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1 UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ MIGUEL ETINGER DE ARAUJO JUNIOR PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR: UMA CONTRIBUIÇÃO À DEMOCRACIA E À CIDADANIA. Rio de Janeiro 2005

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

MIGUEL ETINGER DE ARAUJO JUNIOR

PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR: UMA CONTRIBUIÇÃO À DEMOCRACIA E À CIDADANIA.

Rio de Janeiro 2005

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MIGUEL ETINGER DE ARAUJO JUNIOR

PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR: UMA CONTRIBUIÇÃO À DEMOCRACIA E À CIDADANIA.

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito, pela Universidade Estácio de Sá.

Orientador: Prof. Dr. Regis Velasco Fichtner Pereira

Rio de Janeiro 2005

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VICE­REITORIA DE PÓS­GRADUAÇÃO E PESQUISA

A dissertação

PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR: UMA CONTRIBUIÇÃO À DEMOCRACIA E À CIDADANIA.

elaborada por

MIGUEL ETINGER DE ARAUJO JUNIOR

e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Curso de Mestrado

em Direito como requisito parcial à obtenção do título de

MESTRE EM DIREITO

Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 2006.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________

Prof. Dr. Regis Velasco Fichtner Pereira Presidente

Universidade Estácio de Sá

_____________________________________ Profa. Dra. Renata Braga Klevenhusen

Universidade Estácio de Sá

______________________________________ Prof. Dr. Eduardo Takemi Dutra dos Santos Kataoka

Universidade Cândido Mendes

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Aos meus pais, que me possibilitaram ter chegado até aqui.

A Neyva, pelo incentivo na vida acadêmica e

tudo mais. A Pedro, meu filho,

como retribuição pelos momentos distantes. Foi por vocês!

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, professor Regis Fichtner, pelo direcionamento do trabalho.

Aos professores do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Estácio de Sá,

À Universidade Estadual de Londrina, por ter possibilitado esta conquista,

em especial aos seus professores pelo incentivo constante,

A todos que colaboraram de alguma forma para eu ter chegado até aqui.

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RESUMO

Analisa­se no presente trabalho a participação popular na elaboração dos planos diretores dos municípios, que são as leis municipais que disciplinam a utilização do solo urbano, de acordo com a função social da propriedade urbana. A elaboração do Plano Diretor é parte de um procedimento maior que é o planejamento municipal. Verifica­se, num primeiro momento, a legitimidade desta participação popular, passando pela evolução histórica da idéia de urbanismo, urbanização e urbanificação, o estudo acerca do Estatuto da Cidade e dos planos diretores, encerrando com um estudo de casos através da análise comparativa de dois planos diretores e seu texto final de lei, de forma a demonstrar a importância do comprometimento dos membros da sociedade na elaboração de políticas públicas.

Palavras­chave: plano diretor; municípios; gestão democrática; participação popular; democracia; cidadania.

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ABSTRACT

This essay investigates the social engagement in developing municipal districts’ master plans, i.e., local laws that discipline urban land use according to their social importance. Developing a master plan is an element of a main procedure identified as urban territorial planning. At first, it will evaluate the legitimacy of social engagement by reviewing the historic evolution of such concepts as urbanism, urbanization and urbanification. It will also assess the studies regarding both the Statute of the City and the Master Plans. Concluding, it will present a comparative case study analysis, concerning two master plans and their final version as statutory law, in order to demonstrate the value of civil society commitment in setting forth public policies.

Key words: “master plan”; municipal districts; democratic management; social engagement; democracy; citizenship.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 10

1 DEMOCRACIA ............................................................................................. 16

1.1 Significado do termo “democracia” e evolução histórica .......................... 16

1.1.1 Democracia na Grécia Antiga ......................................................................... 16

1.1.1.1 Situação política e social da Grécia Antiga ................................................... 16

1.1.1.2 O “modus operandi” da democracia grega .................................................... 19

1.1.2 Período da Idade Média ................................................................................... 23

1.1.3 Os ideais da Revolução Francesa .................................................................... 25

1.1.4 A democracia representativa ........................................................................... 27

1.1.5 Os obstáculos da democracia ........................................................................... 30

1.1.5.1 Quem é o povo? ............................................................................................... 30

1.1.5.2 Obstáculos e perspectivas ............................................................................... 34

1.1.6 A democracia participativa ou deliberativa ..................................................... 40

1.1.7 A teoria do discurso de Habermas ................................................................... 44

1.2 Objetivo da análise dos procedimentos democráticos ................................ 47

2. A CIDADE ...................................................................................................... 49

2.1 Qual cidade? ................................................................................................... 49

2.2 Origem e evolução das cidades ..................................................................... 50

2.3 Conceito atual de cidade ............................................................................... 55

2.4 O papel atual da cidade ................................................................................. 57

3 URBANISMO E DIREITO URBANÍSTICO ................................................ 59

3.1 Urbanismo. Urbanificação. Urbanização .................................................... 59

3.2 Planejamento urbano .................................................................................... 63

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3.3 Reflexos da urbanização no direito de propriedade.

A função social da cidade .............................................................................. 66

3.4 Direito urbanístico ......................................................................................... 73

3.5 Competência legislativa ................................................................................. 77

4 O ESTATUTO DA CIDADE .......................................................................... 79

4.1 Lei regulamentadora ..................................................................................... 79

4.2 “Marco regulatório” da organização do espaço urbano ............................ 79

4.3 Estrutura da lei .............................................................................................. 82

4.4 Gestão democrática das cidades ................................................................... 85

5 PLANO DIRETOR ......................................................................................... 88

5.1 Conceito .......................................................................................................... 88

5.2 Princípios, diretrizes e objetivos .................................................................. 91

5.3 Elaboração ...................................................................................................... 92

5.3.1 Iniciativa .......................................................................................................... 92

5.3.2 Participação popular ........................................................................................ 95

5.3.3 Rito procedimental ........................................................................................ 100

5.4 Conteúdo ...................................................................................................... 101

5.5 Obrigatoriedade ........................................................................................... 103

5.6 Controle de constitucionalidade e responsabilidades .............................. 106

6 ANÁLISE DE PLANOS DIRETORES E PROCESSOS DE

ELABORAÇÃO ........................................................................................... 111

6.1 Município de Assai / Paraná ....................................................................... 112

6.2 Município de Bela Vista do Paraíso / Paraná ............................................ 116

CONCLUSÃO ............................................................................................... 122

REFERÊNCIAS ........................................................................................... 127

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INTRODUÇÃO

A República Federativa do Brasil está fundamentada em diversos

princípios que se encontram inseridos de forma explícita ou implícita no corpo da

Constituição Federal de 1988.

O art. 1º, caput, da Lei Maior estabelece que nosso país "constitui­se

em Estado Democrático de Direito". O significado original da palavra "democracia"

remonta à época da Grécia Antiga, significando o "governo do povo" (demos = povo

+ kratein = governo). Sob o aspecto político significava a participação dos

administrados na administração de suas cidades. Quando se fala em Estado

Democrático de Direito, quer­se dizer que esta forma de administração se dá com

base em normas jurídicas previamente estabelecidas, resultado da captação e

escolha dos valores imperantes numa determinada sociedade e em determinada

época, valores esses também chamados de princípios, que devem ser os objetivos,

os fins a serem alcançados em toda atividade administrativa. Atuação em

desconformidade com esses valores traduz uma ilegitimidade e ilegalidade das

condutas traçadas, passível de serem invalidadas de acordo com os instrumentos

previstos neste mesmo sistema jurídico.

A Constituição Federal traça como fundamento da República a

cidadania (art. 1º, II), a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), afirmando ainda

em seu parágrafo único do art. 1º que "todo o poder emana do povo, que o exerce

por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Verifica­se, assim, que o cidadão tem autorização expressa

constitucional de exercer diretamente o poder, ou seja, de deliberar por uma

determinada linha de atuação no alcance dos fins pré­estabelecidos.

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O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), é o instrumento jurídico que

regulamenta o Plano Diretor previsto no art. 182, § 1º da Constituição Federal.

O Plano Diretor é um conjunto de determinações elaboradas através

de uma lei municipal, que visa, precipuamente, disciplinar a ocupação e utilização do

solo urbano.

O Plano Diretor tem com uma de suas tarefas traçar parâmetros legais

acerca do conceito de função social da propriedade urbana.

Com efeito, a nova ordem constitucional não prevê o direito absoluto à

propriedade privada, tornando­a legítima somente quando colocada dentro de todo o

contexto social, de forma que garanta o desenvolvimento não só de seu proprietário

como de toda a sociedade.

Em seu art. 40, § 4°, I, o Estatuto da Cidade prevê a promoção de

audiências públicas e debates com a participação da população e de associações

representativas dos vários segmentos da comunidade, no processo de elaboração

do Plano Diretor e na fiscalização de sua implementação.

Este dispositivo atende ao comando do art. 29, XII da Constituição

Federal que prevê a necessidade dos municípios brasileiros se valerem da

“cooperação das associações representativas no planejamento municipal”, que

significa a participação comunitária em torno de assuntos comuns no âmbito local.

Tem­se, portanto, com pressuposto de validade e legitimidade dos

planos diretores, a efetiva participação dos integrantes da sociedade no seu

processo de elaboração e gestão. É a chamada participação popular na elaboração

de políticas públicas, que se figura como uma das formas de observância do

comando constitucional insculpido no referido parágrafo único do artigo 1º.

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Verifica­se, portanto, dos dispositivos legais supra mencionados, que

nosso ordenamento jurídico vai ao encontro dos ideais da Democracia e da efetiva

participação popular. No entanto, sabe­se que a construção de uma sociedade justa

e equilibrada não é tarefa que possa ser imposta de cima para baixo. Ela é um

processo lento de construção de bases. Não se pode querer que uma Lei, uma

Constituição, opere mudanças estruturais no seio de uma sociedade, no caso a

brasileira, arraigada a princípios centralizadores e aristocráticos.

Ademais, é conhecida na sociedade brasileira a falta de experiência da

população na elaboração de políticas públicas, cujas causas são diversas, podendo­

se citar a título de exemplo a falta de educação e cultura e os governos autoritários

que permeiam a história brasileira.

Uma maior participação popular, em regra, resulta em planos e

programas mais condizentes com os anseios da sociedade como um todo, e não

apenas em relação a determinados segmentos sociais mais organizados e com

maior poder de barganha.

Para uma melhor compreensão sobre a participação popular na

elaboração dos planos diretores, parte­se num primeiro momento para um estudo

acerca do instituto da democracia.

Desde a sua origem, à época da Grécia antiga, no século V a. C. até

os dias atuais, procura­se analisar o modus operandi do processo democrático em

cada momento histórico e a situação social e política que possibilitou cada realidade.

Fazendo­se uma análise sobre pontos positivos e negativos destes

processos é possível propor formas diferentes ou aperfeiçoadas do exercício da

democracia.

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Este aperfeiçoamento passa necessariamente pelo aumento das

instâncias de deliberação direta ou conjunta do cidadão, de forma a aproximar o

atuar do Estado aos concretos anseios da sociedade.

Neste contexto, identifica­se o momento histórico do surgimento das

cidades, assim entendido, do ponto de vista político­geográfico, como o espaço

territorial com uma população urbana considerável, dotado de certa infra­estrutura e

com atividades específicas como comércio, prestação de serviços, dentre outros.

Sob o ponto de vista social, entende­se como o local ideal para a

realização de um debate racional entre pessoas na busca de uma opção possível na

gestão do espaço comum e adequação da propriedade privada ao bem­estar da

comunidade.

Esse momento histórico de incremento da urbanização, processo de

aumento das populações urbanas, tem como conseqüência o surgimento de novos

ramos de estudo que visam analisá­la e propor alternativas ao crescimento

desordenado.

Destaca­se então o urbanismo e o direito urbanístico, métodos

interdisciplinares relacionados ao espaço urbano.

O primeiro mais voltado aos aspectos arquitetônicos e o segundo às

normas jurídicas.

É neste contexto que surge o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001,

que, regulamentando a Constituição Federal de 1988, estabelece as diretrizes para

a atuação administrativa e legislativa na busca de uma melhor ocupação e utilização

do solo urbano e expansão urbana.

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O Plano Diretor, lei municipal fundamental para esta atividade, busca

detectar as deficiências, necessidades e potencialidades locais e traçar o modelo de

desenvolvimento urbano.

O ponto central do presente trabalho está ligado à participação dos

cidadãos no processo de elaboração e deliberação do Plano Diretor.

Todo o sistema jurídico constitucional e infraconstitucional obriga que

haja esta participação.

A partir deste conceito, buscou­se aliar o conhecimento teórico a

aspectos práticos, analisando­se comparativamente o processo de elaboração de 02

(dois) planos diretores, em especial a participação popular e a correlação do texto

final da lei com os interesses dos participantes.

Toda esta atividade está baseada na busca de uma adequada

ocupação do espaço urbano, visando garantir a observância dos direitos

fundamentais ao homem, como dignidade da pessoa humana, que exige um

ambiente saudável para viver, trabalhar e recrear, o meio ambiente ecologicamente

equilibrado, o direito à moradia, dentre outros.

Não se buscou neste trabalho um aprofundamento específico destes

mencionados direitos fundamentais, apenas faz­se remissão a eles pelo fato de

estarem ligados ao planejamento municipal como um todo.

Com efeito, se buscou uma abordagem específica dentro da linha de

pesquisa “Direitos Fundamentais e Novos Direitos”.

Quanto aos direitos fundamentais, já se fez breve comentário, valendo

ainda ressaltar o direito fundamental de exercício direto do poder pelo povo,

conforme estabelecido no artigo 1 o , parágrafo único da Constituição Federal de

1988.

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Quanto aos novos direitos, enquadra­se o direito urbanístico,

conseqüência da mencionada urbanização.

Será utilizada uma metodologia descritiva, através de estudo de casos,

com uma abordagem qualitativa.

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1. DEMOCRACIA

1.1 Significado do termo e evolução histórica

As palavras são signos, convenções, que procuram representar um

conjunto de idéias, reunindo nelas, as palavras, toda uma gama de considerações

sociais, políticas, econômicas, gramaticais etc. O verdadeiro significado de uma

determinada palavra precisa ser analisado sob diversos aspectos, dentre os quais os

mencionados acima, e sempre se levando em consideração o aspecto temporal e

espacial.

O significado original da palavra “democracia” remonta à época da

Grécia Antiga, mais precisamente à cidade­estado de Atenas, por volta do século V.

a. C. (Péricles). Àquela época, democracia significava o “governo do povo” (demos =

povo + kratein = governo). Sob o aspecto político, significava a participação dos

administrados na administração de suas cidades.

1.1.1 Democracia na Grécia Antiga

1.1.1.1 Situação política e social da Grécia Antiga 1

A Grécia que se pretende analisar, em especial sobre o instituto da

democracia que ali vigia, não corresponde à Grécia dos tempos atuais, por certo.

Àquela época (final do século V a. C. e início do século IV a. C.), o que

se verificava era a existência de cidades autônomas, sem qualquer organização

política que a vinculasse a outras cidades gregas. Neste contexto, duas grandes

cidades se destacavam no cenário político: Atenas e Esparta.

Tomar­se­á como parâmetro, para os efeitos do presente trabalho, a

cidade de Atenas.

1 A abordagem é feita com base na leitura de WATANABE, Ligia Araujo. “Platão por mitos e hipóteses”. São Paulo: Moderna, 1996, p 09­47.

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Seu auge se deu no Ano de Péricles. Os gregos não contavam os anos

através de números, mas através de nomes. Era comum, por exemplo, o nome do

arconte (magistrado encarregado de executar as decisões da Assembléia e do

Conselho, composto pelos cidadãos atenienses). Daí a denominação de Ano de

Péricles.

Conforme mencionado anteriormente, não havia uma idéia de

integração entre as cidades gregas. Era uma época de grandes conflitos, oposições

e guerras entre as cidades. Cada qual tinha suas línguas, suas religiões, sua

organização política, sua cultura. Nesse contexto, Atenas passa de uma simples

cidade (aglomeração sem qualquer expressão política) para figurar, juntamente com

Esparta, como um Estado poderoso.

Atenas, considerada o berço da democracia, desenvolveu àquela

época, projetos de opressão imperial contra as próprias cidades gregas vizinhas,

procurando expandir seus domínios.

No que se refere à organização econômica de Atenas, seus cidadãos

dividiam sua atividades entre a vida interna à cidade e a vida externa, o comércio e a

guerra, podendo passar grande parte de sua existência no mar.

Ressalte­se que este comércio marítimo ainda não se distinguia da

pura pirataria e no universo restrito da cidade grega clássica, o gosto pelo sucesso

nos negócios, pelo lucro comercial, está ainda muito próximo do caráter guerreiro,

fruto de um ataque pirata.

Era uma cidade, portanto, movida pela avidez de riqueza bem como

pela avidez de fama e glória.

A organização social de Atenas, por sua vez, também trazia suas

contradições em relação ao ideal de democracia. Entre seus cidadãos havia grandes

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diferenças sociais e a cada segmento social era reservada tarefa específica: os

ricos (cidadãos), proprietários de terras e escravos que viviam só para a guerra e a

política; os pobres (cidadãos) que trabalhavam para subsistir; as mulheres,

oprimidas e privadas de exercer direitos políticos; os estrangeiros (metecos), que

embora muitos deles tivessem fixado residência em Atenas por várias gerações não

tinham direito à cidadania. Os escravos, que, ao contrário de em outras cidades

gregas, eram considerados mercadorias. Eram vendidos e comprados num mercado

internacional de escravos e desvinculados totalmente de sua terra de origem, de sua

família, de sua comunidade. Até a invenção deste modo de comércio escravagista,

outras cidades gregas, como Esparta, utilizavam escravos, mas estes eram ainda

em sua maioria, originados de populações locais que haviam sido dominadas. O

escravo de Atenas é, como dizia Aristóteles, “uma coisa viva, ou seja, um mero

instrumento de trabalho, uma ferramenta de produção”.

Pode­se dizer, desta forma, que Atenas era a cidade da minoria.

Numericamente, poucos eram os cidadãos atenienses. Calcula­se que, por exemplo,

durante o século IV a. C., em que ocorreu a morte de Sócrates, os atenienses

(homens, mulheres e crianças) eram cerca de 100.000, os estrangeiros eram cerca

de 30.000 e os escravos atingiam, aproximadamente, a espantosa soma de 400.000

indivíduos.

Somente os cidadãos eram considerados membros da cidade e, por

herança, podiam participar da vida pública, ainda que a participação, muitas vezes,

fosse restrita à possibilidade de freqüentar reuniões políticas, votar em praça pública

e candidatar­se a determinados cargos.

Sob o aspecto da organização política, era uma das cidades­estados

mais conhecidas no raiar do século V a. C. , sobretudo pela soberania de sua

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organização política e de seu governo, a qual implica uma organização interna da

comunidade (seus indivíduos, suas famílias, seus grupos) e uma organização fora

de suas muralhas. Neste período era a metrópole de um império que se estendia por

todo mediterrâneo.

1.1.1.2 O modus operandi da democracia grega

Espantosamente, Atenas foi administrada de forma democrática, pela

primeira vez, por uma família de tiranos. Essa conjuntura insólita para nós ­ uma

democracia que também é uma tirania ­ constituiu o governo dos pisitrátidas de 560

a 510 a.C. A tirania não indicava necessariamente um governo violento e despótico,

mas governantes que não haviam sido eleitos e que tomaram o poder. Em 510 a.C

os pisitrátidas têm por sucessor Clístenes, que completa, com suas reformas sociais,

a instauração da democracia ateniense, subdividindo o território e atribuindo a cada

subdivisão a sua representatividade eleitoral. Clístenes não tem tempo para colocar

em prática o seu sistema, aperfeiçoado posteriormente pelo poderoso Péricles.

Iniciada, então, no final do século VI a. C. com as reformas de

Clístenes, a democracia em Atenas se consolidou com a vitória dos atenienses

sobre os persas, no séc. V a.C (Péricles). Foi a vitória de um pequeno exército de

homens livres, ordenado pela astúcia da razão democrática, que vencia o exército

persa constituído por uma imensa multidão de servos. Contudo, durou apenas 45

anos.

A democracia aparece como o regime que foi mais longe na redução

da distância entre os cidadãos e os outros, ao integrar no corpo cívico o grupo

daqueles que deviam trabalhar para viver, geralmente excluídos da cidadania nas

cidades oligárquicas.

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Sob a democracia foram desenvolvidas as práticas das principais

formas representativas de exercício de poder político: a assembléia popular reunida

em praça pública, as eleições diretas, os conselhos, as magistraturas exercidas

alternadamente por todos os cidadãos. O poder era exercido por conselhos e

magistrados eleitos diretamente ou através de sorteio, mas as decisões mais

importantes eram submetidas às assembléias populares (reunidas na praça pública)

com voto direto, por aclamações.

Bobbio menciona esta prática dos cidadãos de Atenas como modelo da

democracia moderna, que “nos felizes momentos em que o povo se reunia na ágora

e tomava livremente, à luz do sol, sua próprias decisões, após ter ouvido os

oradores que ilustravam os diversos pontos de vista” 2

As práticas da assembléia popular deram margem aos grandes

festivais de teatro que também expressavam a força da cidade reunida. É a época

da apresentação das tragédias de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, as quais se

tornaram, ao lado das comédias de Aristófanes, modelos para todo teatro ocidental.

Estas práticas incidiram também na valorização da linguagem. Surgiram os grandes

oradores, a retórica, os professores da técnica da palavra e a sofística. O ideal da

educação grega era tornar cada homem excelente na ação e na palavra e esta a

meta dos sofistas.

A esta prática de deliberação popular, Platão chamou pejorativamente

de “teatrocracia”.

Vale ainda salientar um outro aspecto, que é a relação entre a filosofia

e a democracia ateniense, como forma de melhor entender o processo aquele

momento histórico.

2 BOBBIO, Norberto. “O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo”. Tradução Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 29.

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Viviam naquela época os Sofistas, educadores itinerantes e livres, que

vinham de outras cidades e saíam pela Grécia a fora tentando atrair os jovens das

famílias mais prósperas ou mais tradicionais. É em oposição ao pragmatismo destes

sofistas que se registra o idealismo da dialética socrático­platônica, primeira

expressão filosófica que erige do contexto da Cidade Grega. Os sofistas ressaltavam

o valor da educação humana pelo conhecimento. Sócrates e Platão ressaltavam que

a esta necessidade precedia o entendimento do que é conhecimento.

Ao contrário dos sofistas, Sócrates ensinava sem cobrar nada.

Perambulava pelas ruas de Atenas ensinando, através de diálogos, a todos os

interessados (homens, mulheres, crianças e escravos). Preocupava­se não com a

retórica perfeita que pudesse convencer os cidadãos em torno de uma decisão. Ao

contrário, ensinava os cidadãos a desmontarem o discurso retórico e tomar decisões

a partir da verdade. Esta prática tem um significado político de contestação frente à

“grupos poderosos” os quais, utilizando todo tipo de corrupção e contratando

oradores profissionais, manipulavam a escolha dos cargos e a assembléia popular.

O povo, conduzido e enganado, apesar de decidir e votar, decidia e votava, muitas

vezes, contra os seus próprios interesses reais.

Sócrates substitui a fórmula de Protágoras “O homem é a medida de

todas as coisas, das que são e das que não são” pelos “Conhece­ti a mesmo” e “Só

sei que nada sei”. Convida seus interlocutores a sair do campo pragmático e

procurar a verdade dos valores que deveriam orientar sua conduta ética e suas

decisões na assembléia.

Condenado à morte, acusado de corrupção da juventude e traição à

pátria, Sócrates se defende, mas aceita a condenação argumentando que os valores

da cidade (decisão da maioria) são relevantes sob a sua vontade individual. Sela,

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até no discurso que antecede à morte, a necessária relação entre ética e política

para o futuro da democracia.

Escandalizado com a democracia que condenou Sócrates, Platão

idealiza uma sociedade perfeita em “A República” em que a verdade seja

preponderante, tanto no nível do comportamento dos indivíduos quanto no nível do

regime de governo (luta contra a plutocracia, governo que tem em vista a riqueza, e

a timocracia, governo que visa as honras públicas). Esta cidade não renegaria

acolher aquele que encontrou a luz, a verdade.

Segundo Platão, ocorre com o governo de uma cidade aquilo que

ocorre na alma do cidadão. O governo de uma cidade, mesmo de magnitude relativa

como Atenas é homólogo ao governo de si mesmo, ao autocontrole, à salvaguarda

das características próprias de todas as almas, à sua fidelidade à imortalidade da

alma. Faz parte, portanto, dessa hipótese que tal governo seja exercido com

sabedoria, com o saber de um filósofo.

Platão é o criador não somente da primeira das teorias da sociedade

ideal, mas também da teoria da relação cidade­indivíduo como uma homologia entre

macrocosmo e microcosmo e ainda da teoria sociológica que tem a rígida educação

do governante como pressuposto e a educação e conseqüente felicidade do cidadão

como meta.

Aristóteles, por sua vez, critica a idealização política de Platão e pensa

o Estado, sociedade política, a partir da constatação de fatos históricos que vão

dando contornos e características ao que é natural. Embora com premissa

radicalmente oposta, pensa política vinculando­a á ética.

A chamada democracia grega influenciou e influencia diversos

pensadores, tanto no campo da sociologia como também da filosofia, política e do

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direito. Foi um marco histórico e que portanto deve ser sempre analisado, ainda que

superficialmente, quando se pretende abordar a idéia de participação popular na

administração pública.

1.1.2 Período da Idade Média

O salto que se dá na História justifica­se pela ausência de sistemas

políticos ou sociais que tivessem contribuído para um estudo mais detalhado da

gestão democrática do interesses públicos.

Os problemas que se apresentam hoje em dia, de operacionalidade

dos modelos de democracia, dentre outros fatores, se justificam exatamente pela

falta de efetiva implementação no campo das idéias e ainda em maior escala no

campo prático, efetivo.

O período correspondente à Idade Média, desde a queda do Império

Romano até a época da Revolução Francesa, é caracterizado por um obscurantismo

da própria sociedade, pela ausência de um sistema político organizado, e pela falta

de manifestações intelectuais tendentes a transformar este cenário, salvo raras

exceções.

É a época dos senhores feudais, que fundamentavam seu poder na

força e na inspiração divina. Todo homem deveria ser temente a Deus, pois este de

tudo sabia e era capaz de governar o mundo. Este governo ser daria no mundo dos

homens através de algumas pessoas que fossem escolhidas por Ele, a fim de

manifestar sua vontade. E contra a vontade de Deus, o homem deveria ser punido, e

neste aspecto, a imaginação e a crueldade humana foram bastante pródigas.

Valorizou­se nesta época os arcana imperii (do latim: autoridades

ocultas, misteriosas), que procuravam, através do medo, manter o povo sob

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controle, evitando contestações sobre as decisões tomadas, e sequer permitia­se a

idéia de participação no processo de elaboração das políticas públicas. As decisões

eram tomadas em gabinetes secretos, onde o grande público não tinha acesso.

Assim se mantinham os privilégios e benefícios das elites governantes

da época.

Neste sentido Bobbio 3 afirma que

não por acaso, a política dos arcana imperii caminhou simultaneamente com as teorias da razão de estado, isto é, com as teorias segundo as quais é licito ao estado o que não é lícito aos cidadãos privados, ficando o estado portanto obrigado a agir em segredo para não provocar escândalo.

Giovanni Sartori 4 analisa este momento da História sob o prisma da

interligação entre o povo e o poder (demos e kratos). Segundo este autor, há muita

confusão quanto à conceituação de poder, sendo ele, o poder, um conceito político e

não um conceito ético. “O poder é, em última instância, exercitium: o exercício do

poder”. Por muitas vezes se procurou legitimar o poder sob a alegação de que ele o

teria sido conferido pelo povo.

Durante a Idade Média procurava­se fazer exatamente esta ligação

entre o poder nominal e o exercício do poder através de um representação fictícia,

ou seja, o representante e o poder constituído se intitulava “representante do povo”,

mas essa representação não advinha de uma escolha ou uma eleição por parte do

povo. E assim, por diferentes motivos no decorrer da História, esta pseudo­

representação sustentou a legitimidade de representantes da vontade popular, que

era presumida. Exemplo a ser mencionado é do absolutismo monárquico, cujo

representante se traduzia no soberano e em seus descendentes, através do direito

hereditário.

3 BOBBIO, op. cit, p. 30. 4 SARTORI, Giovanni. “A teoria da democracia revisitada”. São Paulo: Ática, 1994, p. 50.

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1.1.3 Os ideais da Revolução Francesa

A Revolução Francesa, ocorrida no final do século XVII, é considerada

por diversos ramos do conhecimento, como a sociologia, política, filosofia e direito

como um divisor de águas, um marco histórico que separa diferentes formas de

convívio social.

A sociedade anterior à época da Revolução Francesa era um conjunto

de pessoas sem um elo que unisse seus integrantes com objetivo de obter uma

efetiva melhoria na qualidade de vida, que pudesse organizar seus cidadãos para

uma atividade de fiscalização, contestação e elaboração de políticas públicas.

O que existia era uma elite que dominava a estrutura do poder e os

órgãos de decisão do Estado. Neste sentido, e sem que houvesse uma voz

contestante, toda a atividade estatal estava direcionada para a manutenção dos

privilégios desta classe dominante.

É neste cenário que alguns setores da sociedade, insatisfeitos com a

forma de governo existente, começam a se mobilizar com o objetivo de mudar

aquela situação.

A completa ausência dos cidadãos que não fossem nobres ou do clero

no processo de condução do Estado, aliada a uma gestão opressora e confiscatória,

fertilizam o terreno da insatisfação e começa a se desenvolver um movimento que

culminaria com a chamada Revolução Francesa.

Inicia­se um novo modelo de sociedade, sendo uma de suas

características mais marcantes a substituição do Estado absolutista pelo Estado de

Direito, baseado na conjugação de duas vertentes de pensamento, a de Rousseau e

a de Montesquieu.

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Conforme bem sintetizado por Celso Antônio Bandeira de Mello 5 ,

ocorre uma mudança de perspectiva em relação ao ancién regime, “pois o Poder

não era havido como residente no povo, nos vários membros da coletividade, mas

reputado de origem divina ou como resultado de um mero fato”.

A idéia básica do pensamento de Rousseau fundava­se no princípio da

igualdade dos homens, que levaria à idéia de soberania popular.

Para Rousseau 6 , uma vez que todos os homens fossem iguais, todos

deveriam estar no Poder. No entanto o próprio Rousseau entendia que esta situação

era impossível na prática em grandes aglomerações. Este seria uma forma de

governo ideal para repúblicas muito pequenas.

Rousseau repudiava a idéia de representação da vontade do povo,

pois este povo não poderia delegar ou renunciar ao exercício do poder:

A soberania não pode ser representada pela mesma razão por que não pode ser alienada, consiste essencialmente na vontade geral e a vontade absolutamente não se representa... Os deputados do povo não são, nem podem ser seus representantes; não passam de comissários seus, nada podendo concluir definitivamente. 7

E acrescenta o filósofo francês:

O povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento; uma vez estes eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso que dela faz, mostra que merece perdê­la.

É a democracia representativa forma indireta da efetivação do ideal da

democracia direta oriundo da Revolução Francesa, tema que se analisará adiante.

5 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. “Curso de Direito Administrativo”. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 41. 6 ROUSSEAU, Jean­Jacques. “Do contrato social”. Tradução Lourdes Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 107­108. 7 Idem, p. 107­108.

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1.1.4 A democracia representativa

Ultrapassada a fase de ruptura com o processo violento da Revolução

Francesa, procura­se construir uma normatização que garantisse os direitos que se

postulavam com o movimento revolucionário, quais sejam, os direitos individuais e

políticos dos cidadãos.

Como já se observou, compõe o cenário pós­revolução, o desejo do

cidadão em participar do processo de elaboração de políticas públicas, o desejo de

poder ao menos manifestar sua opinião.

Neste contexto, surge o Estado de Direito, com sua estruturação

baseada num conjunto de normas tradutoras da vontade dos cidadãos, e que

deveriam ser obrigatoriamente respeitadas por todos, enquanto integrantes de uma

coletividade organizada, com o objetivo de proporcionar o exercício da liberdade de

cada um, respeitando­se as liberdades dos outros cidadãos.

Esta é a idéia central do contrato social mencionado por Rousseau 8 :

encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de

cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo­se a todos,

só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes.

A democracia representativa, em seus momentos iniciais, ou seja, no

Estado Liberal que surgiu após a Revolução Francesa, se caracterizou como uma

forma prática de levar “a voz do povo” às instâncias de poder. O “poder do povo”

estava ligado à garantia procedimental de participação dos cidadãos no processo de

escolha de seus governantes.

Costuma­se comparar o processo de escolha de lideres políticos,

baseado na competição entre partidos políticos, ao jogo de mercado, onde a relação

8 ROUSSEAU, op. cit, p. 104­114.

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políticos­empresários e cidadãos­consumidores travam uma relação de oferta e

procura. Reduz­se, portanto, a democracia a um conjunto de procedimentos para a

escolha dos representantes políticos. O que legitima o governo é apenas o resultado

do processo eleitoral.

Neste processo a participação do cidadão reduz­se ao processo

eleitoral, onde o meio é a barganha, e não o argumento, os instrumentos de

persuasão não são reivindicações ou razões, mas ofertas condicionais de serviços e

abstenção.

A aversão de Rousseau à idéia de democracia representativa é contra­

argumentada por Giovanni Sartori 9 , para quem o cidadão não perde sua liberdade

ao transferir seu “poder” ao representado. Sua liberdade continua lhe sendo ínsita na

medida em que pode a qualquer momento mudar de opinião, e é exatamente essa

liberdade que dá o suporte à própria democracia. Para Sartori, democracia não é

apenas a vontade da maioria, mas é o “respeito e a salvaguarda dos direitos da

minoria que sustentam a dinâmica e a mecânica da democracia”.

Bobbio 10 chama a atenção para o fato de que a democracia

representativa não significa a mesma coisa que estado parlamentar.

A democracia representativa significa o tomar de decisões por pessoas

diferentes daquelas a quem se destinam os comandos. Esta atividade deliberativa é

feita por terceiras pessoas eleitas pela coletividade.

Quanto ao estado parlamentar, este se traduz na existência de um

órgão representativo central, para onde chegam as reivindicações e de onde partem

as deliberações, sendo este órgão central o parlamento. A democracia

representativa não pressupõe um parlamento. As decisões políticas podem ser

9 SARTORI, op. cit, p. 56. 10 BOBBIO, op. cit, p. 43.

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tomadas por um presidente da república, por exemplo, que expressa uma

representatividade da vontade coletiva, uma vez que tenha sido eleito.

Segundo Bobbio ainda, a questão da representação deve ser

analisada sob dois aspectos fundamentais: os poderes do representante e o

conteúdo da representação.

A representação pode ser dar através de um delegação ou de uma

fidúcia. Na delegação, o representante tem seus poderes limitados aos interesses de

quem lhe delegou poderes. Na representação fiduciária, o representante goza de

uma maior liberdade, uma vez que tem um maior campo de avaliação subjetiva dos

interesses dos representados. Não há nesse segundo caso um vínculo de mandato,

não há portanto, um mandato imperativo.

Quanto ao conteúdo da representação, pode ela ser em relação aos

interesses gerais dos representados ou aos interesses específicos de um segmento

social.

De fato, observa Bobbio, a figura do representante como delegado se

liga aos interesses individuais, particulares, enquanto a representação fiduciária se

dá em relação aos interesses gerais.

Assim é que nas democracias representativas atuais, os

representantes têm duas características essenciais:

a) na medida em que goza da confiança do corpo eleitoral, uma vez eleito, não é mais responsável perante os próprios eleitores e seu mandato, portanto, não é revogável; b) não é responsável diretamente perante os seus eleitores exatamente porque convocado a tutelar os interesses gerais da sociedade e não os interesses particulares desta ou daquela categoria. 11

11 BOBBIO, op. cit, p. 47.

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1.1.5 Os obstáculos da democracia

O que se pretende no presente capítulo é traçar um conjunto de

situações apontadas pela doutrina, através de um processo lógico de discussão, que

dificulta ou impede que os sistemas democráticos atuais dos países possam

efetivamente alcançar aquela democracia narrada por Lincoln em seu Discurso a

Gettysburgh em 1983: “governo do povo, pelo povo, para o povo”. 12

1.1.5.1 Quem é o povo?

Para que a análise desta expressão não se desenvolva sobre bases

abstratas ou contraditórias, mas sim sobre a realidade dos fatos, deve­se tentar

traçar algumas considerações sobre a resposta a uma pergunta essencial ao

presente trabalho: ‘Quem é o povo?”

Prefaciando a obra de Friedrich Müller 13 , que leva o mesmo nome da

pergunta acima, Fábio Konder Comparato 14 afirma que “na teoria política e

constitucional, povo não é conceito descritivo, mas claramente operacional”. O que

se pretende ao tentar responder à pergunta é “encontrar um sujeito para a atribuição

de certas prerrogativas e responsabilidades coletivas, no universo jurídico­político”.

É de se notar que as constituições atuais se fartam em mencionar o

termo “povo”. E o fazem pelo fato de que precisam legitimar­se.

E é exatamente através do método da análise dos modos de utilização

da linguagem que Müller procura traçar sua linha de raciocínio.

Esta análise revela então quatro formas de utilização da palavra

“povo”, adotadas sob a ótica da fundamentação da legitimação.

12 LINCOL, Abraham. “Discurso a Gettysburgh”. 1863. Apud: SARTORI, op. cit, p. 57. 13 MÜLLER, Friedrich. “Quem é o povo? A questão fundamental da democracia”. Tradução Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 09­28. 14 COMPARATO, Fábio Konder. In: MÜLLER, op. cit, p. 13.

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São elas:

a) Povo como metáfora (utilização icônica); b) Povo ativo; c) Povo como instância global de atribuições de legitimidade; d) Povo como destinatário de prestações civilizatórias do Estado.

A utilização da expressão “povo” como ícone significa a utilização do

povo como justificação de medidas do Estado de caráter obrigatório que não foram

baseadas em textos de normas de modo plausível em termos de método.

Invoca­se o povo, a ação em nome do povo, apenas como forma de

legitimar esta ação.

A iconização do povo é interessante para uma classe dominante

desviar a atenção da população, uma vez que procura “esconder” as contradições

sociais e econômicas através da elaboração da idéia de que o povo construiu e

legitimou a constituição e assim o fez através de um processo livre de discussão e

deliberação.

A população é unificada (povo­ícone), “tratada como povo” e se lhe

impõe a idéia de que ela própria criou e mantém a constituição.

Müller 15 chega a dizer que “o holismo santifica”.

“Povo ativo” é a totalidade dos eleitores.

É a fonte de determinação de convívio social por meio de prescrições

jurídicas.

A Constituição da República Federativa do Brasil 16 , assim como outras

constituições, prescrevem as restrições para que as pessoas sejam eleitores.

15 MÜLLER, op. cit, p. 72. 16 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Art. 14, §§ 2º e 3º.

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Além da restrição da nacionalidade, outras podem ser criadas, e essas

possibilidades são mais abertas à medida que determinado Estado se aproxime do

autoritarismo.

Assim, o critério de aferição “povo ativo” pode induzir a uma idéia de

deslegitimação do Estado.

A idéia de “one man one vote” parece ser cara a Müller a partir do

momento em que não há justificação democrática para se alcançar uma

conceituação mais abrangente de povo.

Segundo o jurista e filósofo de Heidelberg 17 “a idéia fundamental da

democracia é a seguinte: determinação normativa do tipo de convívio de um povo

pelo mesmo povo”.

A expressão “povo como instância global de atribuição de legitimidade”

está ligada, inicialmente, à idéia de que “todo poder emana do povo”.

O povo, neste contexto, não equivale apenas ao conceito de povo

enquanto “povo ativo”.

Mais do que uma mera participação permitida nas eleições em função

das normas estabelecidas, o povo aqui legitima democraticamente os atos do

Estado, uma vez que eles são praticados e têm sua força, pelo fato de que foram

instituídos com base em uma concordância prévia dos cidadãos.

Deve haver um ciclo que une as atividades de escolha dos

representantes pelo povo, a elaboração das normas e sua interpretação, sempre

tendo como base a idéia de que esse conjunto de atividades legitimadas só se dá

porque houve uma legitimação delas pelo povo.

17 MÜLLER, op. cit, p. 57.

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A expressão “povo como destinatário final das prestações civilizatórias

do Estado” procura trazer a idéia de não limitação do grupo de pessoas sujeitas às

atividades do Estado.

Não é a cidadania, a nacionalidade, ou o direito ao voto que vai

determinar os destinatários de um ordenamento jurídico e da atividade estatal.

Como observa Müller 18 “o mero fato de que as pessoas se encontram

no território de um Estado é tudo, menos irrelevante”.

Eles são seres humanos e têm que ver respeitadas suas prerrogativas,

seus direitos enquanto tal.

A democracia, para ser legítima, deve promover a efetiva realização

dos direitos humanos, além de garantir as liberdades civis.

Sob a análise dos conceitos então formulados, e diante de uma

realidade de diversos países, Müller 19 propõe uma resposta à pergunta inicial: quem

é o povo?

Não se trata, no tocante à pergunta pela ação, de “massas” das espécies de textos de agitação; não se trata de um proletariado revolucionário escatológico, que é colocado em prontidão; não se trata de um exército paralelo de guerrilheiros. Trata­se de “todo” o povo dos generosos documentos constitucionais; da população, de todas as pessoas, inclusive das (até o momento) sobreintegradas e das (até o momento) excluídas: trata­se do povo enquanto destinatário das prestações estatais negativas e positivas, que a cultura jurídica respectiva já atingiu”.

Partindo deste conceito apresenta Müller 20 seu conceito de democracia

moderna:

Além disso, ela é – e nesse sentido ainda no nível da estrutura textual – o dispositivo organizacional para que prescrições postas em vigor de forma democrática também caracterizem efetivamente o fazer do Poder Executivo e do Poder Judiciário. É o dispositivo organizacional para que impulsos de normatização democraticamente mediados configurem aquilo, para que eles foram

18 MULLER, op. cit., p. 75. 19 MÜLLER, op. cit., p. 100. 20 MULLER, op. cit., p. 115.

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textificados e postos em vigor com tanto esforço: a realidade social cotidiana (e com isso também a realidade individual).

1.1.5.2 Obstáculos e perspectivas

Neste contexto dos fatos é que se pretende apontar quais obstáculos

precisam ser ultrapassados para que garanta efetivamente as seguintes situações:

1) A existência de um conjunto de órgãos e agentes (ou sua extinção)

que represente efetivamente a vontade do povo, aqui entendido como sociedade

dotada de um grau de cidadania acima do razoável e em quem esse povo possa

efetivamente depositar sua confiança (governo do povo);

2) A implementação e a sustentação de um modelo de gerência desses

órgãos e agentes, que permita, uma efetiva participação do maior número possível

de representantes de diversos segmentos sociais, dotando­os de competência para

decidir o comportamento ativo do Estado.

Essa participação deve se dar através de um processo racional de

discussão, possibilitando a manifestação de vontade das minorias.

Em que pese o desejo de um elevado grau de cultura e educação de

seus participantes, de modo a proporcionar um debate mais produtivo, a ausência

destes requisitos não se torna obstáculo para sua implementação; ao contrário,

torna­se um processo educativo, na medida em que a troca de conhecimentos,

interesses e expectativas opera transformações, ampliando suas perspectivas e

horizontes (governo pelo povo);

3) A existência de mecanismos concretos de verificação de adequação

do comportamento desses órgãos e agentes e dos processos deliberativos, quanto

ao alcance do interesse público, ou seja, a adoção de medidas efetivas do interesse

da coletividade, observando­se sempre os pressupostos básicos de dignidade da

pessoa humana, da liberdade, da solidariedade.

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Segundo Fabio Konder Comparato 21 , é o efetivo alcance do chamado

“bem comum” da democracia justa, designado atualmente por direitos humanos.

Norberto Bobbio 22 levanta algumas questões acerca da democracia.

Ele acredita que para refletir sobre a democracia, faz­se necessário,

preliminarmente, considerar duas ordens de fatores:

a) Em sua caracterização, a democracia é identificada como um

conjunto de regras que versam sobre as decisões coletivas, especificando quem

está apto a tomá­las e quais os procedimentos necessários para legitimá­las.

b) As decisões são sempre de caráter individual. Ainda que se trate

da decisão de um grupo, é, em última instância, tomada por sujeitos individuais.

A partir destes fatores, Bobbio enumera três condições para que a

democracia seja viabilizada:

1) É necessário eleger os indivíduos aptos a tomar decisão. Na

democracia, este poder de decisão deve ser atribuído a um “número muito elevado

de membros do grupo”, uma vez que não é possível, mesmo no regime democrático

mais perfeito que se tem conhecimento, atribuir tal poder a todos os membros de

uma comunidade.

2) Para que os princípios da democracia sejam respeitados, é

necessário atribuir o poder de decisão à maioria, dentre àqueles que são

considerados aptos para tomar decisões.

3) Esta é a condição que Bobbio considera imprescindível: a

existência de condições reais de escolha entre alternativas diferentes, por aqueles

que foram eleitos como aptos para tomá­las. Trata­se da garantia de direitos

21 COMPARATO, op. cit., p. 28. 22 BOBBIO, op. cit., p. 18­19.

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expressos no ideal de um estado liberal que exerce seu poder, subjugando­o aos

limites constitucionais prescritos pelos direitos dos indivíduos.

Sem cumprir estas condições, as promessas da democracia não

ultrapassam este estatuto. E enumera seis promessas não cumpridas:

1ª) A garantia da participação dos indivíduos no Estado: Bobbio

acredita que o nascimento da democracia está vinculado a teses que associam o

nascimento da sociedade à necessidade de assegurar a preponderância da vontade

dos indivíduos sob prerrogativas que lhes sejam estranhas. Para defender esta

premissa, que tem como marco histórico a idade moderna, Bobbio acredita que três

fatores contribuem para que ela se instale: 1) as teses dos filósofos contratualistas

que giram em torno do nascimento da sociedade civil a partir de um acordo entre os

homens que, em estado de natureza, decidem criar um poder comum para protegê­

los; 2) as exigências postas pelo nascimento da economia política; 3) a filosofia

utilitarista de Benthan e Mill, que gira em torno da preocupação com o bem comum,

ou seja, abstraindo­se de conceitos vagos, deve­se levar em consideração estados

essencialmente individuais, como o prazer e a dor.

Esta noção reivindicada pelas teses a respeito do nascimento da

democracia postula sobre a possibilidade dos indivíduos terem sua soberania

assegurada por um Estado que representa as vontades individuais. Tal promessa

não é cumprida por um Estado que vive sob a égide de um soberano e que não

representa a vontade dos indivíduos.

2ª) A representação política: Bobbio problematiza a fragilidade do

princípio da representação política. Acredita que tal princípio seja peculiar à

democracia moderna que proibiu o exercício da soberania que era exercida por reis,

instaurando o ideal de soberania da assembléia eleita pelo povo. Contudo, em nossa

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sociedade, composta por grupos diversos que lutam entre si pelo poder, não é

possível assegurar interesse pela representação da maioria. Cada grupo,

tendencialmente, busca sua própria supremacia. Além disso, não existe critério

objetivo que permita distinguir o interesse particular dos interesses da democracia. O

que existe é a representação política de interesses particulares.

3ª) A derrocada do poder oligárquico: O princípio básico que

inspirou os ideais de democracia é o entendimento da liberdade como autonomia.

Este princípio, numa democracia representativa, tal como a que existe em nossas

sociedades, implica numa renúncia ao ideal de liberdade como autonomia. Esta

dicotomia acaba gerando uma inércia da maioria dos cidadãos em relação às

decisões necessárias à vida da comunidade. Poucos assumem a responsabilidade

política e a maioria segue indiferente a decisões que são tomadas por poucos. Neste

movimento, a oligarquia entra em cena: seu poder não foi totalmente sucumbido.

4ª) A garantia de espaço para se exercer a democracia: A

democracia não consegue ocupar as instâncias de poder onde são tomadas as

decisões sobre as regras a serem seguidas por todo um grupo social. Não se trata

de distinguir entre o “poder de poucos ou de muitos”, mas entre “o poder ascendente

e o poder descendente”. Mesmo que com a conquista do sufrágio universal a grande

maioria tenha adquirido o direito de votar, e ainda que o voto identifique a existência

de uma democracia, cabe perguntar pelos espaços onde o cidadão possa,

efetivamente, exercer um direito que não se restrinja às urnas.

5ª) A eliminação do poder invisível: trata­se de um poder paralelo,

invisível, que subsiste juntamente com o poder visível. A democracia nasceu para

erradicar a vida deste poder invisível e imprimir um caráter de transparência ao

governo “cujas ações deveriam ser exercidas publicamente”. Argumentando sobre

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este poder, Kant 23 o associa à injustiça. A não obediência à prerrogativa de tratar­se

de ação pública, reduz o âmbito da ação política ao controle de poucos. Ao

contrário, tornando­se pública, a ação política permitiria a existência de algum nível

de controle sob as ações de determinado governo, mas esta não é a realidade que

assistimos.

6ª) Educação para o exercício da cidadania: não é possível construir

nenhum ideal democrático sem o exercício pleno da cidadania, que se efetiva

através da educação democrática. Não assistimos nenhum empenho, nos regimes

democráticos, para que haja uma compreensão da importância da democracia.

Subsistem, entre outros fatores, indicadores (existência de voto clientelar,

substituição de interesses comuns por particulares) de que é necessário investir na

educação para a democracia. Não existe dentre os grandes escritores democráticos,

os que se lançam na tarefa de educar para a cidadania.

A democracia se consolida com o crescimento dos cidadãos ativos que

obedecem aos ideais de tolerância, não violência e renovação. São ideais

complementares e asseguram, na mudança de mentalidades e na idéias novas que

nascem com o movimento da realidade, a gestão de regras de convivência que

sucumbem à violência e obedecem ao parâmetro da paz mundial. Assentada nestes

ideais, a democracia tece revoluções silenciosas e institui a solidariedade

(“reconhecimento da irmandade que une a todos”). Consciente desses ideais é

possível empenhar­se, racionalmente, na construção da verdadeira democracia.

A estas promessas não cumpridas se contrapõem obstáculos que não

foram previstos, em uma época de sociedade menos complexa. E enumera três que

considera mais relevantes:

23 KANT, Immanuel. “Zum ewigen frieden”. Apud: BOBBIO, op. cit., p. 29­30.

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1) Aumento dos problemas políticos na transição entre as sociedades

de economia familiar para a economia planificada. Estes problemas exigem

respostas técnicas que, por sua vez, requerem a existência de especialistas. Na

medida em que os especialistas ocupam lugares centrais na sociedade industrial,

torna­se impossível delegar a um cidadão comum os mesmos níveis de decisões

que são atribuídas aos especialistas.

2) O crescimento da burocracia que se instaura em forma de pirâmide,

disseminando um poder que vai do vértice à base. Poucos controlam a grande

demanda de serviços, fragilizando as possibilidades da democracia.

3) O baixo nível de governabilidade da democracia, decorrente do

incremento da autonomia da sociedade civil, que uma vez mais organizada, é capaz

de operar maiores demandas do governo, que diante do crescimento dessas

demandas, se vê incapaz de dar uma resposta satisfatória a todos. Essa

“sobrecarga” leva o sistema político a fazer opções drásticas excludentes, o que

gera o descontentamento.

É nesse sentido, ainda segundo Bobbio, que o grande desafio da

democracia não consiste em passar da democracia representativa para a

democracia direta, onde efetivamente os cidadãos tomam as decisões de governo.

Segundo o autor italiano 24 , o desenvolvimento da democracia deve ser

entendido como “a ocupação, pelas formas ainda tradicionais de democracia, como

é a democracia representativa, de novos espaços, isto é, de espaços até agora

dominados por organizações de tipo hierárquico ou burocrático”.

O grau de desenvolvimento da democracia hoje em dia não se dá pela

verificação do número de pessoas que podem votar, mas sim pelo número de

24 BOBBIO, op. cit., p. 55.

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40

instâncias em que se possibilita a prática do voto; pelo espaço que o cidadão ocupa

enquanto eleitor.

1.1.6 A democracia participativa ou deliberativa

Essas dificuldades, esses retrocessos por que vêm passando os

regimes democráticos têm vários motivos aos quais a doutrina jurídica, política,

social etc. vem se debruçando, em geral, com o intuito de proporcionar o

aperfeiçoamento, na prática, de seus postulados.

Uma das críticas que mais vêm sendo feitas, refere­se à questão da

representatividade da vontade do povo através das eleições.

A forma de delegação de poderes alcançou uma situação em que não

se pode dizer que o cidadão, conscientemente, escolhe uma pessoa que o

representará no processo de elaboração e execução de políticas públicas,

acreditando que essa pessoa vá realmente levar sua voz, seus anseios, às esferas

do “Poder”.

À essa crítica quanto à representatividade, algumas novas propostas

vêm surgindo no cenário jurídico mundial, e em especial no Brasil.

Uma corrente doutrinária defende uma participação mais efetiva do

cidadão no processo de elaboração e deliberação das políticas públicas.

Essa participação poderia se dar nas mais variadas formas como o

plebiscito, o referendo, mas acima de tudo, na institucionalização de arenas de

debates lógico­racionais, obrigatoriamente composta pelos diversos segmentos

sociais.

A este processo de maior participação do cidadão, chamam seus

defensores de democracia participativa ou democracia deliberativa.

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41

No Brasil, sua base constitucional 25 se encontra nos artigos 1º,

parágrafo único e 14, além de outros, de forma mais específica como o art. 29, XII, e

no art. 182, caput, e § 1º, regulamentado pelo Estatuto da Cidade, Lei nº

10.257/2001 26 .

Esta democracia deliberativa, como o próprio nome sugere, indica um

processo de afirmação e efetiva implementação de um conjunto de práticas e regras,

baseadas no reconhecimento da diversidade entre os cidadãos (pluralismo), na

igualdade política e no processo de deliberação coletiva.

Ela é uma atividade social compartilhada que requer debate e respeito

à diversidade. É um processo decisório baseado em debates públicos, na busca de

soluções para todas as demandas da sociedade. Ela é um modelo de soberania dos

cidadãos, na medida em que se baseia na legitimidade do poder decisório oriundo

de uma vontade coletiva, proveniente de uma discussão pública entre indivíduos

livres e iguais.

Mais do que um modelo de processo decisório, a democracia

participativa constitui­se como um processo de institucionalização de espaços e

25 Constituição da República Federativa do Brasil: Art. 1º, parágrafo único – todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou

diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 14 – A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal, pelo voto direto e secreto, com valor

igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular.

Art. 29, XII – cooperação das associações representativas no planejamento municipal. Art. 182 – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme

diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem­estar de seus habitantes.

§ 1º ­ o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. 26 BRASIL. Lei nº 10.257/2001, de 10 de julho de 2001. “Diário oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jul. 2001. Art. 40, § 4º ­ no processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes

Legislativo e Executivo Municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações

representativas dos vários segmentos da comunidade;

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42

mecanismos de discussão coletiva e pública voltado para a formulação de políticas

públicas e deliberação de assuntos de interesse da coletividade.

A questão da igualdade entre os cidadãos participantes do processo de

discussão e deliberação é ressaltada pela doutrina.

Uma deliberação nestes termos só será legítima se o processo de

discussão se der entre homens livres e iguais.

Nesse sentido, Cohen 27 , citado por Luchman, propõe três princípios

básicos para o estabelecimento de condições a um debate racional entre cidadãos

iguais: a) o princípio da inclusão deliberativa, onde todos os cidadãos têm os

mesmos direitos; b) o princípio do bem comum, que justifica uma deliberação

coletiva visando promover uma maior justiça social; c) o princípio da participação

que é a garantia de igual participação entre os membros da comunidade;

participação essa que se dá de diversas formas, como o direito de votar, se associar,

ser eleito etc.

Vale ainda observar que a teoria da democracia participativa agrega

um outro valor, além da possibilidade de discussão racional, captação e deliberação

através do debate público. É a idéia de um processo educativo, onde os

participantes, através da troca de informações, conhecimentos, atitudes, têm a

possibilidade de ampliar seus horizontes, alcançando uma outra realidade, o que em

última análise, qualifica essas pessoas a formarem suas próprias opiniões, baseadas

num debate público lógico e racional.

27 COHEN, J. “Deliberation and democratic legitimacy”. Apud LUCHMAN, Lígia Helena Hanh, “Possibilidades e limites da democracia deliberativa: a experiência do orçamento participativo de Porto Alegre”. 2002. 215 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002, p. 37.

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43

É de se observar ainda, como bem assinalado por Paulo Bonavides 28

que o cenário ideal e fundamental para a implementação da democracia participativa

se dá nas técnicas plebiscitárias municipalistas, base de legitimidade do poder

comunitário.

De fato, assim como Rousseau admitia que a democracia sem

representantes só seria possível em pequenas repúblicas, os municípios, no caso

brasileiro, têm maiores condições de implementar e manter esta técnica de

deliberação participativa.

Neste processo de fortalecimento e difusão da idéia da democracia

participativa, algumas críticas são formuladas a seu respeito.

As mais comuns dizem respeito à possibilidade de ocorrer o populismo,

o elitismo, onde predominaria a vontade de grupos mais organizados ou com maior

poder e recurso, a coerção da maioria, a manipulação das preferências por grupos

com maior poder político e econômico.

Com efeito, conforme observa Marcos Maurício Toba 29 , “mesmo para

os críticos de uma democracia participativa, é inegável a importância da noção de

participação”.

Giovanni Sartori 30 , um desses críticos, salienta que participar é “tomar

parte pessoalmente, e um tomar parte desejado, auto­ativado”. Neste sentido,

sustenta que a participação é a “essência das microdemocracias”, e vital para uma

sociedade política democrática.

28 BONAVIDES, Paulo. “Teoria constitucional da democracia participativa”. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 289. 29 TOBA, Marcos Maurício. “Do plano diretor”. In: MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. (Coord.). “Estatuto da Cidade: comentários”. São Paulo: RT, 2004, p. 247. 30 SARTORI, op. cit., p. 159.

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1.1.7 A teoria do discurso de Habermas

Habermas 31 analisa o processo democrático sob uma outra

perspectiva.

Segundo ele, numa perspectiva liberal, “o processo democrático se

realiza exclusivamente na forma de compromissos de interesses”. Este modelo se

baseia nos direitos fundamentais liberais, através da igualdade do direito ao voto e

pela representação.

O Estado protege os cidadãos para que eles gozem de suas liberdades

e alcancem seus interesses privados. A participação reduz­se então ao processo

eleitoral.

Por seu turno, a interpretação republicana do processo democrático se

baseia na formação democrática da vontade, através do consenso dos integrantes

da sociedade. Esse consenso será imprescindível para as deliberações públicas. Os

cidadãos são transformados em atores políticos responsáveis, de uma comunidade

de pessoas livres e iguais.

A sociedade, sob o viés republicano é uma sociedade política. Seus

sujeitos tomam consciência de suas funções, e através da vontade coletiva dos

indivíduos traçam suas próprias normas.

A teoria do discurso de Habermas, absorve elementos dos modelos

liberal e republicano.

Segundo o autor 32 ,

o desabrochar da política deliberativa não depende de uma cidadania capaz de agir coletivamente e sim, da institucionalização dos correspondentes processos e pressupostos comunicacionais,

31 HABERMAS, Jürgen. “Direito e democracia: entre facticidade e validade”. v. II. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 19. 32 HABERMAS, op. cit, p. 21.

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como também do jogo entre deliberações institucionalizadas e opiniões públicas que se formaram de modo informal.

Habermas defende a idéia de que há a necessidade de uma

institucionalização do processo de debate lógico racional entre os membros da

sociedade, que captam os interesses de diversos segmentos sociais.

E acrescenta: 33 :

Essas comunicações destituídas de sujeito – que acontecem dentro e fora do complexo parlamentar e de suas corporações – formam uma arena nas quais pode acontecer uma formação mais ou menos racional da opinião e da vontade acerca de matérias relevantes para toda a sociedade e necessitadas de regulamentação.

Diferente do modelo liberal, onde a vontade democrática do povo

apenas legitima o exercício do poder pelo governo eleito, e do modelo republicano

que entende o governo como parte da comunidade política, que vincula sua conduta

a um conjunto de orientações políticas, ou seja, o governo é “parte de uma

comunidade política que a si mesmo se administra” 34 , pela teoria do discurso de

Habermas, esses processos e pressupostos comunicativos da formação

democrática da vontade e da opinião, apresentam um aspecto além da mera

legitimação do modelo liberal, e aquém da idéia de constituição do poder

republicana.

Somente o governo, entendido como exercitante do poder político,

pode agir, exercer atividades concretas. Este exercício foi legitimado por uma

formação democrática de vontade e opinião e deve estar suscetível, ou direcionado,

por esta ampla rede de sensores, formada pelo exercício público e coletivo do

debate racional, aptos a captar situações problemáticas e os anseios da sociedade.

33 HABERMAS, op. cit., p. 22. 34 HABERMAS, op. cit, p. 22.

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É neste sentido que afirma com ênfase o jurista e filósofo alemão 35 :

“a opinião pública, transformada em poder comunicativo segundo processos

democráticos, não pode “dominar” por si mesma o uso do poder administrativo; mas

pode, de certa forma, direcioná­lo”.

Verifica­se então em Habermas o deslocamento da cidadania virtuosa

para a dos espaços públicos e dos procedimentos comunicativos.

Mantém­se, portanto, a centralidade do Estado no processo político

decisório, mas que deve ser orientado pelas “pressões” das demandas sociais

oriundas daquele processo comunicativo exercido pelos cidadãos na esfera pública.

Analisando o modus pelo qual esse processo decisório deve ocorrer,

Habermas se vale de cinco situações que devem obrigatoriamente ocorrer no

entendimento de Robert Dahl 36 :

a) a inclusão de todas as pessoas envolvidas;

b) chances reais de participação no processo político, repartidas

eqüitativamente;

c) igual direito de voto nas decisões;

d) o mesmo direito para a escolha dos temas e para o controle da

agenda;

e) uma situação na qual todos os participantes, tendo à mão

informações suficientes e bons argumentos, possam formar uma compreensão

articulada acerca das matérias a serem regulamentadas e dos interesses

controversos.

Sob outro aspecto, a teoria habermasiana apresenta alguns limites

quanto à efetiva participação e deliberação por parte dos diversos atores sociais.

35 HABERMAS, op. cit. P. 22. 36 DAHL, Robert A. “ A prefacy of Economic democracy”. Oxford, 1985. Apud: HABERMAS, op. cit, p. 42.

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47

Para Habermas 37 , há esferas públicas diferenciadas quanto ao grau e

ao poder de discussão, organização e decisão. Há uma esfera pública geral que

procura captar, discutir e apresentar os temas atuais de interesse da sociedade. E

há uma outra esfera, responsável pela tomada de decisões que deve ter como base

de suas deliberações, os interesses apontados pela primeira esfera:

a influência pública só se transforma em poder político após passar através dos filtros dos procedimentos institucionalizados de formação de vontade e opinião democráticos, ser transformada em poder comunicativo e adentrar através dos debates parlamentares o processo legislativo legítimo.

Essa concepção do processo democrático vem, no entanto, sendo

questionada por alguns autores 38 , pois dentre outros fatores, verifica­se uma

informalidade da participação social nas práticas deliberativas. Não se verifica uma

transformação mais acentuada das “regras do jogo” da democracia representativa

tradicional. O que há é uma nova perspectiva procedimentalista.

1.2 OBJETIVO DA ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DEMOCRÁTICOS

O que se pretende mostrar com essa resumida análise dos modelos de

democracia e procedimentos democráticos é a questão da efetiva participação do

povo no comando do Estado.

As teorias apresentadas apresentam seus fundamentos quanto à forma

desta participação.

No caso da realidade brasileira, vários aspectos se apresentam como

dificultadores não só da participação popular no processo de discussão e

deliberação de políticas públicas, mas de sua participação efetiva, e não apenas

uma participação “formal”, ainda que em modelos baseados na democracia

participativa (ou deliberativa).

37 HABERMAS. Apud LUCHMAN op. cit, p. 31/32.

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Pode­se mencionar a questão das desigualdades sociais, de culturas

autoritaristas, clientelistas e patrimonialistas, do pluralismo cultural, a complexidade

institucional, entre outros fatores.

É neste sentido que o estudo de experiências concretas pode fornecer

subsídios para o aperfeiçoamento da democracia e da cidadania, analisando­se as

causas e conseqüências práticas do (in)sucesso de experiências locais, tomando­se

por base princípios invioláveis, como o da dignidade da pessoa humana, da

liberdade, do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, dentre outros.

38 Por exemplo: BOHMAN, J.; REGH. W; COHEN, J. Apud LUCHMAN op. cit, p. 35.

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2. A CIDADE

2.1 Qual cidade?

Conforme verificado no capítulo anterior, existem diversas linhas de

pensamento acerca do instituto da democracia.

Todas ela, no entanto, afirmam a soberania da vontade popular no

direcionamento das políticas públicas, assim entendidas como o conjunto de

medidas adotadas pelos agentes públicos na busca do interesse público, ou seja, no

interesse da coletividade, que é o conjunto dos interesses dos cidadãos, não

individualmente, mas como sujeitos integrantes de uma sociedade, interessados na

sua harmonização, desenvolvimento e dignidade 39 .

O que difere as mencionadas linhas de pensamento é o modus

operandi da manifestação da vontade popular. Em suma, ela se daria através da

representatividade ou diretamente.

O certo é que a Constituição Federal de 1988, adotou como princípio

basilar da nossa República Federativa, a participação popular através das duas

modalidades, devendo estas conviverem harmoniosamente e até se

complementando.

A democracia, para ser alcançada em sua plenitude, e não apenas de

maneira formal, necessita, por sua própria natureza, do debate de idéias entre os

membros da sociedade, debate este que pressupõe a existência do mínimo de

condições de se desenvolver de forma produtiva, seja através da qualidade dos

atores sociais 40 , do comprometimento das autoridades em possibilitar este debate,

39 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. “Curso de Direito Administrativo”. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 53. 40 Essa qualificação não significa a qualificação técnica específica, mas o mínimo de informações que possibilite o cidadão a adotar um posicionamento crítico sobre o tema em debate.

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50

da organização da sociedade, e da existência ou construção dos mecanismos

jurídicos que permitam a sua realização.

Dentro da realidade mundial, em que se opera uma forte concentração

urbana, Rogério Gesta Leal 41 entende que a cidade se apresenta como o local ideal

onde é possível visualizar “as possibilidades de civilidade demandadas pelos

indivíduos em suas relações cotidianas”.

E afirma ainda o referido autor:

A cidade e a cidadania, aqui, são tomadas como práticas, discursos e valores que constituem o modo como desigualdades e diferenças são figuradas no cenário público, como interesses se expressam e como conflitos se realizam.

Esta cidade a que se refere o autor mencionado é resultado de

diversos fatores que influenciaram, e continuam influenciando sua construção ao

largo da História, conforme breve resumo que se segue.

A análise deste processo histórico se mostra relevante, na medida em

que se considera a cidade como organismo vivo, como um todo 42 .

2.2 Origem e evolução das cidades.

Costuma­se remeter o surgimento das cidades ao ano 3.500 a. C., na

localidade situada entre os rios Tigre e Eufrates.

Por certo que a idéia de cidade daquela época não pode ser comparar

com os modelos atuais, ainda que se possa encontrar grupos humanos vivendo em

condições bastante primitivas.

41 LEAL, Rogério Gesta. “Direito urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço urbano”. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 61. 42 MUNFORD, Lewis. “A cidade na história”. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974. Apud LEAL, op. cit., p 04.

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Analisar o processo evolutivo das cidades pressupõe a adoção de

alguns parâmetros, certos contornos, dentre os quais irá se desenvolvendo a idéia

da evolução.

É neste sentido que Celso Antônio Pacheco Fiorillo 43 sugere a adoção,

por parte dos profissionais de Direito, de:

[...] associar a origem das cidades em decorrência das grandes mudanças da organização produtiva na medida em que referida organização transformou, ao longo da história, a vida cotidiana da pessoa humana, provocando, de maneira crescente, um grande salto no desenvolvimento demográfico.

Com base nesse parâmetro, adotando ainda considerações de ordem

religiosa, social e política, tem­se que o primeiro estágio de evolução do homem é a

era do Paleolítico, onde inexistia uma aglomeração permanente de seres humanos,

que viviam transitando pelo meio ambiente natural 44 à procura de alimento e abrigo.

A era seguinte, do Neolítico, apresenta o surgimento de aldeias onde

as pessoas começam a se estabelecer face à proximidade de seu local de trabalho,

produção de alimentos e criação de animais.

Somente por volta de 3.500 a. C. é que se pode mencionar, segundo a

doutrina 45 , o surgimento das cidades, com o aparecimento de uma classe de

especialistas, ou elite, que impõe aos produtores de alimentos a produção de

excedentes que lhes possibilitem sua subsistência.

É importante destacar, neste sentido, a afirmação de Celso Antônio

Pacheco Fiorillo 46 , de que “a partir deste momento, a história da civilização

dependerá da quantidade e da distribuição de referido excedente”.

43 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. “Estatuto da cidade comentado: Lei 10.257/2001: lei do meio ambiente artificial”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p 10. 44 Adotando­se a classificação doutrinária em matéria ambiental: natural, artificial, cultural e do trabalho. 45 Conforme FIORILLO, op. cit., p. 10, SILVA, op.cit., p. 15­16. 46 FIORILLO, op. cit., p 10.

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52

Este é, portanto, o primeiro estágio de evolução das cidades a que se

refere José Afonso da Silva 47 , ao qual denomina “estágio pré­urbano”.

Vale observar que a urbanização, fenômeno ao qual se fará maiores

considerações adiante, é algo que só veio a se observar nas sociedades modernas.

Detalhe interessante em relação ao surgimento das cidades é

apontado por Rogério Gesta Leal 48 , quanto ao aspecto religioso, onde as práticas

mágicas e religiosas atraíam os homens para um lugar comum. O que havia era um

ponto de encontro de retorno periódico.

Também a religião esteve presente na formação da cidade como relata

Rogério Gesta Leal 49 , em especial a polis grega, que era a morada dos Deuses, e

tinham estes um papel fundamental no desenvolvimento justo e equilibrado da

cidade.

Na cidade romana, fez­se também presente a influência religiosa, em

especial quanto aos ritos quando da fundação de novos centros urbanos 50 .

A passagem das aldeias para a idéia de cidades ocorre a partir do

momento em que o excedente de produção era justificado pela necessidade de

sustentação das classes dominantes que se organizava. Experimenta­se, então, um

progresso das cidades, o que, ao lado da força, só vem a justificar o convencimento

racional da estrutura que se apresentava.

As elites dominantes, não tendo que produzir para seu sustento,

passam a ter outras atividades e consolidam uma divisão social urbana baseada na

propriedade 51 .

47 SILVA, op. cit., p. 16. 48 LEAL, op. cit., p. 05­06. 49 Idem, p. 06. 50 Idem, p. 07. 51 LEAL, op. cit., p. 10.

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É neste contexto que surge a época da sociedade pré­industrial,

segundo estágio de evolução das cidades a que se refere José Afonso da Silva 52 .

Segundo este autor, é neste momento que efetivamente surgem as

cidades cuja grande característica é a existência de elementos capazes de

multiplicar a produção e facilitar as distribuições.

Sob o aspecto da organização produtiva a que se referia Fiorillo 53 , vale

observar sua referência à Idade do Ferro, quando se domina o manuseio daquele

material, aumenta­se o progresso das comunidades, amplia­se a classe dirigente e

há um novo aumento da população.

O terceiro estágio é resultado da chamada Revolução Industrial

ocorrida na época da ascensão da burguesia no século XVII.

Opera­se um grande avanço no que se refere às técnicas de produção,

com a utilização de novas matrizes energéticas, resultando num excedente de

produção que passa a ser acessível à toda população e não só às classes

dominantes, o que, segundo Leonardo Benevolo 54 , leva a população a “crescer sem

obstáculos econômicos, até atingir ou ultrapassar os limites do equilíbrio ambiental”.

Neste cenário se apresenta então a cidade como sede das classes

dominantes, e o campo, sede das classes subalternas. Esta divisão na cidade

moderna da sociedade industrial, não impede, no entanto, uma interação entre

cidade e campo, mas é a questão do território que precisa ser enfrentada ao se

conceituar cidade, afirma Celso Antônio Pacheco Fiorillo 55 .

Vale ainda observar que nesta cidade, a idéia da propriedade, em

especial a propriedade imóvel, passa a ter um valor relevante nas interações sociais,

52 SILVA, op. cit., p. 16. 53 FIORILLO, op. cit., p. 09. 54 BENEVOLO, Leonardo. “História da cidade”. São Paulo: Perspectiva, 1977. Apud FIORILLO, op. cit., p. 09. 55 FIORILLO, op. cit., p. 11.

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uma vez que era ela quem definia o status social do cidadão. A Revolução Francesa

e o Código de Napoleão são o reflexo desta consagração do direito absoluto da

propriedade.

E é nesse contexto que o capitalismo, como modelo econômico, passa

a ditar as regras do desenvolvimento e crescimento das cidades. A aquisição de

riquezas, aumento de produção, escoamento e tráfego de produtos, dentre outros

fatores, passam a ser os aspectos fundamentais nas intervenções da cidade,

deixando de lado aspectos como qualidade do meio ambiente e relações sociais.

No Brasil, este processo de evolução do surgimento e desenvolvimento

das cidades iniciou­se com a política de ocupação e povoamento por parte de

Portugal, e seguiu os ciclos econômicos.

O início se deu com a mera exploração de recursos naturais, sem uma

estrutura mais sofisticada a nível de comunidade.

Posteriormente, deu­se a colonização do território brasileiro, como

forma de ocupação destinada a garantir o domínio de Portugal contra as tentativas

de invasão.

O ciclo da cana­de­açúcar propiciou a criação de cidades e vilas no

Nordeste, sendo que o desenvolvimento transferiu­se para a região do Rio de

Janeiro e Minas Gerais com o ciclo da mineração.

As exportações, portanto, é que direcionavam a economia e o

desenvolvimento brasileiro.

O que se verifica a nível de Brasil é que a idéia de urbano só veio a se

configurar após a chegada da Família Real ao Brasil em 1888 e a conseqüente

implementação de melhoramentos urbanos e uma preocupação maior quanto ao

processo de organização dos espaços urbanos, processo este que se deu

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continuidade com a atividade exportadora de café que gerava grandes riquezas e

atração de diversas pessoas aos centros comerciais como Rio de Janeiro, São

Paulo e Minas Gerais.

Esse atrativo aos centros urbanos faz com que o crescimento se dê de

forma desordenada, gerando diversos problemas cuja solução passa pela

implementação de políticas públicas necessariamente antecedidas de um

planejamento, pois como se observou ao longo da história brasileira, a ocupação

urbana desordenada gerou inúmeros problemas.

Este planejamento, será tanto mais legítimo e eficaz na proporção da

efetiva participação dos cidadãos em sua elaboração.

2.3 O conceito atual de cidade

De acordo com este breve resumo do processo de surgimento das

cidades é que se pode apresentar um conceito atual do que se considera cidade.

José Afonso da Silva 56 aponta alguns critérios ressaltados pela

doutrina brasileira para conceituar cidade.

Para o referido autor, deve­se construir a idéia de que núcleos

habitacionais podem vir a se configurarem como urbano, e este núcleo urbano pode

vir a ser considerado uma cidade.

Um núcleo urbano, conforme o autor referido 57 , precisa possuir:

1) densidade demográfica específica;

2) profissões urbanas como comércio e manufaturas, com suficiente

diversificação;

56 SILVA, op. cit., p. 18­20. 57 SILVA, op. cit., p. 18­19.

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3) economia urbana permanente, com relações especiais com o

meio rural;

4) existência de camada urbana com produção, consumo e direitos

próprios.

Para ser considerada uma cidade, o núcleo urbano necessita ser

analisado sob três concepções: 1) concepção demográfica, 2) concepção

econômica, 3) concepção de subsistemas.

O conceito demográfico leva em consideração o número mínimo de

habitantes que varia entre 2.000 (dois mil) e 50.000 (cinqüenta mil), dependo do

órgão que esteja avaliando (IBGE, ONU, UNESCO etc.)

A concepção econômica está ligada a uma localidade propícia “ao

comércio, o artesanato e o negócio, o cultivo dos valores espirituais e o exercício do

poder público”. 58

A terceira concepção está ligada a um conjunto de subsistemas

administrativos, comerciais, industriais e sócio­culturais.

É dizer: a cidade comporta diversas atividades que são exercitadas a

todo momento de forma contínua.

Para José Afonso da Silva, citando Virgilio Testa 59 , do ponto de vista

urbanístico, a cidade se caracteriza por dois elementos essenciais:

a) as unidades edilícias, ou seja, o conjunto de edificações em que os membros da coletividade moram ou desenvolvem suas atividades produtivas, comerciais, industriais ou intelectuais; b) os equipamentos públicos, ou seja, os bens públicos e sociais criados para servir às unidades edilícias e destinadas à satisfação das necessidades de que os habitantes não podem prover­se diretamente e por própria conta (estradas, ruas, praças, parques,

58 WOLFF, Joseff. “El planeamiento urbanístico del território y las normas que garantizan su efectividad, conforme la ley federal de ordenación urbanística”, in Ley federal alemana de ordenación urbanística e los municípios. Tradução Joaquin Hernández Orozco. Madrid: Instituto de Estúdios de Administración Local, 1973. In SILVA, José Afonso da. “Direito urbanístico brasileiro”. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 19 59 TESTA, Virgilio. “Disciplina urbanistica”. Milão: Giuffrè, 1974. Apud SILVA, op. cit., p. 26.

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jardins, canalização subterrânea, escolas, igrejas, hospitais, mercados, praças de esportes etc.

Vale ainda ressaltar a conotação que é dada à cidade, na ótica de

Celso Antônio Pacheco Fiorillo 60 , que passa a ter então natureza jurídica ambiental,

constituída pelos estabelecimentos regulares e irregulares, obedecendo, a partir da

Constituição Federal de 1988, a denominada ordem urbanística.

2.4 O papel atual da cidade

Sob o enfoque social e político, as cidades hoje em dia vêm assumindo

papel relevante na construção da própria sociedade e da cidadania.

A cidade não é mais somente uma aglomeração de pessoas dotada de

equipamentos públicos.

Com efeito, tem­se verificado uma grande influência dos interesses

supranacionais em assuntos de ordem interna dos países. Esta ingerência

enfraquece a própria soberania dos países que passam a se submeter a interesses

alheios à sua própria população, limitando diversos campos de intervenções

reguladoras destes países.

O modelo econômico vigente, voltado para a liberdade de produção,

eficiência e produtividade, sobrepuja valores sociais, gerando inúmeras formas de

violência, conforme observa Rogério Gesta Leal. 61 .

É neste cenário que o autor propõe uma:

determinada “teoria do espaço urbano”, para compreender o processo de formação das cidades e da lógica que anima suas funcionalidades e as relações políticas e sociais que os atores urbanos levam a efeito.

60 FIORILLO, op. cit., p. 14­15. 61 LEAL, op. cit., p. 56­57.

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E complementa o autor 62 :

A cidade e a cidadania, aqui, são tratadas como práticas, discursos e valores que constituem o modo como desigualdades e diferenças são figuradas no cenário público, como interesses se expressam e como conflitos se realizam.

A estrutura e as relações sociais se desenvolvem em um determinado

espaço, que deve ser analisado sob o prisma econômico, político, ideológico, e

pelas relações travadas entre os integrantes da sociedade. Estes aspectos estão em

permanente construção, moldando a cidade e a própria cidadania, baseados em

bases pré­estabelecidas como os Direitos Humanos e Fundamentais.

Neste sentido, o núcleo fundamental da construção da cidade é a

cidadania (sujeito coletivo social), e não o cidadão, pois pressupõe um debate real

dos problemas a serem solucionados, balizados por pressupostos básicos como os

mencionados Direitos Humanos e Fundamentais.

A cidade, neste sentido, se apresenta como local propício para o

debate e tomada de decisões em complementação ou até mesmo em substituição

às práticas administrativas estatais que se mostram invariavelmente ineficazes na

solução das demandas sociais contemporâneas, pois é nela que as pessoas estão

mais próximas, travam vínculos de afetividade e se sentem partes de um conjunto de

pessoas estruturado.

62 Idem, p. 61.

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3. URBANISMO E DIREITO URBANÍSTICO

3.1 Urbanismo. Urbanificação. Urbanização.

Conforme verificado no capítulo anterior acerca do processo de

evolução das cidades, a Revolução Industrial foi um marco neste processo, uma vez

que o aperfeiçoamento dos meios e técnicas de produção, e também o aumento da

produtividade, gerou um corrida da população aos centros urbanos que começavam

a se formar, na busca de riqueza e bens materiais.

Em regra este processo foi feito de forma desordenada, sem um

planejamento de ocupação do solo urbano 63 .

Cabe no entanto, trazer algumas definições da doutrina acerca dos

termos “urbanismo”, “urbanificação” e “urbanização”.

Segundo José Afonso da Silva 64 , “urbanização” é o processo pelo qual

a população urbana cresce em proporção superior à população rural. É um

fenômeno de concentração urbana.

Ainda segundo o autor, a urbanização no Brasil se deu de forma

prematura, nem sempre relacionado com o desenvolvimento, mas em função de um

êxodo rural decorrente da vida precária no meio rural, e a ociosidade de mão­de­

obra decorrente da mecanização da lavoura e da criação de gado que substitui a

lavoura.

É neste sentido que a urbanização pode gerar diversos problemas nos

centros urbanos, como falta de habitação, degradação do meio ambiente, higiene,

saneamento básico etc.

63 Vale o registro de Rogério Gesta Leal (Direito urbanístico ..., p. 14) ao comentar que há exceções, como a cidade de Amsterdã, que aliou seu crescimento físico com planejamento ambiental. 64 SILVA, op. cit., p. 21.

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Se a sociedade, em especial o poder público, não pode conter esta

ocupação desordenada do solo urbano, faz­se necessário que estas distorções

sejam consertadas, surgindo então a “urbanificação”, que é o “processo deliberado

de urbanização, consistente na renovação urbana, que é a reurbanização, ou na

criação artificial de núcleo urbano” 65 .

Segundo Gasto Bardet 66 , citado por José Afonso da Silva, a

urbanificação é o termo utilizado para designar a aplicação dos princípios do

urbanismo, advertindo que a urbanização é o mal, a urbanificação o remédio.

Antes de se adentrar no conceito de urbanismo, passando por seu

processo evolutivo até hoje, vale observar que o processo de urbanização no Brasil

se baseia em dois grandes momentos: o primeiro se dá entre a década de 30 e a de

80. As maiores cidades do Brasil passam a substituir sua forma de subsistência, que

estava ligada à agricultura, pelo desenvolvimento industrial, processado inicialmente

em função da produção do café. A partir da década de 40 há uma transformação da

população de rural para urbana.

Com o autoritarismo militar após a década de 60, opera­se uma

maneira altamente tecnicista de promover a gestão do espaço urbano.

A segunda fase se inicia no final da década de 80 com a Assembléia

Constituinte e a Constituição Federal de 1988, trazendo uma forma mais racional e

democrática de pensar a ordenação da cidade.

O urbanismo, portanto, pode ser conceituado num primeiro momento

como uma técnica e ciência de promover a ocupação ordenada do espaço urbano,

corrigindo­o quando a urbanização se deu de forma desordenada.

65 SILVA, op. cit., p. 21. 66 BARDET, Gaston. “L’urbanisme”. Paris: PUF, 1975. Apud SILVA, op. cit., p. 21.

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No entanto, o urbanismo também passou por diversas etapas,

conforme relatado pela doutrina.

É neste sentido que o urbanismo é definido, tecnicamente, segundo

Leopoldo Mazzaroli 67 , como

a ciência que se preocupa com a sistematização e desenvolvimento da cidade buscando determinar a melhor posição das ruas, dos edifícios e obras públicas, de habitação privada, de modo que a população possa gozar de uma situação sã, cômoda e estimada.

Esta era uma visão tecnicista que procurava analisar aspectos como

alinhamento, pavimentações etc.

É uma primeira corrente de urbanistas, chamados de “utópicos”.

A segunda corrente, por influência da escola racionalista ou funcional,

cujos maiores expoentes são Le Corbusier, Garnier Pieter Ond, Walter Gropius, e

por influência também da escola sociológica ou organicista com Lewis Munford, Le

Play, Patrick Geddes, introduz

[...] regulamentos sanitários e serviços administrativos, mediante a utilização de instrumentos urbanísticos técnico­jurídicos, que permitiram realizar transformações no meio urbano, dando origem à legislação urbanística moderna 68 .

Há então, uma evolução no conceito de urbanismo, saindo do aspecto

meramente técnico para o aspecto social, inclusive obrigando o Estado a promover a

organização do espaço urbano visando o bem­estar coletivo.

Este aspecto social significa que o arquiteto/urbanista não pode mais

atuar sozinho de forma a solucionar os problemas do espaço urbano. Exige­se,

portanto, estudos detalhados de diversos ramos de conhecimento como da

economia, direito, biologia, ciências sociais, dentre outros.

67 MAZZAROLI, Leopoldo. “I piani regulatori urbanistici”. Padova, CEDAM. Apud MUKAI, Toshio. “Direito urbano­ambiental brasileiro”. São Paulo: Dialética, 2002, p. 15. 68 SILVA, op. cit., p. 24.

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Esta nova concepção é fruto de um movimento que gerou a Carta de

Atenas, oriundo do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), em

1933, em Atenas, Grécia.

O urbanismo moderno aponta as funções urbanas elementares no

espaço urbano: habitação, trabalho, recreação do corpo e do espírito, circulação.

O CIAM de 1928 definiu que:

As três funções fundamentais para cuja realização deve velar o urbanismo são: 1º, habitar; 2º, trabalhar; 3º, recrear­se. Seus objetivos são: a) a ocupação do solo; b) a organização da circulação; c) a legislação 69 .

Neste sentido, Hely Lopes Meirelles 70 conceituou urbanismo como

sendo o “conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços

habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na

comunidade”.

Em função da moderna abordagem em que se encontra o urbanismo,

ou seja, o conjunto de técnica e ciência voltada para o estudo do espaço urbano e

conseqüente elaboração de um planejamento e atuação concreta no construir e

reconstruir, toda atividade deve levar em consideração o ambiente como um todo,

cujos elementos se relacionam e se completam.

É neste sentido que já se manifestava Paulo Affonso Leme Machado 71 :

O direito urbanístico preocupa­se com o desenvolvimento da cidade, para assegurar, através do emprego de todos os recursos técnicos disponíveis, vida condigna para toda a população. Não trata somente do melhoramento viário e higiênico, como em outros tempos. A legislação urbanística deve cogitar das exigências globais da comunidade, procurando impedir a criação de áreas de sub­ habitação.

69 CORBUSIER, Le. “Princípios de urbanismo”. Tradução Juan­Ramón Capella. Barcelona: Ariel, 1973, p. 145­146. 70 MEIRELLES, Hely Lopes. “Direito municipal brasileiro”. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 379. 71 MACHADO, Paulo Affonso Leme. “Urbanismo e poluição: aspectos jurídicos”. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 469, p. 34­40, 1975.

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3.2 Planejamento urbano

Um dos grandes problemas que o Brasil enfrenta na solução de seus

problemas é a falta de operacionalidade, a ineficácia na atuação do Administrador

Público.

Por vezes, leis e planos são formulados com o intuito de trazerem

alguma melhoria para a sociedade, e no entanto, ficam somente nas proposições,

não vindo sequer a serem iniciados.

Ao lado de fatores como falta de vontade política, corrupção, falta de

recursos financeiros, o que se nota é que essas leis e planos não são precedidos de

um estudo sistemático, de um planejamento que procure viabilizar, na prática, o que

se pretende implementar.

O planejamento urbano visa, sobretudo, o desenvolvimento integrado

da comunidade, não se atendo apenas a parte dela, pois é possível que uma

atuação em determinado local possa parecer ter sido a solução mais adequada, e no

entanto tenha trazido prejuízos em outro local.

Imagine­se uma situação onde haja uma mina d’água, e em seus

arredores o proprietário plante vegetação para seu gado. Devido à proximidade da

nascente a vegetação se desenvolve mais rapidamente e com melhor qualidade.

No entanto, todo o restante do curso d’água estará comprometido em

sua vazão, que será bastante reduzida.

O planejamento, portanto, é fundamental e condicionante para o

sucesso das medidas que se pretende implementar.

Assim, Célson Ferrari 72 afirma que:

Em um sentido amplo, planejamento é um método de aplicação, contínuo e permanente, destinado a resolver, racionalmente, os problemas que afetam uma sociedade situada em determinado

72 FERRARI, Célson. “Curso de planejamento municipal integrado”. São Paulo: Pioneira, 1991, p. 40.

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espaço, em determinada época, através de uma previsão ordenada capaz de antecipar suas ulteriores conseqüências.

E destaca ainda o referido autor as etapas e fases do planejamento

integrado: 1ª etapa: 1) Pesquisa; 2) Análise; 3) Diagnose; 4) Prognose; 5) Plano

Básico e Programação. 2ª etapa: 1) Realização ou Execução do Programa; 2)

Controle e Fiscalização; 3) Avaliação, Revisão e Atualização 73 .

José Afonso da Silva 74 define planejamento, em geral, como “um

processo técnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de

objetivos previamente estabelecidos”.

Em um sentido mais geral, José Afonso da Silva cita a definição de

planejamento de Enrique Jardí 75 :

El planeamiento es el conjunto de operaciones encaminadas como fin último al trazado de um proyecto, un programa o un esquema en el que queda predeterminada una actuación futura, respecto a la convivencia humana, la ‘preorganización de la vida colectiva’”.

A idéia de planejamento hoje é de cunho constitucional, passando a

ser um mecanismo jurídico.

Como exemplo temos a estrutura do Orçamento previsto nos artigos

165 e seguintes da Constituição Federal de 1988 76 .

Em relação à política urbana, a idéia de planejamento está inserida no

caput do artigo 188 77 da Carta Magna que dispõe sobre a política de

desenvolvimento urbano.

Segundo Marcos Mauricio Toba 78

73 FERRARI, op. cit., p. 41­42. 74 SILVA, op. cit., p. 77. 75 JARDÍ, Enrique. “El planeamiento urbanístico”. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1966, p. 49. 76 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 77 Idem. 78 TOBA, Marcos Maurício. “Do plano diretor”. In: MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. (Coord.). “Estatuto da Cidade: comentários”. São Paulo: RT, 2004, p. 244.

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“planejar significa estabelecer objetivos, indicar diretrizes, estudar programas, escolher os meios mais adequados a uma realização e traçar a atuação do governo, consideradas as alternativas possíveis”.

A legislação que se seguiu à Constituição Federal de 1988 incorporou

a idéia de planejamento, procurando afastar o improviso nas políticas públicas.

Como exemplo temos a Lei de Improbidade Administrativa, a Lei de

Responsabilidade Fiscal, e em matéria urbanística o Estatuto da Cidade, Lei nº

10.257 de 10 de julho de 2001.

O Estatuto da Cidade, lei que regulamenta os artigos 182 e 183 da

Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana, segue a

orientação constitucional ao prever em seu artigo 2º, inciso IV, como uma das

diretrizes gerais da política urbana o “planejamento do desenvolvimento das

cidades” 79 .

Vale ainda observar que o planejamento há de se concretizar através

de planos de atuação, sendo, portanto, conseqüência desse planejamento a

elaboração de normas jurídicas que, segundo José Afonso da Silva 80 , ocorre em

duas fases: “uma preparatória, que se manifesta em planos gerais normativos, e

outra vinculante, que se realiza mediante planos de atuação concreta, de natureza

executiva”.

Deve­se observar ainda, que em matéria de planejamento urbano, o

ente da Federação mais capacitado para operá­lo é o Município, conforme se

demonstrará em tópico mais adiante.

Além da idéia de planejamento, há de se ressaltar a imperiosa

necessidade de efetiva participação da população, conforme determina o artigo 1º,

79 BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. “Diário Oficial da República Federativa do Brasil”. Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jul. 2001. 80 SILVA, op. cit., p. 83.

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parágrafo único e artigo 29, XII, ambos da Constituição Federal de 1988 81 e artigo 40

e parágrafo único do Estatuto da Cidade 82 .

3.3 Reflexos da urbanização no direito de propriedade. A função social da

cidade.

Conforme verificado no item anterior, a urbanização é fenômeno

recente e que modificou completamente o modo de convivência dos integrantes da

sociedade.

Novas situações decorrentes deste processo de concentração de

pessoas nos centros urbanos se apresentaram, pugnando por uma nova

interpretação dos parâmetros legais existentes até então.

Valores e princípios tidos até então como absolutos passam a ser

enxergados sob uma nova ótica, sob uma visão mais social, mais coletiva.

É neste contexto que o direito de propriedade deixa de apresentar suas

antigas características, em especial decorrentes da Revolução Francesa, e adota

uma nova perspectiva.

81 BRASIL. Constituição Federal (1988). Art. 1º, parágrafo único. “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou

diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 29. “O Município reger­se­á por lei orgânica [...] atendidos [...] os seguintes preceitos:

XII – cooperação das associações representativas no planejamento municipal”. Sobre a cooperação das associações representativas no planejamento municipal vide tese de doutoramento de CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. “Cooperação das associações representativas no planejamento municipal: preceito constitucional vinculante”. 2001. 317 f. Tese (Doutorado em Direito Constitucional) ­ Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2001. 82 BRASIL. Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001.

Art. 40. “O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. § 1º. o plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano

plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.

§4º. no processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo Municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de

associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.”

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A conotação absoluta que se deu ao direito de propriedade, em

especial no Código de Napoleão e na Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão, foi reflexo da situação política e econômica da época.

Buscava­se construir um ordenamento jurídico que impedisse o retorno

de privilégios monárquicos e medievais, bem como dar garantias à nova classe

burguesa que tomava o poder.

Como bem observa Gustavo Tepedino 83

a codificação, como todos sabem, destinava­se a proteger uma certa ordem social, erguida sob a égide do individualismo e tendo como pilares nas relações privadas, a autonomia da vontade e a propriedade priva.

Essa situação se modifica com o passar dos anos, cedendo o Estado

Liberal seu lugar ao Estado intervencionista que traz consigo a idéia de função social

a ser atrelada aos diversos institutos jurídicos privados, “procurando proteger e

atingir objetivos sociais bem definidos, atinentes à dignidade da pessoa humana e à

relação das desigualdades culturais e materiais” 84 .

O próprio conceito de função social da propriedade, conforme

ressaltado por Gustavo Tepedino, é um “conceito relativo e historicamente maleável,

de acordo com a távola axiológica inspiradora da doutrina e do sistema positivo de

cada época” 85 .

Neste sentido é que se observa que “a propriedade urbana varia

conforme as relações sociais e econômicas de cada momento” 86 .

Também neste sentido se manifesta Eros Roberto Grau 87 , citando

André Piettre, que afirma ser a função social

83 TEPEDINO, Gustavo. “Temas de direito civil”. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2001, p. 201. 84 TEPEDINO, op. cit., p. 201. 85 TEPEDINO, Gustavo. “A nova propriedade (o seu conteúdo mínimo, entre o CC, a legislação ordinária e a Constituição)”. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 306. p. 73­78, jul./set. 1997. 86 LEAL, op. cit., p. 31. 87 GRAU, Eros Roberto. “Direito urbano”. São Paulo: RT, 1983, p. 63.

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a revanche da Grécia sobre Roma, da filosofia sobre o direito: a concepção romana, que justifica a propriedade por sua origem (família, dote, estabilidade dos patrimônios), sucumbe diante da concepção aristotélica, finalista, que a justifica por seu fim, seus serviços, sua função.

Esse movimento que se observa globalmente é parte do que a doutrina

nacional e estrangeira chama de “publicização” do direito privado.

A summa divisio a que se submetiam o direito público e o direito

privado vem se relativizando de forma a permitir uma maior interação entre ambos.

Os direitos dos particulares devem não só servir como forma de

enriquecimento pessoal, mas devem se coadunar principalmente com a garantia do

princípio da dignidade humana.

Este princípio condiciona as relações privadas, de forma que não se

admite mais como legítimo o exercício do direito de propriedade que viole a

dignidade humana.

É neste sentido que Maria Celina Bodin de Moraes 88 afirma

É, com efeito, este o princípio ético­jurídico capaz de atribuir unidade valorativa e social. Tal é, justamente, a medida de aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana: a ponderação, a ser feita em cada caso, entre liberdade e solidariedade, termos que stricto sensu, são considerados contrapostos. De fato, a imposição de solidariedade, se excessiva, anula a liberdade; a liberdade desmedida é incompatível com a solidariedade. Todavia, quando ponderados, seus conteúdos se tornam complementares: regulamenta­se a liberdade em prol da solidariedade social, isto é, da relação de cada um com o interesse geral, o que, reduzindo a desigualdade, possibilita o livre desenvolvimento da personalidade de cada um dos membros da comunidade.

Esta é a idéia de socialização do direito privado trazida por Michele

Giorgiani 89 , que leciona:

Não se deveria duvidar, por outro lado, seja dito incidentalmente, que a atividade econômica privada já transcende as fronteiras das relações entre os indivíduos, e penetrou no centro do corpo social

88 MORAES, Maria Celina Bodin de. “Constituição e direito civil: tendências”. RT, São Paulo, ano 89, v. 779, p. 46­63, set. 2000. 89 GIORGIANNI, Michele. “O direito privado e as suas atuais fronteiras”. Tradução Maria Cristina de Cicco. RT/ Fasc. Civ., São Paulo, v. 747. p. 35­55, jan. 1998.

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através das dilatadas dimensões da empresa econômica e através da possibilidade de satisfazer um número e uma variedade de necessidades antes nem mesmo imagináveis. Esta “socialização” já impregnou intimamente todos os institutos do Direito Privado, e não somente a propriedade, que mais freqüentemente chamou a atenção da doutrina.

É neste cenário que se coloca a visão atual acerca do direito de

propriedade nas cidades, ou seja, a propriedade urbana. Deve ela se sujeitar às

normas de ordem pública e interesse social.

O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/01, determina em seu artigo 1º,

parágrafo único 90 que a propriedade urbana deve ser usada “em prol do bem

coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio

ambiental”.

Baseado neste princípio, pode­se extrair as lições de Celso Antônio

Pacheco Fiorillo 91 afirmando que

a denominada propriedade urbana assume feição ambiental, ou seja, deixa de ser considerada como simplesmente imóvel localizado dentro de limites impostos, burocraticamente, pelo legislador infra­ constitucional ou mesmo situado em zona determinada pelo mesmo visando incidência de impostos na forma do que estabelecia superada doutrina no plano das Constituições pretéritas, e passa a se destinar fundamentalmente à moradia visando assegurar, originariamente, a dignidade da pessoa humana.

Em suma, conforme anotado por Ruy de Jesus Marçal Carneiro 92

[...] o “direito de propriedade” deflui por inteiro do próprio texto constitucional. E porque neste encontra a sua fonte primeira, pode ser interpretado, com convicção, que “direito de propriedade” tem a sua origem no próprio Direito Público e não no Direito Privado.

90 BRASIL. Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001. 91 FIORILLO, op. cit., p. 18. 92 CARNEIRO, “Organização ...”, op. cit., p. 33.

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A Constituição Federal de 1988, em diversos momento trata da

propriedade, procurando conformá­la com sua função social. São exemplos os

artigos 170, II e III; 5º XXIII; 182 93 etc.

Vale ainda observar que a Constituição Federal de 1988 elegeu o

Plano Diretor como instrumento de implementação da função social da cidade.

Esta nova visão do direito de propriedade aliada ao papel que é

atribuído às cidades modernas, como lugar privilegiado do político, enquanto

ambiente propício à formação de espaços favoráveis ao debate, traz uma nova

perspectiva quanto à alguns direitos individuais.

O direito à cidade é então uma conquista da sociedade moderna, é um

direito a ter um ambiente saudável, uma cidade sustentável.

Dentro deste contexto se insere o direito à moradia, que foi inclusive

objeto da Emenda Constitucional nº 26 94 , que elevou este direito ao status

constitucional expresso de direito social.

93 BRASIL. Constituição Federal (1988). Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: II – propriedade privada III – função social da propriedade

Art. 5º ­ ... XXII – a propriedade atenderá a sua função social.

Art. 182 – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem­estar de seus habitantes. § 2º – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

94 BRASIL. Constituição (1988): Emenda Constitucional nº 26: promulgada em 12 de fevereiro de 2000.

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Estes direitos já se encontram, inclusive, expressamente mencionados

no preâmbulo da Constituição Federal, e o próprio direito à moradia já se encontrava

inserido no art. 7º, IV da Constituição Federal de 1988 95 .

O direito à moradia é pressuposto para assegurar a dignidade da

pessoa humana, que se torna impossível sem as condições adequadas de higiene e

conforto. Esta é uma necessidade vital básica do ser humano.

O tema já fora objeto de preocupação na Declaração Universal dos

Direitos do Homem (1948) e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais (1966), conforme menciona José Afonso da Silva 96 .

Duas constituições européias trouxeram em seus textos o

enfrentamento da questão conforme menciona o referido autor. A primeira é a de

Portugal 97 conforme se verifica de seu texto abaixo:

Artigo 65.º (Habitação e urbanismo) 1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. 2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social; b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.

95 BRASIL. Constituição Federal (1988). Preâmbulo – Nós [...] destinados a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais [...] Art. 7º ­ São direitos dos trabalhadores rurais e urbanos, além de outros que visem à melhoria de sua condição

social. IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família, com moradia, alimentação [...]

96 SILVA, op. cit., p. 341. 97 PORTUGAL. Constituição (1976). Constituição da República Portuguesa: promulgada em 02 de abril de 1976.

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3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria. 4. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística. 5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território.

Também neste sentido se posiciona a Constituição espanhola 98 :

Todos los españoles tienen derecho a disfrutar de una vivienda digna y adecuada. Los poderes públicos promoverán las condiciones necesarias y establecerán las normas pertinentes para hacer efectivo este derecho, regulando la utilización del suelo de acuerdo con el interés general para impedir la especulación. La comunidad participará en las plusvalías que genere la acción urbanística de los entes públicos.

A ONU – Organização das Nações Unidas – também vem promovendo

conferências internacionais acerca do tema, inclusive tendo gerado a chamada

Agenda Habitat II 99 , fruto da Conferência das Nações Unidas sobre assentamentos

humanos realizada em Istambul, Turquia.

Neste documento foi reafirmado que o direito à moradia é um direito

humano conforme se verifica de seus dispositivos abaixo:

Parágrafo 26 – [...] Nós reafirmamos e somos guiados pelos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas e reafirmamos nosso compromisso de assegurar a plena realização dos direitos humanos a partir dos instrumentos internacionais, em particular neste contexto o direito à moradia disposto na Declaração Universal de Direitos Humanos, e provido pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, [...], levando em conta que o direito à moradia incluído nos instrumentos internacionais acima mencionados deve ser realizado progressivamente [...]. Parágrafo 39 – Nós reafirmamos nosso compromisso para a plena e progressiva realização do direito à moradia, provido por instrumentos internacionais. Neste contexto, reconhecemos a obrigação dos Governos de capacitar as pessoas para obter habitação e proteger e melhorar as moradias e vizinhanças [...].

98 ESPANHA. Constituição (1978). Constituição espanhola: sancionada em 27 de dezembro de 1978. 99 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE ASSENTAMENTOS HUMANOS – HABITAT II. 2. 1996, Istambul. “Agenda Habitat II”.

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Quanto à possibilidade de aplicação deste entendimento, vale o registo

de J. J. Gomes Canotilho 100 sobre o tema, afirmando que assiste ao Estado uma

função de prestação social e admitindo, no entanto, que a resposta à questão é

discutível, questionando

se os particulares podem derivar directamente das normas constitucionais pretensões prestacionais (exemplo: derivar da norma consagradora do direito à habitação uma pretensão prestacional traduzida no direito de exigir ‘uma casa’).

3.4 Direito urbanístico

Essa nova concepção de propriedade, aliada ao novo conceito de

Estado intervencionista, garantidor dos direitos individuais e sociais, reclama uma

postura ativa deste mesmo Estado.

Há então a necessidade de um embasamento jurídico sobre esta nova

forma de atuar do Estado, e de se comportar o indivíduo.

Surge assim a discussão sobre o surgimento ou não de uma nova

disciplina, um novo ramo autônomo na ciência do direito: o Direito Urbanístico.

De início, independente da posição que se venha a adotar, cumpre

destacar sobre quais situações em concreto o direito se manifesta.

Vislumbra­se então a normatização jurídica atinente a três ramos do

direito: direito administrativo, direito civil e direito ambiental.

Direito administrativo porque busca trazer elementos de intervenção do

Estado no alcance do interesse público, em especial na forma de ocupação e uso do

solo urbano.

100 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Direito constitucional e teoria da constituição”. Coimbra: Almedina, 1998, p. 384.

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Direito civil porque esta normatização vai interferir diretamente no

direito de propriedade dos indivíduos que terão que adequá­las a uma função social

para que sejam consideradas legítimas.

E direito ambiental tendo em vista que o objetivo maior é disciplinar de

forma racional a ocupação do espaço urbano de modo que seja possível manter a

qualidade do meio ambiente, verdadeiro pressuposto da dignidade da pessoa

humana. Nesta dignidade está inserido o direito a um meio ambiente sadio,

ecologicamente equilibrado 101

Em estudo sobre o Estatuto da Cidade, Carlos Ari Sundfeld 102 chama a

atenção para o fato de que o surgimento das disciplinas contemporâneas

apresentam semelhanças.

Este processo, segundo o autor, se dá em três etapas: infância,

adolescência, idade adulta.

Num primeiro momento há uma recepção do Direito às novas

realidades sociais que se apresentam, surgindo então alguma normatização, que o

autor chama de “leis e regulamentos de ocasião”.

Na adolescência se dá o processo de construção de uma identidade

teórica e normativa.

Na fase adulta se opera o

[...] desafio da consolidação, articulação e operação sistemática: os vários elementos adquiridos (conceitos, finalidades, instrumentos, competências) têm de ganhar nitidez e estabelecer relações entre si, para assim incidir na vida concreta 103 .

101 BRASIL. Constituição Federal (1988). Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo­se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê­lo e preservá­lo para as presentes e futuras gerações. 102 SUNDFELD, Carlos Ari. “O estatuto da cidade e suas diretrizes gerais”. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. “Estatuto da Cidade: comentários à lei federal 10.257/2001”. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 45­46. 103 SUNDFELD, op. cit., p. 46.

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O direito urbanístico surge efetivamente a partir do século XX, fruto do

processo acelerado de urbanização que reclama uma atuação concreta do Poder

Público.

Para o referido autor, a infância do direito urbanístico está entre as

décadas de 30 e 70.

A partir da década de 70 o direito urbanístico entra na adolescência,

conquistando sua identidade através de leis e regulamentos urbanísticos 104 e

estudos sobre o caso.

Seu grande momento foi com a promulgação da Constituição Federal

que afirmou sua existência e fixou seus objetivos e instrumentos 105 .

Com o advento do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, que o autor

afirma ser o instrumento apto a dar fim à fase da adolescência do direito urbanístico,

criou­se mecanismos para consolidá­lo, viabilizando sua operação sistemática.

Ruy de Jesus Marçal Carneiro 106 , em obra anterior ao Estatuto da

Cidade já apontava que em volta do direito administrativo já orbitavam institutos,

fazendo a ressalva de que era ainda um campo de estudo em formação.

Segundo o autor, direito urbanístico é “o instrumento que fornece os

meios legais para que o Poder Público atue no domínio privado afim de permitir que

o bem­estar geral da sociedade possa ser ver instalado e preservado” 107 .

104 São exemplos desta fase: Lei nº 6.766/79 ­ Lei de Parcelamento do Solo Urbano; Decreto­lei federal nº 1.075/70 – sobre desapropriação e imissão provisória na posse em imóveis residenciais urbanos; Lei 6.602/78 – sobre os distritos industriais; Leis Complementares 14/73 e 20/74 – sobre regiões metropolitanas; Decreto­lei federal nº 1.413/75 e Lei nº 6.803/80 – sobre proteção ambiental e zoneamento urbano industrial. 105 BRASIL. Constituição Federal (1988). Art. 24 ­ Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico. Art. 182 – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme

diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem­estar de seus habitantes.

106 CARNEIRO, “Organização ...”, op. cit., p. 84­85 107 Idem., p. 84.

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José Afonso da Silva 108 , também ressaltando o processo de afirmação

do direito urbanístico lhe apresenta dois aspectos fundamentais:

o Direito Urbanístico objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade do poder público destinada a ordenar os espaços habitáveis, o que equivale dizer: conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade urbanística; o Direito Urbanístico com ciência, que busca o conhecimento sistematizado daquelas normas e princípios reguladores da atividade urbanística.

Afirma ainda o referido autor que o Direito é uno e o que existe é

autonomia didática ou autonomia científica de um ramo da ciência jurídica.

A autonomia, segundo o autor, se caracteriza sob dois aspectos:

autonomia dogmática e autonomia estrutural. A primeira pressupõe princípios e

conceitos próprios e a segunda se consubstancia na existência de institutos e figuras

jurídicas diferentes das pertencentes a outros ramos do Direito e não utilizáveis por

este.

A autonomia científica acima referida, conclui José Afonso da Silva 109

“só será alcançada pela existência de normas específicas, razoavelmente

desenvolvidas, que regulem condutas ou relações conexas ou vinculadas a um

objeto específico, conferindo homogeneidade ao sistema normativo de que se trata”.

Para Toshio Mukai 110 o direito urbanístico é um “desenvolvimento

técnico­especializado do direito administrativo”, não podendo ainda ser considerado

um ramo autônomo da ciência do direito.

Também neste sentido se posiciona Rogério Gesta Leal 111 ao afirmar

que o direito urbanístico “não se liberta da dependência do Direito Administrativo”,

pois se socorre de seus institutos e princípios.

108 SILVA, op. cit., 31. 109 Idem., p. 36. 110 MUKAI, “Direito ...”, op. cit., p. 24. 111 LEAL, op. cit., p. 145­146.

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O objeto do direito urbanístico seria então

[...] o interesse da boa organização, ou seja, da melhor organização do território. Não uma organização meramente administrativa, mas calcada em princípios e orientações democráticas e que visem ao atendimento do bem­estar da sociedade como um todo 112 .

3.5 Competência legislativa

A competência para legislar a respeito de direito urbanístico é conferida

a todos os entes da Federação de acordo com a Constituição Federal.

Em vários dispositivos a Constituição Federal de 1988 confere poderes

aos entes da Federação para legislar.

É o que ocorre em relação à União, conforme os artigos 21, IX e XX;

24, I e § 1º; aos Estado Membros conforme artigos 25, § 1º e § 3º; 24, I e aos

Municípios, conforme os artigos 182, § 1º e § 2º; 30, I, II e VIII.

Para que não haja sobreposição de normas reguladoras, adotou o

constituinte o princípio da predominância de interesses, sendo que a União tem

interesses gerais, os Estados­membros interesses regionais, e os Municípios

interesses locais. Há de se observar ainda o critério da territorialidade, que segundo

Daniela Campos Libório Di Sarno 113 , é a restrição imposta pelo limite territorial.

O conceito de norma geral se encontra muito bem esposado em voto 114

do Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso que a definiu com a

“moldura do quadro a ser pintado pelos Estados e Municípios no âmbito de suas

competências”.

112 LEAL, op. cit., p. 116. 113 DI SARNO, Daniela Campos Libório. “Competências urbanísticas”. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. “Estatuto da Cidade: comentários à lei federal 10.257/2001”. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 61. 114 JURISDIÇÃO. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 927­RJ. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília,

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Complementando ainda o raciocínio, acrescenta Regis Fernandes de

Oliveira 115 :

Por serem princípios, devem apresentar generalidade maior que as leis. Se adentrarem no particular, no especial, estarão ocupando a reserva atribuída à competência do ente federado menor, com o que serão inconstitucionais.

A análise dos dispositivos constitucionais indica a preponderância do

papel dos Municípios em relação ao direito urbanístico.

Com efeito, é a municipalidade quem se encontra em melhores

condições de verificar as necessidades quanto à ocupação e utilização do solo

urbano. E deve exercer seu papel em consonância com as normas gerais que já

tiverem sido estabelecidas.

Ressalte­se a observação do Rogério Gesta Leal 116 de que o interesse

local não é interesse exclusivo do município, mas aquele que afeta

predominantemente a população de um local delimitado.

Com relação ao Estatuto da Cidade, seu artigo 3º tratou das

competências urbanísticas, sendo certo que esse dispositivo se refere à

competência somente da União e seu conteúdo é exemplificativo, como observa

Daniela Campos Libório Di Sarno 117

Em relação ao Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, como norma

infraconstitucional destinada a trazer efetividade ao comando constitucional que

impõe ao Estado o ônus de promover a adequada utilização e ocupação do solo,

pode­se dizer que esta é a norma base que pode ser complementada com outras,

em especial os Planos Diretores que já existiam quando de sua promulgação, e os

que vierem a ser elaborado.

115 OLIVEIRA, op. cit., p. 30. 116 LEAL, op.cit., p. 86. 117 DI SARNO, op. cit., p. 66.

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4. O ESTATUTO DA CIDADE

4.1 Lei regulamentadora

A lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001, autodenominada Estatuto da

Cidade, é conseqüência do processo de crescimento da população urbana, e o

surgimento de novos problemas, novas situações a serem enfrentadas pelo Poder

Público em conjunto com a sociedade.

A lei, reflexo dos acontecimentos sociais, que visa disciplinar o modo

de convivência entre as pessoas, é fruto de um consenso entre os legisladores,

representantes eleitos pelos cidadãos, característica maior da democracia

representativa de que se falou no primeiro capítulo.

Conforme disposto em seu preâmbulo, o Estatuto da Cidade

regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes

gerais e dá outras providências.

Com a edição desta lei, busca­se dar mais um passo na efetiva

implementação da política de desenvolvimento urbano que, conforme o art. 182 da

Carta Magna tem o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais

da cidade e garantir o bem­estar de seus habitantes.

É mais um etapa cumprida com vistas a colocar em prática diversos

instrumentos jurídicos em relação ao espaço urbano

Conforme anota Adilson Abreu Dallari 118 , ela é “parte de uma

transformação e modernização da estrutura jurídica, da Administração Pública, da

sociedade, e dos costumes”, citando como outros exemplos a Lei Federal de

Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei

Complementar nº 101/00).

118 DALLARI, op. cit., p. 19

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A referida lei nº 10.257, promulgada no dia 10 de julho de 2001, teve

tramitação prolongada no Congresso Nacional.

Odete Medauar 119 relata que o Projeto de Lei original foi o de nº 181 do

ano de 1989, de autoria do Senador Pompeu de Souza, contando com a

colaboração de alguns urbanistas.

No ano de 1990 o Senado já o havia remetido para a Câmara dos

Deputados, onde permaneceu até 1999, ou seja, por 09 (nove) anos, quando foi

designado um relator, que sistematizou as emendas, consultando setores envolvidos

na questão, resultando em um substitutivo, de nº 5.788, aprovado em novembro de

2000 na Câmara.

Retornando ao Senado por força constitucional, teme tramitação rápida

sendo aprovado em Junho de 2001.

O projeto final sofreu alguns vetos da Presidência da República, sendo

que alguns deles serão objeto de análise pormenorizada, como o do parágrafo 5º do

art. 40, que considerava nula a lei que instituísse o plano diretor em desacordo com

o disposto no parágrafo 4º que prevê a efetiva participação da população no

processo de elaboração do plano.

Após sua publicação, foi editada a Medida Provisória nº 2.220 de 04 de

setembro de 2001, que versa sobre a concessão de uso de imóvel público para fins

de moradia.

Esta Medida Provisória nº 2.220/01 também criou o CNDV –Conselho

Nacional de Desenvolvimento Urbano, órgão deliberativo e consultivo, que passou a

denominar­se Conselho das Cidades, por força da Lei nº 10.683 de 25 de maio de

2003.

119 MEDAUAR, op. cit., p. 16.

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4.2 “Marco regulatório” da organização do espaço urbano.

Essa expressão, “marco regulatório”, foi empregada por Rogério Gesta

Leal 120 para dar a real dimensão do Estatuto da Cidade no cenário brasileiro, que

trouxe os princípios e objetivos nacionais na política de desenvolvimento urbano.

É um verdadeiro divisor de águas na matéria, que vem sendo objeto

de diversas análises acadêmicas e doutrinárias.

Ainda que contenha algumas imprecisões e alguns doutrinadores

apontem inconstitucionalidades, é considerado o “vetor político que informa os

objetivos e finalidades da própria cidade” 121 .

Inicialmente pode­se destacar os aspectos gerais mais relevantes do

Estatuto da Cidade.

Trata­se pois, de norma de ordem pública e interesse social que,

segundo Odete Medauar 122 significa que “não podem ser derrogadas ou moldadas

pela vontade dos particulares, sendo imperativas, cogentes”.

A questão do interesse social, continua a autora, parece significar “algo

relevante para toda a sociedade”.

Segundo Celso Antônio Pacheco Fiorillo 123 dizer­se “norma de ordem

pública” significa dizer que o magistrado deve apreciar de ofício qualquer questão

relacionada aos dispositivos da lei, não se operando sobre elas a preclusão, que

podem ser decididas e revistas a qualquer tempo.

Regis Fernandes de Oliveira 124 alerta para o fato de que a referida

norma deve ser analisada além de seu texto escrito. Fazendo uma comparação com

120 LEAL, op. cit., p. 77. 121 Idem., p. 79. 122 MEDAUAR, op. cit., p. 24. 123 FIORILLO, op. cit., p. 20 124 OLIVEIRA, op. cit., p. 09.

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um vaso, que deve ser analisado pelo seu vazio e não pela forma visível, afirma que

é “a finalidade que lhe dá razão de existência e utilidade prática”.

E acrescenta ainda o autor:

No acolhimento do que se pode aninhar em seu espaço interno é que reside toda sua utilidade. Nada obstante, as suas formas é que podem determinar o que nele pode se encaixar. As normas gerais contidas nessa lei são como as paredes de qualquer recipiente: são as suas formas que conferem a legitimidade e a compatibilidade do fim almejado”.

4.3 Estrutura da lei

A lei nº 10.257/2001 está dividida em cinco capítulos: I – Diretrizes

Gerais; II – Dos Instrumentos da política urbana; III – Do Plano Diretor; IV – Da

Gestão Democrática da Cidade; V – Disposições Gerais.

Para efeito do presente trabalho apenas alguns itens serão analisados,

o que não diminui a importância dos demais.

As Diretrizes Gerais, objeto dos artigos 1º ao 3º, buscam delimitar os

princípios e objetivos perseguidos pela lei, podendo ser considerados verdadeiros

elementos vinculantes às ações públicas ou privadas, que devem sempre estar

voltadas para o alcance do previsto nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal, que

versam sobre os direitos e garantias fundamentais.

É neste sentido que Celso Antônio Pacheco Fiorillo 125 afirma que a

função social da cidade é cumprida quando esta proporciona a seus habitantes os

direitos previstos no art. 5º, caput da Constituição Federal, garantindo ainda a todos

o que chama de “piso vital mínimo”, compreendida pelos direitos sociais previstos no

art. 6º da Constituição Federal.

Vale também observar que o Estatuto rompe com a democracia

representativa e aproxima a política urbana da democracia participativa.

125 FIORILLO, op. cit., p. 23.

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É neste sentido que Regis Fernandes de Oliveira 126 ressalta que o

governo não poderá mais atuar sozinho, impondo o Estatuto um limite à

discricionariedade estatal.

Esta opção está expressa nos incisos II e III do artigo 2º, que prevêem

como diretrizes gerais:

Art. 2º [...] II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social.

Um outro aspecto que deve ser observado é o contido no parágrafo

único do art. 1º do Estatuto, que dispõe que o uso da propriedade urbana deve se

dar em prol do equilíbrio ambiental, dentre outras coisas.

De fato, a política de ocupação e desenvolvimento urbano é um dos

aspectos fundamentais no alcance do meio ambiente ecologicamente equilibrado,

conforme determina o artigo 225, caput, da Constituição Federal.

Ainda em relação à questão ambiental, o inciso I do artigo 2º aponta

como diretriz geral a garantia do direito a cidades sustentáveis.

Esta expressão é oriunda do termo “desenvolvimento sustentável”,

vindo do Direito Ambiental e como relata Odete Medauar 127 “cidades sustentáveis

são aquelas em que o desenvolvimento urbano ocorre com ordenação, sem caos e

destruição, sem degradação, possibilitando uma vida urbana digna para todos”.

E acrescenta a autora que a garantia do direito das cidades

sustentáveis, insculpido no referido dispositivo legal, é o

126 OLIVEIRA, op. cit., p. 11. 127 MEDAUAR, op. cit., p. 27.

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“direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento, à infra­estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. Tudo isso implica solidariedade e se traduz em vida urbana digna para todos”.

Essas são em resumo, as Diretrizes Gerais, ressaltadas pela própria

lei. Têm como sua finalidade precípua, afirma Rogério Gesta Leal 128 , “instituir regras

de ordem pública e de interesse social, regulatórias da segurança e do bem­estar do

cidadão, juntamente com o equilíbrio ambiental”.

As Diretrizes Gerais estabelecem a conformidade com que deverão ser

produzidas normas locais que devem guardar consonância com os princípios e

objetivos do Estatuto da Cidade.

Como exemplo, podemos vislumbrar uma produção legislativa

municipal elaborada ao arrepio da participação efetiva, direta da população e dos

setores envolvidos, que se confronta com o espírito do Estatuto da Cidade, em

especial, seus artigos 2º, II, III e XIII; 4º, V, “s” e § 3º; 40, § 4º, I, II e III; 43, I, II, III e

IV; 44 e 45.

Conforme observado por Rogério Gesta Leal 129 , essas diretrizes são

“opções políticas fundamentais do legislador e da comunidade no campo da gestão

do espaço urbano brasileiro”. Refletem uma ordem ideológica e social em vigor.

O Capítulo II prevê os instrumentos jurídicos que possibilitam a efetiva

implementação da política urbana.

Vários institutos estão previstos desde o artigo 4º ao artigo 38, alguns

já conhecidos no direito brasileiro, outros inovadores no ordenamento jurídico.

O Capítulo III trata do Plano Diretor, disciplinado nos artigos 39 a 42,

que será objeto de estudo mais detalhado no capítulo seguinte.

128 LEAL, op. cit., p. 90. 129 Idem, p. 92­93.

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4.4 Gestão Democrática das Cidades

O Capítulo IV trata da Gestão Democrática da Cidade – artigos 43, 44

e 45 – e faz parte desta nova ideologia de atuação direta da sociedade na gestão

dos interesses públicos.

É o que Paulo Bonavides 130 chamou de democracia participativa e

Rogério Gesta Leal 131 chama de democracia substantiva.

Inicialmente frise­se que a palavra “gestão” tem significado diferente de

“gerenciamento”.

A primeira traduz uma séria de estudos e pesquisas voltadas para

comandar o funcionamento de determinado instituto.

O gerenciamento está mais ligado com a implementação prática do

que fora deliberado pelos órgãos de gestão.

É neste sentido que Maria Paula Dallari Bucci 132 sustenta que gestão

democrática da cidade pressupões uma efetiva participação dos cidadãos e dos

habitantes da cidade nas funções de direção, planejamento, controle e avaliação das

políticas urbanas, voltada para a garantia do direito à cidade a todos.

Não se admite mais hoje em dia a idéia de gestão individual,

autoritária. O administrador, ainda que não concorde com essa idéia de ouvir outras

pessoas para a realização de seu ofício, está obrigado a adotar esta conduta, em

especial em matéria de política urbana, pois este é o comando do Estatuto da

Cidade.

130 BONAVIDES, op. cit., p. 10­11. 131 LEAL, op. cit., p. 65. 132 BUCCI, Maria Paula Dallari. “Gestão democrática da cidade”. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. “Estatuto da Cidade: comentários à lei federal 10.257/2001”. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 323.

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Maria Paula Dallari Bucci 133 chama atenção para a situação topológica

da gestão democrática no Estatuto da Cidade, conferindo­lhe status de “norma de

processo político­administrativo”, exigindo­se sempre a participação popular.

O orçamento participativo, que já vem sendo implementado em

diversos municípios do país, é um exemplo de gestão democrática. Ele vincula a

legitimidade e a validade do orçamento à efetiva participação da população.

A gestão democrática da cidade é, portanto, um direito garantido por

nosso sistema jurídico e precisa ser efetivamente implementado. Para isso devem

contribuir o Poder Público, colocando mecanismos à disposição para sua efetivação,

e a própria sociedade que deve lutar para expressar seu direito de participar do

processo de elaboração e aplicação das políticas públicas.

Esse, no entanto, é um processo que tende a se solidificar, uma vez

que a sociedade não pretende ser mera espectadora de decisões centralizadas de

órgão municipal, que eventualmente procura, a posteriori, saber sobre a satisfação

da população como observam Janaína Rigo Santin e Felipe Simor de Freitas 134 .

A Carta Mundial do Direito à Cidade, documento de compromisso

firmado entre diversos governos, inclusive o do Brasil, e organizações privadas,

publicado no V Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre/RS em 2005, prevê

como um dos princípios do direito à cidade o “exercício pleno à cidadania e à gestão

democrática da cidade”, nos termos de seu artigo II, número 1 e em outros

dispositivos deste importante documento.

A gestão democrática da cidade é imposição constitucional, por força

do parágrafo único do artigo 1º, uma imposição legal, em especial por força dos

133 BUCCI, op. cit., p. 323. 134 SANTIN, Janaína Rigo, FREITAS, Felipe Simor de. “O estatuto da cidade e a gestão democrática municipal”. www.mundojuridico.com.br, 2005. Disponível em: <www.mundojuridico.com.br>. Acesso em: 18 de janeiro de 2005, p. 17.

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artigos 43 a 45 do Estatuto da Cidade, e mecanismo eficaz de conquista da

cidadania e conseqüente melhoria da qualidade de vida e diminuição das

desigualdades sociais.

É nesse sentido que Luiz Cézar de Queiroz Ribeiro e Adauto Lúcio

Cardoso afirmam 135 :

A nossa participação na elaboração de planos diretores deve ser encarada como uma forma de defesa do compromisso do Poder Público em assegurar um determinado nível de bem­estar coletivo. Partindo deste ponto de vista, torna­se um desafio a busca de um novo formato de planejamento que seja capaz de gerar intervenções governamentais que efetivamente promovam a melhoria das condições urbanas de vida, sobretudo para o conjunto dos trabalhadores.

Essa idéia de gestão democrática se reflete no contexto da

participação popular no Plano Diretor, tema do qual se abordará a seguir.

135 QUEIROZ, op. cit., p. 12.

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5. PLANO DIRETOR

5.1 Conceito

O Plano Diretor, conforme relatado, está inserido dentro da idéia de

gestão democrática da cidade.

Num primeiro momento pode­se definir o Plano Diretor como uma lei

municipal, cuja elaboração está prevista na Constituição Federal de 1988, em seu

artigo 182, § 1º, como sendo o instrumento básico da política de desenvolvimento e

de expansão urbana.

Jacintho Arruda Câmara 136 observa que a idéia do Plano Diretor é

antiga, anterior ao Estatuto da Cidade, que veio a lhe dar contornos jurídicos mais

elaborados.

É interessante observar que o Plano Diretor, no Brasil da década de 60

e 70, sempre foi concebido por arquitetos e urbanistas, que elaboravam normas sob

uma ótica técnica individualizada, não contextualizada com o conjunto de fatores

que influenciam e condicionam a ocupação e utilização dos espaços urbanos.

José Afonso da Silva 137 , em obra anterior ao Estatuto da Cidade,

aponta quatro fases evolutivas do Plano Diretor.

A primeira, preocupada com o que chama de ”desenho da cidade”,

associada à idéia de estética urbana.

A Segunda, relacionada à distribuição das edificações sob a ótica

econômica e arquitetônica.

136 CÂMARA, Jacintho Arruda. “Plano diretor”. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. “Estatuto da Cidade: comentários à lei federal 10.257/2001”. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 308. 137 SILVA, op. cit., p. 87.

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Num terceiro momento adota­se a idéia de um plano de

desenvolvimento integrado, aplicando­se o conceito de planejamento, que integre

vários setores da municipalidade.

Uma Quarta etapa surge após a Constituição Federal de 1988

refletindo a idéia mencionada acima, constante do § 1º do art. 182 da Constituição

Federal de 1988, voltada para a ordenação do pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade e garantia do bem­estar da comunidade local.

Esse processo constitui uma mudança de enfoque, do estático para o

dinâmico, passando a compreender a “sistematização do desenvolvimento futuro”

em substituição à “sistematização do que já existe” 138 .

A base da conceituação, portanto, é a necessidade de lei, de âmbito

municipal, para a instituição do Plano Diretor. É uma exigência constitucional (art.

182, § 1º).

Como é parte integrante de nosso sistema jurídico, a ele deve se

adequar e interagir. Está, portanto, sujeito aos princípios gerais instituídos pela

Constituição Federal de 1988, devendo seus dispositivos, sob a ótica da

normatização dos espaços urbanos, promover a dignidade da pessoa humana, a

preservação e equilíbrio do meio ambiente, o bem­estar coletivo etc.

Sob outro aspecto, e buscando traçar as características gerais do

Plano Diretor, vale observar que a idéia da função social da propriedade urbana vai

ser alcançada se esta propriedade atender às exigências fundamentais de

ordenação da cidade previstas no Plano.

138 SPANTIGATI, Frederico. “Manual de derecho urbanístico”. Madrid: Editorial Montecorvo, 1973. Apud SILVA, op. cit., p. 87.

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A doutrina em geral elogia esta técnica legislativa do constituinte de

delegar às comunidades locais a prerrogativa de definir como a propriedade urbana

será melhor utilizada em prol da coletividade.

Com efeito, o município é o espaço ideal para o debate sobre as

necessidades locais, devendo­se observar que qualquer deliberação deve estar em

sintonia com os princípios regionais e nacionais.

Outra característica importante do Plano Diretor é que sua instituição é

obrigatória para a efetiva implementação de diversos institutos jurídicos que o Poder

Público pode implementar, no sentido de impor sanções ao proprietário do solo

urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado.

Uma dessas hipóteses está prevista no artigo 182, § 4º da Constituição

Federal que condiciona à prévia inclusão de determinada área no Plano Diretor, para

que o Poder Público possa compelir ao adequado aproveitamento do solo urbano,

sob pena de haver, sucessivamente: I – parcelamento ou edificação compulsória; II –

IPTU progressivo no tempo; III – desapropriação para fins urbanísticos.

Também o Estatuto da Cidade condiciona a aprovação do Plano

Diretor para a implementação de diversos institutos como: I – outorga onerosa do

direito de construir; II – direito de preempção; III – operações urbanas consorciadas;

IV – transferência do direito de construir.

Como se vê, esses valiosos instrumentos jurídicos que possibilitam o

alcance dos princípios perseguidos pelo Constituição Federal, necessitam,

obrigatoriamente, de prévia aprovação do Plano Diretor, que regule aqueles

institutos.

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Uma outra característica importante observada por Jacintho Arruda

Câmara 139 é sua necessidade de incorporação ao plano plurianual, às diretrizes

orçamentárias e ao orçamento anual (artigo 40, § 1º, Lei nº 10.257/2001).

O legislador procurou frisar a idéia de planejamento, que vem

substituindo a prática de “mandatos independentes” que procuram, a qualquer custo

“deixar sua marca”, eliminando a de seus rivais políticos.

Alguns pontos que suscitam maior controvérsia serão analisados

adiante, como os municípios obrigados, consequência de sua não edição,

abrangência da área rural e iniciativa da lei.

O Plano Diretor é, portanto, uma diretriz do Poder Público e da própria

sociedade. Neste sentido afirma Alaor Caffé Alves 140

Justamente por estar formalizado como modelo e como pauta, serve perfeitamente como conduta e, portanto, como direito e base de um juízo sobre seu cumprimento. O plano é uma pauta de conduta que cria diretrizes e deveres para o Governo e que dá lugar a responsabilidades políticas e jurídicas.

5.2 Princípios, diretrizes e objetivos

Como visto, o Plano Diretor é o instrumento básico de execução da

política urbana, e que deve se adequar aos princípios já estabelecidos no sistema

jurídico vigente.

Esta é a idéia de “interpretação conforme a Constituição” propugnada

por Konrad Hesse 141 , em que toda norma jurídica deve ser criada, analisada e

interpretada em consonância com o espírito da Constituição, que fixou os valores

fundamentais da sociedade.

139 CÂMARA, op. cit., p. 311. 140 ALVES, Alaor Caffé. “Planejamento metropolitano e autonomia municipal no direito brasileiro”. São Paulo: Bushatsky, 1981, p. 87. 141 HESSE, Konrad. “Constituición y derecho constitucional”. In Manual de derecho constitucional. Madrid: Marcial Pons, 2000. Apud LEAL, op. cit., p. 153.

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O planejamento urbano deve então obedecer aos princípios

constitucionais da dignidade da pessoa humana, inclusive garantindo­lhe o direito à

moradia, a função social e o direito de propriedade, o meio ambiente ecologicamente

equilibrado etc.

Todos esses princípios, sob determinado aspecto, visam proporcionar

um equilíbrio entre o bem­estar e o desenvolvimento.

Os princípios que devem nortear a política urbana, segundo Rogério

Gesta Leal 142 , são apontados no “Tratado sobre cidades, vilas e povoados

sustentáveis” elaborados durante a ECO­92 143 :

direito à cidadania, ou seja, a participação dos habitantes das cidades na condução de seus destinos; b) gestão democrática da cidade, esta compreendida como submissão do planejamento do espaço urbano ao controle e participação da sociedade civil e c) função social da cidade e da propriedade.

Pode­se dizer então, que o Plano Diretor é um instrumento previsto em

sede constitucional para a implementação de políticas públicas. Este é o seu

objetivo: permitir ao Poder Público a implementação de políticas públicas em relação

ao espaço urbano, baseado em princípios e valores pré­estabelecidos.

5.3 Elaboração

5 .3.1 Iniciativa

Como já visto, o Plano Diretor é uma lei, que para que possa trazer

todos os benefícios possíveis à sociedade, deve ser precedida de um amplo

planejamento e debate popular.

142 LEAL, op. cit., p. 154 e 164. 143 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. 1992, Rio de Janeiro. “Tratado sobre cidades, vilas e povoados sustentáveis”.

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É uma lei municipal, uma vez que a Constituição Federal de 1988

prevê que o Plano Diretor deve “ser aprovado pela Câmara Municipal”, conforme

artigo 182, § 1º.

Não dispõe a Constituição quanto à sua iniciativa, o que vem gerando

alguma divergência doutrinária.

Em que pese não ser o tema principal do presente trabalho, faz­se

necessário algumas considerações.

A doutrina majoritária e também a jurisprudência entendem que a

competência para propor a lei que institua o Plano Diretor é do Prefeito 144 .

A justificativa se baseia, principalmente, no texto do art. 182, § 1º 145 .

Ademais, alega­se que o Plano Diretor, como já visto, é precedido de

um planejamento técnico, com estudo em diversos campos do conhecimento, e esta

tarefa deveria ser conferida aos órgãos técnicos da Prefeitura. Desses órgãos não

disporiam o Legislativo, pelo que estaria impedido de iniciar o processo.

Ressalte­se ainda, que o Poder Executivo já disporia de dados

catalogados referentes ao planejamento.

Numa outra linha de raciocínio posicionam­se doutrinadores que

alargam a prerrogativa de iniciativa da lei ao Poder Legislativo, além do Poder

Executivo, através do Prefeito 146 .

Essa corrente não discute a competência do Prefeito para propor a lei

instituidora do Plano Diretor. Com efeito, é a função administrativa do Estado que

144 Neste sentido: MUKAI, op. cit., p. 101; MEIRELLES, op. cit., p. 614; SILVA, op. cit., p. 181. 145 BRASIL. Constituição Federal (1988).

Art. 182 – [...] § 1º ­ O Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal, [...] “grifo nosso”

146 Neste sentido: FORTINI, op. cit., p. 34/36, BASTOS, Celso Ribeiro. “Comentários à Constituição do Brasil”. Rio de Janeiro: Saraiva, 1998, p. 211.

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tem o dever precípuo de colocar em prática serviços públicos e atividades

administrativas com o escopo de alcançar os comandos constitucionais e legais.

Assim definiu “atividade administrativa” Diogo de Figueiredo Moreira

Neto 147 :

"As atividades administrativas atendem, assim, materialmente, às necessidades de planejamento, decisão, execução e controle que devam ser desenvolvidas para a gestão de interesses que são aqueles especificamente cometidos por lei à administração estatal".

É neste sentido que o Poder Executivo, em tese, concentra melhores

condições de conceber os estudos e propor a lei.

Uma questão que surge decorre de eventual inércia do Prefeito em

propor a lei.

Deverá então toda a coletividade se privar de um importantíssimo

instrumento jurídico na busca de um dos princípios constitucionais?

Cristiana Fortini 148 aponta alguns elementos que entende justificadores

da competência do Poder Legislativo em propor a lei instituidora do Plano Diretor,

em caso de omissão do Prefeito.

O argumento mais importante, segundo a autora, é o da

“indisponibilidade do interesse público” 149 . É de interesse da sociedade a elaboração

de um Plano Diretor, certamente respaldado por amplo debate popular, tema que se

abordará adiante.

Quanto aos argumentos da primeira corrente, que defende

competência privativa do Prefeito, em relação ao primeiro argumento, nada obsta

147 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. “ Curso de Direito Administrativo”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 24. 148 FORTINI, op. cit., p. 35­36. 149 Este termo é definido por Celso Antônio Bandeira de Mello como: “a indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade ­ internos ao setor público ­, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá­los ­ o que é também um dever ­ na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis”. MELLO, op. cit., p. 64.

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que a Câmara Municipal ser valha da contratação de técnicos especializados, o que,

invariavelmente é feito pelo Poder Executivo, normalmente carente de mão­de­obra

qualificada, pelos motivos mais diversos.

Em relação à questão dos dados técnicos disponíveis, adverte a

autora 150 citada que, quando existentes, estão desatualizados.

5.3.2 A participação popular

Dentro do debate atual acerca da forma de participação dos membros

da sociedade no processo de produção, implementação e execução de políticas

públicas, situa­se a idéia de democracia representativa, com o poder sendo exercido

por representantes eleitos, a democracia direta, com os membros atuando

diretamente, e a democracia participativa, onde há uma cooperação entre os

membros e os representantes, cujo modus operandi deve ser verificado

pontualmente.

Independente da direção ideológica que cada um possa ter, lembre­se

que vivemos num Estado Democrático de Direito, cujas principais características são

a submissão de toda a atividade estatal e dos particulares aos comandos inseridos

em nível constitucional e infraconstitucional, e a participação do povo, ou seja, todos

que habitam o território nacional, na elaboração destes parâmetros legais.

De forma cristalina, o artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal

prevê a participação direta do povo, conjuntamente com seus representantes eleitos:

Art. 1º ­ [...] Parágrafo único – Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição

Destaque­se ainda o contido no artigo 29, inciso XII da Carta Magna:

150 FORTINI, op. cit. p. 36.

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Art. 29 – O Município reger­se­á [...], atendidos [...] os seguintes preceitos: XII – cooperação das associações representativas no planejamento municipal.

Desta forma, asseguradas estão as três formas de democracia

mencionadas anteriormente.

A legislação infraconstitucional, subordinada aos comandos

hierárquicos do sistema jurídico, também explicita de que forma se daria essa

democracia participativa.

O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, é uma norma jurídica que

torna obrigatória essa participação popular. Contém inclusive um Capítulo que prevê

a gestão democrática da cidade, cujo alcance já foi abordado em tópico anterior.

Em diversos outros dispositivos se percebe esta intenção e afirmação

do legislador:

Art. 2º ­ A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...] II – gestão democrática por meio de participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; [...] XIII – audiência do Poder Público Municipal e da população interessada no processo de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população. [...] Art. 4º ­ Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: [...] V – institutos jurídicos e políticos: [...] s) referendo popular e plebiscito;

Em relação ao Plano Diretor, esta obrigação da participação popular

se vê mais nítida:

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Art. 40 – o plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. [...] § 4 o – No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo Municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

E mais, previu ainda o Estatuto da Cidade em seu artigo 52, inciso VI:

Art. 52 – Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação de outra sanções cabíveis, o prefeito incorre em improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, quando: [...] VI – impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do § 4 o do art. 40 desta Lei;

Mesmo antes do advento do Estatuto da Cidade, Ruy de Jesus Marçal

Carneiro 151 já advertia para a inconstitucionalidade do Plano Diretor sem a

“cooperação das associações representativas no planejamento municipal”.

Este papel da sociedade é ressaltado por Luiz Cesar de Queiroz

Ribeiro e Adauto Lucio Cardozo 152 conforme já transcrito

A nossa participação na elaboração de planos diretores dever ser encarada como uma forma de defesa do compromisso do Poder Público em assegurar um determinado nível de bem­estar coletivo. Partindo deste ponto de vista, torna­se um desafio a busca de um novo formato de planejamento que seja capaz de gerar intervenções governamentais que efetivamente promovam a melhoria das condições urbanas de vida, sobretudo para o conjunto de trabalhadores.

Essa imposição da participação popular em vários momentos do

Estatuto da Cidade, em especial na elaboração do Plano Diretor rompe uma tradição

excludente das diversas camadas da sociedade, o que fortalece a legitimidade e

validade desta lei municipal que regula o espaço urbano.

151 CARNEIRO, “Ordenamento ...”, op. cit., p. 111. 152 RIBEIRO; CARDOZO, op. cit., p. 12.

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A participação dos Poderes Públicos neste sentido deve ser de ação e

não apenas de abstenção.

Com efeito, o artigo 52, VI do Estatuto da Cidade classifica como

improbidade administrativa do Prefeito a atitude que possa impedir ou deixar de

garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do § 4º do artigo 40 do Estatuto da

Cidade.

Não só impede que o Prefeito obstaculize a participação, como impõe­

lhe o ônus de colocar em prática de forma efetiva os mecanismos de participação

popular.

Deve então o Prefeito adotar obrigatoriamente algumas condutas,

como por exemplo: 1) divulgar da forma mais ampla possível o processo de

discussão; 2) esclarecer à população o tema abordado; 3) proporcionar meios físicos

(salas, luz, horário adequado) para o debate; 4) divulgar comentários e sugestões; 5)

apresentar respostas à estes comentários e sugestões.

Comentando sobre a questão dos conselhos comunitários na gestão

democrática da cidade, Maria Paula Dallari Bucci 153 faz relevante observação que se

aplica à questão da participação popular no Plano Diretor.

É importante ainda que o conselho tenha meios efetivos para funcionamento, tanto no que diz respeito à dotação orçamentária própria quanto no que tange ao suporte técnico para o exercício das funções próprias.

E continua a autora fazendo um alerta sobre os problemas que

ocorrem no Brasil quanto à falta de infra­estrutura para o conselhos, acrescentando

ainda:

Isso sem falar em problemas de índole mais política, entre eles o chamado “elitismo popular”, em que se verifica uma certa especialização dos representantes da função, restando pouco espaço para o cidadão não engajado em qualquer ONG, ou ainda, a

153 BUCCI, op. cit., p. 330.

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superposição de representações, como indicou uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), que apontava os secretários de saúde e as primeiras­damas dos Municípios como integrantes de quase todos os conselhos das pequenas cidades, independentemente da área temática.

Dentro deste contexto, a doutrina vem classificando de inócuo o veto

presidencial ao § 5° do artigo 40 do Estatuto da Cidade.

Assim dispunha o dispositivo vetado: “§ 5° ­ É nula a lei que instituir o

plano diretor em desacordo com o disposto no § 4°”.

As razões do veto são as seguintes:

"Reza o § 5 o do art. 40 que é "nula a lei que instituir o plano diretor em desacordo com o disposto no § 4 o ". Tal dispositivo viola a Constituição, pois fere o princípio federativo que assegura a autonomia legislativa municipal.

Com efeito, não cabe à União estabelecer regras sobre processo legislativo a ser obedecido pelo Poder Legislativo municipal, que se submete tão­somente, quanto à matéria, aos princípios inscritos na Constituição do Brasil e na do respectivo Estado­membro, consoante preceitua o caput do art. 29 da Carta Magna. O disposto no § 5 o do art. 40 do projeto é, pois, inconstitucional e, por isso, merece ser vetado".

Toshio Mukai 154 classifica de inócuo o veto presidencial.

É que o§ 4° do artigo 40, que impõe a participação popular:

obtém sua legitimidade no próprio texto constitucional, mais precisamente no art. 1°, seu parágrafo único da Constituição Federal, no inciso XII do art. 29 da Constituição Federal e o direito de petição inscrito no art. 5°, incisos XXXIII e XXXIV da Constituição Federal. 155

O que se verifica nos dias atuais é que a cooperação das associações

representativas no planejamento municipal “é uma espécie de vinculação imposta

pelo texto constitucional” 156 .

154 MUKAI, “Direito ...”, op. cit., p. 255. 155 Idem, p. 255. 156 CARNEIRO, “Organização ...”, op. cit., p. 111.

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Sobre o veto presidencial ao § 5° do artigo 40, assim se posiciona

Rogério Gesta Leal 157 :

De qualquer sorte, é possível deduzir que, teleologicamente, a intenção veiculada pela norma não trata de facultatividade do poderes instituídos em propiciar espaços efetivos de participação comunitária no processo de constituição, fiscalização e execução do plano diretor, mas obrigatoriedade, até para ir ao encontro de todo conjunto orgânico do texto, que trabalha com a lógica da gestão compartilhada do espaço urbano com seus habitantes.

5.5.5 Rito procedimental

Conforme verificado, o Plano Diretor é uma lei municipal e que portanto

necessita passar pelo processo legislativo.

A questão da competência para elaborar o projeto de lei já foi abordado

anteriormente, cabendo fazer algumas considerações sobre o rito procedimental

para sua aprovação.

Nesse contexto deve ser inserida a idéia de participação popular, tema

que também já foi objeto de análise, de forma a se verificar como essa participação

alcançará mais eficazmente seus reais objetivos, que é o engajamento da sociedade

na elaboração e condução das políticas públicas, e em especial, da política urbana.

Inexistindo previsão expressa da Constituição, pode­se dizer que em

relação ao quorum necessário para sua aprovação será a Lei Orgânica do Município

que irá determinar.

Quanto à participação popular, é desejável que ela ocorra efetivamente

com todas as conseqüências vantajosas para o desenvolvimento e equilíbrio do

Município como um todo.

157 LEAL, op. cit., p. 104­105.

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No entanto, como observa Regis Fernandes de Oliveira 158 , “não há

como obrigar a participação” da sociedade. O que há é um dever do Poder Público

em incentivar e potencializar essa participação, inclusive é o que prevê o artigo 52,

VI do Estatuto da Cidade que define como improbidade administrativa do Prefeito

“deixar de garantir” a participação popular conforme previsto nos incisos I, II e III do

artigo 40 da referida Lei.

Toshio Mukai 159 alerta para a necessidade de um disciplinamento no

modus operandi da participação popular de forma a evitar tumultos e discussões

“etéreas, eternizantes e inócuas”.

Segundo o autor não há necessidade de lei formal disciplinando esse

procedimento, bastando um ato administrativo 160 , em cumprimento aos comandos

constitucionais e legais 161 .

5.3.4 Conteúdo

Seguindo a orientação contida no artigo 182 da Constituição Federal o

Estatuto estabelece o conteúdo mínimo do Plano Diretor em seu artigo 42.

Além desses requisitos mínimos, a doutrina vem apontando situações

relevantes que devem ser abordadas pelo Plano Diretor.

Uma vez que o Plano Diretor é fruto de um prévio planejamento

urbano, ele deve ser um reflexo dos estudos preliminares realizados e conter os

158 OLIVEIRA, op. cit., p. 23. 159 MUKAI, “Direito ...”. op. cit., p. 253. 160 Definição de ato administrativo: “declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”. MELLO, op. cit., p. 352. 161 Em posição contrária Regis Fernandes de Oliveira entende que “a lei municipal é que vai estabelecer como será a participação democrática da população, diretamente ou por suas entidades representativas”. OLIVEIRA, op. cit., p. 23.

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planos de ação e instrumentos de intervenção vislumbrados bem como orientar o

desenvolvimento futuro.

Seu conteúdo cuidará, portanto, da fixação dos objetivos e diretrizes

básicas.

E ainda, segundo José Afonso da Silva 162 :

Estabelecerá as normas ordenadoras e disciplinadoras pertinentes ao planejamento territorial. Definirá sobre a ordenação do solo, estabelecendo as regras fundamentais do uso do solo, incluindo o parcelamento, o zoneamento, o sistema de circulação, enfim sobre aqueles três elementos antes indicados: Sistema viário, Sistema de Zoneamento e Sistema de Lazer e Recreação.

O Plano Diretor deverá ainda ser complementado por outros

instrumentos jurídicos específicos como leis de zoneamento, posturas, proteção

ambiental etc.

É papel do Plano Diretor balizar as duas vias de concretização do

urbanismo que, segundo José Afonso da Silva 163 são: a) as regulamentações

edilícias e b) a ordenação física e social da cidade.

Em relação à área de abrangência o Estatuto da Cidade dispõe

expressamente que o Plano Diretor deverá englobar o território do município como

um todo (artigo 40, § 2°).

A doutrina diverge quanto à aplicabilidade deste dispositivo no que

tange à disposições sobre a área rural no Plano Diretor.

A questão que se coloca refere­se à competência privativa da União

para legislar sobre direito agrário, nos termos do art. 22, I da Constituição Federal 164

162 SILVA, op. cit., p. 130. 163 SILVA, In MUKAI, op. cit., p. 245. 164 BRASIL. Constituição Federal (1988). Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre:

I ­ direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.

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103

O tema merece uma reflexão baseada na teoria da interpretação

conforme a Constituição defendida por Konrad Hesse.

O estudo do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor se baseia na idéia

de cidades como espaços urbanos.

Conforme observado por Ruy de Jesus Marçal Carneiro 165 , o conceito

de cidade é diferente de município. Citando Robert Ezra Park pode­se então dizer

que “a cidade não é meramente um mecanismo físico e uma construção artificial.

Está envolvida nos processos vitais das pessoas que a compõem; é um produto da

natureza, e particularmente da natureza humana”.

No entanto, a cidade está inserida no município, devendo o Plano

Diretor das cidades fazer parte do planejamento integral do município. É neste

contexto que deve se basear o Plano Diretor, como inclusive está disposto no art.

40, § 1° do Estatuto da Cidade.

A atuação do legislador municipal deve se ater aos aspectos

urbanísticos.

São exemplos dessa atuação: a) forma de expansão urbana; b) uso de

áreas rurais importantes ao desenvolvimento urbano em virtude de recursos

ambientais ou hídricos; c) trânsito de veículos automotores entre cidades e centros

urbanos etc.

5.3.5 Obrigatoriedade

A Constituição Federal, em seu artigo 182 determina que o Plano

Diretor é obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes.

165 CARNEIRO. “Organização...”. op. cit., p. 114­115.

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O Estatuto da Cidade, em seu artigo 41, incisos II a V, alargou essa

obrigatoriedade para cidades: a) integrantes de regiões metropolitanas e

aglomerações urbanas; b) onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os

instrumentos previstos no § 4° do artigo 182 da Constituição Federal; c) integrantes

de áreas de especial interesse turístico; d) inseridas na área de influência de

empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito

regional ou nacional.

A doutrina diverge quanto à constitucionalidade deste dispositivo legal.

Toshio Mukai 166 entende que o inciso II do artigo 41 do Estatuto da

Cidade é inconstitucional.

Ao prever a obrigatoriedade para cidades integrantes de área de

especial interesse turístico, falta­lhe respaldo constitucional, uma vez que as outras

hipóteses se encaixam em diversos dispositivos da Constituição Federal de 1988.

Por sua vez, Celso Antônio Pacheco Fiorillo 167 afirma que todos os

dispositivos do Estatuto da Cidade que impõem a obrigação de instituir o Plano

Diretor além da hipótese constitucional de cidades com mais de vinte mil habitantes

também são inconstitucionais. Cita inclusive o referido autor uma decisão do Egrégio

Supremo Tribunal Federal 168 que declarou inconstitucional dispositivo da

Constituição Estadual do Amapá que exigia elaboração de Plano Diretor para

municípios com mais de cinco mil habitantes.

166 MUKAI. “Direito ...”,. op. cit., p. 256­257. 167 FIORILLO, op. cit., p. 257. 168 JURISDIÇÃO. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 826. Relator: Ministro Sydney Sanches. Brasília, 12 de março de 1999.

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Em sentido contrário, ou seja, entendendo que o artigo 41 do Estatuto

da Cidade não incorre em vício de inconstitucionalidade, se posiciona Jacintho

Arruda Câmara 169 .

O referido autor analisa primeiramente a possibilidade de somente a

Constituição poder obrigar Entes da Federação a editar os Planos Diretores, não

podendo um lei federal, no caso o Estatuto da Cidade, alargar aquele rol de

obrigados, o que geraria a inconstitucionalidade dos incisos II, IV e V do artigo 41.

Mais uma vez, valendo­se da idéia da interpretação conforme a

Constituição, defende o autor que a disciplina constitucional de competência em

matéria urbanística comporta o novo comando do Estatuto da Cidade. Cabe à União

editar normas gerais sobre o assunto, e assim o fez o Estatuto da Cidade que

inclusive define algumas características jurídicas de novos institutos, como por

exemplo, a outorga onerosa do direito de construir.

Seria, portanto, plenamente cabível instituir, como norma geral, e

seguindo as diretrizes do próprio Estatuto da Cidade, novas hipóteses de

obrigatoriedade de elaboração do Plano Diretor.

A previsão constitucional seria apenas um limite mínimo a ser seguido,

não podendo ser contrariado.

Também neste sentido se posiciona Cristiana Fortini 170 , para quem a

Constituição Federal “não encerra em si a competência para dispor sobre política

urbana, remetendo à lei federal, nos termos do caput do artigo 182, o tratamento

adicional da matéria, sem prejuízo, obviamente, da competência municipal”.

169 CÂMARA, op. cit., p. 313. 170 FORTINI, op. cit., p. 30.

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5.3.6 Controle de constitucionalidade e responsabilidades.

No que tange ao controle de constitucionalidade do Plano Diretor,

deve­se analisar o sistema constitucional acerca da questão.

Existe a ação direta e a via de exceção. Uma vez que o Plano Diretor é

uma lei municipal, o artigo 102, I da Constituição Federal veda o controle

concentrado, mas que poderá se operar por via do recurso extraordinário (art. 102,

III, Constituição Federal).

Vislumbra­se ainda no texto constitucional a possibilidade da

intervenção do Estado em seus municípios, de forma a assegurar a observância dos

princípios indicados na Constituição Estadual (artigo 35, IV, Constituição Federal 171 ).

Há ainda a possibilidade do Poder Judiciário estadual exercer esse

controle de constitucionalidade de ato normativo municipal em face da Constituição

Estadual.

Uma outra possibilidade de controle de constitucionalidade observado

por Rogério Gesta Leal 172 , se dá no caso de inércia, seja do Legislativo como do

Executivo.

A Constituição Federal prevê em seu artigo 103 173 a ação de

inconstitucionalidade por omissão. Segundo o autor este preceito deve ser aplicado

nos casos de omissão da Câmara dos Vereadores ou do Executivo Municipal.

171 BRASIL. Constituição Federal (1988). Art. 35 – O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território

Federal, exceto quando: [...] IV ­ o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios

indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. 172 LEAL, op. cit., p. 173. 173 BRASIL. Constituição Federal (1988). Art. 103 ­ Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

[...]. § 2º ­ Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma

constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê­lo em trinta dias.

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Ainda em relação à matéria, prevê a Constituição Federal em seu

artigo 5°, LXXI, a utilização do mandando de injunção “sempre que a falta de norma

regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e

das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.

No que se refere ao processo de elaboração do Plano Diretor, há a

necessidade de efetiva participação popular na sua confecção, execução e

fiscalização, que representam verdadeiro direito e exercício da cidadania, cabendo

então o mandado de injunção.

Também é cabível esta ação constitucional no caso de não elaboração

do Plano Diretor, que se constitui verdadeiro instrumento do exercício dos direitos e

liberdades constitucionais, citando apenas como exemplo o direito à moradia (art. 6°,

caput, Constituição Federal 174 ), ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art.

225, caput 175 ) e ao bem­estar dos habitantes da cidade em função da política de

desenvolvimento urbano e do Plano Diretor (art. 182, caput e § 1° 176 ).

Em relação a esta ação constitucional de relevância ímpar na defesa

dos direitos e liberdades constitucionais, observa Luís Roberto Barroso 177 que são

pressupostos, requisitos ou condições específicos para o pedido de injunção, a

indicação de um direito a liberdade que esteja sendo inviabilizado e a ausência de

norma regulamentadora do direito.

174 Art. 6° ­ São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 175 Art. 225 ­ Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo­se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê­lo e preservá­ lo para as presentes e futuras gerações 176 Art. 182 ­ A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem­ estar de seus habitantes.

§ 1° ­ O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. 177 BARROSO, op. cit., p. 247.

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Observa o referido autor que os direitos abrangidos pela injunção não

são apenas os direitos individuais do artigo 5° e os direitos políticos dos artigos 12 a

16, conforme posicionamento de Manoel Ferreira Filho 178 e J. J. Calmon de

Passos 179 .

Não havendo cláusulas restritivas, todos os direitos constitucionais

estão abrangidos: individuais, coletivos, difusos, políticos ou sociais. Dentre estes se

inclui a matéria referente à ordem urbanística como os direitos coletivo, difuso,

social, político etc.

Esta garantia constitucional tem sido subaproveitada, devido a diversos

fatores, como aponta Clemerson Merlin Cléve 180 : “tribunais despidos de ‘vontade

constitucional’, [...] doutrina temerária propondo, implicitamente, a destruição do

modelo constitucional do Estado Democrático de Direito”.

Segundo ainda Luís Roberto Barroso 181 o Judiciário ao julgar o

mandado de injunção deve suprir a “falta de regulamentação, criando a norma para

o caso concreto, com efeitos limitados às partes do processo”.

Conforme observa ainda o referido autor, o Supremo Tribunal Federal

vem, ainda que timidamente, mudando seu entendimento sobre o mandado de

injunção, que tendia a equipará­lo à ação direta de inconstitucionalidade por

omissão.

178 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. “Notas sobre o mandado de injunção”. Apud BARROSO, op. cit. 179 PASSOS, J. J. Calmon de. “Mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data: Constituição e processo”. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 111 180 CLÉVE, Clemerson Merlin. “A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro”. São Paulo; RT, 1999, p. 362. 181 BARROSO, op. cit., p. 252.

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O julgamento que marca essa transição é o Mandado de Injução n°

283­5, sobre o artigo 8°, § 3° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias 182

da Constituição Federal de 1988, que versa sobre uma reparação econômica a ser

estipulada por lei a cidadãos afetados por atos discricionários do Ministério da

Aeronáutica editados após o golpe militar de 1964.

A lei não foi editada e o Supremo Tribunal Federal assinou prazo de 60

dias para que ela fosse elaborada e em caso de nova omissão, reconheceu ao

impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, a

reparação indevida.

Esta posição foi confirmada no Mandado de Injunção n° 284­3 de 26

de setembro de 1992.

No caso da não elaboração do Plano Diretor, a legitimação ativa do

Mandado de Injunção, segundo Luís Roberto Barroso 183 , não destoa da geral,

cabendo aos titulares do direito cujo exercício está obstado por falta de uma norma

regulamentadora, às entidades de classe ou associativas e aos sindicatos e ao

Ministério Público.

Outro importante instituto jurídico de que se vale a sociedade para

obter seu Plano Diretor é a Ação Civil Pública tendente a tutelar a ordem

urbanística 184 .

182 BRASIL. Constituição Federal (1988). ADCT. Art. 8° ­ [...]

§ 3° Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica nº S­50­GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S­285­GM5 será concedida reparação de natureza econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição 183 BARROSO, op. cit., p. 255. 184 BRASIL. Lei n° 7.347 de 24 de julho de 1985. Art. 1° ­ Regem­se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de

responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: [...] VII – à ordem urbanística.

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Conforme observa Toshio Mukai 185 , não haverá ingerência do Poder

Judiciário no Poder Legislativo Municipal ao obrigá­lo a editar o Plano Diretor. Deve­

se levar em consideração o princípio da função social da propriedade que será

estabelecido com o Plano Diretor.

Há de se observar ainda que o Estatuto da Cidade prevê em seu artigo

52, VII, que o Prefeito incorrerá em improbidade administrativa, sujeito portanto aos

preceitos da lei n° 8.429/92, se não tomar as providências para que o Plano Diretor

seja aprovado em até cinco anos após a aprovação do Estatuto da Cidade,

conforme prevê o artigo 50.

Além desta sanção funcional em relação ao Prefeito, Jacintho Arruda

Câmara 186 aponta uma conseqüência de cunho institucional ao afirmar que a não

elaboração do Plano Diretor vai privar o município da adoção de mecanismos

jurídicos da política urbana que vinculam sua efetividade à prévia adoção do Plano

Diretor.

Conforme se pode observar o Plano Diretor é um dos instrumentos

jurídicos mais importantes em favor da comunidade, seja na busca de uma maior

interação entre seus membros, na medida em que possibilita o debate racional de

idéias e propostas na sua fase de elaboração, seja na possibilidade de obter uma

ocupação e utilização equilibrada do solo urbano, fazendo com que a propriedade

urbana cumpra sua função social, ou ainda num processo de solidificação da

cidadania e da democracia participativa.

185 MUKAI. “Direito...”, op. cit., p. 262. 186 CÂMARA, op. cit., p. 316.

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6. ANÁLISE DE PLANOS DIRETORES E PROCESSOS DE ELABORAÇÃO

O presente Capítulo destina­se a apresentar os processos de

elaboração dos Planos Diretores dos respectivos municípios, focando­se no aspecto

da participação popular efetiva dos moradores, procurando identificar a capacitação

destes para o debate, o interesse na participação e os resultados obtidos no texto

final na lei, levando­se em consideração dois aspectos: a efetiva tutela dos

interesses do segmento social que representavam, e o reconhecimento e

consolidação do poder de decisão aos moradores, baseado na idéia de democracia

participativa (ou democracia direta), conforme relatado em capítulos anteriores.

Os aspectos determinantes para a escolha dos municípios analisados

foram: 1 – elaboração do Plano Diretor após o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257 de

10 de julho de 2001); 2 – a possibilidade de comprovação da veracidade das

informações prestadas.

Foi elaborado um questionário, que buscava identificar os aspectos

mencionados acima, e entregue aos coordenadores ou profissionais diretamente

envolvidos na elaboração dos planos diretores.

Deve­se ressaltar que, no Estado do Paraná, onde foram colhidas as

informações, em especial na região próxima ao município de Londrina, o processo

de elaboração dos Planos Diretores foi impulsionado por dois grandes fatores que

não necessariamente veio acompanhado da qualidade técnica esperada em assunto

tão importante.

O primeiro fator, de nível nacional, foram as eleições locais para

prefeitos e vereadores.

O segundo aspecto foi a expedição de um Decreto do Poder Executivo

Estadual, de nº 2.581, publicado em 17 de abril de 2004, que vinculava a assinatura

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de convênios entre o Estado do Paraná para financiamento de obras de infra­

estrutura e serviços, somente com municípios que já possuíssem Planos Diretores

ou que estivessem em processo de elaboração.

6.1 Município de Assaí / Paraná

O município de Assaí 187 está localizado no norte do Estado do Paraná,

distante 386 Km da Capital do Estado, Curitiba e a 36 Km de Londrina, principal

município da região.

Sua ocupação iniciou­se em 1932 e foi criado oficialmente através da

Lei Estadual nº 199, de 30 de dezembro de 1943.

Sua área é de 447.408 Km 2 , e no ano de 2000 possuía uma população

total de 18.050 habitantes, sendo 13. 521 na área urbana e 4.529 na área rural.

Vale neste aspecto observar que o município não estava obrigado a

elaborar seu Plano Diretor, nos termos do artigo 41 do Estatuto da Cidade 188 .

O Plano Diretor foi aprovado pela Lei municipal nº 824, de 1º de

dezembro de 2004.

O processo de elaboração durou em torno de 08 (oito) meses e foi

coordenado por uma organização não­governamental 189 , vencedora do processo de

licitação elaborado pelo Poder Executivo Municipal.

187 Dados disponíveis em: <www.paranacidade.org.br>. Acesso em: 30 outubro 2005. 188 BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001.

Art. 41 – O plano diretor é obrigatório para cidades: I – com mais de vinte mil habitantes; II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III – onde o Poder Público Municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da

Constituição Federal; IV – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto

ambiental de âmbito regional ou nacional. 189 ECOPOLIS. “Plano diretor de desenvolvimento municipal de Assaí 2004”. Londrina, 2005. 1 CD­ROM.

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113

As informações foram prestadas por um dos integrantes da equipe

coordenadora, Solange Nozaki Souza 190 .

Durante o processo de elaboração, foram realizadas 03 (três)

audiências públicas oficiais que visavam discutir os assuntos que haviam sido

abordados em diversas outras audiências setoriais preparatórias das propostas e

levantamentos.

O município disponibilizou espaços e infra­estrutura para as

audiências.

A convocação da população se deu através da distribuição de cartilhas

explicativas elaboradas pelo Instituto Polis 191 sobre o que é Plano Diretor, divulgação

em carro de som, rádio e jornal local. Essa divulgação foi considerada insuficiente,

sendo que um dos fatores que influenciaram foi o orçamento limitado para o projeto

como um todo.

O comparecimento da população aos debates não se deu da forma

esperada, tendo havido uma maior participação de líderes de bairros, representantes

de classes e pessoas ligadas ao setor educacional.

De um total de 11 (onze) vereadores no município, no máximo 03 (três)

participaram efetivamente.

Vale observar que a Prefeitura Municipal enviou convites oficiais para

todos os líderes da sociedade, como líderes religiosos, políticos, representantes de

classe, etc.

Verificou­se a presença de gerentes e funcionários das agências

bancárias públicas (Caixa Econômica, Banco do Brasil).

190 SOUZA, Solange Nozaki. “Questionário sobre planos diretores”. Londrina, 2005. Mensagem eletrônica. 191 Disponível em: <www.polis.org.br>. Acesso em 30 de outubro de 2005.

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Além dos debates e consultas públicas, foi feita uma abordagem

informal dos moradores acerca de suas opiniões.

Essa técnica se mostrou eficaz, em algumas situações, devido à falta

de experiência e até timidez de alguns elementos em expressar suas idéias em

público.

Alguns temas específicos foram abordados, tais como:

potencial turístico étnico­cultural (colonização japonesa) como

atividade econômica;

sugestões quanto à “terceirização” ou parceria no transporte de

escolares, na coleta do lixo urbano e do hospital municipal;

meio ambiente: quanto ao lançamento de esgoto in natura nos

córregos e nas galerias de água pluvial.

Quanto ao interesse dos participantes no encontro, pode­se dizer que

alguns lá estavam por questão ideológica e outros apenas como obrigação de

representação.

Vale observar que o caráter deliberativo das audiências só ocorreu na

última audiência, após as fases anteriores, de caráter consultivo.

De acordo com a entrevistada, participante da equipe coordenadora,

pode­se dizer que foi uma experiência válida com diversos aspectos positivos.

Com efeito, algumas diretrizes e propostas já estão sendo

implementadas ou em vias de implementação como a reativação do eixo turístico

gastronômico cultural, a “terceirização” do transporte escolar, dentre outros.

Deve­se registrar, no entanto, a falta de experiência da população no

processo de elaboração de políticas públicas, passando a conviver com uma nova

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modalidade de administração, como a gestão democrática, orçamento participativo,

etc.

Além deste aspecto, mencionado na entrevista, outros se apresentam

em relação ao texto final da Lei nº 824/2004, que constitui o PDDMA – Plano Diretor

de Desenvolvimento Municipal de Assaí.

Um dos mais relevantes, dentro do propósito do presente trabalho, é o

relativo à criação do SIP – Sistema Integrado de Planejamento –, encarregado de

gerenciar os objetivos do Plano Diretor.

O SIP é composto por diversos órgãos, dentre os quais o CDM –

Conselho de Desenvolvimento Municipal – com atribuições deliberativas em relação

aos planos, programas e projetos de desenvolvimento territorial.

Oportuna é a transcrição de sua composição, disposto no artigo 220 da

referida lei municipal:

Art. 220 – O CDM compõe­se de 12 (doze) membros titulares e seus respetivos suplentes, eleitos ou indicados pelos respectivos órgãos ou categorias, e homologadas pelo Prefeito Municipal, com renovação quadrienal e obedecendo a seguinte composição: I – 05 (cinco) representantes de entidades governamentais vinculadas às questões de desenvolvimento territorial, assim distribuídas: 01 (um) representante do nível estadual; 04 (quatro) representantes do nível municipal. II – 07 (sete) representantes de entidades não­governamentais, definidas por ocasião das conferências municipais de avaliação do PDDMA e assim distribuídos: 01 (um) representante das entidades representativas dos trabalhadores; 01 (um) representante das entidades representativas da sociedade civil (clube de serviço e associações comunitárias); 01 (um) representante dos conselhos municipais; 01 (um) representante das associações profissionais, sendo um, preferencialmente, das entidades de classe vinculadas ao planejamento urbano; 01 (um) representante das entidades empresariais e sindicatos patronais preferencialmente vinculado à construção civil; 01 (um) representante das entidades educacionais; 01 (um) representante das entidades ambientais.

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Este dispositivo, aliado a outros constantes da lei que prevêem e

condicionam a gestão pública à efetiva participação popular consubstanciam a

observância das diretrizes, princípios e objetivos da idéia de gestão democrática,

constante da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Cidade.

6.2 Município de Bela Vista do Paraíso / Paraná

O município de Bela Vista do Paraíso está localizado no norte do

Estado do Paraná, distante 429 Km da Capital do Estado, Curitiba, e a 37 Km de

Londrina, principal município da região.

Sua ocupação, como todo o norte do Paraná, se deu através das

empresas colonizadoras. No final dos anos 20, as terras do atual município foram

loteadas pela Empresa Alvorada Colonizadora Industrial do Paraná­São Paulo, na

expectativa de atrair compradores para o cultivo do café.

A partir da década de 30 o empreendimento obteve sucesso, gerando

a criação de um povoado e posterior desmembramento em lotes “urbanos”. O

sucesso da cultura do café permitiu que em 1947 o local fosse elevado à qualidade

de município pela Lei nº 2 de 10 de outubro do referido ano. Chegou a ter 24 mil

habitantes, mas com o declínio do café registrou uma diminuição da população, bem

como a migração da população rural para a área urbana, reflexo, sobretudo, da

automatização do setor agropecuário e da concentração de terras.

Sua população em 2000 era de 15.029 habitantes, sendo 13.858 na

área urbana e 1.171 na área rural, distribuídos em uma área de 214.342 Km 2 192 .

O município está inserido na Região Metropolitana de Londrina, por

força da Lei Complementar Estadual nº 86 de 07 de julho de 2000, estando,

192 Dados disponíveis em:<www.paranacidade.org.br>. Acesso em: 03 dezembro 2005.

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portanto, obrigada a elaborar seu Plano Diretor, por força do artigo 41, II do Estatuto

da Cidade.

Vale observar que, a despeito da lei estadual, a referida região nunca

foi implementada de fato, e por conseqüência, não há um planejamento estratégico

de desenvolvimento regional em andamento.

O Plano Diretor está em fase final de aprovação, com uma audiência

pública programada para dezembro de 2005 na Câmara dos Vereadores e posterior

aprovação por essa Casa Legislativa.

A elaboração do projeto de lei final enviado à Câmara dos Vereadores

durou cerca de onze meses e foi coordenada pela empresa Genius Loci Arquitetura

e Planejamento SS Ltda, vencedora do processo de licitação, cujo integrante, Nestor

Razente, prestou as informações que subsidiam o presente trabalho 193 .

A exemplo da maioria dos municípios do Estado do Paraná, a

elaboração do Plano Diretor de Bela Vista do Paraíso foi financiada por recursos do

Governo do Estado, através do Paranacidade, autarquia estadual criada para o

desenvolvimento urbano no Paraná.

Obedeceu ao Termo de Referência do Paranacidade, que é um dos

condicionantes para a liberação de financiamentos.

Neste contexto, foi criada uma Comissão Técnica, formada por

funcionários municipais e uma Comissão de Acompanhamento e da Elaboração do

Plano Diretor. Essa comissão foi organizada entre os presentes na primeira

audiência pública realizada em 18 de outubro de 2004 e escolhidos dentre os

membros da comunidade local.

193 RAZENTE, Nestor. “Questionário sobre planos diretores”. Londrina, 2005. Mensagem eletrônica.

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118

Foram realizadas três audiências públicas durante o processo de

elaboração do Plano Diretor.

Em relação à participação popular, vale observar que além destas três

audiências públicas, de caráter geral, foram realizadas reuniões temáticas com

segmentos da sociedade, como assistência social e saúde, por exemplo.

Tanto as audiências públicas como as reuniões tiveram caráter

deliberativo.

Além disso, no projeto de lei foi criado o Conselho do Plano Diretor de

Desenvolvimento Municipal, encarregado de fiscalizar a efetiva implementação do

Plano Diretor e servir como fórum de discussão de futuras alterações.

A convocação da sociedade para o debate foi promovida pelo Gabinete

do Prefeito, através de convocação por jornais e convites dirigidos às

representações de classes, sindicatos, representantes de comunidades de bairro,

ONGs e outros.

Para um município com aproximadamente quinze mil habitantes, o

comparecimento da população foi considerado satisfatório.

A falta de experiência da população no processo de elaboração de

políticas públicas foi um fator também observado neste município.

Quanto ao Plano Diretor, em especial em relação à participação

popular, alguns dispositivos merecem especial atenção.

Num primeiro momento vale observar que o Plano Diretor não se

constitui de um único corpo de lei.

Há diversos estudos que fundamentam o texto de lei, e esta lei

inclusive faz menção expressa de que o Plano Diretor de Bela Vista do Paraíso

constitui­se em “avaliação temática integrada”, “condicionantes, potencialidades e

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deficiência”, “diretrizes e proposições para a política de desenvolvimento municipal”,

“plano de ação municipal e projetos prioritários” e diversos textos de lei, a saber:

1) Lei do Plano Diretor Municipal.

2) Perímetro Urbano.

3) Sistema Viário Básico.

3) Uso e Ocupação do Solo Urbano.

5) Parcelamento do Solo Urbano.

6) Código de Edificações e Obras.

7) Código de Posturas.

8) Criação do Conselho do Plano Diretor de Desenvolvimento Municipal.

9) Alterações na Lei 290/96 194

Em relação ao Conselho do Plano Diretor de Desenvolvimento

Municipal, vale transcrever os artigos que se seguem.

Art. 27. Fica criado o Conselho do Plano Diretor de Desenvolvimento Municipal, de caráter consultivo e deliberativo, naquilo que a lei indicar, com as seguintes atribuições:

Examinar, emitir pareceres, sugerir propostas relacionadas a planos, projetos e programas setoriais desenvolvidos pelo poder Executivo Municipal. Examinar, emitir pareceres, sugerir propostas relacionadas a legislação urbanística e do Plano Diretor Municipal de Bela Vista do Paraíso. Opinar e sugerir propostas relativas aos Planos Plurianuais de Investimentos e Lei de Diretrizes Orçamentárias. Analisar e emitir pareceres sobre Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV). Atuar como auxiliar do poder Executivo e Legislativo Municipal na fiscalização da implementação do Plano Diretor Municipal de Bela Vista do Paraíso e legislação decorrente. Elaborar seu Regimento Interno.

Art. 28. Os integrantes, titulares e suplentes, do Conselho do Plano Diretor de Desenvolvimento Municipal serão indicados por suas respectivas entidades e nomeados por Decreto do Executivo Municipal. Será presidido pelo Assessor Municipal de Planejamento e constituído pelos seguintes representantes :

Assessoria de Planejamento do poder Executivo municipal. Poder Legislativo Municipal. De cada Conselho Municipal existente no Município.

194 Esta lei municipal estrutura a administração pública do município de Bela Vista do Paraíso, tendo sido aprovada em 05 de dezembro de 1996.

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Associação Comercial e Industrial do Município. Associação de Moradores. Comissão Municipal de Defesa Civil – CMDEC. Loja Maçônica Visconde de Taunay. Rotary Clube de Bela Vista do Paraíso. Do órgão de planejamento da Região Metropolitana de Londrina, quando houver. Concessionária de saneamento básico. Companhia Paranaense de Energia Elétrica. Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER. Ordem dos Advogados do Brasil. Sindicato Patronal Rural. Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

Art. 29. O Conselho do Plano Diretor de Desenvolvimento Municipal de Bela Vista do Paraíso ­ terá seu funcionamento regido pelas seguintes diretrizes:

O órgão de deliberação máxima é o plenário; O exercício da função de Conselheiro não será remunerada; Para a realização das sessões será necessária a presença da maioria simples dos membros do Conselho; Cada membro do Conselho terá direito a único voto em sessão plenária; As decisões do Conselho serão anotadas detalhadamente em ata, da qual se dará conhecimento público. As sessões plenárias do Conselho serão públicas e ocorrerão mediante divulgação prévia de setenta e duas horas.

Art. 30. A Assessoria Municipal de Planejamento do poder Executivo Municipal prestará o necessário apoio técnico e administrativo às atividades do Conselho do Plano Diretor de Desenvolvimento Municipal.

CAPÍTULO V DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL

Art. 31. São princípios gerais que norteiam a Política de Desenvolvimento Municipal: [...] III ­ Assegurar a participação do cidadão na gestão do desenvolvimento.

Art. 32. A Política de Desenvolvimento Municipal será composta pelas seguintes vertentes. [...] V ­ Gestão democrática e desenvolvimento institucional

Seguindo a estrutura do Estatuto da Cidade, constitui­se como objetivo

geral do Plano Diretor Municipal de Bela Vista do Paraíso a gestão democrática da

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cidade, assegurando a participação comunitária, conforme estabelece seu artigo 3º,

inciso II.

Por fim, atentando para o fato da precariedade dos órgãos internos da

Administração Pública Municipal, o projeto prevê uma reformulação do modelo

existente, com o intuito de trazer efetividade à participação popular no processo de

gestão do desenvolvimento municipal.

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CONCLUSÃO

O Brasil é um Estado Democrático de Direito. Assim dispõe a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 1º, caput.

Esta expressão, “Estado Democrático de Direito”, é repetida a todo

momento, como um símbolo da modernidade e legitimidade do Estado Brasileiro.

Com efeito, esta expressão representa um grande avanço na

consolidação dos ideais de justiça e participação popular na elaboração de políticas

públicas.

O arcabouço jurídico possibilita a existência de um efetivo Estado

Democrático. Não só possibilita como também impõe a participação de fato da

população, de forma direta, como elemento legitimador de várias funções de que se

incumbe o Estado.

No caso do presente trabalho, a função legislativa do Município, na

elaboração do Plano Diretor dos Municípios está condicionada à participação

popular.

Buscando traçar uma linha evolutiva do conceito de democracia, no

Capítulo 1 apresentam­se os vários ângulos sobre os quais se pode estudar e

conceituar o termo democracia.

A idéia de democracia que temos hoje remonta à Grécia antiga,

quando havia a participação direta do cidadão ateniense na tomada de decisões na

administração de sua cidade, a cidade­estado ateniense.

É esse modelo de democracia que influenciou as democracias

modernas, cada qual com suas peculiaridades.

A realidade que ultrapassou séculos justifica o salto histórico que se dá

no estudo dos governos democráticos pelo mundo.

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Com efeito, é com a Revolução Francesa que se voltam a solidificar as

idéias de participação dos cidadãos na condução das políticas públicas. Inicialmente

ela se dá com a forma representativa da democracia, baseada no Estado de Direito.

Esta forma de democracia vem sendo utilizada na maioria dos

governos democráticos. No entanto, vem crescendo o entendimento dentre aqueles

que se propõem a analisar cientificamente o assunto, da necessidade de uma

substituição ou co­existência desta democracia representativa com a democracia

participativa e a democracia direta, o que ampliaria o âmbito de incidência efetiva do

cidadão na administração pública. É uma atividade social compartilhada que requer,

acima de tudo, uma efetiva condição educacional e cultural dos cidadãos, que se

mostrem aptos a promover um debate racional e a respeitarem as diversidades entre

si.

Este entendimento encontra amparo constitucional no Brasil, e em

especial, nos artigos 1º, parágrafo único e 182, caput e § 1º.

No Capítulo 2 procura­se demonstrar o processo de construção das

cidades, resultando estas, hoje em dia, no campo fértil para as discussões de suas

necessidades.

É a construção e solidificação da cidadania, balizada pelos Direitos

Humanos Fundamentais, que permite a conscientização de um corpo social formado

por pessoas capazes de travar um debate racional, aptas a participar das tomadas

de decisões e exigentes da efetiva participação popular.

Essa transformação das cidades gera uma outra transformação, agora

no campo dos estudos científicos, voltado a analisar, compreender e criar propostas

para os novos problemas que se apresentam.

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É nesse sentido que no Capítulo 3 passa­se à análise do Urbanismo e

do Direito Urbanístico como ramos autônomos da ciência, preocupados em estudar

o processo de crescimento dos núcleos urbanos e a conseqüente regulamentação

jurídica desses espaços.

Com base na Constituição Federal de 1988, surge a função social da

propriedade, em especial para este trabalho, da propriedade urbana, que vai nortear

o disciplinamento do espaço urbano.

Acompanhando o comando constitucional da obrigatoriedade da

participação popular na elaboração das políticas públicas é que surge o Estatuto da

Cidade, lei federal que é o marco regulatório da organização do espaço urbano.

Baseado nesta nova sistemática constitucional solidifica­se o conceito

de gestão democrática das cidades, conforme mencionado no Capítulo 4.

Um dos instrumentos jurídicos de crucial importância nesta nova

realidade é o Plano Diretor, lei municipal para o desenvolvimento e expansão

urbana.

É no âmbito dos municípios, portanto, que serão travados os debates

acerca da propriedade urbana e como ela melhor se adequará aos princípios

existentes no novo ordenamento jurídico, em especial à já mencionada função social

da propriedade e ainda à dignidade da pessoa humana, e ao equilíbrio do meio

ambiente.

Dentro do conceito que se apresentou anteriormente sobre democracia

participativa, o Capítulo 5 analisa diversos aspectos do Plano Diretor, desde seus

princípios, diretrizes e objetivos, até a obrigatoriedade das audiências públicas como

elementos legitimadores dos Planos Diretores, passando pelas responsabilidades

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administrativas e medidas judiciais cabíveis no caso de não elaboração ou

elaboração sem participação popular da referida lei municipal.

Com base nessa fundamentação teórica sobre democracia e Plano

Diretor, busca­se no Capítulo 6 fazer um estudo de casos práticos sobre processos

de elaboração de Planos Diretores em alguns municípios.

O que se verifica nos dois municípios analisados, dentre outros que

foram objeto de estudos, é a falta de experiência da população em atividades

participativas e deliberativas na elaboração de políticas públicas.

As formas de atuar da Administração Pública no Brasil não procuravam

integrar o cidadão no círculo de poder. Pelo contrário, muitas vezes procuravam

excluí­lo, ainda que indiretamente.

A falta de experiência, portanto, não pode ser motivo de não

participação, até porque experiência é algo que se conquista com a prática.

Ademais, conforme se pretendeu demonstrar durante este trabalho, é a imposição

constitucional e infraconstitucional de uma efetiva participação popular na gestão

pública, em especial na elaboração dos Planos Diretores.

Eventuais dificuldades devem servir de estímulo para o

aperfeiçoamento dos mecanismos de deliberação dos cidadãos, buscando

implementar uma conscientização do cidadão, não só de seu direito, mas sobretudo

no seu dever de efetivamente participar da gestão de sua cidade com o objetivo de

solidificar as instituições, reafirmar os princípios constitucionais e alcançar a

pacificação social.

Este é um dos aspectos de que se deve valer a sociedade no

aperfeiçoamento do sistema de gestão pública, não só relegando a tomada de

decisões a representantes eleitos, mas compartilhando as prerrogativas e as

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responsabilidades da elaboração de políticas públicas, fruto de um consenso

possível em determinada época e lugar e que se aproxime do mais justo possível.

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