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1 1 A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E O MINISTÉRIO PÚBLICO 1 SUMÁRIO: 1. Introdução 2. O art. 129 da Constituição Federal 3. A Lei Orgânica do Ministério Público e o Estatuto do Idoso 4. O art. 144 da Constituição Federal 5. A Jurisprudência - 6. O Direito Comparado 7. Conclusão 8. Bibliografia RESUMO: Trata este trabalho de uma análise, à luz da Constituição Federal e da legislação ordinária, acerca da possibilidade do Ministério Público investigar diretamente infrações penais. São confrontados os arts. 129 e 144 da Carta Magna, concluindo-se pela perfeita compatibilidade normativa. São indicados diversos julgados favoráveis à tese ora defendida, bem como diplomas legislativos de outros países, tudo a corroborar o entendimento segundo o qual é constitucionalmente garantida ao Ministério Público a investigação criminal direta. I - Introdução O tema em epígrafe diz respeito a uma das mais importantes atribuições do Ministério Público e, muitas das vezes, de fundamental importância para a persecução criminal: a investigação de infrações penais. Nada obstante opiniões em contrário, o certo é que tal atribuição transparece suficientemente possível à luz da Constituição Federal e de textos legais, como procuraremos demonstrar a seguir. 1 Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça na Bahia. Foi Assessor Especial do Procurador- Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador-UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Integrante, por duas vezes consecutivas, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia, do Curso JusPodivm, do Curso IELF, da Universidade Jorge Amado e da Fundação Escola Superior do Ministério Público. Autor das obras “Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria) e “Juizados Especiais Criminais”– Editora JusPodivm, 2008, além de organizador e coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados na Bahia e no Brasil.

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A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E O MINISTÉRIO PÚBLICO1

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O art. 129 da Constituição Federal – 3. A Lei Orgânica do

Ministério Público e o Estatuto do Idoso – 4. O art. 144 da Constituição Federal – 5. A

Jurisprudência - 6. O Direito Comparado – 7. Conclusão – 8. Bibliografia

RESUMO: Trata este trabalho de uma análise, à luz da Constituição Federal e da

legislação ordinária, acerca da possibilidade do Ministério Público investigar diretamente

infrações penais. São confrontados os arts. 129 e 144 da Carta Magna, concluindo-se pela

perfeita compatibilidade normativa. São indicados diversos julgados favoráveis à tese ora

defendida, bem como diplomas legislativos de outros países, tudo a corroborar o

entendimento segundo o qual é constitucionalmente garantida ao Ministério Público a

investigação criminal direta.

I - Introdução

O tema em epígrafe diz respeito a uma das mais

importantes atribuições do Ministério Público e, muitas das vezes, de fundamental

importância para a persecução criminal: a investigação de infrações penais.

Nada obstante opiniões em contrário, o certo é que

tal atribuição transparece suficientemente possível à luz da Constituição Federal e de

textos legais, como procuraremos demonstrar a seguir.

1 Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça na Bahia. Foi Assessor Especial do Procurador-

Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador

da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS, na

graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É

Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado,

lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo

pela Universidade Salvador-UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor J. J. Calmon de Passos). Membro

da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e

do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais –

IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Integrante, por duas vezes consecutivas, de

bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da

Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia, do Curso

JusPodivm, do Curso IELF, da Universidade Jorge Amado e da Fundação Escola Superior do Ministério

Público. Autor das obras “Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria) e

“Juizados Especiais Criminais”– Editora JusPodivm, 2008, além de organizador e coordenador do livro

“Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias

obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados na Bahia e no Brasil.

2

2

Desde logo, atentemos que o “Ministério Público é

instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a

defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis” (art. 127 da Constituição Federal). Parece-nos ser este um grande indicativo

do que acabamos de afirmar.

II - O art. 129 da Constituição Federal

Com efeito, diz o art. 129 da Constituição Federal que

são funções do Ministério Público, dentre outras:

“I – promover, privativamente, a ação penal pública,

na forma da lei.”

“II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos

e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,

promovendo as medidas necessárias a sua garantia.” (grifo nosso).

“VI - expedir notificações nos procedimentos

administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-

los, na forma da lei complementar respectiva.” (grifo nosso).

“VIII - requisitar diligências investigatórias e a

instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas

manifestações processuais;

“IX - exercer outras funções que lhe sejam

conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação

judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.” (idem).

Como se nota pelo inciso I acima transcrito, a Carta

Magna deu ao Ministério Público, com exclusividade, a titularidade da ação penal pública

e, como diz Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, “não seria razoável que a

Constituição concedesse o direito de ação2 com uma mão e retirasse os meios de ajuizá-la

adequadamente com a outra. Por isso, deve-se admitir que o Ministério Público possa

colher os elementos de convicção necessários para que sua denúncia não seja rejeitada.”3

Aqui, acolhemos a teoria dos poderes implícitos, na

forma explicada pelo Ministro Celso de Mello:

2 Na verdade, um dever jurídico tendo em vista o princípio da obrigatoriedade que rege a ação penal pública. 3 Lei dos Juizados Especiais Criminais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 91.

3

3

“(...) Impende considerar, no ponto, em ordem a

legitimar esse entendimento, a formulação que se fez em torno dos poderes implícitos, cuja

doutrina, construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no célebre caso

McCULLOCH v. MARYLAND (1819), enfatiza que a outorga de competência expressa a

determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos

meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos. Cabe assinalar,

ante a sua extrema pertinência, o autorizado magistério de MARCELO CAETANO

(“Direito Constitucional”, vol. II/12-13, item n. 9, 1978, Forense), cuja observação, no

tema, referindo-se aos processos de hermenêutica constitucional – e não aos processos de

elaboração legislativa - assinala que, ´Em relação aos poderes dos órgãos ou das pessoas

físicas ou jurídicas, admite-se, por exemplo, a interpretação extensiva, sobretudo pela

determinação dos poderes que estejam implícitos noutros expressamente atribuídos`

(grifei). Esta Suprema Corte, ao exercer o seu poder de indagação constitucional -

consoante adverte CASTRO NUNES (Teoria e Prática do Poder Judiciário, p. 641/650,

1943, Forense) - deve ter presente, sempre, essa técnica lógico-racional, fundada na

teoria jurídica dos poderes implícitos, para, através dela, mediante interpretação judicial

(e não legislativa), conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência

constitucional, consideradas as atribuições do Supremo Tribunal Federal, do Superior

Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça, tais

como expressamente relacionadas no texto da própria Constituição da República. Não

constitui demasia relembrar, neste ponto, Senhora Presidente, a lição definitiva de RUI

BARBOSA (Comentários à Constituição Federal Brasileira, vol. I/203-225, coligidos e

ordenados por Homero Pires, 1932, Saraiva), cuja precisa abordagem da teoria dos

poderes implícitos - após referir as opiniões de JOHN MARSHALL, de WILLOUGHBY, de

JAMES MADISON e de JOÃO BARBALHO - assinala: ´Nos Estados Unidos, é, desde

MARSHALL, que essa verdade se afirma, não só para o nosso regime, mas para todos os

regimes. Essa verdade fundada pelo bom senso é a de que - em se querendo os fins, se hão

de querer, necessariamente, os meios; a de que se conferimos a uma autoridade uma

função, implicitamente lhe conferimos os meios eficazes para exercer essas funções. (...).

Quer dizer (princípio indiscutível) que, uma vez conferida uma atribuição, nela se

consideram envolvidos todos os meios necessários para a sua execução regular. Este, o

princípio; esta, a regra. Trata-se, portanto, de uma verdade que se estriba ao mesmo

tempo em dois fundamentos inabaláveis, fundamento da razão geral, do senso universal,

da verdade evidente em toda a parte - o princípio de que a concessão dos fins importa a

concessão dos meios (...).” (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.797-2 - Distrito

Federal).

No inciso II, permite-se a promoção de medidas que

sejam necessárias para a garantia dos direitos assegurados por ela própria que não estejam

sendo respeitados pelos Poderes Públicos e pelos serviços de relevância pública; assim, por

exemplo, quando um agente público, abusando de poder ou de sua autoridade, transgride o

direito à liberdade de um cidadão, verbi gratia, prendendo-o ilegalmente, é evidente que

permitido será ao parquet, constitucionalmente, “promover medidas necessárias para a

garantia do direito à liberdade” desrespeitado pelo agente do Poder Público.

Já o inciso VI, refere-se expressamente à expedição

de notificações “nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando

4

4

informações e documentos para instruí-los.” Pergunta-se: para que serviriam tais

notificações ou as informações e os documentos requisitados se não fossem para instruir

procedimento administrativo investigatório? É evidente que nenhuma lei traz palavras ou

disposições inúteis (é regra de hermenêutica), muito menos a Lei Maior.

Comentando este inciso, afirma Marcellus Polastri

Lima:

“Trata-se, à saciedade, de coleta direta de elementos

de convicção pelo promotor para elaborar opinio delicti e, se for o caso, oferecimento de

denúncia, uma vez que, como já asseverado, não está o membro do Ministério Público

adstrito às investigações da Polícia Judiciária, podendo colher provas em seu gabinete ou

fora deste, para respaldar a instauração da ação penal.

“Portanto, recebendo o promotor notícia de prática

delituosa terá o poder-dever de colher os elementos confirmatórios, colhendo declarações

e requisitando provas necessárias para formar sua opinio delicti.”4

Que não se diga tratar-se tal procedimento

administrativo do inquérito civil preparatório para a ação civil pública, pois desta matéria

já cuida o anterior inciso III. Portanto, este outro dispositivo (VI) ao se referir a

“procedimentos administrativos” não faz alusão ao inquérito civil (que também é um

procedimento administrativo), este já tratado no item anterior; neste mesmo sentido pensa

Hugo Nigro Mazzilli, para quem “se os procedimentos administrativos a que se refere este

inciso (VI) fossem apenas em matéria cível, teria bastado o inquérito civil de que cuida o

inciso III. O inquérito civil nada mais é que uma espécie de procedimento administrativo

ministerial. Mas o poder de requisitar informações e diligências não se exaure na esfera

cível; atinge também a área destinada a investigações criminais.”5

Já com o inciso VIII surge a seguinte indagação: se

se pode o mais (requisitar diligências investigatórias), como não se pode o menos, id est,

fazê-las motu proprio. Aqui devemos aplicar o princípio da máxima efetividade, ou da

eficiência, também conhecido como princípio da interpretação efetiva, segundo o qual “a

uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.”6

Se não bastassem tais preceitos há ainda o quarto

deles consubstanciado no inciso IX, este a permitir o exercício de funções outras que forem

atribuídas ao Ministério Público e que sejam compatíveis com suas finalidades: a Lei

Federal n.º 8.625/93 concede ao Ministério Público a possibilidade de instaurar

procedimentos administrativos investigatórios, como veremos a seguir.

4 Ministério Público e Persecução Criminal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 88. 5 Regime Jurídico do Ministério Público, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 239. 6 J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra: Almedina, 6ª. ed., 2002, p.

1.210.

5

5

III - A Lei Orgânica do Ministério Público e o Estatuto do Idoso

Efetivamente, a Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica da

Instituição), no seu art. 26, dispõe caber ao Ministério Público (os grifos são nossos)7:

“I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e

procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: (omissis);”

“II - requisitar informações e documentos a

entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie;”

“V - praticar atos administrativos executórios, de

caráter preparatório;”

Comentando este artigo, e mais especificamente o seu

inciso V, assim se pronunciou Pedro Roberto Decomain:

“Trata-se de todas as providências preliminares que

possam ser necessárias ao subseqüente exercício de uma função institucional qualquer.

Providências administrativas de âmbito interno poderão ser de rigor para o melhor

exercício de alguma função institucional, em determinadas circunstâncias. Por força deste

inciso, está o Ministério Público habilitado a tomá-las. Aliás, nem poderia ser diferente. É

claro que a Instituição está apta a realizar todas as atividades administrativas que sejam

indispensáveis ao bom desempenho de suas funções institucionais. Tal será uma direta

conseqüência do princípio de sua autonomia administrativa, que orienta não apenas o

funcionamento global da Instituição, mas também a sua atuação em cada caso concreto

que represente exercício de suas funções institucionais.” (Grifo nosso).8

Por sua vez, adverte Marcellus Polastri Lima:

“A exemplo do disposto na CF/88, entendemos que o

estabelecido no item I do art. 26 da Lei 8.625/93, refere-se não só aos inquéritos civis,

como a quaisquer outros procedimentos, sendo a expressão pertinente atinente a medidas

e procedimentos condizentes com as funções do Ministério Público, e não somente aos

inquéritos civis, conforme estabelecido no caput do art. 26.”9

Ainda mais recentemente escreveu Paulo Rangel:

“A investigação criminal direta pelo Ministério

Público é garantia constitucional da sociedade que tem o direito subjetivo público de

7 Adiante mostraremos disposições semelhantes na Lei Complementar n.º 75/93 (Lei Orgânica do Ministério

Público da União). 8 Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Obra Jurídica Editora, ps. 204/205. 9 Idem, p. 90.

6

6

exigir do Estado as medidas necessárias para reprimir e combater as condutas lesivas à

ordem jurídica.”10

Em um outro trabalho específico, temos a opinião de

Mauro Fonseca Andrade:

“Sem sombra de dúvidas, a possibilidade do

Ministério Público investigar criminalmente decorre das previsões da legislação pátria,

que, ainda, dá margem às investidas daqueles que pretendem engessar o Parquet , e

torná-lo dependente do trabalho que a polícia judiciária realizar.”11

Continuando a análise da Lei Orgânica temos no seu

art. 27, verbo ad verbum (por nós sublinhado):

“Art. 27 - Cabe ao Ministério Público exercer a

defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se

cuidar de garantir-lhe o respeito:

“I - pelos poderes estaduais e municipais;

“II - pelos órgãos da Administração Pública

Estadual ou Municipal, direta ou indireta;

“(omissis).

“Parágrafo único. No exercício das atribuições a que

se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências:

“I - receber notícias de irregularidades, petições ou

reclamações de qualquer natureza, promover as apurações cabíveis que lhes sejam

próprias e dar-lhes as soluções adequadas;

“II - zelar pela celeridade e racionalização dos

procedimentos administrativos;

“(omissis).”

Vemos, destarte, que não há dificuldades em se

admitir a instauração de procedimentos administrativos investigatórios de natureza

criminal no âmbito do próprio Ministério Público, desde que haja a necessidade da

apuração de determinado fato que, por sua vez, enquadre-se no leque institucional das

atribuições ministeriais.

10 Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.

257. 11 Ministério Público e sua Investigação Criminal, Porto Alegre: Fundação Escola Superior do Ministério

Público do Rio Grande do Sul, 2001, p. 135.

7

7

Portanto, não podemos conceber, em que pese a

autoridade dos que pensam contrariamente, que se diga ser defeso ao Ministério Público a

investigação e a coleta de provas para o processo criminal (inclusive, como é evidente, a

notificação para comparecer), pois tal atribuição é permitida perfeitamente, principalmente

levando-se em conta a lição doutrinária amplamente conhecida, segundo a qual o inquérito

policial é peça prescindível à instauração da ação penal, conclusão esta retirada do próprio

Código de Processo Penal, arts. 4º., parágrafo único, 12, 27, 39, § 5º. e 46, § 1º.

Com razão afirma Mazzilli:

“Tanto na área cível como criminal, admitem-se

investigações diretas do órgão titular da ação penal pública do Estado. Para fazê-las, não

raro se valerá de notificações e requisições.”12 E, complementa: “Em matéria criminal, as

investigações diretas ministeriais constituem exceção ao princípio da apuração das

infrações penais pela polícia judiciária; contudo, há casos em que se impõe a investigação

direta pelo Ministério Público, e os exemplos mais comuns dizem respeito a crimes

praticados por policiais e autoridades.”13

De lege lata, podemos citar, inclusive, dois

dispositivos legais que expressamente legitimam o Ministério Público para atividades

investigatórias; o primeiro deles é o art. 179 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

nº. 8.069/90), in verbis:

“Apresentado o adolescente, o representante do

Ministério Público, no mesmo dia e à vista do auto de apreensão, boletim de ocorrência

ou relatório policial, devidamente autuados pelo cartório judicial e com informação sobre

os antecedentes do adolescente, procederá imediata e informalmente à sua oitiva e, em

sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas.”

O segundo encontra-se no Estatuto do Idoso – Lei nº.

10.741/03:

“Art. 74. Compete ao Ministério Público:

(...)

“V – instaurar procedimento administrativo e, para

instruí-lo:

“a) expedir notificações, colher depoimentos ou

esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado da pessoa notificada,

requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar;

12 Ob. cit., p. 239. 13 Idem, p. 400.

8

8

“b) requisitar informações, exames, perícias e

documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta e

indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias;

“c) requisitar informações e documentos particulares

de instituições privadas;

“VI – instaurar sindicâncias, requisitar diligências

investigatórias e a instauração de inquérito policial, para a apuração de ilícitos ou

infrações às normas de proteção ao idoso;

(...)

“IX – requisitar força policial, bem como a

colaboração dos serviços de saúde, educacionais e de assistência social, públicos, para o

desempenho de suas atribuições;”

IV - O art. 144 da Constituição Federal

Costuma-se opor ao entendimento acima esposado o

art. 144, § 4º. da Constituição Federal, cuja redação diz caber à Polícia Civil a apuração de

infração penal, exceto a de natureza militar, ressalvada, também, a competência da União.

Ocorre que tal atribuição constitucional não é

exclusiva da Polícia Civil (nem da Federal14), sendo esta a correta interpretação deste

dispositivo constitucional.

Não se deve interpretar uma norma jurídica

isoladamente, mas, ao contrário, deve-se utilizar o método sistemático, segundo o qual

cada preceito é parte integrante de um corpo, analisando-se todas as regras em conjunto, a

fim de que possamos entender o sentido de cada uma delas.

“Não se encontra um princípio isolado, em ciência

alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O Direito objetivo não é um

conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema,

14 A Polícia Federal tem, com exclusividade, apenas a prerrogativa de exercer as funções de polícia

judiciária da União, função que não se confunde com a de apurar crimes (a distinção é feita pela própria

Constituição Federal (art. 144, § 1º., I e IV). As funções de polícia judiciária compreendem, por exemplo,

aquelas previstas no art. 13, I, II e III do Código de Processo Penal. No processo de Extradição nº. 974, o

Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, destacou o papel da Polícia Federal como “polícia

judiciária da República”; nesta condição, destacou o Ministro que a instituição precisaria “se aparelhar

para cumprir suas atribuições constitucionais.” Entre elas, a de dar totais condições para o bem-estar

daqueles que se encontram presos em suas unidades prisionais. “A Polícia Federal há de se aparelhar

visando ao cumprimento das atribuições constitucionais – entre estas, as que encerram a qualificação de

polícia judiciária”, anotou o Ministro.

9

9

conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora

fixada cada uma no seu lugar próprio.”15

A propósito, Karl Larenz, após advertir que se

aplicam os princípios interpretativos gerais das leis também à interpretação da

Constituição, ensina que “o contexto significativo da lei determina, em primeiro lugar, da

mesma maneira, a compreensão de cada uma das frases e palavras, tal como também,

aliás, a compreensão de uma passagem do texto é codeterminada pelo contexto.”

Esclarece este autor que “uma lei é constituída, as mais das vezes, por proposições

jurídicas incompletas – a saber: aclaratórias, restritivas e remissivas -, que só

conjuntamente com outras normas se complementam numa norma jurídica completa ou se

associam numa regulação. O sentido de cada proposição jurídica só se infere, as mais das

vezes, quando se a considera como parte da regulação a que pertence.”16

Aliás, segundo Luiz Alberto Machado “o criminalista

ortodoxo pensa e age, sem confessar e até dizendo o contrário, como se coexistissem dois

ordenamentos jurídicos: um ordenamento jurídico-criminal e outro ordenamento para as

demais ciências jurídicas.”17

Partindo-se desse pressuposto, resta claro que não

deu a Constituição exclusividade na apuração de infrações penais apenas a uma Instituição.

Observa-se que um outro artigo da mesma Carta (art. 58, § 3º.) dá poderes às Comissões

Parlamentares de Inquérito para investigação própria e, adiante, como já demonstrado,

concede a mesma prerrogativa ao Ministério Público. Não nos esquecemos que ao

conceder exclusividade ao Ministério Público para a propositura da ação penal pública (art.

129, I), a Constituição Federal implicitamente outorgou à Instituição a possibilidade de

investigar para respaldar a respectiva peça acusatória.

Lênio Luiz Streck e Luciano Feldens escreveram:

“Recorrentemente, aqueles que desafiam a legitimidade do Ministério Público para

proceder a diligências investigatórias na seara criminal esgrimem o argumento de que tal

possibilidade não se encontraria expressa na Constituição, locus político-normativo de

onde emergem suas funções institucionais. Trata-se, na verdade, de uma armadilha

argumentativa. Esconde-se, por detrás dessa linha de raciocínio, aquilo que se revela

manifestamente insustentável: a consideração de que as atribuições conferidas ao

Ministério Público são taxativas, esgotando-se em sua literalidade mesma. Equívoco, data

venia, grave.”18

Ainda bem a propósito, veja-se a lição de Diego

Diniz Ribeiro:

15 Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961, p. 165. 16 Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª. ed., 1997 (tradução

portuguesa de José Lamego). 17 Estudos Jurídicos em Homenagem a Manoel Pedro Pimentel, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1992, p. 239. 18 Crime e Constituição – A Legitimidade da Função Investigatória do Ministério Público, Rio de Janeiro:

Forense, 2003, p. 81.

10

10

“Sendo assim, respaldando-se na teoria dos poderes

implícitos, conclui-se que, se o constituinte atribuiu a uma determinada instituição uma

atividade-fim, também está ele, ainda que implicitamente, outorgando-lhe a atividade-

meio, pois, do contrário, aquela atividade restaria prejudicada, não passando a

disposição legal que a previu de uma determinação vazia e sem efetividade prática. Sendo

assim, de tal assertiva se extrai a conclusão lógica de que se o parquet pode o mais, que é

a interposição da ação penal pública, também pode ele, ainda que de forma implícita, o

menos, qual seja, a investigação criminal pré-processual, pois, do contrário, o permissivo

constitucional que outorga ao MP a função titular da ação penal seria totalmente inócuo,

não passando de mero discurso retórico.” (Boletim do IBCCrim nº. 121, dezembro/2002).

A esse respeito escreveu Tourinho Filho:

“O parágrafo único do art. 4º. (CPP) deixa entrever

que essa competência atribuída à Polícia (investigar crimes) não lhe é exclusiva, nada

impedindo que autoridades administrativas outras possam, também, dentro em suas

respectivas áreas de atividades, proceder a investigações. As atinentes à fauna e flora

normalmente ficam a cargo da Polícia Florestal. Autoridades do setor sanitário podem,

em determinados casos, proceder a investigações que têm o mesmo valor e finalidade do

inquérito policial.”19

Da mesma forma pensa o já citado Marcellus Polastri

Lima:

“Obviamente, não sendo a Polícia Judiciária

detentora de exclusividade na apuração de infrações penais, deflui que nada obsta que o

MP promova diretamente investigações próprias para elucidação de delitos.

“Como já salientamos, de há muito Frederico

Marques defendia que o MP poderia, como órgão do Estado-administração e interessado

direto na propositura da ação penal, atuar em atividade investigatória.

“O art. 4º. do CPP já dispunha, em seu parágrafo

único, inteiramente recepcionado pela nova ordem constitucional, que a atribuição para

apuração de infrações penais não exclui a de autoridades administrativas, a quem por lei

seja cometida a função.”20 (grifo nosso).

Neste sentido, veja-se o Enunciado 397 da súmula do

Supremo Tribunal Federal21, com base no qual o Senado Federal editou a Resolução nº.

19 Código de Processo Penal Comentado, Vol. 1, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 16. 20 Ob. cit., p. 84. 21 “O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas

dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do

inquérito.” Confira-se, a propósito, os arts. 200 e 203, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e

arts. 397 e 400, do Regimento Interno do Senado Federal.

11

11

59/2002, regulamentando o art. 52, XIII, da Constituição Federal, cujo art. 2º., § 1º., IX,

estabelece que “são consideradas atividades típicas de Polícia do Senado Federal”, dentre

outras, “as de investigação e de inquérito.”

V - A Jurisprudência

O próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento

da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 1517 (tendo como requerente a ADEPOL –

Associação dos Delegados de Polícia do Brasil), tendo como Relator o Ministro Maurício

Corrêa, em julgamento do dia 30 de abril de 1997 (DJ de 22/11/2002, p. 55),

expressamente deixou consignado em determinado trecho que “competindo ao Judiciário a

tutela dos direitos e garantias individuais previstos na Constituição, não há como

imaginar-se ser-lhe vedado agir, direta ou indiretamente, em busca da verdade material

mediante o desempenho das tarefas de investigação criminal, até porque estas não

constituem monopólio do exercício das atividades de polícia judiciária.” (Informativo STF

nº. 69, de 07 de maio de 1997, p. 02, com grifo nosso).

Ainda no Supremo Tribunal Federal, no julgamento

do habeas corpus nº. 83157, em 1º.de julho de 2003, foi suscitado o papel do Ministério

Público nas investigações criminais. O Ministro-Relator, Marco Aurélio, entendeu que

a instituição não tem poderes para tomar depoimentos e conduzir as investigações em

matéria criminal, somente podendo agir assim nos inquéritos de natureza civil, conforme

prevê a Constituição Federal. Na oportunidade, o Procurador-Geral da República, Dr.

Claudio Fonteles declarou que “não há ilegalidade alguma em um procurador da

República tomar o depoimento de alguém no seu gabinete. É até melhor que assim seja do

que em delegacia de polícia. As razões são óbvias”. Segundo o chefe do Ministério

Público Federal, o parquet tem legitimidade para investigar fatos criminosos, “e isso não

significa dizer que termina o serviço da polícia”, devendo esta atividade “ser sempre

controlada pelo Poder Judiciário”. Ainda nesta sessão, o Ministro Marco Aurélio destacou

em seu voto o posicionamento da 2ª Turma da Suprema Corte que entendeu somente caber

ao Ministério Público “promover o inquérito civil”. Segundo o Relator, “como titular da

ação penal pública, acusador, impossível é conferir atividade investigatória, a presidência

de audiências para a oitiva de testemunhas. Há de lançar mão, o Ministério Público, do

que previsto no inciso VIII, do artigo 129, da Constituição Federal, requisitando

‘diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os

fundamentos jurídicos de manifestações processuais”. A ministra Ellen Gracie

acompanhou o voto do Relator, acrescentando que ao Ministério Público cabe promover a

investigação quando se trata de inquérito civil, “não devendo o mesmo acontecer no

inquérito penal, onde atuará, mais tarde, como acusador”. Para a Ministra o Ministério

Público não pode acumular essas duas tarefas: a de acusador e a de inquisidor. Nesta

oportunidade, colheu-se também o voto do Ministro Carlos Velloso que ressaltou “não

considerar ilegal o fato de a testemunha ter prestado o seu depoimento perante o membro

do Ministério Público”. Para este Ministro, “não obstante a importância do Ministério

Público no contexto social, pensa que as investigações correm por conta da polícia. É o

12

12

que está na Constituição, mas não chego ao ponto de impedir que o Ministério Público em

certos casos, como neste, tome o depoimento de alguém e oriente as provas em que ele vai

se basear para oferecer a denúncia e instaurar a ação penal da qual participou.” Também

em sentido oposto à tese do Relator, o Ministro Joaquim Barbosa afirmou não concordar

com a ilegitimidade do Ministério Público para atuar nas investigações criminais. Segundo

ele, “a Constituição não criou o Ministério Público para ser um órgão inerte”, logo “deve

investigar sempre que fatos delituosos chegarem ao seu conhecimento”.

Também em decisão unânime, a Segunda Turma do

Supremo Tribunal indeferiu Habeas Corpus (HC 84965) que pedia o trancamento de ação

penal instaurada na Comarca de Matias Barbosa (MG) contra servidores públicos estaduais

e outros acusados de crimes contra a ordem tributária (artigo 1º, IV, e artigo 3º, II, da Lei

8.137/90) e formação de quadrilha (artigo 288 Código Penal). O andamento do processo

estava suspenso por força de liminar concedida pelo ministro Cezar Peluso. Com o

entendimento firmado nesta tarde, essa liminar perdeu efeito e a ação penal voltará a

tramitar normalmente. A decisão seguiu voto do ministro Gilmar Mendes, relator do

processo. Os advogados argumentaram que a ação penal deveria ser trancada (encerrada)

porque estaria fundamentada apenas em Procedimento Administrativo Criminal instaurado

internamente pelo Ministério Público mineiro, por meio de portaria da Promotoria de

Justiça de Combate ao Crime Organizado. Segundo eles, esse fato tornaria a denúncia

nula.O relator, no entanto, afirmou que o caso em questão “parece justificar” a atuação do

Ministério Público. “No caso concreto, constata-se situação excepcionalíssima, que, a meu

ver, justifica a atuação do Ministério Público na colheita de provas que fundamentam a

ação penal”, ressaltou o ministro Gilmar Mendes.“É uma situação extremamente

complexa, que a Corregedoria da Fazenda (de Minas Gerais) indicava, com participação

possível de servidores e policiais militares. Então, é um caso que parece justificar essa

atuação”, disse. “Não vejo nulidade na atuação investigativa do Ministério Público, nos

termos em que ela se deu no presente caso”, concluiu o ministro. Ao longo de seu voto, o

ministro Gilmar Mendes fez amplas reflexões sobre a possibilidade ou não de o Ministério

Público realizar investigações. Ele lembrou que o tema está em votação no Plenário do

Supremo, mas que, “enquanto não sobrevier uma decisão estabelecendo os exatos

contornos e limites dessa atividade, é lícito ao MP investigar, obedecidos os limites e os

controles ínsitos a essa atuação”.O ministro advertiu que a atividade investigatória não é

exclusiva da polícia judiciária e citou vários órgãos com poderes para tanto, como o Coaf,

a Receita Federal, entre outros. “O próprio constituinte originário, ao delimitar o poder

investigatório das comissões parlamentares de inquérito, pareceu encampar esse

entendimento”, disse. Ele classificou como “forma tacanha de hermenêutica

constitucional” qualquer leitura que extraia uma “não decisão, um silêncio eloquente”

diante de decisões explícitas do texto constitucional. “Ao permitir isto (a investigação

policial), está a se proibir aquilo (a investigação do MP). Essa é uma interpretação literal

empobrecida (da Constituição)”, afirmou.Entretanto, o ministro Gilmar Mendes advertiu

que o poder de investigar do MP não pode ser exercido “de forma ampla e irrestrita, sem

qualquer controle, sob pena da agredir inevitavelmente direitos fundamentais”. Como

exemplo, ele lembrou que o inquérito policial também foi concebido como um instrumento

de garantia do acusado. “Não obstante a ausência de contraditório, não deixa o inquérito

policial de representar um procedimento legal de mediação entre o interesse do acusado e o

direito de punir do Estado.” Assim, explicou, o inquérito assegura garantias mínimas ao

13

13

acusado, tais como prazos, a supervisão judicial, a ciências das partes, a possibilidade de

acompanhamento por meio de advogado, entre outros.Para o ministro Gilmar Mendes, o

tema do poder de investigação do MP comporta e reclama a disciplina legal para que a

ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos

fundamentais. “É que esse campo tem se prestado ao abuso. Tudo isso é resultado de um

contexto da falta de lei a regulamentar a atuação do Ministério Público”, afirmou. De toda

forma, o ministro avalia que “a ausência de uma disciplina normativa não invalida toda e

qualquer atuação do Ministério Público, especialmente se ligada a elementos probatórios já

existentes”.

Aliás, de há muito o Supremo Tribunal Federal

admitiu a não exclusividade das apurações de infrações penais por parte da Polícia,

quando, por exemplo, sumulou o seguinte entendimento: “O poder de polícia da Câmara

dos deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências,

compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do

inquérito” (Súmula 397).

E não se diga que, sendo parte, não pode o Promotor

de Justiça ser considerado autoridade para efeito de instauração de procedimento

administrativo na forma permitida pelo parágrafo único do art. 4º. do Código de Processo

Penal; tal argumento também é rebatido pelo autor por último citado, ao afirmar, depois de

se apoiar nas lições de Hely Lopes Meirelles, que:

“Não resta dúvida que, estando o Ministério Público

regido por lei orgânica própria, detendo funções privativas constitucionalmente e

possuindo seus agentes independência funcional, além de preencher os demais requisitos

elencados pela doutrina, os seus membros são agentes políticos, e como tal exercem

parcela de autoridade.”

“Portanto, indubitavelmente, exerce o MP parcela de

autoridade e, administrativamente, pode proceder às investigações penais diretas na

forma da legislação em vigor.”22

Mirabete não pensa diferente:

“Os atos de investigação destinados à elucidação dos

crimes, entretanto, não são exclusivos da polícia judiciária, ressalvando expressamente a

lei a atribuição concedida legalmente a outras autoridades administrativas (art. 4º., do

CPP). Não ficou estabelecido na Constituição, aliás, a exclusividade de investigação e de

funções da Polícia Judiciária em relação às polícias civis estaduais. Tem o Ministério

Público legitimidade para proceder investigações e diligências, conforme determinarem

as leis orgânicas estaduais”, citando, então, várias hipóteses em que outras autoridades

administrativas, que não Delegados de Polícia, podem e devem proceder a investigações:

as referidas Comissões Parlamentares de Inquérito, a Lei nº. 4.771/65 – Código Florestal

(art. 33, b), o art. 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, etc.23

22 Ob. cit. págs. 85 e 87. 23 Processo Penal, São Paulo: Atlas, 1997, p. 77.

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14

Espínola Filho, por sua vez, já advertia há muito “que

o inquérito não é atribuição exclusiva da autoridade policial, é ponto assente, muito

comuns sendo os inquéritos administrativos.

“O Código de processo penal, no art. 4º., parágrafo

único, ressalva, do modo mais claro, a pertinência desses inquéritos extrapoliciais,

acentuando que a competência dada no inquérito à polícia judiciária, exercida por

autoridades policiais, não exclui a de autoridades administrativas, para promoverem

inquéritos, quando a isso legalmente autorizadas.”24

O Superior Tribunal de Justiça assim já se

manifestou:

“Como procedimento meramente informativo que é, o

inquérito policial pode ser dispensado se o titular da ação penal dispuser de elementos

suficientes para o oferecimento da denúncia.” (DJU, 08/06/92, p. 8.594).

O Supremo Tribunal Federal também já decidiu:

“A inexistência de inquérito policial não impede a

denúncia, se a Promotoria dispõe de elementos suficientes para a formulação da demanda

penal – Existência, no caso, de indícios suficientes para afastar a alegação de falta de

justa causa para a denúncia. Habeas Corpus indeferido.” (STF, Habeas Corpus n.º

70.991-5, Rel. Min. Moreira Alves).

Especificamente sobre o poder investigatório do

Ministério Público veja-se:

“O MP tem legitimidade para proceder a

investigações ou prestar tal assessoramento à Fazenda Pública para colher elementos de

prova que possam servir de base a denúncia ou ação penal. A CF/88, no art. 144, § 4º.,

não estabeleceu com relação às Polícias Civis a exclusividade que confere no § 1º., IV, à

Polícia Federal para exercer as funções de Polícia Judiciária.” (RT, 651/313).

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça decidiu

no mesmo sentido:

“HABEAS CORPUS N.º 59.300-SP - Rel.: Min.

Arnaldo Esteves Lima - EMENTA - Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário.

Processual penal. Crimes de denunciação caluniosa, estelionato e quadrilha. Legitimidade

do ministério público para proceder a investigação criminal. Súmula 234 do STJ.

Legitimidade do ministério público para conduzir investigação. Alegação de inépcia da

denúncia. Ausência de manifestação pelo tribunal de origem. Não conhecimento do writ

nessa parte. Constrangimento ilegal configurado pela omissão da autoridade. Devolução

24 Código de Processo Penal Anotado, Borsoi, 1960, p. 248.

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da matéria para a apreciação pela origem. Ordem conhecida em parte e, nessa parte,

concedida parcialmente. 1. O Ministério Público tem legitimidade para conduzir

investigação e proceder à colheita de elementos de convicção quanto à materialidade do

delito e indícios de sua autoria, sob pena de inviabilizar o cumprimento de sua função de

promover, privativamente, a ação penal pública (RHC 16.267/DF, Rel. Min. HÉLIO

QUAGLIA BARBOSA, DJ de 4/9/2006, p. 325; REsp 761.938/SP, Rel. Min. GILSON

DIPP, DJ de 8/5/2006, p. 282; e HC 41.615/MG, de minha relatoria, DJ de 2/5/2006, p.

343, RJP vol. 10, p. 106). 2. Além disso, conforme entendimento já sumulado por esta

Corte, “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal

não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia” (Súmula

n.º 234 do STJ).” (...) (STJ/DJU de 26/2/07, pág. 619).

“Ministério Público. Procedimento investigatório.

Policiais. A Turma denegou a ordem de habeas corpus com o entendimento de que, em se

tratando de procedimento com o fito de apurar fatos reputados delituosos e cuja autoria é

atribuída a integrante da organização policial, cuja atividade é controlada externamente

pelo Ministério Público, em tese não existirá antinomia para que o Parquet promova a

investigação. Ressalte-se que, mesmo no caso de eventual irregularidade por invasão das

atribuições da Polícia Judiciária pelo Ministério Público, ainda assim em nada estaria

afetada a ação penal porque objeto de apuração de delito cometido por agente de

autoridade policial. Precedentes citados do STF: RHC 66.428-PR, DJ 2/9/1988, e RE

205.473-9-AL, DJ 19/3/1999. (RHC 10.947-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado

em 19/02/2002).

“Não obstante o disposto no artigo 144, § 4º, da CF,

o Parquet não é absolutamente proibido de praticar atos investigatórios. Não faria

sentido, sendo essa instituição responsável, exclusivamente, pela ação penal pública –

artigo 129, I da CF -que não pudesse praticar qualquer ato tendente à elucidação dos

fatos. Se para o oferecimento da denúncia se exige um embasamento concreto quanto à

materialidade e autoria do delito, isso significa que a atividade do órgão acusador

depende diariamente de uma reconstituição bem feita do quadro fático. Sendo assim, não

se pode negar sua competência para a prática de fatos investigatórios, embora não lhe

seja permitido instaurar, formalmente, inquérito policial, pois esta é atividade atribuída à

polícia judiciária. Não por acaso, a Súmula, 234/STJ dispõe que ‘a participação de

membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu

impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia’”. (STJ – Ac. un. da 5ª. T,

publicado em 18/3/2002 – RO - HC 10.974 – SP - Rel. Min. Félix Fischer).

“A Turma negou provimento ao recurso,

considerando o Ministério Público como detentor da competência para efetuar

diligências, colher depoimentos, investigar os fatos a fim de poder oferecer denúncia.

Entendeu que não há qualquer ilegalidade de o MP, em processo investigatório, requerer

a expedição de mandado de busca e apreensão, não ficando à espera de informações

fornecidas, única e exclusivamente, pela polícia judiciária. Além de que havia a

possibilidade de desaparecimento de provas documentais pertinentes.” (RMS 12.357-RJ,

Rel. Min. Vicente Leal, julgado em 19/11/2002).

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16

“STJ – HABEAS CORPUS Nº 18.060 – PR

(2001/0097707-4) (DJU 26.08.02, SEÇÃO 1, P. 271, J. 07.02.02). RELATOR: MINISTRO

JORGE SCARTEZZINI - EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL – CRIMES CONTRA

O SISTEMA FINANCEIRO – CRIME DE "LAVAGEM" – INÉPCIA DA DENÚNCIA –

CERCEAMENTO DE DEFESA – IMPEDIMENTO DE PROCURADORES PARA O

OFERECIMENTO DA DENÚNCIA – PROVAS ILÍCITAS – INOCORRÊNCIA.

(...) Quanto à ilegalidade das investigações promovidas pelo Ministério Público, sem a

instauração de inquérito policial, o writ, igualmente, improcede. Com efeito, a questão

acerca da possibilidade do Ministério Público desenvolver atividade investigatória

objetivando colher elementos de prova que subsidiem a instauração de futura ação penal,

é tema incontroverso perante esta eg. Turma. Como se sabe, a Constituição Federal, em

seu art. 129, I, atribui, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal

pública. Essa atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos

que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu

autor. Entender-se que a investigação desses fatos é atribuição exclusiva da polícia

judiciária, seria incorrer-se em impropriedade, já que o titular da Ação é o Órgão

Ministerial. Cabe, portanto, a este, o exame da necessidade ou não de novas colheitas de

provas, uma vez que, tratando-se o inquérito de peça meramente informativa, pode o MP

entendê-la dispensável na medida em que detenha informações suficientes para a

propositura da ação penal. Ora, se o inquérito é dispensável, e assim o diz expressamente

o art. 39, § 5º, do CPP, e se o Ministério Público pode denunciar com base apenas nos

elementos que tem, nada há que imponha a exclusividade às polícias para investigar os

fatos criminosos sujeitos à ação penal pública. A Lei Complementar nº 75/90, em seu art.

8º, inciso IV, diz competir ao Ministério Público, para o exercício das suas atribuições

institucionais, "realizar inspeções e diligências investigatórias". Compete-lhe, ainda,

notificar testemunhas (inciso I), requisitar informações, exames, perícias e documentos às

autoridades da Administração Pública direta e indireta (inciso II) e requisitar

informações e documentos a entidades privadas (inciso IV).”

“SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - Processo

AgRg no HC 39607/SC; AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 2004/0162302-3

Relator(a) Ministro NILSON NAVES (361) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do

Julgamento 08/11/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 06.02.2006 p. 343 Ementa

Ministério Público (funções). Participação na investigação e formulação de denúncia

(possibilidade). Impedimento (inexistência). 1. É lícito entender que o Ministério Público,

embora as investigações sejam destinadas à polícia nas áreas federal e estadual

(apuração de infrações penais), pode, também e concomitantemente, delas se incumbir. 2.

A participação do promotor na fase investigatória não o impede de propor a ação penal

(Súmula 234). 3. Agravo regimental improvido.”

“SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - Processo

HC 41615/MG; HABEAS CORPUS 2005/0018682-5 Relator: Ministro ARNALDO

ESTEVES LIMA Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 06/04/2006

Data da Publicação/Fonte DJ 02.05.2006 p. 343 Ementa PROCESSUAL PENAL.

HABEAS CORPUS. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROCEDER A

INVESTIGAÇÃO. GRAVAÇÃO DE CONVERSA POR UM DOS INTERLOCUTORES.

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17

PROVA LÍCITA. LAUDO DE DEGRAVAÇÃO VICIADO. IMPROPRIEDADE DA VIA

ELEITA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM

DENEGADA. O Ministério Público tem legitimidade para conduzir investigação e

proceder à colheita de elementos de convicção quanto à materialidade do delito e indícios

de sua autoria, sob pena de inviabilizar o cumprimento de sua função de promover,

privativamente, a ação penal pública.”

Em sessão realizada no dia 27 de outubro de 2004,

no julgamento do Recurso Especial nº. 494320, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que

o Ministério Público pode realizar investigações criminais. O entendimento foi firmado

pela Sexta Turma, que, por maioria, acatou recurso contra a decisão que determinou à 9ª.

Promotoria de Investigações Penais do Rio de Janeiro a suspensão das apurações de

irregularidades no Procon do Estado. Naquela oportunidade, o Ministro Nilson Naves

argumentou “que as polícias não têm direito exclusivo à investigação criminal. Para

exemplificar esse entendimento, ele citou o parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição,

dispositivo que confere poderes investigatórios às Comissões Parlamentares de Inquérito

(CPIs)”. Para ele, “se por um lado não há texto normativo que mencione expressamente a

possibilidade de o MP conduzir investigações criminais, por outro não há dispositivo legal

em sentido oposto. Ao contrário da total omissão, há indícios aqui, ali e acolá em direção

à legitimidade da atuação. (...) Se o MP é responsável pela propositura da ação penal

pública, deve ter o direito e os meios de colher elementos que vão sustentar essa ação.”

“HABEAS CORPUS N.º 49.419-PE - Rel.: Min. Felix

Fischer/5.ª Turma - EMENTA - Penal e processual penal. Habeas corpus substitutivo de

recurso ordinário. Artigos 288, 297 e 299, todos do CP e art. 90 da Lei n.º 8.666/93.

Trancamento da ação penal. Falta de justa causa. Dilação probatória. Impossibilidade na

via eleita. Poder investigatório do ministério público. Prisão preventiva. Sentença

condenatória. Fundamentação. (...) Na linha de precedentes desta Corte, malgrado seja

defeso ao Ministério Público presidir o inquérito policial propriamente dito, não lhe é

vedado, como titular da ação penal, proceder investigações. A ordem jurídica, aliás,

confere explicitamente poderes de investigação ao Ministério Público - art. 129, incisos

VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8.º, incisos II e IV, e § 2.º, da Lei Complementar

n.º 75/1993. (Precedentes). (...) Writ denegado.” (STJ/DJU de 26/2/07, pág. 617).

O Tribunal Regional Federal da 2ª. Região, em

acórdão unânime proferido pela sua 6ª. Turma, assim decidiu:

“(...) No que tange à possibilidade bem como à

legalidade da prova recolhida pelo Ministério Público, em seu poder investigatório

criminal, fulcrado no art. 129, VI, VII, VIII da CF, que tem como reflexo os arts. 26, V da

Lei nº. 8.625/93 e 8º., IV, V, VII e VIII da LC 75/93, independentemente da norma do art.

144, § 1º., IV do Texto Básico, a teor do princípio da unidade, trata-se de questão,

outrossim, pacificada nas Cortes Superiores (STF, HC 77.371, DJ 23/10/98; STF, HC

81.303, DJ 23/08/02; STF, HC 18.060, DJ 26/08/02), que conferem ao termo –

exclusividade – o sentido de divisão funcional entre as diversas categorias policiais, e não

a vedação de que o MP possa proceder em tema investigatório.” (HC nº.

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18

2001.02.01.022657-6 – Rel. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund, j. 02/04/03, DJU 2 29/04/03, p.

211).

É de Julio Fabbrini Mirabete a lição: “Como titular do

jus puniendi, nada impede que o Ministério Público, além de requisitar informações e

documentos para instruir procedimentos promova atos de investigação para apuração de

ilícitos penais, pois, nos termos da Constituição Federal, ´pode exercer outras funções que

lhe sejam conferidas desde que compatíveis com sua finalidade´ (artigo 129, IX).”25

Para encerrarmos as argumentações, objetamos ainda

o seguinte: mesmo em se admitindo que a Lei Orgânica do Ministério Público Estadual

não permitisse as investigações criminais (o que, absolutamente, não é verdade), ainda

assim, por força do art. 80 da referida Lei Federal poderíamos utilizar, subsidiariamente, as

normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar Federal nº.

75/93), que “não deixa margem de dúvidas quanto à operacionalização das investigações

criminais diretas no âmbito do Ministério Público”, como argumenta Polastri, no livro já

aludido (p. 91), referindo-se, com certeza (ainda que não o diga expressamente), aos arts.

7º., I e 8º., VII, in verbis:

“Art. 7º. - Incumbe ao Ministério Público da União,

sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais:

“I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos

correlatos.”

“(omissis).”

“Art. 8º. - Para o exercício de suas atribuições, o

Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:

“(omissis).”

“VII - expedir notificações e intimações necessárias

aos procedimentos e inquéritos que instaurar.”

VI - O Direito Comparado

Há vários sistemas jurídicos alienígenas que ao

priorizarem em suas reformas processuais penais o fortalecimento do Ministério Público,

passaram a permitir de maneira ampla a investigação criminal pelo parquet.

25 Código de Processo Penal Interpretado, São Paulo: Atlas, 8ª ed., 2001, p. 560.

19

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No Direito comparado observamos a existência de

dois sistemas principais: o inglês (a Polícia detém o poder de conduzir as investigações

preliminares) e o continental (o Ministério Público conduz a investigação criminal).

Neste segundo sistema, encontramos, por exemplo,

países como a Itália, Alemanha, França e Portugal, como veremos a seguir:

Na Alemanha, lê-se no Código de Processo Penal:

“StPO § 160: (1) (omissis)

“(2). A Promotoria de Justiça deverá averiguar não

só as circunstâncias que sirvam de incriminamento, como também as que sirvam de

inocentamento, e cuidar de colher as provas cuja perda seja temível.

“(3). As averiguações da Promotoria deverão

estender-se às circunstâncias que sejam de importância para a determinação das

conseqüências jurídicas do fato. Para isto poderá valer-se de ajuda do Poder Judicial.

“StPO § 161: Para a finalidade descrita no

parágrafo precedente, poderá a Promotoria de Justiça exigir informação de todas as

autoridades públicas e realizar averiguações de qualquer classe, por si mesma ou através

das autoridades e funcionários da Polícia. As autoridades e funcionários da Polícia

estarão obrigados a atender a petição ou solicitação da Promotoria.”

Na Itália não é diferente no seu “Codice di Procedura

Penale”:

“Art. 326 – O Ministério Público e a Polícia

Judiciária realizarão, no âmbito de suas respectivas atribuições, a investigação

necessária para o termo inerente ao exercício da ação penal.”

“Art. 327 – O Ministério Público dirige a

investigação e dispõe diretamente da Polícia Judiciária.”

Em Portugal, conforme lição de Germano Marques

da Silva, “os órgãos de polícia criminal coadjuvam o Ministério Público no exercício das

suas funções processuais, nomeadamente na investigação criminal que é levada a cabo no

inquérito, e fazem-no sob a direta orientação do Ministério Público e na sua dependência

funcional (arts. 56 e 263).”26

Ainda em solo lusitano, a Lei Orgânica do Ministério

Público, no seu art. 3º., diz competir ao Ministério Público “dirigir a investigação

criminal, ainda quando realizada por outras entidades” e “ fiscalizar a actividade

processual dos órgãos de polícia criminal.”

26 Curso de Processo Penal, Vol. I, Lisboa: Editorial Verbo, 1996.

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20

Em França não é diferente, à vista do art. 41 do

respectivo Código de Processo Penal:

“O Procurador da República procede ou faz

proceder a todos os atos necessários à investigação e ao processamento das infrações da

lei penal. Para esse fim, ele dirige as atividades dos oficiais e agentes da polícia

Judiciária dentro das atribuições do seu tribunal.”

Diante de tudo quanto foi exposto pode e deve o

membro do Ministério Público, quando isto lhe é faticamente possível, investigar

diretamente fatos criminosos, principalmente quando se tratar de abuso de autoridade (a

título de exemplo); é bom que se diga não ter o Ministério Público, muitas das vezes,

condições de, motu proprio, levar adiante uma investigação criminal, até por carência de

material, seja humano (investigadores, por exemplo), seja físico (viaturas, espaço físico

apropriado, etc); quando houver dificuldades, nada impede, ao contrário, tudo indica, que

seja requisitada a instauração de inquérito policial (ou termo circunstanciado na forma da

Lei nº. 9.099/95) à autoridade policial respectiva, atentando-se para o fiel cumprimento da

requisição e adotando-se as medidas criminais em caso de não atendimento (pode-se estar

configurado, por exemplo, o delito de prevaricação), além da possibilidade de se

configurar ato de improbidade administrativa (art. 11, II da Lei nº. 8.429/92).

Neste aspecto, importante é a observação de Enzo

Bello, no sentido que “diante da escassez de recursos humanos e materiais do Ministério

Público – afinal a sua quantidade de membros e de estrutura física é ínfima em relação ao

tamanho da sua demanda de trabalho -, cumpre a cada membro da instituição conferir um

cunho seletivo às suas atividades profissionais (...), de maneira a atribuir uma índole

prioritária aos casos em que se tratem de condutas delitivas cuja potencialidade lesiva

seja capaz de ocasionar uma verdadeira disfunção social e atingir ou obstar os princípios,

fundamentos e metas da República brasileira (isto é, os verdadeiros anseios e perspectivas

da nossa sociedade).”27

O Conselho Superior do Ministério Público Federal

(em 14 de setembro do ano de 2004) editou a Resolução nº. 77/04 que regulamenta os

procedimentos de investigação criminal a serem observados pelos procuradores da

República em todo o país. A norma interna define o procedimento investigatório criminal

como um instrumento de coleta de dados para apurar a ocorrência de infrações penais, que

servirá para a proposição de ações penais ou instauração de inquérito pela polícia. Define-

se que o membro do Ministério Público Federal poderá dar início ao procedimento

valendo-se de qualquer meio, ainda que informal, mas terá que fundamentá-lo. “Caso surja

a necessidade de investigação de fatos diversos dos que já estavam incluídos no

procedimento, o procurador responsável terá que fazer um aditamento ou abrir um novo

procedimento. Para assegurar a impessoalidade na condução das investigação, o

procedimento será protocolado, autuado e distribuído. As partes envolvidas e terceiros

27 Perspectivas para o Direito Penal e para um Ministério Público Republicano, Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2007, p. 335.

21

21

diretamente interessados poderão ter acesso às apurações, excetuando os casos de sigilo.

Nessa hipótese, o investigado terá acesso apenas aos documentos referentes aos atos de

que ele tenha participado pessoalmente. Os procuradores também terão que respeitar um

prazo para encerrar as investigações, 30 dias, contados da data de instauração, que só

poderá ser prorrogado por meio de decisão fundamentada.”

Veja-se esta decisão monocrática proferida pelo

Ministro Celso de Mello, em 16 de outubro de 2006:

“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - MED. CAUT.

EM HABEAS CORPUS 89.837-8 DISTRITO FEDERAL - RELATOR : MIN. CELSO DE

MELLO - DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão, que, emanada do

E. Superior Tribunal de Justiça, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado

(fls. 491 – Apenso 4): “‘HABEAS CORPUS’. CRIME DE TORTURA IMPUTADO A

DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL. INVESTIGAÇÃO REALIZADA PELO MINISTÉRIO

PÚBLICO. COLHEITA DE DEPOIMENTOS. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE.

INQUÉRITO POLICIAL. PRESCINDIBILIDADE. 1. A teor do disposto no art. 129, VI e

VIII, da Constituição Federal, e no art. 8º, II e IV, da Lei Complementar nº 75/93, o

Ministério Público, como titular da ação penal pública, pode proceder a investigações,

inclusive colher depoimentos, sendo-lhe vedado, tão-somente, presidir o inquérito policial,

que é prescindível para a propositura da ação penal. 2. Precedentes desta Corte e do

Supremo Tribunal Federal. 3. Ordem denegada.” O exame dos fundamentos em que se

apóia o julgamento ora impugnado parece descaracterizar, ao menos em sede de estrita

delibação, a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pelos ilustres impetrantes. A

decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça – que reconhece, ao Ministério

Público, a prerrogativa de promover, por direito próprio, sob sua autoridade e direção,

investigações penais – parece legitimar-se em face da Constituição da República

promulgada em 1988. É certo que o ordenamento positivo outorga, à autoridade policial,

a atribuição para presidir o inquérito policial, consoante assinala JULIO FABBRINI

MIRABETE (“Código de Processo Penal Interpretado”, p. 86, item n. 4.3, 7ª ed., 2000,

Atlas). HC 89.837-MC / DF Essa especial regra de competência, contudo, não impede

que o Ministério Público, que é o “dominus litis” – e desde que indique os fundamentos

jurídicos legitimadores de suas manifestações (CF, art. 129, VIII) –, determine a abertura

de inquéritos policiais, ou, então, requisite diligências investigatórias, em ordem a prover

a investigação penal, quando conduzida pela Polícia Judiciária, com todos os elementos

necessários ao esclarecimento da verdade real e essenciais à formação, por parte do

representante do “Parquet”, de sua “opinio delicti”. Todos sabemos que o inquérito

policial, enquanto instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento

administrativo destinado, ordinariamente, a subsidiar a atuação persecutória do próprio

Ministério Público, que é – nas hipóteses de ilícitos penais perseguíveis mediante ação

penal de iniciativa pública - o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela

Polícia Judiciária (RTJ 168/896, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Trata-se, desse modo, o

inquérito policial, de valiosa peça informativa, cujos elementos instrutórios –

precipuamente destinados ao órgão da acusação pública - visam a possibilitar a

instauração da “persecutio criminis in judicio” pelo Ministério Público (FERNANDO DE

ALMEIDA PEDROSO, “Processo Penal - O Direito de Defesa”, p. 43/45, item n. 12,

1986, Forense; VICENTE DE PAULO VICENTE DE AZEVEDO, “Direito Judiciário

22

22

Penal”, p. 115, 1952, Saraiva; JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos de Direito

Processual Penal”, vol. I, p. 153, 1961, Forense). É certo, no entanto, que, não obstante a

presidência do inquérito policial incumba à autoridade policial (e não ao Ministério

Público), nada impede que o órgão da acusação penal possa solicitar, à Polícia

Judiciária, novos esclarecimentos, novos depoimentos ou novas diligências, sem prejuízo

de poder acompanhar, ele próprio, os atos de investigação realizados pelos organismos

policiais. Essa possibilidade – que ainda subsiste sob a égide do vigente ordenamento

constitucional – foi bem reconhecida por este Supremo Tribunal Federal, quando esta

Corte, no julgamento do RHC 66.176/SC, Rel. Min. CARLOS MADEIRA, ao reputar

legítimo o oferecimento de denúncia baseada em investigações acompanhadas pelo

Promotor de Justiça, salientou, no que se refere às relações entre a Polícia Judiciária e o

Ministério Público, que este pode “requisitar a abertura de inquérito e a realização de

diligências policiais, além de solicitar esclarecimentos ou novos elementos de convicção a

quaisquer autoridades ou funcionários (...)”, competindo-lhe, ainda, HC 89.837-MC / DF

“acompanhar atos investigatórios junto aos órgãos policiais”, embora não possa

“intervir nos atos do inquérito e, muito menos, dirigi-lo, quando tem a presidi-lo a

autoridade policial competente” (RTJ 130/1053). Cabe salientar, finalmente, sem prejuízo

do exame oportuno da questão pertinente à legitimidade constitucional do poder

investigatório do Ministério Público, que o “Parquet” não depende, para efeito de

instauração da persecução penal em juízo, da preexistência de inquérito policial, eis que

lhe assiste a faculdade de apoiar a formulação da “opinio delicti” em elementos de

informação constantes de outras peças existentes “aliunde”. Esse entendimento – que se

apóia no magistério da doutrina (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal

Anotado”, p. 07, 17ª ed., 2000, Saraiva; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO,

“Código de Processo Penal Comentado”, vol. I/111, 4ª ed., 1999, Saraiva; JULIO

FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 111, item n. 12.1, 7ª

ed., 2000, Atlas; EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, “Código de Processo Penal Brasileiro

Anotado”, vol. I/288, 2000, Bookseller, v.g.) – tem, igualmente, o beneplácito da

jurisprudência dos

Tribunais em geral (RT 664/336 – RT 716/502 – RT 738/557 – RSTJ 65/157 - RSTJ

106/426, v.g.), inclusive a desta Suprema Corte (RTJ 64/342 - RTJ 76/741 - RTJ 101/571 -

RT 756/481): “- O inquérito policial não constitui pressuposto legitimador da válida

instauração, pelo Ministério Público, da ‘persecutio criminis in judicio’. Precedentes. O

Ministério Público, por isso mesmo, para oferecer denúncia, não depende de prévias

investigações penais promovidas pela Polícia Judiciária, desde que disponha, para tanto,

de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, sob pena de o

desempenho da gravíssima prerrogativa de acusar transformar-se em exercício

irresponsável de poder, convertendo, o processo penal, em inaceitável instrumento de

arbítrio estatal. Precedentes.” (RTJ 192/222-223, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Sendo

assim, e sem prejuízo da ulterior apreciação da controvérsia em referência, notadamente

em face do julgamento plenário, ainda em curso, do Inq 1.968/DF (em cujo âmbito está

sendo rejeitada, por três votos a dois, a tese ora exposta na presente impetração), indefiro

o pedido de medida liminar. HC 89.837-MC / DF. Achando-se adequadamente instruída a

presente impetração, ouça-se a douta Procuradoria-Geral da República. Publique-se.

Brasília, 16 de outubro de 2006. Ministro CELSO DE MELLO.”

23

23

Em outra oportunidade, o Ministro Ricardo

Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, deferiu integralmente as diligências

requeridas pelo Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Souza, no Inquérito

(INQ 2593) aberto para investigar condutas atribuídas ao presidente do Senado. Entre elas,

a quebra dos sigilos fiscal e bancário do senador. Lewandowski esclareceu que o

Procurador-Geral solicitou informações sobre a movimentação bancária e a declaração de

bens e rendas do senador, a partir de 2000, além de pedir toda a documentação que está no

Conselho de Ética do Senado sobre o caso. “Os dados nele coletados afetam a privacidade

e a intimidade do investigado. Isso [o segredo de justiça] ocorreria com qualquer

cidadão”, explicou. Ele ressaltou que todo o procedimento é, no momento, uma

investigação feita a pedido do Procurador-Geral. “Não se está fixando culpa, não se está

emitindo nenhum juízo de valor, nem por parte do MP, muito menos por parte do

Judiciário.” O Ministro Ricardo Lewandowski esclareceu que o Procurador-Geral da

República é o dono da ação penal. “Quem investiga é o Ministério Público. O Judiciário

não investiga nada. Ele apenas defere ou indefere as providências solicitadas [pelo MP].”

Questionado sobre a possibilidade de arquivamento de uma solicitação de abertura de

inquérito do MP, ele afirmou que isso só ocorre se o pedido for absolutamente inepto e

sem base. “O Ministério Público Federal, naturalmente, quando faz uma solicitação

dessas, sobretudo o procurador-geral da República, fundamenta o pedido. Então, à luz da

convicção do procurador-geral, existem elementos que permitem um aprofundamento da

investigação.” O Ministro Lewandowski, por sua vez, afirmou que deferiu o pedido do

procurador-geral porque entendeu que ele encontra fundamento nos fatos relatados. De

acordo com o ministro, a documentação solicitada será anexada aos autos do inquérito, que

voltará para o procurador-geral, para avaliar se houve ou não a prática eventual de um

delito por parte do presidente do Senado. “Se ele se convencer disso, poderá solicitar a

abertura de uma ação penal, mediante o oferecimento de uma denúncia, que poderá ou

não ser recebida pelo STF, por parte do Plenário.” Fonte: STF (Grifo nosso).

Apenas ressaltamos o nosso pensamento quanto à

impossibilidade de que o mesmo Promotor de Justiça ou Procurador da República (ou os

mesmos profissionais ou a mesma equipe) que investigue possa, depois, valorando os atos

investigatórios por ele próprio colhidos, oferecer denúncia. Não cremos ser isso possível.

Como afirma Aury Lopes Jr. “crer na imparcialidade de quem está totalmente absorvido

pelo labor investigador é o que James Goldschmidt denomina de erro psicológico.”28 Para

este autor, os “processos psicológicos interiores levam a um pré-juízo sobre condutas e

pessoas”, minando “a posição de neutralidade29 interior que se exige para que comece e

atue no processo.” Observa, ainda, agora citando Oliva Santos, que “essas idéias pré-

concebidas até podem ser corretas – fruto de uma especial perspicácia e melhores

28 Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, nº. 127 – Junho de 2003, p. 11. 29 Quanto à neutralidade, faz-se uma ressalva, pois não acreditamos em um Juiz neutro (como em um

Promotor de Justiça ou um Procurador da República neutro). Há sempre circunstâncias que, queiram ou não,

influenciam em decisões e pareceres, sejam de natureza ideológica, política, social, etc., etc. Neste sentido,

veja-se a lição de Rodolfo Pamplona Filho, “O Mito da Neutralidade do Juiz como elemento de seu Papel

Social” in "O Trabalho", encarte de doutrina da Revista "Trabalho em Revista", fascículo 16, junho/1998,

Curitiba/PR, Editora Decisório Trabalhista, págs. 368/375, e Revista "Trabalho & Doutrina", nº 19,

dezembro/98, São Paulo, Editora Saraiva, págs.160/170.

24

24

qualidades intelectuais – mas inclusive nesse caso não seria conveniente iniciar o

processo penal com tal comprometimento subjetivo.”30

Vejamos a respeito as observações de Antonio

Evaristo de Morais Filho, citando Altavilla:

“Este fenômeno foi muito bem estudado por Altavilla,

em sua famosa ‘Psicologia Judiciária’ (Porto, 1960, v. 5, p. 36-39), onde dedicou dois

verbetes aos perigos das hipóteses provisórias, que podem ‘seduzir o investigador, de

maneira a torná-lo daltônico nas apreciações das conclusões de indagações ulteriores’.

Adverte o mestre italiano que, uma vez internalizada na mente do policial, do promotor ou

do juiz, a procedência da hipótese provisória, cria-se em seu espírito a necessidade de

demonstrar o que considera verdade, ‘à qual ele liga uma especial razão de orgulho’,

como se a eventual demonstração da improcedência de sua hipótese ‘constituísse uma

razão de demérito’. E assim, intoxicado por sua verdade, sobrevaloriza todos os elementos

probatórios que lhe forem favoráveis e diminui ‘o valor dos contrários, até o ponto de não

serem tomados em consideração num ato.”31

Afinal de contas nas veias do Promotor de Justiça

também corre o sangue dos pobres mortais... Observamos que o Supremo Tribunal Federal,

em 12 de fevereiro do ano de 2004, ao julgar a ADI nº. 570, declarou parcialmente

inconstitucional o art. 3º. da Lei do Crime Organizado (Lei n°. 9.034/90), que previa a

possibilidade de o Juiz conduzir direta e pessoalmente investigação criminal. Nesta

decisão, ressaltou-se que “ninguém pode negar que o Magistrado, pelo simples fato de ser

humano, após realizar pessoalmente as diligências, fique envolvido psicologicamente com

a causa, contaminando sua imparcialidade”. Será que esta assertiva também não se

aplicaria ao Promotor de Justiça? Será que o Promotor de Justiça, ao analisar uma peça

investigatória, não deverá fazê-lo de maneira também imparcial? Concordamos com

Marcos Zilli, ao afirmar que o fenômeno investigatório “concentra as energias para a

construção de uma acusação de modo que o sujeito que a conduz dificilmente deixará de

ficar a ela vinculado.”32

Note-se que o Código de Processo Penal reputa

impedido o Promotor de Justiça que “tiver funcionado” como autoridade policial, ex vi do

art. 252, II, c/c art. 258 do Código de Processo Penal; óbvio que não é exatamente o caso,

mas, mutatis mutandis, observamos que o legislador procurou afastar do subsequente

processo criminal aquele que investigou os respectivos fatos na fase pré-processual. No

julgamento de uma exceção de impedimento, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul

deixou consignado que o objetivo do art. 252, II, CPP (que se aplica aos membros do

Ministério Público – art. 258, CPP) “é impedir quem funcionou na busca de elementos

incriminadores de servir, posteriormente, como juiz no mesmo processo (...), estando

“impedido de processar e julgar o réu o juiz que haja diligenciado a obtenção de

30 Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, pp. 154/155. 31 Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n.º 19, p. 106. 32 Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, nº. 188 – Julho de 2008, p. 02.

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25

elementos incriminadores do ato por ele praticado, antes de instaurada a ação penal”.

(RT 526/434-435).

Neste mesmo sentido, decidiu o Superior Tribunal de

Justiça:

“(...) É inegável que quem participou de processo

administrativo, colhendo provas e decidindo, está moral, legal e psicologicamente

comprometido para uma decisão judicial descompromissada.” No voto, afirma-se que “o

que se quer é evitar idéias preconcebidas.” (HC 4591-MG – 6ª. T – j. 12/06/95 – Rel.

Ministro Adhemar Maciel – DJU 25/09/95).

Bem a calhar a lição de M. Costa Manso: “A

autoridade incumbida de descobrir o criminoso, especialmente nos casos graves e

obscuros, é muitas vezes dominada pelo desejo de triunfar, de revelar argúcia e

capacidade, perdendo, em conseqüência, a calma e a imparcialidade.” (O Processo na

Segunda Instância e suas Aplicações à Primeira, São Paulo: Livraria Acadêmica, 1923,

Vol. I, p. 615).33

A jurisprudência, nesse sentido, também é

encontrada, inclusive no Superior Tribunal de Justiça:

“O magistrado e o membro do Ministério Público se

houverem participado da investigação probatória não podem atuar no processo. Reclama-

se a isenção de ânimo de ambos. Restaram comprometidos (sentido jurídico). Daí a

possibilidade de argüição de impedimento, ou suspeição.” (Recurso em habeas corpus

4.769. Relator: Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. DJU de 06 mai. 1996.)

“Ministério Público. Impedimento de seus órgãos.

Nulidade da denúncia. 1) O membro do Ministério Público que atua na fase inquisitorial,

apurando pessoalmente os fatos, torna-se impedido para oficiar como promotor da ação

penal (inteligência dos arts. 252, I e 258, CPP). Nula, portanto, é a denúncia ofertada, se

inobservado esse aspecto.” (EJTJAP, v. 1, n. 1, p. 91).

“Os artigos 129, inciso VIII e 144, § 4º, da

Constituição Federal não prevêem a atuação do Ministério Público nos procedimentos

investigatórios criminais, tendo em vista tal fato comprometer a sua isenção. Desta forma,

não há que se admitir que um mesmo órgão acumule funções de investigador, acusador e

até julgador, já que é este órgão quem decide pelo impulso inicial da ação penal ou pelo

seu arquivamento. Ordem concedida” (TJMG – 3ª C. – HC 1.0000.08.470250-5/000(1) –

rel. Antônio Armando dos Anjos – j. 29.04.2008 – DOE 10.06.2008).

De toda forma, o Superior Tribunal de Justiça já

sumulou em sentido contrário ao decidir que “a participação de membro do Ministério

33 Apud Roberto Delmanto Junior, “As Modalidades de Prisão Provisória e Seu Prazo de Duração”, Rio de

Janeiro: Editora Renovar, 2ª. edição, 2001, p. 123 (nota de rodapé).

26

26

Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para

o oferecimento da denúncia.” (Súmula 234). Aliás, os termos desta súmula deixam claro

que o Superior Tribunal de Justiça admite a investigação criminal pelo parquet, mesmo

porque, como afirma Eduardo Franco Cândia, “se o constituinte originário entendeu por

bem que cabe ao Ministério Público a exclusiva titularidade da ação penal pública (art.

129, I) e, portanto, quis o fim, por certo que os meios lhe devem ser inerentes.” (grifos no

original).34

Interessante, a título de ilustração, a observação feita

por Renê Ariel Dotti:

“(...) forçoso é reconhecer que o sistema adotado em

nosso país deixa muito a desejar quanto à eficácia e agilidade das investigações. E o

maior obstáculo para alcançar estes objetivos decorre da falta de maior integração não

somente das categorias funcionais da Polícia Judiciária e do Ministério Público como

também de seus integrantes. Observa-se, lamentavelmente e em muitas circunstâncias, a

existência de um processo de rejeição que parece ser genético.”35 Este mesmo autor, em

um alentado estudo sobre o assunto, após defender fundamentadamente a possibilidade da

investigação criminal pelo Ministério Público, extrai as seguintes conclusões:

“Neste derradeiro artigo é possível resumir algumas

conclusões fundamentais visando decifrar a esfinge da investigação criminal: 1.ª) O

desafio não se resolverá pela interpretação de textos (CF, CPP, leis federal e estadual do

MP, etc.); 2.ª) A Polícia Judiciária não detém (desde o advento do CPP) o monopólio da

apuração dos ilícitos penais; 3.ª) O procedimento preparatório da ação penal deverá

designar-se inquérito criminal em oposição ao inquérito civil, assim nominado pela

Constituição (art. 129, III) e pela Lei n.º 7.347/85 (ação civil pública, art. 8.º, § 1.º); 4.ª) O

inquérito criminal deve constituir um procedimento único, vale dizer, não se pode admitir

a investigação paralela (inquérito, pela Polícia Judiciária, e Procedimento

Administrativo, pelo Ministério Público); 5.ª) Uma reordenação constitucional e legal é

indispensável para estabelecer o concurso de funções e superar o conflito de atribuições

entre o MP e a Polícia Judiciária; 6.ª) Quando for necessária a abertura de inquérito

criminal pela Polícia Judiciária, a colheita de prova deve ser sumária e, em breve prazo

ser remetido ao MP; 7.ª) Recebendo os autos, o MP poderá propor o arquivamento,

oferecer denúncia ou prosseguir, ele mesmo, com a investigação; 8.ª) Não haverá mais a

baixa ou devolução de autos, rotina que alimenta a usina de prescrição; 9.ª) O chamado

Procedimento Administrativo Investigatório do Ministério Público (ou designação

correlata) ofende o princípio do devido processo legal porque: a) não existe prazo de

encerramento; b) não há controle jurisdicional; c) o indiciado ou suspeito não tem a

faculdade de requerer diligência, em atenção ao princípio da verdade material; 10.ª) O

aludido procedimento administrativo tem sido utilizado como alternativa contra a

burocracia, abuso de poder ou corrupção do inquérito policial; 11.ª) Uma nova

concepção de Política Processual Penal deverá modificar textos constitucionais e legais 34 “O Ministério Público e o Poder de Investigar Diretamente Infrações Penais”, in Repertório de

Jurisprudência IOB nº. 15/2004, Vol. III, p. 444. 35 O Ministério Público e a Polícia Judiciária - Relações formais e desencontros materiais, in Ministério

Público, Direito e Sociedade, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1986, p. 135.

27

27

para atribuir ao MP o controle da investigação, sem prejuízo do trabalho auxiliar da

Polícia Judiciária; 12.ª) A investigação criminal é exercício do poder estatal; deve

coordená-la o órgão que promove a ação penal de natureza pública.”36

VII – Conclusão

Atentos àquela observação supra (verdadeira e

preocupante), esclarecemos que tais considerações, longe de representarem obstáculos à

atuação policial, são apenas elucidações que devem ser feitas a respeito das prerrogativas

do Ministério Público, nunca se olvidando da importância da polícia judiciária.

Devemos, na lição do maior de todos os Promotores

de Justiça, “no trato com as autoridades policiais (...), além do respeito devido às

prerrogativas daqueles colaboradores e não subordinados, pugnar pelo prestígio que

advém da sua correção.”37

Julita Lemgruber, Leonarda Musumeci e Ignacio

Cano, em excelente estudo sobre o controle externo da polícia no Brasil, atentaram para “o

fato de o Ministério Público ter poder de investigar por conta própria crimes cometidos

por policiais e de iniciar o processo judicial à revelia dos procedimentos conduzidos pelas

Corregedorias é percebido como ´invasão` dos promotores na área de competência das

polícias. (...) Portanto, além de uma inércia interna, a limitada atuação do Ministério

Público nessa área deriva também do acirramento das resistências corporativas,

sustentadas pelo próprio hibridismo do modelo processual brasileiro.”38

Esta matéria estava para ser definitivamente decidida

pelo Supremo Tribunal Federal, no Inquérito nº. 1.968-2/DF; o relator, Ministro Marco

Aurélio, pronunciou-se contrário à possibilidade da investigação pelo Ministério Público,

sendo seguido pelo então Ministro Nelson Jobim. Votaram contrariamente, ou seja, pela

possibilidade da investigação do Ministério Público, os Ministros Joaquim Barbosa, Eros

Grau e Carlos Ayres de Brito. Porém, como o indiciado no referido inquérito deixou de ser

Deputado Federal (perdendo, por conseguinte, o foro por prerrogativa de função), os autos

foram encaminhados à primeira instância no dia 13 de março de 2007.

Atualmente, esta questão encontra-se para decisão no

Plenário do Supremo Tribunal Federal. Na sessão do dia 11 de junho de 2007, por um

pedido de vista do Ministro Cezar Peluso, foi suspenso o julgamento. A matéria está sendo

debatida por meio do julgamento de um pedido de Habeas Corpus (HC 84548) do

empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, que é acusado de ser o mandante do

assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel, ocorrido em janeiro de 2002.

36 Site www.parana-online.com.br – Caderno Direito e Justiça, 28 de março de 2004. 37 Roberto Lyra, Teoria e Prática da Promotoria Pública, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989,

p. 121. 38 “Quem Vigia os Vigias?”, Rio de Janeiro: Record, 2003, págs., 124/125.

28

28

Até o momento, já proferiram seus votos o relator do habeas corpus, Ministro Marco

Aurélio e o Ministro Sepúlveda Pertence. O primeiro se posicionou contra o poder de

investigação do Ministério Público, alegando que essa atribuição é exclusiva da Polícia. O

Ministro Pertence rejeita a tese de inconstitucionalidade das investigações realizadas pelo

MP. Para o Ministro Marco Aurélio, o “inquérito policial” acabou se tornando um

“inquérito ministerial”. “A sobreposição notada, procedendo o Ministério Público, a um

só tempo, a investigação e a propositura da ação penal, não se coaduna com a ordem

jurídica em vigor [no Brasil]”, disse ele. Para o Ministro, "o caso revelado neste processo

é emblemático”. Ele explicou que já havia processo devidamente formalizado na Primeira

Vara da Comarca de Itapecerica da Serra, em São Paulo. “Paralelamente, o Ministério

Público veio a formalizar procedimento investigatório, colhendo elementos, submetendo

os atos a sigilo e designando promotor de Justiça para a presidência das investigações.”

O Ministro Sepúlveda Pertence disse que o MP pode complementar as informações

relativas às investigações. “Eu rejeito a argüição abstrata de inconstitucionalidade de

qualquer ato investigatório do Ministério Público.” (Fonte: STF).

A Segunda Turma do STF, em julgamento realizado

no dia 10 de março de 2009, reconheceu por unanimidade que existe a previsão

constitucional de que o Ministério Público tem poder investigatório. A Turma analisava o

Habeas Corpus (HC) 91661, referente a uma ação penal instaurada a pedido do MP, na

qual os réus são policiais acusados de imputar a outra pessoa uma contravenção ou crime

mesmo sabendo que a acusação era falsa. Segundo a relatora do HC, ministra Ellen Gracie,

é perfeitamente possível que o órgão do MP promova a coleta de determinados elementos

de prova que demonstrem a existência da autoria e materialidade de determinado delito.

“Essa conclusão não significa retirar da polícia judiciária as atribuições previstas

constitucionalmente”, poderou Ellen Gracie. Ela destacou que a questão de fundo do HC

dizia respeito à possibilidade de o MP promover procedimento administrativo de cunho

investigatório e depois ser a parte que propõe a ação penal. “Não há óbice a que o

Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente à obtenção da

prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando

a persecução penal”, explicou a Ministra. A relatora reconheceu a possibilidade de haver

legitimidade na promoção de atos de investigação por parte do MP. “No presente caso, os

delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que também justifica

a colheita dos depoimentos das vítimas pelo MP”, acrescentou. Na mesma linha, Ellen

Gracie afastou a alegação dos advogados que impetraram o HC de que o membro do MP

que tenha tomado conhecimento de fatos em tese delituosos, ainda que por meio de oitiva

de testemunhas, não poderia ser o mesmo a oferecer a denúncia em relação a esses fatos.

“Não há óbice legal”, concluiu. Fonte: STF. Após este julgamento, o Ministro Carlos

Ayres Britto arquivou um pedido de Habeas Corpus (HC 99280), onde se afirmava não

caber ao Ministério Público a instauração de Procedimento Investigatório Criminal, papel

que seria da Polícia Judiciária (nos estados, a Polícia Civil; no nível federal, a Polícia

Federal). “Não caberia ao MP a investigação criminal por reunir em uma mesma pessoa a

produção de provas e a acusação, pois causaria desequilíbrio na relação processual, em

prejuízo da defesa. Violaria, portanto, os princípios constitucionais da ampla defesa e do

devido processo legal”, dizia o texto. Todavia, ao analisar o pedido, o ministro Ayres

Britto disse não vislumbrar “qualquer plausibilidade jurídica dos fundamentos expostos no

pedido, a indicar ilegalidade ou ato abusivo por parte do Ministério Público Federal onde

29

29

se iniciou o procedimento investigatório”. Meses depois, decidiu-se que o Ministério

Público tem, sim, competência para realizar, por sua iniciativa e sob sua presidência,

investigação criminal para formar sua convicção sobre determinado crime, desde que

respeitadas as garantias constitucionais asseguradas a qualquer investigado. A Polícia não

tem o monopólio da investigação criminal, e o inquérito policial pode ser dispensado pelo

MP no oferecimento de sua denúncia à Justiça. Entretanto, o inquérito policial sempre será

comandado por um delegado de polícia. O MP poderá, na investigação policial, requerer

investigações, oitiva de testemunhas e outras providências em busca da apuração da

verdade e da identificação do autor de determinado crime. Com esse entendimento, a

Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal indeferiu, por votação unânime, o Habeas

Corpus (HC) 89837, em que um agente da Polícia Civil do Distrito Federal, condenado

pelo crime de tortura de um preso para obter confissão, pleiteava a anulação do processo

desde seu início, alegando que ele fora baseado exclusivamente em investigação criminal

conduzida pelo MP. O relator do processo, Ministro Celso de Mello, optou por apresentar

seu voto, independentemente do fato de que ainda está pendente de julgamento, pelo

Plenário da Suprema Corte, o HC 84548, no qual se discute justamente o poder

investigatório do MP. Ele citou vários precedentes da própria Corte para sustentar seu

ponto de vista em favor do poder de investigação criminal do MP. Um deles foi o caso

emblemático do recurso em HC (RHC) 48728, envolvendo o falecido delegado do extinto

Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo Sérgio Paranhos Fleury,

tido como personagem-símbolo do então existente “Esquadrão da Morte”, suspeito de

eliminar adversários do regime militar e de torturar presos políticos, em ação realizada

pelo próprio MP. No julgamento daquele processo, realizado em 1971 sob relatoria do

ministro Luiz Gallotti (falecido), a Corte rejeitou o argumento da incompetência do MP

para realizar investigação criminal contra o delegado. A investigação contra Fleury fora

comandada pelo então procurador Hélio Bicudo, integrante do MP paulista. Outro

precedente citado pelo ministro Celso de Mello foi o julgamento, pelo Plenário do STF, da

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1517, relatada pelo ministro Maurício Corrêa

(aposentado), em que a Suprema Corte também reconheceu que não assiste à Polícia o

monopólio das investigações criminais. O relator se reportou, ainda, ao julgamento do HC

91661, de Pernambuco, relatado pela ministra Ellen Gracie, também envolvendo um

policial, em que a Segunda Turma rejeitou o argumento sobre a incompetência do MP para

realizar investigação criminal. O ministro Celso de Mello ressaltou, em seu voto, que este

poder investigatório do MP é ainda mais necessário num caso como o de tortura, praticada

pela polícia para forçar uma confissão, desrespeitando o mais elementar direito humano,

até mesmo porque a polícia não costuma colaborar com a investigação daqueles que

pertencem aos seus próprios quadros. “O inquérito policial não se revela imprescindível

ao oferecimento da denúncia, podendo o MP deduzir a pretensão punitiva do estado”,

afirmou o ministro Celso de Mello, citando precedentes em que o STF também considerou

dispensável, para oferecimento da denúncia, o inquérito policial, desde que haja indícios

concretos de autoria. “Na posse de todos os elementos, o MP pode oferecer a denúncia”,

completou. “O MP tem a plena faculdade de obter elementos de convicção de outras

fontes, inclusive procedimento investigativo de sua iniciativa e por ele

presidido”. Também segundo ele, a intervenção do MP no curso de um inquérito policial

pode caracterizar o poder legítimo de controle externo da Polícia Judiciária, previsto na Lei

Complementar nº 75/1993. Contrariando a alegação da defesa de que a vedação de o MP

conduzir investigação criminal estaria contida no artigo 144, parágrafo 1º, inciso IV, da

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Constituição Federal, segundo o qual caberia à Polícia Federal exercer, “com

exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da União” – o que excluiria o MP –, todos

os ministros presentes à sessão da Turma endossaram o argumento do relator. Segundo ele,

a mencionada “exclusividade” visa, apenas, distinguir a competência da PF das funções

das demais polícias – civis dos estados, polícias militares, polícias rodoviária e ferroviária

federais. Foi esse também o entendimento manifestado pelo subprocurador-geral da

República, Wagner Gonçalves, presente ao julgamento. Celso de Mello argumentou que o

poder investigatório do MP está claramente definido no artigo 129 da CF que, ao definir as

funções institucionais do MP, estabelece, em seu inciso I, a de “promover, privativamente,

a ação penal pública, na forma da lei”. No mesmo sentido, segundo ele, vão os incisos V,

V, VII, VIII e IX do mesmo artigo. O ministro ressaltou que o poder investigatório do MP

é subsidiário ao da Polícia, mas não exclui a possibilidade de ele colaborar no próprio

inquérito policial, solicitando diligências e medidas que possam ajudá-lo a formar sua

convicção sobre determinado crime, como também empreender investigação por sua

própria iniciativa e sob seu comando, com este mesmo objetivo. Os mesmos fundamentos

que resultaram no indeferimento do HC 89837, do DF, foram utilizados pela Segunda

Turma do STF, para indeferir o HC 85419, impetrado em favor de dois condenados por

roubo, extorsão e usura no Rio de Janeiro. Segundo a denúncia, apresentada com base em

investigação conduzida pelo Ministério Público, um dos condenados é um ex-policial civil

que estaria a serviço de grupos criminosos. Segundo o relator do processo, ministro Celso

de Mello, as vítimas do condenado procuraram promotor de Justiça para denunciar a

extorsão por não confiar na isenção da Polícia Judiciária para investigar o caso. Fonte:

STF.

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