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João Paulo Lajus Strapazzon

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João Paulo Lajus Strapazzon

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A Experiênciada Reforma Agráriaem Santa Catarina

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João Paulo Lajus Strapazzon

2011

A Experiênciada Reforma Agráriaem Santa Catarina

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© João Paulo Strapazzon, 2011

Direção Editorial:Carlos [email protected]

Direção Executiva:Leonita [email protected]

Capa e editoração:Fernando [email protected]

Revisão:Sergio Ribeiro

Impressão:Nova Letra Gráfica & Editorawww.novaletra.com.br

Tiragem:1.000 exemplares

Ficha elaborada pela Bibliotecária: Leonita Conceição Fernandes CRB 14/615.

PalavraCom Editora Ltda.Av. Hercílio Luz, 639, sala 1111

Cep 88020-000 - Florianópolis - SCFone: (48) 3025 6595

www.palavracom.com.br

S897e

Strapazzon, João Paulo Lajus.

A experiência da reforma agrária em Santa Catarina /

João Paulo Lajus Strapazzon; revisão de Sergio Ribeiro. –

Florianópolis : PalavraCom Editora, 2011.

64 p.

ISBN: 978-85-64034-03-7

1. Reforma agrária – Santa Catarina. 2. Política agrícola. 3. Assentamento rural. I. Título.

CDU 347.243(816.4)

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Agradecimentos

gradeço a todos os dirigentes do Incra/SC que trabalharam para

viabilizar estes feitos, deixando como legado 14 fábricas funcionando Anos assentamentos, diversos cursos realizados, milhares de casas

construídas e reformadas, estradas implantadas ou recuperadas, água potável,

educação e outras políticas públicas executadas.

E agradeço especialmente aos funcionários e funcionárias que

trabalharam ao longo desses anos, porque o menor esforço aparente na

administração oferece resultados aos que precisam em níveis que ninguém

terá noção – hoje ou no futuro.

Foi um conjunto de tarefas e atividades exercidas com abnegação,

no papel de servidores de um país que ainda precisa mudar muito. Esse é o

espírito do verdadeiro servidor público, já que não há perspectiva privada

nesse trabalho.

Registro minha profunda gratidão pelo esforço do jornalista

Fernando Goss na leitura da primeira versão do texto, esforçando-se ao

máximo para que ficasse compreensível. Não sabia que tarefas de burocra-

tas prejudicassem tanto a prática da redação.

Por último manifesto meu reconhecimento ao Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra, que expressa com clareza o significado de

uma democracia, na qual a sociedade civil tem mobilidade e luta, não deixan-

do para as elites políticas, econômicas e sociais decidirem qual o futuro da

cidadania. Sem esse apoio nenhuma das políticas públicas descritas aqui teria

sentido ou talvez nem existissem. Neste imenso Brasil, foi um dos movi-

mentos que tornou isso tudo possível e, apesar das diversas críticas,

demonstrou (junto com os outros movimentos sociais do país) que outro

mundo é possível. Em Santa Catarina o MST foi um dos protagonistas pelas

pressões que exerceu aqui no estado e em Brasília, conquistando diversas

melhorias para os assentados.

O Autor

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Índice

Prefácio..............................................................................................................9

Apresentação...................................................................................................13

Introdução........................................................................................................15

Primeiras reuniões...........................................................................................17

Estratégia para qualificação dos projetos

de assentamento e a questão da moradia........................................................21

Definição da metodologia e estratégias de

desenvolvimento territorial integradas e sustentáveis...................................25

Política para não índios ocupando

terras indígenas em Santa Catarina..................................................................39

Política para remanescentes de

quilombos em Santa Catarina...........................................................................43

Política de ordenamento fundiário de Santa Catarina.......................................49

Política de meio ambiente nos

projetos de assentamento de Santa Catarina....................................................53

Política de obtenção e implantação de

projetos de assentamento em Santa Catarina...................................................57

Ouvidoria Agrária.............................................................................................61

Administração, finanças e recursos humanos...................................................63

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Prefácio

elatar as experiências na gestão do Incra/SC no período de 2003 a

2010 é a proposta da presente obra. O autor, funcionário de carreira Rdessa autarquia federal, conhecedor dos assuntos da reforma agrária,

vive intensamente, como gestor, os conflitos e desafios de propor alternati-

vas de cidadania e sustentabilidade para os assentamentos em Santa Catarina.

No primeiro momento apresenta uma estratégia de mobilização para

regularização das situações de assentados irregulares e também para a

organização interna da autarquia, especialmente relacionada ao envolvimen-

to dos funcionários na nova direção do Incra/SC. Aponto que a participa-

ção desses para traçar os objetivos e buscar os resultados seria o tom do

novo período, realizando assembleias nos assentamentos e atividades de

planejamento interno.

Na busca de soluções para problemas expostos nos encontros

realizados nos assentamentos, surgem novas oportunidades aos assentados.

São os casos da assistência técnica, que traz novos conhecimentos para

superação dos desafios da produção e das cadeias produtivas definidas, e da

questão da moradia – que muitas vezes acaba ficando em segundo plano

quando se fala do meio rural, em face do excesso de foco na produção. Essas

iniciativas também contribuíram para o estabelecimento de novas políticas

públicas que visam a qualidade de vida e dignidade das pessoas que moram em

assentamentos.

Há um relato mais detalhado das atividades em cada região do estado,

em razão das especificidades das cadeias produtivas e dificuldades diferencia-

das, em termos de organização e infraestrutura. O extremo oeste com os

melhores resultados da organização e qualificação do assentamento, já

introduzindo processos de industrialização. A região oeste, com o maior

número de famílias em assentamentos e grande investimento do governo

federal, ainda apresenta problemas na organização política e de infraestrutu-

ra, mas possui um grande potencial.

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A extensão geográfica do planalto catarinense aparece como

elemento que dificulta a integração dos assentamentos e a definição de

cadeias que possam afirmar os projetos para a sustentabilidade. Também a

organização interna sofre pressões da iniciativa privada. As melhorias das

estradas, à medida que sejam asfaltadas, deverão amenizar os problemas de

integração. A região do planalto norte do estado apresenta os maiores

desafios a serem superados, conforme a orientação da política implemen-

tada pela direção do Incra. A região norte tem nas hortaliças a ancoragem

do processo produtivo, mas também pretende diversificar com outras

atividades como óleos aromáticos e fitoterápicos.

O território catarinense possui uma questão de difícil solução que

trata das terras indígenas que foram vendidas pelo estado para colonos que

se instalaram em diversas regiões de Santa Catarina, reduzindo a área

destinada às populações indígenas originárias. Nesse contexto, a política de

reforma agrária, que tem sua implementação retomada com força nos

últimos anos, entra nesse cenário, em princípio, com possibilidades de

aumentar a tensão pela terra e o desafio de gestionar conflitos entre grupos

sociais distintos – indígenas, caboclos, sem terra e colonos.

A busca da cidadania evidenciada pelas lutas da população de negros

em Santa Catarina também é relatada, com os desafios de encontrar, numa

primeira etapa, soluções entre a produção e o resgate de direitos.

Certamente assim que a terra for demarcada e reconquistada pelos negros,

mais trabalho institucional, se vislumbra para o apoio à instalação e à

sustentabilidade das comunidades quilombolas.

O ordenamento fundiário catarinense traz à tona uma realidade

construída há décadas – a posse da terra de forma precária – que impede o

acesso das pessoas que vivem e trabalham no meio rural às políticas dos

governos estadual e federal. Isso gera demandas judiciais com duração

prolongada. O relato da abordagem ambiental nos assentamentos e nas áreas

a serem adquiridas pelo Incra mostra a dificuldade de qualquer organismo

em atender a burocracia da legislação e a implementação de projetos ambien-

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tais na realidade catarinense. A conquista da consciência ambiental tem um

preço e aqui se verifica que pelo menos nos planos traçados há um esforço

em ação.

Algumas dificuldades operacionais do Incra/SC, como os recursos

financeiros e humanos para o desenvolvimento do trabalho, ainda são

presentes. Há precariedade desses para todo o trabalho a ser desenvolvido,

especialmente com o indicativo da política da reforma agrária propor

estruturas industriais na área rural para agregar valor aos produtos dos

assentamentos. A articulação institucional é a forma apresentada para

superar as lacunas existentes, potencializando ações em conjunto, de acordo

com os objetivos estabelecidos. Ao final são apresentadas algumas ações

que poderiam ser implementadas para melhorar a dinâmica da reforma

agrária no estado de Santa Catarina e no Brasil, com um sistema de informa-

ções públicas para afirmação desse relevante trabalho para a sociedade.

Ao longo da leitura da obra encontra-se um relato com sabor de

dever cumprido, considerando as condições existentes. E também uma

vontade de fazer mais pelos projetos de assentamentos em Santa Catarina e

no Brasil, com a defesa da presença do Estado na recuperação da cidadania de

povos por muito tempo à margem de políticas públicas. Além disso, propor

a inserção dessas populações no mundo produtivo, buscando a sustentabili-

dade dos projetos, sem a perda dos valores históricos e culturais desses

grupos, como forma de assegurar que a reforma agrária continue aconte-

cendo.

Prof. Gilberto Luiz Agnolin

Ex-reitor Unochapecó

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Apresentação

psicólogo e mestre em sociologia política João Paulo

Strapazzon, servidor de carreira do Incra, com trabalhos no Oexecutivo da Prefeitura de Chapecó (SC), relata neste livro sua

experiência como superintendente do Incra de Santa Catarina, durante os

oito anos do Governo Lula.

Neste relato fica evidente a reação da elite agrária brasileira quando

o Estado tenta interferir na estrutura fundiária do país seja com ações de

reforma agrária, de demarcação de territórios remanescentes de quilom-

bolas ou de territórios indígenas. Reação tão forte que influencia em

todas as instâncias de poder do Estado brasileiro, para dificultar ou

impedir que essas políticas ganhem força e sejam massificadas.

Além disso, é notório perceber durante a leitura as dificuldades

gigantescas que a autarquia federal tem no cumprimento das suas missões,

por condições internas e externas. Apesar de ser um organismo presente em

todos os estados da Federação, ter um quadro de servidores relevante e ter

quase quadruplicado seu orçamento anual no Governo Lula. Isso leva a

maioria da sociedade a crer que, com todas essas condições o Incra já deveria

ter deixado os assentamentos em ótimas condições de desenvolvimento.

Uma das principais adversidades internas é o fato de a autarquia ser

responsável pela operacionalização de várias políticas que não seriam de

sua competência, como a implantação da infraestrutura básica, ou seja, a

construção de estradas, pontes, casas, redes de distribuição de água. E

também políticas de educação - como a alfabetização de jovens e adultos,

formação técnica e até superior - e de desenvolvimento, a exemplo da

assistência técnica, implantação de agroindústrias. Além de executar ações

de recuperação ambiental nas áreas dos projetos de Assentamento.

Podemos dizer que o Incra é um verdadeiro Estado dentro do Estado, pela

diversidade de procedimentos sob sua responsabilidade. Acrescentem ao

rol de atividades a remoção de não índios em áreas indígenas e titulação de

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territórios remanescentes de quilombolas. Nota-se que várias dessas

ações são implementadas sem um marco legal bem definido e seguro.

No contexto externo ao Incra, percebam o esforço enorme que se

fez em Santa Catarina para viabilizar economicamente as famílias assenta-

das, na busca de geração de renda suficiente para a sobrevivência com

dignidade. Isso se dá pelo fato de que estes beneficiários da reforma

agrária se constituem em pequenos agricultores, que normalmente não

possuem área e capital suficientes para ter escala de produção nas suas

atividades e, consequentemente, não têm a mínima condição de competir

num mercado capitalista globalizado como o nosso. Encontrar opções

para viabilizar essa parcela de produtores é um desafio gigantesco, porque

passa por mudança de modelo tecnológico de produção, e/ou buscar

formas de cooperação para enfrentar o mercado.

Apesar de todas as frustrações e dificuldades que o leitor perceberá

na gestão do Incra de Santa Catarina no Governo Lula, que, creio, sejam

as mesmas enfrentadas no restante do país (à exceção da região amazôni-

ca), houve muitos avanços. Atribuo esta evolução ao modo de condução

do Incra, de responsabilidade do autor, em especial naquilo que se refere à

tomada de decisões após intenso diálogo com os beneficiários e movi-

mentos sociais, ouvindo e respeitando suas vontades, aptidões e necessi-

dades. Este diálogo foi fundamental também para harmonizar as relações

entre Governo e movimentos sociais, que levou a diminuição de conflitos

agrários no Estado.

Celso Lacerda

Presidente Incra

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Introdução

ste livro relata como administrar em um estado da federação um

órgão federal que trata com assuntos conflituosos em níveis Esociais, políticos, administrativos, financeiros e econômicos.

Quando em 2002 o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda estava

em campanha eleitoral, algumas pessoas me convidaram para assumir o

Incra de Santa Catarina. Isso se devia ao fato de ser funcionário de carreira

da autarquia e já estar trabalhando em cargos de direção na Prefeitura

Municipal de Chapecó (SC). Essas duas condições facilitavam o interesse

de personagens ligados à reforma agrária em indicar meu nome para

assumir esse papel e essa missão tão importante para o futuro de mais de 5

mil famílias assentadas e outras mil aguardando por assentamento.

Considerando a experiência obtida na administração pública até

aquele momento, preferi aguardar que as expectativas eleitorais se

concretizassem. O principal deste preâmbulo são as expectativas levanta-

das e as capacidades de resolução existentes.

Poucos de nós tinha conhecimento do funcionamento da adminis-

tração federal: sua burocracia, leis, instruções normativas, entre outras

peculiaridades. Quando Luiz Inácio Lula da Silva foi confirmado como

Presidente da República as pessoas que haviam me convidado voltaram a

me procurar para assumir a Superintendência de Santa Catarina, sendo que

aceitei o desafio.

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Primeiras reuniões

desafio, contudo, era muito maior que qualquer um de nós

imaginava. E aqui, sem medo de errar, incluo os próprios Odirigentes nacionais do Partido dos Trabalhadores, que posteri-

ormente revelariam toda sua inexperiência e falta de tato político, nos

prejudicando sobremaneira até hoje na condução de políticas públicas

ao considerar que seus desejos se realizariam em um passe de mágica ou

mediante um repasse de recursos.

Quando a expectativa eleitoral se concretizou, o convite foi aceito

e começamos a trabalhar a reforma agrária de maneira inédita em Santa

Catarina.

Digo isso porque nunca foram planejadas pelo Incra de Santa

Catarina questões como obtenção de terras, ordenamento fundiário,

desenvolvimento dos assentamentos e outras atividades em conjunto

com aqueles que tinham interesse nesses aspectos, ou seja: os próprios

assentados e as instituições que sempre tentaram auxiliar mas que nunca

tiveram oportunidade.

A primeira reunião que houve com o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi para definir os papéis que cada

instituição deveria assumir em uma nova era democrática, com todos

tendo direito de se manifestar e de discordar. Nesse primeiro encontro

chegou-se ao consenso que os projetos de assentamento não poderiam

continuar abandonados como terras para especulação imobiliária, mesmo

que estes fossem patrimônio do Incra e não pudessem ser vendidos ou

arrendados por meio de contratos de gaveta. Dessa forma concluiu-se

que deveriam ser utilizados somente pelos agricultores assentados, que

assinaram um contrato de concessão de uso que inclui essas cláusulas, mas

que nunca foi respeitado nas administrações anteriores. O primeiro passo

adotado foi o de que qualquer venda, arrendamento ou desvirtuamento

das cláusulas dos contratos de concessão de uso do assentado com o

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Incra, permitiria que este, por meios legais, solicitasse a reintegração de

posse do lote, utilizando-o para assentar famílias acampadas que ainda

estavam esperando por terra. Com esse pressuposto, construímos um

documento e realizamos assembleias em todas as regiões e assentamentos

de Santa Catarina, explicando aos assentados e às famílias irregulares quais

seriam os procedimentos que seriam adotados a partir daquele momento.

O ano de 2003 foi preenchido por esse desgastante trabalho, no

qual as equipes do Incra, em conjunto com lideranças assentadas e de

cooperativas, viajaram por Santa Catarina realizando assembleias. Quanto

ao aspecto interno da autarquia, muitas resistências se manifestaram, pois

a cultura da instituição era regularizar os ocupantes irregulares – e essa

prática não oferecia nenhum desconforto para os funcionários, somente

custos para a administração federal, visto que cada regularizado poderia

receber todos os benefícios de um assentado novo, desde crédito para

habitação até créditos produtivos. E aquele que vendia nunca era cobra-

do, com o interessante detalhe de que a mídia nunca se importou com isso.

Essas resistências internas também estavam baseadas no fato de que os

antigos dirigentes jamais se dispuseram a defender essas ideias, contrapon-

do-se aos zelosos funcionários que queriam implementá-las baseados na

legislação. Houve então um trabalho de cultura organizacional, expondo

as novas ideias que seriam levadas a efeito e teriam todo o apoio dos novos

dirigentes do Incra de Santa Catarina.

Porém, esse era só um pequeno passo perto dos grandes problemas

a serem enfrentados nos assentamentos. Era preciso oferecer condições

para que as famílias assentadas pudessem permanecer na terra, produzindo

e melhorando a qualidade de vida. Nesse caso, muitas mudanças normati-

vas sobre assistência técnica, moradias e infraestrutura para os assenta-

mentos ocorreram na direção nacional do Incra em Brasília, o que nos

auxiliou a conseguir avanços nestes setores. Mesmo sabendo que muitas

normas ainda terão que mudar para que a qualidade de vida destes cidadãos

possa melhorar ainda mais. Para esta análise, vamos dividir este documen-

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to em diversos espaços: Qualificação dos Assentamentos,

Reconhecimento de Remanescentes de Quilombos, Não-Índios em

Áreas Indígenas, Regularização Fundiária de Agricultores Familiares e

Obtenção de Terras para Acampados.

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Estratégia para qualificação dos projetos deassentamento e a questão da moradia

essa questão, o debate entre as diferentes instituições interessadas

concluiu, por unanimidade, que não poderíamos mais planejar o Ndesenvolvimento dos assentamentos como núcleos de famílias

isoladas, mas, ao contrário, teríamos que pensar como regiões que

organizassem cadeias produtivas, contemplando desde crédito, assistência

técnica, produção, transformação e comercialização. Tudo isso adminis-

trado pelos próprios assentados com o apoio do Incra e de outras

instituições. Nesse sentido, todos os créditos de fomento e de produção

das diversas instâncias governamentais seriam buscados para auxiliar a

fortalecer as cooperativas dos assentados, que já contavam com algumas

experiências exitosas úteis como exemplos.

Dessa maneira, realizamos seminários sobre produção em todas as

regiões do estado – com apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária (Embrapa), da Empresa de Pesquisa Agropecuária e

Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), do Banco do Brasil e de

Organizações Não Governamentais (ONGs) – e conseguimos chegar a um

consenso sobre três cadeias produtivas para cada região. Atividades que

potencialmente promoveriam o desenvolvimento dos assentamentos e

das regiões onde estavam instalados.

Foram seis seminários regionais que se desdobraram em outros

por produtos e condições de produção.

Nesse ínterim, o Incra já encaminhava algumas questões importan-

tes, demonstrando que a política da reforma agrária havia mudado. A

primeira foi estabelecer convênio com a Cooperativa de Trabalhadores na

Reforma Agrária de Santa Catarina (Cooptrasc) para contratação emer-

gencial de técnicos em diversas áreas para atendimento nos assentamen-

tos. Esse convênio foi o primeiro no governo Lula que contemplou

assistência técnica para assentados da reforma agrária. Por ser o pioneiro

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enfrentou muitas resistências, sendo que a Procuradoria Jurídica do Incra

viu-se na obrigação de ir ao Tribunal de Contas da União (TCU), em

Brasília, para confirmar sua legalidade. Uma vez confirmada, assinamos

um convênio com duração de quatro meses, sendo que, diante de instru-

ção normativa que regulasse esse trabalho com mais agilidade realizaría-

mos outro com maior longevidade. Essa instrução normativa e os

recursos para sua aplicação demoraram 10 meses e a partir daí firmamos

um convênio contratando 54 técnicos de diversas áreas e universalizamos

o atendimento nos assentamentos. Esse foi um grande passo para que

aquelas famílias sempre desassistidas acreditassem em um projeto de

reforma agrária capaz de melhorar a produção e a qualidade de vida.

Todavia foi apenas um pequeno avanço em uma trajetória que se

prenunciava longa. Quando um gestor público administra 5.400 famílias

instaladas em região que é atingida por problemas climáticos como

tufões, vendavais ou enchentes (sem planejamento em prevenção ou para

socorrer suas vítimas) torna-se quase impotente. Em 2003, por exemplo,

várias casas em assentamentos foram destelhadas ou destruídas no oeste

de Santa Catarina. Fato tão comum quanto as manifestações dos técnicos

do Incra que atenderam os assentamentos nestas circunstâncias e diziam

aos agricultores atingidos por essas intempéries que não poderíamos

fazer nada...

Nesse caso de 2003, um funcionário que já tinha entendido os novos

ares da instituição encontrou lacuna na instrução normativa permitindo

repassar recursos para melhorias de moradias atingidas. E foi o que fizemos,

repassando R$ 600,00 para cada família. O episódio motivou-nos em favor de

uma política pública visando reformar casas construídas há mais de 20 anos em

assentamentos, melhorando ainda mais a vida de seus moradores, que muitas

vezes se sentiam abandonados. Essa política pública de reforma e construção

de casas aumentou os recursos nos assentamentos e nas regiões vizinhas,

gerando um espetáculo de crescimento: muitos empregos foram gerados na

construção ou reforma de moradias.

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Cabe aqui um importante parêntese, para abordar os remanescentes de

quilombos. Decorre da luta dos quilombolas junto ao Incra a criação de uma

política para moradia rural no país, apesar do esforço dos diversos movimen-

tos rurais para que isso se concretizasse. Quando iniciamos os trabalhos com a

comunidade Invernada dos Negros, em Campos Novos, no planalto central

de Santa Catarina, para reconhecer, demarcar, identificar e titular seu território,

nos deparamos com uma realidade muito difícil. Havia vários programas do

governo federal que deviam ser executados realizados naquele território

empobrecido e expropriado, sendo um deles o Luz para Todos. Quando

questionamos os líderes da comunidade por que os projetos ainda não haviam

iniciado, fomos informados que os técnicos consideraram que suas casas não

permitiam a instalação da energia em razão da precariedade delas, o que poderia

ser perigoso aos moradores. E ainda tínhamos o agravante de que o Incra não

pode construir casas para remanescentes, devido às normas vigentes. Recorri a

um amigo que era funcionário da Caixa Econômica Federal em Brasília e que

havia trabalhado comigo em Chapecó, a quem consultei acerca de recursos a

fundo perdido para construção de casas. Segundo ele, haviam bilhões sem

aplicação pela falta de projetos. Havia a disponibilidade para liberar R$

5.999,00 por casa e o beneficiado teria a contrapartida obrigatória de R$

1.500,00. As lideranças quilombolas, entretanto, arrefeceram meu entusias-

mo, pois, após apresentar-lhes a oportunidade, ouvi que não teriam como

arcar com a contrapartida. Voltávamos à estaca zero. Procuramos o prefeito

de Campos Novos para saber se o município poderia participar da iniciativa,

oferecendo projeto e terraplenagem, o que poderia contar como contraparti-

da. Por se tratar de uma área conflituosa, pois os quilombolas reivindicam 7 mil

hectares, o prefeito ficou receoso de aderir à ideia.

Por coincidência – ou sorte? – no mesmo dia a promotora pública

de Campos Novos ligou-me perguntando se conhecia alguém de uma

empresa hidrelétrica que estava construindo uma usina. Para compensar

danos socioambientais teria que assinar um Termo de Ajustamento de

Conduta e como essa promotora conhecia a realidade dos negros

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quilombolas perguntou-me se poderia fazer a intermediação. Na mesma

hora liguei para a empresa e uma semana depois conseguimos a contrapar-

tida para as casas, que um ano depois já estavam construídas e com a

energia instalada.

O exemplo parece singelo, porém a partir dele construímos uma

política pública reivindicada pelos agricultores assentados e não assenta-

dos que culminou com a disponibilidade de recursos para construção e

reformas de casas de agricultores. Até 2003 era possível obter recursos

para aviários, estábulos, chiqueirões, em detrimento de verbas para a

construção ou reformas de casas para os agricultores – um paradoxo

ininteligível, mas resolvido.

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Definição da metodologia e estratégias dedesenvolvimento territorial integradas e sustentáveis

As cadeias produtivas nas regiões catarinenses

Prosseguindo com a estratégia de desenvolvimento territorial dos

projetos de assentamento, dividimos as regiões em: extremo oeste, oeste,

planalto, planalto norte e norte/litoral de Santa Catarina. Cada região tem

várias especificidades a se desenvolver no planejamento que envolveu as

cooperativas, as famílias assentadas, as instituições de apoio e a busca de

recursos para se atingir os objetivos.

Extremo Oeste

Região Oeste

Planalto

Planalto Norte

Norte/Litoral

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O Extremo Oeste de Santa Catarina

Abrangência: São Miguel do Oeste, Bandeirante, Barra Bonita,

São José do Cedro, Paraíso, Anchieta, Palma Sola, Campo Erê, Dionísio

Cerqueira e Romelândia.

A região do extremo oeste – onde predominam as cadeias produti-

vas do leite, do frango e das indústrias de conservas – é considerada como

a mais desenvolvida e envolve aproximadamente 400 famílias assentadas.

Apenas uma indústria de leite e derivados produzia, à época, 600 mil litros

de leite longa vida/dia, além de bebidas lácteas e de realizar trabalhos

terceirizados para outras agroindústrias, contando com uma processado-

ra de queijos e leite tipo C, indústria de conservas e um frigorífico de aves

em ampliação para produção de mil aves/hora.

Esses dados revelam que se trata de um território de assentamentos

cuja qualificação ocorreu por conta própria, beneficiada com recursos

federais, mas também a partir da ousadia e empreendedorismo de seus

líderes. Os agricultores assentados têm participação social, econômica e

política com alto grau de atuação, sendo que o prefeito de São Miguel do

Oeste (eleito em 2008), principal cidade da região, é egresso de um

assentamento.

Em razão desse cenário decidimos que os investimentos do

Incra na região seriam basicamente no frigorífico de abate de aves do

município de Dionísio Cerqueira, para torná-lo referência para os

assentados e pequenos produtores do MPA (Movimento dos

Pequenos Agricultores), vinculado ao conceito de ampliação da cadeia

produtiva e introduzindo a transição da cultura do fumo para a

criação de frangos.

Tivemos a importante colaboração da Embrapa por meio de

um termo de cooperação técnica no qual a instituição contribuiu

com a melhoria genética, produtiva, administrativa e econômica da

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Cooperativa União (CooperUnião) – a organização dos assentados

que coordena o frigorífico.

E, em um trabalho conjunto entre Incra, Embrapa e

CooperUnião, apresentamos um projeto no Ministério de Integração

Nacional, que proporcionou muitas das melhorias aqui elencadas. O

frigorífico ganhou uma fábrica de ração, câmaras de congelamento e

ampliação da rede de energia elétrica, aumentado seu transformador para

potencializar a produção. Na sequência iniciamos a aquisição de uma

máquina de abertura de traqueia e papo de aves, permitindo que o frigorí-

fico se inserisse no mercado de terceirização e assim aumentasse o capital

de giro para ampliação de seus aviários, que deverão chegar a 30 até 2013.

Tal crescimento vai garantir produção e comercialização, beneficiando

diretamente os assentados da reforma agrária e os pequenos agricultores

da região.

O frigorífico está sendo saneado financeiramente com o pagamen-

to do Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (Procera) e

poderá contar com um técnico (veterinário) específico para auxiliar na

produção. Esse conjunto de esforços resultará na conclusão do ciclo

produtivo, pois teremos a produção pelos assentados e pequenos

agricultores, o saneamento do crédito, assistência técnica e, finalmente, a

rede de comercialização dos produtos Terra Viva por meio da

Cooperativa Central dos Assentados. Em Santa Catarina todos os

produtos da reforma agrária utilizam a marca Terra Viva, com marcante

capilaridade no mercado do sul do Brasil.

Os resultados e as peculiaridades da região foram determinantes

para que o maior trabalho do Incra contemplasse a melhoria da infraestru-

tura dos assentamentos, o que abrangeu estradas, pontes, captação e

distribuição d’água, assistência técnica, reformas e construções de casas.

Até 2010 esse ciclo deve estar completo, com a autonomia das cooperati-

vas em suas respectivas produções e na melhoria da qualidade de vida dos

assentados e agricultores. Disso resultando que deveremos trabalhar nos

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municípios que não têm uma posição geográfica e logística satisfatória,

ficando afastados dos grandes centros consumidores e das melhores

linhas de transporte.

A região recebeu, nos oito anos de governo Lula, cerca de R$ 6

milhões.

Região Oeste

Chapecó, Catanduvas, Abelardo Luz, Passos Maia, Vargem

Bonita, Água Doce, Vargeão e Ponte Serrada.

Na região oeste estão aproximadamente 2.500 famílias, a maioria

do total de assentados de Santa Catarina, que, entretanto, não constituíam

um território bem organizado nos aspectos produtivos, sociais e

políticos da reforma agrária. Para que se tenha uma ideia dessa concentra-

ção, somente em Abelardo Luz, próximo da divisa com o Paraná, há cerca

de 1.500 famílias assentadas.

Há muitos anos, por meio do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD), do projeto Lumiar e de outras instituições,

tentamos articular a produção e a organização na região, mas as estratégi-

as ou a metodologia não surtiram o efeito desejado de melhoria da vida

dos cidadãos assentados.

A região mostrava-se como a que apresentava o maior potencial de

desenvolvimento, considerando aspectos como número de famílias,

qualidade das terras, posição geográfica e logística. O processo seria

similar ao implementado no extremo oeste, com o fortalecimento das

cooperativas e o investimento nas cadeias produtivas.

O Incra recorreu ao programa Terra Sol (Programa de Fomento

Agroindustrial) e promoveu a reforma e ampliação de um antigo barracão

localizado ao centro dos 24 projetos de assentamento daquele território

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e, em acordo com a CooperOeste (Cooperativa do Oeste de Santa

Catarina), implantou supermercado e loja agropecuária. Esta medida

pretendia ampliar a produção de leite na região, o que faria com que os

agricultores tivessem uma renda mensal fixa, melhorando sua condição

econômica. Em conjunto com a ampliação da cadeia do leite, foi apresen-

tado pela Cooperativa de Assentados de Abelardo Luz (Coopeal), junto à

Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP), projeto de construção

de um frigorífico de transformação de pescados, para que pudéssemos

utilizar o potencial de aquicultura dos assentamentos e da região.

Além disso, como todo bom planejamento deve ser flexível e

devido aos incentivos à produção de biodiesel, foi estimulado o cultivo de

girassol na região dos assentamentos, com a instalação de moedor. A

iniciativa já gerou óleo comestível desse grão e, dependendo dos estudos

de viabilidade econômica, poderá se transformar em biodiesel, no mínimo

com a perspectiva autossustentável, fornecendo energia às fábricas do

assentamento. Foi prevista a construção de uma fábrica de conservas –

pepinos, cebolas e outros legumes –, aumentando o valor agregado do

que plantavam. Como é uma região de muitas famílias assentadas e de

grande território, pretendemos introduzir seus vários municípios em um

programa de desenvolvimento sustentável integrado em parceria com o

Banco do Brasil, Embrapa, Epagri e prefeituras. Nesse território está

ainda em funcionamento um moinho em Água Doce e está sendo

construída uma indústria de conservas em Vargem Bonita para incentivar-

mos a transição do fumo para hortifrutigranjeiros. A região conta com

35 técnicos que auxiliam os agricultores assentados a se desenvolverem

dentro da estratégia de cadeia produtiva que envolve crédito, assistência

técnica, transformação da produção e sua comercialização com autono-

mia das organizações dos assentados.

Essa foi a região em que o Incra mais aplicou recursos nos oito

anos do governo Lula, seja em infraestrutura, produção ou no financia-

mento dos agricultores assentados. Além das áreas já citadas – leite, peixe,

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biodiesel, culturas para a indústria de conservas –, a geração de energia

elétrica por meio de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) deverá ser

trabalhada com mais urgência. Há restrições normativas para a instalação

dessas usinas, reprimindo as oportunidades de aproveitamento de rios de

alto potencial energético. Paradoxalmente, os investidores privados

estão construindo diversas PCHs que atingem os projetos de assenta-

mentos. As maiores adversidades a serem superadas estão nos assentamen-

tos de Passos Maia, por não termos definido com precisão quais as

atividades a serem desenvolvidas. É um desafio urgente que envolve

logística, estratégia e método. A concentração fundiária e a matriz

econômica do município, baseada na exploração de madeira, não permiti-

ram um grau de organização política, social e econômica favorável para os

assentados, que têm na agricultura familiar a principal atividade. Outro

obstáculo a ser vencido é o de integrar esses projetos de assentamento no

desenvolvimento regional, envolvendo agricultores familiares e constru-

indo uma identidade territorial que possa dar suporte ao projeto de

erguimento social, político, econômico e de cidadania dessa maioria que

ainda não conquistou seus plenos direitos na região. Há uma fábrica de

farinha de mandioca em operação e está aumentando paulatinamente a

produção de leite devido ao trabalho da assistência técnica.

Planalto

Campos Novos, Fraiburgo, Vargem, Lebon Régis e Monte Carlo.

O conjunto de municípios dessa região está no mais privilegiado

espaço de Santa Catarina, seja pela localização ou pela logística da produ-

ção – e seu potencial também foi analisado por todos os interessados na

reforma agrária e no desenvolvimento dos agricultores assentados e dos

projetos de assentamento. Nos seminários realizados, as cadeias produti-

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vas com grande expectativa de crescimento foram as de leite e de grãos. Já

existia uma indústria de queijos em Campos Novos, implantada e ampliada

pelo Incra por meio do programa Terra Sol, e uma indústria para benefici-

ar e embalar grãos em Fraiburgo, na Cooperativa da Região do

Contestado (Coopercontestado).

Por essa introdução, nota-se que há uma forte possibilidade de

organização dos assentados na região, multiplicada pela atuação de mais

uma organização cooperativista em Lebon Régis, Fraiburgo e Campos

Novos – a Cooperativa da Região Oeste (Cooproeste). O cenário permite

prever que o conjunto de assentamentos do planalto catarinense pode

assumir a condição de principal produtor entre as áreas utilizadas para a

reforma agrária em Santa Catarina.

Suponho que as causas que ainda não proporcionaram tal status,

além de sua plenitude em participação social, política e econômica, tenham

sido as diversas experiências frustradas na região dos assentamentos, o

que faz com que as iniciativas enfrentem sempre um alto grau de desconfi-

ança. Esse ceticismo deverá ser vencido ou não atingiremos os objetivos

nesse território.

As melhorias implementadas pela nova administração do Incra e

seus parceiros envolveram tanto a infraestrutura dos assentamentos

quanto os aspectos produtivos. A infraestrutura – aqui entendida como

estradas, pontes, água, saneamento básico, escolas, construção e reforma

de casas – demandou muitas obras, inclusive com a formação de novos

assentamentos na região. Com apoio das prefeituras, Banco do Brasil,

Programa Desenvolvimento Regional Sustentável (DRS), Embrapa,

cooperativas e assentados conseguimos avançar em vários projetos de

produção e de infraestrutura. Destaco a ampliação da Escola Técnica em

Agroecologia, realizada com verbas do Programa Nacional de Educação

na Reforma Agrária (Pronera) em Fraiburgo, que vem ampliando o

número de técnicos filhos de assentados e assentados, capacitados para

produzir alimentos agroecológicos, que podem representar um grande

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recurso produtivo (e um diferencial de mercado) para os assentamentos.

Com recursos do programa Terra Sol, o Incra ampliou as instala-

ções da fábrica de laticínios e deu condições de transporte no escoamento

desse produto. Na sequência, com apoio do Banco do Brasil e recursos do

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes),

investiram-se outros R$ 500 mil naquela fábrica, para atingir a sustentabi-

lidade social e econômica e ampliar o quadro social da Coopercontestado.

O convênio com a Cooperativa de Trabalhadores na Reforma Agrária

(Cooptrasc) foi assinado em 2006 e envolveu 70 técnicos e quatro

articuladores, auxiliando na profissionalização dessas agroindústrias e no

aumento da produção dos agricultores assentados da região.

Em Fraiburgo, na indústria de empacotamento de grãos, está

sendo conduzido um projeto para produção de feijão orgânico, inserido

na estratégia das cadeias produtivas, para atingirmos um mercado pouco

explorado e de larga expectativa. Em Lebon Régis, a Cooproeste

apresentou projeto junto à Companhia Nacional de Abastecimento

(Conab) para o cultivo de alimentos para diversas instituições do municí-

pio, contando com o apoio da prefeitura e do Incra. E outro para a

construção de um centro de distribuição dos produtos da reforma agrária

da região. São iniciativas que estão se tornando realidade a partir de um

planejamento estratégico regional e territorial integrado e sustentável.

A complexidade das questões dos assentamentos no planalto

catarinense impõe a utilização de todo o potencial disponível, caso

específico da pequena agroindústria de aves construída em Campos

Novos e ainda subutilizada. Também pretendemos colocar em funciona-

mento um frigorífico de abate de suínos em Fraiburgo, iniciado no

governo passado porém não terminado. Outro fator negativo nesse

contexto é a disputa entre personalidades que utilizam equipamentos

adquiridos com recursos do Ministério do Desenvolvimento Agrário

(MDA), sem uma discussão anterior com o Incra acerca do direito de uso

dos mesmos nos assentamentos. Esses equipamentos estão prejudicando

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a estratégia de fortalecimento dos assentados e agricultores familiares e

favorecendo grandes empresas privadas na disputa pelo mercado do leite.

Todos esses problemas terão que ser e serão resolvidos para que possa-

mos, também na região do planalto, ter condições de que os assentados da

reforma agrária e os agricultores familiares conquistem seu espaço social,

político e econômico.

As demandas sociais estão quase solucionadas, com escolas,

moradias reformadas ou novas e poucos problemas de captação e

distribuição de água para resolver. O fortalecimento das cooperativas dos

assentados é a grande meta para que, com autonomia, dominem os

processos de produção econômica e de relacionamento político e social da

região. Com a pavimentação das estradas daquela área os assentamentos

mais afastados terão oportunidade de se inserirem nestas cadeias produti-

vas, multiplicando a capacidade de produzir e comercializar, com ganhos

reais em qualidade de vida.

Planalto Norte

Calmon, Matos Costa e Timbó Grande.

Considero, como todos aqueles que participaram dos seminários

de desenvolvimento, que essa é uma das mais preocupantes regiões para a

questão da reforma agrária e o desenvolvimento sustentável integrado de

Santa Catarina. São regiões isoladas que apenas recentemente passaram a

ter condições de acesso por vias asfaltadas, podendo ampliar sua produção

e incorporar-se em determinada cadeia produtiva.

As análises realizadas pelos diversos parceiros listaram diversas

cadeias produtivas que poderiam ser implantadas, desde leite até peixes,

mas as distâncias não possibilitavam viabilidade econômica capaz de

oferecer-lhes sustentabilidade. O trabalho que estamos realizando prevê

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o conhecimento dos assentados, dos técnicos que trabalham ou trabalha-

ram na assistência técnica, social e ambiental; técnicos do Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

(Ibama) e é relacionado ao cultivo da bracatinga, para utilizá-la como

fonte de renda e consequente melhoria de qualidade de vida. Em alguns

assentamentos estamos mapeando os maciços de bracatinga e também os

lotes que deverão ser utilizados como reserva legal ou área de preservação

permanente. Conceitualmente é uma nova reforma agrária, para agregar

dignidade – em aspectos sociais e econômicos – e também representativi-

dade política àqueles assentamentos. A bracatinga foi apontada, a partir de

estudos realizados, como madeira de muitos usos, em especial para

construção civil e carvão, e, de tal maneira, o objetivo é que os assentados

possam usufruir de seus maciços sem intermediações que levam a maior

parte dos recursos e lhes deixam com o trabalho infantil, com as doenças e

a pobreza. Iniciamos o reordenamento fundiário de vários assentamen-

tos, um trabalho demorado mas com efeitos que orgulharão a todos nós

no futuro. Nossa pretensão é a de que os produtores organizem uma

cooperativa – ou que alguma se instale nos municípios – para comerciali-

zar os subprodutos da bracatinga, fazendo com que a renda chegue às

famílias assentadas. E que esses subprodutos sejam licenciados pelos

órgãos ambientais, proporcionando total segurança e transparência em

relação ao meio ambiente.

A expansão da cadeia produtiva do leite está condicionada ao

aumento de produção por família para que se efetive como um meio

sustentável de sobrevivência – e esse é um dos mais importantes objetivos

na região. A produção de hortifrutigranjeiros para comercialização nas

médias cidades da região é outra cadeia produtiva a ser incentivada, em

conjunto com o Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável do

Banco do Brasil.

Mas, finalmente, não podemos desconsiderar que os assentamen-

tos se constituem em uma ‘ilha’ de agricultura familiar, cercados por um

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mar de florestas de pínus. Considerando a pressão que a commodity vem

exercendo sobre todos os agricultores catarinenses – com apoio ostensi-

vo do governo estadual – podemos prever que se não fizermos algo

urgentemente os próprios assentamentos se transformarão em florestas

arrendadas.

Região Norte

Rio Negrinho, Canoinhas, Irineópolis, Mafra, Santa Terezinha,

Papanduva, Monte Castelo, Garuva e Araquari.

Nesta região há um grande potencial e esforço proporcional das

diversas instituições, como Banco do Brasil, Embrapa, MST, cooperati-

vas e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), para a construção de

um processo de desenvolvimento sustentável integrado. Já foram

realizadas reuniões que resultaram em um programa de desenvolvimento

com seus projetos componentes. São as bases das diversas cadeias

produtivas incentivadas, contando com a colaboração dos agricultores

assentados e suas organizações representativas, sociais e econômicas.

Cultivo de alimentos para a indústria de conservas, ervas medicinais e

essências aromáticas e condimentares, hortifrutigranjeiros e futuramente

a cadeia do leite foram as mais promissoras cadeias identificadas.

Essas escolhas foram feitas depois de diversas análises e seminários,

quando se chegou à conclusão de que um dos meios de aumentar a

produção e enfrentar a cultura da madeira na região era fortalecer as

organizações dos assentados. A Cooperdotchi, de Garuva, por exemplo,

vende toda sua produção de hortifrutigranjeiros orgânicos e semiorgâni-

cos e conta com mercado em expansão, todavia sem possibilidade de

ampliar sua produção por falta de espaço. Conclusão: o norte de Santa

Catarina e seus assentamentos poderiam ser um espaço territorial para

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esta produção aproveitando as vantagens mercadológicas e logísticas já

conquistadas pela Cooperdotchi.

As características dos assentamentos do norte de Santa Catarina

são basicamente de baixo índice de desenvolvimento humano e social e

com a cadeia produtiva poderemos aumentar a renda desses agricultores,

além de auxiliá-los na implantação de plantas de transformação agroindus-

trial.

Para contribuir ainda mais nessa transformação do perfil regional,

a UFSC (por meio de intervenções do Laboratório de Estudos da

Reforma Agrária – Lecera), aprovou vários projetos no Ministério do

Desenvolvimento Social para pesquisa de campo e de mercado para

trabalhar com óleos aromáticos e condimentares na região, inserindo-se

no programa que já havia iniciado com o apoio do Banco do Brasil (DRS),

Embrapa e as organizações dos assentados.

Esse trabalho não só permite avaliar a viabilidade de implantação da

cadeia produtiva nos assentamentos do norte do estado como também do

potencial de mercado para esses produtos, além de formar agricultores

para cultivar e transformar ervas fitoterápicas. Podemos notar que nesse

projeto o ciclo produtivo também está completo: recursos para pesquisa,

técnicos para orientação, possibilidade de construção de plantas para

transformação dos produtos e extenso mercado no Brasil e no exterior.

Vários projetos envolvendo ervas medicinais estavam em

implantação na região, mas sem organização. Com esse grande

projeto de moldar as cadeias produtivas daquela área, que começou

chamando-se DRS e agora chamamos de Programa de

Desenvolvimento Sustentável Integrado (PDSI), poderemos

integrar as diversas iniciativas, formando uma base expressiva para

produção e transformação das ervas, incluindo um seminário estadual

sobre tais espécies no decorrer de 2011. Estão contempladas todas as

etapas do processo de produção: recursos, técnicos, indústria de

transformação e comercialização.

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O mais avançado projeto componente desse programa na região é

o de produção de hortaliças. Necessidade que surgiu a partir de oportuni-

dades analisadas nos diversos seminários realizados na região. Para auxiliar

nesta produção pretende-se, com recursos do Ministério de

Desenvolvimento Agrário, construir em Irineópolis, norte do estado,

uma indústria de transformação de pó de basalto, que faz o papel do

calcário (na correção dos níveis de acidez do solo), melhorando e economi-

zando o insumo.

A Cooperdotchi não tem produção suficiente para satisfazer o

mercado criado por seu trabalho e, quando necessita completar sua

produção, compra mercadoria no Paraná. Em razão disso e do clima

diferenciado entre o litoral e o Norte de Santa Catarina, pode-se alternar a

produção nas duas regiões para que a entrega das mercadorias não seja

interrompida. Em síntese, a demanda de uma região complementava a

eterna problemática de encontrarmos uma cadeia produtiva que desse

sustentabilidade para os assentamentos do norte do estado. Esse trabalho

também conta com expressiva colaboração da Embrapa, do Banco do

Brasil e principalmente da UFSC, que aprovou projeto no Ministério do

Desenvolvimento Social visando o desenvolvimento da produção e

comercialização de hortaliças. Para auxiliar nesse trabalho foi fornecido

um veículo do Incra para auxiliar nas pesquisas e no desenvolvimento dos

projetos.

Para prosseguir o estabelecimento dessa cadeia produtiva foram

contratados técnicos pela UFSC e o convênio de assistência técnica do

Incra para estudos e prospecção de produtores junto aos assentamentos,

trabalho já iniciado e com resultados acima das expectativas. Dessas

diversas iniciativas chegou-se à conclusão que a Cooperdotchi, estabeleci-

da em Garuva, no litoral norte de Santa Catarina, deveria ser centralizada e

a mesma foi transferida para o município de Rio Negrinho, quase no

planalto norte do estado, na divisa com o Paraná. Com tais soluções

encaminhadas foi proposto junto ao programa Terra Sol do Incra a

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construção de uma indústria de transformação de produtos hortigranjei-

ros em Rio Negrinho, centralizando essa atividade dos assentamentos da

região. A fábrica deverá ser implantada entre 2010 e 2011. Outra planta

industrial de preparo de hortaliças foi instalada em Garuva em 2008,

concentrando o fornecimento desses itens para a comercialização no

litoral. Os assentamentos de Santa Terezinha, entre o planalto norte e o

Vale do Itajaí, ganharam uma cozinha multifuncional, com recursos da

Secretaria de Desenvolvimento Territorial e do MDA, que servirá para

treinamento na transformação dos vários produtos agrícolas cultivados

pelos agricultores da região. Com todos esses empreendimentos em

execução, consideramos que os assentamentos do norte de Santa Catarina

estão bem adiantados no planejamento proposto em 2004. Foi quando

compreendemos – em conjunto com diversas instituições parceiras – que

o desenvolvimento e a qualificação dos projetos de assentamento não

poderiam seguir como um trabalho isolado, como realizado até aquele

momento, e que deveríamos planejar a evolução dos territórios ou

regiões onde os trabalhadores rurais foram instalados.

Quanto à infraestrutura de transportes, de energia e de bem-estar social

todas as regiões sofrem de alguma maneira. Contudo os programas de

desenvolvimento territorial integrado incorporam essas necessidades, que

poderão ser resolvidas no decorrer da implantação de cada projeto componen-

te. Há necessidade de escolas, centros de treinamento ou formação e espaços

de lazer nos assentamentos de todo o estado. Muitas dessas demandas estão

sendo resolvidas em convênios com prefeituras ou com a participação direta

do Incra. Infraestrutura é uma necessidade premente para atingirmos o

desenvolvimento planejado pelas instituições, mas as instalações sociais, como

espaços de lazer, deverão ser obtidas junto aos órgãos municipais, estaduais e

federais. E os equipamentos de lazer dependem de pressão junto ao Ministério

do Planejamento para instituirmos uma política pública favorável aos jovens

do campo, pois vários estudos indicam que o espaço rural brasileiro está cada

vez mais masculinizado e envelhecido.

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Política para não índios ocupando terrasindígenas em Santa Catarina

questão das terras indígenas em Santa Catarina remonta às

capitanias hereditárias e depois à política estadual de concessão de Aterras para colonização e povoamento do estado. Essas terras

ainda hoje colocam em disputa, de um lado, milhares agricultores que

compraram seus títulos do estado no passado e, de outro, os indígenas

que as perderam, sendo reivindicadas como um direito. É um problema

tão complexo que ambos os lados têm razão: os índios que foram

espoliados e os agricultores que as adquiriram de boa-fé. Quando

assumimos o Incra, esse problema já estava posto e precisávamos achar

uma solução que, por sinal (e lamentavelmente), ainda não foi encontrada.

Resumindo o problema: a partir da Constituição de 1988 as terras

ocupadas por não índios estão proibidas de serem indenizadas e somente as

benfeitorias podem ter reparação financeira da Funai, instituição respon-

sável pela política indígena no Brasil. O papel do Incra é de reassentar os

não índios ocupantes dessas terras que cumpram os requisitos de serem

clientela da reforma agrária, ou seja, arrendatários, meeiros e agricultores

familiares, entre outros. Quanto mais se aprofunda a discussão, mais

problemas aparecem. Um exemplo é o caso de não termos terras suficien-

tes na reforma agrária nem mesmo para as famílias acampadas no estado.

Outro exemplo é que quando se consegue terras para reassentar esses

ocupantes não índios eles rejeitam aderir a um contrato de concessão de

uso dessas áreas, abrindo mão de serem proprietários privados. Questões

essas que se constituem em um imbróglio aos que não têm conhecimento

da política de reforma agrária. Para esclarecer: as famílias assentadas

assinam um contrato de concessão de uso das áreas dos assentamentos,

não sendo, desta maneira, proprietários privados, mesmo com todos os

direitos de herança preservados. Entretanto, esse contrato prevê que

essas terras não podem ser vendidas, arrendadas e devem ser usufruídas

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pela família com seu próprio trabalho. Quando os ocupantes de terras

indígenas são esclarecidos sobre essas questões não querem mais ser

reassentados, porque consideram que estão sendo prejudicados em seus

direitos. A Constituição de 1988 colocou essa barreira à indenização de

terras indígenas baseada no fato que são terras de exploração imemoriais

pelos índios, sendo que neste caso o Estado brasileiro não poderia

indenizar o que já seria sua propriedade por natureza. Além disso teria as

condições fundiárias das regiões Norte e Nordeste do país, com seus

milhares de hectares de áreas indígenas griladas abrindo espaço para ser

indenizadas de modo fraudulento. Santa Catarina se distingue nesse

aspecto, pois foi o estado que vendeu essas terras aos agricultores e nada

mais justo que este se responsabilizasse pela sua indenização. Nos meus

primeiros anos à frente do Incra foram resolvidos alguns casos recorren-

do ao Programa Nacional de Crédito Fundiário, sugestão surgida nesta

superintendência com apoio de um técnico que trabalhava na Secretaria de

Reordenamento Fundiário do MDA, em Brasília. A sugestão incorpora-

va o financiamento da terra para esses ocupantes e incluía outras políticas

públicas que beneficiam a reforma agrária, como financiamento produti-

vo por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar (Pronaf A, em torno de R$ 20 mil), recursos para moradia,

infraestrutura e apoio do estado em assistência técnica. O documento foi

elaborado e enviado para as autoridades interessadas, sendo que até hoje

não houve nenhum sinal oficial de qual direção tomou. O problema

persiste e várias regiões estão em estado de conflito, latente às vezes e

manifesto em muitas ocasiões. Para tentarmos resolver esse problema de

maneira diversa contatamos com deputados na Assembleia Legislativa de

Santa Catarina para mudarmos a Constituição do Estado, permitindo

assim a indenização aos ocupantes não índios e que a partir daí fosse

construída uma política pública para solucionarmos definitivamente o

problema. Na Assembleia os deputados já haviam tentado aprovar uma

Proposta de Emenda Constitucional (PEC), mas não foi obtido êxito por

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divergências com o governador da época. Para conseguirmos aprovar

essa PEC, muitos deputados trabalharam cotidianamente (e, porque não

dizer, silenciosamente), para não haver resistências do governo de Luiz

Henrique da Silveira, que é contrário a essa política indigenista, muito

provavelmente influenciado por maus conselheiros. Finalmente consegui-

mos aprovar por unanimidade na Assembleia Legislativa a proposta que,

sendo uma PEC, é homologada por aquela própria Casa, dispensando a

sanção do chefe do Executivo estadual. Em resumo, tínhamos uma arma

que poderia e pode resolver a maioria dos problemas com terras indígenas

em Santa Catarina, pois com a regulamentação da PEC, ainda não realiza-

da, poderemos compartilhar ações entre o estado e a União, indenizar os

agricultores e os indígenas poderão ter e dispor de suas terras. Essa

proposta, que consiste em repasse de recursos para Santa Catarina

indenizar ou reassentar as famílias que ocupam terras indígenas e são

clientela potencial da política da reforma agrária, foi discutida em Brasília

com os ministros da Justiça, do Desenvolvimento Agrário, os presiden-

tes da Funai e do Incra. Esse repasse seria na ordem de 80% para o governo

federal e 20% para o estadual, mediante convênio ou instrumento que

possa ser utilizado. Tal política poderia ser realizada de maneira gradual no

período entre cinco e 10 anos e envolvendo todas as diretrizes estaduais

de benefícios aos agricultores familiares, como distribuição de calcário,

assistência técnica, troca-troca de sementes etc. Se avaliarmos que seriam

necessários R$ 150 milhões para resolver o problema podemos dizer que

a União entraria com R$ 120 milhões e Santa Catarina com o restante, os

quais, divididos numa política gradual de uma década representariam R$

15 milhões/ano. Uma política pública que é capaz de equacionar proble-

mas seculares e oferecer tranquilidade aos agricultores e aos indígenas.

A proposta não chegou ao gabinete do governador por falta de

disponibilidade de agenda por parte do administrador catarinense há mais

de três anos...

A Experiênciada Reforma Agráriaem Santa Catarina

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Esperamos que o futuro nos auxilie a resolver esse problema, que,

por análise equivocada, induz a preconceitos e interesses que não aqueles

que deveriam determinar e guiar uma política pública desse perfil em Santa

Catarina e no Brasil.

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A Experiênciada Reforma Agráriaem Santa Catarina

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Política para remanescentes de quilombos emSanta Catarina

questão dos quilombolas em Santa Catarina começa com um fato

curioso e que demonstra o preconceito e a exclusão que algumas Acomunidades brasileiras enfrentam. A frase que melhor ilustra esta

situação é a de que em Santa Catarina não existiriam quilombolas, pois

seria um estado colonizado por europeus e não havia negros. Argumento

recorrente nas defesas elaboradas pelos advogados que representam

proprietários de terras estão envolvidos nessas questões. Muitos

argumentam que nunca viram ou nunca houve negros em suas terras ou

arredores, numa demonstração que a exclusão não se dá somente com

perdas materiais – terras, casas e mesmo cemitérios – mas também

excluindo os seres humanos, não os vendo, não os ouvindo e eliminando

sua existência de maneira simbólica. Essa deve ser a mais nociva e perversa

exclusão: a perda da memória, da identidade, das pessoas em detrimento de

interesses materiais. No caso de Santa Catarina, a direção do Incra

priorizou duas grandes comunidades quilombolas para iniciar seu

trabalho, levando em conta os recursos humanos e materiais disponíveis.

Todo esse trabalho iniciou quando o governo Lula emitiu um decreto

regulamentando o artigo 185 da Constituição Federal, que recuperava

historicamente a luta dos negros brasileiros pelas terras de onde foram

expulsos ou expropriados. Esse artigo poderia ter sido regulamentado no

governo de Fernando Henrique Cardoso, mas este não o fez devido às

pressões de sua base de governo. Na regulamentação, o Incra, por ser

instituição vinculada ao MDA, foi o responsável pela política de identifi-

cação, reconhecimento, demarcação e titulação das terras quilombolas

do Brasil. Em Santa Catarina o Ministério Público Federal de Joaçaba já

assumira uma ação civil pública para demarcação de um território que

envolve dois municípios – Campos Novos e Abdon Batista – chamado

Invernada dos Negros. Com essa ação em andamento, o Incra de Santa

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Catarina (apoiado pela pressão do Movimento Negro Unificado –

MNU) começou as atividades na região, sem mesmo ter uma ideia dos

rumos a tomar, por não termos experiência nessa área. Constituímos um

grupo de trabalho com servidores do Incra, Universidade Federal de

Santa Catarina e lideranças de movimentos negros – e nosso primeiro

passo foi ouvir a comunidade do território, para identificar os limites da

área. Nessa primeira fase agimos na base do ensaio e erro e enfrentamos

grandes dificuldades, inclusive respondendo judicialmente por trafegar-

mos em estradas municipais que atravessavam fazendas e plantações de

florestas de uma grande empresa da região. Diante de todas essas adversi-

dades, houve a sugestão de contratarmos ou nos conveniarmos com

alguma instituição para que esta produzisse um laudo técnico antropoló-

gico que nos permitisse realizar a demarcação do território. Uma vez

decidido que a UFSC seria a instituição capaz de elaborar esse laudo, o

Incra do Rio Grande do Sul solicitou que incluíssemos nessa perícia um

território chamado Casca, onde exerciam trabalho semelhante. Por conta

dessas diversas solicitações ampliamos o convênio e envolvemos o

território de Invernada dos Negros, a comunidade São Roque, no Sul de

Santa Catarina, e Casca (RS).

O passo seguinte foi cadastrar os integrantes das duas comunida-

des catarinenses, em um total de aproximadamente 1.200 famílias, dos

quais mil na Invernada dos Negros e o restante em São Roque. Hoje,

cerca de 100 famílias vivem na comunidade Invernada dos Negros e as

demais distribuídas por Santa Catarina.

O êxodo, pois, como consequência da exclusão.

E, mesmo diante disso, ainda há quem se apegue à suprema ironia de

afirmar que não existem negros na Invernada dos Negros.

A UFSC concluiu seu trabalho, apresentado e debatido com as

comunidades negras de Santa Catarina e deflagrou uma nova fase: a

concordância das comunidades aos limites geográficos e culturais

encontrados pelos laudos técnicos antropológicos. O caso da comunida-

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de São Roque parecia o de mais fácil solução, uma vez que a mesma

envolvia em seus limites geográficos grande parte de terras da União

dentro do Parque Nacional de Aparados da Serra – na divisa de Santa

Catarina e Rio Grande do Sul –, à época administrado pelo Ibama e

atualmente pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade (ICM-Bio). Essa área representa aproximadamente 7 mil

hectares, sendo que 70% dela estava no interior do parque e o restante

pertence a particulares. Encerrada a elaboração do laudo e a demarcação

realizada em campo pelo Incra, passamos a notificar os ocupantes da área

para que no prazo legal de 90 dias apresentassem suas contraprovas e

documentação que confirmasse a posse e o domínio da área para futura

indenização ou disputa judicial. Nessa fase o que mais surpreendeu os

técnicos do Incra, do Ministério Público Federal e os próprios quilom-

bolas foi a resistência do Ibama ao laudo antropológico, à demarcação e às

reivindicações da comunidade São Roque. Considere-se neste aspecto

que, desde a demarcação do parque, nenhuma família que estava dentro de

seus limites foi indenizada e suas reivindicações eram consideradas sem

fundamento. O prazo para contestações expirou e nenhuma contestação

apresentou requisitos legais ou históricos que invalidassem o relatório

técnico de identificação e demarcação produzido pelo Incra a partir do

laudo técnico antropológico realizado pela UFSC. O que está prejudican-

do o andamento dos trabalhos dessa demarcação é a contestação apresen-

tada pelo Ibama, que recorreu aos mesmos argumentos dos particulares,

inclusive que não existiriam quilombolas na região. Favorecido pelos

trâmites burocráticos brasileiros, esta impugnação foi levada a uma

câmara de conciliação da Advocacia Geral da União, em Brasília, para

conciliar pareceres contraditórios de duas autarquias da União (Incra e o

Instituto Chico Mendes, na época IBAMA). Absurdo kafkiano que

coloca brasileiros iguais em direitos em instâncias diferentes para julga-

mento, principalmente quando envolve a Justiça neste país. Não é por

acaso que um famoso autor chamou o Brasil de país dos bacharéis, pois

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seus privilégios ultrapassam qualquer noção republicana de cidadania.

Mas o que realmente interessa aos quilombolas é o reconhecimento do

território, algo que pode demorar meses ou anos em razão de entendi-

mentos distintos de duas autarquias sobre um caso julgado para centenas

de particulares. Quando a portaria for editada poderemos continuar com

o trabalho de resgate dos direitos – mediante indenização das terras e

benfeitorias, além da demarcação de seu território – para que eles tenham

paz e possam ter uma vida digna e de trabalho. Até a publicação deste

livro, não era possível sequer que promovessem melhorias em suas

moradias.

Os primeiros passos (obedecendo à lógica do erro e acerto) da

operação em Invernada dos Negros, nos municípios de Campos Novos e

Abdon Batista, nos deixaram mais cautelosos para que chegássemos mais

rapidamente ao fim do processo sem grandes conflitos, mesmo conscien-

tes que eles são inevitáveis.

O início do trabalho foi conturbado, como explicado anterior-

mente, mas após termos recebido o laudo antropológico da UFSC, que

fundamentou o relatório de identificação e demarcação do território da

Invernada dos Negros, as atividades ganharam agilidade e um ritmo

satisfatório, considerando as condições materiais e humanas que o

Incra/SC dispunha. Com esse laudo, nossos técnicos foram a campo e

produziram um relatório, que nos deu as condições de prosseguir com as

notificações daqueles que estavam ocupando esse território e esclarecen-

do sobre os devidos prazos legais para contestação. Como a área do

território abrange 8 mil hectares em dois municípios, muitos interesses

foram atingidos e contrariados, provocando uma luta desigual entre os

quilombolas e os proprietários que se consideram legítimos donos dessas

terras. Além disso, a metade da área pertence a uma indústria de papel e

papelão, que tem suas florestas cultivadas e gera empregos e divisas para a

região. As consequências foram proporcionais àquilo que estava em

disputa, com agravantes de perversidade: ameaças aos quilombolas, de

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demissões na indústria etc. Uma audiência pública realizada pela

Assembleia Legislativa, em Campos Novos, reuniu milhares de pessoas

que se opuseram às reivindicações dos quilombolas, porque perderiam

seus empregos – já que a indústria divulgou que deixaria a região se essa

política pública se tornasse realidade. As prefeituras e todas as organiza-

ções de interesses econômicos manifestaram-se contrárias, colocando

assim às claras os interesses contrapostos na região. A empresa contratou

um técnico para realizar um laudo contrário, segundo o qual não foram

encontradas evidências de quilombolas na região, apesar das centenas de

negros participando da audiência e defendendo seus interesses e reivindica-

ções. E mais: 95% das autoridades que participaram da audiência eram

contrárias a essas desapropriações, sobrando o Incra, o Ministério

Público Federal e um deputado estadual como favoráveis ao respeito à

Constituição e que necessitaram da proteção da Polícia Federal para

realizar seu trabalho.

É o que enfrentam aqueles que estão envolvidos em políticas

públicas favoráveis aos excluídos da cidadania brasileira.

Depois de diversas tentativas infrutíferas de deputados, senadores

e outros políticos, o trabalho prosseguiu e as notificações foram

entregues, com o devido prazo legal concedido para as impugnações ao

Relatório Técnico de Identificação e Demarcação (RTID) do Incra.

Vencido esse período legal e as análises da procuradoria jurídica do Incra,

não houve acatamento de nenhum argumento contrariando o RTID,

posteriormente aprovado no Conselho Diretor Regional do Incra e

encaminhado para Brasília para análise do Conselho Diretor nacional e

posterior publicação de portaria de reconhecimento assinada pelo

presidente do Incra. Uma vez publicada, em dezembro de 2009, o Incra

iniciou seus trabalhos de vistoria e avaliação das áreas privadas atingidas

pelo território quilombola, visando a posterior negociação com aqueles

proprietários que comprovassem posse e domínio para indenização. A

estratégia adotada foi principiar pelos proprietários que tivessem

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interesse em negociação administrativa, para que pudéssemos adiantar os

trabalhos e já dotarmos a comunidade de condições de sobrevivência e

acesso a créditos e investimentos produtivos. Quanto à empresa detento-

ra de mais de 50% da área, a negociação envolve alguns parâmetros a serem

regulamentados. Pretendemos indenizar as terras, porém ainda não temos

definição para as florestas plantadas, algo a ser solucionado pela procura-

doria do Incra. Depois de negociações com o empresário dono das terras

e das florestas, ele se interessou em uma compensação com o governo

federal, abatendo dívidas contraídas. Deixando bem claro que prioriza-

mos estas duas regiões porque as outras comunidades já requereram ao

Incra seu reconhecimento e demarcação. No entanto, temos estudos que

indicam que há mais de 30 comunidades quilombolas em Santa Catarina

para serem reconhecidas. O prosseguimento de nosso trabalho, confor-

me a estratégia traçada pela direção do Incra de Santa Catarina, está

condicionado às condições humanas e materiais, envolvendo as comunida-

des já estabelecidas em suas terras, todavia sem o reconhecimento de seus

territórios. Em razão disso, priorizamos cinco territórios a serem

trabalhados: Campo dos Poli, em Monte Carlo; Aldeia, em Garopaba;

Paulo Lopes, na Grande Florianópolis, e outras três comunidades em fase

de organização. Em 2010 o Incra de Santa Catarina lançou edital de

licitação para que empresas especializadas elaborem laudo antropológico

das comunidades priorizadas. Essas negociações estão avançadas e

pretendemos para o ano de 2011 realizar esses trabalhos conjuntos e

continuar a missão institucional do Incra de identificação, reconhecimen-

to, demarcação e titulação dos territórios quilombolas de Santa Catarina.

O trabalho desenvolvido resultou na publicação de três livros, que estão

auxiliando as ações do Incra no Brasil inteiro. Livros estes publicados por

meio de convênio para realização dos três laudos técnicos antropológi-

cos, relacionados a Invernada dos Negros, São Roque e Casca (RS).

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Política de ordenamento fundiário de Santa Catarina

uando iniciamos nosso trabalho no Incra de Santa Catarina não

havia nenhuma sinalização de setores sociais para o conjunto de Qdemandas dos agricultores familiares, em situações como falta de

documentos de suas terras ou de posses precárias. Em nível nacional, o Sul

do país não enfrentava esse problema, considerando-se as grandes

dificuldades encontradas no Norte e no Nordeste brasileiro. Essa

questão, em um primeiro momento, apareceu para a direção do Incra de

Santa Catarina de maneira totalmente casual, quando o superintendente,

em viagem, encontrou o prefeito de um município do interior que

perguntou-lhe se não haveria maneira de ajudar a maioria dos agricultores

de sua cidade, que tinham posse precária de suas terras e não conseguiam

acesso às políticas públicas do governo federal. O problema também se

evidenciou com o lançamento do programa Microbacias II, que envolve

recursos do Banco Mundial e do governo estadual. Em seus trabalhos nas

microbacias, técnicos contratados detectaram que agricultores identifi-

cavam a falta de posse legal da terra como um obstáculo sério, repercutin-

do da mesma maneira que àqueles agricultores citados pelo prefeito.

Diante disso, a direção do Incra de Santa Catarina, na reunião de planeja-

mento anual de 2006, em Brasília, notou que muitos recursos para

regularização fundiária não estavam sendo aplicados ou não haviam

projetos de regularização fundiária, já que o foco inicial de todos os

superintendentes visualizava a obtenção de terras para reforma agrária

stricto sensu, reivindicação que no novo governo havia levantado

expectativas para a maioria dos sem terra. Baseados nessa perspectiva

apresentamos projeto para, inicialmente, regularização de 500 famílias.

Aparentemente, foi o único estado brasileiro que teve essa iniciativa

naquele ano. A regularização fundiária em Santa Catarina tem peculiarida-

des que a diferencia dos outros estados, pois aqui os agricultores estão em

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posse de terras que não são municipais, estaduais ou federais. Em Santa

Catarina não há titulação de famílias agricultoras, pois as terras não são

públicas. O processo começa com o levantamento documental das

famílias em situação fundiária precária, contratação da demarcação

georreferenciada de suas terras e ingresso na Justiça com processo de

usucapião. Encerradas todas essas fases, os agricultores não são titulados

mas recebem a própria escritura de suas terras. Porém é um processo

lento, a envolver parceiros municipais, estaduais, federais e a Justiça

estadual. Para levarmos essas tarefas à frente, firmamos convênio com o

Governo do Estado de Santa Catarina, por meio da Secretaria de

Agricultura, no qual esta se comprometia com o trabalho de cadastra-

mento, topografia e ajuizamento das ações. O governo federal aportou

os recursos necessários para o cumprimento dessas etapas e fez a certifica-

ção do georreferenciamento das áreas, que é uma das atribuições do

Incra. Nos deparamos com grandes dificuldades porque o Governo do

Estado de Santa Catarina centralizou suas ações administrativas e muitas

vezes as secretarias estão inadimplentes com algum órgão federal e não

podem celebrar convênios. Outro obstáculo foram as licitações necessá-

rias para topografia e georreferenciamento, igualmente centralizadas.

Com todos esses impedimentos contornados atuamos em diversos

municípios catarinenses, contudo nos defrontamos com problemas

políticos. O governo do estado tomou para si a paternidade e a operacio-

nalização do projeto, contudo temos equacionado essas questões

paulatinamente e pretendemos finalizá-las em 2011. A política de regulari-

zação fundiária inclui vários municípios e muitas famílias estão com o

processo em andamento, muitos desses aguardando sentença judicial. A

direção do Incra de Santa Catarina reuniu-se com o presidente do Tribunal

de Justiça de Santa Catarina, solicitando maior agilidade – dentro dos

prazos legais – na análise e sentença dessas milhares de ações que estão em

andamento pelo estado todo. Pretendemos agora planejar os próximos

passos dessa empreitada, debatendo com os demais diversos parceiros.

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Nota-se que Brasília não tem ideia do problema da posse precária desses

agricultores no Sul do Brasil e talvez precisemos realizar uma ação

conjunta dos três estados da região para que essa política pública chegue

com mais rapidez aos cidadãos que necessitam desses documentos. O

órgão gestor da política e da malha fundiária do país não pode ficar inerte

diante de milhões de hectares que estão em produção por agricultores

familiares, que não conseguem melhorar sua qualidade de vida, seja

econômica, social ou política. A partir de 2008 formalizamos novo

convênio com o Governo do Estado de Santa Catarina, envolvendo

1.500 famílias nesse esforço de regularização de suas terras. Além da

política de regularização fundiária, a autarquia também atende aos

quilombolas, certificação das áreas rurais, desmembramentos, anulação

de cadastro e com todo o cadastro do Incra. Seguramente não teremos

condições de atender os cidadãos que nos procuram para certificar suas

propriedades, em razão da falta de recursos humanos, pois somente uma

pessoa é responsável por todo esse trabalho.

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Política de meio ambiente nos projetos deassentamento de Santa Catarina

questão ambiental nos projetos de assentamento de reforma

agrária, sejam estaduais ou federais, nunca foi analisada ou conside-Arada como um aspecto de grande importância nos governos

passados. Inclusive não fazia parte da estrutura do Incra ou de órgãos

estaduais que tenham envolvimento com a reforma agrária. Quando

iniciou o governo Lula o próprio Incra criou e aprovou uma resolução

junto ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) que tratava

desse assunto tão em foco hoje em dia. O problema é que a demasiada

pressa em mostrar serviço de alguns novos burocratas na administração

pública federal (que ingressaram com o advento do governo Lula)

resultou em instruções muito pormenorizadas para regularizar os

projetos de assentamento, paralisando, muitas vezes, a reforma agrária

em todo o Brasil devido aos seus gritantes dispositivos inaplicáveis. Um

projeto de assentamento tornou-se uma fábrica com fontes inesgotáveis

de poluição e, para licenciá-los, os critérios eram tantos e tão absurdos

que parecia que instalávamos uma usina de energia nuclear. Os grandes

‘conhecedores’ que negociaram esta resolução junto ao Conama nunca

tinham visto um projeto de assentamento e também não sabiam das fases

necessárias para obtermos terras, licenciamento, imissão na posse e

instalação do próprio.

A resolução é tão absurda que o Incra deve solicitar licenciamento

prévio da área que poderá se tornar assentamento, ainda que a área não seja

propriedade do Incra, sem a certeza de que será produtiva e se servirá para

os interesses da reforma agrária. O absurdo é tanto que a União tem que

pagar pelo licenciamento sem mesmo saber se a área poderá se tornar um

dia um assentamento. Considero que deveriam cobrar de quem inventou

esses requisitos todas as licenças pagas e não utilizadas no Brasil inteiro,

com base na má aplicação de dinheiro público por causa de requisitos

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legais absurdos. Mas partindo dessas ‘boas intenções’, o Incra passou mais

de quatro anos tentando achar uma maneira de cumprir o que a legislação

exigia de seus assentamentos novos e antigos. O absurdo chegou a tal

ponto que os ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Meio

Ambiente, as autarquias Incra e Ibama, além do Ministério Público

Federal, assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta nacional,

prevendo prazos para o licenciamento dos projetos de assentamento.

Como era previsível, esse TAC não foi cumprido. Diversos fatores,

como diferenças entre os assentamentos, diferenças regionais, número de

assentamentos no país, recursos financeiros para esse trabalho e a total

falta de conhecimento e experiência na área, não somente dos órgãos

estatais, mas também de empresas privadas que poderiam ser contratadas

para realizar o trabalho, foram as causas do fracasso. Mas o trabalho a ser

realizado persistia e teríamos que começar de alguma maneira. Em Santa

Catarina técnicos do Incra com disposição para trabalhar nessa área

começaram a estudar as resoluções e tentar encontrar uma solução.

Vários estudos foram feitos, sendo que o desfecho exigiria que adaptás-

semos a resolução do Conama às condições das instituições envolvidas

com o licenciamento e a fiscalização ambiental dos projetos de assenta-

mento. Com essa base, nos reunimos com Ibama, MST, MPF, Polícia

Ambiental, Fundação de Meio Ambiente (Fatma, o órgão estadual de

meio ambiente em Santa Catarina) e todos aqueles que estivessem interes-

sados na questão. Chegou-se à conclusão de que poderíamos construir

um termo de referência que permitisse iniciar o trabalho ambiental nos

projetos de assentamento. Foi elaborado um termo de referência de

consenso e, baseado nele, construiu-se edital de concorrência pública para

a feitura dos Projetos Básicos Ambientais (PBAs) para os assentamentos

de Santa Catarina. Uma empresa do Paraná venceu a concorrência e em um

ano os referidos projetos estavam prontos para serem apresentados à

Fatma. Os PBAs contemplam todas as áreas: social, ambiental, econômica

etc. Foram utilizadas imagens de satélite dos projetos de assentamento e

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quando essas imagens estavam prejudicadas utilizou-se aerofotograme-

tria, ou seja, voos fotografando as áreas de assentamento. A situação

ainda não estava totalmente solucionada porque a Fatma estadual não

tinha recursos materiais e humanos suficientes para análise de todos os

projetos. A saída encontrada foi o Incra/SC assinar convênio com o

Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/SC),

tendo a Fatma como interveniente, para que se contratassem técnicos

especializados e os cedessem à Fatma para agilizar a análise dos PBAs.

Dispondo das condições necessárias para licenciarmos os projetos novos

e antigos de assentamentos de Santa Catarina, finalmente iniciou-se o

trabalho.

Quando este livro foi concluído estávamos com 98% dos projetos

de assentamento de Santa Catarina com Licenciamento Ambiental de

Operação, (LAO), também chamada de LIO em outros estados da

federação. Com esses objetivos cumpridos, já partimos para outra etapa –

executar as obras e serviços exigidos no licenciamento. Para isso a área

ambiental do Incra/SC construiu um termo de referência que servisse

para nova concorrência pública, adicionando educação e recuperação

ambiental nos projetos de assentamento. A iniciativa ainda é incipiente,

contudo já atinge 40% dos projetos de assentamento de Santa Catarina,

começando por aqueles que obtiveram a LAO e necessitam com urgência

de soluções para as questões ambientais levantadas pelos Projetos

Ambientais Básicos. Dessa maneira Santa Catarina deve ser o primeiro

estado brasileiro que consegue realizar os objetivos traçados pela

resolução do Conama e iniciar o sonho de qualquer política pública: traçar

um desenvolvimento que seja social, econômica, política e ambientalmen-

te sustentável.

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Política de obtenção e implantação de projetos deassentamento em Santa Catarina

ssa é uma área sem muitos avanços depois de Lula assumir o gover-

no. Apesar das grandes expectativas geradas pelo novo governo, Enão houve qualquer medida de impacto na obtenção de terras que

pudesse aumentar o estoque de áreas para projetos de assentamento. Nos

sete anos do novo governo o Incra de Santa Catarina implantou 13

projetos de assentamento em todas as regiões do estado, sendo alguns

pelo mecanismo de compra e venda, recorrendo ao decreto federal 433,

que permite a aquisição com pagamento em quatro vezes, recorrendo aos

Títulos de Dívida Agrária (TDAs). O avanço não ocorreu também

porque a legislação continua a mesma dos outros governos no que se

refere à desapropriação e, dessa maneira, em um estado que enfrenta

dificuldades de diversas origens não conseguimos ampliar as áreas de

projetos de assentamento. A estratégia da direção do Incra de Santa

Catarina foi promover um levantamento in loco das áreas indicadas pelos

movimentos sociais e sindicais. Posteriormente, com informações de seu

cadastro rural, arrolar as áreas passíveis de desapropriação e, finalmente,

atuar em terrenos do estado nos quais o Incra ainda não tinha atuado por

razões políticas e culturais da própria instituição, que são aqueles em

campos e de fazendas de florestas. O cadastro da instituição nos reservou

grandes surpresas, porque muitas das fazendas improdutivas encontradas

eram os próprios assentamentos implantados há 20 anos e que não haviam

sido atualizados. Em campo prosseguimos com vistorias constantes, não

obstante com poucos resultados concretos. Um aspecto que se destaca

nessa falta de resultados se deve ao fato de que Santa Catarina é majoritari-

amente zona de mata atlântica e de ter relevo muito acidentado, além de

apresentar altos índices de produtividade. Partindo desses pressupostos,

mais à frente listamos algumas sugestões para melhorarmos a reforma

agrária no estado e conseguirmos terras para as famílias que tanto

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necessitam. Em nossa estratégia conseguimos algumas áreas em zonas de

pecuária e campo, onde no passado não se realizavam vistorias por

pressões políticas dos proprietários e políticos dessas regiões. Ainda

assim não houve progressos, se compararmos com outras iniciativas

desenvolvidas pelo Incra em Santa Catarina. Esperamos que as sugestões

listadas possam ser implantadas, o que daria condições de resolvermos os

problemas das famílias acampadas no estado.

Sete sugestões sobre obtenção de terras e implantação de assenta -

mentos

1 – Recadastramento de todas as áreas rurais acima de 15 módulos

fiscais com cobrança de taxa de certificação pelo Incra.

- Essa medida poderia garantir vantagens estratégicas em termos

operacionais e políticos.

- Em termos operacionais poderíamos encontrar terras improdutivas

para futuros projetos de assentamento.

- Em termos políticos a taxa de certificação geraria recursos necessá-

rios para reaparelhar o Incra nesse setor e também para outros

trabalhos que a instituição realiza sem cobrança, o que obriga a

autarquia a disputar orçamento sem fonte para a União.

- Outra vantagem seria organizar, junto com a Receita Federal, uma

base cadastral confiável para praticarmos justiça fiscal no Brasil,

principalmente na área rural.

2 – Desapropriação no entorno das gra ndes usinas hidrelétricas

construídas ou a construir

Vantagens:

a) Terras para famílias atingidas pelas barragens, terras para agriculto-

res não índios ocupantes de áreas indígenas e terras para agricultores

sem terra.

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b) Os lagos poderiam aumentar a vida útil porque suas áreas de

preservação permanente não poderiam ser usadas para plantio ou

outra operação que aumentasse o assoreamento.

c) Aumentaria a vida útil das usinas, reduzindo o custo da energia para

a sociedade.

d) Se a retirada de famílias atingidas tem o efeito perverso do benefí-

cio maior para a sociedade, com a geração da energia para indústrias,

comércio e consumidores em geral, com a desapropriação dessas

terras também poderiam ser utilizadas com esse mesmo argumento.

E adicionando o importante auxílio social aos que mais necessitam.

e) Implantação de projetos de assentamento com toda a infraestrutu-

ra realizada pelo Incra e indenização das terras pelas concessionárias

das hidrelétricas.

3 – Modificação dos índices utilizados para desapropriação

media nte uma atualização.

4 – Liberação de dados do INSS e da Receita Federal para cruzar a

produtividade e tamanho de propriedade.

5 – Cumprimento total da função social da terra.

6 – Propriedades com mais de 50 módulos fiscais cederão 10% para

reforma agrária e as fazendas florestais 15%.

7 – Regularização fundiária com recursos federais, estaduais e

municipais de todas as áreas de utilização agrícola de até 15 módulos

fiscais, sendo que em áreas de fronteira poderiam ser usados recur-

sos humanos do Exército para auxiliar nesse trabalho.

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Ouvidoria Agrária

ssa é uma área que já existia no governo anterior, mas que foi

ampliada na atual gestão, sendo que em Santa Catarina não enfrenta-Emos nenhum caso extremo de conflitos agrários nos últimos sete

anos.

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Administração, finanças e recursos humanos

ssa é uma área nevrálgica para o Incra em todo o Brasil, porque os

recursos humanos, administrativos e financeiros não são o bastante Epara dar sustentação a essa grande política pública. Foram necessári-

as mudanças internas, funcionais e de pessoas, o que criou um clima difícil,

considerando os costumes já instalados há anos. Foram mudadas todas as

chefias e processos para que o gabinete que dirigia a instituição conseguis-

se o controle dos meios e fins da autarquia. Entre os problemas estava a

falta de respeito pela hierarquia e a relação direta dos funcionários com

Brasília, sem que o superintendente e seu gabinete tivessem conhecimen-

to. Esses poucos exemplos já indicam que a instituição não tinha uma

missão definida, não havia monitoramento e controle do que era feito na

administração, favorecendo os desvios, quaisquer que fossem. Com essas

alterações, o gabinete diretivo tem consciência do que acontece interna-

mente e os funcionários se tornaram mais profissionais, sabendo por que

estão trabalhando e não se limitando a enxergar na instituição um espaço

para receber o salário e passar os dias.

Hoje há controle dos veículos, do almoxarifado, dos recursos

humanos e de todas as tarefas administrativas. Aumentou a agilidade nas

licitações e convênios necessários para melhoria dos mais carentes, que

são os acampados, assentados, quilombolas e todos aqueles que represen-

tam a missão da instituição.

Os problemas que persistem e com tendência de aumentar são as

certificações de áreas, as certidões para aposentadoria rural – que hoje

demoram em média três meses para serem entregues, prejudicando

enormemente aqueles agricultores e agricultoras que estão se aposentan-

do junto ao INSS.

Todos esses problemas ocorrem por falta de recursos humanos

que, além de escassos, estão se aposentando em larga escala. Hoje a

superintendência do Incra/SC não dispõe de engenheiro civil, adminis-

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trador de empresas, analista de informática, engenheiros topográficos

ou de área correlata. Desse diagnóstico podemos dizer que o Incra

logo enfrentará dificuldades para continuar com a qualidade de implan-

tação da reforma agrária em Santa Catarina, pois não há perspectiva de

reposição de mão de obra.

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Em um país de dimensões continentais, paradoxalmente a reforma agrária ainda está no topo da lista das demandas sociais não resolvidas, agravada por outros passivos históricos, como as populações quilombolas e indígenas.

Servidor de carreira e dirigente do Incra de Santa Catarina, João Paulo Strapazzon relata com clareza técnica os bastidores da autarquia no esforço para implantar políticas e programas capazes de não só distribuir terras, mas também de promover a inclusão social de milhares de famílias a partir da produção e da representatividade política.

O passo a passo desse esforço desde o início do governo Lula, as dificuldades burocráticas, a falta de vontade política e os preconceitos são narrados mirando a paz e a prosperidade agrária brasileira.