jornal a parada n.6 - boirboletra

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número seis belo horizonte 2008 a arada p

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Sexta edição do jornal de poesia e literatura A Parada, lançada em julho de 2008, com o apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte.

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Page 1: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

número seis belo horizonte 2008

a aradap

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pjul /2008

edição daniel bilac e valquíria rabelo conselho editorial chico loppes, daniel bilac, deivid junio, flávio gonçalves e valquíria

rabelo textos chico loppes, deivid junio, flávia almeida, jovino machado, luiz edmundo alves, marco anhapoci, marcos

coletta, nicolas behr, tá morelo, valquíria rabelo e wilmar silva revisão textual flávia almeida capa e ilustrações daniel

bilac artista convidado leandro figueiredo projeto gráfico daniel bilac e valquíria rabelo / tiragem 4.000 exemplares

em maio deste ano, durante uma

palestra que integrou o projeto ofício

da palavra, no museu de artes e ofíci-

os, o poeta e agitador cultural chacal

falou, dentre outros assuntos, sobre as

potencialidades da palavra. comparan-

do-a ao boi, afirmou que dela tudo se

aproveita: som, sentido e visualidade.

traduzindo numa só expressão a

relação apontada por chacal, o termo

boirboletra, extraído do poema-livro

anu, de wilmar silva, é o título deste

número seis de a parada. a versatili-

dade da palavra como matéria-prima

é explorada nesta edição por meio da

variedade de autores e linguagens que

aqui convivem, ora de forma

contrastante, ora de forma harmonio-

sa – tal qual anu e boi.

o termo boirboletra refere-se ain-

da, por indução, a um universo simbó-

lico compartilhado pelos trabalhos reu-

nidos nesse número. porém o boi, o

santo, o sol ou a pedra não passam ile-

boirboletra

sos pelo esforço dos poetas em

recolocá-los (ou reconhecê-los) num

outro contexto. ao contrário: através

de uma perspectiva urbana e contem-

porânea, indicam outras direções que

não aquelas que lhes seriam naturais.

e a propósito dos sete anos de sua

publicação em livro, sete fragmentos

de anu são aqui reproduzidos junta-

mente com um trecho da crítica feita

por alécio cunha (publicada no jornal

hoje em dia) à época do lançamento.

revisitando o poema de wilmar e pen-

sando sobre a crítica literária em belo

horizonte e minas, alécio é um dos

entrevistados desta edição.

também conversou conosco o poe-

ta nascido em cuiabá e radicado em

brasília, nicolas behr, representante da

poesia marginal da década de 70. fa-

zendo um rápido passeio por sua obra,

o poeta traça paralelos entre épocas e

gerações. recentemente, nicolas lan-

çou laranja seleta, uma coletânea de

sua produção poética entre 1977 e

2007.

variados como os 21 cortes possí-

veis do boi, os autores que aqui se

apresentam constroem, no conjunto,

essa figura familiar e mitológica, cuja

musculatura é a própria linguagem.

os editores

[email protected]

.2

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.marco anhapoci

penas voando histórias na brisa, minha

camisa pendurada na cerca. o paladar

de meu olho às vezes delira, diz coisas

descabidas como por exemplo: o boi.

o boi é um animal mitológico; não

existe em minha cidade. o

trombamento de dois bois numa

estrada que em verdade está entre

minha nuca e minhas vistas é tão

somente uma idéia e nada mais; meu

bucolismo mora entre fendas na

calçada: quero uma casa no campo ali,

na sombra entre pedras soltas de onde

possa ver, sem esforço, o sol

branqueando as casas, fuzilando as

pessoas; o sol como tudo o que arde

como sol que morde como o sol que é

sol como mil agulhas na pele, nas

vistas. quero as ervas da beira da pista,

o mar que se ergue do asfalto,

elefantes cruzando a avenida e os

cães, como bois no campo, deitados

na esquina onde um dia plantei meus

pés e pensava ter plantado sonhos.

3.

Page 4: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

.4

Page 5: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

Menos miragem, mais vertigem, o

bafo úmido do asfalto sussurra em

seus ouvidos palavras profanas e em-

pedernidas. O verde que lhe resta é o

tom fosco e pálido do lodo igualmen-

te úmido de um canto tanto mais

úmido e escuro que guarda sob escom-

bros seu velho caderno de poesia.

Menos poeira, mais fuligem, folhas

acinzentadas ladeiam estrelas susten-

tadas por fios, ligadas por fios, uni-

das por fios, fios de onde um bem-te-

vi cegado e rouco pouco avista e nada

canta. Os carros passam na frente dos

bois, na frente dos homens, na fren-

te das horas, na frente de tudo. O

andor não é de barro, o andor é de

aço e seiva bruta. O santo é de pe-

dra, o santo é de ferro. O santo não

existe. E a procissão segue muda en-

quanto entre o seu e o meu caminho

vociferam palavras dúbias ao tilintar

de ossos e raízes transpostas e expos-

tas ao sal do meio-dia. Os cães ladram

de medo, ora de dor. Outras vezes,

silenciam de modo abrupto, entreme-

ados por ruídos sufocantes e dióxidos

e monóxidos exalados pela doçura

ácida de seus versos. Nostálgico e dis-

tante, o berrante se anuncia. Desafi-

nado, se aproxima em melodia fúne-

bre, troteando cambaleante entre

becos e ruelas onde seus cavalos não

sabem marchar. Ao norte, uma pluma

avança ilesa o sinal vermelho e so-

brevoa marquises de edifícios enru-

gados, sentados às suas próprias por-

tas, embebidos em lembranças mu-

das que não lançam luzes sobre uma

face perdida entre poeira e obeliscos.

Nessa história não há mais espaço para

mim ou ti, você ou eu. Fatos consu-

mados, debruço meus galhos envelhe-

cidos para que se banhem nas espu-

mas tóxicas daquele mesmo leito

onde, numa ilha deserta de cravos e

lixo, ainda vejo seu sorriso plúmbeo

feito pétalas a esperar que o grito de

um galo silencie o mundo e lhe anun-

cie o nascer do dia.

.chico loppes

5.

Page 6: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

O estilhaço da folha seca de samba sob

meus pés distraídos que seguem iner-

tes e pesados, graves os olhos perma-

necem na imagem anterior atônitos

como se pela primeira olhada o traço

fino ainda escorre pelo meu dorso ten-

so as perguntas parar de se formular

reformula fórmicas a palavra não che-

ga ao céu da boca (suspiro) respiro a

fumaça estagnada na faringe as folhas

detrás indiferentes segundo primeiro.

.6

.tá morelo

Page 7: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

poesia pra morderpedra num verso deuma aresta só .deivid junio

7.

em léguas de sol ar quem te faz bem

eu quero a próxima área as distâncias

entre nós sem pudor na carne bruta

pesada na balança dos braços num abra

aço de bater e ouvir cobre no alto das

torres de minas pra santa catar e na

dor de não ter nada alçar vôo em teus

pulmões e ficar no teu peito pra sem-

pre qual joão em santo pra lá e tanto

eu só quero ter um momento meu sen-

do todo teu minha pedra linda, pedro.

Page 8: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

prenez garde à l’amour .jovino machado

.8

o meu anjo

torto e louco

manca da asa

bom de bola

ponta esquerda

mora na esquina

o meu anjo

toca banjo

numa orquestra de frevo

bom de briga

joga no bicho

faz serenata na lua

o meu anjo

beija o bar na boca

sem cadeira tem colo

intuição e sorte

bom de cama

ama egos e éguas

Page 9: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

o meu anjo

é arcaico

fala aramaico

bom de papo

é moderno

não quer ser eterno

o meu anjo

é menina

esconde meus brincos

e me recita no ouvido

prenez garde à l’amour

tome cuidado com o amor

e eu não tomei

9.

Page 10: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

.flávia almeida

.10

Para onde vai, para onde vai o meu

barco no meio da rua das ondas so-

noras. Para onde vão meus passos,

pés cheios de areia e britas e pedras

ainda maiores no meu sapato, no meu

barco que afunda e navega e eu nado

e você nada. Depressa, depressa.

Para onde vai o seu barquinho de

papel, seu coração de papel

reciclável e tantas vezes rasgado e

jogado no mar. Navega. Eu te encon-

tro e você nem olha. Sinal verme-

lho, verde, amarelo, são tantas as

cores no cruzamento - meu

riachozinho que vai pro seu mar de-

mais. E o seu mar vai, vem, mas nun-

ca sai do lugar. O meu barco naufra-

ga, eu me entrego e você nada.

Page 11: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

.marco anhapoci

e mesmo minha visão indo colher

perfumes para além da serra do tem-

po, ou para além do tempo e da ser-

ra, mesmo minha voz voando em pa-

péis; mesmo coisas sempre serão coi-

sas atadas a essa minha boca que

fede inda mais outras tardes, todas

as tardes de minha vida; minhas pa-

lavras; tudo que cuspi ou engoli; mi-

nha boca fermenta restos de outras

bocas e sujeiras velhas; cheira a fei-

jão e bananas e saudades essa mi-

nha boca fedendo as comidas de ou-

tros dias que só mesmo minha boca

alcança; nunca mais minhas mãos,

meus pés pisando o terreiro de gali-

nhas e canas e abricós apodrecendo

na terra (sua terra entre meus de-

dos) como o alimento que apodrece

nas costas da língua enquanto morre

lentamente o meio dia arrastando as

horas e as preces que estiveram nou-

tras bocas sem serem ditas, que en-

velheceram em meio a coisas, enter-

radas nos dias. meu hálito se exibe

como um pavão de idéias,

11.

Page 12: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

.12

onde .valquíria rabelo

quero uma casa em Belo Horizonte,

c/ vista para Sabará,

1 corredor que dê em São Paulo

e porta dos fundos

para o mar.

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.nicolas behr

nossa senhora do cerrado,

protetora dos pedestres

que atravessam o eixão

às seis horas da tarde,

fazei com que eu chegue

são e salvo na casa da noélia.

13.

Page 14: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

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. marcos coletta

o sol cortando a pedra

o sol salpicando a sombra

minha penumbra pesa

a pedra

minha ferrugem amarela

o sol

Page 15: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

15.

Page 16: Jornal A Parada n.6 - boirboletra

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17.

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Muitos poetas da sua geração também fize-ram e venderam seus livros de forma inde-pendente, tanto é que vocês são chamadosde geração mimeógrafo. Mas o que nós que-remos saber é: vocês se reconheciam comoparte de um mesmo movimento, de umamesma corrente, ou as iniciativas, além deindependentes, eram também isoladas?

Tudo bem, um movimento, mas sem líder.Tudo bem, um movimento, mas sem mani-festo. Tudo bem, um movimento, mas semdogmas e regras. Tudo bem, um movimento,mas movido pelo vento. Tinha de tudo. Sabí-amos que fazíamos parte de um movimentopoético (meados dos anos 70, início dos 80),mas as fronteiras eram assim bem tênues,nada demarcado, entende? Tudo muito sol-to, naquele vale-tudo que tanto engrande-ceu a poesia brasileira no século passado.

Que diferenças e semelhanças você identi-fica entre a Poesia Jovem dos Anos 70 (tí-tulo da antologia de que você fez parte,organizada por Heloísa Buarque) e a pro-dução poética contemporânea?

Produção poética contemporânea? Não exis-te. Ainda. Como que por encanto tudo seatomizou, tudo se pulverizou, tudo explodiu.E isso é bom. Ninguém sabe o que está acon-tecendo, talvez daqui a 30 anos saberemos.Agora, eu digo uma coisa: hoje, maio de 2008,a poesia passa pela internet e não fica. Pas-sa. O blog de hoje é o mimeógrafo dos anos70.

Na orelha de Primeira Pessoa, você diz queseus livros agora são impressos em off-sete que sua poesia começava a merecer tra-tamento melhor. O mimeógrafo maltratavasua poesia?

Olha, a poesia já sofreu muito na minha mão.Olha, e logo a poesia que salvou a minha vidana adolescência. Pode parecer dramático eé. Se estou aqui hoje, respondendo estas

perguntas, é porque aos 16-18 anos comeceia escrever poesia, do meu jeito. Muitos dizi-am que aquilo não era poesia, que os meuslivros não eram livros, que não tinham lom-bada. Precisei abrir o caminho na base daporrada, pra ter o direito de fazer a poesiaque eu queria fazer. Sem pedir autorização,sem pedir prefácio a ninguém.

Em muitos de seus livros, você coloca al-gum elemento associado à sua identidade,como uma fotografia sua, sua digital oumesmo seu umbigo (!). Fale mais sobre isso.

Sim, talvez seja uma das características danossa geração, que começou a escrever nosanos 70, mimeografou seus livros, vendeu demão-em-mão. É essa relação orgânica com oobjeto livro. Uma relação forte mesmo. E

NICOLAS BEHR

PRO QUE DER

E VIER

Nicolas Behr, natural de Cuiabá, Mato Gros-so, vive em Brasília desde 1974. Integranteda chamada Geração Mimeógrafo, publicaseus livros desde 1977. Sua poesia é conheci-da por, dentre outras coisas, ser bastante sim-ples, irreverente e adotar a cidade de Brasíliacomo um de seus temas principais. Nicolasfoi publicitário e hoje é produtor de mudasde espécies nativas do cerrado. Laranja Se-leta, que traz uma seleção de seus poemasproduzidos entre 1977 e 2007, é seu primeirolivro lançado por uma editora, a Língua Ge-ral.

Em maio deste ano, Nicolas concedeu umaentrevista por e-mail a Daniel Bilac e ValquíriaRabelo, do jornal A Parada. Na página seguin-te, está a reprodução da capa de seu livroRestos Vitais, de 2005.

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sempre com uma tentativa de individualizaro livro, dar a ele uma cara. Ok, livro de au-tor.

O Iogurte com Farinha (seu primeiro best-seller) teve 8.000 exemplares vendidos demão-em-mão, numa época em que quasetudo era considerado “material pornográ-fico” pelas autoridades. Além do risco quevocê correu, fazer artesanalmente cada li-vro deve ter demandado muito tempo e tra-balho. Naquela época, quais eram as suasmotivações pra continuar? E hoje?

Ah, essa é fácil de responder: a poesia medava valor. A poesia me dá valor. A poesiasempre me aproximou das pessoas, e eu souum poeta que gosta de gente! Gosto de serlido, gosto de ser entendido. Gosto do con-

tato: [email protected]. A poe-sia é a minha forma de compartilhar minhavida com as pessoas. E gosto. E não vou pa-rar mais. Vou sempre publicar, mesmo achan-do que já estou plagiando a mim mesmo. Mi-nha poesia sempre foi remoção de entulholiterário, para chegar ao poema-diamante,ao poema inexistente.

Em 1978, você foi preso e processado peloDOPS, tendo sido absolvido no ano seguin-te. O que te levou a publicar o processo noseu livro Restos Vitais?

No livro Restos Vitais, uma reunião dos meus5 primeiros livrinhos, publicados entre 1978e 1979, resolvi colocar uma parte do proces-so que o DOPS me moveu, por “posse de ma-terial pornográfico”. O documento que aliestá mostra o ridículo da censura, o ridículoda ditadura, e mostra também como a poe-sia pode ser algo perigoso, mesmo feita emmimeógrafo por um garoto que acabara decompletar 20 anos de idade.

Depois de lançar 10 livros mimeografados,você deixou de publicar em 1980 pra sóvoltar em 1993 com Porque ConstruíBraxília, não é isso? O que aconteceu em80 que fez você parar e o que aconteceuem 93 que fez você voltar?

Em Brasília, entre 77 e 80, ninguém se expôsmais que eu, fisicamente até. Resolvi sub-mergir e parti pra outras: fui ser ecologistamilitante, de carteirinha. Fundei ONG’s, tra-balhei em fundações do meio ambiente, es-tudei a fauna brasileira e comecei a produzirmudas de espécies nativas. E aí, aos poucos,voltei a publicar, a partir de 93; aos poucosretomando os caminhos, publicando livrospequenos em xerox e reunindo outros anti-gos em antologias. E gostei de voltar e estouaí pro que der e vier.

Conte-nos um pouco sobre seu novo livro,Laranja Seleta.

Laranja Seleta me deu muitas alegrias. Por-que o meu editor na Língua Geral, EduardoCoelho, um cara que conhece poesia, foimuito sensível ao acatar minhas sugestões aofazer o livro. Isso foi muito bom, caiu do céu.O livro é uma reunião do melhor (o que seriamelhor, meu deus?!) da minha produção poé-tica de 1977 a 2007. Estou muito feliz com olivro e recomendo-o. Se não o encontraremnas livrarias, peçam pelo site:www.linguageral.com.br.

Para encerrarmos, duas dúvidas: Nicolas,dinheiro nasce em poesia? E em árvores?

Dinheiro é um dos meus fios-terra. Todo poe-ta precisa de um fio-terra. Meus filhos tam-bém são meu fio-terra. Mas não sei porquecaí no comércio. Pra criar mini-couraças? Te-nho uma floricultura em Brasília, compro evendo vasos, adubos e plantas. E, assim, te-nho contato com uma gama enorme de pes-soas, de todos os níveis sociais. E isso é mui-to enriquecedor pro poeta, sair do seumundinho, do seu gueto e cair no mundo!

Valeu, gente. Abração, Nicolas Behr.

19.

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CUNHA, Alécio. Silva define “Anu” como exemplar da “biopoesia”. Jornal Hojeem Dia, Belo Horizonte, 23 out. 2001. Caderno Cultura, p.8.

anu07 anos

Em 2008, Anu, de Wilmar Silva,completa 7 anos de publicação.A propósito dessa data, 7 frag-mentos do poema são aqui re-produzidos (p. 21~27), junta-mente com um trecho da rese-nha publicada por Alécio Cunhano jornal Hoje em Dia, à épocado lançamento (p. 20). Além dis-so, Alécio conversa conosco so-bre Anu e crítica literária emgeral (p. 28 e 29).

nu”, novo livro do po-eta mineiro WilmarSilva, que está sendo

lançado pela Orobó Edições, deBelo Horizonte, marca um saltoradical nas experiências lingüísti-cas do autor, um dos destaques daatual cena poética em Minas e noBrasil. O título da obra poderia sertolo trocadilho se não ocultasseuma aventura estética de grandesproporções. Podendo significartanto o despir-se do poeta como onome de uma ave, a denominaçãoabre espaço para um vôo lírico,dando asas para a materialidade desua linguagem, conforme os pre-ceitos do lingüista RomanJakobson, aqui transmutados aoterritório da palavra.

Silva, autor de “Cilada” e “Sei-va”, busca aqui a pré-história dapalavra, em um permanente jogode desconstrução vocabular e sín-tese semântica. À procura da pri-meira dentição do poema, ele nãose importa em corporificar o bal-bucio, a palavra em formação, ogesto vocabular inaugural. O re-sultado pode causar estranhamen-to, dar a impressão de um enigmacifrado, mas o poeta quer mesmoé demonstrar a força da letra, mes-mo em um estado morfológico.

“A As influências de Wilmar Sil-va passam necessariamente pelasexperiências neoconcretistas deFerreira Gullar, em especial, o fi-nal de “Poema Sujo” e as peripéci-as gráfico-espaciais de “As Formi-gas”. O aspecto sensorial de seuspoemas aproxima-se mais da gra-mática do neoconcreto. Há umapreocupação com o rigor da pala-vra, mas não de forma exacer-badamente racional como noconcretismo dos irmãos Augustoe Haroldo de Campos, emborasem a existência deste projeto po-ético não seria possível suas deri-vações e antíteses.

Silva define sua atual produ-ção como “biopoesia”, uma novadefinição para o conceito de Má-rio Faustino de “vida toda lingua-gem”. Ator, o poeta sempre teveuma grande preocupação com amescla de linguagens, levando apalavra ao palco e ao vídeo. Comprojeto gráfico do poeta e editorAnelito de Oliveira, “Anu”radicaliza as propostas iniciais doautor, sempre preocupado comquestões ecológicas e ambientais,sem nunca cair na ciladapanfletária pura e simples.

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27.

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.28

sobre Anu e Crítica Literária

alécio cunha

Alécio Cunha, mineiro de Boa Esperança, éjornalista e poeta. Atua na Editoria de Cultu-ra do jornal Hoje em Dia desde 1995. É autordos livros Lírica Caduca (Por Ora, 1999) eMínima Memória (Scriptum, 2007), ambos depoesia. Publicou também Mário Mariano,ensaio de crítica de arte sobre o pintor mi-neiro (V&M do Brasil, 2007). Participou dasantologias Cinema em Palavras (CRAV, 1996),O Achamento de Portugal (Anome/InstitutoCamões, 2005) e Terças Poéticas - jardinsinternos (Fundação Clóvis Salgado, 2006).

Em junho deste ano, Alécio concedeu umaentrevista por e-mail a Daniel Bilac e ValquíriaRabelo, do jornal A Parada. Nessa conversa,o poeta e jornalista revisita Anu, poema deWilmar Silva, e, a partir dele, comenta sobrea Crítica Literária em Belo Horizonte e MinasGerais.

De acordo com suas impressões, como foia recepção de Anu pela crítica, em 2001?

Pelo que pude acompanhar, à época, o livrode Wilmar teve uma repercussão maior nossítios da Internet do que na mídia impressa.Foi uma maldade, porque se trata de umaobra muito importante no processo evolutivodeste poeta. É sua obra mais experimentalaté aquele exato instante. E, a partir dela,ele teve que, simplesmente, se reinventar.

Que motivos você atribui à forma como elefoi recebido?

Creio que houve dificuldade em compreen-der a proposta do poeta. Foi mais isso, ape-sar de que sempre há uma dose de má von-tade e desinteresse quando o assunto é apoesia.

Hoje, como você acredita que o Anu é re-cebido, em comparação ao primeiro mo-mento?

Não sei se chegou a ocorrer algumareavaliação, mas tenho a impressão de queo Wilmar é mais valorizado hoje do que háalguns anos. Se o que escrevi ajudou estaavaliação em algum momento, fico feliz, maso mérito, ressalto, é do poeta, sua obra e,claro, sua perseverança.

É bem comum encontrar comentários quedizem respeito da dificuldade de ler Anu.Diante disso, muitos afirmam que é preci-so decifrar o poema para que ele seja apre-endido. Qual a sua opinião sobre isso?

Existem vários níveis de leitura, mas não creioque o Anu seja assim tão difícil. É uma lúdica

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fala

e deliciosa brincadeira com a linguagem,desconstruindo e reconstruindo as palavras.

A sua resenha de 2001 sobre Anu, publicadano caderno de cultura do jornal Hoje emDia, traz trechos de uma entrevista com oautor, Wilmar Silva. Qual a importância deinserir a fala do poeta na crítica?

Quando o poeta tem algo a dizer, além dopróprio poema, sua fala pode ser acessória,suplementar. Mas nunca substitui a lavra li-terária original.

Em relação à resenha de 2001, o que vocêgostaria de acrescentar, ou mesmo de mo-dificar, sete anos depois?

Todos nós mudamos. O poeta mudou, o crítico também. O texto, de alguma maneira,

pode ter mudado também. Veja só, isto nãoé um delírio. Todo texto tem a cara que nósdamos a ele. Toda vez que se lê o Anu, a gen-te percebe o trabalho precioso em torno dalinguagem, desenvolvido pelo Wilmar. Dá gos-to contemplar esta procura incessante.

Qual a contribuição da crítica, de um modogeral, para a poesia? E para os poetas? Alémdisso, que repercussões você observa apósa publicação de uma resenha?

A importância maior é a do diálogo. O fatode ser poeta auxilia muito nesta interlocução.No meu caso, soa como uma experiência na-tural. Algumas resenhas minhas têm fragmen-tos que podem ser lidos, de forma isolada,como um poema. Um poema em cima do po-ema alheio, da reverberação do outro, simul-taneamente espelho e espanto. A repercus-são também ocorre de modo natural, semnenhum tipo de forçação de barra. Para mim,é sempre estimulante escrever sobre poesia.É uma atitude que me retroalimenta.

Como colunista do caderno de cultura doHoje em Dia, você aborda assuntos diver-sos, como música, cinema e poesia. Dentrodo tema bastante amplo que é a cultura,qual a posição que a poesia ocupa nas mídiasvoltadas para essa temática e qual a quevocê gostaria que ocupasse? A poesia émesmo a “prima pobre”, como afirmamalguns escritores e críticos?

Infelizmente, o clichê da prima pobre é real.O motivo maior para o desinteresse é a faltade vontade de aprofundamento em torno doextrato poético. Perceber a poesia é bem maiscomplexo do que se pensa.

Gostaria que a poesia e a literatura em geraltivessem maior espaço. No entanto, o quevejo é a preponderância cada vez maior doentretenimento sobre a reflexão. Isto éempobrecedor e, ao que tudo indica, semdata para acabar...

Anu foi publicado em livro pela editora mi-neira Orobó. Se tivesse sido publicado poruma editora de maior capacidade dedistribuição, você acredita que a recepçãopela crítica seria outra? Na sua opinião, aeditora que publica o livro contribui para oreconhecimento do texto ou o alcance dopoema depende apenas dele mesmo?

Se a editora tiver o porte de uma Companhiadas Letras e seu poder em relação à grandeimprensa, sim. Há uma rede de relacionamen-tos nem sempre escusos que faz com quecertas editoras e autores consigam mais es-paço. No mais, os problemas das editorasmenores são crônicos, sobretudo no que tan-ge à distribuição. Acredito que os blogs e sitesliterários são, hoje, uma alternativa aos es-quemas editoriais tradicionais.

Anu apresenta elementos regionais einterioranos, como o próprio pássaro quedá título ao livro, por exemplo. No entan-to, talvez não possa ser encarado como umtexto estritamente regionalista. Na sua opi-nião, como a linguagem e a temática se re-lacionam nesse caso?

Anu é, umbilicalmente, regional e universal.Ao falar da paisagem pobre, de si mesmo eda capacidade de tudo isso se metamorfosearna beleza e riqueza da linguagem, muitasfronteiras são abolidas.

Bem diferente do senso comum que cercaa poesia, Anu é, como o próprio Wilmar Sil-va diz, um não-poema. Apresenta uma lin-guagem bastante própria e uma propostavisual particularizada, o que acontecetambém em outras produções contemporâ-neas. Para você, como esses trabalhos con-vivem com outras obras da poesia, no seusentido mais tradicional?

O experimental não elimina o tradicional. Sãodialógicos mesmo quando são antagônicos ousuplementares.

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s/ título leandro figueiredoágua-forte, 30 x 40 cm.

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flávio gonçalves é integrante do conselho editorial do a parada.

.chico loppes (5)tem 22 anos e é de belo horizonte. integra oconselho editorial do a parada desde 2007, ten-do textos publicados nesse jornal e no dezfaces.

[email protected]

.deivid junio (7)nasceu em 85. publicações nos jornais a para-da e dezfaces e no catálogo terças poéticas. 1ºlugar no concurso de poesia rogério salgado/[email protected]

.flávia almeida (10)20 anos, nascida em bh. cursa letras na ufmg eteatro profissional no palácio das artes.

[email protected]

.flávio gonçalves 1

escritor, graduando em ciência da computaçãoe um apaixonado por livros, filmes e mú[email protected]

.jovino machado (8 e 9)nasceu em formiga (mg), em 1963. é autor debalacobaco (1999), fratura exposta (2005),entre outros.

[email protected]

.leandro figueiredo (30)nascido em sete lagoas (mg), é bacharel emgravura e pintura pela eba (ufmg). atualmen-te, desenvolve gravuras que têm como temáticaa figura do boi.

[email protected]

.luiz edmundo alves (16 e 17)já publicou 5 livros de poesia, entre elesfotogramas de agosto (anome, 2005). évideomaker e edita o site de literatura tanto.

www.tanto.com.br

.marco anhapoci (3 e 11)21 anos, 63 quilos, contém cenas de sexo e vi-olência e não é recomendado para menores de3 anos por conter peças pequenas que podemser engolidas.

[email protected]

.marcos coletta (14)nasceu em belo horizonte, em 1987. é ator ecursa teatro pela ufmg. publica seus rabiscosno blog impressões digitais.impressoesd.blogspot.com

[email protected]

.nicolas behr (13, 18 e 19)nasceu em cuiabá, vivendo em brasilia desde1974. publica seus livros de poesia desde 1977.

[email protected]

.tá morelo (6)estudante na escola guingnard e na faculdadede letras da ufmg (fale).

[email protected]

.valquíria rabelo (2 e 12)editora do jornal a parada, ao lado de danielbilac. estuda comunicação na ufmg e designgráfico na [email protected]

formalguma.blogger.com.br

.wilmar silva (21~27)é autor de yguarani, prelo, cosmorama edições,portugal. curador do projeto terças poé[email protected]

.alécio cunha (20, 28 e 29)mineiro de boa esperança, é jornalista e poe-ta. atua na editoria de cultura do hoje em dia.autor do livros mínima memória (scriptum,

2007), dentre outros.

.daniel bilac (2)natural de belo horizonte, é estudante de gra-duação em artes visuais pela ufmg e editor dojornal de poesia e literatura a [email protected]

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