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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ VICE-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EM DIREITO MINTER UNESA / UNOESC RÉGIS TRINDADE DE MELLO O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO E AS NOVAS FORMAS DE UTILIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO RIO DE JANEIRO - RJ 2008

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ VICE-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO MINTER UNESA / UNOESC

RÉGIS TRINDADE DE MELLO

O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO E AS NOVAS FORMAS DE

UTILIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

RIO DE JANEIRO - RJ 2008

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RÉGIS TRINDADE DE MELLO

O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO E AS NOVAS FORMAS DE

UTILIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito, pela Universidade Estácio de Sá.

Orientador: Prof. Dr. Vicente de Paulo Barretto

Rio de Janeiro - RJ 2008

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

A Dissertação O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO E AS NOVAS FORMAS DE

UTILIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO elaborada por

RÉGIS TRINDADE DE MELLO e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Programa

de Pós-Graduação em Direito como requisito parcial à obtenção do título de

MESTRE

Rio de Janeiro, ___ de ___________ de 2008

BANCA EXAMINADORA

____________________________________ Prof. Dr. Vicente de Paulo Barretto

Presidente Universidade Estácio de Sá

_____________________________________ Prof. Dr. xxxx

Universidade Estácio de Sá

_____________________________________ Prof. Dr. xxxx

Universidade xxx

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DEDICATÓRIA

Àquelas que sempre estiveram ao meu

lado (e, espero, continuem): Denise e

Giulia.

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AGRADECIMENTOS

Inúmeras são as pessoas que contribuíram, ainda que disso não saibam, para

o início, desenvolvimento e fim desta caminhada.

Ciente da impossibilidade de citar todas, nominalmente, aponto, ao menos,

algumas, em razão da especial colaboração para a elaboração desta dissertação.

Ao colega Giovanni Olsson, pela acolhida em um momento em que o destino

era conhecido, não, porém, o caminho, assim como pelo empréstimo de inúmeras

obras.

À Professora Renata Braga, ao colega Narbal Antônio Mendonça Fileti e ao já

Mestre Narciso Baez, pelo constante incentivo nos momentos de desenvolvimento

do trabalho.

Ao colega Samuel Manica Radaelli, pelo inestimável apoio no período de

conclusão da pesquisa.

Ao professor Rogério Gesta Leal, a quem aprendi a admirar.

À Professora Ivanete Rigo, pelo que me ensinou e ao Professor Ulisses

Martini, pela confiança.

E, especialmente, ao professor Vicente de Paulo Barretto, orientador deste

trabalho, pela sua importância e presença em todas as fases do processo, seja

indicando o caminho ou, durante a pesquisa, corrigindo os rumos.

Por fim, a todos os meus colegas de mestrado, porque foi muito bom...

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RESUMO

O objetivo da presente dissertação é verificar se as novas formas de utilização do trabalho do homem, surgidas com a superação do modo de produção industrial, ofendem a dignidade do trabalhador. O direito ao trabalho é um direito social que, no caso brasileiro, está positivado (Constituição da República, artigo 7o). Os direitos sociais integram os direitos fundamentais em razão do novo paradigma instituído pelo Estado democrático de direito, o qual impõe ao Estado a obrigação de assegurar tais direitos com o objetivo de alcançar a igualdade material essencial para o efetivo exercício da liberdade, corrigindo-se as desigualdades sociais. O trabalho é elemento essencial na construção da dignidade da pessoa humana. Por meio do trabalho, o homem se humaniza, modificando a natureza e, ao mesmo tempo, transformando-se. As condições indignas de trabalho, como tais consideradas aquelas que não atendem às estabelecidas por meio da dogmática trabalhista nacional e internacional, atingem a dignidade do trabalhador. Da mesma forma, a utilização de todo o tempo da pessoa para o trabalho, com a finalidade única de acumulação ou lucro, faz com que o ser humano se torne mero instrumento da produção e impede que este exercite seu potencial criativo e autônomo. A busca por atenuar os efeitos da mais-valia não pode continuar sendo a (única) razão de ser da proteção ao trabalho humano. O princípio da dignidade humana assume a importância de elemento condicionante do valor do trabalho e gera a necessidade de uma dogmática internacional e nacional que especifique os direitos indispensáveis à consecução do labor digno. Os ideais liberais, ressurgidos com o desmoronamento do Estado Social, na tentativa de superarem os obstáculos à centralidade do mercado em uma sociedade de consumo, buscam desestabilizar o valor do trabalho, sob o principal argumento de que este, em razão da revolução tecnológica, da reestruturação empresarial e da competição internacional, vai, gradativamente, acabar. O presente estudo demonstra, no entanto, que as premissas que indicam o término do trabalho e do emprego não são verdadeiras. O trabalho não vai acabar e, dentro do regime que se mostrou vencedor (capitalista), a defesa de sua centralidade, como meio eficaz de integração social e de condições dignas de labor, representa a garantia de que é possível conciliar o trabalho subordinado com a dignidade da pessoa humana. PALAVRAS-CHAVE: Direito ao trabalho. Reestruturação produtiva. Direitos sociais. Dignidade da pessoa humana.

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ABSTRACT The aim of this work is verify if the new ways of man work, which came with the

overcoming of the industrial production, offend the worker’s dignity. The right to work,

which is quoted in the Brazilian Constitution, is a social right. They complement the

fundamental rights according to the new paradigm included by the State, which

demands the State the necessity of assuring such rights in order to reach the

material equality that is essential to freedom. Working is essential to build a human

being dignity. Through it, man becomes better, changes the nature and himself. The

bad work conditions – the ones that do not attend the national and international

dogma, affect the man’s dignity. Thus, overworking in order to get more and more

profit, makes the human being a simple tool of production and does not allow him to

use his creativity and autonomy. Diminishing the ‘profit effect’ can not be the only

reason to protect the man work. The principle of human dignity is an important

condition to the value of the work and creates a national and international dogma that

specifies the fundamental rights to a dignified work. The liberal ideals, that came after

the Social State trying to overcome the obstacles to the centralization of the market in

capitalist society, try to change the value of the work, mainly considering that,

because of the technological revolution, organization restructure and international

competitiveness it will, certainly, be over. This study shows, however, that the end of

work and job are not true. The work will not be over and, in a capitalist market, its

centrality, as an efficient way to have social integration and good work conditions,

represent the guarantee that it is possible to conciliate subordinated work with human

dignity.

Key words: work right – productive restructure – social work – human dignity

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................8

CAPÍTULO I.............................................................................................13

1 MÍNIMO ÉTICO, DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS SOCIAIS.................................................................................................................13

1.1 OS DIREITOS DO HOMEM ................................................................................13 1.2 O DEBATE ENTRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS......14 1.3 A CONCEITUAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM.............................................16

1.4 A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS................................................................................................................18

1.5 A FUNDAMENTAÇÃO JUSNATURALISTA........................................................20 1.6 A FUNDAMENTAÇÃO POSITIVISTA .................................................................21

1.7 A FUNDAMENTAÇÃO NAS NECESSIDADES HUMANAS. ...............................22 1.8 A FUNDAMENTAÇÃO MORAL...........................................................................25

1.9 A UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS E O MÍNIMO ÉTICO...........26 1.10 A ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS: O SURGIMENTO DO DISCURSO ..27

1.11 AS FASES DOS DIREITOS DO HOMEM. ........................................................31 1.12 AS GERAÇÕES OU DIMENSÕES DOS DIREITOS DO HOMEM. ...................32

1.13 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO BRASIL: CONTEXTO E EFETIVIDADE...........................................................................................................34

CAPÍTULO II ........................................................................................41

2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O TRABALHO..................41

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..............................................................................41

2.2 A CONSTRUÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA ....................................................42 2.3 O TRABALHO, O LAZER E A DIGNIDADE HUMANA: UMA VISÃO MARXISTA E RELIGIOSA...............................................................................................................49

2.4 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ..........................................................................................................................56

CAPÍTULO III...........................................................................................66

3 OS DESAFIOS DO TRABALHO DIGNO NA SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA ........................................................66

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3.1 AS NOVAS MORFOLOGIAS DA PRODUÇÃO E DO TRABALHO NA MODERNIDADE .......................................................................................................68

3.2 O TRABALHO PRECARIZADO OU DEGRADANTE COMO TRABALHO INDECENTE..............................................................................................................84

3.3 LIMITES E POSSIBILIDADES DE RESTAURAÇÃO DA DIGNIDADE DO TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL........................................................86

4 CONCLUSÃO.......................................................................................98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................102

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INTRODUÇÃO

O ser humano sempre trabalhou. Desde as sociedades tribais primitivas

houve a necessidade de o homem trabalhar para garantir a sua subsistência e a do

grupo social a que estava vinculado.

Houve modificação, no entanto, em relação à forma de trabalhar e, a partir

de determinado momento histórico, na maneira de utilização do trabalho humano.

Enquanto, em um primeiro momento, o trabalho tinha a finalidade única de garantir a

sobrevivência, permanecendo o homem com o resultado de seu labor, a riqueza de

alguns e o início do processo de acumulação de bens fazem com que o homem

tenha a necessidade de trabalhar para outros (detentores do capital). A finalidade

principal dessa nova forma de trabalho é a de gerar excedentes de produção e, com

estes, um volume maior de lucro.

Com isso, além de o resultado do trabalho não mais permanecer com aquele

que executa diretamente o serviço, mas com o dono do capital, inicia-se também o

processo de separação entre as atividades de concepção e de execução: o ato de

conceber previamente ou criar mentalmente o resultado do trabalho é separado

daquele de executar diretamente a atividade. Em outros termos, o dono do capital

passa a conceber de forma abstrata o resultado do trabalho (o objeto a ser criado) e

atribui a terceiros (os trabalhadores) a tarefa de executar diretamente os serviços

necessários a esse desiderato. Verifica-se, pois, um claro rompimento entre as

tarefas de pensar e fazer.

Essa divisão entre a formação de idéias e a execução do objeto previamente

concebido retira do trabalho sua principal característica: a de ser um instrumento de

liberdade. É por meio do trabalho integralmente realizado, isto é, previamente

concebido e com a possibilidade de, durante ou depois da execução, o próprio

trabalhador modificar as idéias originais, que o ser humano concretiza seus projetos

e desejos, tornando-se humano. Com essa atribuição ao mesmo tempo abstrata e

real, o homem se aperfeiçoa e, em face do inevitável contato com o outro, adquire

hábitos sociais, estabelece limites e aprende a viver em comunidade. Integra-se,

portanto.

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A busca desenfreada por maior eficiência produtiva (evidentemente com a

redução sempre crescente de custos), conduz a uma degradação nas condições de

trabalho daqueles destituídos do capital. Aliem-se a isso outros fatores, como o

surgimento das primeiras formas mecânicas de produção e a conseqüente

desnecessidade de mão-de-obra qualificada – e, portanto, melhor remunerada –

para se ter um mercado de trabalho composto também por mulheres e crianças que,

juntamente com os homens, obrigam-se a aceitar – em virtude da necessidade de

sobrevivência - condições extremamente desfavoráveis de labor.

Essas particularidades resultam na exploração desmedida do trabalho do

homem e levam o Estado a interferir nos pactos privados, por meio da fixação das

primeiras normas de proteção ao trabalho. Surge, então, o direito do trabalho, de

cunho nitidamente intervencionista.

De modo óbvio, a intervenção do Estado na relação entre empresários e

trabalhadores não decorre apenas da verificação de condições desumanas de

trabalho. É de ser relevada, ao lado da pressão das classes operárias (reunidas em

torno dos primeiros empreendimentos industriais), a influência importante dos

interesses dos próprios capitalistas em manter o modo de produção (afastando a

possibilidade de uma revolução socialista) e de, inclusive, obter auxílio do Estado

para o exercício de suas atividades produtivas (intervenção do Estado na economia,

reduzindo os custos empresariais ou investindo em logística).

O surgimento do direito do trabalho, com as primeiras normas de proteção

ao trabalhador, inegavelmente contribui ao menos para conter a crescente

exploração da força de trabalho humana. Posteriormente, durante a vigência do

chamado Estado do Bem Estar Social, não se pode negar, da mesma forma, que o

direito do trabalho converte-se em um instrumento eficaz de distribuição de renda e

de manutenção e melhoria das condições de trabalho, respeitando-se o modo de

produção capitalista.

A derrocada do Estado Social, por motivos vários, como a nova crise

financeira mundial e a ausência de contraposição ao modelo político então proposto,

determina o ressurgimento de idéias de cunho liberal, advogando principalmente o

afastamento do Estado das relações privadas. Relações reguladas exclusivamente

pelo mercado são sustentadas como único meio apto a proporcionar crescimento

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econômico e, conseqüentemente e em longo prazo, benefícios a todos (inclusive aos

trabalhadores).

Essa diretriz política, associada a outros fatores, como uma interpretação

equivocada da nova revolução tecnológica (microeletrônica, robótica,

microinformática e telecomunicações), da reestruturação empresarial (toyotismo) e

da competição mundial entre empresas, conduz ao entendimento acrítico de que o

trabalho não mais pode ser considerado elemento central na organização da

sociedade.

Esse pensamento reflete-se no mercado do trabalho. Afastada a

centralidade do trabalho, abrem-se portas para novas formas de utilização do

trabalho do homem, tornando-se comuns figuras como a desregulamentação e a

flexibilização das normas trabalhistas. Desestabiliza-se o trabalho e o trabalhador

passa a ser considerado como um mero instrumento da produção, necessariamente

flexível consoante as exigências do mercado (sempre instável).

O objetivo desta dissertação é analisar, observada a área de concentração

de “Direito Público e Evolução Social” e a linha de pesquisa que examina

criticamente os “direitos fundamentais e os novos direitos”, o direito fundamental ao

trabalho nessa nova realidade mundial. Para tanto, buscar-se-á verificar se as novas

formas de utilização do trabalho do homem, surgidas com a superação do modo de

produção basicamente industrial, ofendem ou não a dignidade do trabalhador.

Entende-se que, no caso da problemática relatada, há estreita relação com a

área de concentração do Programa de Mestrado, dado que, há bom tempo, as

relações de trabalho não podem ser consideradas estritamente como de caráter

absolutamente privado. Principalmente com o surgimento do Estado do Bem Estar

Social, existe uma gradativa intervenção estatal nessa relação que, de ordinário,

ocorre entre particulares.

Por outro lado, e, atualmente, a relação com o direito público é ainda mais

latente, em razão da previsão, na Constituição da República (direito público por

excelência), de princípios e regras inerentes ao trabalho humano (Constituição da

República, principalmente artigos 1º, IV; 6º e 7º).

Além disso, as modificações na forma de utilização do trabalho humano, as

novas características da prestação de serviços e a reestruturação empresarial

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demonstram que a evolução social demanda uma resposta em relação ao futuro do

trabalho e do emprego (e das condições destes), principalmente no sentido de

preservar o primado do trabalho, sob pena de retrocesso social em relação aos

direitos do trabalhador.

No que diz respeito à linha de pesquisa, o direito ao trabalho como direito

social positivado (Constituição da República, artigo 6o), integra o campo dos direitos

fundamentais e representa um dos instrumentos de acesso a uma condição de vida

digna (fundamento da República). Investigá-lo, dentro do novo (e precário) mundo

do trabalho, representa a pretensão de outorgar-lhe um novo significado, com o

intuito de concretizar a garantia constitucional. Por isso, há uma nítida vinculação

entre o tema e os direitos fundamentais.

No mais, a pesquisa de tema relacionado ao direito ao trabalho se justifica

ante a realidade social brasileira. Vive-se em um País onde, dos 75 milhões de

pessoas ocupadas, apenas 23 milhões delas recebem a proteção social outorgada

ao trabalho humano (por meio do Direito do Trabalho). Existem, além disso, em

torno de sete milhões de desempregados.

Há, nessa esteira, um Estado brasileiro descomprometido com a realidade

social de milhões de trabalhadores, o que legitima uma pesquisa sobre as novas

formas de utilização do trabalho humano em uma sociedade de características

individualistas, com o intuito de verificar se não há ofensa ao princípio constitucional

da dignidade da pessoa humana.

Existe, igualmente, a necessidade de se desmistificarem algumas teses que,

com base em pressupostos neoliberais, buscam justificar a desregulamentação e a

flexibilização das regras de proteção ao trabalho (como a de extinção do trabalho e

do emprego).

Por fim, justifica-se o estudo em face de o trabalho ser instrumento, no

Estado Democrático de Direito, de inclusão social.

A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa foi, em relação

ao método de abordagem, o dedutivo e, quanto ao procedimento, o monográfico.

Serviu como técnica de pesquisa a documentação indireta, com emprego de fontes

primárias e secundárias (normas nacionais e internacionais e bibliografia

correspondente, respectivamente).

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Em seu desenvolvimento, a dissertação está dividida em três capítulos.

O primeiro capítulo examina os direitos fundamentais. Nele se analisam os

direitos do homem, a controvérsia entre as nomenclaturas a indicá-los, seu conceito,

fundamentação teórica e universalidade e sua origem, fases e gerações (ou

dimensões). Ao fim, discutem-se os direitos sociais. Objetiva-se, neste capítulo,

verificar se os direitos sociais estão inseridos naqueles tidos por fundamentais.

O segundo capítulo é dedicado ao estudo da dignidade da pessoa humana.

Nele se examina basicamente o processo histórico de construção do conceito de

dignidade da pessoa e o papel do trabalho nesse contexto. Atribui-se enfoque

especial às analises marxista e religiosa do trabalho do homem como elemento

essencial à construção da dignidade. Ao término do capítulo, analisa-se a dignidade

sob sua dimensão jurídica, tendo como marco histórico a Constituição brasileira de

1988. O estudo tem como propósito conhecer o papel do trabalho na construção da

dignidade do homem, definindo-a e delineando-a no Estado brasileiro.

No terceiro capítulo, analisa-se o trabalho a partir do marco histórico da

modernidade. Examinam-se os contornos da produção no período moderno e suas

implicações para o mundo do trabalho. Além disso, efetua-se um exame crítico do

trabalho precarizado ou degradante, considerando-se a compreensão da

Organização Mundial do Trabalho. Finalizando o capítulo, fazem-se ponderações

das atuais condições de trabalho e sua relação com o princípio da dignidade da

pessoa humana.

Com base em todos os elementos pesquisados, ao fim da pesquisa, propõe-

se a adoção do trabalho decente – conforme a caracterização deste segundo a

Organização Internacional do Trabalho – como único meio de preservação da

dignidade da pessoa humana no campo das relações de trabalho.

A defesa intransigente de condições mínimas de trabalho, representadas por

normas internacionais e nacionais de proteção ao trabalho e ao trabalhador,

representa o único meio viável para preservar a condição mínima civilizatória da

pessoa trabalhadora, dentro do modo de produção capitalista.

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CAPÍTULO I

1 MÍNIMO ÉTICO, DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS SOCIAIS

1.1 OS DIREITOS DO HOMEM

Uma das principais características políticas do fim do século XX é a

consolidação do constitucionalismo como fundamento teórico e prático de

organização da sociedade. Nesse contexto, o traço marcante da recuperação do

valor da Constituição, como forma de estruturação da vida em comum, é a ênfase na

garantia dos denominados direitos humanos ou fundamentais.

Verifica-se, com isso, um aprofundamento no estudo dos direitos do homem

e, ao mesmo tempo, uma ampliação das garantias individuais e coletivas que

recebem essa caracterização. As constituições do período posterior à segunda

guerra mundial, como ilustração, protegem não apenas - como antes - direitos

individuais liberais clássicos, mas também direitos econômicos, sociais e culturais

(como, aliás, já prenunciava a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de

1948).

Constata-se, igualmente, no constitucionalismo contemporâneo, uma

vinculação dos direitos do homem ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Com isso, há uma busca constante pela garantia de uma existência humana digna,

caracterizada pelo livre exercício de liberdades públicas, pelo acesso aos meios

básicos de sobrevivência e pela proteção contra toda a forma de opressão (física ou

moral).

Embora de forma tardia, o constitucionalismo brasileiro, a partir da Carta de

1988, adere ao movimento mundial de ampliação da garantia aos direitos humanos

e de acesso a uma vida digna.

Nas últimas décadas do século XX, entretanto, surgem críticas a esse novo

constitucionalismo, relacionadas principalmente ao endividamento do chamado

Estado do Bem Estar Social e do quase hegemônico movimento de retorno ao

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pensamento liberal (neoliberalismo). As críticas abrangem também a inclusão dos

direitos sociais na lista dos direitos considerados fundamentais, ao fundamento de

que o Estado não possui condições financeiras de atender a todas as necessidades

humanas (BARRETTO, 2003, p. 118-22). Com isso, o movimento de crítica, lastrado

na teoria neoliberal, além de questionar a natureza dos direitos sociais como direitos

humanos, defende a eliminação de tais garantias ou, no mínimo, a sua redução.

O presente capítulo tem a finalidade de caracterizar os direitos humanos

como mínimo ético, ou seja, como parâmetro limite de atuação dos poderes de

Estado, das organizações e dos particulares. Para tanto, será analisada a discussão

envolvendo a conceituação e extensão dos direitos humanos e dos direitos

fundamentais, a evolução história e contextual da positivação desses direitos e, ao

fim, de forma específica, os direitos fundamentais sociais.

Parte-se da hipótese, no presente estudo, de que os direitos sociais

integram os direitos humanos e, como tais, não admitem supressão ou redução,

situações que implicariam retrocesso social. Para comprovação da assertiva, parte-

se do estudo da própria denominação dos direitos essenciais da pessoa humana,

com posterior exame da evolução histórica dessas garantias indispensáveis (fases,

gerações ou dimensões dos direitos humanos) e da necessidade ou não de

fundamentação teórica do instituto. Por fim, será analisada a fundamentação teórica

que, em tese, justificaria a inclusão dos direitos sociais no âmbito dos direitos

fundamentais.

1.2 O DEBATE ENTRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Não existe uniformidade na doutrina sobre a denominação correta dos

chamados direitos essenciais da pessoa humana. Torres (2006, p. 243) entende que

os termos direitos fundamentais, direitos naturais, direitos individuais, direitos civis,

direitos da liberdade, direitos humanos e liberdades públicas são sinônimos.

Ao narrar o surgimento das diversas terminologias, afirma Torres (2006, p.

243) que a denominação “direitos fundamentais” é originária da doutrina alemã e

ganha adeptos no Brasil com a promulgação da Constituição de 1998 (que opta por

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essa nomenclatura). Para o autor, as denominações “direitos humanos” e “direitos

da liberdade” serviriam como fonte de legitimação dos “direitos fundamentais”, dado

que vocábulos ligados à própria natureza do homem. “Direitos civis”, por sua vez,

seria denominação própria dos países de língua inglesa e estaria mais ligada à

esfera privada, embora, atualmente, nesses países, confunda-se com os chamados

“direitos fundamentais”.

“Direitos individuais” seria, ainda segundo Torres (2006, p. 243), a expressão

utilizada com preferência pela doutrina francesa e americana. Todavia, em virtude da

vinculação a uma visão liberal-individualista, estaria em desuso. O termo “liberdades

públicas”, segundo o referido autor, é utilizado pela doutrina francesa e “direitos

naturais”, o preferido antes da onda de positivação do direito.

Dias (2006, p. 246) prefere a denominação tradicional de “direitos naturais”.

Fundamenta sua posição na assertiva de que tais direitos são anteriores ao próprio

Estado e seu reconhecimento independe da atuação deste, de ato do poder público

ou mesmo do consenso social.

Nascimento (2004, p. 68), afastando-se do aprofundamento da discussão

terminológica, aduz que o senso comum jurídico incorporou a noção de direitos

humanos como aqueles inerentes às pessoas humanas, sem limitações geográficas

ou temporais (e, portanto, objeto de análise do direito internacional) e direitos

fundamentais como aqueles positivados internamente pela ordem constitucional

(limitados, assim, a determinado tempo e espaço).

Na doutrina estrangeira, a posição de Nascimento se coaduna com a de

Luño (1998, p. 44). Para o autor espanhol, existe uma tendência doutrinária de

denominar “direitos fundamentais” aqueles positivados pela ordem interna de cada

país e “direitos humanos” aqueles inseridos em declarações ou convenções

internacionais. Não discrepa desse entendimento o de Ferrajoli (2001, p. 5), para

quem os direitos fundamentais são os direitos humanos positivados e o de Miranda

(1993, p. 51), para quem a terminologia “direitos humanos” é utilizada pelo direito

internacional, a fim de vincular essas garantias aos indivíduos e não aos Estados.

Sarlet (1999, p. 365-66) também reconhece a inclinação doutrinária pela

utilização de “direitos humanos” para aqueles positivados internacionalmente e

“direitos fundamentais” para aqueles reconhecidos pela Constituição de determinado

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Estado. Aduz, contudo, que ambos possuem os mesmos fundamentos materiais:

reconhecimento e proteção de bens e valores essenciais, segundo a comunidade

internacional ou segundo a ordem constitucional de cada Estado. Afirma, ainda, que

existe uma preferência da doutrina constitucional pela utilização de “direitos

fundamentais” e não mais “direitos humanos”.

Barretto (2005, p. 262-63), nesse contexto, prefere diferenciar direitos

humanos de direitos fundamentais, asseverando que aqueles “referem-se ao

indivíduo como pessoa, com valores e finalidades em si mesmas, que encontram no

princípio da dignidade da pessoa humana a sua formulação moral e jurídica”,

enquanto estes se referem ao indivíduo como membro integrante do Estado,

estando fixados nos textos legais, principalmente na Constituição da República.

Existem autores, como Ferreira Filho (1998), que, talvez para relegar a

importância da discussão terminológica, acabam por mesclar as denominações,

utilizando, ora o termo “direitos humanos fundamentais”, ora “direitos fundamentais

do homem”.

Há de se registrar, por derradeiro, a utilização do termo “direitos do homem”,

empregada primeiramente na obra “The Rights of Man”, por Thomas Paine e

utilizada com certa freqüência pelo direito internacional. Todavia, a doutrina indica

diferenciação entre direitos do homem e direitos fundamentais, uma vez que estes

indicam direitos positivados e, aqueles, direitos que existem fora do ordenamento.

Além disso, os direitos do homem encontram fundamentação no direito natural e, os

fundamentais, também em outras fontes (expressas como valores na Constituição) e

na própria ordem econômica, social e cultural (MORAES, 1997, p. 140).

1.3 A CONCEITUAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM

A conceituação de direitos está umbilicalmente ligada à teoria adotada para

sua fundamentação teórica.

Em relação aos direitos humanos, a conceituação pode ser, adotando-se a

tipificação de Peres Luño (1995, p. 22), meramente tautológica (dizendo de forma

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diversa a mesma coisa: direitos que decorrem da própria condição de homem, sem

olvidar que os direitos, em regra, são de titularidade humana), de natureza formal

(que não indicam o conteúdo, mas os consideram indisponíveis por pertencerem a

todos os homens) ou de caráter teleológico (que, como a própria denominação

indica, afirmam o objetivo a ser alcançado com os direitos do homem).

Dessa forma, pode-se afirmar que o conceito de Dallari (1998, p. 7) é

teleológico, pois conceitua os direitos humanos como aqueles essenciais para uma

existência digna, assim como o do próprio Peres Luño (1995, p. 48):

[...] conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.

Sob outro enfoque, Alexy (2007, p. 45) indica cinco particularidades que

distinguem os direitos do homem de outros direitos, circunstâncias que o definem.

Para ele, os direitos do homem se caracterizam por seu caráter universal, moral,

preferencial, fundamental e abstrato.

O caráter universal desses direitos decorre de a titularidade pertencer a

todos os homens, indistinta e individualmente (os direitos dos grupos, das

comunidades e dos estados devem ser apreciados sob outra perspectiva e como

meios de realização dos direitos do homem), e de terem como destinatários tanto o

Estado como a sociedade (ALEXY, 2007, p. 45-6 e 95).

O caráter abstrato dos direitos diz respeito ao objeto destes (ALEXY, 2007,

p. 48-9), que subsistem mentalmente fora da realidade fática (como exemplo, o

direito à saúde).

A característica moral guarda relação com a validade do direito. A norma

que justifica o direito deve ser aceita moralmente: “uma norma vale moralmente

quando ela, perante cada um que aceita uma fundamentação racional, pode ser

justificada”. As normas assim assinaladas até podem ser positivadas, mas não

necessariamente. O que não pode ocorrer, no entanto, é o direito positivo negar

vigência ao direito moral do homem (ALEXY, 2007, p. 47 e 95).

A qualidade de preferencial refere-se ao direito positivo. Os direitos

caracterizados como morais ostentam, perante o direito positivo, a condição de

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primazia. O respeito aos direitos do homem pelas normas positivas legitimam o

direito posto, em razão da prioridade dos primeiros (ALEXY, 2007, p. 47).

A distinção de fundamental alude também ao objeto dos direitos do homem.

Existem diversos interesses e carências humanas. Aqueles que serão considerados

direitos do homem dizem respeito apenas aos interesses ou carências fundamentais,

que devem e deixam ser fomentadas pelo direito. Por outro lado, existe interesse ou

carência fundamental, quando sua violação ou não-satisfação significa o

perecimento ou grave violação do núcleo central do direito e, nestes, incluem-se não

apenas os direitos liberais clássicos, mas também alguns sociais (ALEXY, 2007, p.

48).

Assim, para Alexy (2007), os direitos do homem são direitos (envolvendo

três variáveis entre um titular, um destinatário e um objeto, com três deveres

variáveis correspondentes) definidos por essas cinco características, presentes

concomitantemente: universalidade, fundamentalidade, abstração, moralidade e

prioridade.

1.4 A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS

Bobbio (1992) entende que, nos dias atuais, não há mais a necessidade de

fundamentação teórica para os direitos humanos, visto que, após a Declaração de

1948, imprescindível é a outorga de proteção aos direitos reconhecidos. É célebre a

frase do jurista italiano para quem “o problema fundamental em relação aos direitos

do homem, hoje, não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los” (BOBBIO, 1992,

p. 24-5).

Sob outro enfoque, como as normas de direito internacional são destituídas

de coerção (PIOVESAN, 2006, p. 156) e como os direitos humanos positivados em

declarações, supostamente de cunho universal, não são obedecidos (ou podem ser

excluídos de tais normas), há necessidade de fundamentação para demonstrar

racionalmente a necessidade de manutenção, progressão, defesa e efetivação de

tais garantias. Da mesma forma, a fundamentação teórica é imprescindível para

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análise da validade da legislação positiva (BARRETTO, 2007, p. 580) ou para

justificá-la, em caso de dúvidas ou contestações (PERELMAN, 1996, p. 393).

De outra parte, os direitos humanos estão vinculados ao conceito de

liberdade natural (que antecede o Estado e se verifica no homem em seu estado da

natureza). Para possibilitar a vida em sociedade, é necessário que o homem abra

mão de parcela dessa liberdade, a fim de possibilitar também a vida de seu

semelhante. Esse “sacrifício da liberdade” justifica a criação do Estado, como ente

destinado a possibilitar, com seu ordenamento, a vida em comunidade.

A extensão desse sacrifício é interpretada de maneiras diferentes e

conforme a corrente filosófica de cada pensador. Para Hobbes, por exemplo, o

sacrifício deveria ser amplo (o que poderia justificar, em tese, a existência de

estados absolutistas). Para Locke, a concessão seria mais restrita e demandaria

uma atuação menor do Estado (Estado mínimo).

Barretto (2007, p. 589-90) aponta para a existência de controvérsia sobre a

fundamentação teórica dos direitos humanos. Para o autor, existem algumas visões

que defendem uma fundamentação jusnaturalista para os direitos do homem e

outras que fundamentam unicamente na história tais direitos. O que caracterizaria os

direitos do homem, para Barretto, seriam os critérios mínimos entre as duas teorias.

Nesse sentido, também, a visão de Nascimento (2006), para quem as visões

substancialistas e procedimentalistas do direito resultam num mínimo comum: os

direitos humanos.

De qualquer modo, o discurso dos direitos do homem é necessário para

permitir a vida em sociedade. “O fato que não um homem, senão muitos homens

vivem sobre a terra” (ARENDT, 1998, p. 31). Por esse motivo, há necessidade de

ordens político-sociais que regulem a vida em sociedade, mas que, ao mesmo

tempo, podem gerar ofensas a direitos essenciais da pessoa humana, como ao

direito à vida, por exemplo.

Em virtude de tais necessidades – de convivência e de instituição do Estado

– surge imprescindível a adoção de certo padrão de valores, vinculados,

necessariamente, para se buscar a universalidade, à dignidade da pessoa humana.

Para tanto, é inevitável a estipulação de valores que levem em consideração a

existência do outro, de uma pessoa em nada diferente e que, até em razão de não

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possuir as mesmas condições de vida, precisa, em muitos casos, de proteção,

solidariedade e responsabilidade (inclusive das gerações futuras).

O fundamento dos direitos do homem passa, portanto, pelo reconhecimento

da existência do outro e pela necessidade de protegê-lo, garantindo-lhe o mínimo

existencial.

1.5 A FUNDAMENTAÇÃO JUSNATURALISTA

Existem, é necessário dizer, linhas diversas dentro do pensamento

jusnaturalista. O jusnaturalismo pré-socrático tinha, como fundamento para a idéia

de justiça, a ordem universal pré-existente. Dessa lei universal (oriunda da natureza)

é que deveria nascer o direito do homem. Em outras palavras, a harmonia do

Universo é que era divina (e não outra pessoa ou ser) e o homem com ela deveria

aprender.

Para a linha teológica do direito natural, lastrada fundamentalmente nas

obras de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, existiria a lei eterna (de Deus –

razão divina), que seria a base para a elaboração das leis humanas (RADBRUCH,

1997, p. 62).

Por fim, existe a corrente jusnaturalista racional (direito baseado não mais na

natureza ou na razão divina, mas na razão humana). Trata-se do jusnaturalismo

moderno (jusracionalismo), movimento em vigor quando do surgimento do discurso

sobre os direitos essenciais do homem (e cujos fundamentos teóricos estão

explanados no tópico relativo à evolução histórica de tais direitos).

É evidente que esse movimento de defesa da razão humana como solução

para os problemas mundanos chega também ao campo do direito, buscando

desvincular o homem da natureza ou da fé. Segundo Kant (apud HAZARD, 1989, p.

14), “Se, nas épocas anteriores, o homem se mantivera sob tutela, fora por culpa

própria: não tivera a coragem de se servir da razão; tivera sempre necessidade de

um mandamento exterior”.

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Em relação aos direitos do homem, surge aqui a teoria da existência de

direitos anteriores ao Estado e ao direito positivado, oriundos da razão e não da

vontade humana. Por isso, seriam fundamentalmente de caráter individual e teriam o

escopo de proteger o indivíduo contra arbitrariedades estatais, pretensões de nítida

feição liberal (pelas vinculações históricas antes analisadas). Portanto, para essa

corrente de pensamento, os direitos do homem existem como algo absoluto, que

nascem da universal razão humana, sem base histórica (MELGARÉ, 2002, p.340).

O discurso naturalista, de outra face, ainda que lastrado na razão humana,

não se sustenta, em virtude do inegável caráter histórico dos direitos do homem. Os

direitos humanos não existem por natureza, são construídos, conforme Bobbio

(1992, p. 18-9). E, como o jusnaturalismo não aceita o caráter histórico de tais

direitos, o modelo teórico resta enfraquecido.

Alie-se a isso o fato de inexistir justificação teórica para a existência de

direitos naturais lastrados na razão, dado que ausente justificação, como exemplo,

para períodos históricos em que foi considerada natural a escravidão. No mesmo

sentido, a fundamentação não oferece resposta à possibilidade de conflitos entre

direitos humanos (BOBBIO, 1992, p. 18-9).

A crítica a essa visão, portanto, é clara e coerente:

[...] os direitos humanos referem-se ao homem concreto, e postulam, para sua concretização, um juízo mediador reflexivo, atento ao horizonte histórico e aberto à compreensão da praticidade dos problemas enfrentados, nomeadamente, por aqueles vitimados pela sua violação (MELGARÉ, 2002, p. 343).

1.6 A FUNDAMENTAÇÃO POSITIVISTA

Para os positivistas, não há direito que não esteja previamente descrito pelo

legislador. Direito é aquilo que consta da lei (KELSEN, 1986, p. 67). Portanto, para a

visão positivista, os direitos humanos somente existem se previstos expressamente

na legislação (elaborada pelo rei, pelo parlamento ou pela coletividade, diretamente).

A crítica a essa visão vincula o direito positivo ao responsável pela

elaboração da lei. Afinal, a legislação é elaborada por grupos que representam

determinadas camadas da população que chegam ao poder. Obviamente, e, assim,

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a legislação criada não representa a vontade de todos. Em suma: o direito posto é

aquele que melhor atende aos interesses desse grupo.

Mesmo assim, é possível que a lei dessa forma elaborada represente os

anseios da maioria da população, principalmente se, em caso de democracia

participativa, os representantes são regularmente eleitos. Ainda assim, há o

problema daqueles que não possuem representação ou que são vencidos na

escolha das prioridades e que, do mesmo modo, podem, posteriormente, sofrer

violação de determinados direitos básicos.

Assim, “endereçar os direitos do homem para a esfera do direito positivado,

confundi-los com a lei, nada mais é que abandoná-los ao acaso das vontades e

contingências políticas” (MELGARÉ, 2002, p. 344). Por isso, a grande falha teórica

do positivismo, como as experiências totalitárias do século XX demonstraram, é a

sua incapacidade em encontrar um fundamento ou razão justificadora para o direito,

sem recair em mera tautologia (COMPARATO, 2000b, p. 42-3).

Legitima-se, nesse contexto, a fundamentação teórica dos direitos humanos,

em razão da possibilidade de modificação ou omissão do direito positivo. Os direitos

do homem, sob esse enfoque, não são apenas aqueles eventualmente

estabelecidos pelo direito positivo.

1.7 A FUNDAMENTAÇÃO NAS NECESSIDADES HUMANAS.

Para outra corrente de pensamento, há necessidade de novamente vincular

os direitos do homem às necessidades humanas universais, finalidade principal dos

direitos humanos. Isso em virtude da apropriação do discurso dos direitos humanos

pelo pensamento liberal (GALTUNG, apud OLSSON, 2005), restringindo seu estudo,

alcance e aplicabilidade.

Essa apropriação do discurso pelo Estado liberal gera disfunções

conceituais e práticas que podem ser resumidas em três aspectos. O primeiro, na

sobrevalorização do direito como propulsor único dos direitos do homem. A

discussão dos direitos humanos, no âmbito apenas jurídico, é insuficiente, eis que o

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direito não é o único meio de regulação de condutas sociais. A utilização apenas do

direito para a discussão dos direitos humanos limita o âmbito de análise apenas ao

espaço nacional do estado-nação e ao conteúdo jurídico deste estado (GALTUNG,

1994, p. 93-5). Da mesma forma, em razão do positivismo que prevalece no direito,

há uma limitação do estudo ao direito positivado, o que é insuficiente. A prevalecer

esse entendimento, necessariamente se chegaria à conclusão de existência de

humanos mais humanos do que outros, em virtude da diversidade de normas

positivadas relativas aos direitos do homem (OLSSON, 2005).

O segundo, na limitação da discussão sobre o conteúdo dos direitos do

homem. A questão da igualdade, da liberdade e da fraternidade, como exemplo, é

enfocada apenas em determinados aspectos, deixando outros sem resposta. A

igualdade, como ilustração, é analisada apenas no âmbito nacional, não havendo

discussão mais ampla sobre a igualdade entre os diversos povos. A questão da

liberdade, por sua vez, é analisada estritamente em seu aspecto civil, de direito

negativo do indivíduo, em face de seu semelhante e do Estado. Contudo, não há

estudo mais aprofundado dos requisitos mínimos para exercício da liberdade

(condições materiais). Por fim, a propagada solidariedade abrange apenas aspectos

pontuais e temporários, sem aprofundamento do estudo sobre a necessidade

permanente de atenção às necessidades elementares do ser humano (OLSSON,

2005).

O terceiro, na aplicação do discurso sobre direitos humanos, conforme o

interesse do intérprete (procedimento seletivo). Em outras palavras, o discurso é

realizado levando em consideração, em muitos casos, apenas interesses

econômicos (como exemplo: mobilização pela aplicação dos direitos humanos, em

alguns países, por suposta intolerância religiosa e omissão em relação a localidades

onde direitos fundamentais – como alimentação – sabidamente não são

concretizados).

Essa apropriação liberal do discurso sobre os direitos humanos acaba

gerando uma redução estrutural dos objetivos e fundamentos dos direitos humanos,

os quais deveriam servir de suporte para a ordem jurídica democrática mundial,

como expressão racional dos valores inerentes à dignidade da pessoa humana

(BARRETTO, 2003, p. 112).

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A apreensão e – por conseguinte – a redução de seu alcance demonstram

que a análise meramente jurídica dos direitos do homem é insuficiente para que

estes atinjam seu objetivo principal (atender as necessidades humanas). Por outro

lado, a ausência de coerção do direito internacional, da mesma forma, torna possível

a aplicação do discurso apenas pelos países com possibilidade de imposição da

medida. Isso decorre, também, do processo de globalização econômica que

possibilita o livre trânsito do capital por várias partes do mundo, sem vinculação

deste às características culturais regionais. Essa ausência de controle do poder

econômico resulta, não raras vezes, na ofensa a direitos humanos dos países mais

fracos economicamente, principalmente em relação aos direitos sociais e

econômicos.

Por fim, há diversidade de enfoques filosóficos e sociológicos que

demonstram - segundo essa corrente de pensamento - a insuficiência do direito

como meio de discussão e efetivação dos direitos do homem (a questão do

multiculturalismo).

Galtung (apud OLSSON, 2005) propõe, então, uma nova hermenêutica dos

direitos humanos, lastrada em novos consensos e num mínimo ético que poderiam

ter aplicação universal. Para o autor, os fenômenos humanos podem ser abordados

sob as perspectivas do ator e da estrutura. No caso das abordagens tradicionais –

voltadas para o ator dos fenômenos humanos – analisa-se a intenção e a

capacidade do ator e, em caso de problemas, estes decorrem da incapacidade do

ator (ator mau) que, por isso, deve ser identificado e punido.

Na hipótese de análise das estruturas, o enfoque se dá pelo estudo das

formas de repressão e liberdade, exploração e igualdade. Verificados os problemas,

estes decorrem das próprias estruturas que, dessa maneira, necessitam ser

modificadas.

Como se percebe, a análise pela ótica do ator importa em resoluções

provisórias dos problemas sociais. No caso da análise das estruturas, há uma

abordagem de caráter permanente.

Galtung busca uma conciliação e uma complementação entre as

perspectivas de análise dos problemas sociais, com a promoção do direito

internacional humano. As propostas atuais para superação do paradoxo dos direitos

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humanos (reconhecidos teoricamente, mas não efetivados na prática) partem de

modificações sob a perspectiva dos atores envolvidos na discussão. Há a

necessidade, portanto, de uma complementação, com enfoque voltado, também,

para modificações na perspectiva das estruturas, com disseminação de valores

mínimos, democratização da Organização das Nações Unidas e necessidade de

declarações ou pactos.

A tese do autor, portanto, parte do pressuposto de ser imprescindível um

retorno ao diálogo entre direitos e necessidades humanas. Necessidades essas que

são materiais (sobrevivência e prosperidade) e imateriais (liberdade e identidade).

Algumas dessas necessidades humanas devem ser veiculadas tendo em

vista os atores envolvidos e, outras, as estruturas. Para Galtung (1994, p. 93), a

sobrevivência e a liberdade dependem do ator e a prosperidade e a identidade, da

estrutura.

O discurso tradicional e liberal privilegia sobrevivência e liberdade, em

detrimento da prosperidade e identidade. Além disso, analisa primordialmente os

atores e relega a estrutura. Existem, contudo, e, em alguns casos, não apenas bons

ou maus atores, mas estruturas erradas. O direito, conclui o autor, é insuficiente para

resolver o problema que, sendo de estrutura, é também político, cultural (ideologia) e

econômico (OLSSON, 2005).

1.8 A FUNDAMENTAÇÃO MORAL

Essa fundamentação parte da premissa de que os direitos humanos são

direitos morais, isto é, oriundos não de regras previamente existentes, mas de

valores morais da coletividade (DWORKIN, 2000, p. 90), inseridos no ordenamento

jurídico por meio dos princípios.

Os princípios, nesse contexto, representam fins a ser atingidos, distinguindo-

se das regras por se constituírem em normas mais abertas (enquanto estas se

caracterizam por normas mais concretas, indicando, em regra, meios para se

alcançarem as finalidades indicadas pelos princípios).

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Os direitos do homem, consoante também o entendimento de Alexy (2007,

p. 47 e 95), possuem característica e fundamentação moral, porque representam

normas aceitas pela coletividade, ainda que não positivadas e, principalmente,

porque podem ser justificadas racionalmente.

Os direitos do homem, consoante essa fundamentação, são exigências

éticas que compõem os princípios do ordenamento jurídico, conforme Fernandes

(1984, p. 103-9), para quem essa razão que legitima e motiva o reconhecimento dos

direitos humanos é uma tentativa de conciliar tais direitos como valores moralmente

aceitos e como direitos positivados.

1.9 A UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS E O MÍNIMO ÉTICO

O caráter universal dos direitos do homem geralmente é aceito sob três

fundamentos. Porque titulares são todos os seres humanos, sem qualquer distinção;

porque os homens os possuem em qualquer momento histórico; e, finalmente,

porque estão em todos os lugares e culturas (PECES-BARBA, 1999, p. 299).

A universalidade não está isenta de críticas. Boaventura Santos (1997, p.

17) alerta para o risco de, com esse discurso, permitir-se a ingerência,

principalmente do ocidente, em valores de outras culturas, em sacrifício da

diversidade, por vezes, em razão de interesses puramente econômicos. Todavia,

ainda que se respeitem diversidades culturais e religiosas, conceitos universais de

justiça e de dignidade se encontram em todas as sociedades e, dessa forma,

fomentam o caráter universal dos direitos humanos em busca da vida digna, da

liberdade e do direito de participação de todos.

Barretto (2004, p. 281-3) informa que os autores da Declaração Universal

dos Direitos do Homem de 1948 rejeitavam a possibilidade de existência de direitos

humanos universais e válidos, caso não fossem consagrados nos textos

constitucionais de cada Estado. Aduz que a principal crítica ao caráter universal dos

direitos humanos se baseia na existência de grande variedade de moralidades e

sistemas jurídicos. Responde, porém, que os direitos humanos são “idéias-força”

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que, ao serem negados, constituem-se em argumentos poderosos contra os atos de

prepotência.

Barretto (2004, p. 283-4 e 295) também reconhece a existência de duas

versões teóricas sobre a universalidade: uma, baseando-se na existência de uma

única moral humana (monismo moral) e, outra, à qual adere o autor, admitindo a

presença de várias morais, porém com valores comuns a todos os homens e

sociedades, dado que todas as culturas e sociedades têm uma mesma noção do

que é ser humano (mínimo universal). Para o autor, existem necessidades universais

(presentes em todas as culturas) que são atendidas por valores igualmente idênticos

em todas as sociedades, os quais constituem o mínimo moral comum (BARRETTO, 2004, p. 285-7).

Esse mínimo moral comum representa a função preponderante dos direitos

humanos, condição imprescindível para legitimação do regime político e aceitação

da ordem jurídica, com afastamento das possibilidades de intervenção de outros

Estados na ordem interna de cada nação e estabelecimento de limite para

acolhimento da validade do pluralismo (BARRETTO, 2004, p. 289).

A caracterização dos direitos humanos como mínimo ético universal, dessa

maneira, decorre de sua vinculação a valores morais que se estendem por toda a

parte do mundo. Valores, porque são aceitos em todas as sociedades, ainda que de

maneira diferenciada, conforme a cultura; morais, porque fixam critérios mínimos de

vida e convivência; e, universais, porque atendem às necessidades de todos os

seres humanos (BARRETTO, 2004, p. 300).

1.10 A ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS: O SURGIMENTO DO DISCURSO

A origem remota dos direitos humanos está na filosofia grega que, desde

suas primeiras manifestações, identificou o homem como ser distinto por natureza,

declinando a existência de uma ordem natural anterior e superior a qualquer sistema

jurídico (GONÇALVES, 2007, p. 9-18).

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Exemplo disso está na obra de Sóflocles (Antígona), embora existam

registros de valorização e individualização do homem desde Homero e Hesíodo

(GONÇALVES, 2007, p. 16-7). Na obra, Antígona - filha de Édipo e Jocasta - invoca

a ordem natural para justificar o descumprimento de regras impostas pelo rei

Creonte, afirmando que este não possuiria poderes para “determinar que um mortal

transgredisse leis não escritas, oriundas dos deuses, as quais não são de ontem,

nem de hoje, senão de sempre e ninguém sabe de onde surgiram” (GONÇALVES,

2007, p. 19).

Por esse motivo, considera-se o direito natural como o primeiro fundamento

dos direitos humanos.

Gonçalves (2007, p. 9-99) relata ainda a colaboração dos povos do oriente

na construção dos direitos do homem e historia a evolução do pensamento filosófico

sobre a questão, passando por Tales de Mileto (o primeiro a indagar sobre o

princípio supremo e a causa última de todas as coisas), Anaximandro de Mileto (o

princípio de todas as coisas é o infinito), Anaxímenes de Mileto (o princípio das

coisas é o ar) e Heráclito de Éfeso (o princípio é o fogo e tudo está sujeito a um

constante ir e vir). Relata, também, o apego dos filósofos pré-socráticos ao mítico,

religioso e cosmológico, circunstância que afastava a reflexão sobre o homem, seus

valores e direitos (GONÇALVES, 2007, p. 67).

A preocupação maior com o homem em seu contexto social passa a ganhar

ênfase com os sofistas, considerados os primeiros positivistas do direito, ao

separarem as leis do homem daquelas do cosmos. O homem passa a ser

considerado “a medida de todas as coisas, daquelas que são, que são, daquelas

que não são, não são” (PROTÁGORAS, apud GONÇALVES, 2007, p. 70-3).

Com Sócrates, ocorre uma vinculação do homem a uma organização estatal.

As leis do Estado, ainda que injustas, deveriam ser obedecidas, pois isso, em último

plano, resultaria no bem da polis. Para Platão, o Estado e a vida em sociedade

somente seriam melhores com o governo dos filósofos, pois não há justiça sem a

sabedoria destes: “O homem, tanto em Sócrates quanto em Platão, tornou-se o

centro das suas reflexões filosóficas e, em razão dele, a lei, o direito e a justiça,

fizeram-se presentes nas construções idearias, voltadas, todas, para proporcionar-

lhe valores convergentes a satisfação dos anseios da alma” (GONÇALVES, 2007, p.

96).

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Por fim, em Aristóteles, o homem é visto como criação do universo, cujo fim

é alcançar a felicidade na sua auto-realização pelo pensamento. A capacidade de

pensar, para o filósofo, é a essência do homem e a sabedoria e a moderação, a

base de todas as suas virtudes (GONÇALVES, 2007, p. 98-9).

Não obstante se possa, com Gonçalves (2007), afirmar que a gênese dos

direitos humanos está na antiga filosofia grega, o surgimento de manifestações em

defesa da existência de direitos mínimos do indivíduo aparece efusivamente com a

modernidade e com a necessidade de se conterem os abusos do Estado medieval

(lastrado em privilégios de origem). Pode-se afirmar que as primeiras manifestações

nesse sentido ocorrem dentro de determinada camada da população, dotada de

poder econômico, porém sem força política (burguesia).

A pretensão da classe então em ascensão (burguesia) era modificar a forma

do Estado (medieval), com a finalidade de criar uma nova e, à época moderna,

fórmula de convivência social (centrada em direitos fundamentais do indivíduo).

O autoritarismo estatal, conseqüentemente, ao gerar a insatisfação,

principalmente dessa camada da sociedade, contribui diretamente para o surgimento

da discussão envolvendo os direitos fundamentais da pessoa humana (TORRES,

2006, p. 244).

O surgimento do discurso é contemporâneo, também, ao movimento

religioso de revolta de parcela da população contra alguns dogmas da Igreja

Católica (“Reforma Protestante”). A Reforma discute a visão medieval da Igreja e,

nesse ponto, representa o embrião do conceito de liberdade religiosa e de

consciência, direito que seria, posteriormente, considerado inato ao homem e,

assim, fundamental (CORRÊA, 2000, p. 161).

Da mesma forma, o despontar da discussão é coevo ao Iluminismo, período

caracterizado como de discussão filosófica sobre os fundamentos da liberdade

natural do homem. O suporte teórico do Iluminismo, nesse ponto, é o pensamento

de Locke sobre liberdades individuais. Para esse pensador inglês, os homens

nascem livres e podem gozar desse direito em condições de igualdade com seus

semelhantes (TORRES, 2006, p. 244). E, no estado da natureza (ou seja, antes da

instituição do Estado), todos são iguais e independentes, a ninguém sendo dado o

direito de causar dano à vida, à liberdade ou à propriedade de outrem. Não por outro

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motivo esses direitos (vida, liberdade e propriedade) são considerados os primeiros

direitos reconhecidos como naturais ao homem (DIAS, 2006, p. 246-8).

É desse período histórico, ainda, o movimento para a criação de

constituições escritas e impessoais (TORRES, 2006, p. 243-5). Vale dizer, um

momento cultural de valorização extrema da razão e da liberdade do homem em

relação aos dogmas do Estado Antigo e Medieval (vinculado às leis da natureza ou

de Deus).

É evidente, pois, que o jusnaturalismo racional da época contribui para o

surgimento do discurso dos direitos humanos. Dele se extrai a noção de que o

indivíduo é anterior e superior ao Estado e possui direitos que são inerentes a sua

condição de humano. Tais considerações servirão de suporte teórico para a defesa,

principalmente do direito de não ser oprimido, de resistir à eventual opressão e de

liberdade de opção religiosa.

Verdade seja dita: a burguesia utiliza fundamentos de direito natural para

justificar a necessidade de modificação no Estado (até então absolutista e

autoritário). A pretensão da classe em ascensão não era, como se observa, apenas

a busca da igualdade, da liberdade e da fraternidade. Os burgueses buscavam

também o poder político, lastrado – no Estado feudal – em castas.

O discurso era o de necessidade de derrubada do Estado (dominado pela

aristocracia) para possibilitar a modernização de suas estruturas, com a finalidade

de atuar apenas em espaços sociais mínimos (Estado mínimo), deixando às partes a

liberdade de livremente regular suas relações.

Como o movimento pela racionalidade humana é contemporâneo ao de

codificação do direito, as constituições modernas surgem com dois elementos

fundamentais: tripartição dos poderes, com base na teoria de Monstesquieu e

indicação expressa de alguns direitos individuais naturais do homem (FERREIRA

FILHO, 1987, p. 7).

Nessa primeira fase do discurso dos direitos humanos há, portanto – e como

dito alhures – utilização de conceito próprio do jusnaturalismo (direitos ínsitos do

homem), com o inequívoco e revolucionário propósito de afastar a nova concepção

de Estado daquela anteriormente vigente (aristocrática; feudal e absolutista).

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Essa primeira concepção filosófica de direitos humanos, contudo, resume-se

a declarações reduzidas a princípios gerais de caráter meramente programático.

Com a consolidação da nova concepção de Estado (liberal) e com o fortalecimento e

valorização das Constituições, inicia-se a fase de positivação dos direitos públicos

individuais e de garantias contra a ação do próprio Estado (TORRES, 2006, p. 243-

5). Trata-se, pois, de movimento que outorga juridicidade à Constituição, embora o

corpo representativo que lhe outorga legitimidade seja, nesse momento, composto

basicamente pela burguesia (sufrágio restrito).

Tenha-se presente que, nessa fase inicial, o discurso dos direitos humanos

representa mais uma bandeira dos economicamente emergentes, em face dos

detentores do poder político. A igualdade, por conseguinte, é medida efetivada e

buscada apenas para uma camada da população que, com esse arrazoado, busca

garantias contra o poder estatal.

Posteriormente, solidificada essa proteção, o discurso assume outra

conotação. Passa a indicar a necessidade de garantias individuais não apenas

contra eventuais abusos estatais, mas também em face da possibilidade de

arbitrariedades provocadas por particulares. O discurso assume a feição de “dizer

que os direitos do homem representam as regras do jogo mínimas que devem ser

respeitadas pelos governos e governados para que uma vida digna desse nome seja

possível” (HAARSCHER, 1993, p. 13).

Com a possibilidade de oposição dos direitos humanos contra qualquer

abuso do Estado ou de particulares, surge o paradoxo do discurso. Ao mesmo

tempo em que existe a necessidade de limitar os poderes do Estado (com a intenção

de evitar a ofensa aos direitos individuais dos membros da comunidade), há a

necessidade de fortalecê-lo com o intuito de (ele) garantir a proteção do indivíduo

contra atos de seus semelhantes (HAARSCHER, 1993, p. 13).

1.11 AS FASES DOS DIREITOS DO HOMEM.

Bobbio (1992, p. 32) indica a existência de três fases na evolução do estudo

dos direitos do homem.

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A primeira seria a fase das teorias filosóficas, ligada ao jusnaturalismo

moderno do século XVII (cujo expoente é Locke). Nesse período, vigora o

entendimento de que existem direitos inalienáveis e naturais do homem, existentes

por natureza (liberdade e igualdade). Tais direitos, segundo o mencionado autor, são

considerados mais como enunciados de caráter programático, carentes de maior

eficácia.

A segunda fase é a das declarações de direitos do século XVIII. Ocorre a

positivação dos direitos do homem, com o objetivo principal de limitar o poder do

Estado. Todavia, como as declarações se restringem aos Estados que as

reconhecem, as normas ainda carecem de maior efetividade.

A terceira fase citada por Bobbio (1992, p. 33) é a da Declaração Universal

de 1948. Há uma positivação universal de direitos humanos (representada pela

referida declaração), o que, da mesma forma, ainda demanda uma maior dose de

efetividade em razão da ausência de direito internacional com poder de coerção.

1.12 AS GERAÇÕES OU DIMENSÕES DOS DIREITOS DO HOMEM.

Embora a existência de dimensões ou gerações de direitos seja considerada

fantasiosa por parcela da doutrina (CANÇADO TRINDADE, 1997, p. 24) ou divisão

com fins meramente didáticos (NASCIMENTO, 2004, p. 72), é inegável que a

referência a elas é constante no estudo sobre os direitos do homem, o que justifica a

inclusão destas em qualquer investigação sobre tais garantias fundamentais.

A referência a gerações de direitos é originária da Organização das Nações

Unidas (ONU), que indica momentos históricos distintos para o surgimento dos

direitos humanos (BEDIN, 2000, p. 19).

A classificação, não obstante isso, é alvo de críticas. Guerra Filho (2001, p.

404), por exemplo, prefere referência a dimensões de direitos, dado que uns não

substituem outros, ainda que surjam em períodos históricos diversos ou se tornem

reconhecidos posteriormente. Além disso, segundo Guerra Filho (2001, p. 404), a

seqüência de surgimento desses direitos não é estanque, não havendo como

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ampará-los num critério puramente cronológico. Para Guerra Filho (2001, p. 404), os

valores representados pelos direitos são indissociáveis e decorrem da própria

natureza do instituto, em que determinados valores são complementares a outros.

Logo, para o autor, a divisão em gerações ou mesmo em dimensões não encontra

justificação racional.

Superada a discussão sobre a pertinência da classificação, os direitos

humanos de primeira geração seriam os direitos civis e políticos decorrentes da luta

dos parlamentos e das camadas com poder econômico (e não político) contra o

sistema absolutista então em vigor. São considerados marcos dessa geração a

Declaração da Virginia de 1776 e a Declaração Francesa de 1789. Caracterizam-se,

como visto anteriormente, como direitos essencialmente individuais. No rol de tais

direitos, está inclusa a vida (da qual defluem os demais, segundo Franco Filho

(2001, p. 121)), a liberdade (principalmente de participação política e de opção

religiosa), as garantias processuais e a propriedade.

Os direitos humanos de segunda geração surgem nos textos constitucionais

do século XX, como legado também do movimento socialista. Exemplos clássicos da

positivação desses direitos estão na Constituição Mexicana de 1917, na Constituição

Soviética de 1918 e na Alemã, de 1919.

O paradoxo anteriormente referido ocorre nesse momento histórico. Existe a

busca por um Estado intervencionista (como meio de se obter igualdade material, e

não mais meramente formal). Passa-se, então, da idéia de um Estado meramente

garantidor das liberdades individuais para a idéia de Estado Providência (distribuidor

e prestador).

Os direitos humanos de segunda geração, decorrentes inegavelmente da

pressão social dos excluídos, primam pelo princípio da igualdade material e, como

tais, podem ser considerados os direitos à saúde, à educação e ao emprego

(BEDIN, 2000, p. 61/62).

Por fim, os direitos de terceira geração seriam, também segundo a

Organização das Nações Unidas, os direitos de solidariedade ou direitos de

natureza difusa e do próprio gênero humano, como a paz, o desenvolvimento, o

meio-ambiente e a qualidade de vida: “Estes direitos têm como titular não o indivíduo

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em sua singularidade, mas sim grupos humanos como a família, o povo, a nação,

coletividades regionais ou étnicas e a própria humanidade” (LAFER, 1999, p. 131).

Hodiernamente, discute-se a existência de direitos humanos de quarta

geração ou dimensão, ou seja, o direito a democracia participativa deliberativa (o

que implica acesso à informação e respeito ao pluralismo). Para outra corrente de

pensamento, seriam os direitos de quarta geração aqueles que envolvem a

engenharia genética e todas as questões daí decorrentes (FRANCO FILHO, 2001, p.

122-3).

1.13 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO BRASIL: CONTEXTO E

EFETIVIDADE

Os direitos sociais são aqueles considerados de segunda geração e que

importam em um atuar do Estado, tanto no sentido fático positivo (praticar políticas

públicas que importem em determinadas providências necessárias a sua efetivação)

ou negativo (não revogar, sem substituir por outro, instrumentos normativos que já

garantam prestações sociais) como no jurídico (criação ou reforma de normas

jurídicas com a intenção de atender ao comando constitucional).

Mesmo a interpretação meramente gramatical da Constituição da República

brasileira demonstra que os direitos sociais são considerados pelo constituinte como

direitos fundamentais. Isso porque estão descritos em capítulo que integra o Título II

(que se refere aos direitos e garantias fundamentais).

Não bastasse isso, os direitos sociais estão intimamente ligados aos direitos

humanos e à efetivação da dignidade da pessoa humana – princípios e valores

reconhecidos pela Lei fundamental (Constituição da República, artigo 1º, III e 4º, II,

como exemplo). Logo, a interpretação sistemática da Carta somente pode chegar ao

mesmo epílogo: os direitos sociais, como instrumentos de valorização social e de

garantia da dignidade humana, são considerados fundamentais, até porque

imprescindíveis, inclusive para a efetividade dos direitos civis e políticos (como

ilustração, não se há falar em verdadeira liberdade sem a efetivação do direito à

educação).

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Além disso, a orientação ditada pelo parágrafo 2º do artigo 5º da

Constituição brasileira também permite a conclusão de que a lista de direitos

expressamente indicados na Carta como fundamentais, o são apenas em caráter

exemplificativo, nada impedindo o reconhecimento de outros, decorrentes de

princípios, valores ou tratados internacionais.

Não é demais ressaltar que o Brasil ratifica tratados internacionais que

reconhecem os direitos sociais como integrantes dos direitos fundamentais, como a

Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), o Protocolo de São Salvador

(1988) adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e o Pacto

de São José da Costa Rica.

Em rumo diverso, Torres (2003, p. 1-2) – para quem o primado dos direitos

sociais sobre os direitos da propriedade inviabilizou o Estado Social e a confusão

entre direitos fundamentais e direitos sociais não permite a eficácia destes, nem

sequer em sua dimensão mínima - assevera que os direitos sociais são

fundamentais na medida e tão-somente quando asseguram o mínimo existencial (em

seu duplo aspecto: negativo, vedando a incidência de tributos sobre os direitos

sociais mínimos, e positivo, assegurando prestações estatais materiais em favor dos

menos favorecidos).

Ainda, para Torres (2003, p. 25-34), no Estado Democrático de Direito – que

concilia a função social do Estado com as condições financeiras deste - os direitos

civis e políticos são válidos e eficazes em sua dimensão máxima, enquanto os

direitos sociais apenas o são em sua dimensão mínima (situação mínima de

segurança social, abaixo da qual o homem não sobrevive em condições humanas).

A maximização de tais direitos, com a extensão de sua garantia a todos os membros

da coletividade, deve - segundo o autor - ser buscada por meio do processo

democrático, respeitando-se as disponibilidades orçamentárias (reserva do

possível).

Como salienta Sarlet (2001, p. 80 e ss.), boa parte da controvérsia atual

sobre a inserção ou não dos direitos sociais nos direitos humanos decorre da

conseqüência jurídica de, com o reconhecimento, passarem os direitos sociais a se

constituírem em cláusula pétrea (Constituição da República, artigo 60, parágrafo 4º),

com conseqüente impossibilidade de supressão ou redução.

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A essa conclusão se chegaria de qualquer maneira, em virtude do princípio

de proibição do retrocesso social. Os direitos sociais, ou o núcleo essencial destes,

não podem ser suprimidos ou reduzidos, por serem imprescindíveis para a

concretização de princípios e valores constitucionais. Por isso, eventual acolhida da

tese de serem normas meramente programáticas implicaria a ineficácia prática das

garantias, na oportuna crítica de Bobbio (1992, p. 71-2) e Sarlet (2004b, p. 110-3).

Sarlet (2004b, p. 122), além de criticar a alegada natureza programática dos

direitos sociais, também alerta sobre a possibilidade de, ao se defender essa

conclusão, autorizar-se o retrocesso social (conforme a doutrina de Canotilho) e,

com isso, a supressão ou diminuição de direitos sociais pelo legislador ordinário, em

desrespeito à vontade original do constituinte.

Em similar rumo, Streck (1999, p. 31) adverte que, embora o princípio do

não-retrocesso social não esteja suficientemente difundido no Brasil, encontra boa

acolhida no âmbito da doutrina do Estado Democrático de Direito. Nesse particular,

soa imprescindível a definição do princípio da proibição do retrocesso social,

oferecida por Canotilho (1998, p. 320-1):

O núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucional quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado.

No Brasil, o princípio da proibição do retrocesso social é defendido, dentre

outros, por Sarlet e Barroso. Barroso (2001, p. 158), afirmando que os direitos

sociais efetivados se incorporam ao patrimônio jurídico da cidadania e não podem

ser suprimidos. Sarlet (2001, p. 8), advertindo que a crise dos direitos sociais reflete-

se em outros direitos fundamentais. Isso porque o aumento dos índices de exclusão

social e a marginalização geram um aumento da criminalidade e da violência,

situações que resultam na violação ou agressão a direitos também fundamentais,

como patrimônio, vida, integridade corporal e intimidade.

Para Nascimento (2004, p. 76), os direitos sociais integram os chamados

direitos fundamentais da pessoa humana e se lastram no princípio da igualdade,

elemento (juntamente com outros princípios que ancoram outros direitos

fundamentais) que caracteriza o Estado Constitucional contemporâneo. Para o autor,

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os direitos sociais desdobram-se em grupos temáticos (direitos relativos ao trabalho,

à seguridade, à educação, cultura e lazer e ao equilíbrio ambiental) e são,

efetivamente, direitos fundamentais, porque “inerentes ao reconhecimento da

pessoa humana como datada de uma dignidade originária e irrenunciável de “ser”

autônomo”.

Para Nascimento (2004, p. 77), a discussão sobre a extensão de tais direitos

(se amplos e desvinculados da reserva orçamentária ou apenas os minimamente

necessários à existência) relaciona-se com a abrangência e conteúdo dos direitos

sociais e não interfere em sua natureza de direito fundamental.

Assim, o fato de se considerar como sociais apenas os direitos ao mínimo

existencial, já evidencia que tais direitos, ainda que não amplos, são imprescindíveis

para a efetivação da dignidade da pessoa humana e, portanto, fundamentais.

Impende observar que os direitos sociais são fundamentais também para a

teoria do discurso de Habermas (quinta categoria de direitos fundamentais: direitos

fundamentais a condições de vida garantidas social, técnica e ecologicamente, na

medida em que isso for necessário para um aproveitamento, em igualdade de

chances, dos demais direitos fundamentais) (NASCIMENTO, 2004, p. 78).

Barretto (2007, p. 596-8), por seu turno, defende a tese de que os direitos do

homem não são absolutos, pois a eficácia de uns depende de outros. Para ele, que

descreve as posições de Hayek (o Estado não podem atender todas as

necessidades) e de Höffe (o Estado deve cumprir com sua responsabilidade social),

a Constituição equipara os direitos sociais aos políticos e civis e tal fato decorre

também da transformação do Estado Liberal em Estado Democrático de Direito (com

reconhecimento e necessidade de efetivação dos direitos sociais).

Krell (2006, p. 248-51) historia a evolução dos direitos sociais, entendendo

que estes integram os direitos fundamentais da Constituição brasileira, exigindo

prestações do Estado e políticas sociais. Afirma que o conceito de direitos sociais

está ligado à idéia de igualdade, dado que fortuna (ou sucesso) não depende

apenas do mérito individual, mas também de outras circunstâncias, como sorte,

egoísmo ou ajuda de terceiros (razão pela qual é necessária a intervenção do

Estado para corrigir as distorções). Assinala o estudioso que os direitos sociais se

justificam como fundamentais pela necessidade de se assegurar base material para

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uma vida digna. Critica, ainda, a teoria da “reserva do possível”, pois entende que

isso implicaria reconhecer os direitos sociais como direitos de segunda categoria.

Defende, por derradeiro, uma teoria que assegure um nível social mínimo (serviços

básicos para outorgar uma existência digna), não vinculada à reserva do possível.

Em suma, a crítica à teoria do mínimo social – defendida na doutrina

nacional, dentre outros, por Ricardo Lobo Torres – lastra-se na constatação de que

os direitos civis e políticos também geram despesas consideráveis ao Estado. Além

disso, existe a impossibilidade de se fixar, a priori, o conteúdo desse mínimo

existencial, razão pela qual a definição do que seria essencial à vida humana ficaria

ao alvedrio de maiorias parlamentares ou de governantes, situação que colocaria os

direitos sociais em posição hierárquica inferior aos direitos civis e políticos (exigíveis

em sua dimensão máxima), hipótese que não se coaduna com o novo paradigma do

Estado Democrático de Direito: os direitos sociais tornam-se direitos fundamentais

em relação de igualdade com os direitos civis e políticos, dado que são

imprescindíveis para a concretização dos objetivos da Constituição da República

(BARRETTO, 2003, p. 108-22).

Os direitos sociais, conseqüentemente, constituem-se em direitos humanos

e, no caso brasileiro, são considerados direitos fundamentais pela Constituição de

1998, uma vez que são absolutamente necessários à garantia de uma existência

digna (princípio fundamental da República Federativa do Brasil).

No que diz respeito à eficácia dos direitos sociais, o disposto no parágrafo

1º, do artigo 5º da Constituição da República – interpretado de forma sistemática -

demonstra que estes, juntamente com os direitos de primeira dimensão, possuem

aplicabilidade imediata. A essa conclusão se chega, igualmente, utilizando-se os

modernos princípios de interpretação constitucional, como o da força normativa da

Constituição. Por ele, segundo Canotilho (1998, p. 1.099), “deve dar-se primazia às

soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas

constitucionais, possibilitam a atualização normativa, garantindo, do mesmo pé, a

sua eficácia e permanência”.

A força normativa da Constituição, como ensina Barroso (2006, p. 26/72) é

uma das conseqüências da transformação do direito constitucional contemporâneo,

cujo marco histórico está representado pelas Constituições da Alemanha e Itália do

pós-guerra (de 1949 e 1947, respectivamente) e, no caso brasileiro, pela

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Constituição de 1988 (que rompe com o modelo de Estado autoritário anterior). O

marco filosófico, ainda segundo Barroso, é o pós-positivismo, modelo que encena a

superação dos anteriores, jusnaturalista (considerado metafísico e anti-científico) e

positivista (que equipara o direito à lei e sucumbe com o regime fascista e nazista). A

força normativa da Constituição reproduz, nesse contexto histórico e filosófico, um

dos sustentáculos do novo marco teórico do constitucionalismo, juntamente com a

expansão da jurisdição constitucional e a nova interpretação das normas contidas na

Constituição.

Nesse particular – em relação à nova interpretação constitucional – Barroso

enfatiza o papel do judiciário na atribuição de sentido às normas da Constituição. O

juiz torna-se co-participante do processo de criação do direito, complementando o

trabalho do legislador ao valorizar cláusulas abertas (como interesse público ou

segurança jurídica) e efetuar escolha entre soluções possíveis (como ao ponderar

princípios).

Em razão dessa nova realidade, Barroso (2006), embora admita a existência

de linha de pensamento em sentido contrário, defende a possibilidade de órgãos e

agentes públicos não eleitos (como os juízes) afastarem ou modificarem leis

aprovadas por representantes escolhidos pelo voto direto. Sustenta esse ponto de

vista no fato de que a democracia não se resumir ao princípio democrático, ao

governo da maioria, pois existem outros a serem preservados, além dos direitos das

minorias. Além disso, de forma acertada, considera que é dever e não apenas

faculdade do Poder Judiciário a promoção e defesa dos valores constitucionais,

dentre os quais, acrescenta-se, encontra-se o de efetivação, dentro das

possibilidades financeiras, dos direitos sociais.

Há de se considerar, a bem da verdade, que ainda que plenamente

aplicáveis os direitos sociais - e tolhidas as possibilidades de retrocesso social -, os

caminhos para sua efetividade podem ser variados, considerando-se as vicissitudes

da economia e as opções e escolhas políticas do legislador ordinário. Com base

nesse entendimento, a impossibilidade de retorno na efetivação dos direitos sociais

não pode ser considerada como absoluta. Inviável será qualquer mudança que atinja

o núcleo essencial dos direitos sociais, este considerado, na lição de Vieira de

Andrade (2001, p. 294), como o

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[...] núcleo fundamental, determinável em abstracto, próprio de cada direito e que seria, por isso, intocável. Referir-se-ia a um espaço de maior intensidade valorativa (o coração do direito) que não poderia ser afectado sob pena de o direito deixar realmente de existir.

Pode-se afirmar, em arremate, que os direitos sociais integram os direitos do

homem e, no caso brasileiro, estão inseridos nos denominados direitos

fundamentais, garantidos, portanto, pela impossibilidade de supressão ou redução

(cláusula pétrea).

A constitucionalização dos direitos sociais é uma decorrência da mudança

na concepção do Estado - de Estado Liberal para Estado Democrático de Direito -

lastrada no princípio da igualdade material entre os integrantes da sociedade.

Desse modo, embora existentes várias teorias sobre o alcance dos direitos

sociais (teoria da reserva do possível, teoria da proibição do retrocesso e teoria do

mínimo existencial, como exemplos), o certo é que os direitos sociais são essenciais

para garantia de acesso do cidadão a uma vida digna.

Nesse ponto, embora alguns países não tenham positivado os direitos

sociais, a introdução de fórmulas genéricas para nortear o avanço social demonstra

que os direitos sociais estão devidamente arraigados na moderna teoria da

constituição.

Por fim, faz-se necessário o estudo do suporte teórico dos direitos do

homem (incluindo-se, obviamente, os direitos sociais), para que tais garantias não

fiquem ao alvedrio do legislador ordinário e para que os direitos sociais não sejam

apenas reconhecidos e preservados em seu núcleo essencial, mas também

efetivados.

Pensar a dignidade da pessoa humana como objetivo central do

ordenamento jurídico e da Constituição significa ampliar o conceito de direitos

humanos e não afastar destes os direitos sociais, outorgando a todos,

indistintamente, eficácia.

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CAPÍTULO II

2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O TRABALHO

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A dignidade humana - um dos fundamentos da República brasileira - pode

ser definida como um conjunto de direitos e deveres que, agregados, vão compor o

quadro de valores do ser humano.

A pessoa é um bem a ser protegido pelo Estado e a dignidade é o seu valor.

Trata-se de princípio fundamental, que o estatuto jurídico deve garantir.

A afirmação da dignidade humana, em termos éticos, apresenta-se como

reconhecimento dos direitos fundamentais do homem. A dignidade da pessoa

humana é a base lógica dos direitos humanos, pressupondo-se, como condições

primárias, a vida, a integridade física e psíquica, a liberdade, a igualdade e a

segurança. Além disso, é fundamental, para a concretização da dignidade humana,

que haja condições mínimas materiais para a existência.

Para a melhor compreensão e efetiva aplicação desse princípio, é

necessária uma análise dos elementos jusfilosóficos que o constituem. Nesse

contexto, na definição da dignidade humana, o trabalho é um elemento de especial

relevância, na medida em que, por ele o ser humano, expressa as características

que o tornam digno.

Contudo, no modo de produção capitalista, o trabalho, em regra, torna-se

mercantilizado e sua dimensão humanizante é perdida. O lucro e a acumulação

gerados pelo trabalho é que se valorizam, fatores que permitem a degradação do

homem pelo trabalho.

Por essa razão, torna-se necessário estabelecer os contornos filosóficos da

dignidade humana, compreender qual o escopo do trabalho (e do ócio), para, então,

perceber quais as formas indignas e precárias de trabalho.

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2.2 A CONSTRUÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA

A definição dos direitos do ser humano se orienta pela noção da posição do

homem em relação aos demais entes. A observação dessa singularidade conduz à

exigência de se estabelecer um tratamento diferenciado ao ser humano,

reconhecendo o seu valor. Essa busca pelo tratamento singular se dá por meio de

direitos, pela positivação do respeito e da promoção da dignidade humana.

Convém assinalar que a razão de ser dos direitos humanos está na

realização da dignidade da pessoa humana e todas as teorias (indicadas no capítulo

anterior) que pretendem apresentar uma justificação para os direitos do homem

relacionam estes com a dignidade. Como ilustração, a fundamentação jusnaturalista

indica a existência de direitos inatos ao homem, diretamente relacionados à

dignidade humana (e que estão acima do direito positivado). A fundamentação

histórica indica que os direitos do homem derivam de necessidades humanas

vinculadas à preservação da dignidade do ser humano (necessidades essas que

variam conforme o momento histórico). Por fim, a fundamentação moral se lastra na

existência de uma moralidade básica constituída de valores imprescindíveis para a

defesa de uma vida digna.

Historicamente, a preocupação com a dignidade humana surge com o

Renascimento. A defesa da dignidade do homem espelha fielmente o novo lugar

ocupado pelo ser humano no contexto social: um antropocentrismo, acentuando o

caráter nuclear da afirmação da liberdade humana para traçar o perfil daquele de

quem se dirá que está condenado a escolher (condenado à liberdade) ou, como diz

Mirandolla (1998, p. 51-3):

Ó Homem, não te demos nem um lugar determinado, nem um aspecto que te seja próprio, nem tarefa alguma específica, a fim de que obtenhas e possuas aquele lugar, aquele aspecto, aquela tarefa que tu seguramente desejares, tudo segundo o teu parecer e a tua decisão. Não te fizemos celeste nem terreno, nem mortal nem imortal, a fim de que tu, árbitro e soberano artífice de ti mesmo, te plasmasses e te informasses, na forma que tivesses seguramente escolhido.

Essa capacidade de dar a si próprio o sentido da existência é o propulsor

dos valores que visam a resguardar a importância e a grandeza única da espécie

humana.

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Pode-se afirmar, por igual, que o princípio da dignidade da pessoa humana é

uma construção teórica, em regra, vinculada ao pensamento de Immanuel Kant.

Este, em sua “Metafísica dos Costumes” (1996), enuncia a máxima de que ao

homem não se pode atribuir preço (e a dignidade é aquilo que não se pode avaliar

pecuniariamente). Em Kant também se encontra a vinculação entre dignidade e

pessoa humana. Apenas os seres humanos possuem, segundo o filósofo, a

capacidade de construir uma personalidade individual e inigualável.

Sobre a definição de pessoa, Comparato (2000a, p. 17-21), em estudo

clássico, divide em três etapas a construção de seu conceito, asseverando que,

apenas na última, sob a influência do pensamento de Kant, reconhece-se a

existência de dignidade. Na primeira fase, discutia-se a natureza de Jesus (humana

ou divina), polêmica encerrada com a aceitação do dogma de sua natureza humana

e, ao mesmo tempo, divina. Na segunda - iniciada no século VI – vincula-se pessoa

à essência (e não apenas à aparência). A pessoa não é o seu aspecto externo (sua

aparência), mas a própria substância do homem, ou a fôrma que molda a matéria (a

pessoa é uma substância individual de natureza racional). Por fim, na terceira etapa,

a pessoa humana é conceituada como sujeito de direitos universais, anteriores e

superiores ao próprio ordenamento estatal.

A conceituação, como se percebe, é influenciada pelo pensamento de Kant

e possui características valorativas aceitas pela sociedade naquele tempo e espaço.

Todavia, ainda que se atribua a Kant a precedência na formulação teórica do

conceito de dignidade, já na Bíblia se encontram referências ao valor do homem

pelo simples fato de ser humano (SARLET, 2001, p. 30). Nesse sentido, também, a

doutrina portuguesa:

Assim, é costume fazer remontar aos estóicos (continuados por Cícero, em Roma) as origens dos direitos fundamentais, já que nas suas obras se manifestam as idéias de dignidade e de igualdade, referidas aos homens; a todos os homens, para além e independentemente de sua qualidade de cidadãos. Estas idéias eram, aliás, de difícil entendimento na Antiguidade, quando a cidade ou a república se fundavam, por um lado, numa instituição – a escravatura – em que se perdiam totalmente os horizontes da humanidade e, por outro lado, absorviam aos cidadãos numa moral coletiva e alargada, razões por que se nega a existência de direitos do homem nesta época histórica (ANDRADE, 1998, p. 12).

Ao cristianismo credita-se a idéia de uma dignidade pessoal, atribuída a

cada indivíduo. Tal pensamento deu-se sob um duplo fundamento: o homem é um

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ser originado por Deus para ser o centro da criação e, como ser amado por Deus, é

salvo de sua natureza originária por meio da noção de liberdade de escolha, o que o

torna capaz de tomar decisões contra o seu desejo natural (SARLET, 2006). Boécio,

fundador da Escolástica, em texto que data do século VI, registra o que propiciou,

por intermédio da matriz teológica, a transmissão da cultura greco-latina aos

filósofos medievais. Foi a propósito do mistério da Trindade que Boécio ofereceu a

definição de pessoa, que viria a ser adotada por São Tomás: “substância individual

de natureza racional”.

A partir de então, a dignidade passa a ser pensada sob dois prismas

diferentes: a dignidade é inerente ao homem, como espécie; e ela existe in actus: só

no homem como indivíduo, passando, dessa forma, a residir na alma de cada ser

humano. O homem passa a voltar-se para si mesmo, ter consciência de sua

dignidade e agir de modo compatível.

Tal mudança pôde ocorrer porque o Cristianismo, diversamente das demais

religiões, surge como uma religião de indivíduos, que não se define por sua

vinculação a uma nação ou Estado, mas por sua ligação direta com o mesmo e

único Deus.

Da mesma forma, a dignidade, em determinados períodos históricos,

também esteve vinculada à posição social do homem e ao conceito de honra,

conforme os costumes de determinada comunidade, circunstância que será mais

bem explorada no capítulo seguinte.

Inegável, no entanto, a notável contribuição de Kant para a conceituação

contemporânea de dignidade. Afinal, é de matriz kantiana a visão de que o homem

não pode, nem sequer por ele próprio, ser tratado como objeto (SARLET, 2001, p.

35) e de que o homem é um valor absoluto e, como tal, não comporta alternativa

senão a preservação de sua humanidade (SILVA, 1998, p. 90).

Nesse sentido, também:

Para Kant, o grande filósofo da dignidade, a pessoa (o homem) é um fim, nunca um meio; como tal, sujeito de fins e que é um fim em si, deve tratar a si mesmo e ao outro. Aquele filósofo distinguiu no mundo o que tem um preço e o que tem uma dignidade. O preço é conferido àquilo que se pode aquilatar, avaliar, até mesmo para a sua substituição ou troca por outro de igual valor e cuidado; daí porque há uma relatividade deste elemento ou bem, uma vez que ele é um meio de que se há de valer-se para a obtenção de uma finalidade definida. Sendo meio, pode ser rendido por outro de igual

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valor e forma, suprindo-se de idêntico modo a precisão a realizar o fim almejado (ROCHA, 1994, p. 73).

Além disso, a fundamentação ética dos direitos sociais – que justifica a

universalidade obrigatória desses direitos – decorre do modelo teórico de Kant.

Como ensina Barretto (2003, 130-3), escorado em lições de Höffe, a leitura atual de

Kant não pode ser realizada de maneira reducionista (aceitando-se, sem crítica, que

a lei da moralidade é principalmente individual). A fundamentação ética kantiana,

exposta na segunda formulação do imperativo da moralidade (“seres racionais estão

pois todos submetidos a esta lei que manda que cada um deles jamais se trate a si

mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente

como fins”), indica a natureza social do homem e permite a conclusão de que os

direitos sociais se encontram nas origens da sociedade humana, legitimando sua

essencialidade para se alcançar a igualdade material e a preservação da dignidade

humana.

Tenha-se presente, contudo, que a concepção embrionária do conceito de

dignidade vem recebendo, atualmente, uma nova leitura, qual seja: seu conceito não

se centra apenas no homem – centro ou medida de todas as coisas – mas abarca

também outros direitos fundamentais, como aqueles relacionados ao meio ambiente

(SARLET, 2001, p. 89). Além disso, modernamente, há uma diferenciação

doutrinária entre dignidade da pessoa humana (atributo de uma pessoa,

individualmente considerada) e dignidade humana (atributo abstrato de toda a

humanidade) (SARLET, 2005, p. 38).

O entendimento atual, por conseguinte, não vincula o conceito de dignidade

tão-somente ao aspecto biológico (algo inerente ao ser humano em razão de sua

condição humana). O homem não possui dignidade apenas em face de sua

condição biológica, mas também porque é dotado de liberdade, isto é, da faculdade

de decidir ou agir segundo a própria determinação, tomando decisões relativas à sua

existência (SARLET, 2005, p. 22-8 e 49).

Para se compreenderem essas ponderações, é necessário considerar que,

biologicamente, a diferença entre homens e os demais animais é pequena. Todavia,

do ponto de vista moral e filosófico, a capacidade de discernimento e o potencial

reflexivo tornam o homem um ser inegavelmente superior. Isso porque ele possui a

capacidade de, inclusive, trair seus ímpetos (seu instinto ou sua pulsão), o que lhe

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permite, muitas vezes, deixar de agir em nome do prazer para assegurar outros

valores, cuja crença dá-lhe uma dimensão transcendental e não necessariamente

religiosa, mas que o motivam a vivenciar certas virtudes que considera merecedoras

de incorporação – não por uma relação de ganho ou compensação – mas pelo

“prazer” virtuoso de tê-las consolidadas como padrão de vida.

A diminuição da busca da satisfação pessoal em prol daquilo que se julga

correto possui vinculação com a idéia de dignidade da pessoa humana. Afinal, é a

capacidade de discernir e optar a circunstância que torna o homem dotado de um

valor incomensurável, insubstituível, ou seja, digno.

Nessa seara, o papel fundamental da razão é habilitar o ser humano a

construir parâmetros morais, como a concepção de que as pessoas não podem ser

tratadas como meios ou meros instrumentos para a realização de desejos, dado que

possuem aspirações e anseios próprios e que devem ser respeitados. Em outros

termos, é considerar as pessoas como “um feixe de razão e sentimentos que não

podem ser suprimidos injustificadamente” (VIEIRA, 2006, p. 69). Esta é a conhecida

segunda formulação do imperativo categórico Kantiano: “age de tal forma que trates

a humanidade, tanto em tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro, sempre

como um fim e jamais simplesmente como um meio”.

Em verdade, os seres humanos caracterizam-se pela complexidade do seu

modo de ser. Possuindo características comuns, cada indivíduo torna-se

subjetivamente diferente do outro:

Se não fossem iguais, os homens não seriam capazes de compreender-se entre si a aos seus ancestrais, nem de prever as necessidades das gerações futuras. Se não fossem diferentes, os homens dispensariam o discurso ou a ação para se fazerem entender, pois com simples sinais e sons poderiam comunicar suas necessidades imediatas e idênticas. A pluralidade humana tem este duplo aspecto: o da igualdade e o da diferença (ARENDT, 1999, p. 245).

Dessa forma, quando se trata de definir, filosoficamente, “quem” são os

seres humanos, é possível apenas enumerar qualidades e características do “que”

são esses seres. Revela-se, então, a notória incapacidade filosófica de se chegar a

uma definição da pessoa humana, de se revelar a sua essência viva. Tal

incapacidade talvez explique a impossibilidade de aprender, sem recorrer à cultura e

à história, o que é específico à humanidade ou à condição humana: “a pluralidade

humana é a paradoxal pluralidade de seres singulares” (ARENDT, 1999, p. 246).

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Uma substância, ainda assim, é única a esses seres humanos tão distintos:

a dignidade. Etimologicamente, a palavra provém do latim dignus: aquele que

merece estima e honra; aquele que é importante (ABBAGNANO, 1998, p. 105).

De acordo com Kant, no mundo social existem duas categorias de valores: o

preço e a dignidade. Enquanto o preço representa um valor exterior e manifesta

interesses particulares, a dignidade representa um valor interior e é de interesse

geral. As coisas têm preço; as pessoas, dignidade. O valor moral se encontra

infinitamente acima do valor de mercadoria, porque, ao contrário deste, não admite

ser substituído por equivalente. Daí a exigência de jamais transformar o homem em

meio para alcançar quaisquer fins.

Em conseqüência, a legislação elaborada pela razão prática, a vigorar no

mundo social, deve levar em conta, como sua finalidade máxima, a realização do

valor intrínseco da dignidade humana.

Como o próprio Kant (1991) reconhece, as respostas às questões postas

dependiam do conhecimento da natureza do próprio ser humano. O que se pode

conhecer, fazer ou esperar depende, em última análise, da própria condição

humana: “age de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na

do outro, sempre e ao mesmo tempo, como um fim e nunca simplesmente como um

meio”.

Para Kant, o ser humano é um valor absoluto, fim em si mesmo, porque

dotado de razão. A sua autonomia, porque ser racional, é a raiz da dignidade, pois é

ela que faz do homem um fim em si mesmo (ROQUE CABRAL, 1998, p. 33).

Deve-se, ainda, pensar em dois conceitos: em Kant, é principalmente o

conceito de respeito que é sublinhado e, em Hegel, o conceito de reconhecimento

(mais básico do que o de respeito). Para ser humano é preciso ser reconhecido

como tal e não somente reconhecido como organismo biológico. Ilustrativamente, se

a criança não é reconhecida como aquilo para que tem capacidade (autonomia,

liberdade) mas que ainda não realiza, não é considerada como um ser digno. É na

relação com o outro que se é reconhecido como ser humano.

O efeito desse reconhecimento e a sua fundamentação são, nesse sentido,

a dignidade e, nesse reconhecimento recíproco, o ser humano torna-se capaz de

desfrutar da liberdade. Aprende-se com Hegel que todo o processo da cultura é um

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processo no qual procura-se ascender a níveis cada vez mais profundos de

reconhecimento da igualdade. Assim, enquanto o outro não for totalmente livre, a

pessoa, individualmente, não será livre. Em resumo, a dignidade do ser humano

repousa sobre o seu ser real, enquanto essa realidade é capacidade daquilo que ele

pode ser, e não apenas sobre o que ele faz efetivamente dessa capacidade. Depois

da capacidade de autonomia, de autenticidade e de liberdade mediante o

reconhecimento do outro, há mais um momento da fundamentação da dignidade: o

ser humano é capaz de se elevar acima das circunstâncias imediatas do seu

ambiente, a fim de formular questões sobre o sentido do real.

Posta assim a questão, pode-se atestar, em face dessas premissas teóricas,

que a dignidade é uma qualidade congênita do ser humano, irrenunciável e

inalienável. Da mesma forma, ela deriva da razão, pois, por meio dela, o homem

pode conscientizar-se de sua condição de livre (MIRANDOLA, 1998, p. 49-59). No

mesmo sentido, deduz-se que a dignidade não decorre do ordenamento jurídico,

tendo em vista que é anterior a ele (condição que nasce com o indivíduo) e está

acima das particularidades de cada cultura.

Não se pode negar, entretanto, a influência de fatos históricos e culturais na

ampliação do conteúdo valorativo da dignidade humana. Trata-se, nesse caso, de

valores morais que, em determinada época e lugar, caracterizaram o que se aceita

por vida digna, dentro de determinado grupo ou cultura.

Tem-se presente, assim, que a dignidade possui um núcleo essencial que é

inerente à pessoa humana (mesmo àquelas incapazes de gerir suas vidas, como os

dementes) e que é representado pela autonomia e autodeterminação reconhecidas

a cada indivíduo, motivo por que impedem qualquer ofensa por parte dos poderes

públicos ou dos demais membros da sociedade.

Além desse núcleo essencial, a dignidade humana possui também uma

dimensão histórica e cultural, representada por valores morais de cada cultura, em

determinado tempo e lugar. Por intermédio desses valores, cada cultura irá atuar,

negativa e positivamente (preservação e promoção) para garantir e promover uma

vida digna a todos, consoante as necessidades e condições de cada momento.

Em face dessas ponderações, assenta-se a conclusão de que o núcleo

básico da dignidade (respeito pela vida, integridade física e moral, liberdade,

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autonomia e igualdade (SARLET, 2005, p. 37)) deve ser resguardo em qualquer

cultura, tempo ou lugar. No entanto, a forma de instituição dessas garantias pode ser

ajustada de acordo com as particularidades culturais de cada povo.

2.3 O TRABALHO, O LAZER E A DIGNIDADE HUMANA: UMA VISÃO MARXISTA

E RELIGIOSA

Quando chega a modernidade, a prática do trabalho é radicalmente

transformada. Ao contrário do antigo "trabalhador", o "trabalhador" da indústria não

domina a totalidade do objeto produzido. Ele deve dominar apenas uma pequena

parcela do processo de produção, situação que se radicaliza com o “taylorismo”,

conforme se verá no capítulo seguinte.

O tempo gasto por esse trabalhador na fábrica é um tempo que não volta

mais. Ele vai se consumindo no cotidiano da produção (sem, na maioria das vezes,

ter acesso ao seu resultado: o objeto). Para Marx, o trabalhador põe a sua vida, o

seu tempo, na produção do objeto, mas esse objeto que ele produz não lhe

pertence: é ele que pertence ao objeto. O objeto adquire aí uma "existência própria,

autônoma". A vida desse trabalhador é dedicada ao objeto que lhe é estranho. A sua

vida passa a parecer-lhe anormal, justamente porque o trabalho ao qual se aliena

não pertence a ele, e sim a outro homem: o trabalhador é transformado em

mercadoria e as mercadorias pertencem ao dono da fábrica e não ao operário.

O modo de produção capitalista produz subjetividades que ajustam o

trabalhador, o qual tende a submeter toda sua existência ao trabalho: o homem tem

o valor da acumulação que propicia, a qual não pertence ao trabalhador. O modo

como se molda subjetivamente o trabalhador permite aceitação da pobreza por

quem (o próprio trabalhador) gera riqueza para outros.

Para Marx (1975, p. 44), no capitalismo, "a produção não somente produz

um objeto para o sujeito, mas um sujeito para o objeto". Marx, com isso, destaca o

lado negativo do trabalho.

Em todo o caso, para Marx, a liberdade é um processo constante de

construção de si mesma, cujas realizações são relativas a cada etapa da marcha

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dialética. Em razão disso, por muito tempo, acreditou-se que a tecnologia e a

automatização da produção libertariam o homem, liberando-o da produção e

autorizando seu lazer. Na verdade, o que ocorreu foi uma avalanche de

desempregados. Isso demonstra, em alguma medida, que a liberdade do homem

está condicionada à realidade histórica das épocas.

A dignidade humana é sustentada pelo conjunto de práticas que o ser

humano desenvolve, entre as quais se destaca o trabalho como atividade em que

aflora o conjunto de características que só ser humano possui. É pelo trabalho

humano que são expostas as características humanas do indivíduo. É o trabalho que

revela os talentos do ser humano, o homem vocacionado à invenção de si mesmo e

das suas relações. É pelo trabalho que o homem vive a sua relação com a natureza,

seja ela ambiental ou cultural.

A diferenciação do homem perante os animais se faz a partir do momento

em que começa a produzir para viver. Entretanto, o ser humano não age apenas em

razão das necessidades imediatas e nem se guia pelos instintos (como fazem os

animais). Os homens são capazes de antecipar mentalmente os resultados das suas

ações, sendo, desse modo, capazes de escolher os caminhos a seguir.

É como Marx descreve, em "O Capital": o que distingue, de antemão, o pior

arquiteto da melhor abelha é que ele constrói o favo na cabeça, antes de elaborá-lo

em cera. Ao fim do processo de trabalho, obtém-se um resultado que já no início

deste existiu na imaginação do trabalhador, portanto idealmente (MARX, 1975, p.

150).

Assim, o trabalho cria para o homem a possibilidade de ir além da pura

natureza, podendo contrapor-se como sujeito ao mundo dos objetos, conquistando,

dessa maneira, certa autonomia diante dela.

A atividade do homem ou o trabalho pode ser vista em Marx num sentido

antropológico. Existe a dependência do ser ao seu próprio meio (receptividade

sensível, carência, emocionalidade, suscetibilidade). Isso é dito explicitamente numa

passagem dos Manuscritos Econômicos-Filosóficos:

O homem é imediatamente ser natural. Como ser natural, e como ser natural vivo, está, em parte, dotado de forças naturais, de forças vitais, é um ser humano ativo; estas forças existem nele como disposição e capacidade, como instintos [...] é um ser que padece, condicionado e limitado [...] isto é, os objetos de seus instintos existem exteriormente, como objetos

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independentes dele; entretanto esses objetos são objetos de seu carecimento, objetos essenciais, imprescindíveis para a efetuação e confirmação de suas forças essenciais" (MARX, 1974, p. 40).

É evidente que qualquer ser vivo possui uma vinculação de metabolismo

com a natureza. No caso do homem, entretanto, essa relação é mediada pelo

trabalho, o que significa que o homem só pode exteriorizar sua vida por meio de

objetos reais, efetivos e sensíveis.

A atividade do trabalho é o despertar das forças da natureza com a intenção

de dominá-las. Na medida em que o homem se apropria das forças naturais pelo

trabalho, faz com que a própria natureza trabalhe com os interesses e necessidades

humanas. O trabalho humano, assim, é a atividade de dominar a natureza e, nesse

sentido, o mundo natural é o momento da práxis humana.

Marx vê na alienação humana o lado negativo do trabalho. Todavia, a

utilização da força do trabalho opera como um mecanismo da construção e do

desenvolvimento histórico da espécie humana. Conseqüentemente, o ser humano -

numa concepção marxista - não é como uma essência fixa e abstrata, mas como vir-

a-ser, determinado pelo desenvolvimento das forças produtivas. Em última análise, a

essência humana são as relações sociais e, por isso, aquela é móvel, dinâmica e

histórica como as relações sociais também o são.

O trabalho é, segundo Marx, uma manifestação: a única manifestação da

liberdade humana, da capacidade humana de criar a própria forma de existência

específica. Não se trata, certamente, de uma liberdade infinita, porque a produção

está sempre relacionada com as condições materiais e com as necessidades já

criadas e essas condições atuam como fatores limitativos em qualquer fase da

história.

Por meio do trabalho - como relação ativa com a natureza - que o homem é,

de certo modo, criador de si próprio. É criador não apenas da sua "existência

material", mas também do seu modo de ser ou da sua existência específica, como

capacidade de expressão ou de realização de si. A produção e o trabalho não são,

segundo Marx, condenações que recaem sobre o homem: são o próprio homem, o

seu modo específico de ser ou de se fazer homem.

O homem, massacrado em uma relação de trabalho convertida em mais-

valia, manifesta a busca por libertação, sendo esta a meta de suas inspirações: o

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homem como senhor absoluto de si mesmo e o fim de todas as lutas classistas,

buscando libertar-se completamente das formas de escravidão, tornando-se apto

para qualquer forma de realização, dando vazão à sua natureza e ao seu desejo.

O pensamento de Marx, destarte, revela uma dupla dimensão do trabalho na

formação de uma sociedade pautada pela dignidade. Pode ser um instrumento de

afirmação das características que consolidam a dignidade ou a causa de sua

sujeição a outro homem.

É perfeitamente possível asseverar, ainda, que a problemática apresentada

por Marx revela a necessidade de dimensionar o trabalho na vida do homem, ou

seja, qual a sua função e, principalmente, qual o tempo que o homem deve destinar

ao trabalho para que não tenha sua vida totalmente absorvida pelo labor.

No mesmo sentido, torna-se imprescindível pensar alternativas construtoras

de um salutar regime de regulação do trabalho, o qual transcenda as questões

políticas e o modelo de produção, indagando-se qual é o espaço temporal do

trabalho na vida do homem.

Seguindo esse raciocínio, Russel apresenta a necessidade de se diminuir o

tempo destinado ao trabalho, prestigiando-se o ócio. Trata-se da valorização do ócio

como forma de defesa e de elemento fundamental à dignidade de quem trabalha: o

lazer.

Ironicamente, Russel (2001, p. 43) inverte uma representação social

construída durante séculos e desmonta um dos pilares da ideologia dominante: o

ócio dos operários é um vício. Os proprietários são classificados como ociosos e, a

esse ócio, o autor não dedica elogio, pois apenas é possível em virtude do trabalho

de outros: “a última coisa que essa gente jamais desejou é que os outros seguissem

o seu exemplo”.

Como se percebe, o pensamento dominante transforma ócio e preguiça em

pecado apenas para os trabalhadores, invertendo o próprio sentido de trabalho e

ócio. Pode-se, assim, concluir:

O lazer é essencial à civilização e, em épocas passadas, o lazer de uns poucos só era possível devido ao trabalho da maioria. Esse trabalho era valioso não porque o trabalho é bom, mas porque o lazer é bom. E com a técnica moderna, seria possível a justa distribuição do lazer sem nenhum prejuízo para a civilização (RUSSEL, 2001, p. 64).

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É claro que essa mudança de enfoque implicaria uma mudança política e o

controle dos meios de produção, envolvendo muito mais interesses do que uma

reflexão filosófica, por mais clara e precisa que seja. Dessa forma, o lazer operário

passa a ser combatido:

[...] a idéia de que os pobres devem ter direito ao lazer sempre chocou os ricos [...] Quando alguns abelhudos vieram afirmar que a jornada era longa demais foi-lhes dito que o trabalho mantinha os adultos longe da bebida e as crianças afastadas do crime (RUSSEL, 2001, p. 68).

Nesse ponto, impende observar que esse discurso e postura se mantêm até

os dias atuais. A necessidade de manter os trabalhadores e os pobres aplacados

leva os mais abastados a pregarem, durante milhares de anos, a dignidade do

trabalho, enquanto tratavam de se manter indignos a respeito do mesmo assunto. O

trabalho é um meio para se atingir a felicidade e não um fim em si mesmo.

Independentemente da crítica ao ócio explorador (desfrutado por uma

minoria) - e que é objeto de denúncia de Bertrand Russel - as vantagens desfrutadas

por uma pequena classe ociosa foram e são fundamentais na construção de um

papel criativo do ócio. Esse papel criativo (no sentido da liberação da necessidade

de um trabalho ligado à subsistência mais imediata de modo a permitir o

desenvolvimento do estudo e da pesquisa) deveria ser destinado à produção de

reflexão e de expedientes criativos.

A forma de romper com esse processo de alienação e auto-alienação em

todos os seguimentos sociais seria a construção de uma sociedade que reconheça o

papel do lazer. Seria a sociedade em que o trabalho deixa de ser um fim para se

transformar em meio, a fim de que haja a conquista da plena realização humana e

onde os bens produzidos pelo trabalho sejam eqüitativamente distribuídos,

permitindo a redução da jornada de trabalho e o aprofundamento dos estudos, da

consciência e dos sentidos verdadeiramente humanos. Bertrand Russel chamava à

reflexão os homens de seu tempo, afirmando a necessidade de se limitar o espaço

que o trabalho ocupa na vida das pessoas para então tornar-se possível a vivência

de outras dimensões da vida humana (o trabalho como dignificante e não

escravizante):

Num mundo em que ninguém tenha que trabalhar mais do que quatro horas diárias todas as pessoas poderão saciar sua curiosidade científica [...], todo pintor poderá pintar seus quadros, sem passar por privações, independente da qualidade de sua arte. Jovens escritores não precisarão buscar a independência econômica indispensável às obras monumentais. Pessoas

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que em seu trabalho profissional se tenham interessado por alguma fase da economia ou da política poderão desenvolver suas idéias sem aquele distanciamento acadêmico (RUSSEL, 2001, p. 48).

Embora não se concorde com a excessiva crítica que o aludido autor faz ao

trabalho, torna-se interessante recordar alguns de seus argumentos, principalmente

quando estabelece uma nova relação entre lazer e trabalho: não mais o lazer

necessário para se suportar o trabalho, mas um trabalho que se torne suficiente para

tornar agradável o lazer.

Além disso, Russel inova ao dimensionar, de maneira original, o lugar do

trabalho na vida do homem e da sociedade. O autor sustenta que o trabalho, mesmo

sendo um elemento de consolidação da dignidade humana, não pode pretender

ocupar todos os espaços da vida do homem. Se não for assim, o trabalho

estabelece uma relação que não serve à produção da liberdade humana, mas, ao

contrário, escraviza o ser humano. Por isso, o papel fundamental do lazer ou do ócio

para fazer com que o trabalho seja elemento de promoção das características que

tornam o ser humano tão especial e primordial entre os demais seres vivos.

Merece referência, ainda, o papel da Igreja na vinculação do trabalho à

dignidade da pessoa humana. Ao fim do século XIX, em virtude de as relações de

trabalho da época tornarem indigna a vida humana, o papa Leão XIII, com sua Carta

Encíclica Rerum Novarum (1891), torna-se o primeiro pontífice a enfrentar a questão

social. Posteriormente, manifestações da Igreja (encíclicas Quadragésimo Anno (Pio

XI), Mater et Magistra e Pacem in Terris (João XIII), Populorum Progressio (Paulo

VI), Laborem Exercens e Centesimus Annus (João Paulo II) e os decretos do

Concílio Vaticano II, além das várias alocuções, discursos e mensagens dos Sumos

Pontífices até o presente) afirmam a primazia do trabalho humano (indicando

princípios relativos à dignidade do trabalhador), condenando a luta de classes e

pregando a conciliação e a imposição de obrigações e limites ao Estado (BIGO,

1969, p. 324).

Ao longo de toda doutrina social da igreja serão feitas críticas à exploração

do trabalhador, denunciando-se, muitas vezes, os instrumentos dessa dominação.

Sobre o contrato de trabalho, a crítica religiosa centra-se na autonomia privada

irresponsável do liberalismo. A liberdade total do mercado poderia - segundo Paulo

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VI – conduzir a conseqüências injustas, e a liberdade de contratar - conforme Leão

XIII – deveria ter limites na lei natural.

Verdade seja dita: o capitalismo atual traz para as relações de trabalho a

mesma conduta do mercado, adjetivando essas relações como “mercado de

trabalho” em que, em um jogo de oferta e procura, o desemprego constrange os

desempregados a aceitarem salários cada vez menores, em face e sobre o qual se

obtêm lucros cada vez maiores.

O Concílio Vaticano II dirige uma crítica diretamente ao capitalismo,

afirmando que a finalidade fundamental da produção não deve ser o mero aumento

dos produtos, nem o lucro ou a dominação, mas o serviço do homem e do homem

completo.

O trabalho humano tem como fim primeiro garantir a vida e não o lucro. Ele

se sobrepõe ao capital e é a chave essencial de toda a questão social. Ao mesmo

tempo em que ele é um dever (segundo a doutrina cristã) é também fonte de direitos

para o trabalhador. E a garantia desses direitos constitui condição fundamental para

a paz no mundo contemporâneo. Sobre esses direitos, como também sobre as

obrigações, deve-se instaurar uma política de trabalho correta sob o ponto de vista

ético.

Nesse rumo, a doutrina social da igreja ensina que

[...] uma teoria que faz do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade econômica é moralmente inaceitável. O apetite desordenado pelo dinheiro não deixa de produzir seus efeitos perversos. Ele é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social (GAUDIUM et Spes – Concilio Vaticano II, 1965. 63,3; LE 7; CA 35).

Por outro lado, o “Catecismo da Igreja Católica” afirma que um sistema que

“sacrifica os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à organização coletiva

da produção” é contrário à dignidade do homem (GAUDIUM et Spes – Concilio

Vaticano II, 1965. 65). Em outros termos: “toda prática que reduz as pessoas a não

serem mais que meros meios que têm em vista o lucro escraviza o homem, conduz

à idolatria do dinheiro e contribui para difundir o ateísmo” (CATECISMO da Igreja

Católica, Papa João Paulo II, 1992, §2424).

A Igreja, em sua doutrina social, busca valorizar, sobretudo, o trabalho.

Ensina que o valor primordial do trabalho depende do próprio homem, que é seu

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autor e destinatário. Por meio de seu trabalho, o homem participa da obra da

Criação. Unido ao Cristo, o trabalho pode ser redentor (BIGO, 1969, p. 352).

Levando-se em consideração as funções e a produtividade, a situação da empresa e

o bem comum, a remuneração do trabalho deve garantir ao homem e aos seus

familiares os recursos necessários a uma vida digna no plano material, social,

cultural e espiritual (GAUDIUM et Spes – Concilio Vaticano II, 1965, 67,2).

Dessa forma, o trabalho exercido com base na realização pessoal dos

homens é um elemento de dignidade humana, contudo, quando voltado

exclusivamente para o lucro, torna-se instrumento de negação do valor da vida.

2.4 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO DE

1988

Juridicamente, a dignidade é considerada um comando normativo,

decorrente de um direito fundamental a prestações positivas e negativas que, ora

assumem a forma de princípios (comandos genéricos), ora de regras (comandos

específicos).

Geralmente não se conceitua a dignidade, mas se relevam seus aspectos

negativos, ou seja, situações ou circunstâncias em que foi ofendida a dignidade

humana (ROCHA, 1990, p. 60). Todavia, é possível definir a dignidade da pessoa

humana considerando seus aspectos negativos (o que a ofenda) e os positivos

(prestações devidas pelo Estado e por particulares). Nesse contexto, dignidade da

pessoa humana é:

A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2001, p. 60).

No direito brasileiro, a dignidade da pessoa humana é princípio matriz do

Estado, vinculando o poder público e os particulares (ROCHA, 1994, p. 10;

PIOVESAN, 2000, p. 390). Posta assim a questão, a dignidade assume a condição

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de princípio orientador da interpretação constitucional, outorgando unidade material

ao texto constitucional e, também, a de direito material fundamental (com elementos

que integram um denominado núcleo essencial que não pode ser atingido sob pena

de desnaturar a própria noção de dignidade).

Em virtude dessas considerações, a dignidade da pessoa humana, além de

positivada como princípio fundamental da República, assume a condição implícita de

norma de direito material fundamental que, para concretização, exige a formulação

teórica de um núcleo essencial formado por princípios e regras – até em razão da

relatividade dos direitos - sob pena de a razão de ser da Constituição não ser dotada

de efetividade (TORRES, 1995, p. 128-9; BARCELLOS, 2002, p. 103-21).

Esse núcleo essencial – ou conjunto de omissões ou prestações mínimas,

sem as quais a existência humana digna estaria comprometida - é composto,

segundo alguns, pelos direitos fundamentais à educação fundamental, à assistência

aos desamparados, à saúde e ao direito de acesso à Justiça (BARCELLOS, 2002, p.

103-21).

Inadequado seria esquecer, também, de registrar a noção jurídica de

dignidade como um produto cultural, fruto de construção pelo homem durante a

história:

[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (BOBBIO, 1992, p. 10).

O princípio da dignidade da pessoa humana entranhou-se no

constitucionalismo contemporâneo, daí partindo e fazendo-se valer em todos os

ramos do Direito. A partir de sua adoção se estabeleceu uma nova forma de pensar

e experimentar a relação sociopolítica baseada no sistema jurídico; passou a ser

princípio e fim do Direito contemporaneamente produzido e dado à observância do

plano nacional e internacional. Contudo, não por ser um princípio matriz no

constitucionalismo contemporâneo se pode ignorar a ambigüidade e a porosidade do

conceito jurídico da dignidade da pessoa humana. Princípio de freqüente referência

tem sido igualmente de parca ciência pelos que dele se valem, inclusive nos

sistemas normativos. Até o papel por ele desempenhado é diversificado e impreciso,

sendo elemento em construção permanente mesmo em seu conteúdo (ROCHA,

1994, p. 70).

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Na mesma linha, é difícil atribuir uma dimensão permanente, não variável e

absoluta para direitos que se revelaram historicamente relativos (LAFER, 1999, p.

134). A dignidade é um conceito em constante desenvolvimento. Não é algo

simplesmente inerente ao ser humano (dimensão meramente biológica), mas possui,

também, um aspecto cultural, fruto do trabalho desenvolvido pela humanidade, de

geração em geração.

Juridicamente, portanto, a dignidade humana assume forma de princípio de

hermenêutica e, também, de direito fundamental material, nesse caso expresso por

meio de princípios ou de regras. Tem-se presente que a concepção jurídica do

princípio é extremante útil em razão da necessidade de solução de casos concretos

envolvendo, na prática, possível violação ao preceito.

Aquele que já perdeu a consciência da própria dignidade merece tê-la

considerada e respeitada (DWORKIN, 1998, p. 306-9). Em razão disso, a dignidade

da pessoa humana exige uma dupla atuação do poder público e da sociedade. Um

agir omissivo no sentido de impedir agressões ao núcleo essencial da dignidade da

pessoa e, por outro lado, uma atuação positiva, no intuito de propiciar efetivamente

condições mínimas de vida para a população. A dignidade é, por isso, limite e tarefa

dos poderes estatais e da comunidade em geral (SARLET, 2005, p. 30-1).

Limite no sentido de impor restrições a atuação do Estado e dos particulares,

providência importante para a solução de casos concretos (em que há necessidade

de verificação da existência de ofensa, ou não, à dignidade da pessoa humana).

Tarefa como direito a prestações do Estado e dos particulares, medidas

essenciais para resguardar a efetiva igualdade entre os homens, evitar o tratamento

do homem como objeto e, ainda, assegurar ao ser humano uma existência

materialmente digna.

Em relação ao princípio da igualdade, é importante ressaltar que este deve

se dar no plano de elaboração e de aplicação da lei (igualdade na e perante a lei).

As discriminações legais, portanto, devem ser admitidas apenas quando previstas

para corrigir desigualdades, sem importar em distinções, por exemplo, entre

nacionais e estrangeiros (MELLO, 1984, p. 49; ROCHA, 1990, p. 39-40; BASTOS,

1989, p. 4).

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Na desvinculação do homem do conceito de objeto, devem ser observados

certos limites ao princípio de autonomia da vontade. Afinal, a dignidade não é um

direito que possa ser passível de renúncia. Logo, ainda que contratualmente ou por

qualquer outro meio, a pessoa abra mão de certas condições consideradas

indispensáveis para sua dignidade, essa disposição não deve ser considerada

válida.

O exemplo mais ilustrativo dessa concepção de limitação ao poder de

autonomia vem da jurisprudência francesa que, levando em conta que o Judiciário

deve proteger o indivíduo contra o Estado, contra os particulares e, também, de si

próprio, considerou válida a proibição estatal ao arremesso de anão, ainda que com

a concordância deste (GOMES, 1996, p. principal).

Por fim, em relação à existência material mínima, cabe ao Estado prover

recursos mínimos para a sobrevivência da pessoa humana, por meio de ações

(prestações, como os direitos sociais previstos no artigo 6º, da Constituição) e

omissões (não interferir, por exemplo, na propriedade particular).

Neste ponto - de garantia de uma existência digna do ponto de vista material

– a dignidade deve obedecer a um conjunto de possibilidades fáticas e jurídicas.

Ocorre que, mesmo a dignidade humana não é um princípio absoluto, podendo, em

caso de colisão com outro direito fundamental – como a proteção da ordem

democrática ou a dignidade de outros cidadãos, sofrer restrições (BONAVIDES,

2001, p. 85).

Da mesma forma, em relação às prestações exigidas pela dignidade, há de

se observar a possibilidade fática de garantia (reserva do possível) e, noutro sentido,

a possibilidade jurídica de concessão. A dignidade, na condição de valor intrínseco

da pessoa humana, evidentemente não poderá ser sacrificada, já que, em si mesma,

é insubstituível, o que, de resto, em nada afeta – antes, reforça – a correção do

pensamento de Alexy, já que este, em momento algum, sustenta que, pelo fato de

não se cuidar de um princípio absoluto (até mesmo por não existirem – na definição

de Alexy – princípios absolutos), poderão ser justificadas violações da dignidade, de

tal sorte a sacrificá-la.

No mínimo – e, nesse sentido, já não se poderá falar de um princípio

absoluto – impende reconhecer que, mesmo prevalecendo em face de todos os

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demais princípios e regras do ordenamento, não há como afastar a necessária

relativização (ou, se preferirmos, convivência harmônica) do princípio da dignidade

da pessoa em homenagem à igual dignidade de todos os seres humanos. Assim, se

esse for o cerne da divergência, verifica-se, em verdade, que inexiste dissídio digno

de nota, o que, afinal de contas, é o que importa, bastando apenas que se consigne

a conveniência, justamente para evitar eventuais mal-entendidos, de uma coerência

entre a noção de princípio adotada e a qualificação da dignidade como norma

princípio (SARLET 2001, p. 108-9).

De qualquer modo, ainda que observadas as limitações fáticas e jurídicas de

concretização do princípio da dignidade da pessoa, este deve assumir a função de

norte para a concretização de qualquer outro direito.

Como afirmado, os direitos não são absolutos, mas relativos. Podem ser

restringidos, portanto. Canotilho (1999, p. 422), indica os requisitos que devem ser

observados para que se admitam restrições aos direitos fundamentais:

(1) Trata-se de efectiva restrição do âmbito de proteção de norma consagradora de um direito, liberdade e garantia? (2) Existe uma autorização constitucional para essa restrição? (3) Corresponde a restrição à necessidade de “salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”? (4) A lei restritiva observou os “requisitos” expressamente estabelecidos pela constitucional (necessidade, proporcionalidade, generalidade e abstração, não retroatividade, garantia do núcleo essencial?.

Dessa maneira, admitem-se as restrições, as quais podem ser expressas

(indicadas pelo próprio legislador, observados os requisitos acima indicados) ou

tácitas (impostas pelos princípios ou pela colisão destes).

No caso da dignidade da pessoa humana, em virtude de seu caráter de

princípio matriz da ordem constitucional, admite-se a restrição apenas expressa, por

meio de lei formal, geral e abstrata. Assim, defende-se que a pessoa humana, como

valor, e o princípio correspondente, de que aqui se trata, não são absolutos,

contudo, suas limitações são extremamente escassas.

A Constituição da República brasileira aponta a dignidade humana como um

dos fundamentos da nossa República, exposto em seu art. 1º, III. Essa é uma sábia

posição do constituinte, pois a dignidade é multidimensional, estando associada a

um grande conjunto de condições ligadas à existência humana. Nesse sentido, a

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realização da dignidade humana está vinculada à realização de outros direitos

fundamentais consagrados pela Constituição de 1988.

Isso não significa que a dignidade não possui sentido autônomo e

juridicamente relevante. É como qualquer direito que impõe deveres ao Estado e aos

demais membros da sociedade. É comum vê-la em confronto com os direitos

fundamentais, colocados no artigo 5º da Constituição da República.

Um exemplo claro de colisão desses direitos é o caso clássico do anão que,

no gozo do seu direito à liberdade, trabalha de forma que é sistematicamente

humilhado em face de sua condição física. Existe aí um confronto entre o valor

“liberdade” e o valor “dignidade”. Esse contrato, livremente firmado, diante do

princípio da dignidade humana, é válido?

Para resolver situações como essa, precisa-se de um conceito de dignidade

que não se confunda com o de liberdade, pois a liberdade aparece em

contraposição a um outro valor, que se refere à condição que o ser humano merece

ser tratado. Embora a liberdade seja, na maioria dos casos, precondição para a

dignidade, em situações extremas pode ser encontrada em pólos distintos desse

valor.

O princípio da dignidade expressa o imperativo categórico kantiano. Refere-

se substantivamente à esfera de proteção da pessoa como fim em si e não como

meio para realização de objetivos. A dignidade afasta os seres humanos da

condição de objetos à disposição de interesses alheios. Embora a dignidade esteja

associada à idéia de autonomia, de livre escolha, ela não se confunde com a

liberdade no sentido mais usual da palavra, qual seja, o da ausência de

constrangimentos. Ela impõe constrangimentos a qualquer ação que não faça da

pessoa um fim. Essa é a razão pela qual, do ponto de vista da liberdade, não há

grande dificuldade de se aceitar a legitimidade de um contrato de prestação de

serviços degradantes. Se o anão decidiu, à margem de qualquer coerção, submeter-

se a um tratamento humilhante em troca de remuneração, qual o problema? De fato,

da perspectiva da liberdade, não há problema algum. A questão é se, em nome da

liberdade, pode-se colocar em risco a dignidade (VIEIRA, 2006, p. 168).

Por outro lado, no que se refere ao aspecto formal, Kant contempla a

dignidade humana, expressa pelo imperativo categórico, como uma exigência de

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imparcialidade. Se todas as pessoas são um fim em si, todas devem ser respeitadas.

E “ser fim em si” significa ser considerado como feixe de razão e sentimentos que

não podem ser injustificadamente suprimidos.

Essa imparcialidade impõe que as pessoas se tratem com reciprocidade,

não apenas como uma medida de prudência, mas como um imperativo derivado de

assunção de que o outro tem o mesmo valor que aquele que enuncia – portanto, é

merecedor do mesmo respeito. A reciprocidade derivada do princípio da dignidade

humana não pode, assim, ser confundida com a reciprocidade instrumental, que

aparece de forma mais clara no contrato hobbesiano, em que se respeita apenas

porque se espera o respeito, e isso é conveniente para o ser humano.

O texto constitucional brasileiro prevê que a dignidade da pessoa humana é

fundamento da República Federativa do Brasil. Conclui-se que o Estado existe em

razão de todas as pessoas e não estas em razão do Estado. O legislador

constituinte, para reforçar a idéia anterior, coloca, propositalmente, o capítulo dos

direitos fundamentais antes daquele relativo à organização do Estado.

Primeiramente, é preciso estabelecer a devida relação entre o princípio da

dignidade humana e o direito à vida. Embora muito interligados, os mesmos não

podem ser vistos de maneira sinônima.

Em todos os seus aspectos comuns entre dignidade da pessoa humana e

direito fundamental à vida não se pode deixar de ter em vista, todavia, que os bens

jurídicos “vida” e “dignidade da pessoa humana” não devem, necessariamente,

repercutir em conjunto, de forma paralela, como elemento de reforço da proteção no

sentido de um vínculo jusfundamental, isso é, como concorrência jusfundamental

cumulativa. Pelo contrário; eles também podem entrar em conflito entre si no sentido

de uma colisão de direitos fundamentais. Onde esse conflito se manifesta, porque a

vida de um entra em confronto com a dignidade do outro (por exemplo, na doação

de órgão não consentida), não estamos diante de uma singularidade do ponto de

vista dogmático jusfundamental; é preciso que resulte, aqui, uma solução ponderada

pautada pelo critério do menor sacrifício possível de direitos fundamentais. Em

termos substanciais, tal otimização entre direitos fundamentais de mais de um titular

no que diz com os bens jurídicos mencionados é modificada e previamente decidida

quando a dignidade da pessoa humana (conforme a majoritária, porém,

problemática opinião) é ilimitada e fundamentalmente não dá acesso a um tal

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ponderamento. Partir do correto entendimento da necessária relativização também

da dignidade humana por meio de sua inserção no mundo de valores da

constituição, não se pode partir de uma preval6encia per se da dignidade da pessoa

humana (KLOEPFER, 2005, p. 157).

No entanto, tomar o homem como fim em si mesmo, vendo-o como a razão

de ser do Estado, não conduz a uma concepção individualista da dignidade da

pessoa humana, ou seja, que num conflito indivíduo versus Estado, privilegie-se

sempre aquele. Com efeito, a concepção que se adota busca a compatibilização, a

inter-relação entre os valores individuais e coletivos; inexiste, portanto, a priori, um

predomínio do indivíduo ou o predomínio do todo. A solução há de ser buscada em

cada caso, de acordo com as circunstâncias, solução que pode ser tanto a

compatibilização, como, também, a preeminência de um ou outro valor.

A dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial dos direitos

fundamentais, a fonte jurídico-positiva de tais direitos, a fonte ética que confere

unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos

humanos positivados. Logo, resulta na centralidade dos direitos fundamentais dentro

do sistema constitucional, que apresentam não apenas um caráter subjetivo, mas

também cumprem funções estruturais: são conditio sine qua non do Estado

constitucional democrático.

As normas de direito fundamental ocupam o grau superior da ordem jurídica;

estão submetidas a processos dificultosos de revisão; constituem limites materiais

da própria revisão; vinculam imediatamente os poderes públicos; e significam a

abertura a outros direitos fundamentais.

Dessa maneira, a interpretação dos demais preceitos constitucionais e legais

há de fazer-se à luz daquelas normas constitucionais que proclamam e consagram

direitos fundamentais. Com razão, Canotilho (1999, p. 243) fala "que a interpretação

da Constituição pré-compreende uma teoria dos direitos fundamentais", o que coloca

a dignidade humana num prisma de suma importância no Brasil.

Analisando a carta brasileira de direitos fundamentais, encontra-se um

razoável conjunto de direitos que circulam diretamente na órbita do direito à

dignidade. Como exemplo, tem-se a proteção à vida; direito à integridade física,

psíquica e moral; ou ainda, a vedação à pena de morte, de caráter perpétuo ou

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cruel. Em todas as situações, o constituinte está proibindo que a vida seja extinta ou

que seja submetida a padrões inadmissíveis, da perspectiva do que se compreende

por vida digna.

A Constituição parece omissa ao regular certas situações que ferem a

dignidade, como por exemplo, a vedação ao trabalho escravo, ou a ele análogo, que

é regulada, hoje, pelo Código Penal. No mesmo plano, coloca-se a exploração

sexual de adolescentes, ou prostituição infantil, problemas atuais da sociedade.

Essas e outras omissões ficam claramente supridas pelo acolhimento do princípio da

dignidade humana.

Ao se tratar da dignidade humana, como princípio basilar da Constituição

brasileira, torna-se necessário ter em conta a sua atuação irradiante, superior à dos

demais princípios. Além disso, é a dignidade humana que funciona como um e,

talvez, o mais importante, sustentáculo da ordem constitucional do Brasil. Sua

importância revela-se na medida em que formula as seguintes diretrizes:

a) a dignidade da pessoa humana reporta-se a todas e cada uma das

pessoas e é a dignidade da pessoa individual e concreta;

b) a dignidade é a pessoa como homem e mulher;

c) cada pessoa vive em relação comunitária, o que implica o reconhecimento

por cada pessoa de igual dignidade das demais pessoas;

d) cada pessoa vive em relação comunitária, mas a dignidade que possui é

dela mesma, e não da situação em si;

e) o primado da pessoa é o de ser, não o ter: a liberdade prevalece sobre a

propriedade;

f) só a dignidade justifica a procura da qualidade de vida;

g) a proteção da dignidade das pessoas está para além da nacionalidade e

postula uma visão universalista da atribuição dos direitos; e

h) a dignidade pressupõe a autonomia vital da pessoa, a sua

autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades públicas e às

outras pessoas (CANOTILHO, 2003, p. 83-4).

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Também, no campo da dignidade humana, como âmbito de proteção geral

da pessoa como fecho de sentimentos e razão, e não como objeto, mostram-se

questões bastante complexas como o aborto, transplante de órgãos, a gravidez

encomendada e, por fim, o campo da engenharia genética.

O princípio da dignidade humana incide diretamente sobre todas essas

situações dramáticas, normalmente em tensão com o direito à liberdade e à vida

biológica. Ao longo dos anos, coube aos tribunais brasileiros articularem o conceito

de dignidade humana com os demais direitos fundamentais que se colocam em

tensão.

Deve-se ressaltar ainda a posição radical em defesa da dignidade,

resguardando o sujeito individualmente contra a própria comunidade, assim:

A dimensão pessoal postula o valor da pessoa humana e exige o respeito incondicional da sua dignidade. Dignidade da pessoa humana a considerar em si e por si, que o mesmo é dizer a respeitar para lê e independentemente dos contextos integrantes e das situações sociais em que ela concretamente se insira. Assim, se o homem é sempre membro de uma comunidade, de um grupo, de uma classe, o que ele é em dignidade e valor não se reduz a esses modos de existência comunitária ou social. Será por isso inválido e inadmissível, o sacrifico desse seu valor e dignidade pessoal a benefício simplesmente da comunidade, do grupo, da classe. Por outras palavras, o sujeito portador do valor absoluto não é a comunidade ou a classe, mas o homem pessoa, embora existencial e socialmente em comunidade e na classe. Pelo que o juízo que histórico-socialmente mereça uma determinada comunidade, um certo grupo ou uma certa classe não poderá implicar um juízo idêntico sobre um dos membros considerado pessoalmente a sua dignidade e responsabilidade pessoais não se confundem com o mérito e o demérito, o papel e a responsabilidade histórico-sociais da comunidade, do grupo ou da classe de que se faça parte (CASTANHEIRA NEVES, 1976, p. 207).

A defesa da dignidade humana reflete a sua indivisibilidade, ou seja, a

dignidade de uma pessoa é a dignidade de toda humanidade. Essa posição o

próprio STF já manifestou, no voto do ministro Celso Mello no julgamento do HC

8424/RS, o qual manteve a prisão de editor de livros nazistas, manifestando o

seguinte entendimento: “só existe uma raça; a espécie humana. Aquele que ofende

a dignidade de qualquer ser humano, especialmente quando movido por razões de

cunho nazista, ofende a dignidade de todos e de cada um”.

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CAPÍTULO III

3 OS DESAFIOS DO TRABALHO DIGNO NA SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

O sistema capitalista, com a queda do muro de Berlim, mostra-se vencedor

como forma de gestão do capital e do trabalho na vida em sociedade. É inegável,

contudo, que sua lógica conduz à exclusão de muitas pessoas, dado que lastrado

basicamente na valorização do mercado e do consumo (meios considerados aptos a

gerar o crescimento econômico).

A lógica capitalista justifica essa exclusão utilizando o discurso da “ordem

natural das coisas”: os melhores e mais capacitados recebem, em razão do mérito

pelo exercício da atividade econômica, a maior fatia dos benefícios decorrentes e os

demais aguardam para serem aquinhoados no futuro. Da mesma forma, o regime

centraliza o foco na economia, desprezando o valor social do trabalho (sob os

fundamentos que serão, neste capítulo, examinados criticamente).

Ao direito – juntamente com o Estado – compete o papel de servir como

instrumento de resistência, ao menos para garantir aos trabalhadores (desprovidos

do capital), o direito a condições mínimas de trabalho (ao trabalho digno), abaixo das

quais se verifica ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Essa verdadeira imposição de limites à hegemonia do mercado se mostra

necessária em razão dos indicadores nacionais de riqueza. No caso brasileiro, bem

mais da metade da renda nacional desloca-se para uma pequena fatia de milionários

ou apenas 10% da população (os mais ricos) se apropriam de 75% da riqueza do

país, conforme dados do Instituto de Planejamento Econômico Aplicado – IPEA

(FOLHA “on line”, 2008).

Além disso, como demonstra Márcio Pochmann (2005), nos últimos anos,

aumenta a ociosidade no mercado de trabalho brasileiro, com gradual substituição

do trabalho industrial pelo trabalho serviçal (serviços domésticos, de limpeza e de

vigilância). A relação que, em 1980, era de 4,8 trabalhos industriais para cada

trabalho serviçal, passou a ser de 1,7 / 1, em 2003. Além disso, e ainda segundo o

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economista, há uma redução brutal na renda decorrente do trabalho (em 2003, a

cada três reais, um decorria do trabalho. Em 1980, metade da renda era oriunda do

trabalho humano).

Esses dados atestam que crescimento econômico não é sinônimo de

incremento na utilização do trabalho humano. Ricardo Antunes (2006), com base em

dados da indústria automobilista do estado de São Paulo, mostra que, entre 1990 e

2005, ocorre uma redução de mais de 50% no uso da força de trabalho humana e

aumento de cerca de três vezes na produtividade das montadoras. Informa ainda

que a China, entre 1995 e 2002, cresce entre 10% e 12% ao ano e, mesmo assim,

perde 15 milhões de trabalhadores industriais.

Isso acontece porque, com os avanços tecnológicos e as mudanças na

estrutura da produção, o trabalho industrial do homem pode ser substituído por

máquinas multifuncionais (que realizam várias atividades, concomitantemente,

mediante prévia programação).

A tendência do mundo do trabalho, ainda segundo Ricardo Antunes, é de

existirem, de um lado, poucos trabalhadores extremamente qualificados e

razoavelmente remunerados e, de outro, quantidade equivalente de pessoas em

condição de desemprego estrutural, entre os quais, um número grande de

trabalhadores, alguns qualificados e outros nem tanto, regidos por relações de

trabalho instáveis ou virtuais. Caminha-se, no entender do autor, para um estado de

desertificação social, com economia de mercado, retração e privatização do Estado

(2005).

Neste capítulo, serão estudadas as premissas dessas constatações, isto é,

as novas estruturas da produção e trabalho na modernidade (ou as características

da denominada reestruturação empresarial), o trabalho precarizado ou degradante

na atualidade e, ao fim, os limites e possibilidades de manutenção ou restauração da

dignidade do trabalhador, diante do novo e instável mundo do trabalho.

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3.1 AS NOVAS MORFOLOGIAS DA PRODUÇÃO E DO TRABALHO NA MODERNIDADE

A história humana está vinculada à do trabalho, tendo em vista que o

homem sempre trabalhou. Ocorrem modificações tão-somente na forma de

execução e na maneira de utilização do trabalho por outras pessoas.

Nas sociedades tribais primitivas – primeira forma de vida em comunidade –

a divisão do trabalho levava em consideração a força e a capacidade de cada

integrante do grupo. Aos homens, competia a tarefa de caçar e, às mulheres, a de

coletar o objeto da caça ou outros produtos necessários à subsistência (ARANHA,

1997, p. 26). O trabalho, nesse período, era considerado tão-só como instrumento

para a subsistência.

Durante a Antiguidade, é corriqueiro afirmar-se que o trabalho manual era

desvalorizado, tanto que era tolerada e justificada racionalmente a escravidão. É

necessário frisar que a visão grega sobre o trabalho é oferecida pelos intelectuais da

época, dado que os integrantes do povo não expunham suas visões do mundo

(MIGEOTTE, 2005, p. 17).

Feita tal consideração, indubitável é que os filósofos gregos não outorgaram

lugar especial ao trabalho em suas obras, embora soubessem da importância das

atividades manuais para a vida material. Entendiam, contudo, que o trabalho não

integrava a economia, tornando-se, por isso, menos importante do que a ética e a

política e, por esse motivo, desnecessária uma reflexão ou teorização sobre a

questão (MIGEOTTE, 2005, p. 19/20).

Além disso, é possível verificar, no período clássico, a existência de alguns

textos desprezando e outros valorizando o artesanato, o mesmo ocorrendo em

relação aos trabalhos ligados à agricultura. O que parece ficar claro, nesse contexto,

não é o desprezo ao trabalho manual em si, mas a sua prestação por necessidade

(MIGEOTTE, 2005, p. 33).

Acontece que, para os gregos, a necessidade de trabalho era uma fatalidade

imposta aos homens, da qual estavam livres apenas aqueles que, por nascimento,

eram considerados cidadãos. Em razão disso, quem possuía a riqueza (vista

positivamente, como um bem), estaria liberto da necessidade de trabalhar e poderia

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se dedicar aos estudos (tarefa tida por mais elevada). Àqueles desprovidos de

riqueza, a ordem natural das coisas impunha a necessidade de trabalhar para

garantir o sustento (MIGEOTTE, 2005, p. 25-6).

A riqueza, na Antiguidade Clássica, decorria da propriedade de terras e

estas eram transmitidas de pai a filho ou adquiridas diante do resultado das guerras.

A intenção de aumentar e diversificar as fontes de renda fez com que vários

cidadãos (proprietários de terras) se dedicassem a negociar. Ocorre, em virtude

desse fato, um aumento cada vez maior de cidadãos gregos que atuam também

como mercadores, empresários e banqueiros, decorrência natural, segundo a

filosofia da época, da evolução natural das sociedades (MIGEOTTE, 2005, p. 32).

Posta assim a questão, chega-se à conclusão de que o trabalho manual não

era desprezado em absoluto, mas apenas e quando prestado pela necessidade

decorrente da “ordem natural das coisas”. Em termos distintos, o trabalho, para os

gregos, era um dever apenas para aqueles que dele dependiam.

Da Idade Média provém a contribuição do Cristianismo, inclusive para a

concepção contemporânea de trabalho. E, nesse conjunto de religiões cristãs, é

relevante, inicialmente, a teorização de um de seus maiores expoentes: Santo

Agostinho.

Santo Agostinho vive e escreve suas obras durante o período pré-industrial.

Logo, sua visão do trabalho obviamente não pode conceber as alterações que

aparecem principalmente com a Revolução Industrial, a partir do século XVIII.

Feita a necessária limitação temporal de seus escritos, Santo Agostinho -

embora não deixe de considerar o trabalho como maldição divina (“comerás o pão

com o suor do teu rosto”) – não dramatiza a passagem bíblica. Interpreta a regra

divina como uma maneira de auxiliar o homem a suportar sua condição humana com

paz de espírito. Quer ele, com isso, colocar, no mesmo plano de realização, os

esforços manuais e intelectuais, desde que realizados com dedicação e amor

(SALAMITO, 2005, p. 41).

Além disso, segundo Jean-Marie Salamito (2005, p. 42), é visível, na obra de

Santo Agostinho, uma veneração à atividade agrícola, desvinculando-a da maldição

divina, desde que exercida com racionalidade (vendo o papel do Criador na

produção dos frutos) e como oportunidade de louvar a Deus. A idealização da

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agricultura, segundo Salamito (2005, p. 46), é “a atitude típica de um homem da

Antiguidade, habituado a ver na terra a fonte de todo bem e nos trabalhos dos

campos a condição primeira de toda vida civilizada”.

Em relação ao comércio, Santo Agostinho busca separar os bons dos maus

comerciantes, afirmando, inclusive, que Jesus, ao expulsar os mercadores do

Templo, não estava condenando todos os negociantes, mas apenas aqueles que

abusavam do exercício de sua profissão (SALAMITO, 2005, p. 51-2).

Em suma, Santo Agostinho – guardando certa afinidade teórica com os

filósofos gregos que não desprezavam o trabalho manual, apenas a necessidade

deste - não critica as profissões, mas o modo de exercê-las (ou seja, determinados

profissionais). Está presente em sua obra a necessidade (o dever) de trabalhar e o

respeito aos trabalhadores mais humildes (SALAMITO, 2005, p. 57), razão da

importância de suas considerações para a evolução do conceito de trabalho digno.

A valorização do trabalho também recebe incremento com a Reforma

Protestante. Para Lutero – um dos reformistas – o trabalho não decorre

simplesmente do pecado de Adão. Para ele, o trabalho integra o mundo criado por

Deus, estando – ao lado da família, do Estado e da Igreja – como um dos elementos

fundamentais da ordenação divina (WILLAIME, 2005, p. 67-8). Permanece a noção

anterior de que a profissão a ser exercida é um decreto divino, o destino a ser aceito

pelo homem. Todavia - para o protestantismo - o trabalho deixa de ser somente meio

de satisfação de necessidades, tornando-se um objetivo à parte, uma realização da

fé.

Calvino, por outro lado, demonstra um interesse maior que Lutero pelos

aspectos econômicos e sociais da vida em sociedade. Para ele, Deus é um

trabalhador e o homem apenas consegue se regenerar por suas obras. O

trabalhador é, assim, dentre as coisas do mundo, a mais semelhante a Deus e,

quem não trabalha, não presta homenagem a Deus (WILLAIME, 2005, p. 70). Nas

palavras de Calvino, citadas por Jean-Paul Willaime (2005, p. 70-1), “os homens

foram criados para se dedicarem a fazer alguma coisa e não para serem

preguiçosos e ociosos” e “Deus dá a cada um uma carga e exercício para que eles

não fiquem ociosos”, permitindo-se, contudo, a mobilização social, isto é, a

modificação de profissão pelo trabalhador durante sua vida na terra (WILLAIME,

2005, p. 72-4).

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Ainda, segundo Calvino, “se o trabalho se tornou penoso pelo pecado de

Adão, Cristo é o libertador do sofrimento do trabalho; consequentemente, o trabalho

sempre comporta uma alegria, sinal de graça” (WILLAIME, 2005, p. 71).

Como claramente se percebe, o trabalho, como dever, está presente na obra

de Calvino (o que, em regra, acontece com os pensadores cristãos). Todavia, além

da obrigação de trabalhar como forma de libertação do homem, integra a obra de

Calvino o princípio da justiça social, bem como o valor espiritual e a dignidade do

trabalho. Nesse sentido, cita-se a seguinte passagem de sua obra, relatada por

Jean-Paul Willaime (2005, p. 74-5): “Deus nos declara que devemos tratar de modo

humano aqueles que laboram para nós, que não sejam sobrecarregados além da

medida; mas que possam continuar e que tenham a ocasião de render graças a

Deus em seu trabalho”.

É de ser relevado, ainda sob o aspecto do Cristianismo, o papel do

puritanismo na valorização do trabalho do homem. Segundo Willaime (2005, p. 77),

o puritanismo é um movimento nascido na Inglaterra durante os séculos XVI e XVII

que prega uma reforma religiosa mais ousada, com valorização dos sermões em

detrimento das liturgias e sacramentos. Para os puritanos, o trabalho decorria de

uma lei de Deus que impunha disciplina social. Desse modo, cada cristão deveria

seguir sua vocação, tornando-se um membro bom e útil para a sociedade.

Neste ponto – e interrompendo a narrativa história para fazer uma digressão

- é inegável que, com o passar o tempo, a crença na motivação religiosa do trabalho

(como vocação ou determinação divina) é superada por outras convicções. Em

palavras diversas, o trabalho continua a ser importante na vida das pessoas, porém

estas laboram não mais por motivação religiosa, mas sim tendo por objetivo o êxito

na vida terrena. Atualmente, essa busca de sucesso material vem sendo

gradativamente substituída, principalmente na Europa, pela realização pessoal do

ser humano, retirando do trabalho – até em virtude das necessidades ambientais de

desenvolvimento sustentável – a importância que antes possuía (WILLAIME, 2005,

p. 83-5).

O controle do trabalho, durante a Idade Média e entre os séculos XVII e

XVIII, se dá por métodos religiosos (imposição do silêncio) e militares (rígida

hierarquia), próprios de outros meios da época que visavam ao controle social

(ARANHA, 1997, p. 28).

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A passagem do período medieval para o moderno resulta em certa

valorização do trabalho, dado que os burgueses (que ascendem a partir de então)

eram em boa parte antigos servos. A riqueza passa a ser medida não apenas pela

propriedade de terras, mas também pela posse do capital. Isso exige avanços nas

áreas tecnológicas, com o intuito de ampliar o poder de produção industrial e, por

conseguinte, o capital (superando o modo de produção artesanal anterior). Essa

circunstância de ordem material dá início à Revolução Industrial, com reflexos

contundentes na consideração e forma de utilização do trabalho do homem.

Permanece, entrementes, uma divisão entre o fazer e o pensar. O trabalho é

considerado um instrumento de liberdade porque, por meio dele – quando concebe

com antecedência o que produz, com a possibilidade de, após ou durante o

processo de produção novamente modificar a idéia original - o homem viabiliza a

realização de seus projetos e desejos no mundo, tornando-se, com isso, humano. O

homem, ao trabalhar, amadurece, pois entra em contato com outras pessoas,

aprende, relaciona-se, conhece seus limites, lida com dificuldades, enfrenta conflitos

e acumula experiências (ARANHA, 1997, p. 22-3).

Entretanto, a partir do momento em que se retira do trabalhador o pensar,

atribuindo-lhe apenas o fazer, desumaniza-se o trabalho e o trabalhador. Com a

Revolução Industrial e o surgimento do modo de acumulação de capital, os

trabalhadores deixam de ser servos ou escravos e passam a ser assalariados

(venda da força de trabalho para viabilizar a subsistência), mantendo-se, no entanto,

a divisão antes referida entre o pensar (que continua com o tomador dos serviços) e

o fazer (o trabalhador).

Essa passagem do regime feudal (Idade Média) para o regime absolutista

(Idade Moderna) resulta no surgimento da primeira forma estatal: o estado

absolutista. Essa transição ocorre concomitantemente com uma transformação no

modo de produção. O sistema feudal (produção agrícola com vinculação do vassalo

e do servo ao senhor feudal) começa a ser superado pelo capitalismo (sistema, em

sua primeira face, de mercancia do excedente da produção, realizada por uma

classe de negociantes que recebe o nome de burguesia) (STRECK; BOLZAN, 2006,

p. 21-7).

O fomento do comércio e, consequentemente, o aumento do poder

econômico dos burgueses faz com que estes passem a exigir melhores condições

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para realização de seus negócios, principalmente a instituição de um poder central

(independentemente de outros poderes) que outorgue segurança às suas relações

comerciais.

Em suma, o Estado moderno, em sua versão inicial e como poder

centralizado (versão absolutista), surge em virtude das necessidades e pressões da

classe em ascensão (a burguesia que, nesse passo da história abre mão do poder

político, transferido ao monarca) e sustentado na teoria do poder divino: o rei seria o

representante de Deus na terra. No outro vértice da história, os excluídos (os

trabalhadores: antigos servos e alguns vassalos) continuam com a saga da

submissão: “o vassalo do suserano feudal passa a ser súdito do rei”. A principal

característica desse modelo é a concentração de todos os poderes (criação e

aplicação das regras e solução dos conflitos) no soberano, sem controle da

autoridade por outros organismos ou divisão de atribuições com outras esferas

(STRECK; BOLZAN, 2006, p. 27-46 e 51).

O modelo de Estado absolutista é sepultado pela Revolução Francesa de

1789 que, ao mesmo tempo, cria as bases para o que, posteriormente, seria

denominado de Estado liberal.

A Revolução Francesa é o resultado de um novo movimento da classe

burguesa, agora em busca do poder político. Não quer isso dizer, entretanto, que

outros fatores não contribuíram para o desencadeamento da Revolução. Inadequado

seria esquecer os movimentos sociais em busca da igualdade, da liberdade religiosa

e da instituição de governo limitado por regras constitucionais e, ainda, contra os

privilégios da aristocracia e do clero (que, diga-se, não participavam do custeio das

despesas do Estado). A insatisfação popular - aliada à pressão econômica da

burguesia pelo poder político - representa a fonte material de mudança na forma do

Estado (STRECK; BOLZAN, 2006, p. 51-4).

O liberalismo surge, então, como uma limitação ao poder do Estado, com

divisão de atribuições visando a um melhor controle da atividade estatal. Essa

limitação, como se pode notar, visa novamente a atender os interesses da

burguesia, sequiosa pela acumulação do poder econômico e do poder político.

No plano jurídico, o Estado liberal caracteriza-se pela separação entre moral

e direito. Os deveres para com o próximo são vinculados ao campo da moral e,

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conseqüentemente, afastados da órbita obrigacional e jurídica. As obrigações

apenas podem surgir do contrato e, na ausência deste, nenhuma ação ou omissão

pode ser exigida. A desigualdade social, nesse contexto, é conseqüência do

mercado, não cabendo ao direito interferir nesses conflitos, sob pena de acirrar a

disputa entre ricos e pobres (o direito não pode obrigar alguém a auxiliar outra

pessoa, apenas o contrato). Em síntese, essa é a visão do direito na ordem liberal

clássica (EWALD, 1996, p. 35).

Cumpre obtemperar, todavia, que, embora o Estado, na fase inicial do

liberalismo, possuísse as funções mínimas de manter a ordem e a segurança, sem

interferir nas relações entre os particulares, atualmente, a doutrina desse modelo de

pensamento (neoliberalismo) admite algumas intervenções estatais, principalmente

no campo econômico, com a finalidade de regular o mercado (combatendo as

incertezas deste) (STRECK; BOLZAN, 2006, p. 63).

O modelo de Estado vigente após a Revolução Francesa (liberal

absenteísta) começa a dar sinais de esgotamento ao fim do século XIX, em razão da

crise financeira mundial e da existência de movimentos revolucionais buscando outro

modelo econômico: o socialismo.

O marco inicial formal desse modelo de estado (o Estado social) pode ser

fixado na década de 1920, em virtude de documentos resultantes de movimentos

revolucionários (Revolução Russa e Revolução Mexicana); da pressão de

movimentos sociais por melhores condições de vida e de trabalho, principalmente

por parte de operários; e da reconstrução da Alemanha após a Primeira Guerra

Mundial e da inserção do Estado na produção econômica em virtude das

necessidades da guerra (indústria bélica e de alimentação). Representam,

juridicamente, o início do Estado social a Constituição de Weimar (de 1919), a

Constituição Mexicana (de 1917) e a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e

Explorado da Rússia (de 1918) (MORAIS, 1996, p. 37-50).

Ewald (1996, p. 188) relaciona os acidentes do trabalho (em número

crescente após a Revolução Industrial), também como fator social relevante para a

mudança na forma do Estado.

Os movimentos que redundam no surgimento do novo modelo de Estado

derivam, por sua vez, de pressões sociais verificadas anteriormente. Como

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exemplos podem ser citados os movimentos socialistas (Manifesto Comunista, de

1848), a influência da Igreja Católica (Encíclica Rerum Novarum, de 1891) e o

próprio fato de o Estado assumir algumas atribuições (mais ativas), antes reservadas

apenas aos particulares (sua intervenção na ordem econômica justificaria sua

atuação em outros campos).

O movimento socialista, aliás, é citado por alguns doutrinadores como

verdadeiro indutor das modificações no Estado liberal. Em razão das pressões

populares e do movimento socialista, o poder público admite a intervenção do

Estado em setores antes restritos à atividade privada, com a finalidade de manter o

modo de produção capitalista e, como motivo reflexo, corrigir distorções do modelo

liberal.

O Estado social é, pois, uma nova fase do Estado liberal, já que mantidas as

características principais do modelo econômico. Essa nova faceta surge em

decorrência das condições de vida geradas pelo modelo liberal clássico. Afinal, ao

mesmo tempo em que verificado expressivo desenvolvimento econômico e científico,

com modificação da forma de produção (de rural e manual para urbana e industrial),

há um aviltamento da condição social das classes menos favorecidas. O Estado

social é uma conseqüência, portanto, de disfunções da própria economia capitalista

(que geram a crise econômica de 1929 e redundam na Primeira Guerra Mundial).

É de verificar-se, dessa forma, que o Estado social não ocasiona a

socialização dos meios de produção. Estes continuam, em grande número, com os

particulares (a propriedade continua privada). Todavia, em virtude dos conflitos do

modo de produção (que geram as crises econômicas) e de fatos históricos

relevantes (guerras que geram conflitos econômicos e movimentos sociais por

melhores condições de vida e trabalho), o Estado passa a admitir uma função social,

tanto da propriedade como do contrato, com a necessidade de criação de normas

versando sobre direitos sociais.

A burguesia, embora ceda em relação a alguns aspectos, como no

reconhecimento da existência de direitos sociais com a intenção de evitar a

mudança na forma de produção (de capitalista para socialista), também é

beneficiada pela modificação na forma do Estado. O Estado passa a intervir com

maior intensidade também na economia, ofertando condições de infra-estrutura

melhores para o exercício das atividades econômicas e financeiras custeadas por

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toda a população (em resumo: todos passam a contribuir, via tributos, com

condições para o exercício da atividade econômica, isto é, o investimento deixa de

ser exclusivamente particular).

Como se pode notar, houve vantagens para a burguesia com a

transformação do Estado liberal (em crise) em Estado social: manutenção do

sistema capitalista, divisão com todos dos custos para fornecimento de infra-

estrutura para a atividade econômica e utilização de obras e serviços que passaram

a ser oferecidos pelo poder público para toda a população (inclusive burgueses).

Surge, nesse contexto, o método fordista-taylorista de produção de bens,

com o intuito claro de promover o consumo em condições de absorver a produção

da indústria da época. O ambiente era propício para estudos científicos sobre a

produção de bens, tendo em vista o aumento do mercado consumidor (após o fim da

Primeira Grande Guerra).

O ambiente da época é bem descrito por Joffily (1994, p. 16):

A base econômica forma-se com os trustes, grandes grupos industriais entrelaçados com bancos. No início do século, só o Rockefeller e o Morgan têm 341 empresas, com capital de 22 bilhões de dólares, 20% do patrimônio do país! É quando dois americanos propõem uma mudança nas fábricas tão decisiva que fica conhecida pelos seus nomes: o taylorismo ou fordismo. F. W. Taylor defende, em 1896 uma “organização científica” do trabalho fabril. Seu mais bem-sucedido seguidor é Henry Ford. Em 1913 sua empresa produz à moda da época: peritos em mecânica montam os carros quase artesanalmente. Mas Ford quer lançar o modelo “T”, acessível ao bolso de todos e experimenta uma versão radical e incrementada do taylorismo. Ford, na linha de Taylor, parcela a produção. Cada operário executa uma parte mínima do trabalho, repetidas vezes. A meta é reduzir a ‘porosidade’ – os lapsos em que o trabalhador não produz. Os operários devem apenas obedecer. A qualificação despenca. Mas a produtividade dispara’.

Taylor, um torneiro mecânico que, posteriormente, se torna engenheiro,

defende um novo conceito de gerenciamento da produção. Para ele, os

administradores deveriam deixar de gerir a produção por meios tradicionais

(aplicando, em regra, punições aos empregados), ampliando a atividade

administrativa para conceber funções de planejamento, organização e controle

(GEORGE JR, 1972, p. 133).

Taylor estuda o movimento executado pelos trabalhadores em suas diversas

atividades e, posteriormente, o tempo nelas despendido. Depois desenvolve rotinas

de trabalho, criando técnicas como cartões de instrução, ordens de serviço,

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seqüências de encaminhamento, especificações de materiais, controle de inventário

e de manipulação de materiais, procedimentos que, acumulados, geram aumento da

produtividade (GEORGE JR, 1972, p. 134).

Para Taylor, a gestão correta da produção envolveria ainda a colocação do

profissional certo no lugar correto, com utilização da premiação salarial como forma

de recompensar a atividade (ao contrário da punição). Seu objetivo primordial é

aumentar a produtividade das indústrias, evitando qualquer perda de tempo na

produção (RAGO; MOREIRA, 1993, p. 16).

Outro aspecto que pode ser destacado no taylorismo é o afastamento da

dependência do capitalista ao trabalhador. No modelo anterior, a atividade dos

trabalhadores era essencialmente artesanal e o trabalhador detinha, em algumas

oportunidades, o poder de conceber e produzir o produto (circunstância que,

incomodamente, gerava a dependência do capitalista ao trabalhador). Com o novo

método, há uma evidente divisão entre as fases de concepção e execução, cabendo

aos administradores adquirir os conhecimentos necessários à concepção do produto

e - aos trabalhadores - a tarefa de, por meio de controle do tempo e de movimentos,

executar o trabalho passo a passo (MORAES NETO, 1989, p. 34).

Henry Ford desenvolve sua estratégia econômica a partir da proposta de

Taylor. Ford inova a proposição de Taylor ao introduzir a esteira na linha de

montagem (o que faz com o produto chegue ao trabalhador, e não o trabalhador ao

produto). Além disso, o modo de produção que passou a ser denominado de

fordismo propõe estratégias que incluem a especialização empresarial (a empresa

deveria dedicar-se a um único produto), com domínio de todas as fases da atividade

econômica (desde a matéria-prima até a entrega do produto industrializado), a

produção em massa (em razão da expansão do mercado de consumidores) e boa

remuneração aos trabalhadores em jornadas não muito extensas de labor.

A decadência do modelo taylorista-fordista ocorre concomitantemente à crise

do Estado social e tem início na década de 1970 em razão de nova crise econômica

(decorrente, também, do aumento mundial no preço do petróleo) e dos governos de

índole liberal nos principais pólos econômicos do mundo (Ronald Reagan nos

Estados Unidos e Margaret Tatcher na Inglaterra). Esses governos ganham respaldo

político com o fracasso do socialismo como modo alternativo de produção e pela

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ausência de pressão política pela manutenção do Estado provedor (OLIVEIRA,

1998, p. 189; STRECK; BOLZAN, 2006, p. 150-53).

Além disso, pode-se incluir como causas da superação do modelo taylorista-

fordista, o esgotamento do modelo de industrialização, o enfraquecimento da

capacidade de progresso técnico, a saturação do mercado de consumo em âmbito

internacional (em razão, também, do término da reconstrução da Europa ocidental e

do Japão após a Segunda Grande Guerra), a instabilidade econômica (estagnação,

inflação e desemprego) e o aumento da competição internacional entre as potências

econômicas mundiais (MATTOSO, 1996, p. 54; BALTAR; PRONI, 1996, p. 110;

LARANJEIRA, 1997, p 41).

Verifica-se, então, uma reestruturação da produção no setor manufatureiro

japonês, baseada principalmente em conceitos da microeletrônica, dando início ao

que fica conhecido como terceira revolução industrial (DEDECCA, 1998, p. 163-72).

Em razão da competição internacional e do sucesso do método que

posteriormente ficaria conhecido como toyotismo, os demais países passam, então,

a utilizar os mesmos avanços tecnológicos e organizacionais adotados

pioneiramente pela economia japonesa (BALTAR; PRONI, 1996, p. 111).

Essa reestruturação na produção possui características específicas.Uma

delas é a de que está lastrada em novas tecnologias, principalmente na área da

microeletrônica (robótica, informática, telemática e telecomunicações), situação que

se reflete na valorização do conhecimento técnico-científico. Outra característica

dessa reestruturação é sua flexibilidade: a produção passa a utilizar máquinas que

realizavam várias funções (multifuncionais) e permite a fabricação simultânea e

automática de diversas peças a partir de um produto base. Essa circunstância,

aliada à produtividade decorrente de novas tecnologias, visa a atender uma

demanda instável em termos de qualidade e de quantidade (CORIAT, 1988, p. 21-

32).

A produção - com o toyotismo - leva em consideração não mais a

capacidade de produção da empresa e seus recursos financeiros (como ocorria no

sistema anterior), mas a capacidade de consumo do mercado.

Com o objetivo de atender essa demanda instável do mercado - o que

resulta na necessidade de produção na quantidade e momento adequados - o

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moderno sistema de produção flexível funda-se em dois princípios organizacionais.

O primeiro deles é o jus-in-time, isto é, a produção no momento certo, ou

produção em determinado período apenas daquilo que será efetivamente utilizado:

Método administrativo da produção, destinado basicamente à redução dos estoques (dos recursos financeiros e do espaço físico para mantê-los), redução do tempo de fabricação e de troca de ferramentas e eliminação de peças, visando a um aumento da produtividade. A tradução não literal desta expressão inglesa poderia ser: ‘a peça necessária, na quantidade necessária, na hora necessária’ (SANDRONI, 1987, p. 160).

Esse sistema de produção, com “estoque zero”, efetivamente reduz os

custos empresarias e aumenta o lucro, conforme ensina Hobsbawm (1995, p. 394):

Controle de inventário computadorizado, melhores comunicações e transportes mais rápidos reduziram a importância do volátil “ciclo de estoques” da velha produção em massa, que resultava em enormes estoques “só para a eventualidade” de serem necessários em épocas de expansão, e depois parava de chofre quando os estoques eram liquidados em épocas de contração. O novo método, iniciado pelos japoneses, e tornado possível pelas tecnologias da década de 1970, iria ter estoques muito menores, produzir o suficiente para abastecer os vendedores just in time (bem na hora), e, de qualquer modo, com uma capacidade muito maior de variar a produção de uma hora para outra, a fim de enfrentar as exigências de mudança.

O segundo princípio organizacional é o kanban, sistema nascido nos

Estados Unidos e aplicado na fábrica da Toyota no Japão e que consiste em um

sistema de informação e controle da produção que orienta o sistema jus-in-time

(CORIAT, 1988, p. 50-1). O kanban, em termos mais singelos, é o meio de

comunicação que orienta o sistema “na medida certa” (assim que esgotadas todas

as peças produzidas, coloca-se um aviso no início da linha de produção para que se

inicie a produção de outro grupo de peças).

A produção flexível, dessa maneira, adapta-se principalmente à demanda

(instável) ou, em alguns casos, aos interesses do produtor em, eventualmente,

disputar novos mercados ou induzir consumidores. Como conseqüência, a produção

flexível ocasiona a também flexível acumulação de capital. E essa acumulação é

flexível porque (ao contrário do período fordista no qual a acumulação observava

padrões rígidos) flexível também é o mercado e, para permitir a acumulação,

maleáveis devem ser a produção e a exploração da força de trabalho. Flexibilidade

decorre, portanto:

[...] dos processos de trabalho, dos mercadores de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços

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financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças nos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (HARVEY, 1992, p. 140).

A característica principal do novo modelo, então, é a flexibilidade, e esta

ocorre tanto na duração do tempo de trabalho (distribuição do trabalho durante a

jornada, semana, mês, ano ou ciclo de produção) e na produção (adaptável

principalmente ao mercado), quanto no modelo de organização empresarial (método

de contratação de serviços e processos de trabalho) (LARANGEIRA, 1997, p. 43).

Outra particularidade do sistema de produção flexível é a instituição de “ilhas

de produção” em substituição às seções ou departamentos do sistema taylorista-

fordista. Cada ilha possui um grupo de máquinas de vários tipos, que produzem

modelos semelhantes de peça. A peça, assim, não passa por diversos setores: é

fabricada integralmente na “ilha”, sem interrupções ou esperas.

Quanto ao mercado de trabalho, a característica do novo sistema é a de

permitir a sub-contratação de produtos e serviços (terceirização), com a finalidade de

facilitar a gestão da empresa, reduzindo a diversidade de formas de organização da

produção e do trabalho (DIESSE, 1993, p. 5-6).

Em suma, as estratégias utilizadas – originárias do “sistema japonês” - visam

a outorgar maior flexibilidade na utilização, tanto do capital quanto do trabalho, com

o objetivo de reduzir ao máximo os custos da produção, diminuir a ociosidade dos

meios de produção e minimizar os riscos em razão da instabilidade do mercado.

As estratégias da “via japonesa” - adotadas em caráter mundial – consistem

basicamente no reagrupamento das funções (os trabalhadores passam a ser

polivalentes, tornando-se responsáveis pela execução não apenas por uma, mas por

várias tarefas, com o intuito de evitar a ociosidade); na instituição de grupos

multifuncionais ou ilhas de produção (outorga-se ao grupo a responsabilidade pelo

diagnóstico e reparação dos defeitos de execução ou de equipamentos, bem como

pela manutenção do ambiente de trabalho), na criação de programas de qualidade

total (dos quais fazem parte os círculos de controle de qualidade, subprograma que,

por meio de reuniões periódicas do grupo, intermediadas por um supervisor ou

animador, ocasiões em que se discutem qualidade e produtividade, impondo-se ao

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trabalhador a noção de que os benefícios pelo sucesso do grupo não são

necessariamente materiais, mas a satisfação e o orgulho pelo dever cumprido) e, por

fim, pela completa articulação entre as atividades de planejamento e de produção

(kanban) (CORIAT, 1988, p. 49-50).

Mister se faz ressaltar que, no toyotismo, o controle de qualidade é realizado

simultaneamente à produção (evitando-se o atraso na apuração de defeitos e a

perda de capital), ao contrário do que ocorria no fordismo (onde a aferição era feita

posteriormente, por um setor com esta atribuição).

Também é importante evidenciar que a nova reengenharia da produção

impõe, com o intuito de eliminar despesas e aumentar o lucro, a diminuição do

volume de trabalho humano na produção. E, além da exclusão de milhares de

pessoas do processo produtivo, a nova sistemática produtiva estabelece uma nítida

divisão da classe trabalhadora que permanece integrada à empresa. De um lado, um

reduzido grupo de trabalhadores ligado aos novos conceitos de gestão

(principalmente na área de gestão ou de informação e comunicações), bem

valorizado em termos salariais e com participação nos ganhos da empresa, além de

ideologicamente identificado com a visão patronal da produção (em muitos casos,

em razão dos programas de controle de qualidade antes referidos). De outro, um

grande número de trabalhadores desqualificados que, em razão da instabilidade de

seus contratos e dos processos de sub-contratação e terceirização (vale dizer,

vinculados a empregadores diversos), não possui poder de força para se contrapor

ao interesse econômico.

Por derradeiro, o modelo afasta do mercado de emprego inúmeros

trabalhadores que, em razão da necessidade de sobrevivência, acaba por se

estabelecer por conta própria, instituindo pequenos negócios, boa parte deles

informais ou ilegais. Esses minúsculos empresários, embora excluídos do processo

produtivo, acabam – ao contrário do que pregava Marx - afinando-se mais com o

discurso burguês do que com a formação homogênea da classe proletária (tese, não

confirmada, de Marx).

A reestruturação produtiva de que se está a tratar ocorre simultaneamente

ao declínio de um modelo de Estado (o Estado do bem-estar social) e do

ressurgimento das idéias liberais, agora sob nova roupagem (neoliberalismo).

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O impacto do novo modelo produtivo sobre a organização do Estado é bem

delineado por Ricardo Antunes (1997). Para o autor, a introdução e expansão do

toyotismo na Europa tende a enfraquecer ainda mais o que resta do Estado do Bem

Estar Social. Afinal, “o modelo japonês está muito mais sintonizado com a lógica

neoliberal; do que com uma concepção verdadeiramente social-democrata” (1997, p.

31). Com isso, o novo modelo de produção contribui para a redução ainda maior dos

fundos públicos e das conquistas sociais da classe que depende do trabalho

(empregados e pessoas em busca de colocação), colaborando para a

desorganização da social-democracia (ANTUNES, 1997, p. 31-2; ANTUNES, 2007,

p. 40).

Em estudo mais recente, Antunes (2007, p. 38) sustenta:

[...] o neoliberalismo e a reestruturação produtiva da era da acumulação flexível, dotadas de forte caráter destrutivo, têm acarretado, entre tantos aspectos nefastos, um monumental desemprego, uma enorme precarização do trabalho e uma degradação crescente, na relação metabólica entre homem e natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a produção de mercadorias, que destrói o meio ambiente em escala globalizada.

Como resultado da reestruturação produtiva, inegavelmente há uma redução

dos custos e um aumento da flexibilidade da empresa. Isso ocorre porque há uma

diminuição dos estoques (incluindo matéria-prima, ritmo de produção e produto

final), do espaço físico da empresa e de perdas no processo produtivo, ao mesmo

tempo, de um aumento na utilização dos equipamentos e do rendimento do trabalho

e de um maior controle da produção pelo empresário (BALTAR; PRONI, 1996, p.

138).

A flexibilidade na produção impõe relações de trabalho igualmente pautadas

pela maleabilidade. Afinal de contas, o número de trabalhadores necessário é menor

e as condições de contratação, remuneração e desligamento devem ser facilmente

manejáveis para bem atender às necessidades instáveis da produção (DEDECCA,

1997, p. 144). Por esse motivo, verificam-se modificações na forma de remuneração

do trabalho (condicionando ganhos à produtividade), na maneira de controle do

tempo (com o fito de eliminar, em certos períodos, mediante o sistema de

flexibilização da jornada, períodos de ociosidade ou de prestação de horas

suplementares) e no regime de ajuste coletivos (com prioridade para os acordos por

empresa) (DEDECCA, 1997, p. 121).

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As modificações na forma de gestão de pessoas empregadas têm

acarretado a deterioração do mercado de trabalho em face do desemprego

estrutural (o que decorre basicamente da extinção definitiva de postos de trabalho).

Este, por seu turno, faz aparecer o desemprego de longa duração, aprofunda as

desigualdades sociais, fomenta o trabalho precário (sem as plenas garantias

outorgadas pela legislação trabalhista, realizado em tempo parcial ou determinado e

com elevada rotatividade) e aumenta o número de excluídos (OLIVEIRA, 1998, p.

202; BALTAR; PRONI, 1996, p. 112-13; ANTUNES, 2007, p. 39).

No que diz respeito ao Brasil, importa salientar que essa reestruturação

produtiva se inicia com o governo de Fernando Collor, em 1990, ocasião em que

principia o projeto neoliberal de inserção do país no processo de globalização, com a

necessidade – segundo as bases teóricas dessa filosofia – de flexibilização dos

direitos da classe trabalhadora e de qualificação profissional da mão-de-obra

(circunstâncias que colocariam o Brasil no restrito grupo dos países de Primeiro

Mundo) (SANTOS; POCHMANN, 1996, p. 208).

Essa reestruturação ocorrida no País, da mesma forma que aquela

verificada em âmbito mundial, não representa avanço na área econômica, tampouco

na de relações do trabalho. Segundo Pochmann (2007, p. 37), a reestruturação

econômica, no caso brasileiro, acompanha uma reestruturação patrimonial. Em

outros termos, a fonte de riqueza deixa de ser prioritariamente o trabalho,

deslocando-se para heranças patrimoniais (cerca de 40%) e atividades ilícitas (em

razão da ausência de perspectivas de ampliação do capital apenas pela atividade

produtiva). Essas circunstâncias, como já afirmado, geram uma ausência de

identificação dos capitalistas com o desenvolvimento socioeconômico do País

(POCHMANN, 2005).

Esse fato, aliado ao crescente número de pessoas empregadas sem a

devida formalização do contrato (trabalho informal) e ao aumento do número de

pessoas ocupadas por conta própria, na maior parte das vezes em segmentos não-

organizados da economia, contribui para a expansão da taxa de precarização do

trabalho (POCHMANN, 2007, p. 40).

É de se registrar que as políticas sociais atualmente adotadas (garantia de

renda mínima aos extremamente pobres e políticas públicas de ocupação e

recuperação do valor do salário mínimo), visando a atender principalmente aos

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comandos da Constituição de 1988, colaboram decisivamente para a redução das

desigualdades da renda do trabalho (POCHMANN, 2007, p. 44).

3.2 O TRABALHO PRECARIZADO OU DEGRADANTE COMO TRABALHO

INDECENTE

Não há uma definição na doutrina, na legislação ou mesmo em instrumentos

dos órgãos nacionais e internacionais de proteção ao trabalho sobre o conceito de

trabalho precário, precarizado ou degradante. De maneira geral, o trabalho precário

é relacionado àquele realizado sem a proteção social necessária, ou seja, sem os

direitos e benefícios assegurados pela legislação, acrescido de outras variáveis

como baixos salários e condições não adequadas para a prestação de serviços.

Costuma-se, ainda, utilizar o termo “trabalho degradante” como sinônimo de

“trabalho precarizado”. Este, igualmente, é caracterizado como aquele prestado em

péssimas condições, sem a observância de normas de segurança e higiene no

trabalho e, por isso, tratado como uma das formas de trabalho análogo à condição

de escravo.

Há de se ressaltar, nesse contexto, em termos de legislação brasileira, a

modificação na redação do artigo 149, do Código Penal. A Lei n. 10.803, de

dezembro de 2003, tipifica o crime de reduzir alguém à condição análoga à de

escravo. Ao fazê-lo, indica que, no tipo, enquadram-se aqueles que submetem

outros a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas e, também, aqueles que

submetem pessoas a condições degradantes de trabalho.

Enfim, entende-se que trabalho degradante ou precário é uma espécie,

juntamente com o trabalho forçado, do gênero “trabalho análogo à condição de

escravo”, ao menos para a legislação penal.

A conceituação de trabalho forçado não é dificultosa. A Convenção 29 da

Organização Internacional do Trabalho define, no item 1 de seu artigo 2º, trabalho

forçado ou obrigatório como aquele “exigido de um indivíduo sob ameaça de

qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”.

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Trata-se, por evidente, de modalidade de trabalho que atenta contra a

liberdade do trabalhador e não apenas – como afirma a mencionada Convenção –

quando do ajuste inicial. Dá-se o trabalho forçado também após o início da

prestação de serviços (o trabalhador inicialmente concorda em trabalhar para

determinada pessoa, sendo impedido, posteriormente, por coação moral ou física, a

não deixar de laborar).

Trabalho degradante, por seu turno, embora de conceituação mais

embaraçada (segundo a doutrina, é mais simples dizer o que não é trabalho

degradante do que defini-lo) (BRITO FILHO, 2006, p. 132), é aquele em que não são

respeitados os direitos e princípios fundamentais de proteção ao trabalhador, isto é,

prestado sob condições indignas de trabalho e remuneração. Em outras palavras,

trabalho degradante ou precário é a antítese do trabalho decente, este considerado

como aquele prestado em condições em que são respeitados os direitos mínimos do

homem trabalhador, necessárias para a preservação de sua dignidade (BRITO

FILHO, 2006, p. 126).

De outra banda, esses direitos mínimos estão hoje devidamente positivados,

principalmente em instrumentos internacionais, como o Pacto Internacional dos

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas e nas

Convenções Fundamentais da Organização Internacional do Trabalho.

O referido Pacto Internacional (aprovado pela Assembléia Geral das Nações

Unidas em 19.12.1966 e com vigência nacional - depois de aprovado, ratificado e

promulgado - a partir de 24.04.1992), indica nos artigos 6º a 9º, os direitos mínimos

do trabalhador, a saber: liberdade na escolha ou aceitação de trabalho (incluindo

obrigação de o Estado promover a orientação e formação técnica e profissional dos

trabalhadores); condições de labor justas e favoráveis (especialmente, remuneração

justa e isonômica, principalmente entre homens e mulheres e que assegure

existência decente para o trabalhador e sua família); segurança e higiene no

trabalho; idênticas oportunidades de ascensão funcional (com utilização apenas dos

critérios de tempo de serviço e capacidade); oportunidades regulares de descanso e

lazer (limitação da jornada de trabalho, férias periódicas e remuneradas e

remuneração dos feriados); liberdade sindical (sem intervenção ou interferência do

Estado na organização e funcionamento dessas entidades); direito de greve e direito

à previdência social (seguro social obrigatório).

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A Organização Internacional do Trabalho (OIT), por seu turno, dispõe sobre

os princípios e direitos fundamentais do trabalho, aduzindo que estes são: a

liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; a

eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; a abolição efetiva

do trabalho infantil: e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e

ocupação (Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no

Trabalho, de junho de 1998). Com isso, a Organização torna fundamentais as

seguintes Convenções: as que tratam da liberdade sindical (87 e 98), da proibição

do trabalho forçado (27 e 105), da proibição do trabalho abaixo de idade mínima

(138 e 182) e da proibição da discriminação (100 e 111) (SÜSSEKIND, 2007).

Trabalho decente, portanto, é

[...] um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho em condições justas, incluindo a remuneração, e a preservação de sua saúde e segurança; a proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e a proteção contra os riscos sociais (BRITO FILHO, 2006, p. 128).

De forma mais sintética, todavia incluindo todos os elementos do conceito

antes indicado, o Governo brasileiro considera o trabalho decente como “um trabalho

adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e

segurança, capaz de garantir uma vida digna”. O trabalho decente, da mesma forma,

está alicerçado em quatro pilares estratégicos da Organização Internacional do

Trabalho: no respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos

princípios e direitos fundamentais do trabalho anteriormente indicados; na promoção

do emprego de qualidade; na extensão da proteção social; e no diálogo social

(BRASIL, 2006). No mesmo sentido, apresenta-se o conceito de trabalho decente,

lançado por Sachs (2004), salientando-se apenas que este considera trabalho

decente não apenas o emprego, mas a ocupação assalariada ou por conta própria

que outorgue ao prestador condições mínimas de subsistência.

3.3 LIMITES E POSSIBILIDADES DE RESTAURAÇÃO DA DIGNIDADE DO

TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

As pressões dos trabalhadores, aliadas às crises do sistema capitalista, são

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fontes materiais importantes para modificações na forma de utilização do trabalho

humano e na forma de estruturação do Estado. O Estado Social de direito (ou

Estado do Bem Estar Social), como ilustração, representa uma alternativa para a

pressão das classes operárias por melhores condições de trabalho (extremamente

desfavoráveis aos trabalhadores após a Revolução Industrial), para o movimento

revolucionário (de superação do modo de produção capitalista) e, da mesma forma,

para a crise produtiva e financeira de 1929.

O Estado do Bem Estar Social estrutura-se com base, principalmente, na

teoria econômica de John Maynard Keynes, para quem, em apertada síntese, um

modelo de Estado interventor seria capaz (como foi) de enfrentar a crise econômica

mundial sem a necessidade de superação do modo de produção capitalista. Além

disso, essa forma estatal tinha por base o primado do trabalho e do emprego, meio

de garantia da subsistência das pessoas destituídas de riqueza e dos meios de

acesso a ela (DELGADO, 2005, p. 29).

A derrocada do Estado do Bem Estar Social ocorre, como visto em capítulo

anterior, em virtude de seu endividamento e, também, de sua incapacidade de

enfrentar com sucesso a nova crise econômica mundial verificada na década de

1970.

Com esse desmoronamento das bases jurídicas, políticas e filosóficas do

Estado Social, ressurgem como alvissareiras as idéias de cunho nitidamente liberal

(neoliberalismo) situação que também irá refletir-se sobre o mundo do trabalho. O

trabalho – e sua forma mais articulada, o emprego - que antes era considerado a

categoria central da sociedade e fator preponderante de integração social passa a

ter sua centralidade questionada, principalmente em face das propagadas teses de

“fim do trabalho e do emprego”, sustentadas basicamente nos avanços tecnológicos

(que resultariam em diminuição de postos de trabalho), na reestruturação produtiva

(que reduziria cargos, funções e, consequentemente, também postos) e na

acentuação da competição capitalista (que prejudicaria o surgimento ou

desenvolvimento das empresas, gerando diminuições no número de empregos).

Para Fragale Filho (2006, p. 829-33), quatro teses tentam explicar esse

cenário de crise do trabalho. Para uma, o trabalho permanece como categoria

central da sociedade e elemento preponderante da integração social. Ocorre, no

entanto, uma modificação nos fatores da produção e na maneira de utilização do

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trabalho humano, circunstâncias que geram trabalho precário ou degradante, o que

mantém incólume a exploração do trabalho humano em razão da luta de classes.

Essa precarização ou degradação do trabalho reflete-se na fragilização da

integração social, pois resta desarticulado o fundamento social do trabalho, que é a

solidariedade. Para outra tese, o mercado é quem deve regular as políticas públicas

do Estado e a centralidade não mais subsiste no conflito entre o capital e o trabalho,

mas entre o trabalho qualificado (categorias de trabalhadores que, com as inovações

tecnológicas, estão em grau de subordinação tênue) e o trabalho não qualificado

(aqueles excluídos do setor produtivo, em face da nova organização do trabalho e

geralmente terceirizados). Para a terceira tese, a centralidade da discussão não está

no trabalho ou no mercado, mas na dicotomia incluídos versus excluídos. Por essa

teoria, acontece uma mudança na sociedade que, de estrutura vertical (pautada pela

luta de classes), passaria para uma estrutura horizontal (com centro – incluídos - e

periferia – excluídos), não com exploração, mas com exclusão. Essa doutrina prega

uma nova lógica de inserção, não mais lastrada unicamente no emprego, mas na

idéia de ocupação. Por fim, para a quarta teoria, existe uma profunda crise na

sociedade do trabalho, com nítida oposição entre trabalho e pós-trabalho. Essa tese

indica que está superada a crença de que o crescimento econômico produz

emprego, tendo em vista que isso não acontece. O emprego, assim, desaparece

como categoria fundamental, abrindo-se o caminho para uma sociedade a ser

estruturada na concepção de tempo livre.

A tese de que “o empregado vai acabar”, no entanto, não está sustentada

em dados científicos. Souto Maior, em obra que versa principalmente sobre a

ampliação da competência da Justiça do Trabalho, afirma que a idéia de término do

emprego resulta, em maior medida, da obra de Jeremy Rifkin (“O Fim dos

Empregos”), de 1996 (MAIOR, 2007, p. 19). Entretanto, conforme o autor, embora

algumas pessoas deixem seus empregos para se tornarem pequenos

empreendedores, o fato é que – depois disso - acabam utilizando empregados em

suas novas atividades. Esse fato demonstra que o emprego não vai acabar,

mormente em razão de várias pessoas exercerem suas atividades sem o

reconhecimento formal da relação de emprego – a um número muito maior de

empregados do que o efetivamente considerado nas estatísticas (MAIOR, 2007, p.

20-1).

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Em verdade, o neoliberalismo – intencionalmente – desestabiliza o trabalho

(e seu maior expoente, o emprego), como instrumento de consolidação da

identidade social do homem, passando a considerar o trabalhador como mero

instrumento de trabalho, proposição coerente com a visão de que o trabalho

valorizado inviabiliza a aplicação do receituário do mercado (DELGADO, 2006, p. 19-

20 e DELGADO, 2005, p. 30-31).

É de se notar que a política de deslustrar o trabalho está no contexto de

outros elementos que – com o neoliberalismo - privilegiam a produção, a economia e

o mercado. A partir de 1970, com a aludida crise do Estado do Bem Estar Social, as

condições para renascimento das idéias liberais decorrem da hegemonia no

pensamento econômico (o posteriormente chamado “Consenso de Washington”

indicava supostamente o único caminho para livrar os países emergentes da crise

financeira e de suas dívidas externas); da preponderância de governos de índole

nitidamente liberal nos países que ditam os rumos da economia mundial (Margaret

Thatcher na Inglaterra, Ronald Reagan nos Estados Unidos da América e Helmut

Kohl na Alemanha); da ausência de contraponto ao modelo liberal tanto no plano

externo (queda do império soviético) como no interno (enfraquecimento do poder de

luta dos trabalhadores e de seus sindicatos, perda da força dos governos

democrático-populares e perecimento do pensamento crítico) e submissão dos

países em desenvolvimento às idéias liberais dos países desenvolvidos.

A retomada do trabalho como método mais eficaz de distribuição de renda e

de justiça social, em um sistema sabidamente desigual, pressupõe, em um primeiro

momento, o combate à tese de que o trabalho ou o emprego não vão mais existir.

Isso é possível por meio de uma análise crítica dos fundamentos utilizados para

justificar essa enganosa conclusão. Delgado (2005, p. 36-66) analisa de forma

minuciosa e crítica tais premissas, concluindo que estas não refletem

necessariamente a realidade.

Primeiro, a revolução tecnológica gera, na verdade, a substituição de

algumas funções por outras, sem eliminar a necessidade de trabalho. De mais a

mais, os avanços verificados no campo da microeletrônica, da robótica, da

microinformática e nas telecomunicações serviram para aumentar a produtividade do

trabalho e a própria produção, fatores que se refletem no aumento do consumo e,

por conseqüência, na necessidade de um número maior de empregados.

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Segundo, a reestruturação empresarial conduz em grande medida a uma

precarização das condições de trabalho. Não, porém, – ao menos de forma

significativa – em uma redução nos postos de trabalho.

Terceiro, a acentuação da competição capitalista (que, em tese, poderia

inibir o desenvolvimento ou criação de novas empresas, com reflexos no mundo do

trabalho) somente se refletirá de maneira considerável no campo das relações de

trabalho nos casos em que o Estado simplesmente se omitir da prática de políticas

públicas que assegurem o direito ao trabalho (direito fundamental social).

Quarto, a assertiva de que o novo modo de produção (toyotismo)

desprestigia a produção em massa - o que demonstraria que o trabalho humano

está fadado à extinção - está lastrada na suposta redução de postos em virtude da

revolução tecnológica, na reestruturação empresarial e no aumento da competição

capitalista, assertivas que contrariam a realidade.

É perfeitamente possível assentar, portanto, que o trabalho não vai acabar.

Mais: torna-se imprescindível a defesa de sua centralidade no mundo

contemporâneo. Trata-se, afinal, do meio mais eficaz de integração do homem à

sociedade, tornando-o capaz – juntamente com suas vivências individuais – de

desenvolver todas as suas potencialidades e de direcionar sua vida (CHAUÍ, 2004,

p. 131).

Poder-se-ia argumentar que o fato de um homem utilizar o trabalho de outro

caracterizaria a instrumentalização do ser humano (um homem serve-se de outro

para atingir determinados objetivos). Contudo, observada a lição de Sarlet (2004a, p.

51), um homem pode servir voluntariamente a outro, desde que seu trabalho não

viole ou degrade a sua condição humana. Para o autor, o critério que define a

existência ou não de instrumentalização do ser humano (e, portanto, causa de

ofensa à dignidade da pessoa humana) é a intenção de uma pessoa de utilizar outra

apenas como meio para alcançar determinada finalidade (coisificação). Além disso,

o objeto do contrato não é o próprio homem, mas unicamente a força de trabalho

deste (SILVA, 2006), assertiva que, é importante salientar, sofre críticas por parte da

doutrina marxista (ficção jurídica, nas palavras de Gosdal (2006, p. 123), em vista da

impossibilidade de separar-se o homem do objeto de seu labor).

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O trabalho, destarte, somente cumpre o papel de auxiliar na construção da

identidade social do homem e não viola sua dignidade quando prestado de forma

decente ou digna, observando-se a conceituação alhures indicada. Por isso, em

sentido oposto, o trabalho forçado e o trabalho precário ou degradante, obviamente,

ofendem a dignidade do trabalhador e não podem ser admitidos, jurídica ou

moralmente.

Nesse rumo e, em virtude da necessidade de muitas pessoas alcançarem

sua subsistência – e a de suas famílias – por meio do trabalho, torna-se

imprescindível que se restaure a dignidade do trabalho, admitindo-se a prestação

apenas de trabalho em condições dignas ou decentes.

Essa restauração, por seu turno, passa pela valorização filosófica do

trabalho, instrumento necessário para que se alcance ou amplie a valorização

jurídica do instituto (BATAGLIA, 1958, p. 24). Para Felice Bataglia, a valorização

filosófica do trabalho tem como pressuposto o fato de, por meio dele, revelar-se o

homem criador e também espírito (BATAGLIA, 1958, p. 199). Em outro sentido, o

trabalho é instrumento de liberdade, eis que, por seu intermédio, o homem viabiliza a

realização de seus projetos (e desejos) no mundo, tornando-se, em última instância,

humano (ARANHA, 1997, p. 23). Como afirmado em outra passagem – o que ora se

repete em face da pertinência – é o trabalho que amadurece e aperfeiçoa o ser

humano, porquanto impõe a aquisição de conhecimento, estabelece a necessidade

de relacionamento com outras pessoas e possibilita ao trabalhador conhecer e

trabalhar com seus limites pessoais e sociais, fatores que inegavelmente modificam

a pessoa e permitem sua interação à sociedade (circunstância essencial para o

desenvolvimento de suas potencialidades e para o auto-conhecimento).

O problema do trabalho no mundo contemporâneo, todavia, não é diverso

daquele enfrentado em outros períodos da história (e sob outras formas de utilização

do trabalho humano – estudadas na presente), vale dizer, uma separação entre o

pensar e o fazer. Atribui-se a uma grande parcela de trabalhadores tão-somente o

fazer (sem conceber previamente o objetivo de seu labor), circunstância que afeta o

verdadeiro sentido do trabalho (imaginar com antecedência o que produzirá e, com a

produção, ter a possibilidade de modificar idéias pré-concebidas).

A dignidade no trabalho, nesse contexto, pressupõe a concessão de

atividades ao trabalhador que permitam a este o exercício do pensar e do fazer.

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Entrementes, para que isso se torne possível, é absolutamente necessário que se

permita aos trabalhadores manuais o acesso à educação formal, situação que

permitirá o exercício – em igualdade de condições – da prévia reflexão sobre o

objeto de seu trabalho, humanizando e enobrecendo o ser humano. O trabalho deve

ser um fator de desenvolvimento, de progresso e de realização do homem, com o

objetivo de contribuir para sua libertação, nunca um elemento de opressão do

trabalhador (ARANHA, 1997, p. 24-5 e 36 e SILVA, 2006).

A valorização do trabalho, no mesmo rumo, passa pela superação da lógica

econômica atualmente em vigor. Hodiernamente, essa lógica é aceita como a única

possível, inserindo-se a dignidade do trabalhador no restrito ambiente de uma

sociedade cujos primados são a produção, o crescimento e o consumo, enquanto ao

trabalho confere-se a condição de dever correlato (GOSTDAL, 2006, p. 11 e 117).

O trabalho, no entanto, é, acima de tudo, um direito. Como o homem precisa

providenciar bens necessários para assegurar sua sobrevivência, o trabalho se torna

imprescindível para esse desiderato. Por isso, o trabalho é um direito do cidadão

(NASCIMENTO, 1989, p. 25), impondo-se o afastamento do entendimento de que o

trabalho é um dever (legal e social), tendo em vista que isso ofenderia a liberdade do

indivíduo de escolher entre prestar serviços ou não.

No caso brasileiro, o direito ao trabalho é consagrado como direito social

fundamental (Constituição da República, artigo 6º). Nessa condição, pressupõe-se

uma ação positiva por parte do Estado no sentido de promover políticas públicas que

visem ao acesso e manutenção de ocupações à população que necessita. O

ordenamento jurídico, todavia, não oferece instrumentos que obriguem o Estado a -

em casos concretos - oferecer obrigatoriamente trabalho a quem não o encontra.

O direito ao trabalho deve, então, ser interpretado como a obrigação de o

Estado promover políticas públicas que mirem o pleno emprego, a igualdade de

oportunidades e a formação cultural e técnica dos trabalhadores (o que exige

também uma atuação positiva no campo da educação, com o oferecimento de uma

escola democrática).

Afora o afastamento da condição do trabalho como dever (e sua

admissibilidade como direito fundamental), é importante considerar-se a dignidade

como condição do trabalho (e não o trabalho como meio condicionante da

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dignidade). Em outros termos, são dignas as pessoas excluídas do mercado de

trabalho (como crianças e aposentados), assim como os desempregados. Como

doutrina Gosdal (2006, p. 118), a dignificação do homem pelo trabalho decorre do

pensamento moderno e da noção de trabalho no sistema capitalista, com a intenção

de justificar a apropriação privada dos meios de produção e de auxiliar na

justificação para a possibilidade de venda da força laboral.

A valorização do trabalho, no entanto, pressupõe, da mesma forma, a

concepção do trabalho como direito, a dignidade como uma condição para o

trabalho ser prestado (trabalho dignificado e não trabalho dignificante) e uma

prevalência da pessoa sobre o patrimônio (quando verificado conflito entre o ser e o

ter, a atividade econômica deve ser orientada para o bem da sociedade e não para a

satisfação individual).

Essas são as premissas necessárias para que, sem aventar discussão sobre

modificação nos pilares do modo de produção capitalista (com a conseqüente

repulsa ao trabalho alienado, em que o homem transforma o seu ser em mero meio

de aquisição de condições financeiras para possibilitar a subsistência e com

valorização do trabalho como atividade livre, no qual o homem torna-se proprietário

do produto de seu trabalho: “o produto do trabalho é o trabalho que se fixou num

objeto, que se transformou em coisa física, é a objetivação do trabalho”) (MARX,

2004, p. 112), permita-se construir, dentro do sistema produtivo atual, um “patamar

mínimo civilizatório” ou condições mínimas de dignidade para a prestação do

trabalho subordinado.

Gosdal (2006, p. 140), em tese de doutorado defendida perante a

Universidade Federal do Paraná, e com base em elementos da sociologia e da

antropologia, defende um retorno à vinculação, em relação ao trabalho, do conceito

de dignidade ao de honra. Aduz que, no período anterior à modernidade, as pessoas

se reconheciam e eram reconhecidas pela comunidade como honradas (e, portanto,

dignas) “em razão do lugar que ocupavam na sociedade e dos papéis e atividades

inerentes a essa posição” (GOSDAL, 2006, p. 142).

Com a modernidade, não é eliminada a possibilidade de as pessoas

distinguirem-se em razão de seus lugares ou atividades. Porém, o peso dessa

condição é reduzido, adquirindo a dignidade o significado de direito a condições

mínimas de existência, a bens e serviços e à propriedade. A modernidade e o

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capitalismo passam a distinguir a pessoa individualmente, em virtude de sua relação

com os bens, identificando-os como proprietários ou consumidores (GOSDAL, 2006,

p. 142). Para a autora, a idéia de honra (conjugação dos valores que a pessoa

atribui a si mesma àqueles atribuídos pela sociedade) vincula a identidade ao

passado (papéis sociais desempenhados), enquanto o conceito moderno de

dignidade exige que o indivíduo, para descobrir sua identidade, se liberte dos papéis

sociais compreendidos como impostos, citando como exemplo de dignidade a

liberação feminina (GOSDAL, 2006, p. 145/146).

A autora defende, assim, uma compreensão atual de dignidade no trabalho

composta de duas dimensões: a primeira envolvendo um conteúdo mínimo de

direitos e imunidades necessários à inserção do trabalhador no mercado de

consumo e, outra, vinculando sua dignidade ao conceito de honra (direito a um

tratamento apropriado em razão de sua posição social). Em assim sendo, eventual

ofensa à sua dignidade (na dimensão da honra) ocorreria, independentemente de

prejuízo econômico (como no caso de revistas em bolsas ou pertences do

trabalhador), tornando viável a inserção do trabalhador nas relações comunitárias

em razão de sua posição no sistema capitalista (GOSDAL, 2006, p. 147-48).

Superada a questão de valorização do trabalho no campo filosófico e

afastada a tese de sua ineficácia como meio de conexão do homem à sociedade,

não se pode dispensar sua consideração pela ordem jurídica (aliás, esta decorre

daquela).

O Estado Democrático de Direito, considerado uma evolução do Estado

Social, tem como alicerce a pretensão de construir um novo projeto de sociedade,

com inserção no ordenamento jurídico de conquistas democráticas e garantias

jurídico-legais (mantida a preocupação social).

O modelo de direito, no estado democrático, continua vinculado ao princípio

da legalidade, porém com enfoque não mais genérico, e sim concreto (com o intuito

de transformar a situação social). O direito, no estado democrático, deixa de ser

apenas interventor, passando a ser também transformador.

O direito, nessa nova fase, assume uma feição transformadora, com

participação democrática da comunidade e possui como princípios a garantia jurídica

outorgada pela Constituição; a organização democrática da sociedade; a adoção de

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um sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos (o Estado assume uma

posição de respeito ao cidadão); a correção das desigualdades pela justiça social; a

igualdade; a divisão dos poderes e funções; a exclusão de arbítrios e prepotência

pela lei; e a segurança e a certeza jurídicas. A lei, nesse conjunto, é um instrumento

de transformação das condições sociais.

Esse modelo de Estado, constituído pela ordem constitucional brasileira

(Constituição da República, artigo 1º), tem como um de seus principais objetivos a

garantia de uma vida digna a todos (a dignidade da pessoa humana é considerada o

princípio norteador de todo o ordenamento jurídico pátrio), situação apenas

alcançada caso o indivíduo tenha acesso aos recursos necessários ao atendimento

de suas necessidades vitais. Estas, segundo a própria Constituição, são: moradia,

alimentação, trabalho, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e

previdência social (Constituição da República, artigo 7º, IV).

O trabalho constitui-se, além de um direito, um meio de acesso às

necessidades vitais, tornando-se absolutamente necessária sua valorização social e

jurídica.

A ordem constitucional brasileira, inegavelmente, indica, como um de seus

fundamentos, o valor social do trabalho, salientando que a ordem econômica está

edificada na valorização do trabalho humano (Constituição da República, artigos 1º,

inciso IV e artigo 170, caput). Valorizar o trabalho do homem significa outorgar-lhe

tratamento diferenciado e àquele que o executa, o trabalhador:

Esse tratamento, em uma sociedade capitalista moderna, peculiariza-se na medida em que o trabalho passa a receber proteção não meramente filantrópica, porém politicamente racional. Titulares de capital e de trabalho são movidos por interesses distintos, ainda que se negue ou se pretenda enunciá-los como convergentes. Daí porque o capitalismo moderno, renovado, pretende a conciliação e composição entre ambos (GRAU, 2006, p. 198-9).

Não se pode negar, em face do exposto, que a Constituição da República

expressamente indica a prevalência do trabalho sobre o mercado, porquanto a

finalidade da ordem econômica é a garantia de uma existência digna a todos, com

base na doutrina da justiça social (SILVA, 2007, p. 788).

A restauração da dignidade do trabalho, consequentemente, pressupõe sua

valorização filosófica, social e jurídica. Além disso, implica o reconhecimento de que

o direito ao trabalho, assegurado na Constituição, representa direito a um trabalho

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digno ou decente, nos termos propostos pela Organização Internacional do

Trabalho: “trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições

de liberdade, equidade, e segurança, sem quaisquer formas de discriminação, e

capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem de seu trabalho”

(OIT, 2008).

Por outro lado, a própria Organização Internacional do Trabalho prevê os

meios necessários (ou eixos centrais) para a promoção do trabalho decente: a

criação de emprego de qualidade para homens e mulheres, a extensão da proteção

social, a promoção e fortalecimento do diálogo social e o respeito aos princípios e

direitos fundamentais do trabalho (liberdade de associação e de organização sindical

e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as

formas de trabalho forçado ou obrigatório; e abolição efetiva do trabalho infantil e

eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação) (OIT, 2008).

O Brasil, especificamente, assumiu – em junho de 2003 - como prioridade

política de seu governo, a promoção do trabalho decente, com a assinatura pelo

Presidente da República de um memorando de entendimento com a Organização

Internacional do Trabalho, prevendo o estabelecimento de um Programa Especial de

Cooperação Técnica para a Promoção de uma Agenda Nacional de Trabalho

Decente (OIT, 2006). Referida agenda foi elaborada e publicada em 2006, após

consulta às organizações de empregadores e trabalhadores, fixando três

prioridades: a geração de mais e melhores empregos, com igualdade de

oportunidades e de tratamento; a erradicação do trabalho escravo e a eliminação do

trabalho infantil, em especial, em suas piores formas e o fortalecimento do diálogo

social (governo, empregados e empregadores) como instrumento de governabilidade

democrática.

A mencionada agenda, além de estabelecer objetivos, indica os resultados

que são esperados e institui linhas de ação específicas para cada prioridade. E

mais: prevê a elaboração de um “Programa Nacional de Trabalho Decente”, a ser

incluso no Plano Plurianual, com fixação de estratégias, metas, prazos, produtos e

indicadores de avaliação e monitoramente e avaliação constantes.

No mesmo sentido, o informe do Diretor Geral da Organização Internacional

do Trabalho, ao apresentar o relatório “trabalho decente nas Américas: uma agenda

hemisférica, 2006-2015”, em que estão igualmente revelados os principais desafios

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enfrentados pelos países americanos para a geração de trabalho decente e

assinaladas as políticas gerais (crescimento econômico promotor do emprego,

respeito efetivo aos princípios e direitos fundamentais no trabalho, maior eficiência e

abrangência da proteção social e diálogo social efetivo) e específicas (respeito às

normas internacionais do trabalho; políticas de igualdade de gênero, de emprego

para a juventude e de formação profissional; apoio à micro e pequenas empresas,

entre outros) para a sua promoção.

Devem ser definitivamente afastadas, portanto, as teorias que pregam o

oferecimento ou manutenção de qualquer trabalho, porque, em tese, é melhor do

que a indigência ou a miséria, partindo-se para a defesa inconteste do direito ao

trabalho minimamente protegido (decente ou digno), único adequado a preservar a

honra e dignidade dos que trabalham e instrumento imprescindível para a realização

da justiça social, mediante a distribuição a uma grande parcela da população de

uma parcela dos ganhos do sistema econômico.

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4 CONCLUSÃO

O direito ao trabalho é um direito fundamental social e um meio de acesso à

vida digna. É por meio do trabalho que o homem se humaniza, concebendo

previamente o objeto a ser construído e, ao fim, transformando-se com a execução e

o término da atividade. Além disso, é, em geral, por meio do trabalho que o homem

alcança os meios materiais imprescindíveis para o válido exercício de outros direitos,

como os civis e políticos.

A concepção dos direitos sociais como direitos fundamentais, no entanto,

encontra resistências doutrinárias. As principais objeções a esse caráter são de

ordem teórica e política.

No plano teórico, afirma-se que os direitos sociais possuem caráter

meramente programático. Para sua efetividade seria necessária a criação de normas

complementares, razão pela qual os indivíduos não podem invocá-los diretamente

como substrato às suas pretensões. Esse entendimento escora-se na alegada

oposição entre os direitos sociais e os civis e políticos (estando aqueles

subordinados a estes) e no formalismo jurídico.

No plano político, diz-se que os direitos sociais são direitos de segunda

ordem, dependentes de uma economia forte, e cuja plena efetividade encontra

obstáculo instransponível nas limitações e impossibilidades orçamentárias.

O presente estudo aponta para a inconsistência dos argumentos contrários à

consideração dos direitos sociais como direitos fundamentais. Tais argumentos não

levam em consideração que há um novo paradigma, concebido a partir da

constituição do Estado Democrático de Direito que, inclusive literalmente, considera

os direitos sociais como integrantes da lista de direitos fundamentais (sem qualquer

relação de subserviência). Afora isso, os direitos sociais, no novo modelo de Estado,

são indispensáveis para se assegurar o cumprimento dos objetivos constitucionais

de promoção da igualdade com justiça social.

É importante assinalar que o Estado democrático exige um modelo de direito

transformador, único apto a transformar a realidade social (objetivo do Estado

Democrático de Direito). Uma sociedade extremamente desigual, como a brasileira,

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somente pode assumir nova feição, caso o Estado cumpra a sua missão de

implementar os direitos sociais, com recursos financeiros indicados em programas

políticos escolhidos, segundo regular processo democrático de participação popular.

Indubitável é, da mesma forma, que não apenas os direitos sociais exigem

investimentos e, conseqüentemente, gastos estatais. Os direitos civis e políticos

também reclamam, para sua garantia, pesados dispêndios por parte do Estado, e a

vinculação da efetividade dos direitos à denominada “reserva do possível” pode

conduzir à negação de todos os direitos (inclusive os ditos direitos liberais clássicos).

Posta assim a questão, impõe-se uma fundamentação racional aos direitos

sociais, com o objetivo de justificá-los como direitos fundamentais e, com isso, evitar

o retrocesso social e legitimar investimentos públicos que, em última análise,

resultem na garantia de existência digna.

O princípio jurídico da dignidade humana, por sua vez, tem a função de

limitar as práticas que visem a tolher ou minimizar o valor do ser humano e, ao

mesmo tempo, a atribuição de mobilizar a promoção do homem.

O trabalho, nessa linha, é um fator determinante na enunciação da dignidade

humana. Ele pode suprimir a dignidade na medida em que ocupe todo o tempo do

trabalhador em prol tão-somente da acumulação capitalista. Nessa situação, o

trabalho não serve para dar vazão ao potencial criativo e autônomo do homem,

funcionando apenas como instrumento de produção.

A contribuição de Marx e dos pensadores religiosos na valorização do

trabalho do homem é incontestável. Todavia, a busca por atenuar os efeitos da mais-

valia não pode continuar sendo a (única) razão de ser da proteção ao trabalho

humano. O princípio da dignidade humana assume a importância de elemento

condicionante do valor do trabalho e gera a necessidade de uma dogmática que

especifique os direitos indispensáveis à consecução de trabalho digno. Somente

dessa maneira torna-se possível superar os obstáculos relativos à exigibilidade e

eficácia do direito fundamental ao trabalho.

A imposição de condições dignas de trabalho, por outro lado, justifica-se em

razão da possibilidade de o homem, no trabalho, ser privado de sua dignidade. Por

isso a exigência de proteção ao homem que trabalha, com o intuito de evitar e

afastar as formas, muitas delas veladas, de mercantilização do trabalho humano,

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convertendo uma das mais importantes dimensões humanas em mero instrumento

de acumulação e lucro.

Sob outro aspecto, o projeto neoliberal em vigor busca desestabilizar a

centralidade do trabalho, indicando o mercado como o melhor regulador da vida das

pessoas. Com isso, e de maneira dissimulada, torna o homem trabalhador mero

instrumento dos objetivos empresariais.

As proposições teóricas que tentam demonstram que o papel do trabalho na

sociedade atual não é importante – e, portanto, que ele não pode ser o eixo central

da vida das pessoas – são falaciosas.

A incontestável revolução tecnológica, vislumbrada no campo da

microeletrônica, da robótica, da microinformática e nas telecomunicações, não

ocasiona a propagada redução importante no número de pessoas ocupadas. Seu

principal efeito é o de diminuir ou até extinguir o número de pessoas em

determinadas profissões. Persiste, no entanto, a necessidade de trabalho e, em

termos numéricos, as funções reduzidas ou extintas são, em sua maior parte,

substituídas por outras (especialmente nos novos campos do conhecimento). De

mais a mais, os avanços tecnológicos geram aumento de produtividade e,

conseqüentemente, da produção. A indústria dita novos valores culturais que se

refletem em uma nova (e equivocada) maneira de satisfação das necessidades

humanas (consumo), circunstância que acaba por repercutir no mercado de trabalho

(com abertura de novos postos).

A reestruturação das empresas, tendo por padrão aquele inicialmente

adotado pela economia japonesa (toyotismo), da mesma forma, não resulta em uma

redução expressiva no número de postos de trabalho. Em relação ao mercado de

trabalho, basicamente o novo modelo de gestão empresarial aponta para a

necessidade de dedicação da empresa à sua finalidade principal, com redução de

custos por meio da sub-contratação de diversas atividades. Afora isso, em relação

às pessoas, institui-se um novo padrão de relacionamento, buscando-se inserir no

trabalhador uma mentalidade acrítica de sua condição no mundo. O efeito disso, ao

contrário do apregoado pelos teóricos do fim do trabalho, não é a gradativa redução

do número de vagas. Mantém-se a necessidade de trabalhadores, mesmo que em

uma organização disposta de maneira diversa, em que cada pessoa é utilizada em

vários postos e atribuições (multifuncionalidade). O que verdadeiramente acontece é

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uma precarização das condições nas quais o trabalho é prestado, em virtude,

especialmente, da desregulamentação e da flexibilização do trabalho subordinado.

Concomitantemente, há um arrefecimento do poder de luta da classe trabalhadora,

seduzida com as novas táticas de gerenciamento empresarial que louvam o

individualismo com a clara intenção de impedir a consciência coletiva.

A crescente competição internacional entre as empresas, em idêntico rumo,

efetivamente resulta em um número menor de novos empreendimentos, receosos de

adentrar em um mercado altamente competitivo e praticamente sem barreiras

internacionais. Sabe-se que as empresas de menor porte são aquelas que mais

contratam mão-de-obra e, desse modo, a prática globalizada e as técnicas

gerenciais dos grandes conglomerados refletem-se no mercado mundial de trabalho

humano. Entrementes, somente ocorrerá redução considerável do número de

pessoas ocupadas, caso o Estado deixe de cumprir uma de suas principais missões,

indicada expressamente no preâmbulo da Constituição da República brasileira:

assegurar o exercício dos direitos sociais (dentre os quais, o direito ao trabalho),

promovendo políticas públicas de promoção de emprego e renda, nos termos

indicados em ajustes firmados com a Organização Internacional do Trabalho.

Somente assim se garantirá a igualdade material das pessoas, oferecendo-se a

oportunidade para que estas desfrutem dos benefícios da liberdade.

O trabalho não vai acabar, pois é evidente sua centralidade no mundo

contemporâneo. Trata-se, afinal de contas, do meio mais efetivo de integração do

homem à sociedade. Impõe-se, portanto, o compromisso de afastar as falsas

premissas que pregam sua falta de importância, mantendo-se e aprimorando-se a

luta pela efetivação de condições dignas de trabalho (patamar mínimo civilizatório), a

serem indicadas por meio da dogmática trabalhista (mecanismo prático para limitar a

prevalência do lucro sobre a dignidade do homem trabalhador) e, abaixo das quais,

a prestação de serviços é indigna, e o homem, por conseguinte, resta despido de

sua dignidade.

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