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Page 1: Legislação material do trabalho: a necessária · PDF fileProfessor do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá Diretor da Academia Nacional de Direito do Trabalho ... representação

Legislação material do trabalho:

a necessária reforma

Gustavo Adolpho Vogel Neto

Ex-professor da Faculdade de Direito da UFRJ Professor do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá

Diretor da Academia Nacional de Direito do Trabalho

Alvin e Heidi Toffler dividem a história econômica em três fases ou ondas de mudanças: a primeira, de índole eminentemente agrária, estendeu-se até o limiar do século XIX; a segunda, caracterizada pela produção em massa nas fábricas, surgiu com a Revolução Industrial, predominando até meados do século XX; e a terceira, que instituiu o primado da informação, acha-se, hoje, em pleno desenvolvimento.

As três ondas de mudanças – convém frisar – não se excluem. Ao contrário, coexistem,

embora em proporções ou intensidades desiguais, ocasionando os denominados choques de civilizações. Assim, estariam convivendo, na atualidade, três civilizações distintas e potencialmente antagônicas: uma simbolizada pela enxada; outra, pela fábrica ou pela linha de montagem; e a mais recente, pelo computador.

À terceira onda de mudanças corresponde o que se convencionou chamar de Nova

Economia, também conhecida como Economia da Informação, Economia Digital, Economia Eletrônica, etc. É o sistema de produção típico da sociedade pós-industrial, em que se verificam a atomização das empresas e a conjugação de esforços de pessoas interligadas eletronicamente.

Enquanto a atividade produtiva característica da segunda onda privilegiava a economia

de escala, buscando maximizar os lucros com o alargamento das unidades empresariais, a terceira onda consagra o enxugamento das organizações, como forma de promover a redução dos custos e a elevação dos níveis de produtividade, integrando prestadores de serviços, fornecedores, distribuidores, clientes, etc.

Assim, a economia de escala é sobrepujada pela economia de redes, desenvolvida por

meio de computadores interconectados. Daí surgem as comunidades de trabalho ou de negócios, autênticas empresas virtuais, que substituem o modelo corporativo da integração vertical, em que o empresário participava, direta e ativamente, de todas as etapas do processo produtivo.

O resultado dessas mudanças afeta sobremodo os atores sociais, posicionados diante

de um futuro incerto e insondável, prenunciando-se o aparecimento de um novo esquema de relações trabalhistas, menos ortodoxo e mais consensual, menos padronizado e mais criativo, menor cerceador e mais liberalizante, subordinado, principalmente, a regras dispositivas e não imperativas ou impositivas.

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As modalidades de labor em evidência ao longo da história – próprias dos regimes da escravidão, da servidão e do emprego – vêm a ter, agora, um desdobramento relevante, o trabalho autônomo, que se pode delinear como aquele prestado, por conta própria e mediante retribuição, a uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas, sem vínculo de subordinação ou dependência hierárquica.

Ocorre que esse fenômeno tende a determinar o surgimento de uma quantidade

substancial de trabalhadores informais, que, exercendo suas atividades à margem da lei, eximem-se, por isso mesmo, das obrigações de recolher tributos e de atender aos ditames de natureza previdenciária. Convertem-se, às vezes, em dissimulados empresários, que não se submetem, geralmente, a qualquer espécie de fiscalização.

Como lembrou o ministro João Oreste Dalazen, ao assumir a presidência do TST, no

último dia 2 de março, se computarmos apenas os dados relativos à iniciativa privada, o percentual de trabalhadores informais atinge 32,11%, contra 67,89 de trabalhadores com carteira assinada. “Em uma população economicamente ativa de 101 milhões de pessoas, implica afirmar que temos cerca de 32 milhões de trabalhadores na informalidade”.

Ante tais circunstâncias, é necessário que se leve a efeito um amplo processo de

reforma da legislação material trabalhista, ajustando-a ao novo modelo produtivo-econômico, sem o que as contratações pelo regime celetista cairão, inevitavelmente, em desuso, cedendo lugar a um gênero de relacionamento espúrio entre patrões e empregados, no qual os direitos destes últimos serão, sempre, relegados a plano inferior.

A reforma em questão deve observar parâmetros como os seguintes: mínima

interferência do Estado na relação capital-trabalho; flexibilização das normas de direito laboral; terceirização de serviços; autocomposição, pela via negocial, dos conflitos coletivos de trabalho; pluralidade dos organismos de representação classista e extinção da contribuição sindical, o que impõe um reexame exaustivo das normas atinentes às relações coletivas de trabalho.

De resto, qualquer mudança na legislação em vigor há de contemplar mais detidamente

a situação daqueles que trabalham por conta própria e, em especial, dos empresários de pequeno porte, dos microempresários e dos microempreendedores individuais, dispensando-lhes tratamento jurídico diferenciado, liberando-os de certos ônus, no sentido de criar condições para que não se deixem seduzir pelo feitiço da ilegalidade.