jornal sem terra - edição 311

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www.mst.org.br ANO XXIX– Nº 311 – ABRIL 2011 CARAJÁS Quinze anos depois, a luta contra a impunidade continua Páginas 2 e 9 EDUCAÇÃO Lançamento da campanha “Fechar escola é crime!” Página 10 E a pauta ficou amarela... 1 Cumprimento das metas do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) de 2005. 2 Revisão dos índices de produtividade. 3 Reestruturação e fortalecimento do Incra. 4 Priorizar na seleção para os assentamentos as famílias de trabalhadores rurais em acampamentos mais antigos. 5 Assegurar uma cesta básica mensal para todas as famílias acampadas. 6 Descontingenciar os recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - Pronera. 7 Mais qualidade para os assentamentos - acesso ao crédito pelos assentados. Confira as reivindicações da Jornada de Abril

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Page 1: Jornal Sem Terra - edição 311

www.ms t . o rg . b r ANO XXIX– Nº 311 – ABRIL 2011

CARAJÁS

Quinze anos depois, a luta contra a impunidade continua Páginas 2 e 9

EDUCAÇÃO

Lançamento da campanha “Fechar escola é crime!” Página 10

E a pauta ficou amarela...1 Cumprimento das metas do Plano Nacional de

Reforma Agrária (PNRA) de 2005.

2 Revisão dos índices de produtividade.

3 Reestruturação e fortalecimento do Incra.

4 Priorizar na seleção para os assentamentos as famílias

de trabalhadores rurais em acampamentos mais antigos.

5 Assegurar uma cesta básica mensal para todas as

famílias acampadas.

6 Descontingenciar os recursos do Programa Nacional de

Educação na Reforma Agrária - Pronera.

7 Mais qualidade para os assentamentos - acesso ao

crédito pelos assentados.

Confira as reivindicações da Jornada de Abril

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2 JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011

EDITORIAL Quinze anos depois do Massacre de Eldorado dos Carajás, contradições no campo se aprofundaram

Palavra do leitor FRASE DO MÊS

DIREÇÃO NACIONAL DO MST

Edição: Joana Tavares. Revisão: Jade Percassi e Marina Tavares.Edição de imagens: Marina Tavares. Projeto gráfico ediagramação: Eliel Almeida. Assinaturas: Mary Cardoso da Silva.Impressão: Taiga Gráfica e Editora. Tiragem: 10 mil exemplares.Endereço: Al. Barão de Limeira, 1232 – CEP 01202-002 – São Paulo/SP – Tel/fax: (11) 2131-0840. Correio eletrônico: [email protected]ágina na internet: www.mst.org.br. Todos os textos do Jornal SemTerra podem ser reproduzidas por qualquer veículo de comunicação,desde que citada a fonte e mantida a íntegra do material.

Mande sua mensagem para o Jornal Sem Terra

Sua participação é muito importante. As correspondênciaspodem ser enviadas para [email protected] ou para a AlamedaBarão de Limeira, 1232, Campos Elíseos, São Paulo/SP, CEP01202-002. As opiniões expressas na seção “Palavra doleitor” não refletem, necessariamente, as opiniões do Jornalsobre os temas abordados. A equipe do JST pode,eventualmente, ter de editar as cartas recebidas.

Até agora, embora condenadospublicamente, não foram julgadosculpados pelo Massacre nem oEstado, nem o governo e nem ospoliciais. E por que não o fizeram?Porque não querem criarjurisprudência contra os feitosestruturais da própria classe dominante

“Assim comomuitos outrosbrasileiros elatino-americanos queacompanhamos as lutas dosnossos povos, tenho a maiorsimpatia pelo MST. E acho que oMST é o maior movimentopopular do Brasil e da AméricaLatina. Há pouco tempo, estive aconvite do MST- MT inaugurandouma Escola de Formação com onome da minha mãe. Consideroque é muito importante essetrabalho de formação de quadros,de formar novos dirigentes daslutas populares no Brasil.”

ANITA LEOCÁDIO PRESTES

historiadora e filha dos lutadores LuizCarlos Prestes e Olga Benario

Continuem firmese fortesApenas gostaria de parabenizá-los pelaluta que vocês estão travando pelaReforma Agrária que já acontece há umbom tempo. Continuem para que assimesse país possa romper com essaestrutura fundiária de mais de 500 anosque é e sempre foi sustentada pelaselites. Não parem!

BRUNO EUZÉBIO CONT

EducaçãoTravo uma batalha em sala de aula comoeducador, descontruindo a perversão daRede Globo contra o MST. Não é umatarefa fácil, mas tem rendido bons frutos.Na campanha pelo limite da propriedade daterra tive muitos alunos vestindo a camisada campanha e defendendo a proposta.Demonstram que o latifúndio está em todolugar ceifando vidas.

JOSÉ RODRIGUES DE CARVALHO

OcupaçãoOcupa-se da Terra pra nela viver / Ocupa-se daTerra pra nela conviver / Ocupa-se da Terra pranela semear / Ocupa-se da Terra pra nelanascer / Ocupa-se da Terra pra nela crescer /Ocupa-se da Terra pra nela florir / Ocupa-se daTerra pra nela frutificar / Ocupa-se da Terra pranela morrer / Ocupamos o solo por justiça /Ocupamos o solo pra gerar paz / Ocupamos osolo por um sonho, de enfim, ver esta Terraser dividida. Todo ser humano tem o direito eo dever de plantar o teu alimento.

OLIVER BLANCO

(http://oextensionista.blogspot.com/)

O MASSACRE DE Eldorado do Carajásrepresenta no período neoliberal dasociedade brasileira a síntese históricado comportamento do Estado e da clas-se dominante, de que os pobres nãosão sujeitos políticos e devem ser – atodo e a qualquer custo - impedidosde entrar na política, seja com pautasde reivindicação, no nosso caso, Refor-ma Agrária e ou de superação, como ade mudanças estruturais na sociedadee no Estado burguês.

A tática histórica da burguesia derepressão, cooptação e eliminação morale física para aqueles que lutam resultouno Massacre. No entanto, Carajás se di-ferencia dos demais na nossa recentehistória. Primeiro, porque está situadonuma zona de conflitos permanentes,

numa fronteira do capital, com práticasrecorrentes do capitalismo do século 19,apropriação por espoliação dos ecos-sistemas e das biodiversidades - terra,floresta, água e minério - e exploraçãoda força de trabalho. Segundo, porqueo Massacre não foi contra um grupode trabalhadores isolados, uma organi-zação regional, como o fizera anterior-mente, mais foi contra um grupo detrabalhadores articulados numa organi-zação nacional, que fez do fato suapreocupação principal em todas as suasprerrogativas de denúncia e solidarie-dade. E terceiro, o registro em temporeal pelos meios de comunicação demassa, especialmente a televisão, o quetornou possível a exposição das cenasde violência e consequentemente a afir-mação de que houve um Massacre enão um conflito, como queria a classedominante, a grande mídia, o parla-mento e o Judiciário.

E, de maneira impactante, mesmonuma disputa jurídica burguesa, atéagora, embora condenados publica-mente, não foram julgados culpadospelo Massacre nem o Estado, nem ogoverno e nem os policiais. E por quenão o fizeram? Porque não querem criarjurisprudência contra os feitos estrutu-rais da própria classe dominante. Nãotemos ilusão! Restou para o governo

de caráter democrático e popular umpedido de desculpas em nome do Es-tado e a promoção dos agentes do Mas-sacre a cargos empregatícios.

É sobre os acontecimentos do Mas-sacre, como contradição, que dois movi-mentos se agigantam na conjunturahistórica. Um deles foi de caráter nacio-nal - a marcha nacional após um anode Massacre, de crítica política ao neo-liberalismo e ao governo FHC, um as-censo conjuntural de contestação, oque indicou mudanças na política agrá-ria do governo. O outro foi por partedo movimento camponês, a transfor-mação do dia 17 de abril como Dia Inter-nacional de Luta Camponesa - e umagama de ações de solidariedade com anossa organização, revelada em muitosgestos políticos e simbólicos da socieda-de, de organizações, amigos, artistas eintelectuais o que permitiu ampliarmosa nossa articulação tanto a nível nacio-nal, como latino-americano e mundial.

Persiste nesses 15 do Massacre doEldorado do Carajás nosso esforço mobi-lizado, para que haja condenações dosculpados, em vários níveis, como tam-bém a indenização e reparação aos queficaram com seqüelas. Exigimos tam-bém a efetivação de um plano nacionalde Reforma Agrária, indicado nas nossasanálises, documentos e lutas.

Passados 15 anos do Massacre, ocampo brasileiro está marcado porprofundas transformações, com oavanço do agronegócio, com a faltade uma política de Reforma Agrária,e ao mesmo tempo, um conjunto deleis que impedem o avanço dos direi-tos da classe trabalhadora. Vivemosum momento de crise política e eco-nômica cada vez mais crescente: leide florestas públicas, regularizaçãofundiária na Amazônia, hegemoniadas empresas transnacionais na agri-cultura, produção de sementestransgênicas, uso intensivo de agro-tóxicos, apropriação dos ecossistemase biodiversidades, tentativas de des-monte do Código Florestal... A insa-nidade política parece não ter fim,com uma lógica de geração de ener-gia a qualquer custo, revelandocontradições e limites de uma políti-ca de crescimento cada vez maisdistante da soberania e das reaisnecessidades da sociedade brasileira.

Nessa conjuntura, a luta é o nossolugar. Que os camponeses e a sociedadeem nível mundial construam lutasavançadas nesse 17 de abril, dia inter-nacional de luta camponesa!

Violência e impunidade

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3JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011

ESTUDO Livro de François Houtart apresenta as principais questões em relação ao uso dos agrocombustíveis

DOUGLAS ESTEVAM

COLETIVO DE CULTURA

O MAIS RECENTE livro do sociólogobelga François Houtart, “Agroenergia:Solução para o Clima ou Saída da Crisepara o Capital”, apresenta uma amplaanálise das questões que estão no centrodo debate sobre o futuro da humanidade.O esforço da obra “consiste em descrevera situação da dupla crise energética eclimática e colocar, em seguida, a questãodas novas energias, em particular dosagrocombustíveis, no seu conjunto”. Naanálise do fenômeno, o autor não ignoraque “a questão dos agrocombustíveistornou-se um problema ideológico”.

A análise aborda o problema de umaperspectiva histórica e social, apontando aenergia como “pivô da economia demercado capitalista e mesmo disto quechamamos civilização ocidental”. Para oautor, “a energia desempenhou o papelcentral nesse processo, pois ela se encontrano coração das duas atividades principaisda economia: a produção e o transporte”.

Setores-chave da economia, o transportee a produção foram consideravelmentefomentados na fase neoliberal do capitalis-mo, e de forma global. Assim, a demandapor energia explodiu, com todas as suas con-sequências. Entre 1990 e 2003, o transportemarítimo cresceu 26,2% e o aéreo 25,6%.O comércio marítimo passou de 2,5 bilhõesde toneladas em 1970 para 6,1 bilhões em2003. Mantida esta lógica, a estimativa éque, em relação a 2002, o consumo deenergia terá aumentado 60% em 2030.

Combustíveis fósseis não-renováveis –petróleo, gás e carvão – são as principaisfontes de energia utilizadas atualmente,correspondendo a 80% do consumo mun-dial, proporção que, segundo as estimativasda Agência Internacional de Energia (AIE),continuará a mesma em 2030. Os dados de2006 indicam que o petróleo corresponde a35% do total utilizado, o carvão 23% e ogás 21%. Dos 48 países produtores depetróleo, 33 apresentam uma redução deprodução. Os EUA, consumidores de 25%do petróleo mundial, não possuem mais doque 3% das reservas conhecidas. Enquantona década de 1950 o país era autossuficientena utilização do recurso, em 2007 eleimportou 75% do que consumiu.

Complementando a lista de fontes deenergia utilizadas no mundo, aparece ourânio, que responde por 16% do total.

A crise climática e oaquecimento do planeta

“A crise climática é claramente o resul-tado da atividade humana.” Houtart baseiaesta afirmação nos estudos desenvolvidospelo Grupo Intergovernamental sobre aEvolução do Clima (GIEC), da ONU, cujaspesquisas asseguram em 90% a influênciado homem nas transformações climáticas.O autor restitui o processo de aceitação doproblema, que o discurso neoliberal tentounegar, primeiro pelo ceticismo e emseguida por meio da deslegitimaçãocientífica, até a fase atual, em que, dada aimpossibilidade de negar os efeitos dasmudanças climáticas, uma nova etapa dodiscurso se configurou nas “soluções pelomercado” como saída para a crise.

O problema do aquecimento globalnão está ligado unicamente à questão daenergia. A pecuária responde por 37% dasemissões de metano, gás cujo efeito danosoé 23 vezes maior que o do carbono. Junta-se a isso o enfraquecimento dos chamadospoços de carbono, as florestas e oceanoscom sua capacidade de eliminação de car-bono. A destruição de 20% da Amazôniabrasileira, entre 1960 e 2005, equivale a1,5 bilhão de toneladas adicionais de gáscarbônico na atmosfera a cada ano. “Entreas causas principais, vem em primeiro lu-gar a extensão das monoculturas de sojapara a alimentação humana e animal”, se-guida pela produção de eucaliptos e pelapecuária. As queimadas representam amaior parte da poluição produzida no Bra-

sil, que assumiu a posição de quarto maioremissor de gás de efeito estufa do mundo.

Houtart analisa, num segundo momen-to de sua obra, a importância que a agro-energia e, mais precisamente, os agrocom-bustíveis desempenham como possíveissubstitutos das fontes não-renováveis deenergia e para o aquecimento global. Lem-brando que as energias fósseis correspon-dem hoje a 80% da produção de energia,ele delimita o problema lembrando que aagroenergia “representará somente 2% doconsumo em 2012 e poderá chegar a 7%em 2030”, e prossegue afirmando que,“mesmo se toda a superfície cultivável daTerra fosse consagrada à produção deenergia, ela produziria o equivalente a 1,4bilhões de litros de petróleo. Ora, as neces-sidades atuais são de 3,5 bilhões e au-mentam sem cessar”.

AgroenergiaEle apresenta um estudo das formas

de produção de agroenergia utilizadasatualmente, sobretudo as de primeirageração, centradas no etanol e noagrodiesel. Houtart aborda as conse-quências sociais e ambientais desse modeloem seus diversos aspectos e particulari-dades, num conjunto de países e regiões,tais como o Brasil, com a produção decana-de-açúcar, soja e eucalipto (cujautilização se insere nas fontes de segundageração), a Colômbia, que utiliza a palmaafricana, a África, com o pinhão-manso,e a Ásia, onde é produzido o óleo de palma.A descrição e a interpretação desses

processos evidenciam uma lógica de“capitalismo agrário”, apresentandoinúmeros efeitos sobre a água, o solo, omeio ambiente, a crise alimentar, aviolência e a concentração de terras.

“Uma energia mais limpa significanovas tecnologias e possibilidades amplia-das de ganhar dinheiro”, afirma o editorialda revista inglesa “The Economist”, numacitação utilizada no livro. Apresentandoexemplos da colaboração de Estados e pode-res públicos, da importância e controle degrandes empresas, da exploração do traba-lho, da reprodução das desigualdades entreos países ricos e pobres, da especulação, atotalidade das relações econômicas e políticasenvolvendo a produção dos agrocombustí-veis é analisada em suas inter-relações.

Assim, “podemos concluir do conjuntodas considerações que a função dodesenvolvimento dos agrocombustíveis éa do lucro rápido, fonte segura deacumulação a curto prazo”. Como respostapara as crises energéticas e ambientais, talsistema representa “uma contribuição nulaou fraca para a solução do problema doclima e somente uma contribuiçãomarginal ao consumo de combustíveis.Somente uma produção massiva cobrindocentenas de milhões de hectares poderiasignificar uma contribuição substancialpara a solução da crise energética”.

François Houtart apresenta “pistas desoluções” para as crises que vivemos:redução do consumo de energias fósseis,utilização de outras fontes de energia,como a hidroenergia, a energia solar, aeólica e a geotérmica, mas isso tudo numquadro de pós-capitalismo, priorizandoo valor de uso sobre o valor de troca,uma generalização da democracia e damulticulturalidade. E conclui: “A solu-ção para a dupla crise da energia e do climase encontra numa visão global de mudançade civilização, e não somente numconjunto de soluções técnicas. É somentea este preço que a humanidade poderá seengajar em uma via que per-mita sua sobrevivência”.

Energia e mudanças climáticas

Combustíveis fósseis, como petróleo, correspondem a 80% da produção de energia no mundo

O livro foi editado pelaEditora Vozes em2010. Possui 328páginas e pode sercomprado via internet(www.universovozes.com.br)

Inter

net

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4 JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011

Luta por crédito, assentamentos e políticas que garantam a produção de alimentos são desafios do períodoENTREVISTA

Reforma Agrária, abre-se um novoperíodo. As atividades que vamosfazer este ano estão na perspectiva derecolocar na agenda política e econô-mica a retomada de um plano mínimode Reforma Agrária, com o assenta-mento de famílias e não só tratar aquestão da pobreza com Bolsa Famí-lia. A distribuição de terra que distri-bui renda, é assim que resolve o pro-blema da pobreza do campo. É neces-sário retomar as metas, pelo menosassentar 400 mil famílias, resolver oproblema de 2, 3 milhões de pessoas.

Isso vai depender da nossa capacidadede mobilização no próximo período. Seos movimentos do campo – as arti-culações da Via Campesina, Contag,Fetraf – tiverem força, conseguiremosimpor uma agenda para a ReformaAgrária e para a produção de alimentos.

JST -Nessa perspectiva de recolocara Reforma Agrária na pauta,qual as principais reivindicaçõesda Jornada de Abril?

EB - Primeiro é decidir qual o órgãoque vai cuidar da Reforma Agrária.

Para fazer essa política, o governoprecisa nomear pessoas que entendamde Reforma Agrária. No Ministérioda Saúde eles colocam alguém queentende de saúde, e no órgão da Re-forma Agrária entra alguém que nãoentende nada. Então, a primeira coisaé tratar da Reforma Agrária e dosórgãos que cuidam dela com serieda-de, com pessoas que entendam mesmodo tema. A Jornada de Abril volta otema de Carajás, volta o tema da lutacontra a impunidade e também documprimento da agenda mínima: arenegociação das dívidas de todos osassentados e pequenos agricultores.Sem isso, não resolve o problema dapobreza rural e do crédito. O segundoé que o governo tem que, nessa agen-da mínima, liberar os recursos queforam aprovados no ano passado, paraa desapropriação de áreas, reatualizare liberar os recursos para habitação,ter um programa realmente de assis-tência técnica, que esse atual é um

“Distribuir terra é resolverpobreza no campo”

Jornal Sem Terra - Quais asperspectivas da luta pela ReformaAgrária no governo Dilma? Emquais áreas podemos avançar e ondepoderemos ter mais dificuldades?

Egídio Brunetto - Como na campa-nha presidencial e na aliança que oPT fez, eles não tocaram no tema daReforma Agrária. Do ponto de vistada agenda oficial e do projeto econô-mico do governo Dilma, a ReformaAgrária está fora da pauta. A prio-ridade vai ser para o agronegócio e omonocultivo para a exportação, e nãopara a agricultura para a produção dealimentos. Mas toda vez que um novogoverno é eleito, criam-se na base so-cial novas perspectivas, novas expec-tativas. Do ponto de vista da luta pela

JOANA TAVARES

SETOR DE COMUNICAÇÃO

Nesta entrevista ao JornalSem Terra, EgídioBrunetto, da CoordenaçãoNacional do MST, aponta osprincipais desafios colocadospara a luta pela ReformaAgrária. Egídiofala do novo governo, dasmudanças no Incra, daspolíticas públicasprioritárias para o próximoperíodo e das propostas dapequena agricultura para aprodução de alimentos epara o reflorestamento deáreas degradadas peloagronegócio. “A distribuiçãoda terra distribui renda, éassim que resolve oproblema da pobreza docampo”, aponta.

Pequenos agricultores precisam de novas políticas de crédito e renegociação das dívidas

“É necessário retomar as metas, pelo menosassentar 400 mil famílias. Isso vai depender

da nossa capacidade de mobilização no próximoperíodo. Se os movimentos do campo tiverem

força, conseguiremos impor uma agenda para aReforma Agrária e para a produção de alimentos”

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ansu

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5JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011

desastre. E resolver logo questão docrédito. Do ponto de vista do médioprazo, as mobilizações têm que avançarno sentido de resolver os problemasestruturais: resolver o problema do Incra– não se trata de acabar com o órgão,pelo contrário, tem que dar força ao Incra,colocá-lo vinculado à Presidência daRepública, não como um instrumento denegociação política. Ter metas deassentamento das famílias. Resolver oproblema do grande uso de agrotóxicos.Resolver o problema do analfabetismono campo, o problema ambiental. Terum programa que permita que osagricultores possam recuperar as áreasdegradadas pelo agronegócio.

JST – Qual a importância dacontinuidade do Programa deAquisição de Alimentos?

EB - Esse programa da CompanhiaNacional de Abastecimento (Conab)é um dos programas principais dogoverno, que é uma política de preçojusto para a agricultura. O que preci-samos é aumentar o volume geral derecursos e o volume individual de re-cursos, para que as famílias possamvender mais alimentos. A Conab temque ser estruturada nos estados paraessa demanda, para essa venda per-manente de alimentos.

JST - O que está previstopara este ano das grandesmobilizações do MST?

EB – Agora temos a Jornada de Abrile jornadas individuais dos movimen-tos. Mas o grande esforço é nos jun-tarmos ao povo urbano, pela questãoda redução da jornada de trabalho paraas 40 horas semanais; em maio podeser um bom período. E tambémrealizar no início do segundo semestreuma grande mobilização de todos osmovimentos do campo – a questãoindígena, ambiental – para fazer aslutas mais estratégicas, contra omonocultivo, as transnacionais, osagrotóxicos – e que também apontempara a alteração da correlação deforças para impor uma agenda dapequena agricultura e agriculturafamiliar. Que tenha uma política deassistência técnica, de crédito, queresolva a questão do endividamento.

JST - Como é a propostade reflorestamentopelos assentamentos?

EB - Não existe no capitalismo de-

senvolvimento sustentável, ele temdestruir para se reproduzir. É isso queestamos vendo com os desastresambientais recentes. Isso quem faz éo capital, o latifúndio, as grandesempresas, o agronegócio. Precisamosestabelecer uma legislação que real-mente defenda a questão ambientaldo ponto de vista de reorganizar ascidades, reorganizar a agricultura. Nocampo da pequena agricultura e nosassentamentos, precisamos de umapolítica pública, recursos e assistênciatécnica, pra que a gente possarecuperar do ponto de vista produtivoas áreas degradadas pelo agronegócio,pelo monocultivo. Tem que ter umprograma que financie a fundoperdido – como fazem com oagronegócio – para que todas asfamílias possam acessar recursos erecuperar parte das áreas queconquistamos com a ReformaAgrária. Isso não é a mesma coisa quea política de crédito de carbono, queé o grande programa das trans-

nacionais. Queremos recursos quepossam ser aplicados em reflores-tamento e também que possam serreutilizados de uma forma econô-mica. Ao invés de as famílias rece-berem Bolsa Família, poderiam re-ceber um “cartão verde”, que seriauma quantidade de recursos parareflorestar e também produzir rendapara as famílias. Isso significaria adistribuição de renda de formasustentável e permanente.

JST - Qual a proposta que apequena agricultura e o MSTcolocam para a sociedade no campoda produção de alimentos?

EB - O governo tem que adotar e co-locar para os órgãos públicos a neces-sidade de resolver e distribuir renda,e uma das formas de fazer isso égarantir a compra da produção. E nósqueremos linhas de crédito que vãonessa direção. Quando combatemoso agronegócio e o uso indiscriminadode agrotóxicos, desenvolvemos uma

“No campo da pequena agriculturae nos assentamentos, precisamos

de uma política pública, recursos eassistência técnica, pra que a gente

possa recuperar do ponto de vistaprodutivo as áreas degradadas pelo

agronegócio, pelo monocultivo”

nova matriz tecnológica que seja di-ferente de tudo isso, que é a agroeco-logia. Uma matriz que elimine a pro-dução de alimentos com venenos, comhormônios. É um processo de transi-ção, e exige que o Estado dê condiçõesde assistência técnica, de pesquisa, eque possa ter linhas de fomento paraisso. A questão das sementes joga umpapel importante, para que tenhamossementes voltadas para a produçãoagroecológica. Tem que haver umprograma de distribuição de sementesgratuitas, sementes resistentes apragas, etc. Um grande programa desementes, de mudas, vai ajudar muitona produção de alimentos, que é umgrande desafio no Brasil. Hoje temosrecorde de produção agrícola eaumento da fome. Porque não seproduz alimentos, mas produtos queinteressam a grandes transnacionais.

JST - Qual o principal desafio emrelação à educação este ano?

EB - Combater o fechamento dasescolas rurais. O governo vem pro-movendo o fechamento de diversasescolas, e dizemos que fechar escolasé crime. Esse processo favorece asempresas de transporte, e faz com queas crianças às vezes passem maistempo no ônibus até as cidades do queestudando (ver matéria sobre a cam-panha na página 10). Outra luta fun-damental é pela construção de escolasnos assentamentos. E a luta contra oanalfabetismo no campo. O quartoaspecto é avançar na área das escolastécnicas no meio rural, para aperfeiçoaras técnicas para a agricultura, especial-mente com a filosofia da agroecologia.

JST - Como esses desafios se ligamcom a questão internacional?

EB - Essa grande batalha em relaçãoàs mudanças climáticas nos coloca umpapel importante, de fazer frente àsgrandes empresas. Precisamos entrarnessa luta também com muita força.Transição para a matriz agroecológica deve ter suporte do Estado

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ivo M

ST

Page 6: Jornal Sem Terra - edição 311

6 JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011

ESTADOS Cento e oito famílias comemoram as conquistas dos 12 anos do Assentamento Contestado

RIQUIELI CAPITANI E EDNUBIA GHISI

SETOR DE COMUNICAÇÃO

AS TERRAS onde hoje estáo Assentamento Contestadotrazem as marcas da história.

Casarões antigos, de paredes grossas feitasde pedra e em estilo colonial, são vestígiosda grande fazenda que tinha como base aexploração de trabalho escravo. Mais tarde,monoculturas de pinus e eucalipto, que setornaram matriz do uso da área, na épocapertencente à transnacional sueca Incepa,empresa com dívidas junto à União daordem de R$ 18 milhões.

“A conquista dessa área tem osignificado de libertação da terra, que coma ocupação volta para os camponeses”,afirma Roberto Baggio, da direção doMST no Paraná.

As famílias foram assentadas cerca deum ano após a ocupação da fazenda, nomunicípio da Lapa. Luiz Carlos SchimithBueno, pequeno agricultor que participouda ação, recorda as condições da área há12 anos: “Aqui morava apenas o gerente,o capataz e umas três famílias. O restanteera latifúndio, plantações feitas à base demáquinas, por isso não havia demanda demão de obra. Com a ocupação houve ainversão nos papéis e na função da terra”.

A conquista da terra se deu em um con-texto de repressão e intensiva ação do Es-tado para desmobilizar a organização cam-ponesa e de outros movimentos sociais.

Segundo Baggio, a ocupação da áreafoi estratégica e marcou o início de umnovo período. Desde o começo, havia oesforço de avançar na matriz daagroecologia, superar os venenos e amonocultura, além de organizar oassentamento para fazer a aliança com aregião metropolitana, que concentragrande parte da população paranaense. “Oprojeto do Assentamento Contestadomostra a viabilidade da Reforma Agrária,o referencial de como construir uma

agricultura soberana e popular, deeducação autônoma e da construção denovas relações sociais”, garante Baggio.

ComemoraçãoPara relembrar e festejar os 12 anos

de lutas e conquistas, no dia 19 de março,as 108 famílias do MST que vivem noassentamento realizaram uma grande festa.A comemoração reuniu cerca de 500pessoas, entre assentados, amigos eautoridades públicas.

EducaçãoDesde o início, os assentados lutaram

para trazer a escola com todos os níveis de

MARCELO MATOS

ESTUDANTE DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

– UFC / I TURMA DE JORNALISMO DA TERRA

DESDE O início do MST,uma das principais bandeiras deluta, além da terra, é a educa-

ção. No Ceará, a luta das famílias é paraque seus filhos e filhas possam estudar emescolas dentro dos assentamentos, porqueas dificuldades de estudar fora são muitas:viajar 30, 40 e até 60 km em estradas, decarroça, para ir até as cidades mais próxi-mas, muitas vezes arriscando a vida.

Durante uma grande Jornada de Lu-ta estadual, o Movimento reivindicoua construção de escolas de nível médio e fundamental nas áreas de ReformaAgrária, com a ocupação da Secretariade Desenvolvimento Agrário, em maiode 2007. Depois de 10 dias acampadosem Fortaleza, o governador na épocae reeleito nas ultimas eleições, Cid

Libertação da terra e vitórias dos camponeses

Gomes, se comprometeu a atender umaparte da demanda, construindo 10grandes escolas. Só em 2009 foi con-cretizada a construção das quatro pri-meiras escolas. “Esse foi um direitoarrancado na luta”, diz Maria de Jesus,da Coordenação Estadual. Mas para oMovimento ainda é insuficiente. Para

atender toda a demanda, são necessárias64 escolas de nível médio. As quatroescolas foram construídas em grandesassentamentos do MST: 25 de Maio,em Madalena; Santana, em MonsenhorTabosa; Maceió, em Itapipoca; e La-goa do Mineiro; em Itarema. As esco-las, com 12 salas de aula, contam com

quadra esportiva, laboratórios de infor-mática, química e biologia, além debiblioteca e anfiteatro. Uma estruturadigna, se compararmos com outrasescolas do estado.

Ao lado das escolas, o Movimento estádiscutindo a implementação dos camposexperimentais, com 10 hectares de terra,onde os educandos possam desenvolverpesquisas e experiências de convivênciacom o semi-árido, além de produziralimentos durante os dias de aulas integrais.

Estudam nas quatro escolas do campocerca de 1.600 pessoas, no ensino médio.“Mas a grande luta do Movimento é paraque todos os assentamentos tenham escolasque funcionem desde a educação infantilaté o nível superior”, aponta Jesus. “A lutanão vai parar por aqui. Na Jornada deLutas das mulheres, foi realizada umanegociação com o governador Cid Go-mes, que se comprometeu a construir ain-da este ano as seis escolas restantes.Escolas contam com 12 salas de aula, quadra, laboratórios, biblioteca e anfiteatro

Escolas do campo no Ceará: conquista dos trabalhadores e trabalhadoras

educação para dentro do assentamento.Logo depois da ocupação, as crianças

não foram aceitas pelo munícipio da Lapa.Por três anos, educadores do assentamentofizeram trabalho voluntário para garantirque as crianças não ficassem sem aula, atéque a prefeitura colocasse professoresconcursados nas escolas.

Hoje a escola do assentamento temdesde o 1º ano até um curso de graduaçãode Tecnologia em Agroecologia, que é umcurso da Via Campesina, do qualparticipam integrantes de todo o Brasil,América Latina e Caribe.

ProduçãoO Projeto de Assentamento Contestado

tem uma área de 3.228 hectares, onde sãoproduzidos todos os tipos de alimentos,destacando-se a produção da horticultura.

Hoje mais de 50% de famíliasproduzem alimentos orgânicos. Osalimentos são consumidos pelos assentadose também comercializados por meio dasfeiras, cooperativas e pelo Programa deAquisição de Alimentos (PAA).

O PAA, que começou há seis anos com15 famílias, atualmente conta com 103projetos de assentados e abastece em tornode 6 mil pessoas de 14 entidades entreescolas, associações e hospital.

Na festa, foi servido bolo de 3 metros, feitos por três assentadas

MST-P

RMS

T-CE

Page 7: Jornal Sem Terra - edição 311

7JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011

ESTADOS Cerca de 15 mil companheiras foram às ruas em fevereiro e março

SETOR DE COMUNICAÇÃO

A JORNADA de Lutas dasMulheres da Via Campesinamobilizou 13 estados para

denunciar os impactos na saúde humana eno meio ambiente do uso abusivo dosagrotóxicos e apontar a responsabilidadedo modelo de produção do agronegócio.

Em todo o Brasil, as camponesas, emconjunto com movimentos urbanos,denunciam que o país é o maior consu-midor de agrotóxicos do mundo, inclusivede agentes contaminantes nocivos à saúdehumana, animal e vegetal que já foramproibidos em outros países. A Jornadatambém denunciou a violência contra amulher e cobrou a resolução deproblemas que afetam a vida das famíliascamponesas no país.

Confira o que aconteceu em cada estado:São Paulo – As mulheres fecharam parte

da Rodovia Cônego Domênico Rangoni,também conhecida como Piaçaguera-Guarujá, que dá acesso ao Pólo Industrialde Cubatão. Ocuparam o prédio dasuperintendência do Incra em São Paulo,para cobrar o assentamento das famíliasacampadas e políticas públicas para aprodução agroecológica. Houve atos nasprefeituras de Limeira e Apiaí.

Minas Gerais - Mulheres da Via Cam-pesina e do Fórum Regional por ReformaAgrária ocuparam a BR-050 paradenunciar que o uso de aviões de pequenoporte na pulverização de agrotóxicos pelaempresa Saci está poluindo o meioambiente na região. Em Teófilo Otoni,mulheres camponesas dos Vales doJequitinhonha, Mucuri e Rio Docemarcharam até o Fórum da Comarca,denunciando casos de violência contraas mulheres e a violência da concentraçãode terras na região. O Fórum Regionalpor Reforma Agrária do TriânguloMineiro e Alto Paranaíba ocupou a sededa Fazenda Inhumas, em Uberaba.

Rio de Janeiro – Cerca de 300 trabalha-doras do campo e da cidade ocuparam asede do BNDES no centro da capitalfluminense. A mobilização denunciou osaltos investimentos e empréstimos dobanco à indústria dos agrotóxicos e àstransnacionais da agricultura.

No Ceará, mais de mil mulheres do

MST, Movimento dos ConselhosPopulares e Central dos MovimentosPopulares fizeram duas marchas paradenunciar os impactos negativos dosagrotóxicos na saúde humana e noambiente. Em Fortaleza, mais de 600mulheres marcharam até o governo doEstado, para denunciar a política deisenção fiscal que beneficia as indústriasde venenos e amplia o consumo deagrotóxicos. Em Santa Quitéria, 500mulheres protestam contra a instalaçãoda Mina de Urânio e Fosfato de Itatiaia.

Pernambuco - Cerca de 800 trabalhado-ras rurais trancaram a ponte que liga Pe-trolina a Juazeiro para denunciar a ino-perância do Incra da região. Mais 500mulheres ocuparam o Incra em Recife parachamar a atenção para a Reforma Agrária.

Santa Catarina - Cerca de 500 mulheresda Via Campesina se reuniram em Cu-ritibanos para participar de um encontro,com o lema: “Contra o agronegócio, emdefesa da soberania popular”.

Rio Grande do Sul – Cerca de milmulheres da Via Campesina, Movimentodos Trabalhadores Desempregados(MTD), Levante da Juventude e Intersin-dical protestaram em frente ao Palácioda Justiça, em Porto Alegre. Cerca demil mulheres também ocuparam o pátioda empresa Braskem, da Odebrecht, noPólo Petroquímico de Triunfo.

Sergipe – Trabalhadoras rurais montaramacampamento em frente à Praça da Ban-deira de Aracaju. Elas participaram deatividades que denunciam os agrotóxicos,

o agronegócio, a criminalização dosmovimentos sociais e a violência contraa mulher.

Espírito Santo - Uma marcha de mulhe-res do campo e da cidade partiu do muni-cípio da Serra e seguiu para a Universi-dade Federal do Espírito Santo (UFES),onde aconteceram debates sobre osimpactos do agronegócio na vida dasmulheres do campo e da cidade.

Rio Grande do Norte – Cerca de 200mulheres participaram de um acam-pamento de formação e realizaram umamarcha por Natal, com destino à sededo governo do Estado.

Pará - 200 mulheres se reuniram noassentamento Palmares para debatertemas relevantes à vida camponesa e aouniverso feminino, como a questão dainfância, da violência contra a mulher esoberania alimentar.

Maranhão – Cerca de 350 mulheresrealizaram protestos nos acampamentosJoão do Vale e Francisco Romão, emAçailândia. As atividades denunciarama forma predatória de exploração daempresa Vale na região.

Cultura da Infância:cantando e encantandocom as crianças do campo

MÁRCIA MARA RAMOS

SETOR DE EDUCAÇÃO

NOS EMBALOS da cultura dacriança, no encantamento com asbrincadeiras, na singeleza em

apresentar as experiências do trabalho com osnossos Sem Terrinha, na emoção em buscarnas lembranças de infância a história de vida, ocurso de formação de Arte-Educadores doCampo sobre a “Cultura da Infância – Cantandoe encantando com as crianças do Campo”, foirealizado nos dias 21 a 26 de fevereiro, emSão Luís do Maranhão, organizado pelos setoresde Cultura e Educação. Participarameducadores e educadoras militantes das áreasde assentamentos e acampamentos de estadosda região Nordeste (BA, CE, PI, PE, PB, SE) eAmazônica (MA, PA).

A formação foi fundamental para oentendimento da criança como sujeito sociale cultural deste tempo, que brinca, pensa,questiona e faz parte da história de suacomunidade e do movimento social.

As crianças do campo têm a possibilidadede vivenciar e usufruir os sons que as cercam,através das mais diversas fontes culturais.Os sons da natureza, os sons dos bichos, ossons das ferramentas de trabalho que setransformam em instrumentos musicais, tudoisso permite que a música seja uma daslinguagens artísticas possíveis. A músicapode ser vinculada a todos os processospedagógicos que despertam e aguçam asensibilidade cultural e artística das crianças,favorecendo a aprendizagem, a memorização,a concentração, a compreensão e a interaçãocom a sua realidade.

O desafio que o debate da cultura da in-fância coloca para os educadores do Movi-mento é o de pensar como envolver o conjun-to dos assentamentos e acampamentos notrabalho com as crianças do campo. Outrodesafio é não perder a dimensão de coleti-vidade na perspectiva da continuidade notrabalho dos educadores com os Sem Ter-rinha. Garantir uma socialização nacional dasexperiências do fazer das crianças é tambémfundamental. A participação dos diferentessetores (Comunicação, Saúde, Formação,Cultura e Educação) no debate é muito im-portante, com o horizonte do fazer pedagógicocomo meta para atuação junto à infância.

Jornada de mulheres mobiliza 13estados contra agrotóxicos

BAHIA - Em Petrolina, mais de 500camponesas ocuparam a sede doINSS para cobrar aposentadoriadas trabalhadoras rurais, auxílio-doença e salário-maternidade. Ascamponesas trancaram a BR-101por duas horas, para denunciar amonocultura de eucaliptos pratica-da pela Veracel. Cerca de 1.500mulheres ocuparam a fazenda Ce-dro, que pertence à multinacional.

MST-B

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Page 8: Jornal Sem Terra - edição 311

ESPECIAL Confira propostas para melhorias da vida no campo, na área da Terra, Assentamentos e Educação e depoimentos sobre Carajás

98 JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011

SETOR DE COMUNICAÇÃO

O MST REALIZA em abrilmais uma jornada de lutaspara cobrar medidas dosgovernos federal e estaduaispara destravar a ReformaAgrária e desenvolver osassentamentos rurais.

As atividades acontecemtambém em memória aosmártires do Massacre deEldorado dos Carajás, quecompleta 15 anos, sem queninguém esteja preso peloassassinato de 19 traba-lhadores rurais.

Nesses 15 anos, poucascoisas mudaram no meiorural. Não aconteceu aReforma Agrária e a violênciado latifúndio e do agronegóciocontinua a ameaçar os SemTerra acampados pelasestradas do Brasil.

Temos propostas concretaspara melhorar a situação dostrabalhadores rurais, com acriação e desenvolvimento dosassentamentos, além demedidas para garantir acesso àeducação em todos os níveis.

Leia as principais medidas,divididas em três eixos:Terra, Assentamentose Educação.

Terra• Assentamento de todas as famílias

acampadas até dezembro de 2011,começando com a desapropriaçãode latifúndios na região Sul, Su-deste e Nordeste.

• Estabelecer meta do assentamentode 100 mil famílias por ano emterras desapropriadas (sem contara regularização fundiária e criaçãode assentamentos em terraspúblicas).

• Reformular a forma de funcio-namento do Incra para garantir um

processo mais rápido e eficiente dedesapropriação de terras.

• Criar um novo modelo de assenta-mento, baseado em áreas coletivas,agrovilas e cooperativas de produ-ção rural.

Assentamentos• Criação de um programa de reflores-

tamento massivo, para recuperaras áreas degradas pelo latifúndio e,posteriormente, conquistadaspelos trabalhadores rurais.

• Políticas para estimular a produçãoagroecológica, garantindo vanta-gens econômicas aos agricultoresque produzem sem agrotóxicos.

• Prioridade de compra dos alimen-tos agroecológicos pelos programasda Conab.

• Criação de centros de produção edistribuição de sementes orgânicas.

• Construção de escolas técnicas denível médio e superior em agroeco-logia/agroflorestal.

• Desenvolvimento de um programade difusão de agroindústrias emassentamentos organizados emcooperativas de produção comapoio do BNDES e da Conab.

• Fortalecimento da Conab no senti-do da construção de uma empre-sa estatal que possa dar susten-tação aos camponeses, traba-lhadores rurais e pequenos agri-cultores que produzem alimen-

tos, com a instalação de silos econstrução de armazéns.

• Criar um programa público deciência e tecnologia para odesenvolvimento de máquinas einstrumentos técnicos para aprodução de alimentos saudáveisem pequenas propriedades.

Educação• Fazer uma campanha nacional de

caráter emergencial para er-radicar o analfabetismo nas áreasrurais e urbanas, financiada atra-vés de recursos públicos, articu-lada entre governo federal e mo-vimentos sociais, igrejas, sindi-catos, comunidades.

• Garantir acesso à Educação Básica(educação infantil, educação funda-mental e média, e educação de jo-vens e adultos) para todas as pessoasque vivem e trabalham no campo.Contribuir para tornar realidade alei que tornou obrigatória aescolarização dos 4 aos 17 anos.

• Assegurar o direito para que os pro-fessores e professoras das escolas dosassentamentos possam ser benefi-ciários da Reforma Agrária, bem comoincentivar que nos concursos públicosseja considerada esta questão.

• Garantir nas comunidades do campoCirandas Infantis, com estruturafísica adequada, material didáticoe educadores financiados pelos

Quinze anos depois, e nada de Reforma Agrária

Cobramos o assentamento de todas as famílias acampadas até dezembro de 2011

municípios. Construir escolas paraa educação infantil e anos iniciaisem todas as comunidades.

• Garantir o acesso e a distribuição delivros que contribuam no processode formação e capacitação decrianças, jovens, adultos e idososdos assentamentos.

• Implantação de Cursos de EducaçãoProfissional Técnica de Nível Médiopara estudantes que já tenhamconcluído o ensino médio.

• Massificar o processo de formaçãode professores e profissionais dasdiferentes áreas (agronomia, vete-rinária, zootecnia, saúde, cultura,direito, jornalismo) para atuaçãonas áreas de Reforma Agrária e domeio rural em geral.

• Construir universidades e institutosfederais no interior do país. E, ondefor necessário, organizar turmasespecíficas para estudar namodalidade da alternância.

• Garantir o formato original do Pro-nera, que leva em consideração aparticipação na construção e execu-ção das suas ações as universi-dades, Incra e movimentos sociais.

• Desenvolver medidas para a demo-cratização dos meios de comuni-cação e apoio à imprensa populare rádios comunitárias. Fazer umprograma para democratizar ainternet e levar a banda larga paraos assentamentos.

“Depois de 15 anos sem sefazer justiça às vítimas, àsfamílias e a toda acompanheirada camponesa, oMassacre de Eldorado dosCarajás gritacomo uma dívidade sangue, dejustiça nacional,pela realizaçãode uma ReformaAgrária, que é causa prioritáriado Brasil. Frente ao agronegóciolatifundiário e depredadorreivindicamos, com os mártiresde Eldorado dos Carajás, aagrovida ecológica e solidária.”

Pedro Casaldáliga, bispoemérito de São Félix do

Araguaia – MT

“Nos 15 anos do Massacre deEldorado dos Carajás, euespero que aprimeiramulherpresidente dopaís, DilmaRousseff, tenhaa sensibilidade de poder fazercom que o Poder Judiciáriodefinitivamente possa fazer a

reparação desse crimehediondo, que é a morte de 19trabalhadores rurais. Essescriminosos devem ser punidos edeve haver a Reforma Agrárianeste país. A sociedadebrasileira espera uma satisfaçãodo governo federal”.

Leci Brandão, cantora,compositora e deputada estadual

em São Paulo (PcdoB)

“Me dói amargamente ver a terraconcentrada, devastada eimprodutiva. Envenenada,queimada, exaurida. Me dói fundosaber damadrugadacamponesa semterra, sem trabalho,sem alimento. Euquero ver chegar odia da partilha, o cio da terra, adoçura do mel. Sigo sonhando com aterra dividida, ocupada pelas mãosque trabalham e transformam avida, que alimentam. Que semeiama esperança essencial à alma de terterra, trabalho e pão!”

Beth Carvalho, cantora ecompositora sambista

“Junto-me a todos os de bemque até hoje assistemassombrosamente o descasocom o Massacre, essaimpunidade,enfim, essavergonha. Nãopodemosesquecer jamaisque a “Curva doS” é apenas mais um dos muitosfatos que nos envergonham eque nossos ilustres não têmmoral para resolver.”

Marcos Winter, ator

“Tentaram apagar damemória do povo o massacre deCanudos, com o desvio das águasdo rio que banhava a região.Assim será com oMassacre deEldorado dosCarajás, onde 19Sem Terra foramfriamenteassassinados por forças doEstado, em 17 de abril de 1996.Até que, finalmente, se faça no Brasiljustiça no campo: a tão necessária esonhada Reforma Agrária.”

Osmar Prado, ator

“Saúdo a memória dosmártires de Eldorado dosCarajás, com a confiança deque sua lutapor justiça nocampo serávitoriosa. A lutapelos direitosagrários estáviva e forte emtodas as Américas.”

Tom Morello, guitarrista dabanda Rage Against the Machine

“É um choque nosdepararmos com, passados 15anos, não só permanecer impuneo crime contra 19 trabalhadoresrurais SemTerra, emEldorado deCarajás, comotambém a tropade choque quepermanece agindo em benefícioda morte, por massacre,ou mais continuamente, por faltade terra e trabalho, que oslatifundiários impõem àpopulação lavradora brasileira.”

Bete Mendes, atriz

A indignação não é só nossa...

O julgamento do recurso docoronel Mário Colares Pantoja e domajor José Maria Pereira de Oliveira,que pede a anulação do julgamentoque definiu a condenação doscomandantes da Polícia Militar noMassacre de Eldorado de Carajás,aguarda julgamento do SupremoTribunal Federal (STF) e está sob aresponsabilidade do ministro-relatorCésar Peluzo. Em 2009, o SuperiorTribunal de Justiça (STJ) negou

recursos dos policiais militarescondenados pela morte de 19trabalhadores Sem Terra em 1996. Osministros da Quinta Turma, porunanimidade, consideraram regular aformulação dos quesitos apresentadosao Júri. Com isso, fica mantida acondenação imposta ao coronel MárioColares Pantoja, 228 anos, e ao majorJosé Maria Pereira de Oliveira, 158anos e quatro meses. Eles aguardam ojulgamento do recurso em liberdade.

Morte dos 19 trabalhadores continua impuneO governo federal, sob a presidência de Luiz Inácio

Lula da Silva, fez o compromisso com os movimentos

do campo de cumprir uma pauta de sete pontos,

depois da marcha de Goiânia a Brasília, em 2005.

De lá pra cá, os principais pontos da pauta não

saíram do papel. Leia na capa os sete pontos,

para cobrar do governo o cumprimento dos

seus compromissos com a Reforma Agrária.

Page 9: Jornal Sem Terra - edição 311

10 JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011

MST lança campanha nacional para discutir e denunciar o fechamento de escolas no campoREALIDADE BRASILEIRA

COORDENAÇÃO NACIONAL

A ATUAL CONJUNTURA da luta pelaReforma Agrária passa pela necessidadeda defesa da educação pública brasileira.Dessa forma, este debate emerge dosdesafios que temos em relação ao acessoe à organização da educação nosacampamentos e assentamentos das áreasde Reforma Agrária, agricultura familiare camponesa, neste momento de disputade projeto de sociedade.

No campo brasileiro, existemmilhares de crianças, jovens e adultos quetêm seus direitos fundamentais negadospelo Estado, dentre os quais: terra,trabalho, habitação, saúde e educaçãobásica. Um dado alarmante é que, nosúltimos anos, mais de 24 mil escolas docampo foram fechadas, em uma realidadeonde a maioria das escolas que existemestão em condições precárias. O MST, apartir da luta pela terra, tem demonstradoo potencial de organização quando aliaestes direitos fundamentais a um projetopopular dos trabalhadores. É nossaresponsabilidade dar visibilidade a estasquestões e construir lutas que visem agarantia destes direitos básicos.

Adiante, destacamos os dados daPNAD (Pesquisa Nacional por Amostrade Domicílios), do IBGE (InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística)2009, do Censo Escolar do INEP/MEC(2002 a 2009), e da Pesquisa de Avaliaçãoda Qualidade dos Assentamentos daReforma Agrária INCRA (2010).

A realidade da educação brasileira éainda de 14,1 milhões de analfabetos, oque corresponde a 9,7% do total dapopulação com 15 anos ou mais deidade. Um em cada cinco brasileiros éanalfabeto funcional, ou seja, lê eescreve, mas não consegue compreender,interpretar ou escrever um texto.

No Nordeste brasileiro, 18,7% dapopulação é analfabeta. São mais de setemilhões de pessoas. Entre as pessoascom mais de 15 anos consideradosanalfabetos funcionais no Brasil, maisde um terço vivem no Nordeste e,destas, mais da metade vivem no meiorural. A média de anos de escolaridadedas crianças e jovens entre 10 e 16 anos,no Nordeste, é de 4,4 anos. Os dadosapontam para as disparidades regionais,sendo que o Norte e o Nordeste do paísconcentram os piores índices sociais.

A Pesquisa de Avaliação da Quali-dade dos Assentamentos de ReformaAgrária no Brasil – PQRA, realizadapelo Incra em 2010, no que se refereà educação, aponta os seguintes in-dicadores:

• O Brasil tem 923.609 famíliasvivendo em 8.763 assentamentos,numa área de 75,8 milhões dehectares.

• Deste contingente populacional,15,58% não foram alfabetizados;42,27% cursaram apenas até a 4ªsérie; 27,27% concluíram o ensinofundamental; 7,36 % fizeram umaparte do ensino médio e 6,04%

concluíram a Educação Básica(nível fundamental e médio).

• Os piores indicadores estão nasregiões Nordeste e Centro-Oeste,seguidas da região Norte.

• No Nordeste, o índice de nãoalfabetizados é de 18,41%,noCentro-Oeste de 13,86% e noNorte é de 11,06% .

• Em todas as regiões do País, ametade da população, em média,tem apenas 4 anos de escolaridade.Um quarto da população conclui oensino fundamental.

• Metade da população assentada,em média, tem entre 11 e 40 anos,portanto, em plena idade deformação, laboral e intelectual.

Trata-se, portanto, de uma realidadecriada pela negação da escola àspopulações do campo, que continua ase repetir. Ou seja, não é um fenômenode décadas passadas, mas do presente.

Tomando como referência os dadosdo Censo Escolar, INEP/MEC,constatamos que:

• No meio rural, no ano de 2002,existiam 107.432 escolas. Já em2009, o número deestabelecimentos de ensino reduziupara 83.036, significando ofechamento 24.396estabelecimentos de ensino, sendo22.179 escolas municipais.

Isso representou, nas regiões Sul eCentro-Oeste, uma redução de mais de39% do total de estabelecimentos deensino no meio rural, seguidas pelaregião Nordeste 22,5%, Sudeste 20% eNorte 14,4%. Somente na regiãoNordeste isso significou o fechamentode mais de 14 mil escolas, ou seja, maisda metade do total de estabelecimentosforam fechados em sete anos.

• O número de matrículas no meiorural, nos referidos anos, reduziude 7.916.365 para 6.680.375educandos, representando umnúmero de 1.235.990 que estãosem escola ou que foram obrigadosa estudar na cidade.

Estes dados nos levam a constatar que,embora haja a nucleação intra-campo, que

pode ser uma solução, a maioria dasescolas foi fechada de forma arbitrária,sem levar em consideração as discussõesdos movimentos sociais e toda alegislação que garante o acesso universalà educação básica. Também fica evidenteque nossa ação deve ser local, visto quea maioria das escolas fechadas pertenceà rede municipal, mas sem perder devista que devemos responsabilizar efazer o Ministério da Educação darrespostas sobre o fechamento de escolas,exigindo o não fechamento de escolas edando condições para a construção denovos estabelecimentos.

Tendo em vista o grande númerode fechamento de escolas, principal-mente no campo, estamos lançandouma campanha nacional para dis-cutir e denunciar a situação dofechamento das escolas princi-palmente no campo.

Esta campanha tem o objetivo dedefender a educação pública que seja umdireito de todos os trabalhadores. Paraque isso se concretize, é importantemobilizar comunidades, movimentossociais, sindicatos, enfim toda asociedade para se indignar quando umaescola for fechada e lutar para mudaresta realidade.

Alguns pontos de reivindicação dacampanha:

• as escolas devem estar perto dasresidências dos estudantes;

• as escolas devem ser nucleadas nopróprio campo;

• o transporte escolar não ésuficiente para resolver oproblema da falta de escolas nocampo. As escolas do campodevem ser no campo;

• as escolas do campo devemter todos os níveis e modalidadesde ensino;

• o MEC deve ter uma ação paragarantir, nos estados e municípios,a construção de escolas;

• as escolas devem ser construídascom áreas de esporte, cultura, lazere informática;

• as esferas do Poder Executivo,Legislativo, o MinistérioPúblico, Conselhos de Educaçãodevem barrar imediatamente oprocesso sistemático defechamento das escolas.

Fechar escola é crime!

População do campo é mais excluída do direito de estudar

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Page 10: Jornal Sem Terra - edição 311

11JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011

“E qual a missão básica do Incra? É fazer a Reforma Agrária”REALIDADE BRASILEIRA

JADE PERCASSI

PARA A PÁGINA DO MST

O DIRETOR HONORÁRIO vitalício daConfederação Nacional dos Servidores doInstituto Nacional de Colonização eReforma Agrária (Cnasi), José VazParente, vê com preocupação a propostareestruturação do Incra, em discussão noMinistério do Desenvolvimento Agrário.

As mudanças defendidas pelo minis-tério, de acordo com nota da direção daCnasi, representariam a extinção do Incraenquanto instrumento para a imple-mentação da Reforma Agrária.

“Queremos chamar a atenção das auto-ridades, do governo Dilma principalmente,para que se tenha cuidado, atue com maisseriedade e faça as mudanças que precisamser feitas”, afima Parente. Tais mudançasvêm sendo discutidas no âmbito do grupode trabalho coordenado pelo ministério quediscute a nova estruturação do Incra,instaurado a partir da pressão dos servidores.

Para ele, as mudanças necessárias parao Incra devem ter como orientação seufortalecimento enquanto instrumento derealização da Reforma Agrária. Há ele-mentos da proposta do MDA, segundoParente, que fazem parte de um processoem andamento desde o governo do presi-dente José Sarney de desmantelamento edesestruturação do Incra. Abaixo, leia trechosda entrevista concedida à Página do MST.

Dentro do MDA, circula umdocumento que deve servir de base parauma reestruturação do Incra. Quais aslinhas gerais dessa proposta?

Parente - Esse documento sinaliza parapossíveis ajustes, dentro de uma visãorestrita, circunscrita a determinado grupode dirigentes e técnicos que atuam noMinistério de Desenvolvimento Agrário.A iniciativa, até onde a conhecemos, si-naliza para uma espécie de centralização,de concentração de poderes, em termosde gestão administrativa. Isso pode terefeitos positivos por um lado, e negativopor outros, até por esse tipo de iniciativanão se coadunar com uma acepção deadministração moderna. Nós temos queter uma administração que seja de fatodescentralizada, no sentido de reforçaras unidades de base que têm por incum-bência executar as ações da instituição.Uma estrutura que permita uma parti-

cipação maior dos agentes que a integram,no caso, os servidores do Incra, quantoem termos verticais como horizontais.Uma estrutura que seja mais democrática,que sinalize para uma inserção tambémde maneira mais interativa e orgânica dasrepresentações dos trabalhadores.

Essa proposta foi debatida com osservidores do Incra?

É uma iniciativa que não foi tratada arigor nem sequer com as representaçõesdos servidores a da instituição a queminteressam essas mudanças. E muitomenos com as representações dostrabalhadores rurais, no caso o públicobeneficiário das ações de ReformaAgrária e ordenamento fundiário.Portanto, por uma questão de princípio,não podemos admitir que sob umgoverno democrático popular essasquestões passem ao largo de qualquerdiscussão, à revelia de um tratamentomais aprofundado, com os principaisprotagonistas da história e da própriamissão desta instituição - de um lado, osservidores que a integram, e de outro, ostrabalhadores rurais que representam oseu público beneficiário.

O que mudou no Incra do começo dogoverno Lula pra cá?

O Incra, antes do início do primeiromandato do Lula, tinha um passivo emtermos de famílias assentadas, em tornode 300 mil famílias. E na época o Incratinha uma estrutura em termos derecursos humanos não muito diferenteda atual, praticamente o mesmoquantitativo de pessoas. No entanto, suasdemandas nesse período foram mais doque quadruplicadas. Portanto, o

incremento de recursos que tivemos -tanto em se tratando de orçamento, emtermos de recursos financeiros, comorecursos humanos e materiais - em muitopouco ou quase nada alterou essecoeficiente que possuíamos há oito anos.Não mudou a relação entre servidor epopulação assistida, de recursosfinanceiros por família assentada. Asintervenções ficaram muito concentradas- não muito diferente dos governos queo antecederam - nas terras de naturezapública. Isso em nada altera a realidadeem termos de concentração excessiva dapropriedade rural no país, como revelamos dados do Censo Agropecuário de2006. No entanto, não podemosdesconsiderar que apesar da situação deinsuficiências, sobretudo no que dizrespeito aos serviços sociais básicos, naparte de infraestrutura e de créditos, houvesim algumas melhorias, mas são avançosque estão muito aquém do necessário.

Quais os desafios parao Incra atualmente?

O Incra hoje para além do público poten-cial, em se tratando das ações de ReformaAgrária que perfazem para mais de trêsmilhões de famílias, tem um passivo daordem de quase um milhão de famíliasassentadas. Parte dessas famílias aindapadece da insuficiência ou ausência dosditos serviços sociais básicos, o que nospermite dizer que, em que pese elas teremconquistado o bem mais importante àpromoção da sua inclusão social e cidada-nia que é a terra, o Estado ainda perma-nece bastante ausente e agindo de formamuito incipiente no que diz respeito aoprovimento dos seus direitos fundamen-tais, a exemplo da educação, da saúde,

da tecnologia adequada apropriada a queprosperem e evoluam em termos daorganização social da produção.

O que levou a Cnasi a apontar em notaque está em curso um processo de“extinção do Incra” como órgão executordas políticas de Reforma Agrária?

Creio que estes sejam apenas elementosmais visíveis de um processo crônico dedesmantelamento, de desestruturaçãopelo qual essa instituição vem passandodesde a inauguração da nova repúblicaaté a atualidade. Queremos chamar aatenção das autoridades, do governoDilma principalmente, para que se tenhacuidado, atue com mais seriedade e façaas mudanças que precisam ser feitas. Nósprecisamos de estrutura de serviço quereúna todas as condições necessárias paraque se cumpra de maneira satisfatóriacom a sua missão. E qual é a missãobásica do Incra? É fazer a ReformaAgrária, resgatar a cidadania roubada nãoapenas dos trabalhadores rurais sem terra,mas das comunidades tradicionais demodo geral aqui habitam.

O que vocês propõem para qualificara atuação do Incra para avançarefetivamente na democratização doacesso à terra?

Uma das primeiras formas seria eviden-temente se fazer um diagnóstico por de-mais preciso acerca dessas necessidades,não desconsiderando que as ações doIncra interagem com outras políticaspúblicas de outros setores que têm inser-ção no meio rural. O Incra não pode servisto como uma organização que tenhapor obrigação suprir todas as necessidadesdecorrentes da implementação dos proje-tos de assentamento dentro de um progra-ma de Reforma Agrária, ou mesmo emse tratando daquelas políticas concernen-tes ao processo de ordenamento da estru-tura fundiária do nosso território. Noentanto, o Incra tem por competênciaprincipalmente implementar as açõesbásicas inerentes à Reforma Agrária, nosentido de corrigir as distorções em ter-mos de concentração excessiva da pro-priedade e distribuir de uma forma maisequânime essa propriedade. Para isso,evidentemente o governo tem que sabero tamanho da Reforma Agrária que exigea realidade desse país.

Mudanças no Incra preocupam servidores

Trabalhadores rurais e servidores não foram chamados para debater reestruturação do órgão

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12 JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011

Quase dois anos depois do golpe, população articula projeto para o paísINTERNACIONAL

FELIPE CANOVA

COLETIVO DE CULTURA

PASSADOS QUASE dois anos do golpede Estado, Honduras vive uma intensa lutade classes, com a perspectiva de mudançasconcretas para a classe trabalhadora. Aresistência do povo hondurenho ao golpe,que tem na Frente Nacional de ResistênciaPopular (FNRP) a sua máxima expressão,busca no momento atual construir suaproposta política para refundar o país,articulando um processo que permitasuperar os estragos de sucessivos governosnas mãos da oligarquia local e dapermanente intervenção norte-americana.

O golpe civil-militar, ocorrido em 28de junho de 2009, naufragou o país emuma intensa crise social, política, econô-mica e cultural, em que os setores popularesdo campo e da cidade são os mais afetados.Planejado pelas dez famílias que mandamno país juntamente com a CIA e a embai-xada estadunidense, o golpe teve comoefeito colateral inesperado para as elites aresistência massiva dos hondurenhos.

Inicialmente essa resistência se articu-lou na defesa do presidente deposto ManuelZelaya – mais conhecido entre o povocomo “Mel” – e na retomada do processode mudanças na Constituinte do país,mudanças estas que foram o pretexto parao golpe. Entretanto, mesmo com 150 diasde marchas e mobilizações populares nãofoi possível garantir o retorno do presidenteao cargo, e ele partiu para o exílio naRepública Dominicana no fim de 2009.

Líder do Partido Liberal, Zelaya per-tencia ao mesmo partido de Roberto Mi-cheletti, presidente do Congresso Nacio-nal na época do golpe, que assumiu opoder após a expulsão de Zelaya, levadode pijama pelos militares. Conhecido pelaresistência como “Goriletti”, juntamentecom los chepos e los chafas (polícia eexército), deram início a uma repressãobrutal ao povo que se organizava nas ruas.Contudo, não era apenas Micheletti queconsiderava Zelaya um peixe fora d’águadentre os liberais, pois suas iniciativascomo o aumento do salário mínimo, ofreio às privatizações, o tensionamentodas relações com os EUA – questionandoclaramente a presença militar ianque emterritório hondurenho – e, principalmente,a adesão à ALBA, levaram a umacorrelação de forças em seu grupo políticomuito desfavorável.

A crise se aprofundacom Pepe Lobo

O governo golpista de Micheletti nãoteve o reconhecimento internacional, nemmesmo dos Estados Unidos, portanto pre-cisou apressar a convocação de novas elei-ções. Porfirio “Pepe” Lobo Sosa foi eleitopelo Partido Nacional, tradicionalmentemais conservador, com o discurso de umgoverno de unidade nacional. A resistência,entretanto, denunciou a abstenção de maisde 60% da população ao pleito, o querepresentou uma clara rejeição popular àtentativa de legitimar o golpe.

Em 2010 assume Pepe Lobo, mas adinâmica da sociedade pós-golpe seagudiza: crise intensa, descrédito nasinstituições do Estado, repressão eviolações dos direitos humanos. Aeconomia vive uma situação similar a deum embargo, pois o não-reconhecimentodo regime por muitos países e instituiçõescomo a Organização dos EstadosAmericanos (OEA) diminui o ingresso deauxílio financeiro internacional e as trocascomerciais. Os alimentos, em boa parteimportados, estão em constante alta depreços, assim como os combustíveis. Ocorte do convênio Petrocaribe, ligado àALBA, acarretou um aumento de 20%no custo da gasolina, por exemplo.

Na arena política, o governo de LoboSosa recebe pressão da esquerda, com ocrescimento da FNRP nos seus calca-nhares, e também da ultra-direita, quenão aceita seu discurso conciliador e aperspectiva de retorno de Zelaya. Seugoverno, sob pressão da oligarquia quede fato controla o Estado, reprimiu dura-mente a resistência em seu início, e pos-

teriormente foi migrando para uma re-pressão “sistemática”, eliminando qua-dros da luta popular aos poucos, inclusivesob a alegação de que esses crimes seriamdecorrentes da violência urbana, queassola as cidades em todo o país.

Um exemplo desse tipo de repres-são é o assassinato de dez jornalistasno ano passado, todos vinculados aosmeios de comunicação alternativos,numa violação evidente ao direito daliberdade de expressão.

Reconstrução

Durante o ano passado, a FNRP, comseu coordenador-geral Manuel Zelaya noexílio, concentrou suas forças em articularuma Assembleia Constituinte Popular.Foram coletadas mais de 1.300.000assinaturas, o que corresponde a um sextoda população de Honduras. Esse enormeprocesso de mobilização popular, somadoà permanente luta nas ruas das diversascategorias de trabalhadores organizados,

contribuiu na consolidação da Frente comouma força política inquestionável nocenário hondurenho.

Como consequência deste acúmulo,este ano a FNRP realizou, em fevereiro, aAsamblea Mártires Campesinos de Aguan,com mais de 2 mil delegados provenientesde 19 estados (18 do território de Hondurase uma representação dos migrantes nosEUA e Canadá que participam daresistência). Numa demonstração deunidade em torno da urgente refundaçãodo país e da necessidade de derrotar o atualregime, as diversas forças que compõema Frente debateram os caminhos de comoconstruir e chegar ao poder - se pela viaeleitoral, cujo processo se dará em 2013,ou se pela via insurrecional.

A definição construída na Assembleiafoi de que nesse momento não há condiçõespara a resistência participar de eleições.Para que isso ocorra, a Frente reivindica oretorno ao país de Manuel Zelaya e detodos os exilados, a convocatória de umaAssembleia Nacional Constituinte, umareforma da lei eleitoral e mudanças noTribunal Superior Eleitoral. O processode convocatória da Constituinte viráacompanhado de uma grande paralisaçãonacional, que pressione o governo golpistaa aceitar o retorno de Zelaya.

A Frente, enquanto uma amplaarticulação de forças sociais e políticas, temcomo desafio manter aceso o ânimo doslutadores e lutadoras do povo hondurenho.Na medida em que avança gradualmentena sua concepção de projeto para o país,demonstra em sua prática que vemconstruindo poder popular através da lutano campo e na cidade, o que nos leva crerna perspectiva de um novo horizonte paraclasse trabalhadora de Honduras.

Honduras: da resistência à refundação

Frente de Resistência organiza assembleia com mais de 2 mil delegados, em fevereiro

Poder popular vem sendo construído através da luta no campo e na cidade

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13JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011

“Era a Revolução. Era em versos. Versos e Revolução ficaram ligados na minha cabeça”LUTADORES DO POVO

CECÍLIA LUEDEMANN

JORNALISTA E ESCRITORA

POETA MAIOR da classe trabalhadorado mundo inteiro, Vladimir Maiakovskipassou pela vida tão rápido e tão brilhantecomo um cometa. Viveu intensamente 36anos e colocou no céu da nossa memória aarte livre como nossos desejos e afiadacomo uma faca amolada. Quem entrassepela porta de sua poesia, se surpreenderiacom um jeito novo de ver o mundo, comnovas palavras, novos versos, novos temas:as lutas nas ruas, nos campos, nas fábricas.Era o nosso mundo que nascia, entrecombates de rimas, anunciando a vitóriada classe trabalhadora.

Vladimir nasceu na aldeia de Bagdali,na Geórgia, em 1894, dominada peloImpério Russo. Viveu a infância e aadolescência no campo, filho de umguarda florestal. Recorda-se de suasprimeiras lições com os primos: “Erapreciso contar as maçãs e as perasdistribuídas. Ora, eu sempre ganhei esempre dei frutas sem contar. No Cáucaso,as frutas estão à disposição de todos.”

A vida na comunidade camponesa e asua solidariedade, no entanto, sempre eraabalada pelos grandes fazendeiros, peloEstado e pela Igreja. Por isso, um meninodo povo não poderia continuar seus estu-dos, como conta em suas memórias, sobrea reprovação no exame de admissão aoginásio, por causa do significado de umapalavra, oko, que em eslavo antigo queriadizer olho: “Foi por isso que comecei aodiar tudo o que é velho, tudo o que éeslavo, tudo que é igreja. É possível queesteja aí a origem do meu futurismo, domeu ateísmo, do meu internacionalismo.”

A arte aparece na vida do jovemMaiakovski junto com as lutas dos trabalha-dores russos no ensaio geral da revolução,em 1905: “Era a Revolução. Era em versos.Versos e Revolução ficaram ligados naminha cabeça.” As transformações políti-cas mostraram um novo caminho a Vladi-mir e seu coletivo de artistas: tudo poderiaser transformado e todas as linguagensexperimentadas, sem fronteiras, sem seguiras antigas normas burguesas. Poesia,pintura, teatro, cinema. A luta de classes,o enfrentamento com o patrão, no campo,na fábrica, nas ruas, ensinaram que a arteé épica, é lutadora e sem fronteiras.

Aos 12 anos de idade, Vladimir jáparticipava de manifestações e reuniões.

Ao ver o massacre do Estado contra opovo no chamado “domingo sangrento”,lembra-se das primeiras greves no ginásioe das primeiras leituras de textosrevolucionários: “Mas, já nesta época, semleitura, nós compreendíamos para que ladoir, em que grupo lutar.”

Aos 15 anos, Vladimir decide abando-nar os estudos e entrar para o Partido Social-Democrata, na facção bolchevique, coma liderança de Lênin e Trótski. É presopela primeira vez, acusado de fazerpanfletos em uma tipografia clandestina,e outras vezes mais será preso ao auxiliarna fuga e no esconderijo de militantesperseguidos pelo Estado Czarista.

Na prisão, leu os livros mais conheci-dos da literatura internacional e decep-cionou-se. Ali não estavam os personagensdo novo mundo, nem suas lutas. Ao sairda prisão, decidiu estudar e criar o novo.Estuda na Escola de Belas Artes, mas alitambém descobre que os inovadores sãoperseguidos. Conhece David Burliuk ejuntos iniciam os novos caminhos da arterevolucionária russa, também conhecidacomo futurismo russo. Unem-se aos pintoresdo movimento cubo-futu-rista e escrevem o manifestoUma Bofetada no Gosto doPúblico, em 1912.

Vladimir aprendeu atrabalhar a poesia comoo artesão que faz e refazsua obra, escrevendo ereescrevendo cada pala-vra. Em 1913 nasce opoema Balalaica.

Novas palavras, novo ritmo, novasideias. A arte era uma experiência liberta-dora. Era também um ensaio, um convite àderrubada da burguesia e a construção dopoder proletário. Por isso, fugia da biblio-teca, das salas de espetáculo, direto para asruas. Os artistas cubo-futuristas trans-formavam seu cotidiano em manifestaçãocontínua, não andavam nas ruas, marcha-vam, com roupas-arte, com os rostospintados,sérios, gritando versos. Maiakovskificou conhecido como o poeta da blusaamarela, como escreveu em seu poema:

“Atirem os seus sorrisos ao poeta,que eu vou costurá-los,como se fossem flores,na minha blusa amarela!”

Em 1913 inicia sua criação teatral comos temas da luta contra a exploração. Apoesia e a pintura cubista se unem no palcodenunciando a alienação do capitalismo,das mercadorias e das ferramentas dotrabalho que dominam o trabalhador:

“Objetos sem alma sobre o sol dascidades

se proclamam nossos mestres eavançam em nossa direçãopara nos destruir.

É preciso massacrar osobjetos!

Em seus carinhos eutinha razão em descobriro inimigo!”

Nos anos seguintes a1914, Vladimir conhecea guerra, a batalha no

campo das artes e o amor, viajando pelaRússia. Um amor impossível, a LiliIurevna Brik, esposa do amigo Ossip M.Brik, com quem fará a revista LEF(Frente de Esquerda), que moverá suapoética, tão fortemente quanto a luta nocampo da arte e quanto da política. Amore Revolução. Vida e morte. Semprejuntos e sempre um se alimentando dooutro. Quanto mais vitória, maisesperanças ao amor. Quanto maisderrota, mais difícil de encarar a solidão.

Do triunfo da revolução, em outubrode 1917, ao seu trágico suicídio em 14de abril de 1930, Vladimir Maiakovskitornou-se o propagandista do socialismoe o crítico do stalinismo. E anuncia asua mais fértil fase de criação, o encontrocom a classe trabalhadora: “A orientaçãopara as massas faz mudar todos osmétodos de nosso trabalho poético.”Falar para uma grandiosa quantidade decamponeses e operários em tão poucotempo não seria possível com livros eteatros. Então, Maiakovski descobre ocinema, uma nova concepção de mundoe também participa como ator e roteiristade filmes de agitação e propaganda,como “Para o Front!”.

Na noite trágica de 14 de abril,escreve um poema despedida, o amorhavia sido vencido por tantas derrotasàs perseguições stalinistas. ParaMaiakovski, a morte foi uma alternativade vida, com tanta morte ao seu lado. Osonho suicida de que falaria aos vivosdepois de morto:

“Como se diz, o incidente está encerradoA canoa do amor se

quebrou na vida cotidianaNós estamos quites com você

Não há porque recordarAs dores as desgraças

os erros recíprocosVeja que silêncio existe sobre o universoA noite cobriu o céu de tantas estrelas

Em horas como essa a gentese ergue a gente fala

Aos séculos à História ao universo...”

Camarada Vladimir Maiakovski, seusversos estão mais vivos do que nunca, doEgito ao Japão, do Brasil aos EstadosUnidos, um rumor que se transforma emcanção, em protesto e toma as ruas domundo. Somos nós, camarada, a classetrabalhadora que te saúda em cada batalha.

Maiakovski: poeta da classe trabalhadora

Balalaica(como um balido abalaa balada do bailede gala)(com um balido abala)abala (com um balido)(a gala do baile)louca a balalaica.

Artista viveu intensamente seus 36 anos

Inter

net

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14 JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011

Pó de pirlimpimpim e porviroscópio são algumas das criações do autorLITERATURA

MARCIA CAMARGOS

JORNALISTA E ESCRITORA, TEM MAIS DE 20

LIVROS PUBLICADOS, ENTRE ELES “MONTEIRO

LOBATO: FURACÃO NA BOTOCÚNDIA”

A TURMA DO Sítio do Picapau Ama-relo vem, há décadas, povoando a imagi-nação de sucessivas gerações. Desde olançamento de “A menina do narizinhoarrebitado”, de 1920, o “pai” de Emília(1882-1948) não parou de publicar aven-turas para crianças com nossas paisagense nossa gente. No ambiente rural do Sítiodescobrimos personagens cosmopolitasque viajam para o passado e o futuro,sem perder o frescor da roça. Espaço mul-tiétnico e multicutural, a casa de DonaBenta converte-se no exemplo da convi-vência harmoniosa, numa pluralidadeinvejável nos dias correntes marcados pelaintolerância. Ali os horizontes ampliam-se e o sistema solar inteiro cabe dentroda sala, num movimento dialético deenraizamento regional e pertença univer-sal. Com o pó de pirlimpimpim, ingre-diente mágico catalisador da fantasia, osnetos de Dona Benta, a boneca de pano,o Visconde de Sabugosa e Tia Nastáciapasseiam pelos céus, visitam a Gréciaantiga, enfrentam monstros mitológicose, acima de tudo, divertem-se a valer.

Em “A chave do tamanho”, uma ale-goria contra a guerra, Emília percorrecidades, países, troca ideias com presiden-tes e sábios e por um triz não acaba coma civilização. O ponto alto está no seuencontro com o temido Adolf Hitler.Conhecido pela extrema crueldade, o

ditador nazista escuta de bico calado amaior bronca da sua vida: “Quem falaagora sou eu”, avisou ela. “Quero todosmuito direitinhos e humildes”.

Homem de múltiplas facetas, estepaulista de Taubaté teve uma atuação queextrapolou o universo da literatura infan-to-juvenil, gênero em que foi pioneiro.Engajando-se em campanhas para fazerdo Brasil um país moderno, com distri-buição de riqueza e inclusão social, Mon-teiro Lobato apostou na prospecção dopetróleo, na indústria siderúrgica e naabertura de estradas. Mas sua atitude emdefesa da soberania nacional feria inte-resses poderosos, rendendo-lhe processose uma condenação a seis meses de cadeiano governo de Getúlio Vargas, em 1941.

Produção engajada

Para além das suas batalhas em proldo desenvolvimento, e da criação dasincríveis figuras que saltaram das páginaspara a TV, viraram letra de música edesenho animado, ele também deixouuma vasta obra para adultos. Em suamaioria, fruto da compilação de artigosde jornal, crônicas, entrevistas, prefáciose contos publicados na imprensa doperíodo, além de cartas remetidas à esposa,Purezinha, e a numerosos amigos, dentreos quais Godofredo Rangel. Com o cole-ga da Faculdade de Direito, que se tornoujuiz em Minas Gerais, manteve um longodiálogo epistolar. Discutiam artes,política, economia e, claro, literatura, ofoco central de ambos. Recheada de

reflexões sobre os mais variados temas,esta correspondência, que excedeu quatrodécadas, seria enfeixada em “A barca deGleyre”, um riquíssimo painel de época.

Já “O Sacy pererê, resultado de uminquérito”, de 1918, resgatava a figura dosimpático mito do folclore verde-amarelo,colocando a discussão sobre a necessidadede cultivarmos a cultura popular contra ainvasão predatória dos estrangeirismos.“Cidades mortas” e “Onda verde”, entreoutros, reúnem contos que revelam asentranhas de um Brasil profundo e poucovisitado pelos intelectuais.

Um terceiro título, lançado em 1923,após o estrondoso sucesso de “Urupês”,desnuda os bastidores da sociedadepatriarcal. Em “Negrinha”, que dá nomeao volume, aflora o crítico que expõe acrueldade da patroa endossada pela hipo-crisia do vigário. De um lado, a virtuosadama, esteio da religião e da moral, “gor-da, rica, dona do mundo, animada dospadres, com lugar certo na Igreja e cama-rote de luxo no céu”. De outro, a vítimaatrofiada, com os olhos eternamenteassustados. “Órfã aos 4 anos, por ali ficoufeito gato sem dono. Levada a pontapés”.

Sagaz contador de histórias, Lobatotem um único romance. Assim mesmo“O presidente negro” saiu antes comofolhetim no jornal “A Manhã”, do Riode Janeiro. Escrito em 1926, meses antesdele partir para Nova Iorque como adidocomercial junto ao consulado brasileiro,prevê, pelas lentes do “porviroscópio”,um futuro interligado por infovias, apóso homem ter “aposentado” a roda. O livro

Por que ler Monteiro Lobato

“Pai” de Emília defendia o desenvolvimento nacional

intriga pela atualidade, pois o enredotambém fala da disputa entre uma mulherbranca e um afro-descendente nas eleiçõespresidenciais norte-americanas, quandoo feminismo engatinhava e as lutas pelosdireitos civis e igualdade racial nãohaviam despontado nos Estados Unidos.

O exemplo maior da produção enga-jada de Lobato é Jeca Tatu, que se torna-ria seu personagem-símbolo. Nascido em1914 no artigo “Urupês”, para o jornal“O Estado de S. Paulo”, Jeca era pregui-çoso e indolente. Esta imagem seria re-formulada quando Lobato entrou contatocom Saneamento do Brasil, de BelisárioPena e Artur Neiva, sobre as endemiasque infestavam a população. Assim, seem 1914 o autor pintava o caboclo comopreguiçoso e indolente, graças àspesquisas médicas ele descobre que suaapatia advinha do subdesenvolvimento,da fome e da exclusão.

No início da década de 1930, de voltados EUA, Lobato escreveu um livreto paraa Editorial Vitória, em 1947. Nele, narrao sonho sobre um lugar onde ostrabalhadores do campo seriam donos daterra, plantando e colhendo os frutos desua labuta. A história de Zé Brasil começavacomo a de milhares de brasileiros:

“Zé era um pobre coitado que sempreviveu em casebres de sapé e barro,de chão batido e sem mobília. Nocanto, uma espingarda, o poted’água, a sela gasta, o rabo de tatu,o facão, um santinho na parede. (..)Tomava o café ralo com farinha demilho quando tinha e ia para a roçapegar no cabo da enxada. (...). A lutaera brava, pois o mato teimava emtomar conta das plantações. (...) Zéera agregado na Fazenda Taquaral.Plantava milho e feijão numa grotado coronel Tatuíra. Para o dono daterra era o melhor negócio do mundo,pois sem fornecer nem uma foice ousemente, levava meia colheita, ametade gorda... (...) E Zé pensava que,se fosse dono de dez ou vintealqueires, tudo mudava. (...) Se os quesofressem por falta de terra, num paísgrande como o nosso, se unissem, asituação mudava. E acabava de umavez com isto de uns poucos teremtudo e a maioria não ter nada”.

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Para não esquecerAbril

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“Da educação da mulher depende aeducação do homem, particularmente o

homem do povo (...) Reclamo direitos paraa mulher porque todas as desgraças do

mundo procedem do esquecimento edesprezo com que ela tem sido tratada.”

O medo das reformas que o presidenteJoão Goulart vinha anunciando levou osmilitares a efetuar o golpe. As forçasarmadas deflagraram uma onda deprisões pelo país, começando peloscamponeses e operários organizados,fecharam sindicatos e associações detrabalhadores. Começam as práticas detorturas, provocando a morte de muitostrabalhadores e trabalhadoras;manifestações nas ruas eram reprimidasa bala e muitos lutadores foram exilados.O regime militar chega oficialmente aofim com a eleição de Tancredo Nevespara presidente, em 1984.

AUTOR: Clifford Andrew WelchEDITORA: Expressão Popular(www.expressaopopular.com.br)

Em Santa Fé do Sul, no noroeste do Estadode São Paulo, o conflito entre mais de 800famílias de camponeses - muitas delasnuma situação de total miséria- ameaçadasde expulsão por um poderoso latifundiárionão era diferente dos milhares de conflitosque pipocavam por todos os cantos do país.Foi nessa luta que surgiu a figuralendária do “Fidel Castro sertanejo”, Jofre

Correa Netto, o capitão camponês queorganizou a defesa dos camponeses,quando o latifundiário, para agilizar adesocupação das terras.

Jôfre Corrêa Netto - capitãocamponês (1921 a 2002)

1º Golpe militar no Brasil, 1964

4 Assassinato de Martin Luther King,líder pacifista e contra o racismoestadunidense, 1968

7 Nascimento de Flora Tristan, 1803.Uma das precursoras domovimento feminista

16 Maior comício pelas Diretas Já:1 milhão e 500 mil pessoasem São Paulo, 1984

Foi a maior manifestação pública dahistória do Brasil. O país vivia sob aditadura militar e os direitos políticosestavam restringidos por diversos AtosInstitucionais, entre eles as eleiçõesdiretas para presidente. As eleiçõesdiretas viriam apenas em 1989, depois deaprovada a Constituição Federal de 1988.

17 Massacre de Eldoradodos Carajás, 1996

17 Dia Internacional de Luta Camponesa

17 Chegada em Brasília da “MarchaNacional por Reforma Agrária,Emprego e Justiça”, 1997.

20. Assassinato de Galdino Jesus dosSantos, indígena da nação Pataxóhã-hã-hãe, 1997

21 Enforcamento de Tiradentes, 1792.Joaquim José da Silva Xavierganhou o apelido Tiradentes por suaprofissão de dentista. Participa deum processo de agitação em VilaRica (MG) a favor da independênciada província. Em 1789, o Movimentopela Independência foi delatado.Tiradentes assume sozinho aresponsabilidade do movimentorepublicano. Seu corpo éesquartejado e pedaços sãoespalhados pela estrada de VilaRica. Sua cabeça é colocada numagaiola e exibida num poste nocentro da cidade.

Em memória dos lutadores mortosem Carajás, o MST organizou umamarcha de mil quilômetros,reivindicando Reforma Agrária,emprego e justiça. Após dois mesesde caminhada, trabalhadores etrabalhadoras chegam à capital doBrasil recebidos por trabalhadoresurbanos, estudantes e sindicatos,reunindo 100 mil pessoas aoadentrar a cidade.

ERRAMOS: Na edição do JST 310, afoto de Camilo Cienfuegos foi identificadaerroneamente como de Camilo Torres.

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