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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Experiências de sustentabilidade e preservação Bioma CAATINGA • Bioma CERRADO • Bioma PAMPA • Bioma MATA ATLÂNTICA • Bioma AMAZÔNIA

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DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVELExperiências de sustentabilidade e preservação

Bioma CAATINGA • Bioma CERRADO • Bioma PAMPA • Bioma MATA ATLÂNTICA • Bioma AMAZÔNIA

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editorialexpedientePresidenta da RepúblicaDilma Rousseff

Ministro do Desenvolvimento AgrárioPepe Vargas

Presidente do IncraCelso Lisboa de Lacerda

Chefe de GabineteFrancisco José Nascimento

Procurador-GeralJunior FidelesDiretor de Gestão AdministrativaFredson Ferreira GomesDiretor de Gestão EstratégicaIvan Jairo JunckesDiretor de Desenvolvimento de Projetos de AssentamentoLuiz Gugé Santos FernandesDiretor de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de AssentamentoMarcelo Afonso SilvaDiretor de Ordenamento da Estrutura FundiáriaRichard Martins TorsianoCoordenador de Meio AmbienteCarlos Eduardo Sturm

Jornalista responsável: Walmaro Paz (5483 – DRT/RS)Edição: Telma PeixotoImpressão:Tiragem:

Mais informações: www.incra.gov.brTwitter: incra_oficial

Esta publicação mostra algumas experiências de sustentabilidade e preservação realizadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nos biomas brasileiros. Escolhemos aquelas mais significativas de cada um dos cinco biomas, embora muitas outras pudessem ter sido descritas nesta revista. Nosso critério foi o de aliar preservação com sustentabilidade e práticas tradicionais em cada uma das regiões.

Este, por exemplo, é o caso do plantio de arroz orgânico no bioma Pampa. Naquela região, a lavoura de arroz irrigado nas várzeas está presente há mais de um século, porém seu plantio sem uso de agrotóxicos e adubação química é uma ação clara de preservação das águas e da natureza.

Já na Mata Atlântica, mostramos um local que desenvolve cacaueiros resistentes a pragas e fungos e produz até 150 mil mudas de espécies nativas. Além disso, abriga dois centros educacionais que oferecem ensino fundamental, cursos profissionalizantes e de nível superior com enfoque na agroecologia para 854 estudantes.

No caso da Amazônia, os assentamentos Tarumã-Mirim e Água Branca vão mudando de perfil e apagando uma mancha na sua história, passando de uma grande carvoaria para fonte de referência na produção de frutas, verduras e hortaliças orgânicas, além do trabalho de reflorestamento em áreas degradadas, feito pelos próprios assentados.

No cerrado mineiro, o planejamento espacial de um projeto permitiu a destinação de uma grande área coletiva ao uso sustentável; atividades agroextrativistas e de manejo florestal - coleta de pequi, coquinho azedo, rufão e outros frutos e partes vegetais, para comércio “in natura”; uso dos produtos do cerrado para produção de óleos comestíveis e essências medicinais; conservação das áreas de vegetação natural, incentivada pelo retorno econômico promovido pelo agroextrativismo; acesso ao mercado de produtos do cerrado; produção de hortaliças e grãos em conjunto com a vegetação nativa.

Na Caatinga temos a Cooperativa Mata Branca, resultado do projeto “Comercialização de produtos florestais do manejo da caatinga em Projetos de Assentamento de Pernambuco” (APNE - INCRA SR29), que tem por objeto a prática de produção, processamento, distribuição, beneficiamento, comercialização, venda e compra de produtos madeireiros e não madeireiros, agrícolas, agropecuários e artesanais.

Com isso esperamos informar aos leitores a nova visão do Incra sobre reforma agrária. Um processo de inclusão social no campo com sustentabilidade e preservação do ambiente.

Celso Lisboa de LacerdaPresidente do Incra

índiceBioma CAATINGAAssentados do Médio São Francisco pernambucano produzem carvão agroecológico

Bioma CERRADOSustento no Grande Sertão

Bioma PAMPABom para o Pampa e para a saúde

Bioma MATA ATLÂNTICATerra Vista oferece educação e conhecimentos e se prepara para a agroecologia do futuro

Bioma AMAZÔNIADe carvoeiros e lenhadores a ecoagricultores

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Bioma CAATINGA

Texto de Karla Pereira (Médio São Francisco/PE)

Assentados do Médio São Francisco pernambucano produzem carvão agroecológico

INCRA - Ministério do Desenvolvimento Agrário - Governo Federal, Brasília, 25 de maio de 2012.

Em uma área marcada pela histó-ria de Lampião, o rei do Cangaço, e que já foi palco de obras do ro-mancista e poeta brasileiro Ariano Suassuna, como a Pedra do Reino, seis assentamentos optaram por uma alternativa que está mudan-do a narrativa local: produzir car-

vão agroecológico em siderúrgicas e comercializar em grandes redes de supermercados.

A iniciativa partiu de um projeto piloto de manejo sustentável da Caatinga em áreas de reforma agrária, implantado no municí-

pio de Serra Talhada, Sertão do Pajeú. Uma equipe de técnicos da Associação de Plantas do Nordes-te (Apne) iniciou o trabalho em sete assentamentos do Incra no Médio São Francisco, em maio de 2006, após a assinatura da Carta de Acordo de Contribuição, da

Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e Ministério do Meio Am-biente (MMA).

As atividades foram iniciadas nos assentamentos São Lourenço, Poldrinho, Catolé, Paraíso, Lajinha, Paulista e Mandacaru I. O objetivo é contribuir para o desenvolvimento sustentável, uso racional dos recur-sos naturais e geração de emprego e renda mediante implementação do manejo florestal sustentável.

Fases do processo

De acordo com engenheiro flo-restal da Apne, Frans Germain C. Pareyn, o processo aconteceu em cinco fases, sendo iniciado com a capacitação dos técnicos de extensão local e regional, bem como dos produtores rurais dos assentamentos selecionados, em manejo florestal e adequação am-biental; realização do diagnóstico e planejamento participativo do uso dos recursos naturais, princi-palmente florestais, dos assenta-mentos selecionados; elaboração dos Planos de Manejo Florestal Sustentado (PMFS) para os assen-tamentos e submetidos até apro-vação pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH); realização do acompanhamento e assessoria técnica para implementação dos PMFS nos assentamentos e em colaboração com organizações locais de assistência técnica.

Frans acrescentou ainda que uma estratégia de comercialização foi implantada por meio do Programa Terra Sol, a criação da cooperativa Mata Branca, visando à agregação de valor, orientada por meca-nismos de mercado justo. “Outro benefício é que as famílias passam a ter renda de imediato, com a im-plantação do manejo, tudo de for-ma ecológica, legal e sustentável, já que as famílias têm autorização dos órgãos ambientais e podem fa-bricar e negociar o carvão”, afirma.

Programa Terra SolO Programa Terra Sol é uma linha de financiamento do Governo Federal que traba-lha o fomento à agroindus-trialização, comercialização, transição agroecológica, tu-rismo rural e artesanato, com o objetivo de incrementar a renda nos assentamentos, valorizando as característi-cas regionais, experiências e potencialidades locais.

Comercialização

Na primeira fase o carvão manejado foi comercializado com as siderúrgicas e fábricas de gesso da região de forma in-dividualizada por comunidade. É o caso do assentamento São Lourenço, que vende para uma fábrica de gesso de São José do Belmonte, município vizinho de Serra Talhada.

Segundo o presidente da Apne, Antônio Freire da Silva, casado e pai de três filhos, o manejo flores-tal traz benefícios que vão além da renda. “O manejo permite que a extração de madeira deixe de ser predatória, pois um talhão de uma área é cortado e as famílias só poderão cortá-lo novamente depois de 15 anos. Nesse período já houve a regeneração florestal e teremos sempre essa renda assegurada” explica.

Silva ressalta ainda que o manejo e a cooperativa serão apenas algumas das alternati-vas de renda da comunidade, pois a área possui duas fontes de água, que pretendem usar na irrigação de uma horta orgânica coletiva, para inserir o assentamento no Programa de Aquisição de Alimento (PAA) da Companhia Nacional de Abas-

tecimento (Conab), e nas feiras do município, juntamente com o caprino orgânico que vem sendo muito procurado na comunidade.

Inclusão Social

Os bons resultados que estão sen-do trazidos pela produção do car-vão têm permitido a inclusão social das famílias com qualidade de vida e desenvolvimento sustentável, as-sociando consciência empreende-dora com preocupação ambiental, sem diminuir o perfil sertanejo dos produtores, que é o da agricultura e da caprinovinocultura.

Antônio Freire da Silva lembra que, antes de serem beneficiadas pelo processo de reforma agrária, essas famílias trabalhavam em fazendas da região ou plantavam como me-eiros nos períodos de chuva. No entanto, os salários eram baixos e a perspectiva de futuro pratica-mente inexistente. “Muitos com-panheiros foram embora para Re-cife em busca de trabalho. Muitas famílias se desfizeram por falta de dinheiro. Eu mesmo quase larguei a minha para ir embora para a capital”. E acrescenta, “hoje temos nossa própria terra para traba-lhar, faça chuva ou sol. É nossa e ninguém vai nos mandar embora. Recebemos a terra e incentivo do Governo para trabalhar e iniciar a produção. Hoje posso dizer que estou no céu”, afirma.

Os incentivos aos quais Silva se refere são os créditos repassados pelo Governo Federal, por meio do Incra, que permitem às famí-lias garantir segurança alimentar e hídrica durante a implantação do assentamento, construção e recuperação de moradia e aplica-ção em bens de produção para a geração de emprego e renda.

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Assentamentos envolvidos no manejo sustentável da Caatinga

ASSENTAMENTO Nº DE FAMÍLIAS ÁREA EM HECTARES

Poldrinho 40 381,3078

Paraíso 28 916,2794

São Lourenço 24 972,7594

Lajinha 22 736,0269

Catolé 22 738,6335

Paulista 25 925,0033

Mandacaru I 16 668,2096

CréditoCrédito Apoio Inicial: desti-nado à segurança alimentar das famílias beneficiadas e ao suprimento de suas necessi-dades, no valor de R$ 3,2 mil por família.

Crédito Aquisição de Mate-riais de Construção: usado para a construção das resi-dências rurais, no valor de R$ 15 mil por família.

Crédito Fomento: apoio à produção e geração de renda. Visa ao fortalecimento das ativi-dades produtivas no assenta-mento, no valor de R$ 3,2 mil por família.

Crédito Semiárido: visa ga-rantir a segurança hídrica das famílias assentadas nas áreas do Semiárido reconhecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia

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Texto de Daniel Fleming (Belo Horizonte/MG)

Sustento no Grande Sertão

BiomaCERRADO

“Então eu entrei, tomei um café coa-do por mão de mulher, tomei refres-co, limonada de pera-do-campo. Se chamava Nhorinhá. Recebeu meu carinho no cetim do pêlo – alegria que foi, feito casamento, esponsal. Ah, a mangaba boa só se colhe já caída no chão, de baixo... Nhorinhá.” Muitas das passagens vivenciadas por Riobaldo, personagem de Gui-marães Rosa em Grande Sertão Ve-redas, poderiam ter sido imaginadas no assentamento Tapera, criado pelo Incra no município de Riacho dos Machados (MG) em 1995.

A menção a frutas típicas do Sertão mineiro faz parte, também, da rea-lidade das 42 famílias que cultivam o solo dessa área no Norte de Mi-nas, na sub-bacia hidrográfica do Rio Jequitinhonha.

e Estatística (IBGE), no valor de R$ 2 mil por família.

Crédito Recuperação/Material de Constru-ção: destinado a reparos nas habitações, caso essa necessidade seja apon-tada por laudo técnico individual que indique o valor necessário, varia até R$ 8 mil por família.

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O extrativismo de frutos nativos do Cerrado, como mangaba, pe-qui, maracujá do cerrado, murici, coquinho azedo, é uma das ativida-des responsáveis pela construção da identidade dessa população e pela preservação do ambiente em que está inserida. Geraizeiros é a denominação utilizada para a população tradicional dessa região do Sertão mineiro. Incluem-se aí os moradores do Tapera.

Os Geraizeiros do Tapera têm na preocupação ambiental sua motiva-ção para a lida diária. Foi, igualmen-te, a proteção ao meio ambiente o motivo principal para a luta e poste-rior criação do assentamento.

As famílias que lá estão são todas derivadas das que lá viviam quan-do a fazenda pertencia ao Major,

último dono antes da compra por uma siderúrgica em 1988. “A dona Joaninha e a dona Ana, posseiras da fazenda desapropriada, nasce-ram e se criaram lá. Elas trabalha-vam para os fazendeiros por um saco de farinha, uma banda de rapadura e a empresa comprou a fazenda para retirar os posseiros”, explica a assentada Elisângela Aquino. Após a desapropriação, as duas foram assentadas no Tapera.

Novo horizonte

A fazenda Tapera foi transforma-da em plantação de eucaliptos para alimentar fornos a carvão que produzem ferro gusa da em-presa. A mata nativa foi derruba-da, as beiras dos rios ocupadas por eucaliptos e as águas come-çaram a secar.

Diante do provável despejo, as famí-lias tradicionais que ali viviam, traba-lhavam e, daquela terra tiravam seu sustento, organizaram-se em um movimento socioambiental.

A atitude firme dos Geraizieros ao longo dos anos foi eficaz. Em 1993, o Incra desapropriou a área e, em 1995, criou o assentamento, garan-tindo a posse às famílias e dando ao meio ambiente um novo horizonte.

As informações históricas constam do Projeto Final do Assentamento, elaborado pelo Incra. “A criação do assentamento representou vida, re-presentou dignidade. A partir daí, as pessoas passaram a ter terra, casa, água”, constata Elisângela. Hoje, to-dos os moradores têm acesso à ener-gia elétrica por meio do programa Luz para Todos, do Governo Federal.

Atualmente, há duas áreas de Reserva Legal no assentamento, os leitos dos rios estão devida-mente protegidos e o plantio é feito em área coletiva. A preocu-pação com o impacto ambiental das ações direciona a organi-zação espacial e produtiva do Tapera. Dos 3,8 mil hectares da área, 1,02 mil estão destinados às duas áreas de Reserva Legal, 486 hectares são de Áreas de Preservação Permanente e 510 hectares são de uso coletivo.

O Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA) é a orga-nização contratada pelo Incra para prestar assistência técnica aos

agricultores. O estímulo ao baixo impacto ambiental nas atividades está em cada orientação.

Agroecologia

A agroecologia é adotada nos plan-tios de cana, arroz e feijão. Foram feitas faixas de contenção, curvas de nível e plantio consorciado para melhor explorar as áreas agricultá-veis do assentamento.

Apesar das condições áridas do Sertão, o Tapera sustenta o meio ambiente e as famílias que lá vivem em harmonia. De acordo com Eli-

sângela, cada assentado consegue renda média mensal de dois salários mínimos. Os produtos são vendidos por meio da Cooperativa Grande Sertão, inclusive as rapadurinhas e o açúcar mascavo produzidos coleti-vamente no núcleo comunitário do assentamento.

“Terra é trabalho e tirar sustentabi-lidade dela é conseguir dignidade. A gente precisa melhorar a pro-dução, formar mais as pessoas e melhorar a educação que é a base da vida. Com isso, a gente caminha para um assentamento cada vez mais sustentável e digno”, prospec-ta Elisângela.

O Incra desapropriou a área e, em 1995, criou o assentamento, garantindo a posse às famílias e dando ao meio ambiente um novo horizonte.

INCRA - Ministério do Desenvolvimento Agrário - Governo Federal, Brasília, 25 de maio de 2012.

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Bioma pampaTexto de Marja Pfeifer Coelho

(Porto Alegre/RS)

Bom para o Pampa e para a saúde

Preservação e saúde ganham es-paço nas áreas úmidas do Pampa brasileiro: as lavouras de arroz or-gânico estão se consolidando como alternativa produtiva nos assenta-mentos da reforma agrária. Nesta safra, 407 famílias trabalharam em 3,4 mil hectares, e os números finais da colheita devem chegar a 300 mil sacas (15 mil toneladas).

A produção será em boa parte beneficiada nos próprios assen-

INCRA - Ministério do Desenvolvimento Agrário - Governo Federal, Brasília, 25 de maio de 2012.

tamentos, em estruturas viabi-lizadas por meio de programas do Incra e do Governo Federal ou com recursos das próprias cooperativas. Redução no custo da produção, agregação de valor e um arroz diferenciado são al-gumas das vantagens do plantio orgânico e do domínio da cadeia pelos próprios agricultores. Mas uma das maiores qualidades das lavouras é o cuidado com o meio ambiente.

Maior produtor brasileiro

Dos biomas brasileiros, o Pampa é o único que está presente em apenas um estado: ocupa 63% do território do Rio Grande do Sul. Os campos característicos da paisagem gaúcha, com vegetação densa próximo a cursos d’água, abrigam as principais áreas úmi-das – que têm sido especialmente exploradas com o cultivo de arroz irrigado.

De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-mento (Mapa), o Brasil é o nono produtor mundial de arroz. O Sul do País contribui com 54% da pro-dução, e o RS é o maior produtor brasileiro – conforme projeção da Companhia Nacional de Abaste-cimento (Conab) - maio de 2012 - , a safra deste ano no País deve ficar em torno de 11,8 milhões de toneladas, dos quais 7,7 milhões colhidos em solos gaúchos.

Conservação do Pampa

Como lembra a bióloga e pes-quisadora do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotâni-ca do estado, Luiza Chomenko, a cultura do arroz no Sul tem mais de um século e recebeu incen-tivos a partir da década de 60, expandindo-se para as áreas de banhados. Também foram adotadas novas tecnologias e insumos, como agrotóxicos e

sementes mutagênicas. “Todos estes fatores conduziram à situação atual, da produção de arroz no estado ser considerada uma das de mais alto impacto ambiental, motivação que tem conduzido à busca constante de novos sistemas de produção que compatibilizem uma melho-ria de qualidade ambiental alia-da a aspectos socioeconômicos e culturais”, afirma Luiza.

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A preocupação é internacional:entidades e organizações do Brasil,Argentina, Uruguai e Paraguai for-maram a Alianza del Pastizal, que tem promovido diversas ações em favor da conservação do Pampa. Em 2010, um projeto voltado para as áreas de arroz, com a participa-ção da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, promoveu um simpósio internacional em Uru-guaiana. Na declaração resultante do evento são apontados os im-pactos das lavouras convencionais de arroz nas áreas úmidas, contri-buindo para a perda de biodiver-sidade e mesmo para a extinção de espécies. O texto recomenda a atenção do setor público a boas práticas ambientais de cultivo.

Atenção que já está presente nos assentamentos. A opção pelo plantio orgânico marca a trajetória de vida dos agricultores. “A gente passa a entender como deve traba-

arroz orgânico, além de investir na criação leiteira e suína e em hortas. No Capela, nem todos os agricul-tores trabalham com arroz, mas a cooperativa tem parceria com mais ou menos 15 famílias não associa-das, o que amplia a área de plantio para cerca de 500 hectares. Entre os assentamentos, a terceira maior área do estado.

Processo de produção

O trabalho na lavoura inclui o preparo do solo, o plantio, o cuidado com o manejo da água e a colheita. Nesta safra, no final de abril a colheita já estava encerra-da. Até agosto, a área permanece em pousio, e então é iniciado o preparo do solo. Para Milton Manfron, que lida direto na la-voura, esta etapa é a mais traba-lhosa. “Tem que fazer a beira das taipas, passar arado, rotativa e

grade”, explica o agricultor.No Capela, duas variedades de agulhinha – a Irga 417 e a Epagri 108 – são plantadas, além do arroz cateto, um grão mais arredondado também conhecido como formosa. As sementes vêm da unidade de Eldorado do Sul ou são produzidas no próprio assentamento.

Elas são preparadas em sacos com água por até 48 horas, depois, são retiradas da água e germinam – quando o broto tem entre dois e três milímetros, já pode ser lança-do na terra alagada. Este sistema de plantio do arroz pré-germinado garante que o manejo da lâmina de água controle plantas concor-rentes, sem a necessidade de uso de agrotóxicos.

A colheita dura em torno de dois meses, mas o beneficiamento é feito durante todo o ano. O Capela é um

dos assentamentos com estrutura completa, que possibilita armazena-mento, secagem, processamento e embalagem. O arroz sai pronto para a comercialização, sendo entregue para a merenda escolar, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), para a Conab, feiras diversas e pontos de venda variados, como a Loja da Reforma Agrária, no Mercado Público de Porto Alegre.

A unidade de beneficiamento do Ca-pela dá conta da produção própria e também de parte do que é colhido em outros assentamentos. O enge-nho tem uma capacidade de proces-samento de três mil quilos por hora. Entre recepção, beneficiamento e embalagem, uma área de mais de 440 metros quadrados é utilizada.

Outra unidade de beneficiamento está localizada no assentamento Lagoa do Junco, em Tapes. Além

lhar na terra. Que não deve usar agrotóxico, que acaba poluindo, agride os bichos. Não corremos risco de envenenamento”, conta Milton Manfron, do assentamento Capela, em Nova Santa Rita – que está entre os primeiros projetos da reforma agrária a adotar o cultivo orgânico do arroz no Rio Grande do Sul. Organização: segredo do sucesso

Um dos fatores que contribuem para o sucesso da produção é a organização das famílias. No caso do Capela, o processo se iniciou ainda na época do acampamento, em Boa Vista do Incra. “Queríamos trabalhar em conjunto, visitamos cooperativas”, lembra o agricultor Airton Rubenich. Um ano depois de assentados, em 1995, a Coope-rativa de Produção Agropecuária de Nova Santa Rita (Coopan) já estava formalmente criada.

O cultivo orgânico já era adotado para as hortas. O arroz, entretan-to, era uma cultura desconhecida para as famílias, que aprenderam com produtores locais a forma convencional de cultivo. “Como a lavoura era grande, chegamos a passar veneno de avião”, conta Rubenich. Os agricultores sofre-ram intoxicações, com casos de hospitalização. O debate sobre uma forma mais saudável de

plantio ganhou espaço.Para Rubenich, três fatores co-laboraram na decisão de plan-tar organicamente: a saúde dos assentados, o domínio da técnica de plantio de arroz pré-germinado – feito na maneira convencional, mas que no cultivo orgânico pos-sibilita o controle do nível de água nos quadros cultivados, e a experi-ência em outros assentamentos.

As primeiras lavouras, experimen-tais, foram realizadas em até dois hectares, há mais de dez anos. Não havia técnica acessível. Os assen-tados foram gradualmente apren-dendo na prática o que era bom para a lavoura. Havia necessidade de sistematizar e trocar experi-ências. Para isto, os assentados começaram a realizar seminários, e em 2004 formaram o Grupo Ges-tor do Arroz Ecológico, que planeja as safras e o beneficiamento da produção.

Atendendo às necessidades legais, o processo de certificação das lavouras nos assentamentos se iniciou em 2002. Hoje, é realizado por meio do Instituto de Mercado Ecológico (IMO) e pela Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul, por meio de um Sistema Interno de Controle (SIC).

Atualmente, a Coopan tem 53 sócios e planta 220 hectares de

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disso, a produção de arroz orgânico da reforma agrária conta com estru-turas de secagem e armazenagem também nos assentamentos Apolô-nio de Carvalho, em Eldorado do Sul, e Filhos de Sepé, em Viamão. Todo esse aparato tem recebido investi-mentos do Incra, especialmente por meio do Programa Terra Sol, que já destinou R$ 1,2 milhão para as unidades que realizam o beneficia-mento da produção.

Qualidade

Antes de beneficiar o arroz, que vem de vários assentamentos, uma amostra com informações do local e do produtor é cuidado-samente analisada em um labo-ratório na unidade de beneficia-mento. Com isso, os agricultores conseguem manter a qualidade e o controle do produto final.

Inovações e melhorias também estão sendo incorporadas. Uma delas é a embalagem a vácuo. A Coopan investiu na aquisição de maquinário adequado, que aumenta a durabilida-de do produto para cerca de um ano, contra os 180 dias da embalagem convencional. Metade da produção está sendo embalada assim, o que

favorece especialmente os mer-cados em outros estados, como a venda para a merenda escolar em municípios de São Paulo.

Com bons números, a produção de arroz orgânico nos assentamentos tem se consolidado como alterna-tiva econômica e ambiental. “Os sistemas de produção agroecológica são socialmente mais justos e vêm chamando a atenção de um público consumidor cada vez mais exigente no que se refere à qualidade dos produtos empregados, principal-mente se considerados aspectos de segurança alimentar”, afirma a pesquisadora Luiza Chomenko.

“Às vezes, pode-se dizer colhi um pouco menos, mas ganhei em preservação, na saúde da família e de quem compra”, diz o agricultor Manfron. O trabalho é grande, mas compensa. Everaldo Balbinot é o “moleiro” desde que iniciou o beneficiamento. O pó e o barulho do engenho são companheiros de jornada, mas ele considera a função tranquila. Quando pergun-tado sobre qual a melhor etapa da produção, a resposta é rápida: “No prato!”. Quem prova do sabor da preservação concorda.

• 11 municípios

• 16 assentamentos

• 407 famílias

• 3,4 mil hectares

• 300 mil sacas

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Texto de Cíntia Melo(Salvador/BA)

Terra Vista oferece educação e conhecimentos e se prepara para a agroecologia do futuro

Um local agroecológico, que desenvolve cacaueiros resisten-tes a pragas e fungos e produz até 150 mil mudas de espécies nativas da Mata Atlântica. Além disso, abriga dois centros edu-cacionais que oferecem ensino fundamental, cursos profissio-nalizantes e de nível superior com enfoque na agroecologia para 854 estudantes. Esse es-paço, onde a preservação da natureza está interiorizada nas 55 famílias de moradores e nas

INCRA - Ministério do Desenvolvimento Agrário - Governo Federal, Brasília, 25 de maio de 2012.

Bioma MATA ATLÂNTICA

declarações dos estudantes, é o assentamento Terra Vista, localiza-do no município de Arataca, a 505 quilômetros de Salvador (BA).

As experiências apreendidas se refletem nas atividades que os as-sentados vêm desenvolvendo. En-tre agosto e setembro de 2012, por exemplo, eles começam a entregar 75 mil mudas de cacau e de plan-tas nativas da Mata Atlântica para outras 500 famílias de assentados, quilombolas e indígenas da região

Os números do arroz orgânico(safra 2011/2012)

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Sul da Bahia, por meio de uma par-ceria com o governo do estado.

Também irão transferir para essas comunidades a tecnologia desen-volvida sobre plantio de cacaueiros resistentes e sobre conservação e manejo ambiental. Trata-se de conhecimentos adquiridos com a Unidade Demonstrativa Cacauei-rado Terra Vista, em que a produ-tividade evoluiu, por hectare, de 0,4 para 94 arrobas em seis anos. Cada arroba pesa 14,6 quilos.

Preocupação ambiental levada a sério

A preocupação ambiental é tão levada a sério que dos 913 hec-tares do Terra Vista, 34% da área é de Reserva Legal, ou seja, 14% além do mínimo exigido pela legis-lação ambiental. É na reserva onde estão identificadas 400 matrizes arbóreas e frutíferas fornecedoras

das sementes para a produção das mudas nos viveiros e na estufa (que acelera a germinação) do as-sentamento.

As mudas são de essências de ma-deira de lei. Jequitibá, Jacarandá, Ipê Amarelo, Pau-Brasil, Jatobá e Cedro, além de outras infinidades de es-pécies que já povoam o Terra Vista. Desde 2000, cerca de cem mil mu-das foram plantadas, recompondo matas ciliares e passivos que já ha-via na área quando o assentamento foi criado, em 1995.

No Terra Vista o verde transcende a paisagem e mergulha em expe-rimentos, sonhos e nas próprias escolhas das famílias, junto com o colorido de flores, frutos e semen-tes. O assentamento é coletivista, ou seja, não há lote convencional-mente demarcado como ocorre na maioria dos assentamentos da reforma agrária.

Expectativas

Segundo o coordenador da Coope-rativa de Produção Agropecuária Construindo o Sul (Cooprasul) do Terra Vista, Joelson Ferreira de Oliveira, o assentamento pode comercializar mudas nativas e se tornou apto a prestar serviços na recuperação de passivos ambien-tais e na implantação de Sistemas Agroflorestais (SAF).

Oliveira espera pela definição de políticas públicas voltadas à recupe-ração ambiental da Mata Atlântica na região Sul da Bahia. “Esperamos participar do reflorestamento de cem mil hectares de mata na região, caso seja exigida a recuperação dos passivos existentes”, afirma.

Outra perspectiva é de atuação na Bacia Leste, que envolve a re-cuperação das nascentes dos rios Almada e Cachoeira. “São políticas

públicas que podem ser adotadas e nós estamos aptos a colaborar”, afirma.

Impulso inicial

As engrenagens para o desenvolvi-mento da agroecologia ganharam ritmo com a implantação do Projeto de Recuperação e de Conservação dos Recursos Naturais do Incra, que promoveu a recuperação de Reser-vas Ambientais e Áreas de Preserva-ção Permanentes (APPs), e a inclu-são de práticas conservacionistas e de educação ecológica, em 2006.

Nos anos seguintes, as famílias recuperaram a mata ciliar do Rio Aliança, que corta o assentamento, e também recompuseram a vege-tação de cultivo de cacaueiros no sistema de Cabruca. Trata-se de um tipo de SAF, que consiste no plantio de cacau entre os remanes-centes de Mata Atlântica.

A ação do Incra foi o primeiro impulso, mas as participações do Instituto Cabruca, de Ilhéus, e da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) foram decisivas para o avanço do modelo agrícola entre as famílias do Terra Vista. As par-cerias prepararam os assentados para a produção de mudas, con-solidando conhecimentos sobre biodiversidade e as técnicas de preservação e manejo.

Atualmente, o processo produtivo das mudas é certificado pelo Mi-nistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). As famílias também aguardam a certificação orgânica do Instituto Biodinâmico (IBD), que deve sair até o fim do ano.

Há quatro anos entraram em processo para conquistar a certifi-cação e têm seguido as condicio-nantes do IBD à risca, segundo o

agrônomo Augusto Araújo, profes-sor do Centro Estadual de Educa-ção Profissional do Campo Milton Santos. Com o certificado, Araújo conta que a produtividade ficará até 30% mais valorizada no mer-cado. “Aqui não havia manejo ade-quado e nem controle de doenças e pragas. Em seis anos, a história mudou e a certificação concretiza procedimentos orgânicos pratica-dos pelas famílias”, conta.

O êxito do Terra Vista, com a in-corporação da agroecologia e seu arcabouço tecnológico, foi apre-sentado no II Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológi-ca, entre 28 de maio e 1º de junho de 2012 , em Florianópolis (SC).

Atitudes ambientalmente corretas

Os dois centros educacionais são alicerces que contribuem para con-

“A agroecologia é um modo de vida. Além disso, proporciona sustentabilidade, alimentos saudáveis. É o meu futuro e minha carreira dentro da realidade do assentamento”. Francisco Villas Bonfim é filho de assentado e estuda o curso técnico em Agroecologia. Seu sonho é fazer a graduação na mesma área em Curitiba (PR).

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INCRA - Ministério do Desenvolvimento Agrário - Governo Federal, Brasília, 25 de maio de 2012.

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solidação da agroecologia no Terra Vista. São duas escolas com boas instalações, onde os estudantes dão relatos positivos quanto à qua-lidade de ensino.

Trata-se do Centro Integrado Flo-restan Fernandes, pertencente ao assentamento, e do Centro Esta-dual de Educação Profissional do Campo Milton Santos (Ceepc), do governo do estado, que começou a funcionar em 2008.

O Ceepc abriga 654 estudantes de 11 municípios em cursos de ensino médio profissionalizante nas áreas de Agroecologia, Agroextrativismo, Agroindústria, Zootecnia, Meio Am-biente e Informática. Há nove salas que atendem estudantes diurnos e noturnos.

A estudante de Zootecnia Kari-na Lima conta que já terminou o segundo grau, mas resolveu fazer o profissionalizante. “Tam-bém estou me preparando para o vestibular, pois o ensino aqui é bom”. Já a colega de turma, Mile-na Santos, confessa que, inicial-mente, assustou-se em estudar numa escola de assentamento. “Fiquei receosa, mas quando che-guei aqui me surpreendi com a

qualidade de ensino e das insta-lações”. Ambas moram na cidade de Arataca.

Florestan Fernandes

As instalações do Florestan Fernandes abrigam o curso superior de Agrono-mia, com ênfase em Agroecologia, do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), do Incra, em parceria com a Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

Lá também funcionam as turmas do Ensino Fundamental, que rece-bem 150 alunos de assentamen-tos, acampamentos e filhos de tra-balhadores rurais da região, manti-das pela prefeitura de Arataca.

O curso de Agronomia, único na área voltado exclusivamente para assentados e filhos de assentados, tem, no Terra Vista, 50 estudantes de várias regiões do estado. Eles cursam o nono período e con-cluem a graduação no fim do ano. Até julho, os estudantes cumprem o tempo escola de 90 dias e depois seguem para suas áreas de refor-ma agrária para cumprir o período de atividades curriculares nas co-munidades de origem. Quando estão no tempo escola,

têm aulas, desenvolvem grupos de estudos e alguns experimentos em tempo integral. O técnico agrícola e graduando Marcos Vinícius Nas-cimento destaca a grade curricular focada nas demandas essenciais dos agricultores assentados como um dos diferenciais do curso. “É preciso conhecer a cultura dos as-sentamentos e com eles construir a transição coletiva para as técni-cas orgânicas”, explica.

A colega Maria do Carmo Santos rei-tera a importância do entendimento da questão social para assistir agri-cultores familiares e assentados. “Só com a integração dos aspectos social e ambiental se constrói, com segurança, uma produtividade agro-ecológica e consciente. E é justo esse nosso papel como agrônomos da reforma agrária”.

Nascimento é assentado em Santa Cruz do Ouro, no município de Ita-maraju, no extremo Sul da Bahia. “Trabalho com três hectares de café e já estou fazendo a transição para o modelo orgânico. Já eliminei a parte química”. Ele conta que não pretende parar os estudos quando concluir Agronomia e quer se espe-cializar em manejo e conservação de solos e água.

Tecnologia e produtividade

Há dois anos, a tecnologia obtida na unidade demonstrativa do Terra Vista foi transferida para os assenta-dos. Com isso, obteve-se o aumento da produtividade dos cacaueiros que, em média, atingiram 50 arro-bas por hectare na safra de 2011.

Cada assentado é responsável, em média, por quatro hectares de cacaueiros, o que significou uma produtividade de 200 arrobas. Vendido a preços atuais de R$ 75 a arroba, cada família faturaria R$ 15 mil só com a comercialização da fruta. A safra 2012 é aguardada para setembro.

O assentado Ailton Mendonça está com 750 cacaueiros recupe-rados e produzindo. Ele tem tam-bém outros dois mil pés jovens. Além disso, possui 200 pés de cupuaçu e 600 bananeiras. Con-tudo, ao falar de lucro, ele des-pista. “Digo só que a agroecologia mudou nossas expectativas. Os

cacaueiros estavam perdidos pelo fungo da vassoura-de-bruxa”.

As famílias do Terra Vista também plantam milho, hortaliças e alguns cuidam de cafezais. As safras são vendidas em feiras dos municípios de Arataca, Camacan, Paraíso e Pau- Brasil e no povoado de Panelinha.

Realizando sonhos

Para o Terra Vista ter se tornado uma referência em agroecologia, há 12 anos, um visionário começou a lutar pelo que acreditava junto com as famílias do local. Trata-se do coordenador da Cooprasul, Joelson Ferreira de Oliveira, que se dedicou a realizar os sonhos da comunidade. Buscou políticas públicas e, atualmen-te, gerencia o que ele chama de tran-sição para o modelo agroecológico.

“O Terra Vista ainda está em transi-ção para um novo modelo porque a agroecologia requer tempo. É pre-ciso que haja mudança na cultura e nos costumes dos agricultores.

As iniciativas devem ser discutidas entre as famílias para que sejam implantadas nas lavouras”, ressalta.

Defensor assíduo do modelo produ-tivo, Oliveira destaca que a agroeco-logia possibilita fixar o homem no campo e propiciar sua independên-cia. “Além disso, permite a proteção da biodiversidade para as gerações atuais e futuras”, complementa.

Contudo, ele frisa que só se pode desenvolver a agroecologia com profundidade quando a terra está agregada à ciência e às tecnologias adequadas. “As famílias precisam de certo grau de conhecimento para avançar e também precisa-mos ter a comunidade regional como parceira”, frisa.

Para Joelson, é isso que eles estão fazendo por meio do Centro Edu-cacional Milton Santos. “Os jovens interagem com nossas ideias e as levam para suas comunidades, além de obter formação voltada para a agroecologia”, finaliza.

Ernesto Guevara Bonfim cursa o último ano do profissionalizante em Agroecologia, como o irmão Francisco Bonfim. Ernesto conta que trabalhar nos viveiros enriquece a formação profissional. “Aprendi as práticas para a produção de mudas orgânicas”.

“Dentre os cacaueiros, observei a planta que era resistente. Dela tirei as mudas e fiz os enxertos. Deu certo. Não precisei usar nada além de aplicar o que aprendi aqui para combater a vassoura-de-bruxa”. Ailton Mendonça.

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Textos de Osny Araújo(Amazonas/AM)

De Carvoeiros e lenhadores a Ecoagricultores

Aos poucos, os assentamentos Tarumã-Mirim e Água Branca vão mudando de perfil e apa-gando uma mancha na sua his-tória, passando de uma grande carvoaria para fonte de refe-rência na produção de frutas, verduras e hortaliças orgânicas, além do trabalho de reflores-tamento em áreas degradadas feito pelos próprios assentados.

Nos dois assentamentos, criados na zona rural de Manaus pelo In-

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cra em 1992, durante algum tempo as famílias trabalharam na produção de carvão sem preocupação com a devastação causada pela retirada da madeira. Mas aos poucos se deram conta e se conscientizaram de que o sustento feito dessa maneira era danoso para a natureza e perverso com os próprios assentados, pois o trabalho era muito e a remuneração irrisória.

Hoje a história do assentamento é outra, com uma grande guinada

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rumo à produção da agricultura familiar de forma sustentável, pro-duzindo sem agredir a natureza. E mais, os próprios assentados, que no passado derrubaram a mata, hoje trabalham no reflorestamento das áreas degradadas no assentamento.

De bem com a natureza

No Tarumã-Mirim, as famílias ti-veram oportunidade de fazer as pazes com a natureza, aliando técnicas sustentáveis para o cultivo de alimentos orgânicos, com orga-nização, mobilização e capacitação dos assentados. E com a chegada do associativismo surgiu o Projeto Tarumã Vida.

Os bons resultados não demora-ram a aparecer e, a partir daquele momento, as estratégias de co-mercialização dos produtos orgâni-cos passaram a ser feitas de forma conjunta. Imediatamente a renda das famílias começou a melhorar. Com isso a vida de todos também começou a mudar.

Eles passaram a usar informações do Banco de Tecnologias Sociais, da Fundação Banco do Brasil, um banco de dados que integra solu-ções e exemplos de boas práticas que podem ser conhecidas e con-sultadas por tema, área de atua-ção, entidade executora, público--alvo, região, estado. Com base em experiências bem-sucedidas de outras comunidades, as coisas ca-minharam a passos largos para o sucesso, e a fotografia do Tarumã-Mirim mudou literalmente.

A prova maior dessa transforma-ção ocorreu quando conseguiram vencer o Prêmio Banco do Brasil de Tecnologia Social, em 2011. O prêmio reconhece e dissemina ini-ciativas sociais que garantem me-lhores condições de vida por meio da valorização da própria vida, cidadania, igualdade dos direitos do espírito solidário e respeito à natureza e ao planeta.

Para a conquista do prêmio, o pas-so inicial foi reunir as comunidades do assentamento para uma grande reflexão em conjunto sobre a sus-tentabilidade das atividades produ-tivas. A partir daí, com o auxílio da tecnologia e já com uma boa dose de conscientização os rumos da história começaram a mudar.

Mudando a realidade

Antonio Ivaldo de Souza, assentado e presidente da Associação Agrícola do Ramal do Pau-Rosa, onde fica também o assentamento Tarumã, conta que no passado desmatou a região. “Por uma questão de sobre-vivência e de falta de conhecimento da importância em se preservar a natureza, ajudei a desmatar essa região”, fala sem disfarçar o cons-trangimento. “Mas hoje me orgulho em dizer que tudo é diferente. Mu-damos a história do assentamento trabalhando com agricultura familiar orgânica. Começamos a recompor a natureza no Tarumã-Mirim, a partir do Ramal do Pau-Rosa”, relembra orgulhoso.

Outro agricultor, Josuel dos Santos, que tem como fonte de renda a produção de banana, conta que está

satisfeito com o que vem fazendo e afirma que deixou de trabalhar com agrotóxicos e optou pela produção orgânica para proteger a saúde da família e dos consumidores. “Traba-lhar com agrotóxicos ou inseticidas põe em risco a saúde das pessoas. Já com o orgânico, além de proteger a saúde ajudamos a cuidar da natu-reza”, afirma.

Participação em feiras

A mudança de cenário alcançou também os assentados de Água Branca. Conscientes do valor da natureza, as famílias que moram lá estão cada vez mais envolvidas com a preservação do meio am-biente e aumentando a produção de alimentos orgânicos.

Maria Luiza Dantas, conhecida como Lola, é uma assentada que só trabalha com orgânico e tem se dado muito bem. No lote ela tem de tudo um pouco, frutas, verduras hortaliças, galinhas, patos e gan-sos. Lola garante que vende tudo o que leva para as feiras das quais participa. A assentada tem cacau, pupunha, açaí, patauá, graviola, manga, biriba, bacuri, araçá-boi, coco, jambo, e agora começou um plantio de castanheiras.

Toda a produção dos dois assen-tamentos no entorno de Manaus é retirada dos assentamentos por carros do Incra e da prefeitura e levada uma vez por semana para as feiras da Secretaria de Estado da Produção Rural (Sepror) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), bastante conhecidas pelos produtos orgâni-cos que são comercializados.

Novo foco

A produção de orgânicos na refor-ma agrária no Amazonas não se restringe apenas aos assentamen-tos Tarumã-Mirim e Água Branca. Ela se espalha pelos vários proje-tos situados nas áreas de várzea, por meio de um trabalho conjunto entre o Incra no Amazonas e a Se-cretaria do Patrimônio da União, que permitiu ao Instituto levar as políticas da reforma agrária para atender aos varzeiros.

Segundo a superintendente do Incra/AM, Maria do Socorro Mar-ques Feitosa, o foco da reforma agrária na região está na produ-ção sustentável e vem sendo feito com ênfase pela autarquia na úl-tima década. “É possível trabalhar a reforma agrária e produzir sem agredir o meio ambiente, e a ex-periência aliada a esse grande de-safio vem dando certo. Os resulta-dos são altamente positivos como podemos comprovar no Tarumã e no Água Branca”, afirma.

Com suas terras férteis, aduba-das naturalmente no período das cheias na região, o resultado da produção nesses projetos susten-táveis são orgânicos de qualidade, que ajudam a abastecer o merca-do manauara. “Com esse traba-lho nas áreas de várzea, além de levarmos inclusão social a esses brasileiros, estamos mostrando que é possível produzir em har-monia com a natureza, sem des-matar, o que significa dizer que estamos fazendo no Amazonas uma reforma agrária com dignida-de e responsabilidade com o pla-neta”, conclui a superintendente.

Projeto Tarumã VidaO Projeto Tarumã Vida teve início em 2005 com o objetivo de promover a conservação dos recursos naturais em unidades de produção familiar, por meio da gestão territorial rural, do planejamento e manejo agroflo-restal integrado e da prestação de serviços ambientais. O proje-to é financiado com recursos da Embrapa, aprovado em edital

do macroprograma de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura Familiar e à Sustentabilidade do Meio Rural. É desenvolvido nas co-munidades Pau-Rosa, Buriti e Cris-tiano de Paula, do assentamento Tarumã-Mirim. Nele os associados passaram a se organizar em torno do uso sustentável de sua proprie-dade e têm abastecido feiras de Manaus com hortaliças e frutas.

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www.incra.gov.br