inédito, ainda por termi-nar, o romance Uma cabeça levada em triunfo.

De cunho existencial, a escritura de Osman Lins se destaca pela linguagem, pois,

57Capítulo 4

Por meio da linguagem oblíqua da imaginação e do esti-lo direto do ensaio, ou da evocação de estesias literárias e do arejamento das idéias, seu alvo era um só: inquietar o leitor, despertá-lo, arrancá-lo de seu torpor, apontar-lhe caminhos de esclarecimento interior e de intervenção no

processo social. (Moisés, 1993, p. 522)

Avalovara foi uma dos romances mais aclamados pela crítica; há quem diga que foi um divisor de águas na literatura brasileira.

No entanto, a obra de Osman Lins tem sido pouco estudada, o que é uma pena, pois oferece muitas possibilidades para a pesquisa.

GLOssÁriO

cAudAtário: adepto.

demAsiA: em excesso.

grotesco: categoria estética cuja temática ou cujas ima-gens privilegiam, em seu retrato, análise, crítica ou refle-xão, o disforme, o ridículo, o extravagante.

metAlinguAgem: linguagem (natural ou formalizada) que serve para descrever ou falar sobre uma outra linguagem.Monólogo: ato de falar consigo próprio.

pArâmetro: norma, padrão.

prosAísmo: caráter do que é prosaico.

referÊncias

ARRIGUCCI Jr. Davi. No mínimo, poeta. In: Cult – Revista Brasileira de Literatura, nº. 22. São Paulo: Lemos Editorial, maio/1999.

BARBOSA, João Alexandre. A poesia crítica de João Cabral. In: Cult – Revista Brasileira de Li-teratura, nº 29. S. Paulo: Lemos Editorial, de-zembro/1999.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1997.

BUENO, Luís. Guimarães, Clarice e antes. In: Teresa revista de literatura brasileira, nº 2. Dep-to. De Letras Clássicas e Vernáculas. FFLCH da USP. São Paulo: Editora 34, 2001.

COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. Era modernista. Vl. V. São Paulo: Global, 1997.

HILST, Hilda. Entrevista. In: Cult – Revista Brasi-leira de Literatura, nº 12. S. Paulo: Lemos Edi-torial, dezembro/1998.

LUCAS, Fábio. A ficção giratória de Lygia Fa-gundes Teles. In: Cult – Revista Brasileira de Literatura, nº 23. S. Paulo: Lemos Editorial, ju-nho/1999.

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasi-leira: modernismo (1922-atualidade) – Vl. V – São Paulo: Cultrix, 1997.

SAIBA MAIS!

Para saber mais sobre a obra de Osman

Lins, leia o artigo A instância metanarra-

tiva em Nove, novena, de Osman Lins, de

Flávio Pereira Camargo, acessando:

http://www.ucm.es/info/especulo/nume-

ro40/osmlins.html

atividade |Pesquise mais sobre a obra de Osman Lins; poste no fórum Tira dúvidas e peça aos seus colegas que também o façam e o complemen-tem. Ao final, criem um blog na internet com as informações coletadas.

resumO

Nesse capítulo, foi apresentado o ter-ceiro momento modernista, também chamado Geração de 45, o contexto histórico, seus principais poetas e escri-tores, bem como os que permanecem produzindo na atualidade e a maneira como contribuíram e contribuem para a trajetória da literatura brasileira. Deve--se ressaltar que nem todos foram con-templados, somente os mais relevantes.