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Revista SÍNTESE Direito Desportivo ANO IV – Nº 20 – AGO-SET 2014 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Valdinéia de Cássia Tessaro de Souza CONSELHO EDITORIAL Alberto dos Santos Puga Barbosa Carlos Miguel C. Aidar Cristiano Augusto Rodrigues Possídio Domingos Sávio Zainaghi Fábio Lira da Silva Fernando Tasso de Souza Neto Gustavo Lopes Pires de Souza Marcelo Jucá Barros Martinho Neves Miranda Milton Jordão Paulo Bracks Rafael Teixeira Ramos Roberto Soares de Vasconcellos Paes Sandro Mauricio de Abreu Trindade COMITÊ TÉCNICO Alexandre Ramalho Miranda Caroline Nogueira Accioly COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Caren Vian Cerezere, Cassio M. C. Penteado Jr., Fábio André Guaragni, Fábio Menezes de Sá Filho, Gustavo Lopes Pires de Souza, João Paulo Romero Baldin, Leonardo Schmitt de Bem, Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni, Rafael Teixeira Ramos, Rômulo de Andrade Moreira, Rosario de Vicente Martínez, Vanderlei de Lima ISSN 2236-9414

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Revista SÍNTESEDireito Desportivo

Ano IV – nº 20 – Ago-Set 2014

DIretor executIVoElton José Donato

gerente eDItorIAl e De conSultorIAEliane Beltramini

coorDenADor eDItorIAlCristiano Basaglia

eDItorAValdinéia de Cássia Tessaro de Souza

conSelho eDItorIAlAlberto dos Santos Puga Barbosa

Carlos Miguel C. AidarCristiano Augusto Rodrigues Possídio

Domingos Sávio ZainaghiFábio Lira da Silva

Fernando Tasso de Souza NetoGustavo Lopes Pires de Souza

Marcelo Jucá BarrosMartinho Neves Miranda

Milton JordãoPaulo Bracks

Rafael Teixeira RamosRoberto Soares de Vasconcellos PaesSandro Mauricio de Abreu Trindade

comItê técnIcoAlexandre Ramalho Miranda

Caroline Nogueira Accioly

colAborADoreS DeStA eDIçãoCaren Vian Cerezere, Cassio M. C. Penteado Jr., Fábio André Guaragni, Fábio Menezes de Sá Filho,

Gustavo Lopes Pires de Souza, João Paulo Romero Baldin, Leonardo Schmitt de Bem, Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni, Rafael Teixeira Ramos, Rômulo de Andrade Moreira,

Rosario de Vicente Martínez, Vanderlei de Lima

ISSN 2236-9414

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 2.000

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Desportivo. – Ano 4, n. 20 (ago./set. 2014)- . – São Paulo: IOB, 2011- .

v. ; 23 cm.

Bimestral. ISSN 2236-9414

1. Ciências sociais aplicadas – Periódico. 2. Esportes – Legislação – Periódico. 3. Justiça desportiva – Periódico.

CDU: 34:796 CDD: 344.81099

Bibliotecária responsável Jucelei Rodrigues Domingues – CRB 10/1569

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Passado o momento histórico em nosso país com a Copa de 2014, outras questões surgiram na seara.

Aspectos jurídicos abordados nos levaram a escolher, como Assunto Es-pecial desta Edição da Revista SÍNTESE Direito Desportivo, o tema “Copa – As-pectos Jurídicos”.

Para acalentar ainda mais a temática, os Mestres em Direito Desportivo, os Drs. Rafael Teixeira Ramos, Rômulo de Andrade Moreira e Cassio M. C. Penteado Jr. colaboraram com os seguintes temas, respectivamente: “Desporto, Constituição e Copa do Mundo 2014”, “A Lei da Copa e a Liberdade de Ex-pressão”, e “A Admissão da Prova de Ato ou Conduta Antidesportiva por Meio Audiovisual. O Caso Luis Suárez na Copa do Mundo FIFA 2014”.

Já na Parte Geral publicamos um vasto conteúdo, atual e relevante, no Direito Desportivo, como Ementário de Jurisprudência, Acórdãos na Íntegra, Clipping Jurídico, Bibliografia Complementar, Doutrinas e Seções Especiais.

Na Seção de Doutrinas, selecionamos o texto do Dr. Gustavo Lopes Pires de Souza analisando o “Mecenato e Incentivo ao Desporto: Novos Rumos”; o Dr. Fábio Menezes de Sá Filho tece consideração sobre a “Análise da Natureza Jurídica do Bom Senso Futebol Clube e a Possibilidade do Exercício do Direito de Greve”; o Professor Leonardo Schmitt de Bem estuda “A FIFA e o Direito Penal”; o Dr. Fábio André Guaragni comenta sobre os “Aspectos Penais do Cambismo nos Espetáculos Desportivos: a Lei de Economia Popular e o Estatuto do Torcedor”; o Dr. João Paulo Romero Baldin questiona sobre “O Regime So-cietário dos Clubes de Futebol e as Responsabilidades de seus Dirigentes”; e o Dr. Rosario de Vicente Martínez aborda “O Delito de Doping Esportivo”.

Na Seção Especial intitulada “Estudo Dirigido”, os Professores Caren Vian Cerezere e Vanderlei de Lima fazem uma ampla análise dos “Torcedores Violentos ou Seres Humanos Problemáticos? Breve Reflexão Antropológico--Psicológica”.

Por fim, destacamos, também, as Seções Especiais intituladas “Prática Processual” e “Sentença na Íntegra”, nas quais publicamos a Reclamação Tra-balhista do Advogado Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni e a decisão proferida pelo magistrado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.

Desejamos a você, leitor, uma excelente leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos .......................................................................... 7

Assunto EspecialCopa – aspeCtos JurídiCos

doutrinas

1. Desporto, Constituição e Copa do Mundo 2014Rafael Teixeira Ramos ..................................................................................... 9

2. A Lei da Copa e a Liberdade de ExpressãoRômulo de Andrade Moreira ......................................................................... 21

3. A Admissão da Prova de Ato ou Conduta Antidesportiva por Meio Audiovisual. O Caso Luis Suárez na Copa do Mundo FIFA 2014Cassio M. C. Penteado Jr. ............................................................................. 25

Parte Geraldoutrinas

1. Mecenato e Incentivo ao Desporto: Novos RumosGustavo Lopes Pires de Souza ....................................................................... 30

2. Análise da Natureza Jurídica do Bom Senso Futebol Clube e a Possibilidade do Exercício do Direito de GreveFábio Menezes de Sá Filho ........................................................................... 41

3. A FIFA e o Direito PenalLeonardo Schmitt de Bem ............................................................................. 51

4. Aspectos Penais do Cambismo nos Espetáculos Desportivos: a Lei de Economia Popular e o Estatuto do TorcedorFábio André Guaragni ................................................................................... 61

5. O Regime Societário dos Clubes de Futebol e as Responsabilidades de Seus DirigentesJoão Paulo Romero Baldin ............................................................................ 87

6. O Delito de Doping EsportivoRosario de Vicente Martínez ......................................................................... 99

JurisprudênCia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça ........................................................................ 1272. Tribunal Superior do Trabalho .................................................................... 1433. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios .............................. 1484. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ................................................. 1565. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo ........................................... 1606. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região ............................................. 165

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7. Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região ............................................. 174

ementário

1. Administrativo e Constitucional .................................................................. 1802. Civil ............................................................................................................ 1823. Penal .......................................................................................................... 1914. Previdenciário ............................................................................................. 1925. Trabalhista .................................................................................................. 1936. Tributário .................................................................................................... 201

Seção Especialestudo dirigido

1. Torcedores Violentos ou Seres Humanos Problemáticos? Breve Reflexão Antropológico-PsicológicaCaren Vian Cerezere e Vanderlei de Lima................................................... 204

prátiCa proCessual

1. Reclamação TrabalhistaLucas Thadeu de Aguiar Ottoni ................................................................... 219

sentença na íntegra

1. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região ............................................... 226

Clipping Jurídico ................................................................................................... 233

Bibliografia Complementar ....................................................................................... 241

Índice Alfabético e Remissivo ................................................................................... 242

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

1. Os artigos para publicação na Revista SÍNTESE Direito Desportivo deverão ser técni-co-científicos e focados em sua área temática.

2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho rece-bido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos

jurídicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter, além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO

AUTOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisa-mente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finalizadas por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-bico”. À Editora reserva-se o direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A primeira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comen-tários à jurisprudência, o número de páginas será de, no máximo, 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços ele-trônicos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/ca-dastrodeautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Copa – Aspectos Jurídicos

Desporto, Constituição e Copa do Mundo 2014

RAFAEL TEIXEIRA RAMOSMestrado em Ciências Jurídico-Laborais e Pós-Graduação em Direito ao Desporto, ambos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), Conselheiro da Revista SínteSe Direito Desportivo, Professor de Pós-Graduação em Direito Desportivo.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Direito ao desporto no Brasil e Copa do Mundo; 2 Normas constitucionais específicas do desporto e a Copa 2014; 2.1 Proteção ao acesso e ao exercício da prática desportiva; 2.2 Autonomia desportiva; 2.3 Prioridade de recursos públicos; 2.4 Tratamento diferenciado (diferen-ciação); 2.5 Promoção social do desporto; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Volvidos que estamos com a Copa do Mundo FIFA 2014, não é despi-ciendo revisitarmos alguns tópicos constitucionais estabelecedores das bases do sistema desportivo brasileiro e a recente relação paradoxal com o período de organização dos jogos no Estado brasileiro.

Alguns poucos anos atrás, tivemos a oportunidade de redigir, sob uma ótica bastante técnico-jurídica, as basilares dos princípios constitucionais des-portivos dispostos no art. 217 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB). Entretanto, diante do evento FIFA de futebol e, por menção “tabelar”, as Olimpíadas de 2016 no Estado do Rio de Janeiro, jamais se poderia afastar as diretrizes jurídicas desportivas constitucionais de certas críticas que envolvem o país sede.

Cabe ressalvar, no entanto, já em linhas iniciais, que a realização de uma Copa do Mundo passa realmente por um “Estado de exceção político-jurídico” com anuência de representantes do Estado-sede. Dependendo do país, as ce-dências são iguais ou menores do que vêm ocorrendo no Brasil. Nem por isso, abdicaremos de uma breve análise crítica dos acontecimentos relacionados ao texto constitucional inerente ao desporto.

Nessa tônica, pretende-se relembrar, em breves linhas tópicas, alguns princípios constitucionais específicos do desporto na CRFB, bem como recordar

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algumas de suas garantias em matéria de desporto relacionadas à temporada de Copa do Mundo 2014.

1 DIREITO AO DESPORTO NO BRASIL E COPA DO MUNDO

A Carta Magna e as normas infraconstitucionais do ordenamento jurídico brasileiro sacramentam o direito ao desporto como um direito social funda-mental; essa asserção é facilmente verificável pelo posicionamento das normas específicas referentes ao desporto no Título VIII – Da Ordem Social, Capítulo III – Da Educação, Da Cultura e Do Desporto, Seção III – Do Desporto.

O legislador constituinte reconheceu e implantou, com a nova ordem jurídica iniciada a partir de outubro de 1988, a importância social do desporto na vida moderna de uma sociedade, seja no aspecto não profissional ou pro-fissional.

A prática do desporto é dotada de valias polifuncionais na evolução dos seres em comunidade, como a disciplina associada à educação e ao ensino; a vida em coletividade (inserção social); a convivência com as diferenças e a superação das adversidades (quebra de discriminações e paradigmas precon-ceituosos); forte instrumento de manutenção da saúde (física, mental, sensorial, espiritual) e bem-estar de uma população, a conscientização política e a criação de alternativas para produção econômica. Por conta dessa questão material, o redator constituinte considerou o direito ao desporto como objeto indispensável aos ditames de uma Constituição bastante analítica, formal e detalhista.

Nada obstante as motivações materiais de constitucionalização do des-porto no plano dos direitos sociais, a assertiva de que o desporto constitui ma-téria de direito social fundamental se apreende da própria sistematização do desporto no texto da Lei Ápice, conforme a previsão do redimensionamento dos princípios de direitos fundamentais (art. 5º, § 2º) conjuntamente com os amplos direitos sociais fundamentais de segunda dimensão (art. 6º), com a competência legislativa concorrente em matéria de “educação, cultura, ensino e desporto” (art. 24, IX), e suas decodificações diretas na assistência do Estado à garantia da prática desportiva não profissional e do fomento da prática desportiva profissio-nalizada (art. 217)1.

A retratação do desporto como direito fundamental se reproduz expres-sivamente no § 3º, art. 217 da CF/1988, correlacionado aos limiares jurídicos acima descritos e outros ao longo das normas sociais constitucionais, como são exemplos os direitos constitucionais a saúde, cultura, educação, assistência

1 CANOTILHO, J. J. Gomes. CRP: Constituição da República portuguesa anotada. 7. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 931-938.

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social, da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso etc. Fato é que o desporto estabelece relação com quase todos os segmentos constitucio-nalizados em nosso sistema jurídico2.

A reflexão da importância social do desporto em nosso ordenamento é constantemente explicitada no âmbito infraconstitucional, segundo constam a própria Lei Geral de Desportos (Lei Pelé); Estatuto da Criança e do Adolescen-te; Estatuto do Idoso; Estatuto da Juventude; Estatuto da Igualdade Racial; até o Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União, Autarquias e Fundações Públicas Federais (art. 102, X, da Lei nº 8.112/1990) etc.

Em decorrência dessa importância social fundamental do desporto em nossa ordem jurídica é que o legislador pecou por excesso antidemocrático e antijurídico na Lei Geral das Copas (Lei nº 12.663/2012), como editar normas de matérias sem nenhuma pertinência com o objeto principal da referente lei, algumas de disposição permanente, em um texto de figura normativa que de-veria ser temporária e estritamente relacionada às Copas do Mundo e Confede-rações da FIFA.

Com efeito, a Lei Geral da Copa já nasce organicamente disforme, com temas de origens e matérias diversas, como modificações de integração ao Esta-tuto de Defesa do Torcedor (Lei Permanente de Política Desportiva Nacional), assistência social de ex-atletas que representaram a seleção brasileira de futebol e as demais normatividades dirigidas às Copas.

Em consonância do que relatamos acima, tais condutas legislativas do Congresso brasileiro cindiram com a organização normativa e social do des-porto em nossa Norma Suprema, desde o apego de manobras políticas para não desagradar segmentos eleitorados, com vistas ao sempre obscuro “jeitinho brasileiro” de fazer política e economia, bem como ao arrepio das normas jurí-dicas fundantes por desconhecimento de como melhor responder às exigências da FIFA, enquanto a sociedade continua destituída da noção do impacto dessa confusa normação Copa 2014, embora insatisfeita e demonstrando intenso vo-lume de protestos em séries estratificadas e desordenadas (como é exemplo o movimento anônimo “Não vai ter Copa”).

2 NORMAS CONSTITUCIONAIS ESPECÍFICAS DO DESPORTO E A COPA 2014

Uma abordagem de relembrança normativa específica do direito ao des-porto fundados em nossa Constituição sempre é de grande valia para identificar-mos de onde viemos e qual momento estamos passando. Certo que não pode-

2 MEIRIM, José Manuel. A federação desportiva como sujeito público do sistema desportivo. Lisboa: Coimbra Editora, 2002. p. 127-198.

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12 �������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

mos exclusivamente creditar os problemas estruturais e conjunturais brasileiros por conta do evento da Copa 2014, pois não é novidade, tampouco privilégio “brazuca” protestos em megaeventos, na medida em que tais jogos internacio-nais proporcionam grandes atenções do mundo. Por outro lado, é indisfarçável o real fenômeno que tem sido as movimentações sociais em derredor das Copas (Confederações e do Mundo).

2.1 Proteção ao acesso e ao exercício da Prática desPortiva

O caput do art. 217 preconiza a dimensão mais ampla do direito ao des-porto, como um direito individual, metaindividual e coletivo ao mesmo tempo; é o direito de todo cidadão de ter acesso e exercício da prática desportiva, desde a infância até idade provecta. O direito de praticar o desporto como desenvolvimento humano individual e coletivo, sem nenhum tipo de discrimi-nação. Essa narrativa normativa deve ser diretamente agregada ao § 3º, que reza a promoção social por meio do desporto.

Assevere-se que esse estrato legal prescreve “fomentar práticas desporti-vas formais e não formais”; neste ponto, o Poder Constituinte elegeu esses dois termos “formais e não formais com intuito de estabelecer os dois pilastres mais abrangentes do desporto, que albergam todas espécies de prática desportiva.

A intenção é fornecer a possibilidade de acesso à prática desportiva às camadas menos favorecidas da sociedade e facilitar a prática dos mais abona-dos da sociedade. Portanto, o termo “formentar” utilizado pelo constituinte no caput em pauta significa além da sua interpretação estritamente literal, prefigu-rando mesmo subsídio, e não somente estímulo.

Dessa maneira, em conformidade com o caráter fundamental de segunda dimensão do direito ao desporto arquitetado na CF/1988, é inadmissível que todas as instalações desportivas para Copa 2014 (estádios, campos de treina-mentos, arredores e canteiros esportivos) tenham sido construídas com supor-te financeiro público, mas para não restar nenhum legado à população para ter acesso e prática ao desporto. É só lembrar que os cofres públicos estão se abrindo para construir e reformar estádios de clubes que só fomentam em sua grande parte atividade profissional sem ter nenhuma contrapartida – caso da Arena Corinthians (São Paulo), Arena da Baixada (Paraná), Estádio Beira-Rio (Rio Grande do Sul)

No Rio de Janeiro – e é idêntico no Ceará (apenas exemplificando) –, os megaestádios reformados (Arenas Maracanã e Castelão) foram repassados à iniciativa privada, que só explorará as estruturas para lucrar com jogos, shows e eventos com entradas de valores elevados, novamente sem nenhum tipo de contrapartida de ações sociais em matéria de prática desportiva. E isso sem con-tar com os verdadeiros elefantes brancos, seguindo a estigma do Estádio João

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RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA�������������������������������������������������������������������������������������������������������������13

Havelange, feito para o Pan-americano, como as Arenas de Manaus e Cuiabá, ou seja, verdadeiros templos construídos para pós-Copa serem deteriorados e sem acesso para a prática do desporto pelo povo.

2.2 autonomia desPortiva

A autonomia desportiva (art. 217, I, da CF/1988) tem raízes na liberdade de associação do art. 5º, XVII, da CF/1988, fundamenta o associativismo des-portivo no âmbito interno do nosso ordenamento jurídico e se coaduna com as bases sociais originárias do desporto formal (competição, competição pro-fissional), tanto na face internacional (universal), quanto no feixe nacional. Este primado principiológico confere legitimidade para a constituição associativa específica no desporto, desporto federado (confederações, federações, ligas na-cionais e internacionais), que detém a prerrogativa de se autoconstituir, auto-gerir e autonormatizar de acordo com os interesses das competições. Não resta dúvida de que esse modelo proporciona a rede de ligações bastante aprofunda-das entre o associativismo desportivo nacional e internacional (atletas, clubes, ligas, federações, confederações), representando o sistema unificado de regras e classificatórias em torno da competição e do esporte organizado/gerido3.

São corolários da autonomia desportiva: a unicidade do federativismo desportivo e o monopólio da organização de competições4.

A unicidade permite uma organização da modalidade desportiva pauta-da numa única federação, que concentra toda a representatividade de maneira singular por uma determinada região territorial em sistema de subordinação piramidal (teoria espiral ou coloidal). Essa sistemática proporciona a promoção e a exploração da respectiva modalidade esportiva de maneira uniforme em todo o globo terrestre, com suas disposições estatutárias, regulamentares, regras da modalidade, criando a chamada ordem desportiva, que, açambarcada pelo associativismo, institui o seu próprio direito – direitos federativos.

É devido à unicidade que o movimento associativo desportivo (fede-rativismo ou comitês) faz circular as mesmas normas atinentes à organização e competição da modalidade federada, como aplicações uniformes de regras classificatórias para competições internacionais a partir de competições regio-nais, nacionais; regras de regência dos jogos para quaisquer competições seja onde for; aplicação de normas quanto à relação de seus associados com as regras da modalidade e suas competições (regulação de filiação, participação, disciplinar, tudo pertinente à competição).

3 MELO FILO, Álvaro. O desporto na ordem jurídico-constitucional brasileira. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 63-91.

4 REI, Maria Raquel et al. Estudos de direito desportivo. Lisboa: Almedina, 2002. p. 44-47.

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Já o monopólio, intrinsecamente enraizado nos princípios anteriores, confere às federações desportivas que representam a modalidade o poder de monopolizar as competições oficiais, as únicas que podem organizar e chan-celar a validade oficial de competições. Exemplo: a Confederação Brasileira de Futebol impinge oficialidade às suas competições que se entrelaçam com as suas competições classificatórias internacionais da Federação Sulamericana de Futebol e da Federação Internacional de Futebol, a Confederação Brasileira de Voleibol oficializa as suas competições que se ligam às classificatórias das competições internacionais de Voleibol da Federação Internacional de Voleibol (art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.615/1998).

Esses três princípios consagram em nosso país o sistema jusprivatista na forma de administrar e legislar sobre o desporto nacional, transparecido na for-ma como o Estado apoia e credita às entidades federativas desportivas autono-mia para realizar o desporto profissional, ao passo que incentiva essas entidades a investir no desporto não profissional.

Nessa esteira, é cediço que, na esfera nacional, a receptividade da FIFA com aceitação do caderno de encargo, e o credenciamento a sede da Copa 2014 encontra um campo muito propício para competição, pelo menos na sea-ra jurídica, bem como no “Estado de Exceção Ordenamental” exigido.

Porém, nada justifica os excessos desse “Estado de Exceção Ordenamen-tal” promovidos pela LGC (Lei Geral da Copa) durante o período Copa, quando impõe uma série de normas intensamente privilegiadoras em termos de explora-ção comercial (arts. 3º a 18 da LGC); zona de exclusividade comercial a 2km de diâmetro das Arenas (art. 11 da LGC), repercutindo restrição de locomoção dos moradores e exacerbação nas sanções penais (arts. 30 a 36 da LGC), certamente essas violações a direitos fundamentais não estão no “calendário jurídico” da nossa Magna Carta. Induvidoso que a Copa 2014 gera, como geraram outras Copas em outros Estados, “exceção jurídica ordenamental”, mas essa intensi-dade também depende da capacidade e competência dos órgãos públicos e privados do país sede, o que não tem sido e não será mais o caso brasileiro.

2.3 Prioridade de recursos Públicos

Talvez aqui a CRFB seja mais violada desde que o Brasil foi declarado sede da Copa 2014 há sete anos. Nesse ponto, não se pode passar a culpa, nem ao menos dividi-la com a FIFA, pois revelou-se no que muitos brasileiros pensavam: caminhada de abertura dos cofres públicos; canteiros de obras ina-cabadas; investimentos desarrazoados com finalidades escusas; espúrios inves-timentos; confusão entre o público e privado; erros grosseiros de investimentos; algumas obras necessárias, mas com valores excessivos (superfaturados), por todo o país, de norte a sul, leste a oeste; o pior: até as obras extremamente

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necessárias que já nascem defasadas, em sua grande maioria, não se consegue finalizá-las a tempo do início do evento; temerário é que algumas nunca aca-bem ou terminem de qualquer forma, com danos ao Erário e sem nenhum tipo de legado básico que seja.

A prioridade de recursos públicos no desporto (art. 217, II, da CF/1988) significa que o Poder Público deve envidar os seus desforços econômicos prio-ritários no desporto educação, aquele esporte de base da escola pública, com a finalidade de paralelamente ao ensino e ao conhecimento contribuir na for-mação do ser humano, indivíduo, de forma individual e coletiva, imerso na sociedade, no desenvolvimento de verdadeiros cidadãos.

O termo “deporto educacional” utilizado pelo constituinte deve ser in-terpretado com uma amplitude maior, pois se aspira que os recursos sejam também utilizados com prioridade no desporto não profissional (não formal), aquele desporto público carente, em que se deve criar espaços comunitários de lazer, mantendo instalações públicas desportivas e com orientações mínimas de prática, tudo como um contributo para repudiar a violência nas ruas, valorizar a vida, a saúde e o bem-estar da população, além de reforçar o lazer comuni-tário, necessário a higiene mental, higidez do cidadão, sendo um direito social fundamental.

Nesse espectro constitucional, não significa que o Estado não possa in-vestir recursos públicos no desporto de alto rendimento (formal, profissional); ao contrário, o próprio excerto constitucional traz que, “em casos específicos, os recursos serão empregados no desporto de alto rendimento”. Depreende-se desse amparo textual a possibilidade de a máquina pública investir em instala-ções públicas que sirvam de lazer à população, ainda que seja cobrando taxa à população para usufruir esses bens públicos, como é o exemplo mais cristalino dos estádios de futebol. Então, é bom que se expresse: a Constituição da Repú-blica Federativa do Brasil não veda a possível construção de estádios.

Todavia, o que a Lei Suprema veda é a distorção dos investimentos públi-cos. No caso em apreço, o problema se afigura quando o Poder Público, ainda precário na promoção do desporto educacional público, simplesmente ignora o ditame constitucional para construir estádios da Copa do Mundo, pois são bas-tante corriqueiras as reivindicações externadas midiaticamente em localidades comunitárias sem nenhuma instalação pública esportiva e dos muitos parques nacionais esportivos, e a falta de manutenção e a deterioração dos instrumentos são uma realidade sob alegação de falta de recursos públicos.

Nesse diapasão, não violaria a Constituição a construção de estádios pa-drão FIFA em cada estado do Brasil, desde que as instalações públicas despor-tivas em geral suprissem a necessidade da população e as suas manutenções e operacionalidade estivessem em dia.

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Aqui mesmo no estado do articulista são constantes os parques esportivos na capital e no interior fechados e com instalações deteriorados. Isso quando a localidade possui algum tipo de instalação esportiva. Enquanto isso, os agentes públicos do Estado se resumem a reproduzir: “A Arena Castelão foi o primeiro estádio do País a ficar pronto”.

Mas isso não é privilégio do estado do Ceará; ao longo de todos os es-tádios ainda em construção para Copa do Mundo, é perceptível o excesso de dinheiro público sem o acabamento padrão FIFA, para entregar à iniciativa pri-vada sem nenhuma espécie de contrapartida social, legado apenas ao reboque de exploração econômica, como são os consórcios criados para administrar algumas das arenas (caso cearense Galvão & Mendonça), que só realizam jogos profissionais e shows: o que se faz de social é quase sem impacto positivo para a sociedade.

Em outros casos, o BNDES entregou reformas e construções de estádios a clubes tradicionais do futebol brasileiro a custos e juros muito privilegiados no mercado nacional: Arena Corinthians, Arena da Baixada, Estádio Beira-Rio, que também serão utilizadas para exploração profissional desportiva sem legado social. Registre-se ainda que a Arena Dunas (estado do Rio Grande do Norte) e a Arena Pantanal (estado do Mato Grosso) são fortes candidatas a se tornarem “elefantes brancos”, ou seja, mais patrimônios públicos de valores avultadís-simos sem serventia social e deteriorando ao relento, como restou o famoso Estádio Pan-Americano João Havelange no Rio de Janeiro.

Para não se alongar mais, apenas vale frisar que esse dispositivo deve es-tar em consentâneo com as demais normas constitucionais, portanto o volume de recursos públicos apregoados em obras de mobilidade urbana, aeroportos etc. foi incalculável e, até o presente momento, o que se observa são obras ina-cabadas, finalizadas de qualquer forma, obras que nunca terminarão (expansão do aeroporto internacional de Fortaleza/CE) e grande parte das obras estarão em realização durante a competição. Estranha-se, antes de o Brasil ser escolhido para Copa, não existir recursos para estruturação mínima das cidades e, depois de ser escolhido como sede, passar a existir um grande volume. O pior são as declarações de agentes públicos, repise-se: “O que importa não é a expansão do Aeroporto Internacional de Fortaleza/CE, e sim a Arena Castelão, que já está pronta para os jogos, desde o fim de 2012”. Mas a realidade é dura!, na medida em que as próprias vias de acesso à Arena Castelão não estão prontas a nove (9) dias da Copa, e pelo que se indica não ficarão.

Em síntese, não somente o art. 217, II, da CF/1988 foi transgredido, mas também os arts. 37 e seguintes e uma gama de disposições alhures descritas e relativas ao direito ao desporto.

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2.4 tratamento diferenciado (diferenciação)

Previsto no art. 217, III, da CF/1988, a interpretação desse mandamen-to constitucional deve ser pormenorizada/detalhista, abrangendo o tratamento diferenciado das diversas formas de prática desportiva. Quando o legislador constituinte utiliza o termo “profissional” e “não profissional”, quer garantir, a partir dos exemplos mais abrangentes, que o tratamento seja isonômico para cada espécie de desporto. O tratamento diferenciado para cada segmento do desporto possibilita o entendimento melhor das necessidades de cada ramifi-cação e o desenvolvimento eficiente das finalidades desportivas. Isso é o que possibilita a organização do espetáculo desportivo de maneira econômica, com o fim de produzir um novo mercado na economia e praticar o profissionalismo.

A forma como o Estado normatiza e dispõe suas prestações na susten-tação e no fomento à atividade desportiva formal e não profissional (caso das competições de categorias de bases e seus atletas com contrato de formação desportiva – sem vínculo empregatício, sem profissionalismo) devem ter uma tratativa diferenciada; o mesmo deve ocorrer no deporto profissional autônomo (sem vínculo empregatício – desportos olímpicos individuais à luz do art. 28-A da Lei Pelé), no desporto não profissional e educacional, no desporto não pro-fissional e não formal (mero deleite ou lazer).

Essa norma constitucional no seio do art. 217, III, deveria aperfeiçoar a organização normativa e administrativa do desporto nacional, com o fim de obter os melhores resultados prestacionais a custos mais reduzidos (eficiência).

Contundo, o que ocorre com a temporada Copa 2014? Com a burocra-cia, ineficiência, corrupção e incapacidade do Poder Público para estruturar o País na recepção dos jogos, nem os estádios estavam ficando prontos para o megaevento, e, sob a pressão da FIFA, órgãos públicos de fiscalização e con-trole, empreiteiras, construtoras iniciaram e mantiveram construção de estádios regadas a muita morte de trabalhadores mais acidentes laborais em canteiros de obras de estádios, direitos trabalhistas mínimos de proteção, saúde, higiene, segurança no trabalho (direito social fundamental). Ou seja, laços aprofundados com essa norma magna foram deixados ao relento para que se pudessem fina-lizar os estádios, que, ainda assim, repetimos, a 9 (nove) dias do Mundial, não foram correta e tempestivamente terminados.

Isso tudo para não se relatar minuciosamente as variadas infringências trabalhistas de enquadramento de categorias na construção dos estádios, com salários reduzidos, atrasados, violação de cláusulas normativas, normas de pro-teção e segurança no trabalho – por isso também as greves que atrasaram as obras.

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Ademais, houve queixas de dificuldades de fiscalização laboral durante a Copa das Confederações 2013. Se não há práticas ilícitas trabalhistas durante os jogos, não se entende por que tanta dificuldade dos órgão públicos de fiscaliza-ção do trabalho no acompanhamento da competição, em relação às empresas de comunicação, marketing e promoção do espetáculo, pois a zona exclusiva alhures explicada não deve servir de zona livre para infrações dos direitos tra-balhistas (profissionais) mínimos (direitos humanos e fundamentais de segunda dimensão).

Enfim, o tratamento diferenciado que se deu ao desporto formal e profis-sional, exatamente retratado no evento FIFA da Copa 2014, permanece sendo o de bastante infração às normas trabalhistas mínimas atreladas solidamente a esse conceito constitucional.

2.5 Promoção social do desPorto

Por fim, vale destacar uma das obras normativas mais inspiradas do Po-der Constituinte em nossa CRFB, art. 217, § 3º: “O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social”.

Além de esse comando da Carta Superior reforçar todos os mandamen-tos anteriores do artigo em tela, devendo ser interpretado sempre de maneira sistêmica e teleológica com o caput e os demais direitos sociais, enfatiza o elo natural entre desporto e lazer, em verdade, é mesmo com sinonímia que o constituinte enfatizou lazer como desporto e sua garantia enquanto direito social fundamental assentada no art. 6º da CF/1988, quando se delineia no rol dos direitos sociais o “direito ao lazer”.

Essa disposição, indispensavelmente, atua na elevação do direito ao des-porto a um direito social fundamental e a sua abertura, relação com os demais direitos e garantias fundamentais, bem como os demais direitos sociais.

Nesse esteio, porventura, se justificariam os arts 37 a 47 das disposições permanentes da LGC que trata da assistência social a ex-atletas profissionais, caso se beneficiassem todos os atletas representantes de seleções nacionais, independentemente da modalidade disputada.

Os relatados artigos defrontam a Constituição não por inexistir contra-partida de contribuição, já que se está perante assistência social, portanto, des-necessárias fontes de contribuição direta, já que não se trata de previdência. Todavia, são verbetes legais completamente inconstitucionais por violar o prin-cípio fundamental da igualdade/isonomia, não discriminação e ser dotada de falta de razoabilidade, proporcionalidade. Verifique-se que a referida assistên-cia criada só beneficiaria ex-atletas da seleção brasileira de futebol, campeões do mundo de 1958, 1962 e 1970. Nesse ponto reside a afronta constitucional,

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pois por qual motivo estariam de fora dessa assistência os jogadores campeões do mundo das Copas de 1994 e 2002, quando se sabe que alguns deles estão também em situação difícil? Que desigualdade de tratamento assistencial le-gal seria essa! Para agravar a inconstitucionalidade, por qual motivo estão de fora os outros atletas das modalidades desportivas diversas, principalmente as olímpicas, em que os seus competidores passam muito mais dificuldades na representatividade do país? Por que então somente privilégios para jogadores de futebol? Não se pode nem justificar, sob a alegação de que a carreira de jogador de futebol é curta e ele não consegue aposentadoria, pois é mais efêmera ainda algumas outras carreiras atléticas.

Não há explicação razoável para os feitores da LGC, parecendo muito mais “jogatina” política no desfrute de épocas de grandes eventos esportivos. É mesmo flagrante inconstitucionalidade, pois, em se tratando de assistência so-cial, teria que se prestar essa assistência social a todos os ex-atletas de quaisquer modalidades que tenham representado as seleções/delegações brasileiras em campeonatos mundiais; caso contrário, da forma como se dispõe, é comple-tamente discriminatório e “bola fora do nosso ordenamento jurídico”, além de não atender aos interesses sociais.

CONCLUSÃO

Em resumo, sabe-se que o período de “Estado de Exceção” é sempre exigência e comum aonde se realizam esses eventos, decerto que em uns mais, em outros menos, dependendo da “grandeza” do país; porém, em muitos locais terrestres, aproveitaram-se os momentos desse “Estado de Exceção” para a con-trapartida dos legados impulsionados ao vapor da iniciativa privada.

No entanto, em solo brasileiro, mais uma vez se perde a chance da gui-nada do País no mundo, não restando nada de “legado”, e ao fim da Copa restarão as “ressacas” das obras inacabadas com suas respectivas dívidas, trans-formando ou mantendo a roda do “Estado de Exceção” em “Estado de Exceção Permanente”5.

REFERÊNCIAS

CANOTILHO, J. J. Gomes. CRP: Constituição da República portuguesa anotada. 7. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007.

5 MAIOR, Jorge Luiz Souto. O “rolezinho” da FIFA no país de pedrinhas em estado de exceção permanente. Revista SíntESE Direito Desportivo – RDD, São Paulo: IOB, n. 17, p. 93-113, fev./mar. 2014.

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MAIOR, Jorge Luiz Souto. O “rolezinho” da FIFA no país de pedrinhas em estado de exceção permanente. Revista Síntese Direito Desportivo – RDD, São Paulo: IOB, n. 17, p. 93-113, fev./mar. 2014.

MEIRIM, José Manuel. A federação desportiva como sujeito público do sistema despor-tivo. Lisboa: Coimbra Editora, 2002.

MELO FILO, Álvaro. O desporto na ordem jurídico-constitucional brasileira. São Paulo: Malheiros, 1995.

REI, Maria Raquel et al. Estudos de direito desportivo. Lisboa: Almedina, 2002.

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Assunto Especial – Doutrina

Copa – Aspectos Jurídicos

A Lei da Copa e a Liberdade de Expressão

RÔMULO DE ANDRADE MOREIRAProcurador de Justiça na Bahia e Coordenador do Centro de Especialização e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria-Geral de Justi-ça, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais e Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos, Ex-Procurador da Fazenda Estadual, Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS, na Graduação e na Pós-Gra-duação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público), Pós-Graduado, Lato Sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal), Especialista em Processo pela Universidade Salvador – UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos), Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual, As-sociado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, Membro Fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG), IELF (SP) e do Centro de Aperfeiçoamento e Atualização Funcional do Ministério Público da Bahia. Autor de obras jurídicas e palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Por oito votos a dois, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5136, na qual se ques-tionava o § 1º do art. 28 da Lei nº 12.663/2012 (Lei Geral da Copa), que trata da liberdade de expressão nos locais oficiais de competição. Na referida ação, alegava-se que o dispositivo criaria limitação à liberdade de expressão para além daquelas reconhecidas pela Constituição e por tratados internacionais, “valendo-se, para tanto, de conceito indeterminado excludente de outros temas, tais como as manifestações de natureza política ou ideológica”.

Com efeito, o referido dispositivo legal ressalva o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão, em defesa da dignidade da pessoa humana. E é justamente essa ressalva que se questionou na ação, pois o parágrafo ou a interpretação que a ele possa ser atribuída, “cria limitação à liberdade de expressão, em defesa de dignidade da pessoa humana, para além daquelas reconhecidas pela Constituição”, contrariando o art. 5º, IV, da Constituição Federal, segundo o qual “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, e o art. 220, que impede qualquer restrição à ma-nifestação de pensamento e veda toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística.

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Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes observou que “é notória a im-portância da liberdade de expressão para o regime democrático”. Mas, segundo ele, “o constituinte não a concebeu com abrangência absoluta, insuscetível de restrição”. E isso, lembrou, já foi debatido em diversas ocasiões pelo Supremo, entre outros na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130, so-bre a extinta Lei de Imprensa. Assim, segundo o Ministro, quando houver uma colisão de outros direitos fundamentais, cabe fazer a ponderação entre eles e aplicar o princípio da proporcionalidade. Observou, outrossim, que a aplicação desse princípio se dá quando verificada a restrição a determinado direito fun-damental ou conflito entre princípios constitucionais distintos, de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um. Segundo ele, as restrições previs-tas no art. 28 da Lei da Copa parecem se enquadrar nesses requisitos. Trata-se, conforme assinalou, de limitação específica aos torcedores de diversas nacio-nalidades, que comparecem aos estádios em evento de grande porte e que, por-tanto, precisam contar com regras específicas que ajudem a prevenir confrontos em potencial. No caso, o Ministro disse entender que a norma impugnada “pa-rece ter objetivado manifestações com potencial para gerar maiores conflitos que possam afetar a segurança dos demais”. Ele lembrou que medidas seme-lhantes já se encontram no Estatuto do Torcedor, que dispõe sobre medidas de repressão e prevenção a atos de violência por ocasião de competições desporti-vas. Votaram com o Relator os Ministros Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski.

Vencido no julgamento, o Ministro Marco Aurélio julgou procedente a ação para conferir ao dispositivo interpretação conforme a Constituição, para assentar que as demais manifestações não violentas têm amparo na ordem cons-titucional: “Outras manifestações bem-vindas podem ocorrer”.

Também no mesmo sentido votou o Ministro Joaquim Barbosa, pois, se-gundo ele, “o direito à liberdade de expressão preserva o indivíduo e impede que o Estado molde a sua vontade, seus pensamentos”. Em seu entendimento, “se outros direitos forem respeitados, não há razão para restringir a expressão do público nos jogos da Copa ao que os organizadores e o governo entendem como adequado, mas a expressão deve ser pacífica, não impedir que outros assistam às partidas”. Ele lembrou precedentes da Suprema Corte nesse sentido, como na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4451, que tratou da veicula-ção de charges e humor com candidatos em período eleitoral. Por outro lado, ele observou que “o financiamento público direto e indireto foi condição ne-cessária para a realização da Copa”. Assim, “não faria sentido limitar o plexo de liberdades constitucionais justamente das pessoas que custearam esse evento” (STF).

Pois bem.

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Entendemos que, mais uma vez o Supremo Tribunal Federal deixou de avançar na tutela dos direitos constitucionalmente declarados e devidamente garantidos.

Aliás, o Ministro Celso de Mello, ao negar provimento ao Agravo Regi-mental em Agravo de Instrumento nº 705630, já teve a oportunidade de, com absoluta lucidez e serenidade, afirmar que:

No contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se into-lerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional [...]. O interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas. [...] O direito de crítica encontra suporte legitimador no pluralismo político, que representa um dos fun-damentos em que se apoia, constitucionalmente, o próprio Estado Democrático de Direito.

Ora, em um Estado Democrático de Direito é preciso aprender a convi-ver com a liberdade de manifestação do pensamento, de expressão, da impren-sa e da informação, arcando, cada um de nós, com o ônus da prática de ofensa à honra alheia (seja a chamada honra objetiva – calúnia e difamação, seja a honra subjetiva: a injúria), independentemente da responsabilidade civil.

O dispositivo questionado, pelo menos de forma reflexa ou oblíqua (o que é pior), fere o direito à liberdade de imprensa, igualmente declarado e ga-rantido na Constituição (via mandado de segurança, por exemplo).

A propósito, anota Gilberto Haddad Jabur que o

direito à informação verdadeira, ou liberdade de informação ativa, por intermé-dio de qualquer meio de difusão, é condição para o saudável e legítimo exercício da liberdade de pensamento, viga mestra dos registros democráticos. O direito de receber informação autêntica depende não só do propósito de quem a presta, mas também dos meios que a divulgam. É direito-pressuposto para o correto encadeamento de ideias, fase do processo de formação de opinião. A correta di-fusão do pensamento (liberdade de expressão por qualquer veículo), a adequada formação da consciência ou crença, dependem do conteúdo fidedigno da infor-mação, neste ou naquele terreno. Derivam, assim, da preliminar e isenta apreen-são dos fatos em torno dos quais se formam, desenvolvem-se e manifestam-se. [...] O direito à informação verdadeira é, em suma, o germe da correta e livre formação do pensamento e suas ramificações.1

Também corretas estas observações de Ilivaldo Duarte:

1 Liberdade de pensamento e direito à vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 165 e 172.

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Os meios de comunicação vêm contribuindo sobremaneira e cumprindo o seu papel social para a vigência e consolidação do estado democrático de direito, iniciado com a Constituição Federal Brasileira em 1988. Durante décadas, antes da CF de 1988, o que se verificou em nosso país foram anos de censura política e ideológica que marcaram a vida de centenas de brasileiros em meio à ditadura instalada pelo governo. Provocando o impedimento e o cerceamento ao direito à liberdade e à manifestação de opinião, seja esta de modo individual ou cole-tivo, ou até mesmo, através das manifestações pessoais ou formais. Felizmente, vivemos hoje um novo tempo, um novo momento na história política e social, e porque não dizer, na história da cidadania brasileira, com a vivência na práti-ca dos fundamentos do estado democrático de direito da República Federativa do Brasil, alicerçado na soberania, dignidade humana e cidadania, previstos no art. 1º da nossa Constituição. [...] Sem dúvida alguma, a liberdade de imprensa é um dos pilares da cidadania e do legítimo estado democrático. E a sociedade, razão maior do trabalho da imprensa, tem direito à informação e estar a par dos fatos do cotidiano. Mas, para que esses acontecimentos continuem sendo desfral-dados e levados ao conhecimento de todos, para o bem comum de todos, devem ser respeitados os limites da legalidade, da ética e da verdade, para que tenhamos um país consolidado na liberdade e na democracia, através de uma sociedade organizada e participativa, com a preservação da dignidade humana, um dos mais importantes direitos constitucionais.

Este autor, citando Ruy Barbosa (A Imprensa e o Dever da Verdade), lem-bra que já em 1920 o jurista brasileiro afirmava que:

A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe pas-sa, ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça.2

2 Disponível em: www.parana-online.com.br – 02.10.2005.

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Assunto Especial – Doutrina

Copa – Aspectos Jurídicos

A Admissão da Prova de Ato ou Conduta Antidesportiva por Meio Audiovisual� O Caso Luis Suárez na Copa do Mundo FIFA 2014

CASSIO M. C. PENTEADO JR. Advogado em Recife/PE.

Nas linhas que seguem, trazemos ao debate a questão – cada vez mais presente – da admissibilidade da prova da prática de atos antidesportivos em competições, mormente nas partidas de futebol, por meio da apresentação de imagens, usualmente captadas e exibidas pela televisão. O constante aperfeiçoa- mento das transmissões e o incremento na quantidade de câmeras, bem assim, seu estratégico posicionamento, importam em revelar detalhes das atitudes dos jogadores no decorrer dos prélios, exibindo pormenores que escapam, natural-mente, do campo de visão do árbitro e de seus auxiliares.

Celebrizou-se, assim, na recém terminada Copa do Mundo, promovida pela FIFA e disputada aqui no Brasil, singular episódio envolvendo o atacan-te Luis Suárez, do selecionado uruguaio, que provocou acesa polêmica. Com efeito, em peleja – ainda na fase de grupos – contra a seleção italiana, o avante uruguaio, em jogada na grande área, tentando dominar a bola, chocou-se com o zagueiro da Itália, Chiellini, e, ao cair, desfere uma mordida no ombro do adversário. O árbitro e seus auxiliares não se aperceberam da ocorrência, tanto que não se assinalou infração nem se puniu o agressor com o devido cartão ver-melho, dada a gravidade do ato praticado. Entretanto, sem embargo da inação do mediador e da consequente omissão do fato na súmula da partida, queixas públicas do jogador ofendido, da delegação italiana e dos comentários da im-prensa, com a exibição de imagens de televisão, levaram o Comitê Disciplinar da FIFA a abrir procedimento contra Suárez.

Em sequência, o aludido Comitê denunciou o jogador como incurso nos arts. 48, § 1º, inciso d (agressão) e 57 (comportamento antidesportivo contra outro jogador) do Código Disciplinar da FIFA (FIFA Disciplinary Code – FDC), sendo certo que o Colegiado, a seu turno, fundamentou-se, também, nas pre-visões dos arts. 77, inciso a, e 96 do sobredito FDC, os quais, respectivamente, declaram sua competência para impor eventuais sanções pela ocorrência de sérias infrações que tenham escapado à atenção da arbitragem da partida, bem

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como, admite como comprovação dos fatos, relatórios dos árbitros; declaração das partes envolvidas e testemunhas; evidências materiais; registros em áudio e/ou vídeos1. O Comitê Disciplinar, com toda celeridade, tendo em conta que outras partidas se seguiriam no torneio mundial, recebeu as razões de defesa apresentadas pela Federação Uruguaia de Futebol, em prol do atleta indiciado, porém aplicou severas punições, suspendendo Suárez por nove partidas oficiais e banindo-o de quaisquer atividades esportivas relacionadas ao futebol, inclusi-ve presença em estádios, pelo período de quatro meses. Além disso, impôs pena pecuniária. Finda a Copa, foi interposta apelação, no entanto rejeitada pela FIFA, sendo que se aguarda – presentemente – audiência e decisão pela Corte Arbitral do Esporte (CAS) versando o banimento por quatro meses, que impede o jogador de atuar profissionalmente. Registre-se que, embora a severidade das sanções tenha sido repudiada por parte da imprensa e dos meios esportivos, Luis Suárez é reincidente nessas agressões por mordidas, circunstância agravan-te que deve ter sido considerada pela FIFA.

Na esteira dessa inusitada ocorrência em Copas do Mundo, antes co-mentada, parece conveniente abordar – ademais – as similares provisões da lei esportiva brasileira em torno da admissão da prova da prática de atos antides-portivos nas partidas de futebol, mercê da apresentação de imagens televisivas ou eventualmente fotográficas.

De fato, o Código Brasileiro da Justiça Desportiva (CBJD), na redação que lhe foi dada pela Resolução nº 29/2009 do CNE, dispõe como segue:

Art. 58-B. As decisões disciplinares tomadas pela equipe de arbitragem durante a disputa de partidas, provas ou equivalentes são definitivas, não sendo passíveis de modificação pelos órgãos judicantes da Justiça Desportiva.

Parágrafo único. Em caso de infrações graves que tenham escapado à atenção da equipe de arbitragem, ou em caso de notório equívoco na aplicação das decisões disciplinares, os órgãos judicantes poderão, excepcionalmente, apenar infrações ocorridas na disputa de partidas, provas ou equivalentes.

O Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), comentando as alte-rações trazidas pela Resolução nº 29/2009, observa sobre a hipótese cogitada pelo parágrafo único do art. 58-B:

Enfrentou-se tema dos mais polêmicos em matéria de Justiça Desportiva: definir até que ponto os tribunais, notadamente mediante o uso de imagens televisivas, poderão apenar infrações que não tiverem sido objeto de reprimenda significati-

1 No original, o texto do comunicado da FIFA sobre o procedimento aberto contra Luis Suárez: According to art. 77 lit. a of the FIFA Disciplinary Code (FDC), the FIFA Disciplinary Committee is responsible for sanctioning serious infringements which have escaped the match officials’ attention. Furthermore, according to art. 96 of the FDC, any type of proof may be produced (par. 1), in particular are admissible, reports from referees, declarations from the parties and witnesses, material evidence, audio or video recordings (par. 3).

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va pelo árbitro. O art. 58-B, com seu parágrafo único, adotou a postura de admitir a condenação, com base em prova audiovisual, apenas nos casos de infrações graves que tenham escapado à atenção da arbitragem, ou que, por notório equí-voco, não tenham sido devidamente punidas.

Busca-se com isso evitar que lances de pequeno potencial ofensivo sejam des-necessariamente levados a julgamento. A título exemplificativo, a regra pretende impedir que uma falta cometida numa partida de futebol, objeto de mera adver-tência pelo árbitro (o que denota a ausência de maior gravidade), seja reavaliada no âmbito da Justiça Desportiva para levar a suspensão do atleta, sem que haja qualquer fator robusto o suficiente a demonstrar que o árbitro cometeu notório equívoco. O dispositivo tem ainda o potencial de impedir que uma pequena di-vergência entre adversários, longe dos olhos do árbitro, seja objeto de suspensão por infração disciplinar, dada a ausência de gravidade.2

O considerado Álvaro Melo Filho, no entanto, ressalva a cautela indis-pensável, que se impõe aos órgãos judicantes na apreciação e valoração desses meios probatórios, súmula do árbitro e meios videográficos, como segue:

Antes dotada de presunção absoluta, a súmula da partida deixou de ser a “rainha das provas” para transfundir-se na “princesa probatória”, posto que, na dicção do art. 58 do CBJD, juntamente com o relatório e demais informações prestadas pela equipe de arbitragem, a súmula goza de “presunção relativa de veracidade” ou de “interina certeza”, como assinalam os juristas espanhóis. [...] De todo modo, não se pode esconder que, nos casos da infração de ofensa moral ao árbitro, relatada na súmula, esta tem, de fato, uma quase presunção absoluta, salvo se houve, por exemplo, possibilidade de leitura labial constante de prova de vídeo, de modo a não gerar um desequilíbrio no exercício do contraditório e da ampla defesa.

De outra parte, cumpre realçar que “os árbitros e auxiliares ainda que próximos dos lances não dispõem do mesmo nível de percepção que acabam captando as câmeras de vídeo. O que interessa, portanto, é saber se ocorreu uma agres-são, ato de hostilidade, deslealdade, jogada violenta, ou seja, um determinado desvalor de conduta previsto nos mais de 90 tipos infracionais do CBJD”, daí a importância da súmula gozar de presunção relativa de veracidade. Aduza-se que o reconhecimento da presunção relativa ou presunção juris tantum, possibi-lita ao acusado a realização da contraprova, isto é, faculta-se ao réu a demons-tração, de que aquele fato, naquele caso concreto, não gerou qualquer perigo ao bem jurídico-desportivo. Nada obstante, não se pode, na prática, em razão da relatividade probante da súmula, torná-la imprestável ou colocá-la a latere, substituindo-a radicalmente pela prova de vídeo e tornando esta prova eletrônica herdeira universal do valor absoluto antes concedido tão apenas à súmula [...].3

2 Ver Código Brasileiro da Justiça Desportiva, publicado pelo IBDD. 3 Ver CBDJ 2010: reequilíbrio do jogo jus-desportivo. Derecho Deportivo en Línea. Disponível em: dd-el.com.

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Também Felipe Tobar, em suas precisas considerações sobre a anulação do apenamento de atletas, aos quais tenha sido exibido o cartão amarelo ou vermelho, trazendo à colação argumentos de Fernando Tasso, observa em torno da matéria ora em pauta:

Após rápida leitura de ambos os dispositivos muitos aficionados podem se ques-tionar do porque em vários casos já apreciados pela Justiça Desportiva, atletas acabam sendo punidos mesmo que sequer tenham recebido um cartão amarelo. Não estaria o STJD violando tais normas?

Não estaria ocorrendo um reapitamento das partidas? A resposta é negativa. Isto porque, o CBJD abriga em seu texto, dispositivo que permite, desde que em es-pecíficos casos, o apenamento de tais atletas segundo critérios definidos no pa-rágrafo único do art. 58-B, a saber: “Art. 58-B. [...]. Parágrafo único. Em caso de infrações graves que tenham escapado à atenção da equipe de arbitragem, ou em caso de notório equívoco na aplicação das decisões disciplinares, os ór-gãos judicantes poderão, excepcionalmente, apenar infrações ocorridas na dis-puta de partidas provas ou equivalentes”. Ao comentar o citado artigo, o mestre Fernando Tasso, explica em linhas gerais o objetivo de sua criação: “Esse artigo tenta solucionar uma polêmica, a possibilidade da Justiça Desportiva, rever a atuação do árbitro, seja anulando cartões, seja aplicando sanções quando não forem percebidas pelo árbitro. [...] A regra geral do caput pode assim ser defini-da: as decisões dos árbitros são soberanas e não podem ser revistas pela Justiça Desportiva. Assim, a aplicação de um cartão amarelo ou vermelho, bem como a suspensão automática advinda da expulsão em jogo anterior é imutável. Não é possível recorrer da aplicação de um cartão vermelho ou buscar a anulação de uma expulsão, nem tampouco anular um gol, um pênalti ou algo assim. [...] Maior polêmica existe, porém, quando, no mesmo caso, o árbitro vê o lance, marca falta, mas não aplica nenhum cartão, ou aplica um cartão amarelo. Nesse caso, entende-se que o árbitro interpretou o lance e decidiu que não se constituía em agressão, não sendo passível de expulsão. Nesse caso, quando o órgão da Justiça Desportiva entender que houve “notório equívoco” do árbitro, poderá sim aplicar uma punição ao agressor.

Ademais é requisito fundamental que a infração seja considerada grave.4

Por derradeiro, colacionamos interessante decisão da Justiça Desportiva no relativo às provas constituídas por imagens videográficas. Do voto do Relator Nicolao Constantino Filho no Processo nº 70/2014 (Segunda Comissão Discipli-nar do STJD), colhe-se que, na partida entre a Ponte Preta (Campinas) e o Oeste (Itápolis), um jogador da Ponte Preta sofreu falta e, segundo o árbitro, teria – su-postamente – agredido com uma “peitada” o jogador do Oeste, que cometera

4 Ver “A possibilidade de anulação de cartões disciplinares e do instituto da suspensão automática pela Justiça Desportiva do Futebol brasileiro”, resumo de artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Desportivo (RBDD) e apresentado no Congresso de Direito Desportivo da UFSC em novembro de 2013. O autor cita a argumentação de Fernando Tasso (Código Brasileiro de Justiça Desportiva CBJD – Comentários à Resolução CNE nº 29, de 10.12.2009. p. 77).

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a infração, pelo que foi expulso de campo. Ocorre, porém, que as imagens apresentadas pela defesa do atleta da Ponte Preta mostraram que o mediador se equivocou, pois – na verdade – quem deu um “empurrão” no jogador expulso foi o atleta do Oeste. Dessarte, constatado o engano do árbitro, o jogador da Ponte Preta resultou absolvido, sendo, então, denunciado o jogador do Oeste. A Procuradoria, com a denúncia, pretendeu o apenamento do real agressor.

Porém, como o jogador do Oeste, por sua atitude, já fora punido com a advertência pelo cartão amarelo, a Comissão deliberou absolvê-lo, estribando--se na redação do art. 58-B do CBDJ, como segue:

No meu entendimento o pleito da defesa deve ser acatado, pois deve-se aplicar a regra do jogo, ou seja o arbitro apreciou o lance e aplicou o cartão amarelo, ao ora denunciado, conforme se constata das provas apresentadas e da súmula da partida. Ad referendum, o atleta foi punido durante a partida, conforme interpre-tação do árbitro, portanto, seria injusto e inviável, a reprimenda deste Tribunal, nos termos do já citado art. 58-B. As decisões disciplinares tomadas pela equipe de arbitragem durante a disputa de partidas, provas ou equivalentes são defini-tivas, não sendo passíveis de modificações pelos órgãos judicantes da Justiça Desportiva. Isto posto, diante do acima mencionado e com fulcro no art. 58-B do CBJD, voto pela absolvição do denunciado [...] do Oeste F. C., que estava incurso no art. 250, § 1º, inciso II do CBJD.

1º de abril de 2014

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Parte Geral – Doutrina

Mecenato e Incentivo ao Desporto: Novos Rumos

GUSTAVO LOPES PIRES DE SOUZADoutorando em Activitat Física i Esport pela Universitat de Lleida, Mestre em Direito Des-portivo pelo INEFC – Institut Nacional d’Educación Fisica de Catalunya/Universitat de Lleida (Espanha), Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Unipac, Auditor do STJD da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAT), Procurador do TJD da FF7MG, Associado e Membro do Conselho Consultivo do Instituto Mineiro de Direito Desportivo (IMDD), Associado e Diretor Regional (MG) do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), Coordenador Re-gional (MG) do Curso de Pós-Graduação em Direito Desportivo da Unifia, Membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Desportivo, Membro do Conselho de Apoio e Pesquisa da Revista Brasileira de Direito Desportivo (IBDD/RT), Professor de Direito Desportivo, Professor de Curso Preparatório para Concursos Públicos (Mega Concursos), Professor da Faculdade de Direito de Contagem, Colunista dos Sites Universidade do Futebol e Última Instância (UOL). Autor dos Livros estatuto do torcedor: A evolução dos Direitos do Consumidor do esporte e Comentários ao estatuto do torcedor, além de capítulos e artigos.

Área do Direito: Civil, Direito Comparado, Tributário, Desportivo.

RESUMO: O trabalho teve por objetivo explorar os conceitos de patrocínios desportivos por meio do mecenato. Após um breve relato histórico, a descrição dos conceitos e a exposição do direito comparado, identificando experiências positivas e delineando seus novos rumos.

PALAVRAS-CHAVE: Patrocínio desportivo; avaliação; mecenato; marketing desportivo; novos rumos.

ABSTRACT: The study aimed to explore de concepts of the sports sponsorship trough patronage. After a brief historical account, the description and explanation of the concepts of comparative law, identifying positive experienxes and outlining the new direction.

KEYWORDS: Sports sponsorship; mecenato; evaluation and sports marketing; new direction.

RESUMEN: Este estudio tuvo como objetivo explorar los conceptos de patrocinio deportivo a través del clientelismo. Después de una breve reseña histórica, la descripción y explicación de los conceptos de derecho comparado, la identificación de experiencias positivas y delinear la nueva dirección.

PALABRAS CLAVE: Evaluación de patrocinio deportivo; el patrocinio y marketing deportivo; nuevas direcciones.

Em meados do século XIX, tanto na Europa como nos EUA, muitos espor-tes estavam em fase de desenvolvimento, como o futebol, o atletismo, o boxe e a corrida de cavalos; eles começavam a trazer interesse do grande público, alcançando maior espaço nos meios de comunicação. Ademais, vários países atingiam excelência nos negócios empresariais, nos transportes e na urbani-zação.

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Um dos primeiros casos de patrocínio esportivo ocorreu por meio do “Wisden’s Cricketer’s Almanack”, quando, em 1850, John Wisden, fabricante de roupas masculinas da Grã-Bretanha, resolveu patrocinar um anuário sobre Cricket.

Os Jogos Olímpicos modernos propiciaram o desenvolvimento do pa-trocínio contemporâneo em grandes eventos. Uma das primeiras empresas a estampar sua marca nos Jogos Olímpicos foi a Kodak.

Em 1912, nos Jogos Olímpicos de Estocolmo, cerca de 10 empresas ad-quiriram os direitos exclusivos de veiculação de suas marcas. Nos Jogos de Amsterdã em 1928, a Coca-Cola, atual parceira do COI em todos os jogos, iniciou sua participação publicitária em Olimpíadas.

O patrocínio esportivo avançou ainda mais com o advento da televisão. A primeira transmissão televisiva de um evento olímpico ocorreu em 1936, nos Jogos Olímpicos de Berlim, com 138 horas de transmissão para cerca de 160.000 telespectadores.

A partir da década de 50, nas Olimpíadas de Helsinque, grandes em-presas começaram a monopolizar a compra dos direitos de associar aos Jogos Olímpicos, entre elas Coca-Cola, Nestlé, Omega, GM e entidades bancárias.

Em 1960, as Olimpíadas de Roma foram televisionadas ao vivo pela pri-meira vez para 18 países, com delay de algumas horas para os EUA. Naqueles Jogos, os patrocinadores passam a ser definidos como “Fornecedores Oficiais dos Jogos Olímpicos”.

Nos Jogos de Montreal em 1976, o evento contou com 168 empresas divididas em patrocinadores oficiais, colaboradores e licenciados.

A Copa do Mundo de 1982 foi o evento escolhido pela empresa suíça ISL para finalizar o processo de profissionalização do patrocínio esportivo em grandes eventos. O projeto foi incorporado pelo COI para as Olimpíadas de Seul realizado em 1988, quando os patrocinadores dos jogos passaram a ser considerados oficiais pelo período de quatro anos.

Atualmente, os patrocínios de eventos esportivos ao redor do mundo são de fundamental importância para o desenvolvimento e crescimento da indústria de esportes; estima-se que os valores relativos a patrocínios sejam no importe de US$ 26 bilhões, sendo que o esporte é responsável por cerca de 70% deste montante.

No Brasil, estima-se que os investimentos com patrocínio de eventos es-portivos sejam superiores a R$ 1 bilhão por ano, sendo que mais de 50% desses investimentos são destinados ao futebol, seguido do vôlei, basquete, tênis e futsal.

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Outras modalidades esportivas vêm ocupando seu espaço no mercado esportivo, fazendo os investimentos crescerem todos os anos. Entre algumas das modalidades que começaram a chamar a atenção do mercado, destacam-se: o atletismo, com mais de 4 milhões de corredores; os esportes de aventuras, com mais de 500 mil praticantes; e o golfe, com mais de 25 mil jogadores.

O patrocínio esportivo pode ser definido como uma operação pela qual os particulares auxiliam o desenvolvimento de determinada atividade financian-do-a. Por patrocínio em sentido amplo entende-se como a ação de favorecer e ajudar economicamente. Imprescindível, entretanto, diferenciar o patrocínio de caráter oneroso (denominado como comercial, empresarial, publicitário ou de esposorisação) e o patrocínio sem contraprestação, de caráter gratuito, conhe-cido como mecenato.

Assim, o que diferencia as ações de mecenato é o fato de se tratar de um patrocínio financeiro com o fim de permitir-lhes desenvolver sua atividade sem contrapartida imediata, ainda que as empresas, indiretamente, beneficiem-se melhorando sua reputação, convertendo-se em uma ação de relações públicas.

Segundo Casanellas, pode-se dizer que o mecenato em sentido amplo é caracterizado, em primeiro lugar, porque é uma iniciativa privada, já que rea-lizada por um particular. Segundo, é uma iniciativa que busca a satisfação de fins de interesse geral, quer fazendo uma contribuição ou despesas diretamente, quer por meio de investimentos feitos por particulares em benefício das men-cionadas atividades de interesse geral. Terceiro, o potencial de lucro ou publi-cidade econômicos associados à ação financiada pelo mecenato não dissolve a natureza altruísta da ação, pois não corresponde à sua finalidade. E, finalmente, esta é uma ação cuja implementação em muitos países é incentivada pelo reco-nhecimento de um benefício fiscal. Termo que denomina o apoio económico oferecido por um patrono, pessoa ou instituição abastada e influente a artistas, cientistas ou desportistas com o intuito de promover a sociedade nos domínios cultural, científico, desportivo, entre outros, através das actividades empreendi-das pelos destinatários. Embora se trate de um apoio desinteressado, a pessoa ou entidade beneficiada dedica, muitas vezes, a obra produzida ao seu patrono, prestando-lhe homenagem e consolidando o seu estatuto social.

Sábias as palavras de Paulo Capriotti:

Podríamos sintetizar la opinión de la mayoría de los autores en cuanto a la esen-cia en común del Patrocinio y del Mecenazgo, que tiene que ver con la acci-ón concreta a realizar. Así, podemos establecer una definición básica unificada de dichos conceptos como la aportación de recursos (económicos, humanos, tecnológicos, etc.) por parte de una persona u organización hacia otra/s persona/s u organización/es.

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Pero, a partir de este punto en partida común, tanto en el debate histórico como el semántico, así como en la creciente práctica profesional, todos han contribui-do de forma notable a establecer unos criterios básicos de diferenciación entre ellos: la finalidad o intencionalidad de las actividades, y el ámbito de aplicación de cada uno de ellos (García Nieto, 1994: 102-104; Méndiz Noguero, 2001: 28-29; Pérez del Campo, 2002:117). Así, vinculando los dos criterios básicos de diferenciación, podríamos observar una separación bastante clara entre las actividades con vocación filantrópica (espíritu altruista y desinteresado orientado a aspectos sociales y culturales) y actividades con vocación comercial (enfoque publicitario y promocional orientado a acciones deportivas o mediáticas).

Do ponto de vista histórico, a figura do mecenato tem sua origem na ati-vidade protetora de artistas e escritores dispensado pelo patrício romano Caius Mecenas Cilnius, estadista romano e ministro do Imperador Augusto.

Desde então, esse termo tem sido tradicionalmente associado com as ações e apoio desinteressado à cultura e arte em geral, às ações que buscam promover o interesse público acima de quaisquer interesses especiais, sem es-quecer que, nessa figura, maior ou menor grau, este achado pode ser de um cer-to prestígio político, status social ou interesse pessoal na atividade de proteção ou ajuda econômica dispensada.

Inclusive, o termo mecenato deriva de Gaius Mecenas. O seu apelido é habitualmente usado como sinónimo de patrono e símbolo do rico benfeitor das artes. A prática é-lhe, no entanto, muito anterior, pois os faraós do Egipto e os tiranos gregos, como Péricles, favoreceram a criação artística como meio es-plendoroso de afirmar a sua grandeza. De qualquer forma, o objectivo mudou, dado que o patrono não busca a obtenção de reconhecimento ou glória em resposta à sua oferta, que se quer puramente unilateral.

O mecenato constituiu prática comum não durante a época clássica e por toda a Idade Média e Renascença, tendo sido praticado por príncipes, reis, papas ou, até mesmo, por nobres ricos e poderosos. Miguel Ângelo e Galileu Galilei são dois bons exemplos de artistas apoiados por essa actividade: o pri-meiro se beneficiou do mecenato do papa Júlio II para aprimorar e aplicar o seu conhecimento e talento na pintura, escultura, arquitectura e poesia; o outro usufruiu a ajuda do marquês Del Monte e do grão-duque da Toscânia Cosimo II de Medici, na sua longa carreira como matemático, cientista e inventor.

Ao longo da história de Portugal, foram vários os mecenas, principalmen-te os monarcas, a proteger os artistas e a impulsionar as suas obras, podendo ser destacadas as figuras da infanta D. Maria (1521-1577), praticante do me-cenato cultural e religioso, de Diogo Mendes e sua família (século XVI) e de D. Fernando II (1816-1835), príncipe alemão casado em segundas núpcias com D. Maria II e que, após a morte da rainha, se revelou, igualmente, um regente culto e um defensor das artes. Inclusive, naquele período, escritores procura-

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vam no mecenato e no respectivo patrono, para além da ajuda económica, a segurança necessária para evitar suspeitas por parte da Inquisição.

Nos dias atuais, o mecenato não constitui prática comum, eis que as empresas, quase sempre, optam pelo patrocínio publicitário, no qual o bene-cificiário compromete-se a uma contrapartida, como participação em eventos, campanhas publicitárias, entre outros.

No esporte, historicamente, a Fórmula 1 tem constituído um dos maiores campos do mecenato esportivo mundial. O último é Dieter Mateschitz, dono da Red Bull e Toro Rosso, mas já houve outros abnegados que, ao seu estilo, financiaram carros e pilotos.

Outro mecenas bastante conhecido na Fórmula 1 foi a Benetton, quando, em 1986, os irmãos Luciano, Gilberto, Carlo e Giuliana deixaram de ser copa-trocinadores da Tyrrell e Alfa Romeo e compraram a Toleman para transformá--la na Benetton Formula.

De forma bastante ousada, a meta era atingir, por meio do retorno pu-blicitário da F-1, novos mercados em 115 países, com prioridade para Japão, Coreia, Tailândia e China.

A estratégia teve sucesso e a produção da empresa aumentou em 70%, com um superávit de 1,6 bilhões de dólares, impulsionado pelas façanhas de Michael Schumacher no bicampeonato de 1994/1995.

Após o sucesso, a Benetton deixou o gênero mecenas e passou a reduzir os custos da equipe, loteando gradualmente o espaço nos carros até 75% da área útil para publicidade em seus protótipos.

Há pouquíssimas experiências de mecenato tão bem sucedidas como a Benetton, que, em 2001, vendeu a equipe à Renault e deixou a lição de como passar de mecenas a campeões e bem-sucedido merchandising.

Não obstante, alguns países como Portugal e Espanha e até o Brasil con-ferem incentivos fiscais para o patrocínio sem contraprestação, incentivando-se a atividade do mecenato.

Na Espanha, o tratamento fiscal do mecenato e sua aplicação ao campo dos esportes corresponde a uma manifestação da obrigação do art. 43,3 que a Constituição espanhola impõe aos poderes públicos para promover o esporte.

A principal regra que rege o patrocínio na Espanha é a Lei nº 49/2002, de 23 de dezembro, sobre o tratamento fiscal das entidades sem fins lucrativos e incentivos fiscais para patrocínio.

Em Portugal, há um Estatuto do Mecenato que autoriza o Governo luso a proceder à reformulação integrada dos vários tipos de donativos efetuados ao

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abrigo dos mecenatos, nomeadamente os de natureza social, cultural, ambien-tal, científica e desportiva, no sentido da sua tendencial harmonização.

Nos termos da mesma disposição, a definição do Estatuto do Mecenato deve realizar-se com vista à definição dos objetivos, da coerência, da gradua-ção e das condições de atribuição e controle dos donativos, bem como à cria-ção de um regime claro e incentivador, com unidade e adequada ponderação da sua relevância, e à definição da modalidade do incentivo fiscal, que melhor sirva os objetivos de eficiência e equidade fiscal.

No Brasil, a Lei Rouanet prevê incentivos fiscais ao financiamento de projetos culturais e esportivos. Mais recentemente a Lei de Incentivo ao Esporte, de dezembro de 2006, permite o desconto no Imposto de Renda de patrocínios e doações para eventos esportivos.

Em 2007, por exemplo, os projetos da Lei Rouanet somaram R$ 891 milhões. No setor esportivo, foram captados R$ 53 milhões para 21 projetos (a Petrobras entrou com R$ 26 milhões destinados ao Comitê Olímpico).

Na área dos desportes, as empresas podem usar a isenção fiscal até o equivalente a 1% do IR devido. Mas a grande maioria fica longe do abatimento a que tem direito.

A maior mecenas brasileira tem sido a Petrobras, que, em 2007, investiu R$ 205 milhões (R$ 180 milhões através da Lei Rouanet). Em segundo lugar, a Vale, com patrocínios na ordem de R$ 32 milhões.

Com o advento da Lei de Incentivo ao Esporte (Lei nº 11.438, de 29.12.2006), inaugurou-se uma nova era para o esporte no Brasil. A nova le-gislação indica os critérios para o processo de captação dos recursos privados, via benefícios fiscais, criação das Comissões Técnicas, juízo para análise dos projetos e possíveis infrações.

Sobre o mecenato na Lei de Incentivo ao Esporte, assim entende Gustavo Delbin, Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo:

[...] a doação é transferência gratuita, em caráter definitivo, ao proponente, bens ou serviços para a realização de projetos desportivos desde que não empregados em publicidade, ainda que para divulgação das atividades objeto do respectivo projeto ou distribuição gratuita de ingressos para eventos de caráter desportivo e paradesportivo por pessoa jurídica a empregados e seus dependentes legais ou a integrantes de comunidades de vulnerabilidade social.

Os benefícios tributários concedidos aos mecenas constituem o exercício do dever do Estado de estimular e incentivar o financiamento privado. Ademais, a atuação das empresas por meio do mecenato corresponde ao exercício de sua responsabilidade social. Nas palavras do Professor Luis Felipe Solano Santos:

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El mecenazgo es una acción filantrópica y en consecuencia, totalmente volunta-ria, por virtud de la cual la empresa devuelve a la sociedad parte – pequeña – de sus beneficios y se trata, repetimos, de una actividad absolutamente voluntaria; el hecho de que en algunos países sea posible desgravar fiscalmente su coste, ni añade ni quita valor a las mismas – al menos, presumamos la buena fe –, entre otras razones, porque primero fue el hecho y después la consecuencia y nos referimos al dato fiscal. Prescindiendo de que, en numerosas ocasiones, se trata de verdaderas inversiones – inversiones en imagen social, en desgravaciones fis-cales, en posicionamiento político, etc. –, e incluso presumiendo la buena fe en sus autores, el mecenazgo ha creado la falsa conciencia de hacerlos depender del libre arbitrio de sus autores, lo que ha retrasado hasta la fecha su considera-ción de actividades exigibles por parte de la sociedad. Pero, aun hay más; en el mecenazgo, la empresa que lo ejerce elige caprichosamente todas y cada una de las circunstancias que lo rodean, que o bien puede ser la reconstrucción de un monumento, la erección de un orfanato, la creación de becas o de premios a la investigación y un larguísimo etcétera, inacabable como inacabable es el univer-so de las acciones humanas. (grifos nossos)

Neste quadro é que o mecenato deve ser analisado, que, em princípio, consiste em uma atitude filantrópica, altruísta e desinteressada de empenho no desenvolvimento cultural e social do País, materializada ao que a cultura diz respeito, por meio do apoio (atribuição de donativos) a organizações, projetos e atividades culturais – conceito esse que deriva da definição do mecenas como o protetor das letras e das artes ou dos sábios e artistas.

Essa ideia de mecenato, indiscutivelmente vinculado à filantropia, ao al-truísmo e à dádiva sem expectativa de recompensa ou retorno, foi apropriada pelo Estado e transformada num instrumento das políticas públicas, assumindo este para si a responsabilidade de incentivar e premiar os mecenas por meio de benefícios fiscais (abdicando de receita) e dando, assim, uma outra dimensão ao conceito.

Visto desta perspectiva e tendo em conta igualmente o atual enquadra-mento legal, o mecenato não pode mais ser categorizado como uma modalida-de de financiamento exclusivamente privada, já que um dos seus pressupostos fundamentais radica nos benefícios fiscais os quais, inequivocamente, se tradu-zem em financiamento público, ainda que indireto.

Ademais, a figura do mecenas sofreu evolução e deixou de ser o de mero “protetor” e atingiu o protagonismo empresarial ao assumir um papel relevante no exercício da responsabilidade social e na melhora da imagem da empresa no contexto sócio econômico que se insere, embora simultaneamente se pretenda preservar a natureza filantrópica e desinteressada dos apoios impondo por via legal a impossibilidade de existência de contrapartidas aos donativos.

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Consequentemente, a redefinição do conceito de mecenato deve passar inexoravelmente pele redefinição do conceito de responsabilidade social, e não como um mero ato de generosidade da empresa, mas como um conjunto de obrigações para com a sociedade, revestindo-se, inclusive, da características de autodefesa frente a circunstâncias sociais adversas.

O mecenato, como atividade empresarial, traduz-se, na maior parte dos poucos casos em que é utilizado, na aquisição de publicidade (imagem corpo-rativa) ou de reconhecimento social, o qual só existe se o financiamento ou o apoio for conhecido e amplamente divulgado.

Destarte, no que concerne ao desporto os incentivos fiscais, justificam-se porque o esporte é uma atividade essencialmente sadia; a conquista de títulos mundiais é importante porque serve como motivação para o aparecimento de novos talentos; o aprimoramento do talento desportivo não deve ter limites, nem no sentido quantitativo, nem no sentido qualitativo.

As mudanças de estruturas sociais no mundo remodelaram todos os cam-pos de atividade, começando pela economia, e o mecenato migrou da nobre aristocracia à burguesia, que logrou em sustentar esta estrutura identificando sua função cultural. Esse novo cenário também gerou novas relações entre os beneficiários e seu público, surgindo o mecenato moderno (ou neomecena-to), que tem como embasamento fundamental a confiança e, principalmente, fundamenta-se em uma relação de confiança para com as empresas.

Nessas novas figuras de relação de arte e mercado e outras como a gestão empresarial, encontra formas importantes de serem identificadas, como é o caso da responsabilidade social corporativa que corresponde ao mecenato moderno.

Assim, a responsabilidade social corporativa é a versão atual do que foi a filantropia. O filósofo caracterizava-se pelo grande amor pelo ser humano e pelas suas obras em favor da comunidade, ou seja, era um benfeitor que se realizava em atos humanitários, de maneira que a responsabilidade social cor-porativa faz referência a um compromisso que as companhias possuem com seus associados, empregados e, principalmente, com a comunidade, pelo que assumem e destinam importantes fundos especialmente em áreas de grande apelo sociocultural sem esperar recompensas econômicas, mas com uma estra-tégia de marketing social.

Dessa forma, o mecenato constrói uma nova imagem da marca e do pro-duto associando-os a valores que simbolizem a atividade objeto do patrocínio. Ademais, há outros objetivos secundários, como obter motivação e força nas vendas em virtude da opinião pública sobre a marca, sua aceitação social e sua cobertura nos meios de comunicação sobre a nova imagem empresarial. E, para alcançar visibilidade no mercado brasileiro, poucas são as áreas que trazem tanta atenção quanto a esportiva.

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A evolução do mecenato certamente trouxe a este instituto roupagem e aplicabilidade diversos do que ocorreu na sua origem, especialmente no Brasil, onde a Lei de Incentivo ao Esporte é recente, eis que data de 2006. Como bem acentua o advogado Gustavo Delbin:

Antes que façam um prejulgamento, vale registrar que pessoalmente sou favorá-vel a todas as leis e projetos que visam a beneficiar, incrementar e desenvolver o esporte. Mais uma vez afirmo que não se deve julgar grande parte das pessoas honestas e dedicadas, engajadas e comprometidas com o esporte – seja no se-tor público, nos clubes privados ou em organizações não governamentais – em detrimento de uma minoria corrupta e sem caráter. Acredito que todos os meios devam mesmo ser criados para desenvolver o esporte, porém sempre com meca-nismos rigorosos de fiscalização e controle, para se verificar, de maneira, eficaz o bom uso das verbas e benefícios advindos do governo ou da iniciativa privada, com a transparência e publicidade necessária.

Segundo João Paulo Medina, em “Educação física e esporte: perspectivas para o século XX”:

Podemos dizer que, de certa forma e em grandes linhas, o esporte reproduz os valores dominantes da sociedade. Não é sem razão, pois, que o esporte de alta competição como é praticado hoje em dia estimule, mesmo que de forma sutil, o doping, a violência, a mentira, a aparência, o individualismo, de alienação ou o nacionalismo exacerbado, provocando sequelas ou traumatismos físicos e emo-cionais em seus praticantes, afastando-os de seu bem-estar físico, mental e social e sedimentando uma determinada visão e um determinado modelo de educação e cultura próprios de nossos tempos.

Portanto, ante todo o exposto, percebe-se a imprescindibilidade do pa-trocínio para a atividade desportiva e o relevante papel do mecenato moderno como atividade pública por meio de incentivos fiscais e como atividade privada por intermédio do exercício da responsabilidade social corporativa e da asso-ciação da empresa como uma prática social relevante. Neste esteio, o desporto possui função predominante, já que, além de sua importância na saúde, na educação e na cultura brasileira, adquire imensa visibilidade e tem relevante simpatia dos brasileiros, especialmente nos anos que antecedem a realização dos grande eventos esportivos no Brasil.

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Parte Geral – Doutrina

Análise da Natureza Jurídica do Bom Senso Futebol Clube e a Possibilidade do Exercício do Direito de Greve

FÁBIO MENEZES DE SÁ FILHOMestre e Graduado em Direito pela UNICAP, Especialista em Direito Judiciário e Magistratura do Trabalho pela Esmatra VI, Professor do Curso de Graduação em Direito da FADIC, Professor do Curso de Graduação em Direito da FMR, Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário do IMN, Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Processual do Trabalho e Previdenciário da ESA/PE, Professor do Curso de Direito Desportivo da ESA/PE, Membro da Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PE, Coordenador do Núcleo de Direito Desportivo da ESA/PE, Presidente do Conselho Fiscal e Associado Fundador do IPDD, Presi-dente do Conselho de Ética do Inama/PE, Administrador e Associado Fundador da Academia Jurídica Virtual, Advogado.

Área do Direito: Desportivo; Trabalho.

RESUMO: O presente estudo analisa a natureza jurídica do movimento social organizado original-mente por atletas profissionais de futebol e conhecido por Bom Senso Futebol Clube. Trata-se de um grupo de pessoas que busca melhores condições de trabalho para os seus interessados. Diante dessa atribuição conferida ao movimento, a qual é reconhecida pelos referidos atletas, indaga-se a respeito de ser possível a deflagração de um movimento paredista, que poderia ser organizado por essa entidade de classe. Contudo, é notório que, onde houver sindicato da categoria, este será o órgão legitimado para defender os interesses de determinado grupo de atletas.

PALAVRAS-CHAVE: Bom Senso FC; natureza jurídica; sindicato da categoria; atletas; greve.

ABSTRACT: This study analyzes the legal nature of the social movement originally organized by pro-fessional soccer athletes and as known as Bom Senso Futebol Clube. This is a group of people seeking better working conditions for their stakeholders. Due to this assignment given to this move-ment, which is recognized by those athletes, this study should inquire about the possible outbreak of a strike movement, which could be organized by that entity class. However, it is clear that where there is labor union, this will be the legitimate body to represent the interests of a particular group of athletes.

KEYWORDS: Bom Senso FC; legal nature; labor union; athletes; strike.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Bom Senso FC: o novo movimento social e sua natureza jurídica; 2 Sindica-lismo brasileiro: análise da possibilidade da deflagração da greve com a assistência do Bom Senso FC; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar o movimento social intitulado Bom Senso Futebol Clube, a partir da transformação em artigo do estudo que serviu de base para uma Carta Aberta aos Associados e Amigos do Bom Senso FC, a qual foi elaborada em 30 de dezembro de 2013 e divulgada entre os diretamente interessados em 8 de janeiro de 2014, cujos fatos sociais motivadores deste documento foram os incidentes gerados nos estados brasi-leiros em reação contrária à costumeira prática de atraso de salários dos atletas profissionais de futebol pelos seus clubes empregadores. Contudo, tal prática vem sendo repelida pelos profissionais do desporto em geral e ganhando cada vez mais adeptos. São objetivos específicos deste estudo: a) afirmar qual seria a natureza jurídica do Bom Senso FC; e b) analisar a possibilidade de esse movi-mento poder participar de uma greve, representando os atletas profissionais de futebol, sendo esta a problemática da pesquisa.

Para a lapidação do presente estudo e resolução da problemática propos-ta, serão utilizados textos bibliográficos, aliados ao conhecimento acumulado, pelo autor desta pesquisa, até os dias atuais, o que inclui o aprendizado obtido por estar ministrando aulas de direito coletivo do trabalho, desde o primei-ro semestre de 2011, atualmente em nível de graduação e de pós-graduação. Realiza-se, portanto, uma pesquisa descritiva e bibliográfica.

Primeiramente, aborda-se sobre a existência de um novo movimento nas-cido das massas populares, especificamente no seio futebolístico, que tem por missão defender os interesses da categoria dos atletas profissionais de futebol. Neste mesmo tópico, estuda-se a sua natureza jurídica.

Por fim, encerra-se o estudo analisando a sua problemática, a qual visa a entender se seria possível o Bom Senso assistir os atletas na deflagração de um movimento paredista, conforme prevê a legislação regente da matéria.

1 BOM SENSO FC: O NOVO MOVIMENTO SOCIAL E SUA NATUREZA JURÍDICA

O Bom Senso FC1 é um recentíssimo movimento social brasileiro que vem ganhando novos contornos a cada dia que passa, bem assim o seu volume de adeptos e simpatizantes que tem aumentado consideravelmente.

Proteger os interesses da categoria foi o propósito maior para a criação desse movimento social, o qual tem sido idealizado principalmente por atletas que ainda estão em atividade, a exemplo dos atletas Paulo André (ex-Corinthians

1 Para maiores detalhes sobre este movimento social, deve ser acessado o seguinte endereço eletrônico: http://www.bomsensofc.org/.

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e atualmente atuando no futebol chinês), Dida (Internacional), Alex (Coritiba), Rogério Ceni (São Paulo), entre outros.

Nesse viés, por saber desse objetivo social que o Bom Senso FC possui, é possível defender a tese de que esse movimento tem a natureza jurídica de uma entidade parassindical, a qual é formada por atletas profissionais de futebol, e que pode receber suporte de profissionais de diversas áreas. Assim, trata-se de uma associação sem fins lucrativos e com as atribuições de uma entidade que seria quase sindical, que atuaria ao lado do sindicato ou que, na sua ausência (inexistência de sindicato específico numa localidade ou por não atender ao chamado dos trabalhadores no prazo previsto em lei), faria isso no seu lugar.

Sendo assim, o Bom Senso FC poderia auxiliar os atletas juntamente com o sindicato local (representativo, por exemplo, de um município ou estado) ou atuar no lugar deste (sindicato), prestando um auxílio maior, o que equivaleria a um verdadeiro assistencialismo de caráter sindical.

2 SINDICALISMO BRASILEIRO: ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DA DEFLAGRAÇÃO DA GREVE COM A ASSISTÊNCIA DO BOM SENSO FC

O Brasil possui um modelo de sindicalismo que é ultrapassado, pois foi modelado num período em que os sindicatos seguiam o que era ditado pelo Estado Social, sem ter liberdade alguma ou com pouquíssima autonomia. Tal modelo foi idealizado primeiramente na Itália e na Espanha (Estados nacionais socialistas, e que eram fascistas), respectivamente, durante as décadas de 1920 e 1930, numa fase que antecedeu a 2ª Guerra Mundial.

No primeiro Governo de Getúlio Vargas, em 1930, esse modelo de sindi-calismo quase sem liberdade alguma começou a ser regulado em leis (inclusive, diversos decretos-lei) e demais atos normativos.

A greve nesse período, como sempre foi tratada há diversas décadas an-tecessoras (principalmente nas de 1800 a 1900), era vista como um ato ilícito e, muitas vezes, de índole criminosa, que atentava contra os interesses econô-micos do Estado.

Assim, a greve, que significa paralisar coletivamente alguma atividade de determinado empreendimento econômico, era vista por gestores estatais como algo a ser evitado pela sociedade por ser prejudicial a esta, diante de reflexos econômicos negativos que seriam gerados ao Estado. No entanto, no passado, não se respeitava a figura do trabalhador como um ser humano, que deveria ser tratado com dignidade. O operário era muito explorado, principalmente nas in-dústrias. O trabalhador, muitas vezes, tinha que trabalhar por mais de 12 (doze) horas seguidas, em local pouco ventilado e muito fechado, sem a devida manu-

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tenção e limpeza e sem o treinamento adequado para manusear equipamentos, que apresentavam riscos de lesão e até de causar a sua morte. Isso fez com que trabalhadores, que tiveram alguma oportunidade para adquirir conhecimento, aliados a outros pensadores da época, buscassem liderar grupos profissionais para melhorar as suas condições de trabalho. Surgiram assim, de acordo com o Barroso, as primeiras coalizões, os embriões dos sindicatos2.

Os sindicatos eram conhecidos pela expressão “coalizão” (no sentido de associação de pessoas), quando ainda não era permitida a sua existência pelo Estado. Quando passaram a ser reconhecidos (principalmente depois da criação da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, após a 1ª Guerra Mundial), oficializaram o uso do nome “sindicato”3, que deriva de expressões latina e grega com alusão à palavra advogado, no sentido de que o sindicato defenderia os interesses de alguém individual ou coletivamente.

No Brasil, o direito do exercício de greve só foi permitido pela primeira vez em 1946, na Constituição da época. O ato normativo que regulamentou essa matéria no mesmo ano de 1946 previa que só poderia haver greve nas cha-madas atividades acessórias, e considerava praticamente tudo como atividade essencial/fundamental. Na prática, ainda não se podia fazer greve. Essa situação permaneceu sem mudanças favoráveis durante todo o período da ditadura mi-litar (1964-1985).

O Brasil, de verdade, só pode visualizar na prática o legítimo exercício do direito de greve após a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), quando foi criada a Lei nº 7.783/1989. Essa lei passou a permitir a greve até nas atividades essenciais/fundamentais (a exemplo daque-las desempenhadas em hospitais, para tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis, distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos, e quanto ao fornecimento de transporte coletivo), desde que, entre vários outros requisitos, a sociedade e demais interessados fossem avisados, pelo menos, até 72 (setenta e duas) horas antes da paralisação coletiva (da greve) e houvesse um efetivo mínimo de pes-soas trabalhando para garantir o bom desempenho dessas atividades.

O desempenho da prática futebolística é considerado como uma ativida-de acessória. Por lei, as atividades desportivas em geral não são fundamentais para a sociedade, a exemplo daquelas listadas acima.

Assim, como regra geral, a lei exige que haja um aviso prévio de, pelo menos, até 48 (quarenta e oito) horas antes da paralisação da atividade futebo-

2 BARROSO, Fábio Túlio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p. 25-27.3 VALENTIM, Marta. Arquivos sindicais. Marília, 2013. Disponível em: <http://www.valentim.pro.br/Slides/

Arquivos_Empresariais/Arquivos_Sindicais.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2013.

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lística, por não ser atividade essencial. Esse aviso deve ser direcionado para o sindicato patronal correspondente (dos clubes de futebol, se existir) ou direta-mente para o clube empregador.

A paralisação deve ser coletiva (não haveria desempenho de trabalho algum por qualquer atleta do clube), mas não há necessidade de que todos par-ticipem presencialmente. Por exemplo, se há greve nos bancos, muitos traba-lhadores vão comparecer na frente do estabelecimento bancário a que prestam serviços e vão tentar convencer os demais colegas a não trabalharem também, até paralisar totalmente a atividade. Outros poderiam ficar em suas residências mesmo, por saberem que haveria alguma garantia de que poderiam paralisar a atividade sem prejuízo do salário dos dias que não fossem trabalhar.

A paralisação não pode ter o emprego de violência. Assim, a greve deve ser também um ato coletivo exercido de uma maneira que seja a mais pacífica possível. No máximo, pode haver pessoas que sejam líderes que queiram con-vencer, por intermédio do uso da palavra, os demais colegas a participar da greve.

A paralisação coletiva de uma atividade deve ainda ser por prazo de-terminado. Não existe um prazo certo, mas pode haver um ato-condição que finalize a razão de ser da greve. Portanto, se houver o atraso de salário de atletas por mais de 3 (três) meses, poderia ser sugerido que a regularização da situação de 2 (dois) meses seria suficiente para terminar a greve. Assim, o ato-condição terminativo da greve seria o pagamento de 2 (dois) meses de salário dos atletas por parte de um clube específico. Esse ato-condição deve ser estabelecido antes de se fazer a greve.

E o principal requisito legal é que a greve deve ser vista justamente como o último instrumento para se resolver questões que envolvam interesses comuns de vários trabalhadores. Para isso, devem ser esgotadas primeiramente as cha-madas vias ordinárias de resolução de conflitos coletivos de trabalho. A greve seria uma via extraordinária, que só pode ser utilizada após o esgotamento de todas as vias ordinárias.

Assim, seriam vias ordinárias para se resolver qualquer conflito coletivo relacionado ao futebol (exatamente nesta ordem):

a1) a tentativa de firmação do chamado acordo coletivo de trabalho (ACT) entre um clube específico e o sindicato dos atletas profissio-nais de futebol local. Nesse caso, os atletas de um clube específico seriam representados por seu sindicato local para resolver os confli-tos; ou

a2) a tentativa de firmação da chamada convenção coletiva de trabalho (CCT) entre o sindicato dos clubes de futebol e o sindicato dos atle-

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tas profissionais de futebol local. Nesse caso, os atletas de um ou mais clubes específicos de uma mesma localidade também seriam representados pelo seu sindicato para resolver os conflitos;

b) se o clube e o sindicato não chegassem a um senso comum para fir-mar o ACT ou se os sindicatos de clube e de atletas não chegassem a um senso comum para firmar a CCT (o que se chama de malogro, no sentido de frustração), poderia ser ofertada às partes que pri-meiramente resolvessem o conflito pela mediação (que poderia ser realizada por um membro do Ministério do Trabalho e Emprego ou do Ministério Público do Trabalho);

c) se os representantes de clube e atletas não quisessem a mediação, poderia ser ofertado que resolvessem o conflito por arbitragem (que não é a “arbitragem do apito”; esta arbitragem é realizada por uma pessoa que teria quase os mesmos poderes de um julgador da Justi-ça estatal). A arbitragem quase não costuma ser utilizada para este fim (resolver conflitos coletivos de trabalho);

d) se as partes também não quisessem resolver por arbitragem, pode-riam resolver na Justiça estatal, com a chamada ação de Dissídio Coletivo do Trabalho (DCT), e por quase sempre versar sobre ques-tões de natureza econômica, precisaria que os sindicatos dos clubes e dos atletas quisessem entrar com essa ação em comum acordo. Portanto, é possível que, se um sindicato não quisesse entrar com a ação de DCT, o outro sindicato não poderia fazer isso sozinho. Essa regra é teratológica e fere o princípio da inafastabilidade de jurisdi-ção (previsto no art. 5º, XXXV4), estando na CRFB/1988 praticamen-te desde o início de 2005, quando foi alterado o § 2º do seu art. 114 por emenda constitucional (EC 45/2004)5. Se o sindicato dos clubes não quiser ajuizar um DCT, só vai restar ao sindicato dos atletas sugerir que os empregados dos clubes paralisem coletivamente a atividade, exercendo o legítimo direito à greve.

Existem diversas outras situações possíveis que poderiam ser analisadas sobre o manejo do ACT, da CCT e/ou do DCT, mas o estudo ficará restrito ao

4 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; [...].”

5 “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) [...] § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) [...].”

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que foi exposto acima e que é crucial para o que será explicado mais adiante sobre a greve.

Todas essas etapas seriam abreviadas caso o sindicato dos atletas profis-sionais de futebol resolvesse o conflito diretamente com um clube específico, criando um ACT, que iriam conter cláusulas e iriam tratar de diversos direitos e obrigações de natureza geral dos trabalhadores deste clube. Portanto, não seria necessária a deflagração de uma greve. A não ser que o clube começasse a des-respeitar as suas obrigações constantes no referido ACT. Se houvesse esse des-respeito a obrigações previstas no ACT por um clube, seria possível que os seus atletas paralisassem coletivamente a atividade futebolística. Isso seria possível porque o esgotamento da via ordinária foi cumprido quando se firmou o ACT.

Sendo assim, a greve só é possível de ser exercida caso todas as vias ordinárias sejam esgotadas: a) tentar resolver por meio de Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) ou Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) e haver a frustração desta negociação; b) não aceitar a oferta de resolver o conflito por mediação; c) não aceitar a oferta de resolver o conflito por arbitragem; e d) não haver o ajuizamento de Dissídio Coletivo do Trabalho (DCT).

Por outro lado, deve-se reiterar que, se existisse um ACT, uma CCT ou uma sentença normativa (trata-se do produto originado pela Justiça estatal quando do julgamento de um DCT, servido como substituto de um ACT ou uma CCT), e o clube deixasse de cumprir as obrigações estipuladas num desses diplomas coletivos, poderiam os atletas desse clube paralisar a atividade futebo-lística, ou seja, fazer greve diante do seu clube empregador.

Dessa forma, conclui-se que o sindicato é extremamente importante para a resolução de qualquer conflito coletivo de trabalho.

Contudo, em virtude de existir muitos sindicatos no Brasil que são conhe-cidos como “pelegos” ou “amarelos”, pois, dentro daquela sistemática arcaica que permanece até os dias atuais, o sindicalismo brasileiro se mantém finan-ceiramente sem precisar depender da filiação de trabalhadores nos sindicatos. Sendo assim, qualquer sindicato, independentemente de ser atuante ou não, sobreviverá mesmo que não tenha trabalhador algum da categoria filiado a ele.

Isso acontece porque, no Brasil, existe a chamada contribuição sindical “obrigatória” (com natureza de tributo), que corresponde a um dia de trabalho, descontada, no caso de atletas profissionais, diretamente na folha de pagamento do mês de março de cada ano. Essa contribuição independe de filiação do atleta ao sindicato. Basta ele ser empregado de algum clube e existir um sindicato no local em que ele prestar serviço ou uma federação sindical da categoria. Assim, se um atleta se emprega num clube de Pernambuco, no mês de janeiro, ao se adentrar no mês de março o clube irá reter uma parcela do seu salário para repassar ao respectivo sindicato dos atletas profissionais de PE. E, mesmo que

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o referido atleta se empregue depois do mês de março (por exemplo, no mês de maio), terá que contribuir individualmente do mesmo jeito. O seu primeiro salário de maio, por exemplo, terá a retenção de um dia de trabalho. Fica clara a noção de que essa contribuição sindical é obrigatória.

Entretanto, não se deve confundir essa contribuição sindical “obrigató-ria” com outras contribuições que podem ser descontadas do salário de atletas. Se houver alguma taxa cobrada mensalmente e o atleta não tiver autorizado expressamente essa cobrança, esse desconto é ilegal e abusivo. Para poder ha-ver a cobrança desta taxa mensal ou mensalidade sindical, antes de haver a autorização, o atleta teria que ser filiado ao sindicato. Se o atleta não é filiado ao sindicato, essa taxa mensal já é abusiva, não se adentrando na discussão a respeito de ter havido ou não autorização para a cobrança. Se for filiado, tem que analisar se houve autorização expressa do atleta para haver o desconto. Na prática, clubes em parceria com sindicatos fazem esse desconto sem o atleta ser filiado ao sindicato e/ou ter autorizado tal cobrança. Isso é flagrantemente ilegal e bastante comum de acontecer.

Explicou-se isso, pois, caso algum atleta não se filie ao sindicato que existir na sua localidade, e não contribuir com as taxas que alguma entidade sindical quiser cobrar, ainda assim tais sindicatos vão conseguir se manter, por causa daquela contribuição sindical “obrigatória”.

Essa contribuição sindical “obrigatória” é uma fonte de receita que man-tém os sindicatos, as federações e as confederações sindicais, independente-mente de essas entidades quererem atuar, defendendo o interesse da categoria (dos trabalhadores ou dos empregadores).

Nesse mesmo sentido e continuando o raciocínio, para um sindicato dos atletas firmar um ACT (com um clube específico) ou CCT (com o sindicato dos clubes), é preciso que os interessados (os atletas profissionais) provoquem-no primeiramente para atender ao seu chamado. Isso pode ser feito por correspon-dência (com a devida comprovação de recebimento), e a lei determina que esse sindicato terá 8 (oito) dias para atender ao chamado. Se o sindicato atender ao chamado, presidirá as negociações pelas vias ordinárias e, se for necessário, pela via extraordinária (greve), conforme explicado acima.

Se o sindicato não atender ao chamado por alguma razão qualquer, que pode ser porque não quer se indispor com um clube específico (descumprindo a sua obrigação principal de defesa dos interesses dos seus representados, que são os atletas), caberá aos mesmos empregados provocar em outros 8 (oito) dias a federação dos atletas profissionais de futebol, que só existe uma atualmente e tem amplitude nacional (Fenapaf, que fica no Rio de Janeiro/RJ). Caso essa federação sindical também não atenda ao chamado (e por não haver confede-ração sindical desta natureza no Brasil), aí a lei diz que os atletas podem formar uma comissão de trabalhadores eleita por eles (e diante do seu empregador),

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para que façam as negociações ordinárias e a extraordinária (greve), se esta for necessária.

Por exemplo, se o sindicato dos atletas profissionais do estado “X” for pro-vocado pelos empregados de um clube “Y” para resolver questões dos seus inte-resses e o sindicato não atender ao chamado em 8 (oito) dias (se a notificação da parte se desse hoje, 03.06.2014, teria até o dia 11.06.2014), esses mesmos atle-tas poderiam solicitar, em novos 8 (oito) dias, que a Fenapaf atendesse ao cha-mado (partindo-se do pressuposto que tal notificação ocorresse em 12.06.2014, o prazo para atendimento do chamado se esgotaria em 20.06.2014), a fim de firmar um ACT com o clube “Y”. Caso essa federação sindical também não atendesse ao chamado, teoricamente os trabalhadores poderiam eleger entre eles um ou mais membros para liderar uma comissão de trabalhadores e levar a resolução do conflito coletivo de trabalho adiante. É nesse momento que o Bom Senso FC poderia se engajar, dando suporte para a formação dessa comissão de trabalhadores diante de um empregador específico, que poderia levar a nego-ciação coletiva adiante. Sem a participação do Bom Senso FC, dando suporte à formação de tal comissão negocial, dificilmente isto iria acontecer, uma vez que os atletas não teriam as mesmas proteções jurídicas que um dirigente sin-dical possui (de estabilidade jurídica e inamovibilidade sindical, na forma da lei). E a participação do Bom Senso FC daria uma relativa segurança jurídica aos integrantes de tal comissão, pois poderia atrair para si a responsabilidade pela negociação, ao invés de deixar o peso da decisão concentrada nos atletas, que estariam desprotegidos pela lei (em comparação a um dirigente sindical).

Conclui-se, diante do que foi dito acima, que o exercício do direito de greve é algo muito burocratizado no Brasil, só sendo possível caso sejam esgo-tadas as vias ordinárias primeiramente.

No entanto, mesmo que não sejam esgotadas as vias ordinárias, não ha-veria impedimento para que uma “paralisação geral” fosse deflagrada no Brasil por todos (ou quase todos) os atletas de diversos clubes, fazendo com que pa-ralisassem, por exemplo, a atividade de uma rodada inteira de uma competi-ção futebolística de âmbito nacional, a fim de buscar melhores condições de trabalho. Porém, nessa situação, caso o clube prejudicado buscasse a justiça, esta poderia reconhecer a ilegalidade da greve (por não terem sido esgotadas as vias ordinárias), e ordenar o retorno dos atletas à atividade imediatamente, podendo reconhecer ou não o direito ao empregador de descontar o(s) dia(s) não trabalhado(s).

Não se quer aqui incitar qualquer pessoa a paralisar uma atividade. Neste estudo, há apenas uma tentativa de se trazer uma explicação didática com rela-ção ao que poderia ocorrer numa situação prática.

Além disso, vale a pena lembrar o que prevê a Lei nº 9.615/1998 (Lei dos Desportos), no seu art. 32, o qual dispõe que: “É lícito ao atleta profissional re-

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cusar competir por entidade de prática desportiva quando seus salários, no todo ou em parte, estiverem atrasados em dois ou mais meses”.

Sendo assim, se o salário do atleta estiver atrasado, até mesmo parcial-mente (ex.: deveria perceber R$ 2.000,00 e só recebeu R$ 724,00 num mês específico), por período igual ou superior a 2 (dois) meses, o referido empre-gado futebolista pode se recusar individualmente a competir, o que inclui os treinamentos e as disputas de partidas. Não se quis discutir aqui a questão de o direito de imagem ter ou não natureza salarial6, pois aí a discussão teria um aprofundamento que não foi visado quando da elaboração dos seus objetivos.

Sendo assim, acerca da regra prevista no art. 32 da Lei dos Desportos, apenas se quis dizer que a paralisação pode ser feita também individualmente por cada atleta que tiver o seu salário atrasado, não importando se é na íntegra, mas devendo tal atraso ser por período igual ou superior a 2 (dois) meses.

CONCLUSÃO

No presente estudo, viu-se que a natureza jurídica do Bom Senso FC tem se assemelhado cada vez mais à de uma entidade parassindical, em virtude de a sua atuação ser bastante próxima em relação ao que é praticado por uma entidade sindical.

Conclui-se afirmando que é possível o Bom Senso FC dar suporte aos atletas profissionais de futebol para que estes deflagrem uma greve, diante da inexistência de uma entidade sindical específica ou do não atendimento do chamado por parte desta, quando devidamente provocada pelos interessados. Contudo, não seria o Bom Senso FC que poderia deflagrar a greve, por ainda não ter autorização legal expressa neste sentido, mas seriam os próprios atletas interessados que fariam isto, com o suporte de tal movimento social.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Fábio Túlio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2010.

SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010.

VALENTIM, Marta. Arquivos sindicais. Marília, 2013. Disponível em: <http://www.valentim.pro.br/Slides/Arquivos_Empresariais/Arquivos_Sindicais.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2013.

6 Sobre a temática do direito de imagem pago em fraude à lei, sugere-se a leitura da obra: SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010. p. 93-99.

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Parte Geral – Doutrina

A FIFA e o Direito Penal

LEONARDO SCHMITT DE BEMDoutor em Direito Penal pela Università degli Studi di Milano e pela Universidad de Castilla--La Mancha, Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra, Professor de Direito Penal em Santa Catarina, Cocoordenador e Articulista na obra Direito Desportivo e Conexões com o Direito Penal.

RESUMO: O futebol representa excelente âmbito para analisar algumas questões relacionadas com a criminalização. Os casos Suárez e Zuñiga, ocorridos no Mundial do Brasil, comprovam essa asser-tiva. Com base no episódio da mordida do jogador uruguaio, analisarei se a incidência penal deverá ser sempre a última medida e, reflexamente, se a pena criminal é a mais grave das intervenções na liberdade humana. Com respaldo na joelhada proferida pelo atleta colombiano, discorrerei sobre a fronteira entre as condutas lesivas toleráveis e intoleráveis no âmbito do futebol. Em síntese, ana-lisarei se realmente o direito penal deve incidir para fins de punição dos jogadores sulamericanos.

SUMÁRIO: 1 O caso Luis Suárez; 2 O caso Juan Zuñiga.

1 O CASO LUIS SUÁREZ

O uruguaio Luis Suárez proferiu uma mordida em jogador adversário durante partida da Copa do Mundo no Brasil. A Comissão Disciplinar da FIFA puniu energicamente o atleta suspendendo-o pelos próximos nove jogos da se-leção, desvinculando-o por quatro meses de atividades esportivas e do simples acesso aos estádios nesse período, além de multá-lo em milhares de francos suíços. Em síntese, a entidade entende que o futebol pressupõe certa ética e que o futebolista deixou de cumprir as regras desportivas e de preservar a chamada integridade desportiva.

A conduta antidesportiva do jogador celeste e a punição exagerada da entidade máxima do futebol contribuem, ao menos, em dois importantes deba-tes no direito penal. Primeiro: a pena criminal é a mais grave das intervenções na liberdade humana? Segundo e, reflexamente: a incidência penal deverá ser realmente a última medida?

Luis Suárez, ao morder o ombro de Chiellini, praticou, em tese, uma lesão corporal leve tipificada no caput do art. 129 do Código Penal com pena mínima cominada de três meses. Para ser possível sua incriminação, exige-se, legalmente, representação do ofendido (art. 88 da Lei nº 9.099/1995). A vítima italiana, que já entendeu excessiva a punição, certamente decairá deste direito uma vez que deixará transcorrer o prazo de seis meses para o seu exercício.

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Vistas as coisas, algo anda muito mal quando se observa uma punição disciplinar mais grave que uma possível punição criminal. Seria como dizer, em outros termos, que o fair play (jogo limpo), um bem (valor) estritamente es-portivo e sem um correspondente direito fundamental reconhecido constitucio-nalmente, teria uma proteção mais ampla que um legítimo bem jurídico penal.

Alguém pode se perguntar: como a pena disciplinar aplicada ao jogador que violou as regras do esporte poder ser mais grave que a sanção mínima co-minada para o crime de lesão corporal leve? É surpreendente a atitude da FIFA, e quem enaltece esse julgamento se esquece da função da pena criminal, ou seja, de ser a mais intimidante reprimenda estatal e, com efeito, possibilita que a pena imposta pela classe administrativa seja maior que a coação definida pela atuação jurisdicional1.

Quando isso ocorre, seguramente há “algo mais” protegido no esporte. Mas esse “algo mais” deve ser algo distinto ao próprio objeto jurídico tutelado penalmente. É o mesmo que dizer que o bem jurídico penal protegido contra as ofensas físicas não pode estar encoberto na tutela do fair play. E por que não pode? Quando a conduta praticada não é coagida penalmente, porque no âmbito da violência física não está proibida ou está justificada ou depende do exercício de alguma condição, não resulta possível a punição disciplinar, sal-vo se o fundamento jurídico for diferente. Significa dizer que não pode haver identidade entre os interesses jurídicos tutelados pelas distintas normas sancio-nadoras. Porém, repetimos que um bem estritamente desportivo não pode estar protegido com sanções mais graves que as previstas para a proteção de bens jurídico-penais.

A FIFA não respeitou essa regra, quiçá, porque a ideia de prevenção não resulta suficiente com a previsão da sanção disciplinar somente para a tutela da integridade desportiva. Queremos afirmar, em termos mais simples, que a san-ção disciplinar cominada exclusivamente para a proteção do espírito desportivo não cumpriria as finalidades de prevenção que derivam da pena criminal. Para mudar esse contexto, a FIFA termina por camuflar sob uma etiqueta jurídica indeterminada, pois as expressões citadas têm bela sonoridade, mas carecem de conteúdo – sendo este definido pelos membros de sua Comissão disciplinar – interesses jurídicos já protegidos penalmente. Contudo, em nosso entender, a FIFA, com esse procedimento velado, ofende a proibição de duplicidade de sanções por uma mesma conduta, como enuncia o princípio non bis in idem.

1 Manuel Portero Honares (¿Principio de efectiva protección de bienes jurídicos?: Derecho penal europeo y principio de proporcionalidad. In: Los derechos fundamentales en el derecho penal europeo. Pamplona: Arazandi, 2010. p. 321) destaca que “a pena criminal tem uma importante função que é a de fixar o limite máximo da força que podem alcançar as demais intervenções”.

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Assim, e na sequência do que defenderemos, a aplicação das sanções disciplinares poderá ocorrer em somente dois contextos: com o descumprimen-to das regras desportivas e com consequências ofensivas unicamente aos inte-resses desportivos; ou, nos casos de condutas de escassa gravidade aos objetos jurídico-penais, pois nesse contexto, primeiramente, é suficiente a instância desportiva para a devida tutela e, em segundo lugar, pois as ofensas insignifi-cantes não concernem ao direito penal. Nesses casos, novamente reforçamos que a sanção disciplinar não poderá superar à penal, pois, segundo expõe Cuchi Denia, “em um Estado Democrático de Direito, é difícil que predomine o deco-ro de uma organização antes da proteção à integridade de seus participantes”2.

Diante desse contexto, é possível aderir à doutrina de Tiedemann e Schünemann, que acodem não ser sempre precisa a opinião majoritária que pressupõe que a reprimenda penal é a mais grave das intervenções na liberda-de3. Explicamos detalhadamente.

O exercício de qualquer atividade transforma a vida humana. Enten-dendo-se o trabalho como uma atividade qualquer, como a prática desportiva profissional, a sua restrição, é dizer, a restrição da liberdade de seu exercício, afeta a vida humana. Sendo assim, a suspensão imposta pela FIFA ao uruguaio, ademais de excepcionar nossa Carta Fundamental no âmbito de seus direitos e garantias fundamentais, pois, ademais da punição desportiva, proibiu-se Suárez de adentrar aos estádios da Copa e mesmo de permanecer nos locais oficiais junto com seus colegas de seleção, seguramente pode ser considerada mais grave que uma pena criminal4.

Considerando o caso Suárez, a objeção dos penalistas é correta se o con-ceito de liberdade não contempla apenas o direito de ir e vir, é dizer, o direito de locomoção, porque não há dúvidas de que a pena de privação de liberdade é a coação mais intrusiva para o ser humano. E isso sem olvidar dos países que aderem à prisão perpétua. Porém, se o conceito de liberdade abarcar, mais além do direito de locomoção, o direito de exercer uma atividade (prática desporti-va), determinadas penas disciplinares ou administrativas serão – se já não o são – realmente mais graves.

Com esse novo alcance conceitual, é possível observar que o castigo penal não é a pior resposta que um Estado pode atribuir às pessoas. Isso não

2 CUCHI DENIA, Javier. La incidencia del derecho penal en la asignatura deportiva: la aplicación del principio ne bis in idem. Revista Española de Derecho Deportivo, n. 8, p. 172 e ss., 1997.

3 Apud GRECO, Luís. Modernização do direito penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 58-59.

4 Outro famoso caso que ilustra esse contexto foi o banimento de todos os esportes olímpicos da nadadora brasileira Rebeca Gusmão pela Corte Arbitral do Esporte pelo uso reiterado de substâncias proibidas. Essa sanção disciplinar supera as penas criminais previstas, por exemplo, nas leis belga e italiana, que punem a prática da autodopagem.

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significa, contudo, que o dogma da intervenção mínima do direito penal deva ser abandonado, mas nada impede uma revisão.

Nesse sentido, é muito interessante a proposta de Nils Jareborg, que não segue a ideia de que o direito penal atue somente quando os demais meios legais são insuficientes5. O penalista altera a forma de analisar o princípio da intervenção mínima tendo em consideração que as restrições ao legislador não são amplas6, de sorte que passa a considerá-lo como uma condição favorável à criminalização, e não mais como sendo uma condição contrária7.

Essa análise destaca, inicialmente, que a intervenção mínima é tão so-mente um princípio da ética legislativa que fundamenta a ideologia de um Esta-do de direito e que se presume existir em países governados democraticamen-te. Sem embargo, reconhecendo que a argumentação ética é também ampla, apresenta uma nova sistematização por ele chamada de equilíbrio reflexivo do legislador, valendo-se de uma expressão importada de John Rawls8. Destacare-mos alguns detalhes.

O penalista pretende impedir o uso radical do direito penal. Para cumprir esse objetivo, converte o direito penal no meio extremo para casos extremos. Para demarcar sua tese, elege terminologia muito interessante. Trabalha a inter-venção mínima sob um amplo princípio in dubio pro libertate em oposição ao princípio in dubio pro lege. O conteúdo essencial daquele provém de argumen-tos favoráveis e contrários à criminalização que constituem elementos de três subprincípios: o valor penal, a utilidade e a humanidade, sendo que, em casos extremos, o primeiro tem prioridade sobre os outros dois9.

Interpretando sua doutrina, concluímos que ações sem grau suficiente de desaprovação não devem ser sancionadas criminalmente. Logo, quanto maior seja o valor penal da conduta, mais provável será a sua criminalização. Verifica-do esse alto valor, as dúvidas para a incriminação desaparecem. O princípio do valor penal reúne dois argumentos. O primeiro é a reprovação pela culpabilida-de que é constituído pelo bem jurídico violado, pela criação de riscos ou danos ao interesse jurídico protegido, pela atuação intencional ou negligente do agen-te, entre outros. O segundo é a análise da proporcionalidade retrospectiva, é dizer, para que a sanção penal não pareça exagerada para certo tipo de condu-

5 ANDRADE, Manuel da Costa. As lesões corporais (e a morte) no desporto. In: Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias. Coimbra, 2003. p. 682 – inclusive assinalando que o sistema sancionador desportivo “acrescenta uma força nada depreciável ao princípio da ultima ratio do direito penal”.

6 Klaus Tiedemann (Constitución y derecho penal. Revista Española de Derecho Constitucional, n. 33. Trad. Luis Arroyo Zapatero. Madrid, p. 148, 1991), particularmente no contexto constitucional alemão, destaca “a ampla margem de liberdade ao legislador para a configuração do ordenamento penal”.

7 JAREBORG, Nils. A criminalização como último recurso. Revista Síntese de Direito Penal e Processo Penal, n. 77. Trad. Lucas Minorelli. Porto Alegre: Thomson, p. 58-74, 2013.

8 JAREBORG, Nils. A criminalização como último recurso, p. 60.9 JAREBORG, Nils. A criminalização como último recurso, p. 67-68.

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ta, será necessário compará-la com outras condutas com o fim de verificar sua suficiente gravidade. O segundo argumento constitui um freio do primeiro10.

A interpretação se deve realizar no sentido de que o legislador apenas exalte como delituosas as condutas que afetem os bens jurídicos de modo re-levante. Longe de advogar a eliminação penal do âmbito desportivo, deve-se valer de sua presença somente em última instância, porém não com a fina-lidade de examinar os demais instrumentos legais, senão em face de ações que apresentem, de maneira efetiva, um índice de lesividade ao bem jurídico. Exemplificando: se em uma partida, todos os insultos que jogadores dirigem ao árbitro fossem punidos criminalmente, o sistema da Justiça Penal entraria em colapso devido à sobrecarga de processos. Por isso, é necessário avaliar a ofensividade do insulto e apenas no caso de ofensas que possuam relevante carga de lesividade, como nas ofensas discriminatórias, incluir-se-iam entre as condutas merecedoras de sanção penal. O mesmo deverá ocorrer nos casos de violência corporal e nos que afetam interesses patrimoniais ou econômicos no esporte. Equivale a dizer que algumas condutas devem ser excluídas totalmente da incidência penal. Nessa linha, assinala Vicente Martínez que “a intervenção estatal deve seguir a alguns parâmetros contrários à criminalização de aqueles comportamentos carentes de um plus de lesividade que não legitimem a inter-venção penal”11. Porém, a afirmação da conduta delituosa não constitui uma autorização para relegar a um plano secundário a proporcionalidade em senti-do estrito, pois esta “orienta o legislador a que use as normas de modo cauteloso e reservado”12.

Quais são as vantagens da construção de Nils Jareborg? Primeiramente, como destaca o próprio penalista, sua teoria implica que o princípio da ne-cessidade penal adquire uma função normativa independente e, com efeito, tende a ser mais realista que na concepção tradicional13. Em segundo lugar, seguindo um direito penal constitucionalmente orientado, só as ofensas mais intoleráveis deverão ser abarcadas penalmente, porque, do contrário, haverá ofensa ao princípio da dignidade humana e, no contexto desportivo, a paralisa-ção da atividade em si mesma14. Não é relevante, ademais, estabelecer o grau de eficácia das sanções alternativas, inclusive porque, verificados os ataques mais graves em detrimento aos interesses jurídicos que assumam a dignidade de direitos fundamentais, deverá incidir a sanção penal15. Outro efeito de sua

10 JAREBORG, Nils. A criminalização como último recurso, p. 67.11 VICENTE MARTÍNEZ, Rosario de. Derecho penal del deporte. Barcelona: Bosch, 2012. p. 98.12 SCHWABE, Jürgen. Cinquenta anos de jurisprudência do tribunal Constitucional alemão. Org. e introd.

Leonardo Martins. Montevideo: Fundación Konrad Adenauer, 2006. p. 271.13 JAREBORG, Nils. A criminalização como último recurso, p. 71.14 ANDRADE, Manuel da Costa. As lesões corporais (e a morte) no desporto, p. 682.15 Francesco Angioni (Beni costituzionale e criteri orientativi sull’area dell’illecito penale. In: Bene giuridico e

riforma della parte speciale. Napoli: Jovene, 1985. p. 111) assinala que essa análise paralela é mais difícil

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construção refere-se ao princípio da legalidade, estando o legislador vinculado à precisão e à determinação na descrição das ações proibidas pelos tipos legais, pois a elas corresponderão as penas mais enérgicas. Em último lugar, as sanções cominadas às demais condutas, é dizer, as sanções disciplinares previstas para as ações menos ofensivas não poderão ser superiores à pena criminal sob pena de desvirtuar por completo a função e a própria existência penal16.

Em síntese, a punição imposta pena FIFA a Luis Suárez não se adéqua ao “padrão” exigido para a realização da Copa do Mundo no Brasil.

2 O CASO JUAN ZUÑIGA

A conduta do lateral colombiano Juan Zuñiga que atingiu com uma joe-lhada a lombar de Neymar em partida válida pelas quartas de final da Copa do Mundo do Brasil reabriu a discussão sobre a linha de fronteira entre a tolera-bilidade e a intolerabilidade jurídico-penal das lesões que ocorrem no futebol. Seria possível punir criminalmente o atleta estrangeiro? Essa questão poderia receber diferentes respostas a depender da época penal e respectivas teorias que se pretendessem seguir. Isso porque há mais de cem anos a doutrina penal se debruça sobre o tema17.

Luiz Flávio Gomes, em recente vídeo, preferiu enquadrar sua resposta no âmbito funcionalista da teoria do risco não permitido lapidada por Roxin. Segundo o professor, a “atrabiliária entrada” de Zuñiga “inequivocamente se tratou da geração de risco proibido”, visto que o jogador colombiano “visou exclusivamente o corpo de Neymar”. Concluiu o penalista, porém, que em con-sideração ao princípio da subsidiariedade, apenas se a FIFA rejeitar o recurso interporto pela CBF em relação à não punição de Zuñiga caberá uma interven-ção penal18.

Interpretando sua análise, alcanço duas conclusões: a) o jogador que gera um risco juridicamente relevante tem a sua imputação excluída quando se tratar de um risco permitido; b) se o árbitro não considera determinada ação

do que aparenta, pois, para ter um conhecimento exato da eficácia das outras medidas, seria necessário substituir, ao menos provisoriamente, a sanção penal – algo que, para o penalista italiano, é pouco factível.

16 Manuel Portero Honares (¿Principio de efectiva protección de bienes jurídicos? Derecho penal europeo y principio de proporcionalidad, p. 321) aduz que “o recurso à pena garante que outras medidas muito mais agressivas, como a vingança ou os sistemas de proteção privados, não ocupem seu lugar”. O professor espanhol também ressalta que “o aspecto central em torno ao princípio da ultima ratio se refere, precisamente, à condição que há de existir para que este possa efetivamente desempenhar sua função: sua aplicação exige que a sanção penal seja efetivamente a sanção que mais intimide as pessoas dentre todas que conta o Estado”.

17 Um amplo desenvolvimento sobre o assunto foi por mim defendido em tese de doutorado junto ao Departamento de Direito Penal Cesare Beccaria da Università degli Studi di Milano, Itália, em 2013, atualmente estando presente no livro: Responsabilidad penal en el deporte. Curitiba: Juruá, 2014. 464 p.

18 Possível visualização em: <https://www.youtube.com/watch?v=cCtDU2AUqhc>.

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em uma partida como antidesportiva (bem como a FIFA), por mais grave que essa seja não se deve falar de conduta ilícita, porque, não havendo ilicitude no campo desportivo, tampouco haverá no campo penal. Um setor da doutrina penal espanhola segue essa tese – que não comentarei nesse ensaio – e com ela pretende preservar uma coerência lógico-sistemática e valorativa do ordena-mento jurídico que exige a não contradição sobre a determinação da conduta ilícita em distintos setores19.

Não há dúvida a respeito que a intervenção penal somente impera a par-tir do momento em que se excede o risco permitido. Porém, como se delimitam os riscos permitidos no âmbito do futebol, mormente considerando que se trata de um modelo de interação com contato físico?

Para a determinação do que se deve considerar criação de risco não permitido, Roxin recorreu às jurisprudências e doutrinas científicas, apresen-tando algumas diretrizes. Entre estas, o penalista menciona as normas técni-cas, ou seja, “as regulamentações que são criadas por associações ou consór-cios de interesses privados, sobretudo para a prática de certas especialidades desportivas”20. As leis do jogo no futebol, por exemplo, são autorizadas pela In-ternational Football Association Board21 e regem em todo o mundo por estarem em conformidade com a FIFA. Assim, a criação de um risco proibido derivaria do descumprimento dessas leis do jogo.

Penso necessário fazer três ressalvas. Primeiramente, na esteira de Ribeiro de Faria, “as regras do jogo são somente um ponto de referência para a valoração da conduta do agente, pois estabelecem de forma abstrata as modali-dades de condutas permitidas e os limites da licitude desportiva”22. Em segundo lugar, como bem destaca Burgstaller, citado por Luís Greco, a delimitação do risco permitido de que se trata nessas normas técnicas é problemática, pois “muitas vezes essas normas não têm a finalidade primordial de proteção da integridade física, senão são elaboradas para fins de caracterização da própria modalidade desportiva”23. Por fim, poder-se-ia questionar “a ausência de le-gitimidade democrática das leis de jogo a ponto de não se atribuir a mesma

19 RODRÍGUEZ DEVESA, José María; SERRANO GÓMEZ, Alfonso. Derecho penal español. 18. ed. Madrid: Dykinson, 1995. p. 514; PAREDES CASTAÑÓN, José Manuel. Consentimiento y riesgo en las actividades deportivas. In: Anuario de derecho penal y ciencias penales, Madrid, n. 43, p. 654, 1990.

20 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general, 1997, p. 1003.21 Possível visualização em: <http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/ifab/aboutifab.html>.22 RIBEIRO DE FARIA, Maria Paula Bonifácio. A adequação social da conduta no direito penal, 2005, p. 515. O

próprio Roxin conhece o caráter indiciário do descumprimento das normas técnicas da modalidade desportiva para fins de responsabilização criminal do jogador.

23 BURGSTALLER, Manfred apud GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 52. Segundo o penalista brasileiro, “tem razão Burgstaller ao observar que a violação de regras desportivas tem ainda menos relevância para a fundamentação do risco juridicamente desaprovado do que a das demais regras de segurança privadas”.

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transcendência que as proibições de colocação em perigo abstratas definidas em uma legislação criminal”24.

Apesar dessas ressalvas, em princípio os regulamentos desportivos con-têm o instrumentário de normas que devem ser respeitadas, pelo que as condu-tas que infrinjam as referidas leis do jogo geram grande probabilidade de criar riscos não permitidos. Foi o exemplo de Zuñiga em Neymar, segundo entendeu Luiz Flávio Gomes. Em síntese, a conduta do colombiano revelou, ao menos, uma péssima prática do futebol. Acrescento a esse entendimento, por entender imprescindível à situação, que a infração da regra esportiva, essencialmente como ímpeto do jogador colombiano, deverá ser considerada nos limites do futebol, com independência de que o resultado causado em Neymar tenha sido grave, pois o que se tolera quanto ao risco permitido é a ação perigosa.

Outros penalistas seguem uma postura mais cautelosa. Segundo Costa Andrade, “a violação das regras do jogo não tem necessariamente – nem sequer normalmente – que realizar o risco proibido capaz de suportar a imputação do resultado típico”25. Roxin pareceu não adotar essa posição, pois salienta que, “se o risco permitido é excedido, por meio do descumprimento das normas técnicas, a causação do resultado de lesão corporal devido a presente violação representará uma conduta que será punível a título de dolo ou culpa”. Porém, sua consideração é flexibilizada na seara esportiva, desde logo no futebol, con-cluindo que “a infração das regras do esporte tampouco fundamenta sem mais a imprudência jurídico-penal, nem sequer quando estas pretendem tutelar a integridade física dos jogadores, pois nas especialidades esportivas com contato são inevitáveis e devem ser aceitas as infrações leves das regras em razão de uma atuação mais incisiva”26.

Cometer uma infração antidesportiva, intencional ou não, portanto, pode estar dentro do limite do risco ao qual um atleta se submete durante a partida de futebol. Se o fato de cometer uma infração leve da regra27 fosse suficiente para dar procedência à atuação do Ministério Público, todo atleta expulso por rea-lizar uma entrada perigosa deveria ser processado, o que revelaria grande ab-surdo, mais além de tornar inviável, em alguns contextos, o próprio jogo. Nesse ponto, portanto, deve-se seguir Costa Andrade quando repudia a doutrina de Günther e Horn ao proporem para o efeito os critérios que determinam a des-qualificação ou expulsão do jogador, isto é, o critério do “cartão vermelho”28.

24 VICENTE MARTÍNEZ, Rosario de. Derecho penal del deporte, 2010, p. 137.25 ANDRADE, Manuel da Costa. As lesões corporais (e a morte) no desporto, 2003, p. 719.26 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general, p. 1004.27 Para diferenciar o caso Zuñiga-Neymar, que, a meu ver, caracteriza uma infração leve à regra desportiva,

recordo do caso Leonardo Ramos na Copa do Mundo de 1994, cujo vídeo é muito mais ilustrativo que qualquer explicação. Possível visualização em: <http://www.youtube.com/watch?v=30rSHY9aFBI>.

28 ANDRADE, Manuel da Costa. As lesões corporais (e a morte) no desporto, 2003, p. 703.

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Não é outra a postura de Albin Eser: “Para evitar que essas modalidades esporti-vas se desvirtuem pela sua desnaturalização, há de se aceitar algumas infrações às regras do esporte, ademais dos riscos que elas representem”29.

Ventas Sastre relembra julgado do Tribunal Supremo Espanhol do qual se extrai que “a ideia do risco que cada esporte pode implicar, como, exemplifi-cando, a ruptura de ligamento ou a fratura de vértebra é inerente a sua natureza e, com efeito, o assume quem se dedica ao seu exercício”30. A decisão exprime que o risco particular que a prática do futebol pode acarretar está implícito em seu exercício, porque é completamente impossível participar de um jogo sem assumir algum grau de risco. Questiono se seria realmente possível ao jogador Neymar atuar pela seleção nos jogos do Mundial sem se expor a sofrer uma en-trada incisiva de jogador adversário ou um forte golpe em uma disputa da bola contra o oponente. Até mesmo o torcedor mais patriota responderia que atuar sem correr riscos de lesão seria praticamente impossível para o jovem jogador.

Assim, ainda que as infrações no jogo possam ser penalizadas – o que não ocorreu no jogo entre Brasil e Colômbia simplesmente pela vantagem dada pelo árbitro à seleção brasileira –, isso não significa que a conduta do atleta Zuñiga amolda-se ao risco proibido, porquanto o não respeito às normas téc-nicas ou regulamentares só tem caráter indiciário de produção de um risco proibido, “devendo ser avaliadas no caso concreto, porque a cada situação corresponde seu próprio grau de risco”31. Daí seguir Morillas Cueva, para quem “o direito penal não pode se eximir de atuar nos contextos que excedam a di-nâmica própria do esporte de que se trate, embora este tenha uma base violenta por si mesma”32. Não é o caso de Zuñiga, em meu sentir.

Àqueles que pensam em sentido contrário, como o próprio Professor Luiz Flávio Gomes, devem também observar um segundo detalhe apresentado por Zaffaroni: “A violação da regra desportiva não pode ser confundida com a lesão em si, dado que é perfeitamente possível haver uma violação intencional das normas desportivas com resultado culposo de lesão”33. Logo, a intenção de vio-lar as leis do jogo não é igual à vontade de lesionar. Assim, afirmar que Zuñiga agiu com dolo direto (intenção inequívoca de lesar) ou com dolo eventual (as-

29 ESER, Albin. Deporte y justicia penal. Revista Penal, Barcelona, n. 6, p. 61, 2000.30 VENTAS SASTRE, Rosa. Una aproximación al tratamiento jurídico-penal de las lesiones deportivas. Revista

Jurídica del Deporte, Navarra: Arazandi, n. 13, p. 244, 2005.31 DOMÍNGUEZ IZQUIERDO, Eva. El consentimiento y la relevancia penal de los resultados lesivos em los

deportes de contacto eventualmente violentos: el caso del fútbol. In. Estudios sobre derecho y deporte. Madrid, p. 163, 2008. Outras características devem ser tomadas em consideração, desde a estrutura física dos atletas envolvidos, velocidade com que cada qual foi em direção à disputa da bola, o histórico de lesões já sofridas pelo ofendido etc.

32 MORILLAS CUEVA, Lorenzo. Derecho penal y deporte. In. Revista Andaluza de Derecho del Deporte, n. 1, p. 49. É o que poderia se passar no caso de Leonardo antes retratado em vídeo.

33 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2006. p. 385.

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sumiu o risco de produzir o resultado) me parece muitíssimo precipitado. Isso porque, segundo as imagens televisivas do jogo, a intenção do colombiano foi impedir que o brasileiro dominasse a bola e pudesse armar eventual contrata-que ou, até mesmo, “matar a jogada”, como comumente acontece em jogos de futebol. A mensagem ofertada pelo adversário do Brasil depois do jogo justifica essa interpretação. Decidindo-se pela presença do risco proibido, a força des-proporcional empreendida na jogada pela violação da regra desportiva é apta a caracterizar uma lesão corporal culposa, a ensejar eventual ação penal somente se a vítima – no caso, Neymar – exercer o seu direito de representação34.

34 Seguindo a regra que o crime de lesão corporal culposa exige representação do ofendido (art. 88 da Lei nº 9.099/1995) no prazo de seis meses de acordo com o art. 103 do Código Penal.

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Parte Geral – Doutrina

Aspectos Penais do Cambismo nos Espetáculos Desportivos: a Lei de Economia Popular e o Estatuto do Torcedor

FÁBIO ANDRÉ GUARAGNIPromotor de Justiça, Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais (UFPR), Professor de Direito Penal Econômico do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do UniCuritiba, Professor de Direito Penal do UniCuritiba, Fempar, Esmae, Cejur e LFG, Coordena-dor da Fundação Escola do Ministério Público do Paraná – Fempar, Núcleo Curitiba.

RESUMO: Mediante estudo de caso, o texto desenvolve os aspectos penais do cambismo nos es-petáculos públicos de qualquer natureza, v.g., artísticos, culturais e desportivos, explorando o en-quadramento desta atividade no tipo penal do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951 – Lei de Economia Popular. Após, com base no Estatuto do Torcedor, expõe as mudanças provocadas no tratamento jurídico-penal da matéria exclusivamente em relação a espetáculos desportivos.

PALAVRAS-CHAVE: Direito penal econômico; Lei de Economia Popular; cambismo; direito do consu-midor; direito penal das relações de consumo; ordem econômica; registros públicos.

SUMÁRIO: Introdução; I – Circunstâncias do enquadramento típico-penal da venda de ingressos para espetáculos públicos de qualquer natureza – inclusive os desportivos – mediante cambismo; I.1 Tipicidade penal da atividade de cambismo de ingressos para espetáculos públicos, inclusive desportivos, até a redação do Estatuto do Torcedor dada pela Lei nº 12.299/2010; I.2 Possibilidade de configuração do crime sem o “concurso da pessoa efetivamente lesada”; I.3 Exigências para a tipici-dade da conduta em face da classificação do crime como de perigo concreto; I.4 Impossibilidade de registro público de associações de cambistas de espetáculos artísticos e desportivos; II – A redação do Estatuto do Torcedor a partir de 2010 e seus impactos no tratamento jurídico-penal do cambismo para espetáculos desportivos; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃO

No já distante ano de 1999, o Comando Geral da Polícia Militar do Es-tado do Paraná formulou consulta à Procuradoria Geral de Justiça do mesmo Estado solicitando parecer acerca da possibilidade de realizar o enquadramento típico penal da atividade dos cambistas em espetáculos desportivos e artísti-cos. À época, questionava-se a subsunção na hipótese do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, que trata dos crimes contra a economia popular. Ainda, efetuou questionamento quanto à viabilidade de apreensão de ingressos ou bilhetes em poder dos cambistas “[...] independente do concurso da pessoa efetivamente lesada”, por força da equiparação, presente no tipo, entre a forma consumada e a tentada. Finalmente, aventou a possibilidade de atuação do Ministério Públi-

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co Estadual no sentido de promover a cassação do registro da “Associação dos Cambistas de Espetáculos Artísticos e Desportivos do Paraná”.

Encontravam-se, em meio ao material enviado para análise, cópia de ofício desta Associação ao comando da Polícia Militar, relação de associados, estatuto social arquivado no 1º Ofício de Registro de Títulos e Documentos de Curitiba em 9 de outubro de 1995, ata da Assembleia constitutiva de 12 de junho de 1995, cartão de identificação no Cadastro Nacional de Pessoas Jurí-dicas – CNPJ, alvará de funcionamento concedido pela Prefeitura Municipal de Curitiba em 12 de dezembro de 1998.

Em atuação funcional junto ao Centro de Apoio Operacional das Promo-torias de Justiça de Defesa do Consumidor, exaramos parecer acerca do caráter ilícito penal da atividade do cambista, cujas bases foram aproveitadas e atuali-zadas nas considerações que seguem. Por elas, pretende-se:

a) estabelecer se e em que circunstâncias, ao tempo da consulta e ao de-pois, era possível o enquadramento típico-penal da venda de ingressos para es-petáculos públicos de qualquer natureza – inclusive os desportivos – mediante cambismo. A atividade importa na elevação de valor dos ingressos em relação àquele da bilheteria mediante especulação ou processo fraudulento, efetuada por intermediários entre o fornecedor e o consumidor final;

b) especificar que mudanças se produziram em relação às conclusões então obtidas, no que toca aos eventos desportivos, a partir do Estatuto do Tor-cedor – Lei nº 10.671/2003, tomando-se em conta os acréscimos que lhe foram dados pela Lei nº 12.299/2010.

Como pano de fundo, figura a consulta realizada pela Polícia Militar acerca da específica situação concreta da Associação de Cambistas, então cons-tituída, bem como as questões que apresentou ao órgão ministerial estadual, em autêntico case. Um case com qualidade para exploração doutrinária é aquele que possui caráter passível de generalização. Tanto mais generalizável e repetí-vel a situação concreta explorada, tanto mais útil é o estudo de caso.

Na hipótese, as questões lançadas pelo Comando da Polícia Militar re-percutem a cada espetáculo público realizado no país, em que se verifica o cambismo de ingressos. Às vésperas desses escritos, o site G1.Globo notícias veiculava a manchete a propósito de jogo decisivo da Copa Libertadores da América de 2012: “Cambista vende ingresso para jogo do Corinthians por R$ 30 mil. Polícia foi atrás de cambista que oferecia as entradas em site. Ingressos es-tão esgotados nas bilheterias, mas procura ainda é grande”1. Da necessidade de

1 Disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/07/cambista-vende-ingresso-para-jogo-do-corin-thians-por-r-30-mil.html>. Acesso em: 07 dez. 2012.

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esclarecimentos do órgão policial paranaense comungam, seguramente, muitos operadores do direito penal. O caso concreto serve como referência, ademais, na cena internacional. Aqui, a referência brasileira pode servir ao estudo do direito penal comparado. As observações subsequentes pretendem-se úteis nas duas vias.

I – CIRCUNSTÂNCIAS DO ENQUADRAMENTO TÍPICO-PENAL DA VENDA DE INGRESSOS PARA ESPETÁCULOS PÚBLICOS DE QUALQUER NATUREZA – INCLUSIVE OS DESPORTIVOS – MEDIANTE CAMBISMO

Conforme exposto na introdução, inicia-se pela demonstração de ser – ou não – possível o enquadramento típico penal da atividade de cambismo na generalidade dos espetáculos oferecidos ao público, de natureza artística, cultural, desportiva ou diversa, a partir da Lei de Economia Popular, quando do case (que data de 1999) e após. O recorte alusivo aos espetáculos desportivos, posterior à redação do Estatuto do Torcedor definida a partir de 2010, será de-senvolvido ao final.

i.1 tiPicidade Penal da atividade de cambismo de ingressos Para esPetáculos Públicos, inclusive desPortivos, até a redação do estatuto do torcedor dada Pela lei nº 12.299/2010

A consulta efetuada à Procuradoria Geral de Justiça cingia-se à análise da tipicidade penal da conduta dos cambistas, ao intermediarem a venda de in-gressos para espetáculos públicos – em regra desportivos ou artísticos. Questio-nava-se acerca da possibilidade de subsunção da conduta ao art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, que define os crimes contra a economia popular, assim redigido:

Art. 2º São crimes desta natureza:

[...]

IX – Obter ou tentar obter ganhos ilícitos, em detrimento do povo ou de indeter-minado número de pessoas, mediante especulações ou processos fraudulentos (“bola-de-neve”, “cadeias”, “pichardismo” e quaisquer outros equivalentes).

Entre a escassa doutrina sobre a matéria, constituiu-se, como importante referência, o trabalho de Paschoal Mantecca. Reportado autor positivou a exis-tência do crime contra a economia popular em relação às atividades de cambis-mo de ingressos, em termos:

Delito tipicamente enquadrado neste inciso IX diz respeito à já conhecida atuação dos “cambistas”. No Brasil, sobretudo nas grandes capitais, os cambistas

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exercem sua atividade ilícita, a despeito da repressão policial efetivamente de-sencadeada contra eles...2

O caráter de referência obrigatória do texto de Mantecca concerne justa-mente ao caso concreto ora selecionado. De fato, reportado autor destacou pre-cedente do Estado de São Paulo em que foi enfrentada situação similar. Segun-do pesquisou, no Processo da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo – CG 170/79, o 2º Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Ca-pital cancelou o registro da “Associação dos Cambistas de Espetáculos Despor-tivos e Artísticos do Estado de São Paulo”, por ser ilícita a atividade, cumprindo determinação emanada da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, capital. Note-se que essa decisão foi tomada pelo Juiz da 1ª Vara de Registros Públicos no plano administrativo, na atividade correicional do foro extrajudicial. Após, foi confirmada em sede recursal-administrativa pelo então Corregedor Geral de Justiça Humberto Andrade Junqueira, com amparo no art. 115 da Lei de Regis-tros Públicos – Lei nº 6.015/1973. O dispositivo afirma, textualmente:

Art. 115. Não poderão ser registrados os atos constitutivos de pessoas jurídicas, quando o seu objeto ou circunstâncias relevantes indiquem destino ou atividades ilícitos, ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à segurança do Es-tado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes.

O d. Corregedor baseou-se no parecer do então Juiz Auxiliar Hélio Quaglia Barbosa (após, Ministro do STJ, entre os anos de 2004 e 2008), o qual questionava:

Ora, qual o objetivo do grupo de cambistas, erigido em Associação, senão o de especular, injustificadamente e sem qualquer proveito para a coletividade, explo-rando os usuários de espetáculos públicos, pela cobrança abusiva de preços para os ingressos, que tais elementos se apressam, habitualmente, em amealhá-los das bilheterias, com vista à eliminação de alternativa para o espectador, senão a de ceder às exigências extorsivas propostas. Não se trata, de forma alguma, de uma atividade que envolva intermediação legítima, venda de conforto, ou de comodi-dade [...]. Trata-se na verdade sem que se possa excluir mesmo a alta probabili-dade de conluio com elementos vinculados à venda regular de ingressos, de um sistema de construção de dificuldades para o usuário – através do monopólio dos ingressos, naturalmente em número limitado, de acordo com a capacidade das casas de espetáculo ou dos estádios esportivos – para a negociação subseqüente e resultante de “facilidades”, em autêntica rapinagem à bolsa popular.3

A jurisprudência, entretanto, sempre vacilou. Recolhe-se de RT 647/316 o seguinte excerto: “Viola o art. 2º, IX, da Lei nº 1.521, de 26.12.1951, o ‘cam-

2 MANTECCA, Paschoal. Crimes contra a economia popular e sua repressão. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 22-23.

3 Idem, p. 23 e ss.

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bista’ que vende ou tenta vender ingressos de partida de futebol por preços superiores aos estipulados pela entidade desportiva”. Também o precedente TACrimSP, Recurso Criminal nº 911.579/1, J. 20.12.1994, Rel. Juiz Roberto Mortari4. No mesmo sentido, o col. STJ, no precedente lançado no Habeas Corpus nº 92.074/RJ, 5ª T., Relatora Ministra Laurita Vaz, publicado em 6 de outubro de 2008, cuja ementa reporta “Crime contra a economia popular – Cambista”, registrou:

A conduta praticada pelo acusado pode, em tese, ser enquadrada no tipo do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, e não existe nos autos qualquer documento que demonstre, extreme de dúvidas, os exatos contornos da conduta imputada ao paciente.

No entanto, dando ressonância à posição coligida na RT 513/416, con-trária ao enquadramento típico penal da atividade de cambismo pela Lei de Economia Popular, constou do julgado recolhido na RT 654/312 o quanto segue:

Crimes contra a economia popular. Cambista. Venda de ingressos de espetácu-lo público acima do preço fixado. Adquirentes que, tendo pleno conhecimento do preço real, pagam o preço majorado visando à suas próprias conveniências e comodidades. Inexistência de utilização de métodos ilusórios para ludibriar o comprador. Conduta penalmente atípica. Inteligência do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951.

Os precedentes indicam o caráter vacilante da subsunção, instigando a necessidade de solução. Esta, por certo, passa por uma das funções conferidas ao tipo penal, atinente à proteção de bens jurídicos. Para protegê-los, o legisla-dor usa de normas, cujo caráter poderá ser proibitivo (negando a possibilidade de realizar certas condutas) ou preceptivo/ordinatório (preceituando, ordenan-do a realização de certas condutas). As normas ficam antepostas ao tipo penal, que se limita a descrever os comportamentos violadores das normas e, por con-sequência, dos bens jurídicos, ou bens tutelados pelo direito5. Calha transcrever o pensamento de Luiz Luisi:

[...] os bens jurídicos estão na base da criação dos tipos penais. Esta resulta da necessidade de proteção daqueles bens indispensáveis ao convívio ordenado dos

4 Apud GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; OLIVEIRA, Gustavo Vieira de. Estatuto do torcedor comentado. São Paulo: RT, 2011. p. 130. Consta do precedente: “Configura, em tese, o delito do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, a conduta do cambista que compra ingressos de espetáculo e os revende por preço superior ao real, máxime porque os cambistas, atuando de modo organizado e ardiloso, têm constantemente saqueado a economia popular com suas investidas, condicionando a diversão da população ao próprio enriquecimento”. No mesmo sentido, citam o precedente TJRJ Proc. 2007.059.05928.

5 Nesta linha, copiosa a doutrina nacional. Entre tantos, v. Zaffaroni e Pierangeli (Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: RT, 1997. p. 458-459), Cezar R. Bitencourt (Manual de direito penal. 4. ed. São Paulo, 1997, p. 226) e Luiz Luisi (O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1987. p. 50).

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homens. O legislador, ao plasmar os tipos, descreve condutas e fatos que, em tese, são antijurídicos porque atentam contra bens e interesses a eles vinculados, que a sociedade reconhece da mais alta valia e significação.6

A doutrina estrangeira, à parte setores que se apegam ao desvalor da ação como centro da construção típica7, igualmente chancela a ideia de que “os bens jurídicos estão na base da criação dos tipos penais”, conforme Francisco Muñoz Conde8. Vale transcrever Jescheck:

El bien jurídico constituye el punto de partida y la idea que preside la formación del tipo. Son bienes jurídicos aquellos intereses de la vida de la comunidad a los que presta protección el Derecho Penal [...] significa que las normas jurídicas prohíben bajo pena aquellas acciones que resultan apropiadas para menoscabar de forma especialmente peligrosa los intereses de la vida de la colectividad. [...] El tipo parte, pues, de la norma y ésta, del bien jurídico.9

Mais ainda: toda a construção do sistema de análise de crime, na pro-posta funcionalista de Roxin, gira em torno da função de proteção subsidiária de bens10.

A chamada “tipicidade material” resulta justamente deste modo de pen-sar, é dizer, típica será a conduta que se amoldar ao comportamento descrito no tipo legal (entendido como tipo complexo, exigindo-se o preenchimento das elementares do tipo objetivo e o preenchimento do tipo subjetivo, composto em regra do dolo e excepcionalmente de elementos subjetivos diversos), violar a norma que está por trás do tipo e lesar o bem jurídico. O preenchimento desses três “momentos” de análise fornece-nos a ideia de que uma conduta humana é penalmente típica11.

6 LUISI, Luiz. O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1987. p. 50.

7 Fundamental, nesta linha, Welzel (Derecho penal alemán. 4. ed. espanhola. Santiago do Chile: Editorial Juridica de Chile, 1993. p. 75). Um direito penal de puro desvalor de ação se justificava, em seu pensamento, a partir da sua concepção de missão do direito penal: “Todavia, a missão primária do direito penal não é a proteção atual de bens jurídicos, isto é, a proteção da pessoa individual, de sua propriedade etc. Pois, quando entra efetivamente em ação, em geral já é demasiado tarde” (Op. cit., p. 03). Para ele, a tipo penal tem por trás de si somente a norma, proibitiva ou preceptiva. Atualmente, o direito penal proposto por Jakobs também se concentra no desvalor de ação, a partir da quebra do papel social delineado pela norma. O desvalor de resultado atinente à lesão de bem jurídico secundariza-se. Daí deriva, por exemplo, a centralidade da ruptura do papel social na construção dos critérios de imputação objetiva de Jakobs (La imputación objetiva en derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá. Madrid: Ad Hoc, 1997. p. 25).

8 MUNOZ CONDE, Francisco. teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988. p. 50.9 JESCHECK, Hans-Heinrich. tratado de derecho penal. Barcelona: Bosch, v. I, 1981. p. 350.10 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. Tomo I: Fundamentos. La estructura de la teoría del delito. 2. ed.

Madrid: Civitas, 2006. p. 65.11 Não caberia, neste trabalho, a distinção sobre a norma anteposta ao tipo dever ser considerada isoladamente,

como propôs Welzel, numa linha tradicional (Derecho penal alemán. 4. ed. espanhola. Santiago do Chile: Editorial Juridica de Chile, 1993. p. 58/60), ou conglobada com as demais normas componentes daquilo que Zaffaroni denominou ordenamento normativo, distinto do ordenamento jurídico e nele contido (ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: RT, 1997.

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Lançados esses pressupostos rápidos, tem-se que a atividade dos cam-bistas, para ser considerada típica, segundo a Lei de Economia Popular nº 1.521/1951, art. 2º, IX, deve satisfazer os três “momentos” assinalados. O tipo legal em questão é comissivo, admitindo somente as formas dolosas de comportamento. É o dolo o único elemento do tipo subjetivo. Antepõe-se-lhe uma norma proibitiva. Poderia ser assim enunciada: “Não obterás ou tentarás obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos”.

O bem jurídico protegido é a “economia popular”.

Segundo conceito de Elias de Oliveira, na monografia mais tradicio-nal acerca do tema – “Economia popular é a resultante do complexo de in-teresses econômicos domésticos, familiares e individuais, embora como fictio juris, constituindo in abstracto um patrimônio do povo, isto é, de um indefi-nido número de indivíduos, na vida em sociedade”12. Assim delineava o bem jurídico penal contido na normativa de 1951. A seu turno, dizia o Decreto-Lei nº 869/1938, ao versar sobre idêntico tema, que crime contra a economia po-pular era “[...] todo o fato que representasse um dano efetivo ou potencial ao patrimônio de um indefinido número de pessoas”.

Na atualidade, sobretudo com o advento, nos anos 90, do Código de De-fesa do Consumidor, a unidade funcional economia popular esvaziou-se para, em boa medida, conceder lugar à tutela das relações de consumo, voltada à compensação da hipossuficiência do consumidor, como parte de uma sadia ordem econômica. Não se olvide que esta unidade funcional – ordem econô-mica – norteia-se pela defesa do consumidor a partir de norma constitucional, contida no art. 170, V. De todo modo, a superposição dos bens jurídicos ideais em questão garante atualidade aos revelhos conceitos de economia popular evocados.

Acerca do conceito de Elias de Oliveira, pronunciou-se Manuel Pedro Pimentel, em termos:

Não é o patrimônio individual, portanto, que se protege, mas o patrimônio do povo em geral, ameaçado pela ganância dos que pretendem locupletar-se com a exploração das necessidades fundamentais de toda uma comunidade. Para desig-nar esse bem jurídico e os interesses que lhe são sempre correlatos, fala-se, hoje, em direitos difusos. Daí se conceituar a economia popular como um bem coleti-

p. 461/463). A discussão perdeu muita força com o tipo de injusto pós-finalista, bem como com os critérios de imputação objetiva valorativos próprios do funcionalismo pós-finalista. Há, todavia, um novo modelo de tipicidade conglobante apresentado por Zaffaroni, Alagia e Slokar (Derecho penal. Parte general. Buenos Aires: Ediar, 2000, passim), a partir da atribuição ao tipo de uma função pragmática, atinente ao estabelecimento da conflitividade entre o pragma e o bem de proteção. Esta nova versão torna atual a discussão.

12 OLIVEIRA, Elias de. Crimes contra a economia popular e o júri tradicional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1952. p. 09.

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vo, estimado não apenas pelo que representa de importante para um indivíduo, mas porque essa necessidade individual é a expressão de iguais necessidades relacionadas com todos os componentes do mesmo extrato social.13

A caracterização do bem jurídico “economia popular” como difuso, se-gundo espelham os conceitos acima, encontra confirmação na própria legis-lação, invocando-se a interpretação sistemática do Direito – o ordenamento jurídico é unitário – a partir do art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor, que estipula como difusos os interesses “[...] transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”. Sem embargo, o modo como se dá a concreta vio-lação do bem pode também gerar interesses transindividuais coletivos (em que o grupo interessado é identificável, por exemplo, consumidores associados de um determinado bem ou produto) ou individuais homogêneos (quando identi-ficável o quinhão individual de cada lesado, conquanto parte de um grupo; o próprio valor pago a mais em cada ingresso pode ser individualmente apurado, dando lugar a tal interesse).

O caráter difuso, coletivo ou individual homogêneo do bem supraindivi-dual deriva do tipo de violação concreta experimentada por ele e da tutela res-pectiva postulada junto ao órgão judiciário. Nada a comprometer a conclusão fundamental: a economia popular, gizada na legislação de 1951, tanto quanto a ordem econômica e, nela, as relações de consumo, protegidas em especial pela Lei nº 8.137/1990, art. 7º, tem caráter transindividual.

Portanto, dentro da linha de trabalho proposta, identifica-se, no tocante ao art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, a norma que se lhe antepõe e o bem jurí-dico tutelado. Com isto, torna-se possível enfrentar a vexata quaestio. Para ser típica, a conduta dos cambistas – friso novamente – deverá: 1) preencher o tipo objetivo e tipo subjetivo componentes do tipo legal complexo; 2) violar a norma proibitiva da ofensa ao bem jurídico; 3) atentar, por corolário, contra o próprio bem jurídico.

Os núcleos do tipo objetivo do artigo em questão são “obter” e “ten-tar obter”, equiparando-se a forma tentada ao crime consumado (característica dos denominados crimes de atentado). Aqui, adotou-se o fundamento subjetivo da punição dos crimes tentados: estes são reprováveis porque contêm mani-festação de vontade contrária ao direito, idêntica àquela existente nos crimes consumados. Note-se que o critério adotado pelo legislador é completamente excepcional, pois tradicional no direito penal brasileiro é a observação do fun-damento objetivo, que autoriza a punição de condutas criminosas tentadas des-

13 PIMENTEL, Manuel Pedro. Aspectos novos da lei de economia popular. Revista dos tribunais, n. 607, maio 1986. p. 263-271.

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de que exponham o bem jurídico tutelado a perigo, optando-se pela relevância do desvalor do resultado, tanto que o crime tentado implica pena menor que a forma consumada. A propósito, o art. 14, II, do CP.

O objeto material da conduta consiste em “ganhos ilícitos”, obtidos em “detrimento” – prejuízo – do povo, i.é, número indeterminado de pessoas. O sujeito ativo da conduta não é apontado, tratando-se de crime comum. Já o sujeito passivo, no dizer de Rui Stoco, é a coletividade14. Trata-se de tipo penal de forma vinculada, eis que exige sejam os ganhos obtidos mediante “especula-ções” ou “processos fraudulentos”.

Sendo crime comum, os cambistas podem ser sujeitos ativos da conduta. A atividade dos cambistas dirige-se a um número indeterminado de pessoas – consumidores potenciais dos ingressos ou bilhetes de espetáculos públicos que expõem à venda – de modo que o sujeito passivo da conduta típica é indeter-minado (crime vago).

Se o objeto material da conduta – ganhos ilícitos – depende da con-corrência dos meios apontados em lei, é dizer, serão ilícitos os ganhos obti-dos mediante especulações ou processos fraudulentos, importa descartar o que eles são. Com efeito, são processos fraudulentos aqueles capazes de ilaquear a boa-fé das pessoas, induzindo-as ou mantendo-as em erro. Daí dizer Elias de Oliveira que o artigo prevê uma espécie de estelionato contra um indetermina-do número de pessoas15.

No cambismo, isto pode ocorrer desde que o cambista iluda o adquirente quanto ao preço, convencendo-o de que é vantajoso em relação à bilheteria, ou mesmo de que não há mais ingressos na bilheteria, quando existiam. A mera mentira basta para produzir ilusão e configura-se como processo fraudulento. Tudo se dá ao contrário quando o cambista oferece o ingresso ou bilhete de espetáculo à venda sem instar qualquer falsa representação da realidade por parte do adquirente do bilhete, agindo este com perfeita noção de que adquire o produto por preço acima do ofertado nas bilheterias. Então, de fato, não há que se falar em “meio fraudulento” ao se abordar a prática dos cambistas.

Sem embargo, subsiste nestes casos a necessidade de análise da existên-cia de “especulação” na atuação do cambista. Com efeito, a palavra significa, segundo Plácido e Silva,

[...] a própria exploração de um negócio ou mesmo a aplicação de capitais na compra de mercadorias sujeitas a oscilações. [...] Mas, em sentido pejorativo, é aplicado para designar o açambarcamento de mercadorias ou a exposição ou

14 STOCO, Rui. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: RT, 1995. p. 508.15 OLIVEIRA, Elias de. Crimes contra a economia popular e o júri tradicional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1952. p. 92-93.

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a venda de mercadorias por preços excessivos e lucros exagerados, em conse-quência de sua falta no mercado. É, assim, o aproveitamento injusto por parte do comerciante, que poderia vender a mercadoria por preços mais baixos ou mó-dicos, reservando para si um lucro normal. Mas, vendo-se em propícia ocasião, exagera os preços, elevando-os desconsideradamente, ou porque haja falta deles, ou porque abuse da ingenuidade dos compradores...16

Obviamente que a conotação empregada em lei é a segunda, pena de incriminar-se todo o ganho auferido da gestão de negócios, na forma daquele primeiro sentido apontado, o que não teria cabimento. Aliás, o próprio tipo penal deixa isto claro quando taxa de “ilícito” este ganho.

Sendo assim, a atividade do cambista caracteriza especulação quando oferece a um número indefinido de pessoas ingressos ou bilhetes para espetá-culos públicos a preços acima do fixado pela entidade promotora do evento, fazendo-o em consequência de sua falta no mercado, gerada – mais das vezes – pelos próprios cambistas, como ato preparatório, ao adquirirem ingressos em grande quantidade e esgotá-los, associados ou não. A norma proibitiva da ativi-dade estampada no art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951 resta atingida.

Também o bem jurídico é ofendido. De fato, nestes casos os patrimônios de uma indefinida massa de consumidores que pretendem assistir ao evento ficam vulneráveis, à medida que o cambista passa a fixar preço diverso do va-lor do ingresso, sem qualquer prestação de serviços adicional que a justifique, mantendo o consumidor “amarrado” às suas exigências. Afinal, a compra do in-gresso pelo cambista passa a ser a única possibilidade de acesso ao espetáculo. Veja-se o exemplo na notícia sobre o jogo Atlético-PR e Flamengo-RJ, extraída do Jornal Gazeta do Povo, de 2 de agosto de 1999, Curitiba, p. 28, citada na informação do Comando do Policiamento da Capital, que configura o case de partida:

As bilheterias do Estádio Joaquim Américo, a “Baixada”, informavam que não havia mais nenhuma entrada disponível. Porém, nas ruas em torno do local era fácil encontrar cambistas oferecendo os ingressos para a arquibancada – com preço original de R$ 10,00 – por pelo menos R$ 20. Ontem, os mesmos ingressos passaram a valer R$ 40,00, uma diferença de 300%.

Neste exemplo, ao tempo da ocorrência, o crime ficou configurado, pois a venda ou oferta à venda caracterizou “especulação”, com a qual os cambistas obtiveram ou tentaram obter (tanto faz) ganhos ilícitos, em prejuízo de todos os indeterminados consumidores que acorreram às imediações do estádio no afã de assistir ao jogo, de modo que indiscutivelmente a polícia militar poderia

16 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 197.

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ter procedido à prisão em flagrante de tantos quantos estivessem – naquelas circunstâncias – atuando.

i.2 Possibilidade de configuração do crime sem o “concurso da Pessoa efetivamente lesada”

A figura criminosa configura-se pelo fato de o cambista estar ofertando os ingressos, sem o concurso da pessoa lesada mediante a efetiva aquisição? A resposta é positiva.

O agente “tenta obter” ganhos ilícitos com a oferta dos ingressos ao pú-blico, seja a pessoas abordadas individualmente, seja mediante anúncio verbal a pessoas indistintamente consideradas (gritos proferidos pelo cambista de que tem ingressos à venda). Neste caso, mesmo usando-se o vetusto critério formal--objetivo – o mais restritivo critério definidor de atos executórios, em confronto com os atos preparatórios –, a tentativa está configurada, com subsunção típica direta ao art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951. Com efeito, o critério objetivo-formal define a distinção entre atos preparatórios e atos executórios a partir da pene-tração no núcleo do tipo. Por ele, o ato de adquirir e – após – a conduta de portar os ingressos consistiriam em meros atos preparatórios para a prática dos núcleos do tipo penal consistentes em “obter” ou “tentar obter” ganhos. Por esse sistema, obtém ganhos o cambista que, após a venda do ingresso, aufere lucro. Tenta obter ganhos o cambista que oferta os ingressos. Assim, “tentar obter ga-nhos” somente se configuraria com a efetiva oferta.

Todavia, esse critério é bastante ultrapassado. De fato, alterando-se o critério definidor de ato executório, necessário à configuração da tentativa (no caso, subsumível de modo imediato ao tipo penal do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951), amplia-se a possibilidade de a conduta criminosa configurar-se. Ao tipo em tela adequar-se-ão outros comportamentos, como o ato de adquirir os ingressos para revenda ou o porte deles no local de passagem do público imediatamente antes da exposição à venda.

Tais conclusões surgem à luz do critério objetivo-individual, adotado, v.g., por Zaffaroni & Pierangeli17. Por este critério, não só é ato executório o nú-cleo do tipo, porém o último ato anterior ao núcleo segundo o plano concreto do autor. Este ato já caracteriza o “tentar”. Destarte, toda vez que, pelo plano concreto do autor, o ato de aquisição dos ingressos for o último ato imediata-mente anterior à oferta dos ingressos, configura-se o “tentar obter” ganhos ilíci-tos. Assim, v.g., supondo-se a aquisição de ingressos no estádio pelo cambista, momentos antes do jogo, após o que imediatamente passarão a ofertados à venda: neste caso, quando da aquisição, está-se já a praticar ato executório do crime em questão. “Tenta obter”. Porém, se a compra ocorre dias antes, sendo

17 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Da tentativa. 3. ed. São Paulo: RT, 1992. p. 55-56.

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que ainda ocorrerão atos intermediários para a prática do crime até o momento da “oferta” dos ingressos ao público, como, por exemplo, ter o agente que se deslocar ao estádio de futebol no dia do jogo, então o simples “portar” os in-gressos não configura o crime e não justifica a prisão em flagrante. Trata-se de ato preparatório.

É de se repelir, aqui, o critério da inequivocidade, da teoria italiana, ex-posto, por exemplo, por Paulo José da Costa Júnior18, pois seu grau de certeza é muito reduzido, não fixando parâmetro seguro para definição de quando um ato componente do iter criminis é executório. Estabelecer um ato como “inequí-voco”, no sentido do cometimento de um crime, é subjetivo. Também é de se excogitar a concepção do ato executório pelo plano concreto do autor segundo uma “concepção natural da vida”, pelo mesmo motivo relacionado à inseguran-ça do critério e porque, sabendo-se o plano concreto do autor, torna-se (aquele critério) desnecessário19.

Em suma, não é necessário o concurso do agente comprador para carac-terização da conduta típica, que pode se dar pela oferta a pessoas indistinta-mente consideradas – anúncio verbal, oferta aos gritos etc. –, no próprio ato da aquisição do ingresso, quando último ato antes da oferta, ou no posicionar-se no local de passagem de público portando-os, desde que na mesma circunstân-cia (último ato anterior aos núcleos típicos). O próprio tipo penal assim anuncia, ao equipar a conatus à forma consumada.

i.3 exigências Para a tiPicidade da conduta em face da classificação do crime como de Perigo concreto

Por fim, cabe considerar ainda que o crime em questão é de perigo, não exigindo efetiva lesão ao bem jurídico (crimes de dano), senão exposição dos patrimônios de indeterminado número de pessoas a riscos de lesões injustifica-das, ante a impossibilidade de acesso ao espetáculo público por forma diversa da aquisição de ingresso junto ao cambista, por preço exorbitante.

Quanto ao resultado naturalístico, o tipo penal não está a exigir modifi-cação no mundo exterior, consistente na diminuição efetiva do patrimônio de uma indeterminada massa de pessoas. Basta a exposição da denominada “bolsa pública” ao risco de que isso ocorra, razão pela qual se equiparou o “tentar obter” ganhos à forma consumada. Claro que à forma típica atinente à efetiva obtenção de ganhos corresponde um resultado naturalístico. Porém, a modali-dade típica alternativa “tentar obter” torna-a desnecessária.

18 COSTA JR., Paulo José da. Direito penal – Curso completo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 72.19 Assim, ZAFFARONI; PIERANGELI. Da tentativa. 3. ed. São Paulo: RT, 1992. p. 53-54.

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Impende, aqui, definir que o crime é de perigo concreto. Com efeito, a partir do momento em que o legislador associa a expressão “tentar obter ganho ilícito” à geração de possíveis prejuízos a indeterminado número de pessoas – “em detrimento” é a expressão do tipo –, está a exigir que o ato de “tentar obter” ganho gere prejuízos potenciais no caso concreto. Se o legislador não mencionasse que os ganhos deveriam ocorrer em detrimento do público inde-terminado do espetáculo, estaríamos diante de crime de perigo abstrato, em que o perigo gerado não é mencionado pelo tipo, cuja letra limita-se à descrição do comportamento. Este é o critério adotado pelos italianos, como se vê em Fiandaca & Musco:

Nos primeiros [crimes de perigo concreto] o perigo – em geral concebido como relevante possibilidade de verificação de um evento temido – representa um ele-mento constitutivo do tipo penal, cuja existência cumpre ao juiz verificar, com base nas circunstâncias concretas de cada caso [...]. Nos crimes de perigo da se-gunda categoria [perigo abstrato], ao invés, presume-se, com base em uma regra de experiência, que na realização de certas ações faça-se acompanhar o surgi-mento do perigo. O legislador, em outros termos, deixa de inserir o perigo entre os requisitos explícitos do tipo incriminador e se limita a tipificar uma conduta, de cuja realização usual ou geralmente se faz acompanhar a colocação em peri-go de um determinado bem: assim, uma vez verificada aquela, o juiz está dispen-sado de desenvolver ulteriores indagações relativas à verificação do segundo.20

No mesmo sentido, Pagliaro21 e Mantovani, o qual agrega, como fator diferenciador, o fato de ser impossível, no momento da conduta, em crimes de perigo abstrato, controlar a existência do perigo ou pelo menos algumas condi-ções para a verificação do evento lesivo22.

Portanto, em relação ao art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, não há neces-sidade de entrar na discussão sobre a invalidade de crimes de perigo abstrato em face do princípio da lesividade – nullum crimen sine iniuria –, sustentada, v.g., por Bustos Ramirez23, posição encampada no Brasil por muitos para defi-nição dos crimes contidos no Código de Trânsito de recente vigência. Note-se, a propósito, que o tipo penal foge da usual técnica do legislador que, em tema

20 FIANDACA, Giovanni; MUSCO, Enzo. Diritto penale. Parte generale. 3. ed. Bologna: Zanichelli, 1995. p. 174: “nei primi [crimes de perigo concreto] il pericolo – in genere concepito come rilevante possibilità di verificazione di un´evento temuto – rappresenta un´elemento costitutivo della fattispecie incriminatrice, onde spetta al giudice, in base alle circostanze concrete del singolo caso, accertarne l’esistenza. [...] nei reati di pericolo della seconda categoria invece si presume, in base ad una regola di esperienza, che al compimento di certe azioni si accompagni l’insorgere del pericolo. Il legislatore, in altri termini, fa a meno di inserire il pericolo fra i requisiti espliciti della fattispecie incriminatrice e si limita a tipizzare una condotta, al cui compimento tipicamente o generalmente si accompagna la messa in pericolo di un determinato bene: sicchè, una volta accertata la prima, il giudice è dispensato dallo svolgere ulteriori indagini circa la verificazione del secondo”.

21 PAGLIARO, Antonio. Principi di diritto criminale. 5. ed. Milano: Giuffré, 1996. p. 243-244.22 MANTOVANI, Ferrando. Diritto penale. 3. ed. Padova: Cedam, 1992. p. 225.23 BUSTOS RAMIREZ, Juan. Manual de derecho penal. 3. ed. Barcelona: Ariel, 1989. p. 164-165.

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de economia popular, bem como de relações de consumo e proteção da ordem econômica, vale-se, no mais das vezes, de incriminações caracterizadas pelas tipificações de perigo abstrato.

Deriva, sim, da conclusão acerca da classificação do crime do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, como de perigo concreto, na modalidade relativa ao “tentar obter”, que haverá a necessidade de provar-se, no caso concreto, que a conduta praticada pelo cambista era lesiva à economia popular. Neste com-passo, torna-se inconcebível, por exemplo, que alguém seja preso em flagrante pela prática do crime quando oferta ingressos à venda por preço superior ao encontrado nas bilheterias, havendo – porém – a possibilidade de o destinatário da oferta optar pela compra de ingressos de idêntica qualidade pela via usual, na bilheteria do espetáculo, em normalidade de condições de espera, acesso e opções. Nessa situação, não se caracteriza a especulação. Não há processo especulativo apoiado em restrição de oferta de locais para assistir ao espetáculo (seja pelo término dos bilhetes, seja pelo término do acesso a setores com maior visibilidade ou acústica) ou em desconfortos atinentes ao acesso ou demais circunstâncias do evento (como a espera em filas, inclusive com perda de parte do espetáculo, por exemplo), de modo que a economia popular não se expe-rimenta perigo. Simplesmente se apresenta, ao consumidor, uma possibilidade de escolha. Desde que observadas essas circunstâncias, a decisão contida em RT 654/312, no particular, é correta, negando o enquadramento típico.

i.4 imPossibilidade de registro Público de associações de cambistas de esPetáculos artísticos e desPortivos

Aspecto extrapenal, todavia, relevante, diz com a resolução do caso apresentado na introdução, no tocante à possibilidade de registro público de associações de cambistas. O texto do art. 115 da Lei de Registros Públicos vem de novo à baila:

Art. 115. Não poderão ser registrados os atos constitutivos de pessoas jurídicas, quando o seu objeto ou circunstâncias relevantes indiquem destino ou atividades ilícitos, ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à segurança do Es-tado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes.

Ora, a atividade da associação, organizando a atuação dos cambistas, pelas “circunstâncias relevantes” apontadas acima, é evidentemente perigosa ao bem público, compreendido por meio de uma de suas facetas, a “economia popular”, cuja preservação deve ser fortalecida.

Note-se que nem toda a atividade dos cambistas é ilícita, porém o es-gotamento total ou parcial dos meios diversos de acesso do público ao espe-táculo, ou o aproveitamento das dificuldades ao acesso usual às bilheterias, v.g., torna-a penalmente típica e antijurídica. Assim, embora não se “indiquem

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atividades ilícitas” necessariamente, é induvidoso que seu objeto indica “ativi-dades perigosas ao bem público”. Assim, associações do gênero não podem ser licitamente constituídas.

II – A REDAÇÃO DO ESTATUTO DO TORCEDOR A PARTIR DE 2010 E SEUS IMPACTOS NO TRATAMENTO JURÍDICO-PENAL DO CAMBISMO PARA ESPETÁCULOS DESPORTIVOS

O Estatuto do Torcedor, Lei nº 10.671/2003, sofreu uma série de altera-ções no ano de 2010, por meio da Lei nº 12.299. Referidas alterações ferem di-retamente aspectos jurídico-penais atinentes à questão da atividade do cambista em eventos desportivos. Daqui arranca uma primeira e necessária conclusão: as conclusões acima desenvolvidas continuam válidas em relação à atividade de cambistas vinculada a espetáculos artísticos, culturais ou diversos ofertados ao público. A redação do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951 permanece vigente para essas situações.

Todavia, em relação a eventos desportivos oferecidos ao público, dois tipos penais criados com o advento de referidas alterações no Estatuto do Tor-cedor entram em cena: arts. 41-F e 41-G.

Diz o primeiro:

Art. 41-F. Vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete:

Pena – reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.

Esse tipo penal dirige-se diretamente à atividade do cambista. Já o segun-do tipo penal não concerne diretamente ao intermediador, porém a atividades “de apoio” à sua. Estipula como crime o que segue:

Art. 41-G. Fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.

Parágrafo único. A pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o agente for servidor público, dirigente ou funcionário de entidade de prática des-portiva, entidade responsável pela organização da competição, empresa contra-tada para o processo de emissão, distribuição e venda de ingressos ou torcida organizada e se utilizar desta condição para os fins previstos neste artigo.

Ambas as disposições compõem um sistema de tratamento especializado do cambismo no âmbito dos eventos desportivos, subtraindo a quaestio do ho-rizonte da Lei de Economia Popular, cuja atuação somente poderá ser invocada em caráter subsidiário. Impõe-se confrontar o tratamento especializado com o anterior.

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Os pontos em comum concernem à parcial superposição de bens jurí-dicos, aos sujeitos do crime e ao tipo subjetivo (tanto quanto no art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, o dolo é o único elemento presente no tipo subjetivo). E parecem esgotar-se aí. Ao criminalizar a conduta de “vender ingressos de even-to esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete”, o art. 41-F tutela o aspecto da ordem econômica atinente às relações de consumo. Note-se que o Estatuto do Torcedor se afina com o CDC a todo tempo. O apelo ao conceito de fornecedor do CDC, feito no art. 3º, em relação a entidades desportivas ou organizadoras de eventos, é um exemplo. A Exposição de Motivos do Estatuto alude à pretensão de garantir “os direitos do consumidor assegurados pela Lei nº 8.078 [...] e demais legislação sobre o consumo” ao “cidadão que aprecie, apoie, se associe a qualquer entidade de prática desportiva ou que acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva do país, ainda que não com-pareça ao evento esportivo”24. Daí bem concluir Ricardo de Moraes Cabezón quanto ao Estatuto: “Verificamos, assim, o anseio de equiparar a situação do torcedor ao consumidor, como maneira de moralizar o esporte, inclusive es-tendendo seu alcance a situações ‘extramuros’ do estádio [...]”25. Ora, a mesma ideia já se apresentava na Lei de Economia Popular, que também se inclinava, parcialmente, pela tutela do consumidor nas relações de consumo. Só não utili-zava a linguagem consumerista, porquanto – à época – o direito do consumidor, enquanto ramo jurídico, era meramente embrionário (a tutela do consumidor, no Brasil, data de 1990).

Quanto aos sujeitos ativos: o art. 41-F mantém o perfil de crime comum, repetindo o tipo penal do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951. Qualquer um pode praticar a atividade. Fazendo-o, caracterizar-se-á como cambista. Porém, não há exigência de prévias condições sociais, naturais, profissionais ou diversas a caracterizar o autor do crime. Igualmente se mantém o sujeito passivo indeter-minado. Na verdade, o tipo legal sequer reporta povo, como coletividade de pessoas, ou um número indeterminado delas como vítimas, diversamente da Lei de Economia Popular. Deduz-se o sujeito passivo indeterminado a partir da conclusão de que a venda se dirige a uma multitude de pessoas. Os torcedores, enquanto pessoas que apreciam, apoiam ou se associam a qualquer entidade de prática desportiva do país e acompanham a prática de determinada modalidade esportiva, conforme define o art. 2º, constituem o público-alvo de proteção do Estatuto, segundo anuncia o respectivo art. 1º.

24 Apud CABEZÓN, Ricardo de Moraes. Manual de direitos do torcedor. São Paulo: Atlas, 2012. p. 37-38. Também GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; OLIVEIRA, Gustavo Vieira de. Estatuto do torcedor comentado. São Paulo: RT, 2011. p. 114. Esses autores observam a pretensão estatutária de proteger o torcedor “consumidor”, enquanto espectador de competições. Criticam, no geral, o veio midiático e inflacionário de legislação penal que conduzia a reforma do Estatuto, pela Lei nº 12.299/2010.

25 CABEZÓN, Ricardo de Moraes. Manual de direitos do torcedor. São Paulo: Atlas, 2012. p. 38.

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Dados os traços comuns, insta apontar as diferenças mais significativas em relação ao tratamento jurídico-penal constante da Lei de Economia Popular. Inicie-se pelo núcleo do tipo. Como antedito, há tipo legal múltiplo alternativo no art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951. Revela-se pelos verbos obter ou tentar obter, configuradores de crime de atentado, que equipara a forma tentada com a con-sumada. Ambas se subsumem ao tipo por adequação imediata ou direta, com penas semelhantes. Exaltação do desvalor de ação em detrimento do desvalor de resultado. A seu turno, o art. 41-F é tipo simples, composto do vender como único verbo. É crime de forma livre, caracterizando-se com qualquer modo de venda. A tentativa é possível dentro do modelo de subsunção clássica para a hipótese: adequação típica por subordinação mediata ou indireta, combinada com o art. 14, II, do CP. Não se equipara, portanto, vender a tentar vender.

Note-se, quanto à tentativa, que a aplicação da teoria objetivo-material ao art. 41-F permitirá punir como tentado o último ato anterior ao vender, com ele imediatamente conectado, segundo o plano concreto do autor. Por exem-plo, o porte ostensivo de ingressos, de modo público, evidenciando a disposi-ção de vender, será tentativa, se for o último ato anterior à venda, pelo plano do autor26. É o caso da notícia apresentada na introdução, em que se pretendia vender ingresso pela internet, por trinta mil reais, para um jogo decisivo da Libertadores da América27. Se, após portar, o último ato anterior à venda for anunciar, aí o porte de ingressos é ato preparatório impunível. Neste caso, o anunciar a oferta dos ingressos caracterizará tentativa.

Diversamente, o art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951. Nele, anunciar ou ofer-tar consumam o tipo. Como o tipo do art. 41-F não equipara vender a tentar vender, o tentar vender não é núcleo do tipo. Desta forma, o ato imediatamente anterior a tentar vender fica fora do âmbito dos atos executórios. A seu turno, o ato imediatamente anterior a tentar obter vantagem no art. 2º, IX, é ato execu-tório, pois conectado a um dos núcleos do tipo, consoante já explicado. Daí se caracterizar o crime, por exemplo, na aquisição dos ingressos pelo cambista, quando último ato anterior à oferta, no art. 2º, IX. Todavia, no art. 41-F, isto é mero ato preparatório. O art. 41-F é lex mitior (lei melhor) em relação ao art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, favorecendo o réu.

O objeto material – ou aquilo sobre o que recai a conduta contida no tipo – também muda. Na Lei de Economia Popular, obtém-se ou tenta-se obter

26 Calil Simão (Estatuto de Defesa do torcedor comentado. São Paulo: J. H. Mizuno, 2011. p. 123) afirma que, “se uma pessoa for presa portando um grande número de ingressos, ausente qualquer elemento que indique venda de ingressos, não teremos configurado o tipo em comento”. De fato, pois a ausência do dado probatório de que o porte era o último ato do agente antes da venda impedirá de caracterizá-lo como ato executório. Porém, se houver dado probatório da venda como ato ulterior imediato ao porte, impedida pela ação policial, a tentativa do art. 41-F estará aperfeiçoada.

27 Novamente, disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/07/cambista-vende-ingresso-para-jogo-do-corinthians-por-r-30-mil.html>. Acesso em: 07 dez. 2012.

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ganho ilícito. O que torna ilícito o ganho é o modus operandi vinculado, de dupla feição: processo fraudulento ou especulação.

Já no Estatuto do Torcedor, o objeto material é ingresso de evento es-portivo. Ele constitui objeto material do crime se vendido por preço superior ao estampado no bilhete. Assim, “qualquer pessoa, mesmo aquela não creden-ciada oficialmente, pode vender ingresso, desde que o faça pelo preço nele estampado”28, observa Calil Simão. É o caso daquele que, por razão pessoal, tem que se desfazer do ingresso comprado com antecedência, por não poder assistir ao evento.

Por outro lado, se o evento desportivo não for ofertado ao público me-diante ingressos que estampem valor, será impossível a configuração do tipo penal do art. 41-F – força do princípio da reserva legal. Note-se que a previsão típica coliga-se ao art. 24 do Estatuto, exigente da impressão do preço pago no ingresso, bem como de que “os valores estampados nos ingressos destinados a um mesmo setor do estádio não poderão ser diferentes entre si, nem daqueles divulgados antes da partida pela entidade detentora do mando de jogo” (art. 24, § 1º). Veja-se que há um refinamento da proteção do acesso do consumidor ao espetáculo desportivo em relação à Lei de Economia Popular.

Subsidiariamente, caberá o art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951 se a entida-de promotora não estampar o valor do ingresso nos bilhetes e violar a norma administrativa do art. 24 do Estatuto? Sim, porque efetivamente constitui um sistema de proteção: a) ao mesmo bem jurídico, tendo-se em conta a superpo-sição parcial entre economia popular e a ordem econômica, no parcial aspecto constituído pelo princípio de proteção ao consumidor (o torcedor também o é); b) mais abrandado, quando do cotejo com o Estatuto do Torcedor (a pena mínima do art. 2º, IX, é de 6 meses de detenção, contra 1 ano de reclusão; a máxima é igual, 2 anos, porém detenção na Lei de 1951 e reclusão no Estatuto). Justamente são as exigências para que se use um tipo penal subsidiário quando incabível o mais grave. Ambos se conectam como graus de proteção diversos de um mesmo bem jurídico ou de bens jurídicos em relação de desdobramento (regularidade das relações de consumo desdobra-se da economia popular).

A grande diferença entre um sistema e outro radica na ausência do apelo à violação do bem jurídico mediante processos fraudulentos ou especulações dirigidas contra o povo. Tais modos de agir são exigidos para a lesão da econo-mia popular, também imprescindível para adequação ao art. 2º, IX, porquanto crime de perigo concreto.

28 SIMÃO, Calil. Estatuto de Defesa do torcedor comentado. São Paulo: J. H. Mizuno, 2011. p. 122. Prossegue o autor, no sentido mesmo sentido: “Uma loja pode até mesmo dar ingresso de presente na compra de um produto, ou mesmo um torcedor que se arrependa ou não possa mais assistir ao evento esportivo pode vender para outra pessoa o seu ingresso”.

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O art. 41-F, todavia, erige-se como crime de perigo abstrato. Não cita o bem de proteção na redação do tipo. Presume juris et de jure como perigosa para as relações de consumo, em defesa do torcedor-consumidor, a venda de ingressos por valor acima do estampado no bilhete.

Quando o legislador opta pelo crime de perigo abstrato, a legitimidade dessa opção passa pela certeza ex ante factum de que o comportamento presu-mido lesivo costuma derivar em dano em dadas circunstâncias. Daí ser preciso que o tipo desenhe concretamente as circunstâncias em que a ação é perigosa.

O art. 41-F o faz razoavelmente: exige venda de ingressos – no plural, como bem observa Calil Simão29 – com valor estampado, venda com sobrepre-ço, destinação a evento esportivo, regido pelo conjunto normativo extrapenal e penal estatutário. Por certo, poderia ir além, sobretudo definindo o afã de obtenção de lucro. De todo modo, a referência a ingressos, no plural, acentuou o caráter tendencial de repetitividade de vendas num único contexto. Assim, a redação do tipo norteia a solução de impunidade de uma pessoa que revende seu único ingresso, por valor superior ao impresso, em circunstância na qual teve que desistir de assistir ao espetáculo esportivo. A solução do tipo legal formal de injusto é adequada, porquanto consentânea com o contexto material invocado pela norma para caracterizar lesão ao bem de proteção. A meta optata legislativa, afinal, seria incompatível com atingir penalmente alguém que agisse da maneira exemplificada.

Mais: para a legitimidade dos crimes de perigo abstrato, é preciso que o tipo parta de bases que garantam a certeza da presunção de perigo. São bases que a garantem: a) regras de experiência, em que pessoas da área da vida em que se dá o evento confirmem que a conduta costuma derivar em dano; b) da-dos estatísticos evidenciando a correlação entre o comportamento tido como perigoso e o dano a ser evitado, mediante antecipação de tutela (característica de crimes econômicos); c) provas científicas da periculosidade do comporta-mento, a partir de ciências do ser, como a medicina, a física, a química etc. (esse critério, naturalmente, é restrito às áreas de intervenção jurídico-penal que constituem, simultaneamente, domínio das ciências do ser; não é o caso do cambismo de ingressos em eventos desportivos).

Na hipótese, as duas primeiras bases podem ser usadas. A primeira, so-bretudo, valida a opção legislativa, desde que qualquer funcionário de clube esportivo, policial, torcedor ou envolvido de outro modo com eventos espor-tivos, seja capaz de testemunhar a atividade do cambista como causadora de redução de ingressos disponíveis por preços normais, eliminação de ingressos total ou setorial.

29 SIMÃO, Calil. Estatuto de Defesa do torcedor comentado. São Paulo: J. H. Mizuno, 2011. p. 123.

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As regras de experiência, conjugadas às pretensões do legislador ao redi-gir os demais artigos do Estatuto do Torcedor, evidenciam:

a) que a venda por cambistas impede o amplo acesso às informações, em favor do consumidor, garantida no art. 20, § 2º, do Estatuto, pois o sujeito ativo do delito – cambista – não está subordinado ao pro-motor do evento, responsável pelo fornecimento das informações;

b) que não é possível garantir, ao consumidor, a obtenção de compro-vante de pagamento, garantida pelo art. 20, § 4º;

c) total falta de segurança do consumidor em relação à procedência do ingresso, pois somente a entidade detentora do mando de jogo é destinatária do dever de organização, voltado a evitar falsificações e fraudes nos bilhetes (art. 21).

Tudo isto, para além dos já tradicionais danos à coletividade de consu-midores atinente à falta setorial ou integral de ingressos. Enfim, do ponto de vista da lesividade, a opção legislativa não é desarrazoada, tomando em conta o sistema de proteção e defesa do torcedor que constituiu no texto legal, como um todo30.

Por força da opção legislativa, para a configuração do crime, não ha-verá qualquer dependência de que o sujeito ativo venda os ingressos em cir-cunstâncias nas quais já tenham se esgotado na bilheteria, integral ou parcial-mente (para setores do estádio) ou de que abuse de situação anômala, como filas de horas, geradoras de profundo desconforto e possibilidade de perda de partes do evento31. Isto, já se viu, é preciso no tipo penal do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, porque exige a especulação. Especulação que o tipo do art. 41-F, a toda evidência, dispensou.

O sistema de proteção consumerista-penal erigido no Estatuto do Torce-dor, a rigor, é bem mais detalhado do que aquele constante da norma subsidi-ária do art. 2º, IX, da Lei de Economia Popular quanto ao cambismo. E toma o cambismo de bilhetes de ingresso como foco de repressão de maneira direta, coisa que a Lei de Economia Popular não fazia. Nela, a prática é tipificada a partir de disposição com traço genérico, abrangente de outras práticas. O Es-tatuto, a sua vez, no afã de reprimir diretamente essa prática, chega ao ponto de criminalizar, também, comportamentos que dão suporte ao cambista. É o

30 O texto chega ao ponto de declarar o caráter injusto extrapenal da venda de produtos alimentícios dentro do estádio por preços excessivos, art. 28, § 2º. Trata-se de outra medida protetora de torcedores.

31 Posição contrária é sustentada por GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; OLIVEIRA, Gustavo Vieira de. Estatuto do torcedor comentado. São Paulo: RT, 2011. p. 131: “Deve ser observado, ainda, que o agente deve aproveitar-se da falta de ingressos para serem adquiridos pela via (e preço) normal”.

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art. 41-G: “Fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete”.

A meta de proteção – bem jurídico – é a mesma do art. 41-F. O tipo do art. 41-G, múltiplo alternativo, compõe-se de três núcleos no tipo objetivo. Pune-se: a) o fornecimento de ingressos para venda por sobrepreço. O destina-tário do fornecimento é o cambista. Daí não poder ser ele sujeito ativo do cri-me, ao menos quanto aos ingressos que posteriormente venderá. Afinal, como bem assinala Calil Simão, o “distribuidor é a pessoa que detém a capacidade de fomentar a venda direta ao consumidor, pois é quem consegue o produto para que ocorra essa venda. Ele, desse modo, não é o vendedor direto; é o for-necedor deste vendedor”32; b) o desvio de ingressos para venda por sobrepreço. Aqui, quando se fala em desvio, pressupõe-se a retirada dos ingressos da des-tinação natural, que seria a bilheteria do evento. Esse crime pode ser praticado pelo cambista, mesmo quanto aos ingressos que venderá. Porém, considerando--se que a venda tem pena cominada mais branda, quando ambas as condutas típicas forem praticadas pela mesma pessoa, em progressão criminosa, a venda será pós-fato impunível, figurando o art. 41-G como lei consuntiva e o art. 41-F como lei consunta; c) a facilitação da distribuição, como no exemplo do “poli-cial que faz vistas grossas”33, em que a atribuição do evento ao facilitador dá-se pela forma ativa por omissão, com base na norma de extensão típica do art. 13, § 2º, a, do CP. Na facilitação da distribuição, o cambista também não é sujeito ativo, pela mais comezinha lógica de que não seria viável puni-lo por favore-cer... a si mesmo. Porém, pode ser punido pela via do art. 41-G em relação às práticas de outros cambistas.

Assim, o crime é comum, mas há limitações quanto ao sujeito ativo, derivadas do tipo. Além disso, é preciso assinalar que características do sujeito ativo relacionadas à condição funcional pública ou empregatícia podem majo-rar as penas. Busca-se coibir justamente o núcleo de pessoas que tem acesso aos ingressos por sua posição profissional: servidores públicos, funcionários da entidade promotora do evento ou organizadora da competição, empresas que confeccionam os ingressos e membros de torcidas organizadas (assim definidas no próprio Estatuto, art. 2º-A). O parágrafo único, que porta a majorante, exige que o agente valha-se da condição profissional. É comum que as pessoas referi-das no parágrafo entrem em conluio com o cambista, usualmente com divisão de ganhos. O responsável pela bilheteria do evento que desvia ingressos para venda, por intermediário, com sobrepreço, dividindo os ganhos, efetivamente

32 SIMÃO, Calil. Estatuto de Defesa do torcedor comentado. São Paulo: J. H. Mizuno, 2011. p. 123.33 Exemplo sugerido por SIMÃO, Calil. Estatuto de Defesa do torcedor comentado. São Paulo: J. H. Mizuno,

2011. p. 124.

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frustra as pretensões de proteção consumerista-penal do Estatuto. Muitas vezes, coordena inúmeros cambistas em seu favor.

O tipo subjetivo é composto tão só pelo dolo. O objeto material do art. 41-G também é o ingresso, para venda com sobrepreço, tanto quanto no art. 41-F. Então, não é qualquer ingresso que constitui o objeto material em ques-tão; somente os destinados à venda (aquela prevista no artigo anterior, 41-F). A tutela do consumidor antecipa-se bastante ao momento da venda efetiva, prevista no art. 41-F, ou oferta dela, em tentativa de crime.

É típico do direito penal econômico avançar em relação aos comporta-mentos perigosos para o bem jurídico, a ponto de barrar o perigo de perigo. É o caso. Para não haver perigo abstrato para a coletividade indefinida de torce-dores-consumidores derivada da venda de ingressos com sobrepreço, coíbe-se o que gera o perigo deste perigo: o fornecimento, o desvio e a facilitação da distribuição de ingressos destinados àquela venda supervalorizada. Claro o exa-gero legislativo, pois se desgarra perigosamente da efetiva lesividade em relação ao bem jurídico. Assim, a não criminalização autônoma de atos próprios de participação seria solução mais consentânea com o princípio da lesividade, eis que exigiria a conduta posterior, de venda ou oferta de venda (tentativa), para aperfeiçoamento do crime. Da forma como está, o crime do art. 41-G está con-sumado “dispensando a obtenção do lucro indevido ou mesmo a efetiva venda do bilhete por preço abusivo”34. Ou seja: muito distante de colocar o aspecto da ordem econômica que tutela sob efetivo perigo.

Fecham-se as observações alusivas ao art. 41-G com outra crítica. Con-cerne à pena: reclusão, de 2 a 4 anos. Há dobra dos marcos, mínimo e máximo, do art. 41-F, de modo incongruente. Afinal, as atividades de apoio à venda rea-lizada pelo cambista não podem ser mais desvaliosas que esta ação. É como se o acessório fosse mais desvalioso que o principal.

A rigor, se não existisse o art. 41-G, aquele que fornecesse, desviasse ou facilitasse a venda do ingresso sobrevalorado seria partícipe no crime do cambista35. Fere-se, deste modo, o princípio da proporcionalidade. O correto seria punir como meros partícipes, na forma do art. 29 do CP, mediante exten-são típica e adequação por subordinação mediata, os praticantes dos verbos contidos no art. 41-G. Com a quebra do monismo de infrações, o autor da con-duta principal de venda, além da pena mais branda, pode receber os benefícios da Lei nº 9.099/1995, porquanto a infração do art. 41-F cataloga-se como de

34 GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; OLIVEIRA, Gustavo Vieira de. Estatuto do torcedor comentado. São Paulo: RT, 2011. p. 133.

35 GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; OLIVEIRA, Gustavo Vieira de. Estatuto do torcedor comentado. São Paulo: RT, 2011. p. 132. Esses autores bem observam que houve, na hipótese, quebra da teoria monista do número de crimes envolvendo codelinquentes.

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menor potencial ofensivo. Já as condutas de apoio, contidas no art. 41-G, não permitem qualquer favor rei contido na citada lei, bem como a pena mínima cominada (2 anos) impede a oferta de suspensão condicional do processo. Ou seja, pela opção legislativa, a hipótese não é nem de pequeno, nem de médio potencial ofensivo.

O tratamento do case de abertura, naturalmente, atualiza-se a partir des-sas observações. Nelas estão contidas as principais mudanças que se produ-ziram quanto às atividades de cambistas em eventos desportivos, a partir do Estatuto do Torcedor – Lei nº 10.671/2003, tomando-se em conta os acréscimos que lhe foram dados pela Lei nº 12.299/2010.

CONCLUSÕES

1. A atividade do cambista caracteriza conduta típica subsumida ao tipo legal e violadora da norma proibitiva do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, desde que se dê: a) mediante processo fraudulen-to, como a falsificação de ingressos, ou a mera mentira acerca do verdadeiro valor do preço ou de que os ingressos acabaram, ca-paz de iludir o adquirente; b) por especulação, a partir da qual o cambista valha-se, para obter ou tentar obter ganhos, (1) do esgo-tamento integral das vias normais de aquisição de ingressos, (2) do esgotamento parcial, alusivo a setores da plateia ou arquibancadas, (3) de dificuldades alusivas aos meios normais de aquisição (tempo de espera, filas) ou (4) de outras situações semelhantes que eviden-ciem o surgimento do perigo concreto para o bem jurídico “econo-mia popular”. Nestas hipóteses, os ganhos são ilícitos.

2. A existência da opção tranquila para o consumidor entre a compra junto ao cambista ou junto à bilheteria, em normalidade de condi-ções (exceto o preço), com ciência de que há sobrepreço no bilhete do cambista e opção, por motivos pessoais, pela compra junto a ele, afasta qualquer hipótese de violação ao bem jurídico tutelado. A oferta de bilhetes sob tais condições, pelo cambista, não configu-ra nem a tentativa de obter ganhos por processo fraudulento, nem mediante especulação.

3. O procedimento policial preventivo deve tomar em consideração tais circunstâncias.

4. Após o esgotamento dos bilhetes, o mero ato de ofertar à venda já configura o crime, cujas formas consumada e tentada se equiparam para efeitos de pena.

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5. Pelo critério objetivo-individual, o último ato do cambista, relativo à sua atividade de intermediação, como a aquisição dos ingressos ou o colocar-se em posto adequado para as vendas, já configura ato executório e permite a prisão em flagrante.

6. Não se pode conceder personalidade jurídica às “associações de cambistas”, por afrontar o art. 115 da Lei de Registros Públicos.

7. O Estatuto do Torcedor não revogou a aplicabilidade do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951 para atividades de cambistas vinculadas a espetáculos públicos não desportivos. Assim, o tipo penal vige no tocante ao cambismo alusivo a espetáculos artísticos, culturais ou diversos, permanecendo válidas as conclusões acima desenhadas.

8. O art. 41-F do Estatuto do Torcedor criminaliza a atividade típica do cambista, mediante o crime de perigo abstrato de vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete. A opção legislativa de presumir o perigo do comportamento ex ante factum et juris et de jure deflui de regras de experiência, conjugadas às próprias pretensões de defesa e proteção do consumidor-torce-dor contidas no texto legal.

9. A conjugação de ambas evidencia: a) que a venda por cambista im-pede amplo acesso a informações, em favor do consumidor, exigida pelo art. 20, § 2º, do Estatuto do Torcedor, já que o sujeito ativo do delito não está subordinado ao promotor do evento; b) que não é possível garantir, ao consumidor, a obtenção de comprovante de pagamento, garantida pelo art. 20, § 4º; c) total falta de segurança do consumidor em relação à procedência do ingresso, pois somen-te a entidade detentora do mando de jogo é destinatária do dever de organização, voltado a evitar falsificações e fraudes nos bilhetes (art. 21). Tudo isto, para além dos danos à coletividade de consumi-dores atinente à falta setorial ou integral de ingressos. A lesividade ao bem jurídico está, nestes termos, bem constituída de lege lata.

10. O art. 41-G criminaliza atividades de apoio ao cambista, como o fornecimento ou desvio de ingressos para venda sobrevalorada ou a respectiva facilitação. Transformou-se em tipo autônomo a parti-cipação nas atividades de venda contidas no art. 41-F. A opção é criticável por: a) exagerar a antecipação de tutela em relação à efe-tiva lesão da ordem econômica, no tocante às relações de consumo envolvendo o torcedor-consumidor; b) guarnecer-se o tipo penal com pena maior que a do art. 41-F, quando este prevê a venda, que é atividade principal em relação àquelas atividades típicas mera-mente acessórias e dependentes da venda, previstas no art. 41-G.

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Parte Geral – Doutrina

O Regime Societário dos Clubes de Futebol e as Responsabilidades de Seus Dirigentes

JOÃO PAULO ROMERO BALDINAdvogado, Graduado em Direito pela Faculdade COC de Ribeirão Preto/SP, inscrito nos qua-dros da OAB/SP sob nº 274.640, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), Extensivo em Gestão e Direito Desportivo pela SAT Educacional de Belo Horizonte/MG, Exe-cutivo em Gestão Aplicada ao Esporte pela Trevisan Escola de Negócios de São Paulo/SP, Pós-Graduando em Direito Desportivo pela Uniara – Araraquara/SP, Pós-Graduando em Direito Empresarial e Relações com o Mercado pela UnisebCOC de Ribeirão Preto/SP, Coordenador da Comissão de Direito Desportivo da 12ª Subseção da OAB/SP. Autor de diversos artigos nas revistas e livros especializados em Direito Desportivo, Palestrante.

RESUMO: O mundo do futebol deixou, há muitos anos, de ser apenas um esporte de torcedores e apaixonados por esta modalidade esportiva e passou a ser um negócio extremamente rentável no Brasil e no mundo. Ao olhos empresariais, a administração e responsabilidades de seus dirigentes passou a ter grande importância interna na gestão das entidades de prática desportiva, sendo neces-sário um estudo sobre as regras e normas vigentes no país sobre o sistema empresarial dos clubes de futebol brasileiros.

PALAVRAS-CHAVE: Futebol; negócio; responsabilidades; Brasil; gestão; empresarial; normas; regras.

ABSTRACT: The world of soccer left several years of being just a sport for fans and lovers of this sport, and became an extremely profitable business in Braziland world wide. Eyes to the business administration and responsibilities of its leaders came to have great importance in the internal management of sports entities, a study of the rules and regulations in the country about the business system of the Brazilian football clubs being necessary.

KEYWORD: Soccer; business; Brazil; management; business; regulations; rules.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Regimes societários existentes no ordenamento jurídico pátrio; 1.1 So-ciedade em nome coletivo; 1.2 Sociedade em comandita simples; 1.3 Sociedade em comandita por ações; 1.4 Sociedade limitada; 1.5 Sociedade anônima; 1.6 Dissolução da sociedade; 1.7 As-sociação; 2 Breve análise do direito desportivo no Brasil; 2.1 Constituição Federal de 1988; 2.2 Lei nº 8.672/1993 – Lei Zico; 2.3 Lei nº 9.615/1998 – Lei Pelé; 2.4 Lei nº 10.671/2003 – Estatuto do Torcedor; 2.5 Resolução nº 29/2009 do CNE – Código Brasileiro de Justiça Desportiva; 3 Entidades de prática desportiva; 3.1 Conceito; 3.2 Estatutos sociais; 3.3 Atual quadro empresarial dos clubes de futebol no Brasil; 3.4 Transformação dos clubes em sociedades empresárias. Obrigatoriedade ou faculdade?; 4 Responsabilidade civil e penal dos sócios e administradores das entidades de prática desportiva; 4.1 Entidades de prática desportiva que constituem sociedade comercial para adminis-tração das atividades esportivas; 4.2 Responsabilidade dos dirigentes; 4.2.1 Responsabilidade em razão da constituição jurídica do clube – Artigo 27 da Lei Pelé; 4.2.2 Responsabilidade em razão da administração do clube – Artigo 50 do CC/2002; 4.2.3 Responsabilidade em razão dos direitos do tor-cedor – Artigo 37 da Lei nº 10.671/2003; 4.2.4 Responsabilidade penal dos dirigentes das entidades de prática desportiva; Considerações finais; Referências.

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INTRODUÇÃO

O futebol é o esporte que movimenta bilhões em moeda em todo mundo e que, há muito tempo, deixou de ser um esporte e lazer para fazer parte do mundo dos negócios, não somente dentro de campo, mas especificamente fora dele.

O cenário atual empresarial no futebol brasileiro é extremamente pre-ocupante no ponto de vista administrativo, chegando ao ponto de se pensar que os clubes podem literalmente, na linguagem popular, “fechar as portas” pelo fato de serem mal administrados e não terem profissionais especializados e devidamente remunerados para as funções que devam exercer. Temos pratica-mente em todos os clubes de futebol a chamada gestão amadora, que, segundo Spessoto:

[…] é aquela baseada em valores de tradição, em que o comportamento do di-rigente é influenciado por elementos emotivos que acabam introduzindo uma dimensão irracional em suas decisões, e as decisões são tomadas por paixão; o paradigma é a entidade sem fins lucrativos e sua administração é voltada para dentro, o que significa a prevalência dos problemas administrativos sobre as oportunidades de mercado.

Assim, temos que os clubes precisam de pessoas profissionais na área empresarial, com capacidade técnica para gerar os diversos setores de um clu-be, buscando sempre resultado positivo, profissionais com conhecimento de elementos teóricos e práticos necessários ao exercício de uma profissão, ou de atividades próprias dela.

Neste ponto, ensina-nos Leandro Carlos Mazzei:

[...] fica evidente que a profissionalização dos clubes de futebol passa não so-mente pela inclusão de profissionais qualificados em seus quadros gerenciais (centro operacional), mas fundamentalmente pela própria profissionalização de sua diretoria executiva, ou vértice estratégica, hoje ainda composta por gestores cuja dedicação se da de forma amadora.

Infelizmente não há, até o presente momento, pelos próprios clubes, uma movimentação para implementação da profissionalização em uma forma em-presarial propriamente dita, voltada a valores empresariais de seus setores para ter profissionais qualificados e fazendo com que os clubes cresçam, mas sim vivem ainda de que um amante do clube tome conta de algo tão grandioso e importante para um país como o futebol e o esporte de um modo geral.

Diante dos dois maiores eventos esportivos que teremos no Brasil, Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016, faz-se necessário estudo aprofundado da atuação societária dos nossos clubes de futebol, como da mesma forma focar-se estritamente nesta área administrativa/empresarial destas entidades.

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Ressalta-se a realidade empresarial defasada das entidades de prática desportiva, em meio às normas vigentes e atualidade a qual vivencia o mundo do futebol, o qual deixou de ser esporte, lazer, para ser um negócio, movimen-tando bilhões em dinheiro.

Portanto, o tema é extremamente relevante, haja vista a necessidade de implantação e adequação de regimes societários como da mesma forma pro-jetos de gestão empresarial para estes clubes, preparando-os para o futuro de muito sucesso neste mercado competitivo e cruel.

Assim, o estudo será dirigido à análise das seguintes indagações: a trans-formação dos clubes de futebol em empresa é o caminho certo para estes? Qual a responsabilidade dos sócios-diretores na administração das entidades de prá-tica desportiva? O modelo atual de administração empresarial dos clubes é ade-quado?

Desta forma, temos o presente trabalho pelo desenvolvimento da pesqui-sa bibliográfica, documental interdisciplinar entre as áreas do Direito, como, da mesma forma, o uso dos métodos dedutivos e analíticos para compor a temática de pesquisa.

Ato contínuo, efetuar-se-á estudo detalhado sobre a problemática da ges-tão esportiva e seus aspectos empresariais com base em legislação aplicada ao esporte, gestão empresarial e proposta de mudanças no modo empresarial dos clubes de futebol.

1 REGIMES SOCIETÁRIOS EXISTENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

Empresa é uma organização que tem por objetivo fornecer um bem ou um serviço para a sociedade. Ela também transforma insumos em bens e/ou ser-viços, ou seja, matérias-primas, energia elétrica, submetendo-os a determinadas metodologias para obter seu produto final.

Essas metodologias constituem a forma particular que uma empresa usa para fazer aquilo a que se destina e se resumem, na prática, a funções e tarefas (compra, produzir, vender, cobrar, pagar, desenvolver, coletar, calcular o custo de seu produto ou serviço) evidentemente orquestradas e organizadas de forma que a ordem com que as coisas devem ser feitas possa ser o melhor e mais eco-nômico possível.

Assim, saber quando deve fazer cada coisa é o que mais diferencia uma empresa de outra que esteja no mesmo mercado, produzindo coisas análogas.

Trata-se, portanto, de um conjunto de engrenagem de processo que de-vem ser convenientes agrupadas e ordenadas para entregar a seus clientes o

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melhor ou menor custo, maximizando, assim, os resultados e o retorno a seus investidores.

O proprietário da empresa pode ser apenas uma pessoa, no caso de em-presas individuais, como pode ser mais de uma formando sociedades. Existem as seguintes modalidade na legislação:

– empresário individual: sociedade simples;

– sociedade por quotas;

– sociedade em comandita por ações;

– sociedade em comandita simples;

– sociedade em nome coletivo;

– sociedade limitada;

– sociedade anônima;

– associação.

De agora em diante, dependendo de existência ou não do aspecto eco-nômico da atividade, se a uma pessoa desejar atuar individualmente em algum seguimento profissional, enquadra-se como empresário ou autônomo, simples-mente conforme situação, ou, caso prefira, reunir-se a uma ou mais pessoas para, juntas, explorar uma sociedade; deverão constituir uma sociedade que poderá ser empresária ou simples.

Portanto, devemos nos acostumar a conviver com a nova divisão entre empresário ou autônomo e sociedade empresária ou simples.

A firma individual foi substituída pela figura do empresário.

Empresário, portanto, é quem exerce profissionalmente atividade econô-mica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços (art. 996 do CC).

1.1 sociedade em nome coletivo

Constituição de sociedade em que a responsabilidade solidária e ilimita-da dos sócios pelas obrigações sociais: arts. 1.039 a 1.044 do CC.

1.2 sociedade em comandita simPles

Os comanditários têm responsabilidade limitada em relações às obriga-ções contraídas pela sociedade empresária, respondendo apenas pela integra-lização das cotas subscritas (quem coloca dinheiro). Os comanditados contri-buem com capital e trabalho; além de serem responsáveis pela administração da

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empresa, sua responsabilidade perante terceiros é ilimitada, devendo saldar as obrigações contraídas pela sociedade. A firma ou razão social em que constar o nome do comanditário faz presumir-se que seja este comanditado e responderá da mesma forma caso contar na razão social: arts. 1.045 a 1.051 do CC.

1.3 sociedade em comandita Por ações

Esta sociedade tem o capital dividido em ações regendo-se pelas normas relativas à sociedade anônima; somente o acionista tem qualidade para ad-ministrar a sociedade e, como diretor, responde, subsidiária e ilimitadamente, pelas obrigações da sociedade: arts. 1.090 a 1.092.

1.4 sociedade limitada

Quando duas ou mais pessoas se associam para criar uma empresa, for-mando uma sociedade, por meio de contrato social, em que contará seus atos constitutivos, sua forma de operação, as normas da empresa e o capital social – este, por sua vez, será dividido em cotas de capital, no qual a responsabili-dade pelo pagamento das obrigações da empresa é limitada à participação dos sócios: arts. 1.052 a 1.065 do CC.

1.5 sociedade anônima

Constituição de empresas nas quais o capital social não se encontra atri-buído a um nome em específico, mas está dividido em ações que podem ser transacionadas livremente, sem necessidade de escritura ou outro ato notarial. Por ser uma sociedade de capital, prevê a obtenção de lucros a serem distribuí-dos aos acionistas, sendo a responsabilidade limitada as ações: arts. 1.088 a 1.089 do CC.

1.6 dissolução da sociedade

Conforme nos ensina o jurista Fábio Ulhoa:

Dissolução é conceito que pode ser utilizado em dois sentidos diferentes: para compreender todo o processo de término da personalidade jurídica da sociedade comercial (sentido largo) ou para individualizar o ato específico que desencadeia este processo ou que importa a desvinculação de um dos sócios do quadro so-ciativo (sentido estrito).

Temos ainda duas espécies de dissolução: a total e a parcial.

A dissolução total ocorre quando há o fim da sociedade de forma geral, ou seja, é extinta de fato e de direito.

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A dissolução parcial ocorre quando existem conflitos entre os sócios, ou entre estes e os sucessores de um deles, impossibilitando a preservação dos meios contratuais; deve-se tentar a compatibilização entre o fim destes conflitos e a continuidade da sociedade comercial.

Diferentemente da dissolução total, na dissolução parcial, não será da pessoa jurídica, mas dos vínculos contratuais que a originaram.

A dissolução de uma sociedade pode ter vários motivos. Vejamos.

Dissolução total pode ocorrer por vontade dos sócios (art. 1.033, II e III, do CC); fim do prazo determinado de duração (art. 1.033, I, do CC); processo de falência (arts. 1.044, 1.051 e 1.087, todos do CC); exaurimento do objeto social (art. 1.034, II, do CC); inexequibilidade do objeto social (art. 1.034, II, do CC); por unipessoalidade por mais de 180 dias (art. 1.033, IV, do CC) e por causas contratuais (art. 1.035 do CC).

A dissolução parcial pode ocorrer por vontade dos sócios, por morte de sócio, por retirada de sócio, por exclusão de sócio, por falência de sócios e por liquidação da quota a pedido de credor de sócio.

Por fim, existe a dissolução de fato da sociedade empresária, que ocorre quando os sócios limitam-se a vender precipitadamente o acervo, a encerrar as atividades e se dispersarem.

1.7 associação

Importantíssimo, para o presente estudo, a questão das associações, pois a grande maioria das entidades de prática desportiva são associações, sendo seu regimento interno o estatutário.

Passamos, neste momento, a uma análise mais profunda sobre as asso-ciações.

As associações estão perpetuadas na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, XVII, XVIII, XIX, XX e XI, e no Código Civil de 2002, no Capítulo II, arts. 53 a 61.

As associações são pessoas jurídicas de direito privado constituídas de pessoas que reúnem os seus esforços para a realização de fins não econômicos.

Distinguem-se das sociedades pelo fato de não visarem ao lucro, o que nas sociedades ocorre.

O ato constitutivo das associações é pelo seu estatuto, com base no art. 54 do CC/2002.

Os associado-filiados podem ser excluídos das associações pela justa causa, respeitado o direito do contraditório por meio de recurso.

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Caso haja necessidade de mudança no estatuto ou destituição de associa-dos, cabe à assembleia geral tal providência.

2 BREVE ANÁLISE DO DIREITO DESPORTIVO NO BRASIL

Conforme lição de Marcílio Krieger:

O estudo da nossa legislação desportiva permite dividir o conjunto de normas constitucionais, legais e infralegais aplicáveis a esse segmento das atividades in-dividuais e coletivas em três períodos distintos: o primeiro, entre 1932 e 1945; o segundo, de 1945 a 1988; e o terceiro a parti da Constituição de 1988.

O futebol no Brasil passou a ser profissional a partir dos anos 30, sendo necessária a criação de regras, normas que regulamentassem as relações do esporte no País.

A título de curiosidade, as normas mais importantes promulgadas neste período foram:

O Decreto-Lei nº 1.056/1939, o Decreto-Lei nº 3.199/1941 e o Decreto--Lei nº 5.342/1943.

Após esse período, temos de 1945 a 1988:

Emenda Constitucional nº 1, de 1969; Lei nº 5.939/1973; Lei nº 6.251/1975; Lei nº 6.354/1976 e a Portaria nº 702 do MEC, a qual foi alterada pelas Portarias nºs 25/1984 e 328/1987.

A partir da promulgação da Constituição federal de 1988, tivemos:

Lei nº 8.672/1993 (Lei Zico); Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé); Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor e, por fim, a Resolução nº 29/2009 do Conselho Nacional dos Esportes – Código Brasileiro de Justiça Desportiva).

2.1 constituição federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 prevê o desporto nacional em seu art. 217. Vejamos:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não-profissional;

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IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei.

§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da ins-tauração do processo, para proferir decisão final.

§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.

2.2 lei nº 8.672/1993 – lei Zico

A Lei nº 8.672/1993 foi responsável pela democratização das relações entre atletas e dirigentes, o qual ainda existia o instituto do passe.

Na parte empresarial, não impunha responsabilidades específicas aos di-rigentes dos clubes, como faz no presente momento as demais leis sobre o tema, como veremos a seguir.

2.3 lei nº 9.615/1998 – lei Pelé

A Lei nº 9.615/1998 foi promulgada em 24 de março de 1998, porém já teve seu texto modificado no ano de 2013, pela Lei nº 12.867, o qual regula-mentou pontos importantes da lei de 1998.

Tal diploma legal em estudo veio a gerir normas gerais sobre o desporto profissional e não profissional e suas relações nas diversas áreas do Direito, como, por exemplo, as relações advindas de vínculo empregatício.

2.4 lei nº 10.671/2003 – estatuto do torcedor

A Lei nº 10.671/2003 foi promulgada na data de 15 de maio de 2003, a qual institui normas gerais sobre a defesa dos direitos do consumidor do es-porte, inclusive impondo normas sobe os dirigentes das entidades de prática e administração do desporto.

Esta referida norma é aplicável conjuntamente com o CDC e estabelece como consumidor quem aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva e acompanhe a prática de modalidade esportiva, equiparan-do os clubes mandantes e entidades organizadoras a fornecedores.

2.5 resolução nº 29/2009 do cne – código brasileiro de Justiça desPortiva

A Resolução nº 29/2009 do Conselho Nacional de Esportes foi instituída para regulamentar as questões disciplinares da órbita esportiva, como seu fun-cionamento geral e processual, no tribunais competentes, ou seja, TJD (Tribunal

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de Justiça Desportiva), STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), os quais são órgãos administrativos, preservadas suas decisões pelo art. 217 da CF/1988.

3 ENTIDADES DE PRÁTICA DESPORTIVA

3.1 conceito

Entidades de prática desportiva são aquelas que se organizam para fins de prática de alguma modalidade esportiva, e, no caso do artigo em estudo, os clubes de futebol.

3.2 estatutos sociais

Estatuto social é o conjunto de normas jurídicas, previamente acordadas pelos sócios ou fundadores, que regulamentam o funcionamento de uma pes-soa jurídica. Em geral, é comum a todo o tipo de órgãos colegiados, incluindo entidades sem personalidade jurídica.

No Brasil, a grande maioria dos clubes de futebol ainda são regidos pelos seus estatutos sociais.

Na fundação destes clubes, suas atividades eram sócio esportivos, sendo considerados como clubes associativos e até hoje continuam desta mesma ma-neira, haja vista que é facultativa sua transformação em clubes-empresa. Como exemplo constam como clubes-empresa Osasco Audax São Paulo, Audax Rio de Janeiro, Red Bull Brasil, Ituano Futebol Clube, entre alguns outros.

3.3 atual quadro emPresarial dos clubes de futebol no brasil

O futebol é um elemento cultural de grande importância para a socieda-de nacional, o qual transforma todos os sentimentos humanos, na maioria das vezes, em emoções inconsequentes.

Assim, temos os clubes de futebol como associações de clubes sócio re-creativos os quais a sua finalidade é o futebol dentro de campo.

Todavia, o resultado esperado dentro das quatro linhas nem sempre é satisfatório, pelo fato de administrativamente não estarem organizados com pla-nejamentos definidos.

Seus dirigentes/administradores deixam completamente de lado suas res-ponsabilidades sociais com a entidade em busca de alavancarem suas carreiras pessoais, vaidades e, de forma concreta, esquecem sua real responsabilidade empresarial dentro dos quadros associativos das entidades de pratica despor-tiva.

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3.4 transformação dos clubes em sociedades emPresárias. obrigatoriedade ou faculdade?

A Lei Pelé atual, em seu art. 27, § 9º, é bem clara em seu texto normativo:

Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profis-sionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organiza-rem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros.

[...]

§ 9º É facultado às entidades desportivas profissionais constituírem-se regular-mente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

Portanto, no nosso estudo, não resta dúvida de que é facultado aos clu-bes de futebol constituírem-se regularmente em qualquer forma de sociedade existente na lei nacional.

4 RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES DAS ENTIDADES DE PRÁTICA DESPORTIVA

A responsabilidade dos sócios é o ponto mais importante da administra-ção das entidades de prática desportiva por parte de seus dirigentes ou quem lhe faça as vezes.

4.1 entidades de Prática desPortiva que constituem sociedade comercial Para administração das atividades esPortivas

Constitui forma híbrida na qual a parte social da entidade permanece constituídas como associação e a que pratica esporte profissional constitui-se em uma das formas empresariais. Não há obrigatoriedade da entidade desporti-va se constituir em empresa. Independentemente da forma jurídica que adotem, uma gestão transparente e competente na administração é imprescindível, não competindo ao Poder Público induzi-los.

4.2 resPonsabilidade dos dirigentes

Existem quatro situações. Uma intrinsecamente ligada à constituição da entidade desportiva, outra atinente a sua administração; a terceira no que tange aos direitos do torcedor e, por fim, a responsabilidade penal.

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4.2.1 Responsabilidade em razão da constituição jurídica do clube – Artigo 27 da Lei Pelé

Importante observar os §§ 9º, 11 e 13 do art. 27 da Lei Pelé. No 9º, afirma que é facultado às entidades desportivas profissionais constituírem-se regular-mente em sociedade empresária; no 11, os administradores de entidades des-portivas profissionais respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de gestão temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto nos termos do CC/2002; no 13, as atividades profissionais das entidades de que se trata o caput do art. 27, independentemente de forma jurídica sob a qual estejam constituídas, equiparam-se às das sociedades empresarias.

4.2.2 Responsabilidade em razão da administração do clube – Artigo 50 do CC/2002

Ainda que a entidade de prática desportiva seja constituída como socie-dade limitada ou anônima, o dirigente pode ser responsabilizado pessoalmente, nos termos do art. 50 do CC, ou seja, trata-se da desconsideração da personali-dade jurídica a fim de atingir o patrimônio dos sócios em caso de desvio de fina-lidade ou confusão patrimonial. Portanto, caso o dirigente administre a entidade utilizando-se indevidamente ou conferindo destino diferente ao previsto nos Es-tatutos ou de forma que torne difícil distinguir patrimônio pessoal e da entidade, ele pode ser responsabilizado pessoalmente, mediante determinação judicial.

4.2.3 Responsabilidade em razão dos direitos do torcedor – Artigo 37 da Lei nº 10.671/2003

O art. 37 prevê penalização aos dirigentes: destituição dos dirigentes no caso de violação das regras referentes à transparência na organização e à se-gurança do torcedor e aos ingressos e suspensão por seis meses dos dirigentes por violação de regras não contidas nos capítulos do item anterior. Além disso, equipara o torcedor de qualquer modalidade a consumidor; sendo assim, o Có-digo de Defesa do Consumidor prevê a desconsideração da personalidade jurí-dica para anular ato fraudulento ou abusivo. Considerando a inversão do ônus da prova, em face de dois princípios: 1) da vulnerabilidade e hipossuficiên cia do consumidor; e 2) da responsabilidade objetiva do fornecedor de bens e ser-viços: é o fornecedor que deverá provar que a culpa pelo defeito ou fato do produto ou serviço é exclusiva do consumidor ou terceiro, ou que o defeito não existe, ou que não efetuou o serviço ou não colocou o produto no mercado: arts. 12, § 3º, e 14, § 3º, do CDC. Assim, havendo ato fraudulento da entidade de prática desportiva que viole direito de seu torcedor, também pode ocorrer a responsabilidade dos dirigentes.

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4.2.4 Responsabilidade penal dos dirigentes das entidades de prática desportiva

O capítulo XI do Estatuto do Torcedor traz um rol de crimes que se apli-cam aos envolvidos no meio esportivo; dessa forma, os dirigentes/administra-dores também se enquadram nas condutas descritas do capítulo XI, em seus arts. 41-B a 41-G.

Vale ressaltar que concorrem os dirigentes e, da mesma forma, em sua responsabilidade penal, nos delitos previstos no Código Penal pátrio, como san-ções fiscais, lavagem de dinheiro etc., ou seja, em todas as previsões legais que o ordenamento jurídico enquadra como conduta criminosa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, a gestão dos clubes deverá ser reestruturada por completo, para que esse seguimento se mantenha ativo no País, tendo, desta forma, um futuro de glórias e conquistas no cenário nacional e mundial, seguindo alguns pontos principais na administração de forma empresarial dos clubes, respeitando as limitações e bases legais vigentes no País e éticas impostas pela sociedade.

REFERÊNCIAS

BARREIROS NETO, Jaime. Direito desportivo. Curitiba: Juruá, 2010.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial – Direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2007.

GOMES, Luis Flávio et al. Estatuto do Torcedor comentado. São Paulo: Revista do Tribunais, 2011.

KRIEGER, Marcílio. Lei Pelé e legislação desportiva brasileira anotada. Rio de Janeiro: Forense-Grypus, 1999.

MAZZEI, Leandro Carlos. Gestão do esporte no Brasil – Desafios e perspectivas. São Paulo: Ícone, 2012.

MELO FILHO, Álvaro. Nova Lei Pelé – Avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011.

SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Estatuto do Torcedor – A evolução dos direitos do consumidor do esporte (Lei nº 10.671/2003).

SPESSOTO, L. E. N. Futebol profissional e administração profissional: da prática ama-dorista à gestão competitiva. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.

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Parte Geral – Doutrina

O Delito de Doping Esportivo1

ROSARIO DE VICENTE MARTÍNEZCatedrática de Direito Penal na Universidade de Castilla-La Mancha, Espanha.

SUMÁRIO: Introdução; I – A urgente e necessária humanização do esporte; II – A inoportuna inter-venção do direito penal em matéria de doping esportivo; III – A repressão penal do doping esportivo na Espanha: o delito de doping esportivo. III.1 A reprovação penal não abrange nem o consumo, nem o próprio desportista; III.2 As substâncias ou grupos farmacológicos proibidos e os métodos não regulamentados; III.3 O fornecimento de substâncias dopantes aos esportistas; III.4 As substâncias ou métodos devem estar destinados a aumentar a capacidade física dos esportistas ou a modificar os resultados das competições; III.5 A irrelevância do consentimento do desportista; III.6 Descartada a comissão imprudente; III.7 O resultado positivo da análise determina a existência de dopagem, mas não quem o realizou; III.8 Doping que se materializa em lesões; III.9 Os tipos agravados; a) Vítima menor de idade; b) Emprego de fraude ou intimidação; c) Prevaler-se o culpado de uma relação de superioridade laboral ou profissional.

INTRODUÇÃO

Nos últimos meses de 2010, os meios de comunicação deram eco aos problemas que afligem o mundo do esporte e que o colocam numa verdadeira encruzilhada. Em outubro, os gritos racistas que eclodiam no estádio de fute-bol levaram o árbitro do confronto Cagliari x Inter de Milão, correspondente à sétima rodada da liga italiana, a suspender a partida durante três minutos, até cessarem os insultos ao jogador camaronês Samuel Eto’o, proferidos pelos tifosi, radicais italianos. A decisão do árbitro internacional Paolo Tagliavento não tinha precedente na Série A. Também em outubro as ações violentas de torcedores sérvios na partida contra a seleção italiana em Gênova terminaram suspendendo a partida e com o castigo da UEFA à Sérvia com a derrota por 3 x 0, multa de 120 mil euros e posterior realização da partida com os portões fechados, ou seja, sem o acesso de torcedores.

Junto ao racismo e à violência, o mês de outubro também foi marcado pela investigação da FIFA devido à suposta compra de votos para eleger a sede do Mundial do Torneio de Futebol de Seleções em 2018, a qual aspiravam conjuntamente Espanha e Portugal, assim como a Rússia, Inglaterra e Bélgica--Holanda, sendo finalmente elegida a Rússia como sede do evento. Além disso,

1 Tradução ao português por Wilson Franck autorizada por Rosario de Vicente Martínez.

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no mesmo período, os sócios do Barcelona, em assembleia ordinária de com-promissários, por 468 votos a 439, pediam ao Presidente, Sandro Rosell, que executasse a ação de responsabilidade civil contra o ex-Presidente Joan Laporta pelas perdas financeiras acumuladas durante os sete anos de seu mandato, no valor de 48 milhões de euros. E quanto aos presidentes ou ex-presidentes de clubes de futebol, também nesse mesmo período o Presidente do Clube de Futebol Real Murcia, o empresário Jesús Samper, foi acusado nas diligências judiciais abertas de um suposto caso de corrupção urbanística em torno do complexo “Nueva Condomina”.

E, para completar, nesse mesmo mês de outubro fechava-se o cerco con-tra o tricampeão do Tour da França, Alberto Contador, por suposto doping, e se tecia, em efeito, o fio da meada que contamina até as raízes o ciclismo espanhol. Ter-se-á, todavia, que esperar alguns dias, seguramente até fevereiro, para a resolução do caso Contador, que se encontra em trâmite de instrução. A União Ciclista Internacional (UCI) absteve-se em favor da Real Federação Espa-nhola de Ciclismo, a quem compete determinar se Alberto Contador violou ou não as regras antidoping da UCI. Enquanto isso, até o final das atuações, apesar de sua suspensão provisória, Alberto Contador é inocente2.

Também se tornou público, durante esse mesmo mês de outubro – um outono realmente quente –, um estudo do Instituto Federal de Ciências Despor-tivas (BISp) da Alemanha que reavivou a hipótese, que circulava havia décadas, segundo a qual alguns jogadores da seleção de futebol alemã que se sagrou campeã do mundo em 1954 haviam consumido substâncias dopantes. Segundo o estudo do referido Instituto, há indícios que apontam que alguns jogadores daquela equipe receberam a metanfetamina pervitin3.

A este último fenômeno relacionado com o esporte, o doping, se dedica-rá este estudo, porquanto a corrida pelo doping é tão antiga e tão nova que vale a pena nos determos nela. Corria o ano de 1896 quando se anunciava a morte do ciclista galês Arthur Linton, de 29 anos, durante a prova Bordeaux-Paris, causado por um coquetel de estupefacientes subministrado por seu treinador4. A partir de então, o esporte se viu envolvido por numerosos casos de doping, em especial no mundo do ciclismo: a morte de Tom Simpson em pleno Tour de France por consumo de anfetaminas em 1967; o nefasto verão de 1998, ano em que a equipe francesa Festina foi desclassificada por completo do Tour devido ao uso de uma substância dopante chamada eritropoietina ou, como é comumente denominada, EPO; o “caso Cofidis”, um dos maiores escândalos

2 N.T.: Contador foi condenado pelo Tribunal Arbitral do Esporte na sentença de 6 de fevereiro de 2012 com um período de dois anos de inabilitação com caráter retroativo a partir de 25 de janeiro de 2011.

3 N.T.: Trata-se de uma droga sintética, com efeitos muito mais potentes que o das anfetaminas, banido em vários países, inclusive no Brasil, devido ao uso inadequado e abusivo.

4 Sobre este caso, vide CABALLERO, F. Droit de la drogue. París, 1989. p. 382.

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de doping na história do ciclismo resultando em oito condenados pelo Tribunal Correcional de Nanterre por violação da lei antidopagem francesa; ou o caso “Marco Pantani”, primeiro atleta italiano processado por fraude desportiva.

Na Espanha, a Polícia e a Guarda Civil já efetuaram, em conjunto, mais de quarenta operações contra o doping na última década, embora a maioria delas estivesse dirigida contra a falsificação de produtos e o tráfico de substân-cias em ginásios e salas de culturismo. Os relatórios da Procuradoria Geral des-tacam, entre as operações policiais mais relevantes relacionadas ao fenômeno da criminalidade organizada, a denominada Operação “Fleca II”, investigação sobre uma rede de tráfico de anabolizantes para doping desportivo em centros de culturismo5. Apreenderam-se mais de 100 mil doses e abundante material para a falsificação de embalagens e etiquetas de produtos legais, chegando-se a localizar, em Gandía (Valência), um local que servia de laboratório.

Entre estas mais de quarenta operações, três delas estiveram centradas no esporte profissional de elite. A primeira, a “Operação Porto” 6, em maio de 2006, implicou um grande golpe ao ciclismo.

Com essa operação se desmantelava a organização dirigida por Eufemino Fuentes e na qual estavam envolvidos o hematologista Merino Batres e os diretores desportivos Manolo Saiz e Vicente Belda. A Guarda Civil encontrou quase 200 bolsas de sangue que pertenciam a alguns dos me-lhores ciclistas do momento, como o alemão Jan Ullrich, o italiano Ivan Basso ou os espanhóis Óscar Sevilla e Alejandro Valverde. Em relação a este último, em 2010, o Tribunal de Arbitragem Desportivo, a pedido do Comitê Olímpico Italiano, puniu com dois anos de suspensão por sua relação com esta Operação, em que estavam envolvidos 58 atletas. A Operação Porto está, ainda, à espera de julgamento. O Ministério Público de Madrid publicará, em breve, uma pe-tição requerendo penas privativas de liberdade contra pelo menos três dos oito acusados na Operação.

A segunda, a “Operação Grial”, em novembro de 2009, implicava um duro golpe, nesta ocasião, ao atletismo. Detinha-se o médico peruano Walter Virú e era inspecionado o domicílio de Paquillo Fernández, atleta de marcha espanhol vencedor da medalha de prata nos 20 quilômetros de marcha nos Jo-gos Olímpicos de Atenas (2004) e três vezes campão mundial desta distância, o qual reconheceu publicamente a posse de substâncias dopantes, bem como se dispôs a colaborar com a Polícia.

5 Vide a Memoria de la fiscalía general del Estado. Madrid, 2009, p. 1005.6 A Guarda Civil, em fevereiro de 2006, descobriu uma rede de abastecimento de produtos dopantes. Três

meses depois, a investigação, conhecida como “Operação Porto”, culminava com a detenção de cinco pessoas em Madrid e Zaragoza.

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A terceira, a “Operação Galgo”, realizada dezembro de 2010, voltava novamente a assolar o atletismo. Foram inspecionados diversos domicílios de atletas, treinadores e médicos de diferentes localidades espanholas. Entre os principais envolvidos estavam Eufemiano Fuentes, o treinador Manuel Pascua e a atleta de Palência, província ao norte da Espanha, Marta Domínguez, campeã do mundo dos 3000 metros com obstáculos.

Todos esses casos e outros tantos7 são os que propiciaram a tomada de medidas legais de todo tipo contra o doping, iniciando-se uma verdadeira polí-tica antidoping não apenas em nível nacional ou europeu, senão, também, em nível mundial. Essa política, por vezes, descuida-se da realidade, da necessida-de de uma humanização do esporte.

I – A URGENTE E NECESSÁRIA HUMANIZAÇÃO DO ESPORTE

O doping, desde o ponto de vista legal, pode ser definido como “tomar quaisquer das substâncias contidas na lista oficial publicada pelo Comitê Olím-pico Internacional (COI) e o Conselho Superior de Desportos (CSD)”8. O doping no esporte consiste, assim, na utilização de métodos ou substâncias que estejam regularmente proibidos.

Ninguém põe em dúvida que, na atualidade, o doping está marcando brutalmente o esporte e revelando que o êxito desportivo não é apenas obtido com sacrifício e superação pessoal, mas também com outra arma eficaz e mor-tífera para o organismo, como é o caso do uso de substâncias dopantes; tudo isso somado à necessidade de maior espetacularização e melhores resultados para a obtenção de audiência social massiva que, consequentemente, gere um “volume de negócio” tão espetacular quanto.

No ciclismo, por exemplo, a dureza das etapas, cada vez mais longas e com finais em elevação, subidas inalcançáveis ou impossíveis de superar, percursos quem “rompem as pernas”, convertem em pura e simples utopia cor-rer os Grand Tours sem que os ciclistas tomem nada “extra”. Aitor González, ciclista vencedor de uma Volta da Espanha, denunciava, numa entrevista, que

levamos nossos corpos a limites extremos, que escapam dos parâmetros normais. Correr etapas de mais de 200 km em apenas vinte dias não é saudável. Após 10 dias os joelhos começam a doer e você acaba por precisar de uma infiltração, pois do contrário não termina a distância. Sem estes medicamentos, o ciclismo não existiria.

7 Sobre os casos de dopagem em ciclismo, futebol, boxe, tênis ou atletismo: VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Derecho penal del deporte. Barcelona: Bosch, 2010. p. 373 e ss.

8 N.T.: A penalista segue uma classificação formal de doping, como o fez o próprio legislador espanhol na Lei nº 7/2006, de 21 de novembro.

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O doping é também o resultado das exigências de um público insaciável. Relata, de modo magnífico, Roldán Barbero que o público demanda grandes apresentações e que resta decepcionado quando “um dos nossos” não está ga-nhando. Em consequência, sobrevém o desinteresse ou há falta generalizada de interesse. Os índices de tele-espectadores, atualmente, ou antes, de ouvintes de rádio ou de leitores de periódicos desportivos, baixam se ninguém personifica as virtudes do herói nacional. Não é o esporte em si o que agrada, mas o imagi-nário que produz este esporte. As grandes competições de um dia do calendário ciclista (a París-Roubaix ou o Tour de Flandes, por exemplo) não são seguidas na Espanha por quase ninguém. Os desempenhos dos atletas holandeses ou bel-gas não me importam. Entretanto, quando Miguel Induráin completou seu ciclo triunfal de cinco vitórias consecutivas no Tour de France, metade do país o con-siderava um herói nacional. Recordo, prossegue o autor citado, haver lido na editora de algum periódico a recomendação de “indurainizar España”9. Nessas condições, como é possível correr, “a pão e água”, um Tour de France ou uma Volta da Espanha, com duração de três semanas, quando se demanda uma exi-gência física excepcional, máxime quando as pessoas estão na expectativa por descobrir nova gloria nacional? Aqui está a publicidade. Os patrocinadores que pagam enormes quantidades econômicas para sustentar as equipes profissionais desejam quotas de televisão. As imagens estão fixas apenas naqueles que estão nos primeiros lugares. A camisa dos ponteiros é a que vende. E seus portadores são credores de grandes lucros10.

Em termos parecidos, Belestá Segura observa que a sociedade mostra-se hipócrita a esse respeito, porque o público dos espetáculos desportivos reclama provas mais exigentes para os desportistas e também que eles obtenham melho-res marcas. De fato, quanto mais exigente é uma etapa de uma volta ciclística, por exemplo, mais audiência tem e por isso os programadores televisivos procu-ram que essas etapas coincidam com o fim de semana. Quanto mais passagens em montanhas existam, mais altos sejam seus cumes e mais elevadas as incli-nações, mais audiência se obtém. A saúde do desportista passa a um segundo plano. O primeiro está ocupado pelo espetáculo e pela audiência. O Estado de-veria ser coerente e assegurar que as entidades desportivas organizem as com-petições levando em consideração, principalmente, a saúde do desportista11.

A forma mais eficaz, em definitivo, de lutar contra a dopagem é promo-ver uma competição desportiva mais humana, com provas compatíveis com a

9 N.T.: A expressão decorre do nome do ciclista Miguel Induráin e significa que toda a Espanha seja o se assemelhe a Indurián.

10 ROLDÁN BARBERO, Horacio. La creación política de una nueva delincuencia: el uso del dopaje en el deporte. In: ZAPATERO, Luis Arroyo; TORRE, Ignacio Berdugo Gómez de la (Coord.). Homenaje al Dr. Marino Barbero Santos: in memoriam. Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2001, p. 569.

11 BELESTÁ SEGURA, Luis. La persecución penal del dopaje en el deporte. In: Actualidad Jurídica Arazandi, n. 758, p. 9, 2008.

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natureza humana, sem exigência de recordes impossíveis de ser alcançados. O importante não é construir super-homens, senão modificar as regras desporti-vas. Porém isso, aparentemente, não interessa, porque entraria em conflito com a natureza dos interesses comerciais, com as grandes quantidades de dinheiro que estão em jogo, com o desmedido afã de lucro das empresas. Acaso o espor-te se humanizasse, se o calendário das grandes competições se suavizasse, não se falaria hoje, seguramente, de delito de doping esportivo.

II – A INOPORTUNA INTERVENÇÃO DO DIREITO PENAL EM MATÉRIA DE DOPING ESPORTIVO

A resposta de alguns países à aparição de determinados casos notórios de doping ocorreu por meio da intervenção do direito penal. Primeiro foi a Bélgica12, seguida pela França13. Ambos reagiram prontamente frente ao pro-blema da dopagem esportiva, e o fizeram elevando à categoria de delito o doping nas competições esportivas. Seguindo seus passos, países como Itália14 e Portugal15 optaram também por ativar o mecanismo penal contra a dopagem esportiva. Por sua parte, a Alemanha não recorre a um tipo penal específico de doping, mas sim à lei sobre medicamentos de 1998 e à normativa sobre estupefacientes. A lei sobre medicamentos proíbe determinadas condutas com fins dopantes (utilização, introdução ou prescrição), restando excluído o des-portista da sanção penal. Não obstante, a crescente pressão internacional levou o Parlamento alemão a aprovar importante modificação16, castigando a posse em grande quantidade de substâncias e medicamentos cuja finalidade é utilizá--las no âmbito desportivo. Mesmo assim, acrescentou em relação às condutas tipificadas dois tipos agravados: dopagem de menores de 18 anos e tráfico por meio de federações, que acarretam em uma pena de prisão de um a dez anos. Mas e a Espanha?

A Espanha não poderia ser exceção. Após a denominada “Operação Porto”17, o legislador espanhol determinou a intervenção do direito penal neste

12 A lei belga de 2 de abril de 1965 foi a primeira no marco do direito comparado em reprimir penalmente a estimulação no esporte. Vide os trabalhos de HEYNDRICKX. Le doping: aspects juridiques et toxicologiques. Revue de Droit Pénal et de Criminologie, p. 213 e ss., 1974; e DE BECKER. Dopage et droit pénal. Revue de Droit Pénal et de Criminologie, p. 181 e ss., 1974.

13 A primeira lei penal francesa antidopagem foi a Lei nº 65.412/1965, de 1º de junho, sobre a repressão do uso de estimulantes em ocasiões de competições desportivas. Na atualidade, está em vigor a Lei nº 650/2008, de 3 de julho, relativa à luta contra o tráfico de produtos dopantes, que castiga o desportista que possua substâncias dopantes para seu uso ou as traga consigo, com penas de até cinco anos de prisão e multa de 75.000 euros. Também castiga as pessoas ao redor do desportista.

14 Com a Lei nº 376/2000, de 14 de dezembro.15 Com a Lei nº 27/2009, de 19 de junho.16 Gesetz zur Verbesserung der Bekämpfung des Doping im Sport, vom 24, Oktober 2007.17 Uns meses depois de descoberta a rede de abastecimento de produtos dopantes, o Pleno do Congresso dos

Deputados aprovava, por ampla maioria, a Lei Orgânica nº 7/2006, de 21 de novembro, de proteção da saúde e de luta contra o doping no esporte – mais conhecida como “lei antidoping”.

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campo, pois considerou o doping ofensivo de bem jurídico penalmente tute-lado, especificadamente, a saúde pública. Contudo, há algum tempo um se-tor da doutrina espanhola manifestou-se contrariamente à intervenção penal no âmbito do doping por considerar que os mecanismos jurídicos que devem ser utilizados, com caráter sancionador, são aqueles do âmbito desportivo, e isso porque, entre outras razões, nas infrações de dopagem, considera-se que o bem jurídico protegido não é a saúde pública. Neste sentido, Roldán Barbero afirmou que o poder externo, na forma do direito penal, nada tem a dizer ali. Os dirigentes modernos têm a compulsividade de entregar ao Poder Judiciário (externo) questões que este não entende, ou nem mesmo está em condições, caso as compreenda, de responder de maneira razoável em um curto espaço de tempo. Para o penalista citado, o doping não deve ser considerado delito, pois “é uma irregularidade, uma infração, no máximo, às regras do jogo, e enquanto tal deve estar em um plano interno [...]. Acaso se queira, verdadeiramente, pro-teger a saúde do corredor, melhor será admitir, então, que apenas desde uma perspectiva interna, de autocontrole, poder-se-á cumprir, com relativo êxito, esta tarefa. Assim, quem espera que os juízes e os Tribunais serão os tutores dos desportistas está, como se diz na Espanha, “en la luna de Valencia” ou “en los cerros de Úbeda”18.

Na mesma linha crítica posiciona-se Díaz y García Conlledo19. Millán Garrido considera que a repressão penal é desnecessária, desproporcional, inadequada e excede à intervenção mínima exigida nesse âmbito20. Álvarez Vizcaya demonstra seu ceticismo ante a necessidade de que o doping despor-tivo necessite da proteção do direito penal21. Boix Reig expõe sérias dúvidas sobre a necessidade de intervenção do direito penal, já que o interesse jurídico protegido é a pureza da competição e o jogo limpo: se o que se protege é a saú-de, já existem outras respostas no próprio Código Penal para a punição de tais condutas sem a necessidade de criação de um novo delito22. Ademais, Doval País23 ou Palomar Olmeda24.

Optar, como fez o legislador espanhol, pela criminalização do doping no esporte é seguir uma política legislativa certamente questionável, por duas

18 ROLDÁN BARBERO, Horacio. La creación política de una nueva delincuencia: el uso del doping en el deporte. Ob. cit., p. 590 e 591.

19 DÍAZ Y GARCÍA CONLLEDO, Miguel. Represión y prevención penal del dopaje en el deporte. Relaciones entre derecho, deporte y dopaje, con especial atención a la perspectiva jurídico-penal. Huarte de San Juan. Revista de la Facultad de Ciencias Humanas y Sociales, n. 1, p. 103 e ss., 1994.

20 MILLÁN GARRIDO, Antonio. Régimen jurídico del dopaje en el deporte. Barcelona, 2005, p. 149. No mesmo sentido: VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Derecho penal del deporte. Ob. cit., p. 398 e ss.

21 ÁLVAREZ VIZCAYA, Maite. Estudios sobre el dopaje en el deporte. Madrid, 2006, p. 90.22 N.T.: Conforme o texto traduzido por Leonardo Schmitt de Bem presente nessa coletânea.23 N.T.: Conforme o texto traduzido por Leonardo Schmitt de Bem presente nessa coletânea.24 PALOMAR OLMEDA, Alberto. Las alternativas a la represión del dopaje deportivo. Revista Jurídica del

Deporte, n. 7, p. 64, 2002-1.

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razões principais: em primeiro lugar, por ser desnecessária a repressão penal e, em segundo lugar, porque desconsidera o princípio da intervenção mínima. Mas o mais fácil, uma vez mais, é seguir a linha de incremento do interven-cionismo da justiça penal também no âmbito desportivo. Tal como, com toda razão, expõe Claus Roxin, existem muitos argumentos para afirmar que o direito penal não é um meio especialmente adequado para a solução do problema do doping, aludindo para o fato de que a lei alemã praticamente não foi aplicada, tal qual um “direito morto”. Roxin manifesta, ainda assim, curiosidade por saber se a justiça espanhola terá outras experiências com o novo art. 361-bis do CP25.

Inclusive o Informe do Conselho Geral do Poder Judicial sobre o Ante-projeto de Lei Orgânica de Proteção da Saúde e de Luta contra o Doping no Esporte já advertia que:

O regime público sancionador se completa no anteprojeto com a previsão de um novo tipo penal que se soma aos existentes no marco dos delitos contra a saúde pública, aproximando nosso ordenamento, nesta matéria, ao modelo francês de repressão da dopagem desportiva.

Previamente à análise do preceito previsto no anteprojeto, convém ques-tionar sobre a idoneidade e a necessidade da introdução de um novo tipo penal aos já existentes no âmbito dos delitos contra a saúde pública: novo tipo deli-tivo específico em matéria de dopagem desportiva. A incorporação dessa nova disposição penal supõe a utilização de todos os meios repressores jurídico-pú-blicos a serviço da proteção da saúde e da persecução do doping no esporte. Entretanto, a questão a se saber, desde a perspectiva político-criminal, é se as condutas penalizadas possuem conteúdo de valor suficiente, isto é, se são real-mente graves a ponto de acarretar uma maior reação do ordenamento jurídico, da instrumentação do ius puniendi do Estado.

Certamente, a adoção de tipos penais pressupõe uma clara e evidente vontade de proibição das condutas criminalizadas, bem como a busca pela efetividade e eficácia das medidas repressoras. Mas não há de se esquecer, todavia, de que o direito penal é a resposta mais traumática, a resposta última do ordenamento jurídico-público-estatal e que, em favor de sua própria eficácia e efetividade, deve estar relegado às ações de maior relevância e que causem riscos, perigos e danos nos direitos e bens jurídicos de maior importância.

No Estado Democrático, o direito penal deve ser a última barreira do ordenamento; deve-se utilizá-lo, portanto, nos casos em que os direitos e bens jurídicos sofrem as maiores afetações. E isso porque o direito penal é também o que possui maior capacidade de incidência no plano dos direitos individuais, e, singularmente, no direito de liberdade. Por outras palavras, a opção pela crimi-

25 ROXIN, Claus. Derecho penal y doping. In: Cuadernos de Política Criminal, n. 97, p. 10, 2009.

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nalização de condutas deve ocorrer de forma cautelosa e somente atualizar-se na medida em que seja evidentemente necessária à proibição de atividades indesejadas. Desde esse ponto de vista, portanto, seria recomendável uma rea-nálise da questão.

Parafraseando García Arán, a reforma estende a intervenção penal – aquilo que se denominou “expansão” do direito penal. E isso tem uma expres-são concreta na incorporação de ilícitos administrativos ao Código Penal, con-vertendo-os em delitos. Deformam-se, assim, as fronteiras entre o direito penal e o direito administrativo sancionador, lançando-se a ideia de que somente o direito penal, isto é, a intervenção mais grave, está em condições de resolver os problemas. São mitigados ou anulados, assim, os princípios básicos da política criminal, tal qual a intervenção geral mínima, a subsidiariedade do direito penal em relação a outros instrumentos de controle social e o seu caráter de ultima ratio26. E esta administrativização do direito penal coincide na reforma em ma-téria de doping esportivo da mesma forma como antes já ocorrera na reforma em matéria de segurança no trânsito27.

A maior parte da doutrina penal espanhola vê com receio, quando não com aberto rechaço, a atual tendência à “mão de ferro” que predomina na atualidade. Talvez a via de aproveitamento das possibilidades de redução da impunidade das infrações e de asseguramento da aplicação efetiva das sanções que hoje em dia é possível no âmbito desportivo seja a mais recomendável, muito mais que a ampliação dos delitos e a agravação das penas, para fazer compatível a necessária proteção das pessoas com a manutenção do princípio segundo o qual o direito penal deve ser a ultima ratio, ou seja, o último recur-so, e não o primeiro ou o único que utilizamos devido à falta de imaginação. Nunca se deve esquecer o caráter fragmentário e subsidiário do direito penal, nem sua comprovada inaptidão para resolver problemas. Não é de se estranhar que se aluda ao processo de erosão que enfrenta a teoria do delito e as garantias jurídico-penais, à “pancriminalização” de condutas puramente administrativas, à objetivação do direito penal como manifestação do que veio a se chamar “direto penal de exceção” ou “do inimigo” ou manifestação do novo “direito sancionador de oportunidade”.

Se realmente se quer lutar contra o doping no esporte, se queremos um esporte limpo, junto à necessária humanização do esporte, dever-se-ia buscar uma proibição social do mesmo mais eficaz que as proscrições penais.

26 GARCÍA ARÁN, Mercedes. Malas noticias. Medios de comunicación, política criminal y garantías penales en España. In: ARÁN, García; CORRAL, Botella (Dirs.). Valencia, 2008, p. 193.

27 Vide a este respeito: VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Derecho penal de la circulación. Delitos relacionados con el tráfico vial. 2. ed. rev., ampl. e atual. conforme a Lei Orgânica nº 15/2007, de 30 de novembro, de reforma do CP em matéria de segurança viária. Barcelona, 2008, p. 38 e ss.

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III – A REPRESSÃO PENAL DO DOPING NA ESPANHA: O DELITO DE DOPING ESPORTIVO

Na Espanha, num primeiro momento, o legislador não considerou ne-cessária a intervenção do direto penal em matéria de doping por entender que ele infringia unicamente as regras do jogo, de modo que, por conseguinte, o doping se configurava como uma infração administrativa. Esse critério mudaria quando da aprovação da Lei Orgânica nº 7/2006, de 21 de novembro, de tutela da saúde e de luta contra o doping no esporte, na qual o sistema de prevenção e sanção dos casos de doping dispõe não apenas de medidas sancionadoras administrativas (arts. 15 e seguintes), mas também de medidas que acarretam consequências penais, considerando que se trata de uma norma específica e expressamente destinada a preservar tanto a saúde pública como a saúde in-dividual dos atletas, bem como a pureza do esporte. Daí que a lei alcança, também, o direito penal, cuja intervenção se justifica na Exposição de Motivos, nos seguintes e precisos termos:

Para tentar assegurar o cumprimento das medidas indicadas se impõe no título terceiro desta lei, um âmbito de proteção penal da saúde pública em atividades relacionadas com o doping no esporte. Introduz-se um novo artículo 361-bis no Código Penal, cuja finalidade é punir as pessoas ao redor do desportista e preser-var a saúde pública, gravemente ameaçada pela comercialização e disponibiliza-ção sem controle de produtos sem garantia e danosos à saúde.

Com o estabelecimento desse novo ilícito penal completa-se o proje-to integral de uma política criminal contra o doping iniciado em fevereiro de 2005, quando o Conselho de Ministros permitiu a realização do Plano de Ação Integral contra o Doping no Esporte. Entre as 59 medidas aprovadas, incluía-se a criação de um grupo operativo de intervenção, no seio do Comissariado Ge-ral da Polícia Judicial, especializado na persecução de redes de dopagem, bem como a criação, por parte da Procuradoria Geral do Estado, de uma unidade especializada na persecução de delitos relacionados com o doping no esporte.

O Título III da Lei Orgânica nº 7/2006, de 21 de novembro, de proteção da saúde e da luta contra o doping no esporte, sob a rubrica “Da tutela penal da saúde pública em atividades relacionadas com a dopagem no esporte”, contém apenas um preceito, o art. 44, pelo qual se introduz um novo art. 361-bis na Lei Orgânica nº 10/1995, de 23 de novembro, do Código Penal e, com ele, o novo delito de dopagem esportivo que entrou em vigor em 22 de fevereiro de 2007, conforme estabelece a Disposição final oitava da lei sobre entrada em vigor: a presente lei entrará em vigor aos três meses desde sua inteira publicação no Boletim Oficial do Estado.

O art. 361-bis do Código Penal contém a seguinte redação:

1. Aqueles que, sem justificação terapêutica, prescrevam, proporcionem, dis-pensem, subministrem, administrem, ofereçam ou facilitem a desportistas fe-

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derados não competidores, desportistas não federados que pratiquem o esporte por recrea ção, ou desportistas que participem em competições organizadas na Espanha por entidades desportivas, substâncias ou grupos farmacológicos proibi-dos, bem como métodos não regulamentados, destinados a aumentar suas capa-cidades físicas ou a modificar os resultados das competições, que por seu conteú- do, reiteração da ingestão ou outras circunstancias concorrentes, coloquem em risco a vida ou a saúde dos mesmos, serão castigados com as penas de prisão de seis meses a dois anos, multa de seis a dezoito meses e inabilitação especial para emprego ou cargo público, profissão ou ofício, de dois a cinco anos.

2. Serão impostas as penas previstas no parágrafo anterior em sua metade superior quando o delito se perpetre concorrendo alguma das circunstâncias seguintes:

1ª A vítima seja menor de idade.

2ª Haja emprego de fraude ou intimidação.

3ª O responsável tenha se favorecido de uma relação de superioridade laboral ou profissional.

O art. 361-bis compõe-se de duas partes. A primeira parte contém o tipo básico do delito de doping desportivo, e, a segunda, três tipos agravados.

iii.1 a reProvação Penal não abrange nem o consumo nem o PróPrio desPortista

Em nenhum momento da tramitação parlamentaria da lei antidoping foi sugerida a possibilidade de sanção penal contra o consumo ou contra o próprio desportista, pois, desde o início de sua elaboração, a sanção destinou-se ao “entorno do desportista”, isto é, às pessoas que o cercam. A própria Exposição de Motivos da Lei Orgânica nº 7/2006, de 21 de novembro, reconhece que a finalidade da inclusão do art. 361-bis no Código Penal é castigar as pessoas ao redor do atleta. Insiste-se nessa ideia desde os primeiros textos que apoiam a criminalização destas condutas. Assim, por exemplo, o Projeto do Plano de Luta contra o Doping no Esporte destaca

o estabelecimento de um marco normativo que permita sancionar a conduta das pessoas pertencentes ao entorno do desportista que intervenham ou propiciem a dopagem, e que preveja um tratamento punitivo apto à repressão do comporta-mento daqueles que de alguma forma assistem, incitam, contribuem, instigam ou intentam dissimular a dopagem de um desportista.

Assim, o delito de doping desportivo na Espanha criminaliza o chamado entorno mais próximo do desportista, não o considerando, portanto, sujeito ati-vo do delito, contrariando a opção de outros países que o situam no epicentro da autoria, como a Itália28 ou a Bélgica.

28 Vide o art. 9º, § 2º, da Lei nº 376/2000, de 14 de dezembro.

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Da mesma forma que ocorre com o consumo de drogas, que não está tipificado por razões de política criminal, tampouco se considerou apropria-da a penalização do simples consumo no âmbito desportivo, de modo que a conduta de autoconsumo ou autodopagem para o esporte é, em termos pe-nais, atípico, o que não significa que não esteja regulada em outras instâncias não penais e, fundamentalmente, nas normas federativas. O desportista que se dopa possui uma responsabilidade disciplinar. Na Espanha, as condutas como o doping realizado pelo próprio desportista, ou mesmo a resistência ou negativa de submeter-se aos controles de dopagem, são consideradas, de acordo com art. 14.1 da lei orgânica de proteção da saúde e da luta contra a dopagem no esporte, infrações muito graves e sancionadas com suspensão ou privação de licença federativa por um período de dois a quatro anos e, conforme o caso, multa de 3001 a 12000 euros. Neste sentido, a sentença do Tribunal Superior de Justiça de Madrid de 3 de setembro de 2008 – que decide o recurso contencio-so-administrativo proposto por um piloto de automobilismo contra a resolução do Comitê Espanhol de Disciplina Desportiva de 21 de outubro de 2005, pela qual se confirmava a sanção imposta pelo Tribunal Nacional de Apelação e Disciplina da Real Federação Espanhola de Automobilismo pela perpetração de uma falta muito grave à disciplina desportiva por parte do piloto – rechaçou os argumentos do recorrente e estimou irrelevante seu desconhecimento sobre a norma, o risco que o consumo da substância proibida acarreta para sua saúde ou se a substância melhorava seu rendimento. O piloto recorrente requeria a revogação da sanção imposta pelo Comitê Espanhol de Disciplina Desportiva e, subsidiariamente, a redução da multa imposta por não haver atuado com dolo ou culpa na ingestão da substância proibida. Para a Câmara Criminal, o piloto não podia alegar ausência de culpabilidade devido ao desconhecimento de que a substância era proibida, ou pelos efeitos (não potencializadores de rendimento) que cause a substância ou, ainda, pela existência de prescrição facultativa. Nenhum dos argumentos citados justifica a presença da substância proibida, apesar de que, no caso em que é devida a prescrição médica e se tenha informado previamente sua utilização na competição, as consequências possam ser outras29.

Quando as infrações forem cometidas pela segunda vez, a sanção con-sistirá na privação de licença federativa em caráter perpétuo e, segundo o caso, na correspondente sanção pecuniária30, considerando-se desnecessária, pois, sua tipificação específica. Ora, se o art. 361-bis do Código Penal protege a saú-de do desportista destinatário das substâncias, deve restar impune a dopagem

29 Sobre esta sentença, vide: LÓPEZ VELÁSQUEZ, David. Culpabilidad y responsabilidad objetiva en materia de dopaje. Comentario a la Sentencia del Tribunal Superior de Justicia de Madrid de 3 de septiembre de 2008. Revista Aranzadi de Derecho de Deporte, n. 26, p. 339 e ss., 2009-2.

30 Vide o art. 15 da Lei Orgânica nº 7/2006, de 21 de novembro.

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perpetrada pelo próprio desportista, já que o usuário das substâncias não faz outra coisa senão exercer o direito à liberdade que lhe reconhece o art. 17 da Constituição espanhola, isto é, o direito a exercer sua própria autodetermina-ção. Assim, se a autolesão não é punível, também o deve ser a autocolocação em perigo.

Além disso, foi prevista uma escusa absolutória parcial para os casos em que o desportista colabora com as autoridades na persecução de grupos orga-nizados dedicados ao fornecimento de substâncias dopantes ou à utilização de métodos proibidos, segundo o disposto nos arts. 24 e 26 da Lei Orgânica nº 7/2006.

A escolha do legislador tem sido, em definitivo, punir fundamentalmente quem induz, coopera ou favorece a dopagem, e não, propriamente, o despor-tista.

iii.2 as substâncias ou gruPos farmacológicos Proibidos e os métodos não regulamentados

A luta contra o doping obrigou a especificação das substâncias, produtos ou métodos que devem ser considerados, para efeitos legais, nocivos à saúde, partindo da experiência e os avanços científicos que proporciona o trabalho da comunidade desportiva internacional. Desde esse ponto de vista, o objeto ma-terial do delito de doping é duplo, pois o constituem não apenas as substâncias ou grupos farmacológicos proibidos, senão também os métodos não regulamen-tados, destinados a aumentar a capacidade física dos desportistas ou a modificar os resultados das competições, que, por seu conteúdo, reiteração da ingestão ou outras circunstâncias concorrentes, exponham a perigo a vida ou a saúde deles.

Pelo termo “substâncias proibidas” compreendem-se os produtos que, de maneira direta, contenham um efeito dopante, embora o conceito devesse estender-se àqueles outros que se destinam ao mascaramento ou ocultação dos efeitos da dopagem31.

O critério estabelecido pelo Código Mundial Antidopagem considera uma substância dopante se ela contiver pelo menos duas destas três condições: que seja capaz de melhorar o rendimento, que possa prejudicar a saúde e que viole o espírito desportivo. Todavia, o caráter de substância dopante dependerá, fundamentalmente, de sua inclusão em uma lista determinada que, por sua vez, dependerá de cada momento concreto ou da consideração acerca da permissão ou não do método. É uma lista caprichosa, porquanto, ao mesmo tempo em que exclui a creatina, o estimulante dos futebolistas, inclui produtos necessários para curar um resfriado ou uma alergia.

31 Neste sentido: MORALES Prats, Fermín. Comentarios al Código Penal. OLIVARES, Quintero (Dir.), PRATS, Morales (Coord.). 5. ed. Pamplona, 2008, p. 277.

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São três os critérios que, na opinião de Naranjo Orellana, podem levar uma substância a ser incluída nesta lista: que tenha uma ação ergogênica (que favoreça o rendimento físico), que sua utilização suponha um perigo para a saúde do desportista e que, mediante seu consumo, dificulte-se a detecção de substâncias dopantes32.

Hoje em dia, as três grandes substâncias dopantes que estão sendo uti-lizadas são a EPO, o hormônio do crescimento e os esteroides anabolizantes.

Por “grupo farmacológico” deve-se compreender qualquer medicamen-to. Em todo caso, deverá tratar-se de produtos capazes de pôr em perigo con-creto a vida ou a saúde do desportista e, ainda, que estejam tipificados na lista aprovada pelo Conselho Superior de Desportes.

Entretanto, como aduz Francisco Moreno, os métodos não regulamenta-dos são o ponto nevrálgico que apto está a suscitar as maiores dúvidas e discus-sões futuras no momento de valorar a transcendência penal de certos compor-tamentos, pois não está expresso em nenhum lugar qual é o método e onde sua regulamentação está definida. Para este autor, o mais razoável é vincular, de uma forma ou outra, o método com a substância dopante ou o efeito dopante, entendido como consequência que incrementa artificial e desonestamente o rendimento esportivo33.

O art. 12 da lei antidopagem, ao confiar ao Conselho Superior de Des-portes a elaboração de uma lista de substâncias e métodos, alude às “substân-cias e métodos proibidos no esporte”. Por seu turno, na Exposição de Motivos da Lei Orgânica antidopagem se alude, aí sim, a “métodos não regulamenta-dos no esporte”. Entretanto, com esse tipo de terminologia dificilmente se pode conceber o objeto da atuação com amplitude, pois a norma penal em branco, imprescindivelmente integrada pela lista emanada do Conselho Superior de Desportes e publicada no Boletim Oficial do Estado, por óbvio que limitará sua referência aos termos que até o presente momento vêm sendo assumidos, exce-to se a corrida entre o progresso vil da ciência-técnica a serviço do rendimento obrigue a algo distinto.

As substâncias, grupos farmacológicos ou métodos que constituem o ob-jeto material do delito de dopagem desportivo devem reunir três características: devem estar proibidas ou não regulamentadas, devem ter um efeito positivo nas capacidades psicofísicas do desportista e devem ser perigosas à saúde do consumidor.

32 NARANJO Orellana, José. Régimen jurídico del dopaje en el deporte. MILLÁN GARRIDO, Antonio (Coord.). Barcelona: Bosch, 2005. p. 184.

33 MORENO, Fernando. El nuevo delito de dopaje deportivo. Una sentencia anterior, una excusa para algunas reflexiones sobre el nuevo marco normativo. Revista Aranzadi de Derecho de Deportes y Entretenimiento, n. 20, p. 52, 2007-2.

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O duplo objeto material do delito de dopagem desportiva constitui um elemento normativo do tipo penal e, para sua identificação, é necessário con-sultar o Anexo I da Convenção contra o Doping no esporte, sujeita a atualiza-ções periódicas. De maneira semelhante ao que ocorre no tráfico de drogas, o rol dessas substâncias e métodos é publicado anualmente pela Agência Mundial Antidopagem e figura como Anexo I à Convenção da Unesco, que diz, literal-mente: “O texto oficial da lista de substâncias e métodos proibidos será objeto de atualização por parte da AMA e será publicada em inglês e em francês. Em caso de conflito entre as versões de ambos os idiomas, prevalecerá a redatada em inglês”.

A lista que integra o tipo penal é confeccionada a cada ano pelo Con-selho Superior de Desportes, seguindo os princípios da Agência Mundial An-tidopagem e publicada no Boletim Oficial do Estado. É a própria Lei Orgânica nº 7/2006, de 21 de novembro, de proteção da saúde e de luta contra a dopa-gem no esporte, que atribui ao Conselho Superior de Desportes a elaboração das listas de substâncias e produtos farmacológicos proibidos, o que é concre-tizado em resoluções que periodicamente são editadas para atualizar a norma conforme o estado do conhecimento científico. A última é a Resolução de 23 de dezembro de 2010 da Presidência do Conselho Superior de Desportes, pela qual se aprova a lista de substâncias e métodos proibidos no esporte34.

A Resolução diferencia substâncias e métodos proibidos em qualquer momento (tanto em competição quanto fora de competição), substâncias e mé-todos proibidos em competição e substâncias proibidas em certos esportes.

O catálogo, diferentemente das listas de substâncias estupefacientes, que são taxativas, não é um repertório exaustivo de substâncias e métodos proibi-dos, senão que contempla em alguns casos o que se pode denominar “cláusulas abertas de substâncias”, como, por exemplo, quando na seção de estimulantes e anabolizantes se consideram como tais quaisquer outras substâncias que te-nham uma estrutura química ou uns efeitos biológicos similares aos de algumas substâncias recolhidas. Essa previsão pode ser qualificada como “próxima à ile-galidade”, pela inexistência de “lex certa”, nem ao menos por via de concreção regulamentar das condutas infratoras.

Para efeitos penais, atendendo à literalidade do art. 361-bis do Código penal, somente terão relevância aquelas substâncias e métodos que são perigo-sos para a saúde do desportista. Portanto, não corresponderá pena alguma, ex art. 361-bis, aos agentes que prescrevam, proporcionem, dispensem, subminis-trem, administrem, ofereçam ou facilitem substâncias e grupos farmacológicos permitidos ou métodos regulamentados, por mais que essas substâncias, grupos

34 Vide o BOE n. 317, de 30 de dezembro de 2010.

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farmacológicos ou métodos possam aumentar as capacidades físicas dos des-portistas ou modificar os resultados das competições (como ocorre, por exem-plo, com a água glucosada ou a utilização de câmaras hiperbáricas), e isso pese a que possam chegar a pôr em grave risco a vida ou a saúde dos desportistas.

iii.3 o fornecimento de substâncias doPantes aos esPortistas

O legislador configura o art. 361-bis do Código Penal como um delito de perigo, pois não se castiga a produção de um dano à saúde do desportista senão o risco que determinadas substâncias ou métodos dopantes podem acarretar para sua saúde. Por sua vez, dentro dos delitos de perigo, o art. 361-bis se inclui dentro dos de perigo concreto, pois, em sua aplicação, o juiz ou tribunal deverá comprovar a produção de um perigo real à vida ou à saúde do desportista.

A conduta típica consiste em prescrever, proporcionar, dispensar, submi-nistrar, administrar, oferecer ou facilitar aos desportistas federados não compe-titivos, desportistas não federados que pratiquem o desporte por recreio, ou des-portistas que participem em competições organizadas na Espanha por entidades desportivas, substâncias ou grupos farmacológicos proibidos ou métodos não regulamentados destinados a aumentar suas capacidades físicas ou a modificar os resultados das competições.

O art. 361-bis castiga até sete condutas diferentes, embora todas elas estejam relacionadas com o fornecimento de substâncias dopantes aos despor-tistas. Seguramente com essa exaustiva descrição da conduta típica, o legislador pretendia não deixar qualquer resquício a possíveis âmbitos de impunidade, mas não pensou que a redundância acarretaria uma feroz crítica da doutrina. Assim, Compañy Catalá e Basauli Herrero adjetivam tal redação de confusa e repetitiva, pois, ao analisar os verbos típicos propostos, observa-se que pro-porcionar (pôr a disposição de), subministrar (prover algo a alguém), oferecer (comprometer-se a dar algo a alguém) ou facilitar (proporcionar ou entregar) significam exatamente o mesmo, e por isso a repetição de verbos típicos ape-nas origina confusão interpretativa, ambiguidade e, portanto, uma não desejada impunidade. Por outro lado, os verbos prescrever ou administrar parecem estar fazendo referência aos médicos e demais profissionais da saúde das equipes ou desportistas profissionais, enquanto que dispensar vem intimamente relaciona-do com a referência do art. 361 do Código Penal e à localização sistemática do tipo de doping. Ora, em relação ao verbo dispensar, pode-se dizer que apenas se dispensam medicamentos e, portanto, apenas em farmácias ou estabeleci-mentos permitidos pela autoridade. Por isso, enquanto falamos de substâncias proibidas, carece de sentido sua inclusão. Se o legislador está pensando na dispensa deles em estabelecimentos não autorizados, vale o verbo proporcio-

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nar ou subministrar35. Assim mesmo, Boix Reig conclui que o tipo é confuso, está mal redatado e é disfuncional em relação com o que se pretende proteger, ademais de responder a uma política de tolerância zero frente a todo tipo de delinquência36.

Também o Conselho Fiscal, em seu Informe ao Anteprojeto de Lei Orgâ-nica antidoping, objetou que os verbos utilizados na descrição da conduta tipi-ficada são muito similares, senão propriamente sinônimos, recomendando que fossem empregados apenas dois deles: oferecer e subministrar. Ainda assim a Diretora Geral de Farmácia e Produtos Sanitários do Ministério de Saúde e Con-sumo manifestou sua preocupação pelas expressões utilizadas na descrição das ações penalmente tipificadas, destacando que é de difícil delimitação termos como “proporcionem, subministrem, ofereçam ou facilitem”, cuja ambiguidade pode criar insegurança jurídica.

No dia 2 de fevereiro de 2006, a Comissão Permanente do Conselho de Estado emitia, por unanimidade, o Ditame do Conselho de Estado sobre o Anteprojeto de Lei Orgânica de Proteção da Saúde e da Luta contra a Dopagem no Desporte, em que se lia que, a respeito do novo tipo penal, os antecedentes mostram que a dificuldade de descrever as condutas tem levado os distintos órgãos intervenientes no procedimento de elaboração do anteprojeto a fazer diversas sugestões a alguns órgãos (o Conselho Fiscal, o Conselho Geral do Po-der Judicial, a Direção Geral de Farmácia e Produtos Sanitários do Ministério da Saúde e Consumo ou o Presidente do Comitê Andaluz de Disciplina Desportiva e da Associação Profissional de Direto Desportivo, entre outros) propondo uma linguagem mais ampla ou mais concreta na descrição das condutas. O Conse-lho de Estado estima que, em princípio, a pluralidade dos verbos típicos traz consigo o risco de que fiquem fora da figura penal certas condutas de igual des-valor, entretanto não compreendidas na relação de verbos. Talvez fosse conve-niente, por isso, recorrer – entende o Conselho – a uma formulação mais ampla, como ocorre, por exemplo, com a redação do art. 368 do Código Penal, em que os verbos “prevenir”, “facilitar” e “favorecer” abarcam todas as atividades pu-níveis, sem prejuízo de que se recorra também a algumas condutas concretas.

O principal problema da confusão redacional da conduta típica é que ela conduz à equiparação penal de prescrever, proporcionar ou subministrar as substâncias e o mero oferecimento delas, condutas claramente diferenciáveis em gravidade, o que supõe uma violação do princípio da proporcionalidade. Assim indicava o Informe do Conselho Geral do Poder Judicial sobre o Ante-

35 COMPAÑY CATALÁ, Carlos; BASAULI HERRERO, Emilio. Comentarios a la ley orgánica de protección de la salud y de lucha contra el dopaje en el deporte. In: GARRIDO, Millán (Coord.). Ob. cit., p. 432.

36 N.T.: Conforme o texto traduzido por Leonardo Schmitt de Bem presente nessa coletânea.

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projeto de Lei Orgânica de Proteção da Saúde e de Luta contra a Dopagem no esporte:

Neste âmbito da tipicidade, deve realizar-se alguma observação relativa à enu-meração pormenorizada das atividades, atuações, do indivíduo (sujeito ativo do delito) que derivariam em conduta típica integrada na descrição da ação delitiva desse ilícito penal, e especificamente no que tange à ação de oferecimento de substância ou método proibido. A tipificação dessa conduta, dada a redação do resto do preceito, expõe certos inconvenientes que não devem negligenciar-se e exigem maior precisão do legislador. De um lado, a própria natureza da ativida-de, da conduta criminalizada. Pois, se já se questionava com caráter geral a ne-cessidade e conveniência do recurso ao direto penal para esses efeitos, antecipar (criminalizando) a resposta penal ao mero oferecimento (sem esperar sequer a eventual atualização do risco para a saúde do desportista derivada da aceitação), deve se considerar excessivo. Por outro, antecipar a consumação do delito ao mero oferecimento da substância ou método proibido apenas teria sentido se o risco à saúde se produzisse em todo caso com a ingestão desta ou com a prática daquela; o que vale dizer, quando a substância ou o procedimento fossem por sua própria natureza, essencialmente, nocivos, lesivos para a saúde. Mas isso não é assim. Na definição do tipo penal, da substância ou método não se exige essa capacidade natural (inevitável) de afetação, de perturbação, da saúde, senão que o seja, pelo conteúdo, ou pela reiteração da ingestão ou outras circunstân-cias concretas. De tal modo que, se a substância não é, por si mesma, nociva para a saúde, resultando necessário o consumo continuado desta para converter um risco potencial em real, então haveria que se exigir na conduta ativa que o oferecimento fosse reiterado. Do contrário, equiparam-se condutas que não são suscetíveis de provocar o mesmo risco e, consequentemente, de afetar de igual modo o bem jurídico protegido. Pois, do oferecimento em si mesmo, não se retira mais nada, depende da aceitação que dele se faça (nesse caso pelo desportista), enquanto que outras condutas (prescrever, proporcionar, subministrar, dispensar, administrar ou facilitar) supõem, por si mesmas, uma atualização da situação de risco ao bem jurídico. Portanto, o mais aconselhável seria proceder à supressão desta conduta entre as que conformam a ação típica delitiva, ou, em todo caso, a uma clarificação da redação a teor do dito a respeito.

Por outro lado, a comissão dessas condutas por omissão é punível, sem-pre e quando se deem os requisitos estabelecidos no art. 11 do Código Penal37. Dar-se-iam todos os requisitos, por exemplo, no caso dos pais de um desportista menor de idade que consentem que seu filho se dope ou lhe dopem. Igualmen-te também seria punível em comissão por omissão o médico de uma equipe, encarregado da saúde de seus membros, que sabe que o treinador entrega subs-

37 Assim afirmam, entre outros, ROCA AGAPITO, Luis. Los nuevos delitos relacionados con el dopaje (Comentario a la reforma del Código Penal llevada a cabo por LO 7/2006, de 21 de noviembre, de protección de la salud y de lucha contra el dopaje en el deporte. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, n. 09-08, 2007. Disponible en: <http://criminet.ugr.es/recpc>.

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tâncias dopantes a seus pupilos, pondo em perigo a saúde deles, e nada faz para evitá-lo.

Por tratar-se de um tipo misto alternativo, quem realiza várias dessas condutas, de modo sucessivo, não comete vários delitos, senão apenas um. O médico que, por exemplo, prescreve substâncias proibidas e logo as administra não comete dois delitos, mas apenas um.

iii.4 as substâncias ou métodos devem estar destinados a aumentar a caPacidade física dos esPortistas ou a modificar os resultados das comPetições

O legislador introduziu no tipo penal de doping esportivo um elemento finalístico: as substâncias ou métodos devem estar destinados a aumentar a ca-pacidade física dos desportistas ou a modificar os resultados das competições; portanto, se as substâncias são subministradas, dispensadas, oferecidas etc. para atender outros fins, não haverá delito. Desta maneira, se os produtos subminis-trados colocam em perigo a vida ou a saúde do desportista, contudo se não se pretenda com isso aumentar sua capacidade física ou afetar a transparência da competição, os fatos não podem ser sancionados, conforme o art. 361-bis do Código Penal.

No que concerne ao primeiro requisito, por “capacidades físicas”, em sentido estrito, cabe entender aquelas que conformam a condição física, o es-tado de forma, de cada indivíduo, como a força, a velocidade, a resistência, a flexibilidade, a mobilidade ou a coordenação, e que podem ser melhoradas mediante treinamento. Nessas capacidades também se incluem aspectos psi-cológicos, de sorte que parece que ficariam incluídas no tipo ainda aquelas substâncias que melhoram as capacidades psicológicas do desportista, como o arrojo, a agressividade, a tenacidade, a decisão, a concentração ou a competi-tividade. Há substâncias que não necessariamente melhoram a condição física, em sentido estrito, do atleta, mas sim melhoram suas capacidades psicológicas, como alguns estimulantes e tranquilizantes.

O requisito “aumentar a capacidade física” é enfocado por Álvarez Vizcaya desde uma dupla perspectiva. Quando a conduta é levada a cabo por um profissional do esporte, a ideia central é a obtenção de melhores condi-ções físicas em vista de sua participação em uma determinada competição, mas obtidas de forma fraudulenta, pois o mero fato de obter uma boa condição física não somente não é ilícito, senão que é uma das finalidades de qualquer treinamento esportivo. Pois bem. Para que se possa sancionar no âmbito penal a quem subministre ou facilite ou propicie esse consumo no desportista, será necessário provar que ele é suscetível de pôr em perigo a saúde deste, pois, do contrário, só pode surgir o ilícito administrativo. Em consequência, facilitar uma substância ou procurar um método não regulamentado que esteja proibido, mas

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que não seja suscetível de pôr em perigo a vida ou a saúde do desportista, não será uma ação relevante desde a perspectiva do art. 361-bis do Código Penal.

Fora do mundo da competição, ou seja, quando os sujeitos afetados pela conduta são os desportistas amadores, aqueles não competitivos – federados ou não –, deveria realizar-se uma reflexão distinta. Uma vez que se tenha detec-tado de maneira certa o consumo de determinadas substâncias no “mundo dos ginásios”, a solução para este problema se deve buscar ou na criminalização destas condutas, ou bem em intentar tomar drásticas medidas de caráter preven-tivo como, por exemplo, um severo controle das substâncias e seus componen-tes antes de sua saída ao mercado, sobretudo considerando as facilidades de sua aquisição pela Internet. Ao que deveria acrescentar-se outro controle exaustivo sobre os lugares em que elas podem ser expedidas38.

Quanto à segunda finalidade, “modificar o resultado das competições”, esta sim é uma conduta que se liga mais estreitamente ao conceito tradicional de doping, ainda que tampouco aqui seja necessário que efetivamente se al-cance um resultado mais vantajoso para o desportista, pois simplesmente nos indica que com a ingestão almeja um bom resultado desportivo, independente-mente se este se alcance ou não. Uma vez mais se vislumbra na tipicidade essa dupla corrente subterrânea que já foi mencionada: de um lado o interesse na tutela da saúde e, de outro, a ideia constante das competições desportivas como marco no qual essas condutas se desenvolvem.

A conduta típica se delimita, mesmo assim, por um elemento negativo, já que o prescrever, o proporcionar, o dispensar, o subministrar, o administrar, o oferecer ou o facilitar a desportistas federados não competitivos, desportis-tas não federados que pratiquem o esporte por recreação ou desportistas que participem em competições organizadas na Espanha por entidades desportivas, substâncias ou grupos farmacológicos proibidos, assim como métodos não re-gulamentados, devem realizar-se sem justificação terapêutica, de modo que, se existe essa justificação, isso provoca diretamente a atipicidade da conduta.

Esse elemento negativo tem sido tachado de supérfluo por uma parte da doutrina39, dado que a existência de um motivo terapêutico relacionado com a vida ou com a saúde daria lugar à aplicação da causa de justificação de estado de necessidade ou de exercício da profissão médica e porque, ademais, o con-teúdo do dolo implica o conhecimento e a vontade de obter um fim completa-mente alheio à intenção terapêutica, qual seja, o de aumentar as capacidades físicas ou modificar os resultados das competições.

38 ÁLVAREZ VIZCAYA, Maite. Salud o deporte: ¿qué pretende tutelar el derecho penal? In: La Ley Penal, n. 47, p. 15, 2008.

39 Vide VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Derecho penal del deporte. Ob. cit., p. 455 e ss.

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iii.5 a irrelevância do consentimento do desPortista

O consentimento do desportista é irrelevante para o terceiro que comete o delito. A irrelevância do consentimento se deriva diretamente da obrigação que contém o art. 13 da lei antidopagem de 2006, segundo o qual todo despor-tista deve assegurar-se que nenhuma substância proibida se introduza em seu organismo40. A dopagem realizada pelo próprio atleta é constitutiva de uma infração administrativa muito grave prevista no art. 14 da Lei Orgânica de Pro-teção da Saúde e da Luta contra a Dopagem no Desporte.

A sanção das condutas de quem põe em perigo com o consentimento do atleta a saúde deste último, e inclusive a justificação da sanção administrativa para o desportista que se dopa – autodopagem –, deve-se ao objetivo deste conjunto normativo, que é manter a prática do esporte limpa de substâncias ou métodos proibidos. Se essas razões bem servem para justificar a irrelevân-cia do consentimento no caso dos desportistas que participam em competições oficiais, já não servem para o caso de atletas amadores, em que a sanção do doping só deveria ter sentido quando não é consentido, por mediar engano ou ausência de informação acerca dos efeitos prejudiciais de uma substância ou método.

Se o esportista empresta seu consentimento à subministração das subs-tâncias dopantes, poderia produzir-se a compensação total de culpas no que diz respeito à responsabilidade civil, ou parcialmente, dependendo do maior ou menor grau de vício no consentimento prestado pelo desportista.

iii.6 descartada a comissão imPrudente

O delito de doping é um delito doloso que exige dois elementos sub-jetivos específicos, se bem que de forma alternativa. Por um lado, exige-se a intenção de aumentar as capacidades físicas do desportista, e, por outro, a in-

40 Reza o art. 13: “Responsabilidade do desportista e seu entorno. 1. Os desportistas se assegurarão de que nenhuma substância proibida se introduza em seu organismo, sendo responsáveis em qualquer caso quando se produza a detecção de sua presença no mesmo. O alcance da responsabilidade será determinado no regime disciplinar que se estabelece no artigo seguinte e, especificamente, o regime de graduação da responsabilidade prevista no art. 19 desta lei. 2. O descumprimento desta obrigação dará lugar à exigência de responsabilidades e à adoção das correspondentes medidas disciplinares, em conformidade e com o alcance previsto nos Convênios Internacionais ratificados pela Espanha e nos arts. 15 e concordantes desta lei. 3. Os desportistas, seus treinadores federativos ou pessoais, gerentes, bem como clubes e equipes desportivas a que esteja vinculado o desportista, responderão pelo descumprimento das obrigações impostas em matéria de localização habitual dos desportistas. 4. Os desportistas, seus treinadores, médicos ou pessoal sanitário, gerentes, dirigentes, bem como os clubes e equipes desportivas, e demais pessoas do entorno do desportista responderão pelo descumprimento das disposições que regulam a obrigação de facilitar aos órgãos competentes informação sobre as enfermidades do desportista, tratamentos médicos ao qual esteja submetido, alcance e responsável pelo tratamento, quando aquele haja autorizado a utilização de tais dados. De igual forma, responderão pelo descumprimento ou infração dos requisitos estabelecidos para a obtenção das autorizações de uso terapêutico”.

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tenção de modificar os resultados das competições. O dolo deve estar referido, por isso, a um desses dois objetivos, e não, portanto, à provocação de um re-sultado lesivo determinado. De qualquer sorte, admite-se como possível o dolo eventual.

Apesar de que o art. 367 preveja a comissão imprudente de determina-dos delitos contra a saúde pública fixar que, se os fatos previstos em todos os artigos anteriores foram realizados por imprudência grave, impor-se-ão, respec-tivamente, as penas inferiores em grau, o citado artigo não é aplicável ao delito de dopagem desportiva. Não obstante, há um setor da doutrina41 que, precisa-mente conforme ao estabelecido no art. 367, admite tanto a forma dolosa como a imprudente no delito. Pelo contrário, Queralt Jiménez mostra-se expressa-mente contrário a tal possibilidade42, acrescentando Morales Prats que a exclu-são do castigo da imprudência no delito de dopagem deriva da existência no art. 361-bis de um elemento subjetivo do injusto, que, formulado em duas hipó-teses alternativas, obriga a inferir que o tipo contempla uma conduta dolosa43.

Certamente o delito de doping esportivo situa-se no art. 361-bis, o que parece afetar o art. 367, que permite a realização por imprudência grave de to-dos os artigos anteriores, entre os que agora se integra o novo preceito, se bem que isso é impossível. O legislador deveria, para evitar equívocos, modificar o art. 367, cuja redação é anterior à incorporação do art. 361-bis e, portanto, não contemple exceção alguma.

Como afirmara na época o Conselho Geral do Poder Judicial em seu Informe ao Anteprojeto da Lei Orgânica antidopagem: “Em todo caso, parece indiscutível que a comissão do tipo delitivo é dolosa”.

Trata-se, por outro lado, de um delito de resultado cortado, pois a con-secução do segundo ato perseguido, aumentar a capacidade física do atleta ou alterar os resultados das competições, não se situa na esfera estrita de domínio do autor do delito, por depender de fatores externos a sua vontade.

iii.7 o resultado Positivo da análise determina a existência de doPagem, mas não quem o realiZou

Por ser o delito de doping desportivo um delito de perigo concreto, exige--se a comprobação dele para sua consumação. É possível, assim, a modalidade tentada. Ora, em verbos como, por exemplo, prescrever, isto é, receitar, nem

41 Entre eles: RODRÍGUEZ NÚÑEZ, Miguel. Derecho penal. Parte especial. Lamarca Pérez (Coord.). 5. ed. Madrid, 2010, p. 504; BELESTÁ SEGURA, Luis. La persecución penal del dopaje en el deporte: el artículo 361 bis del Código Penal. Ob. cit., p. 6; ROCA AGAPITO, Luis. Los nuevos delitos relacionados con el dopaje (Comentario a la reforma del Código Penal llevada a cabo por LO 7/2006, de 21 de noviembre, de protección de la salud y de lucha contra el dopaje en el deporte. Ob. cit. Disponible en: <http://criminet.ugr.es/recpc>.

42 QUERALT JIMÉNEZ, Joan Josep. Derecho penal español. Parte especial. 6. ed. Barcelona, 2010, p. 975. 43 MORALES PRATS, Fermín. Comentarios al Código Penal. Ob. cit., p. 278.

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sequer é necessário que o sujeito ativo possua o objeto ou chegue a entregá--lo ao destinatário; os problemas de prova serão maiores quanto mais distante esteja a ação descrita no verbo de contato material entre a substância e o corpo.

Um problema fundamental de aplicação prática do art. 361-bis do Có-digo Penal coloca-se na prova do delito, posto que habitualmente a notitia criminis neste tipo de ações chega quando se produz um resultado positivo no controle antidoping, havendo-se consumado o delito com anterioridade. Sobre isso deve acrescentar-se a dificuldade que produz a vinculação existente entre o desportista e as pessoas ao seu redor, a maioria com dependência laboral em relação ao sujeito ativo do delito.

Certamente, o delito de doping, por castigar ao entorno do desportista e não o desportista em si, está propenso a problemas de valoração da prova, porquanto há de considerar que serão muitos os casos nos quais a prova in-criminadora será baseada no resultado das análises antidoping e nas próprias declarações do desportista.

O resultado positivo da análise determina a existência da dopagem, mas não quem a realizou, de tal sorte que é possível se deparar unicamente com a declaração do próprio atleta como prova incriminadora da autoria, o que, em princípio, não constitui problema algum, dado que a declaração de uma só tes-temunha pode ser bastante para destruir o princípio de presunção de inocência. Para tanto, o próprio Tribunal Supremo, em uma consolidada jurisprudência, exige três requisitos: a persistência na incriminação, a verossimilhança e a au-sência de elementos de incerteza subjetiva, que são critérios de valoração da veracidade do testemunho44. Em relação a esse último requisito, há de se con-siderar a lei antidoping, que, em seu art. 24, estabelece, como uma das causas de extinção total ou parcial da responsabilidade disciplinar, a colaboração na detecção, localização e disponibilização dos organismos competentes, das pes-soas ou os grupos organizados que subministrem, facilitem ou proporcionem o uso de substâncias ou a utilização de métodos proibidos no desporte por cau-sarem dopagem. O art. 26 desta lei, ainda assim, determina que o desportista possa ficar exonerado parcialmente da responsabilidade administrativa, sem ser submetido a procedimento sancionador, se denuncia às autoridades compe-tentes os autores ou cooperadores, pessoas físicas ou jurídicas, ou coopera e colabora com a administração competente, proporcionando dados essenciais ou testemunhando, neste caso, no procedimento ou processo correspondente contra àqueles.

44 Vide mais extensamente sobre os problemas de valoração da prova o trabalho de CASERO LINARES, Luis; TORRES FERNÁNDEZ, María. Comentarios al art. 361 bis del Código Penal. Revista Aranzadi de Derecho de Deporte y Entretenimiento, n. 21, p. 45 e ss., 2007.

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Como observam Casero Linares e Torres Fernández, a motivação espúria ou interessada na denúncia pode privar de força probatória a declaração do desportista, quando ela se constitui na única prova incriminadora sobre o autor da dopagem, de modo que a finalidade perseguida de colaboração na erradica-ção do fenômeno da dopagem pode voltar-se contra si mesma, e, assim, tornar impunes, por falta de prova, tais condutas no âmbito penal45.

Cortés Bechiarelli utiliza, nestes casos, o termo “desportista delator”, pois o desportista acaba por converter-se em um delator do subministrador da substância dopante, a menos que justifique a ingestão de maneira convincente, autoproclame-se dopado sem intervenção de terceiros ou se negue a declarar. Trata-se, por isso, de incômoda situação processual e, provavelmente, profis-sional, sobretudo se o desportista tiver que denunciar o dono do clube ou da sociedade desportiva46.

iii.8 doPing que se materialiZa em lesões

O delito de dopagem esportiva está estreitamente relacionado com outros delitos, o que conduz à possibilidade, em matéria de concursos, de que se apresentem diversas hipóteses. O caso mais frequente se dará quando o pe-rigo concreto se materialize, causando lesões ou inclusive a morte do sujeito passivo. Nestes casos, não é tarefa fácil determinar o tipo de concurso.

Diferentemente da legislação italiana, que incluiu no art. 9.1 da Lei nº 376/2000 uma cláusula de subsidiariedade expressa, segundo a qual, “salvo que o fato constitua um delito mais grave...”, o art. 361-bis do Código Penal espanhol não contempla uma cláusula concursal específica. Na falta de uma previsão expressa nos casos em que a utilização das substâncias ou os méto-dos proibidos ocasionem um dano à saúde ou à vida, deverá operar, segundo um setor da doutrina47, o princípio de consunção ou absorção ex art. 8.3. Pelo contrário, para Nieto Martín, as lesões apenas são puníveis se a conduta típica é realizada por um terceiro. Desse modo, a participação mediante a subminis-tração, a oferta, a facilitação ou a prescrição de uma substância proibida que o desportista, de um modo responsável, se administra e que lhe causa lesões, não seria constitutiva de delito. Inclusive naqueles casos em que é um terceiro quem, por exemplo, injeta a substância, resulta discutível dado que o despor-tista tem o domínio do fato de que sua conduta possa ser considerada típica aos efeitos do delito de lesões. Com maior razão ainda será difícil apreciar em bastantes casos, embora o resultado lesivo se produza, lesões imprudentes, pois

45 CASERO LINARES, Luis; TORRES FERNÁNDEZ, María. Comentarios al art. 361 bis del Código Penal. Revista Aranzadi de Derecho de Deporte y Entretenimiento, n. 21, p. 46, 2007.

46 CORTÉS BECHIARELLI, Emilio. El delito de dopaje. Valencia, 2007, p. 149.47 Assim defende, entre outros, MORALES PRATS, Fermín. Comentarios al Código penal. Ob. cit., p. 279.

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aos anteriores argumentos soma-se também o argumento de que, em determina-das ocasiões, se estaria diante de autocolocações em perigo, que eliminariam, portanto, a imputação objetiva. Deste modo, os casos de concurso se produ-ziriam quando o desportista se encontra numa situação em que desconhece a nocividade do produto e os efeitos prejudiciais que pode ocasionar sobre sua saúde, caso em que o terceiro realiza o delito de lesões doloso por autoria me-diata ou bem poderia imputar-se a lesão imprudente. Com base nos argumentos anteriormente expostos, o autor citado entende que para resolver este concurso haverá que se recorrer ao princípio da alternatividade (art. 8.4)48.

Não obstante, majoritariamente na doutrina se defende que, nos casos de lesão individual da vida ou da saúde, deverá recorrer-se à técnica do concurso ideal de delitos, com os tipos de homicídio e lesões, dolosos ou imprudentes, consentidos ou não49. Rey Huidobro considera, pelo contrário, que, nesses ca-sos, deve apreciar-se um concurso real de delitos50.

Perfeitamente poderia trasladar-se a este âmbito a polêmica suscitada no tratamento concursal entre resultados lesivos e resultados de perigo no âmbito laboral, por não ser infrequente que, em decorrência dos acidentes de trabalho ocasionados por faltas de medidas de segurança, percam a vida ou resultem feridos os trabalhadores. Trata-se, em definitivo, de resolver os casos nos quais concorrem duas sequências. Primeira, a omissão das normas de prevenção, criando, com isso, um grave perigo para a vida, saúde ou integridade física dos trabalhadores (art. 316) e, segunda, a materialização do perigo, falecendo ou resultando ferido o trabalhador ou trabalhadores (arts. 142 e 152 do CP).

Existem três soluções que vêm sendo propostas pela doutrina. A primeira consiste em considerar que o delito contra a saúde ou contra a vida absorve o delito de perigo em todo caso e que se trata, por conseguinte, de um concurso de leis. Defensor dessa primeira solução é Lascuraín Sánchez, que entende que quando ademais da infração normativa e do a ela aderido resultado de perigo extremo, se produza um resultado de morte ou lesões, os tipos de homicídio ou lesões imprudentes substituirão os delitos contra a segurança do trabalho – concurso de normas –, devido a que acrescentem ao desvalor destes últimos o específico de resultado que lhes caracteriza. Exceção à regra anterior – que é de consunção (art. 8.3) – seriam os casos nos quais o resultado lesivo é leve e a pena do delito de perigo é superior à do delito de lesão. Neles deve entender-se

48 NIETO MARTÍN, Adán. Comentarios al Código Penal. Madrid, 2007, p. 797 e 798.49 Vide, por todos: CADENA SERRANO, Fidel. El derecho penal y el deporte. Especial referencia a la violencia y

al dopaje. In: Estudios Penales y Criminológicos, n. 27, p. 132, 2007.50 REY HUIDOBRO, Luis. Repercusiones penales del dopaje deportivo. Revista Jurídica de Deporte y

Entretenimiento, n. 16, p. 102, 2006-1.

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que só o recurso ao concurso de delitos é capaz de absorver todo o desvalor do comportamento51.

A segunda solução consiste em considerar que o delito contra a saúde ou contra a vida unicamente absorve o delito de perigo previamente cometido quando o trabalhador lesionado era o único que se encontrava na situação de risco, de maneira que não cabe sancionar, em concurso com o delito de homicídio ou lesões, um “excedente de risco”. Esta é a posição majoritária na doutrina52, que considera que, quando não todo o perigo criado se materializa em lesão, a solução passa pela aplicação de um concurso ideal de delitos a ser resolvido pelo art. 77 do Código Penal, uma vez que o dano infringido não absorve todo o perigo previamente gerado.

A terceira solução53 considera que, por tratar-se o delito do art. 316 de um delito contra um bem jurídico coletivo, isto é, contra um objeto de proteção autônomo e distinto do interesse individual, deveria aplicar-se, sempre e em todos os casos, um concurso ideal, pois em nenhum caso uma lesão da vida ou saúde humana individual consume a lesão do bem jurídico coletivo vida ou saúde humana. Essa opinião, por outra parte, era a mantida na redação dos distintos Projetos do Código Penal, incluído o Projeto de Código Penal de 1994, que acrescentavam um parágrafo final que estabelecia que as penas aplicáveis ao delito de perigo o serão “sem prejuízo das penas que corresponderem se o resultado sobrevier”. Esse inciso constituía uma novidade na medida em que despejava as dúvidas sobre a possibilidade de estimar o mencionado concurso de delitos.

iii.9 os tiPos agravados

O art. 361-bis, § 2º, contempla três tipos agravados: quando a vítima é menor de idade, quando há emprego de fraude ou intimidação e quando o responsável tenha se prevalecido de uma relação de superioridade laboral ou profissional. Nesses tipos agravados, o legislador previu que a pena se imponha em sua metade superior em relação à assinalada para o tipo básico.

Não previu o legislador solução para o caso em que concorra mais de um tipo agravado. Não obstante, no caso de que concorressem dois casos agra-vados, um deles produziria o efeito de agravar na metade superior e o outro se levaria em conta para a fase de individualização judicial da pena.

51 LASCURAÍN SÁNCHEZ, Juan Antonio. Estudios Penales en Homenaje al Profesor Cobo del Rosal. Madrid, 2005, p. 573 e ss.

52 TERRADILLOS BASOCO, Juan María. La siniestralidad laboral como delito. Albacete, 2006, p. 134.53 Vide VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Los delitos contra los derechos de los trabajadores. Valencia, 2008,

p. 663 e ss.

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a) Vítima menor de idade

O primeiro caso agravado se dará nos casos em que a vítima da dopagem é menor de idade. O legislador considerou, nesse caso, a maior perigosidade da ação devido ao caráter insidioso que ela expressa, por considerar a maior vulnerabilidade da vítima menor de idade. O limite da menoridade, 18 anos, é diverso do prescrito para a qualificação das lesões, 12 anos (art. 148).

Como explica Tornos, bem que se poderia ter acrescentado neste tipo agravado uma referência análoga aos deficientes ou incapazes, os quais, por certo, também desenvolvem atividades desportivas de altíssimo nível competi-tivo, como acontece nos Jogos Paraolímpicos54. O Informe do Conselho Fiscal ao anteprojeto de lei já havia proposto que se agravasse a pena quando a vítima fosse incapaz, e não apenas quando fosse menor de idade. Essa observação, finalmente, não foi levada em consideração na redação definitiva do preceito penal.

b) Emprego de fraude ou intimidação

O segundo tipo agravado, pelo emprego de engano ou intimidação, obe-dece à maior antijuricidade da ação porque deste modo se vicia o consenti-mento do desportista ao qual se subministra a substância dopante. Trata-se de induzir ao erro a vítima – engano – ou ameaçar-lhe com um mal – intimidação.

Tanto o engano como a intimidação devem produzir-se com caráter pré-vio ou concorrente à ação típica do art. 361-bis do Código Penal, e nunca posterior, posto que o desvalor do engano ou a intimidação reside em levar tor-tuosamente o competidor ao consumo não desejado de substâncias proibidas ou ao emprego de métodos ilegais.

A intimidação à qual se refere o tipo agravado deve entender-se como o anúncio de um mal imediato, grave, pessoal, concreto e possível que desperte ou inspire no desportista um sentimento de medo, angústia ou desassossego ante a contingência de um mal real ou imaginário. A não renovação de um contrato devido ao fato de o desportista não consumir substâncias dopantes não seria, por exemplo, constitutivo de intimidação por carecer o mal de imediatez e gravidade, sem prejuízo de que lhe seja aplicável o tipo correspondente de ameaças ou coações55.

54 TORNOS, Agustín. Una aproximación crítica al nuevo delito de dopaje del art. 361 bis del Código penal. In: La Ley Penal, n. 47, p. 31, 2008. No mesmo sentido: ROCA AGAPITO, Luis. Los nuevos delitos relacionados con el dopaje (Comentario a la reforma del Código Penal llevada a cabo por LO 7/2006, de 21 de noviembre, de protección de la salud y de lucha contra el dopaje en el deporte. Ob. cit. Disponible en: <http://criminet.ugr.es/recpc>.

55 Neste sentido, BELESTÁ SEGURA, Luis. La persecución penal del dopaje en el deporte: el artículo 361 bis del Código Penal. Ob. cit., p. 5 e 6.

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Não foi contemplado pelo legislador o emprego de violência física ou vis atrox por parte do sujeito ativo para obrigar o desportista a se dopar. Em caso em que ocorra essa violência física, o problema concursal poderia ser resolvido com a aplicação do delito de coação ou bem do art. 173.1 em concurso ideal com o tipo básico do art. 361-bis do Código Penal.

c) Prevaler-se o culpado de uma relação de superioridade laboral ou profissional

O tipo agravado, por prevalecer-se o culpado de uma relação de superio-ridade laboral ou profissional, limita-se ao autor, ao contemplar uma determina-da relação entre este e o sujeito passivo. O tipo alude àquelas pessoas que, pelo vínculo laboral que une o desportista a elas em uma relação de hierarquia ou supremacia, ao menos de facto, ou por sua profissão, é-lhes exigido um maior cuidado na evitação daquelas condutas, não bastando que exista esta relação, senão que haja o “prevalecimento”, questão que sempre é de difícil compro-vação, pois requer que essa relação de superioridade seja a que precisamente se use como método ou meio para obter o consentimento do desportista em relação ao uso da substância dopante.

Esse tipo agravado relaciona-se, em parte, com a agravante genérica de abuso de superioridade do art. 22.2ª do Código Penal, pelo qual restaria absorvido.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaConflito de Competência nº 132.438 – RJ (2014/0031220‑4)Relator: Ministro Sidnei BenetiSuscitante: Confederação Brasileira de FutebolAdvogado: Alfredo Zucca Neto e outro(s)Suscitado: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJSuscitado: Juízo de Direito da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo/SPSuscitado: Juízo de Direito do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Rio de Janeiro/RJInteres.: Luiz Paulo Pieruccetti MarquesAdvogado: Luiz Paulo Pieruccetti Marques (em causa própria) e outroInteres.: Artur Monteiro VieiraAdvogado: Daniel Amorim Assumpção Neves e outro(s)Interes.: ABC – Associação Brasileira do ConsumidorAdvogado: Rodrigo Rodrigues de Castro e outro(s)Interes.: Bruno Henrique CapeloAdvogado: Bruno Henriques Capelo (em causa própria) e outroInteres.: Daniel Jose de SouzaAdvogado: Jonathan Celso Rodrigues FerreiraInteres.: Ricardo Santos Moraes de BurgosAdvogado: Breitner de Oliveira Martins e outro(s)Interes.: Renato Mota de AvoInteres.: Mario Artemio UrcheiAdvogado: Rivadavio Anadão de Oliveira GuassuInteres.: Delmiro Aparecido GoveiaAdvogado: Delmiro Aparecido Goveia (em causa própria)Interes.: Cristiano Abdanur São BentoAdvogado: Cristiano Abdanur São Bento (em causa própria)Interes.: Renato de Britto AzevedoAdvogado: Maria de Fatima de Lauri Gonçalves RibeiroInteres.: Victor Campos

ementaCONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA – PROCESSOS VÁRIOS AJUIZADOS EM JUÍZOS E JUIZADOS ESPECIAIS DIVERSOS, EM DIFERENTES FOROS DO TERRITÓRIO NACIONAL, POR TORCEDORES, CLUBE OU ENTIDADES E INSTITUIÇÕES DIVERSAS, CENTRADAS NO MESMO LITÍGIO, A RESPEITO DA VALIDADE DE ACÓRDÃO PROFERIDO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA – STJD – COM CONSEQUÊNCIAS DIRETAS SOBRE CAMPEONATO ESPORTIVO DE CARÁTER NACIONAL, ORGANIZADO PELA CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE

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FUTEBOL – DECISÕES COLIDENTES QUANTO A LIMINARES – MATÉRIA DE ABRANGÊNCIA NACIONAL – CONEXÃO EVIDENTE ENTRE AS AÇÕES CONTIDAS NOS DIVERSOS PROCESSOS – COMPETÊNCIA DO FORO DO LOCAL EM QUE SITUADA A SEDE DA ENTIDADE RESPONSÁVEL PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA ANTE A PREVALÊNCIA, DE ORDEM PÚBLICA DEVIDO AO CARÁTER NACIONAL, DO FORO DO DOMICÍLIO DO RÉU – PREVENÇÃO DA VARA EM QUE AJUIZADO O PRIMEIRO PROCESSO – EFEITOS DA CITAÇÃO QUE RETROAGEM À DATA DA DISTRIBUIÇÃO DO PROCESSO – COMPETÊNCIA DE JUIZADO ESPECIAL DO TORCEDOR AFASTADA – CONFLITO DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA 2ª VARA CÍVEL DO RIO DE JANEIRO/RJ

1. É competente o Juízo do local em que situada a sede da entidade or-ganizadora de campeonato esportivo de caráter nacional para todos os processos de ações ajuizadas em vários Juízos e Juizados Especiais, situa-dos em lugares diversos do país, questionando a mesma matéria central, relativa à validade e à execução de decisões da Justiça Desportiva, visto que a entidade esportiva de caráter nacional, responsável, individual ou conjuntamente com quaisquer outras entidades, pela organização (no caso, a CBF), deve, necessariamente, inclusive por decisão de ofício, in-tegrar o polo passivo das demandas, sob pena de não vir ela ser atingida pelos efeitos subjetivos da coisa julgada, e de tornar-se o julgado despro-vido de efetividade.

2. No caso, considerando-se que a CBF é parte necessária nos processos em que se questionam decisões da Justiça Desportiva, por ela organiza-da, devem eles ser propostos no foro “onde está a sede” daquela pessoa jurídica (CPC, art. 100, IV, a), e sua sede situa-se no âmbito geográfico da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro e, na divisão judiciária desta, no Foro Regional da Barra da Tijuca.

3. Constitui matéria de interesse público, ante a necessidade de evitar a dispersão jurisdicional, que atrasaria a prestação jurisdicional e criaria insegurança jurídica, devido à possibilidade de decisões contraditórias, a determinação da competência de Juízo único para ajuizamentos plúri-mos de processos por torcedores, clubes, entidades e instituições, inclu-sive o Ministério Público e a Defensoria Pública, de forma pulverizada, em todo o território nacional.

4. A fixação do Juízo territorialmente competente dá-se pelo critério do foro do local da sede da entidade nacional ré, organizadora, individual ou conjunto com outras entidades, a qual deve necessariamente ser acio-nada, foro esse decorrente da previsão do art. 94 do Código de Processo Civil, para todas as ações relativas a julgamentos por órgãos da Justiça Desportiva, referentes a certames de caráter nacional por ela promovi-dos, determinando-se, por isso, a competência do Juízo do local da sede dessa entidade, ou seja, da Distrital da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro,

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entre cujas Varas determina-se a competência, por prevenção, pela data da distribuição, a que retroage a data da citação.

5. Afasta-se a competência de outros Juízos e Juizados, Especiais Cíveis, inclusive do Juizado do Torcedor, Adjunto à 2ª Vara da Regional da Ilha do Governador/RJ (Resolução TJRJ-OE 20;21).

6. Os arts. 3º da Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) e 101, I, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) não prevalecem como fundamento para o ajuizamento pelo torcedor, em seu próprio domicí-lio, de ação judicial questionando a validade de decisões proferidas pela Justiça Desportiva, órgão da Confederação Brasileira de Desportos – CBF cuja sede se situa na Cidade do Rio de Janeiro, na área geográfica do Foro da Barra da Tijuca.

7. No caso, entre as Varas do Foro da Barra da Tijuca, tem-se por certo que a primeira distribuição ocorreu perante a 2ª Vara Cível, que, por isso, resulta preventa para os demais acionamentos (CPC, art. 106).

8. Conflito acolhido para declarar a competência do juízo da 2ª Vara Cí-vel do Foro Regional da Barra da Tijuca, ao qual devem incontinenti ser enviados os processos, excetuada a hipótese de extinção, estendendo-se o julgamento do presente Conflito a todas as ações sobre a matéria, ajui-zadas ou que o venham a ser, nos diversos Juízos e Juizados Especiais, da Justiça Estadual ou Federal no país.

acórdão

A Seção, por unanimidade, conhecer do conflito de competência e de-clarou competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca para processar e julgar as ações conexas e todos os todos os processos referentes à controvérsia, ajuizados ou que venham a ajuizar-se, por clubes, entidades, instituições, torcedores – enfim, para todo e qualquer processo em que se trate da matéria relativa ao julgamento da Justiça Desportiva, órgão da Confederação Brasileira de Desportos, referentemente à matéria, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília/DF, 11 de junho de 2014 (data do Julgamento)

Ministro Sidnei Beneti Relator

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relatório

O Exmo Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator):

1. Confederação Brasileira de Futebol suscita Conflito Positivo de Com-petência entre o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ; o Juízo de Direito da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo/SP; e o Juízo de Direito do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Rio de Janeiro/RJ.

2. A CBF narra que tem sido demandada em várias ações judiciais que visam à anulação da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça Despor-tiva – STJD que condenou a Associação Portuguesa de Desportos (Portuguesa) e o Clube de Regatas do Flamengo (Flamengo) à perda de pontos que haviam obtido durante o Campeonato Brasileiro de Futebol de 2013 por conta da esca-lação irregular de atletas, condenação essa que, por via reflexa, alterou a clas-sificação geral do campeonato, com o rebaixamento da Portuguesa à Segunda Divisão.

3. Assevera que essas ações conexas têm sido ajuizadas por diversos tor-cedores perante os mais diversos Juízos, o que têm gerado decisões conflitantes antevendo-se o surgimento de muitas outras.

4. Menciona, a propósito, o conflito entre as decisões concessivas de limi-nar (suspensas pelo TJSP) proferidas pelo Juízo de Direito da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo/SP (nos Autos nºs 1001075-63.2014.8.26.0100; 1002020-50.2014.8.26.0100; 1003112-63.2014.8.26.0100; 1004225-52.2014.8.26.0100; 1006372-51.2014.8.26.0100) e as decisões também liminares concedidas pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ e tam-bém pelo Juízo de Direito do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Even-tos do Rio de Janeiro/RJ que determinaram o cumprimento da decisão do STJD.

5. Menciona, ainda, as decisões proferidas pelo Juízo da 2ª Vara dos Juizados Especiais Cíveis de Vergueiro – São Paulo, que indeferiu a liminar pre-tendida e determinou a citação (Proc. 0000875-26.2014.8.26.0016); pelo Juízo dos Juizados Especiais Cíveis de Mogi das Cruzes/SP, que determinou o adita-mento da inicial (Proc. 0000066-76.2014.8.26.0361); pelo Juízo do Juizado Es-pecial Cível de São José do Rio Preto/SP que concedeu liminar para suspender a decisão o STJD (Proc. 1001374-67.2014.8.26.0576); e também pelo Juízo da 3ª Vara Cível do Foro Regional da Penha em São Paulo/SP, que concedeu liminar (suspensa pelo TJSP) (Proc. 1000553-27.2014.8.26.0006).

6. Sustenta que, no caso, deve prevalecer a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca, porque foi ele “quem primeiro examinou a matéria no Rio do Rio de Janeiro [no Processo

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nº 0000813-89.2014.19.0209], in casu, perante o foro de domicílio da Susci-tante” (fl. 10).

7. Foi deferida liminar, fixando, provisoriamente, a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca (fls. 586/591) com determinação do envio de cópias a todos os Tribunais de Justiça estaduais (fls. 735/736).

8. Contra essa decisão foram interpostos Agravos Regimentais (fls. 756/788 e 793/798) a que se negou provimento por acórdão da 2ª Seção (fls. 811/824 e 1.205 e 1.215).

9. A 42ª Vara Cível do Estado de São Paulo e o Juizado do Torcedor e dos Grandes Eventos prestaram informações (fls. 737/744 e 1.228/1.237).

10. O Ministério Público Federal, em parecer do E. Subprocurador-Geral da República Humberto Jaques de Medeiros, opinou pela fixação da competên-cia perante o Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Rio de Janeiro/RJ, ao argumento de que teria sido no processo em curso perante aquele Juízo que se deu a primeira citação válida (fls. 1.221/1.226).

É o relatório.

voto

O Exmo Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 11. A questão sob julgamen-to nos Conflitos de Competência nºs 132.402, 132.438, 133.244 e na Recla-mação nº 17.806 é essencialmente a mesma, dizendo respeito à determinação da competência jurisdicional entre Juízos da Justiça Comum – não envolvendo, ressalte-se, deslinde de competência ou atribuição entre a Justiça Comum e a Justiça Desportiva (CF, art. 217, §§ 1º e 2º), assunto objeto de volumosa litera-tura jurídica e de prestigiosos precedentes jurisdicionais no Brasil e no exterior.

12. Examina-se, exclusivamente, no âmbito da Jurisdição Estatal nacio-nal, a competência de Juízos estatais integrantes do Poder Judiciário brasileiro. No âmbito do Conflito de Competência em exame, pois, estabelecido entre órgãos jurisdicionais da Justiça Comum, a matéria cinge-se ao aspecto estrita-mente de Direito Processual Civil, matéria regida pelo Código de Processo Civil.

O enfoque processual, relativo a certame de cuja característica nacional pode ensejar eventual acionamento múltiplo, como no caso, que beira a uma centena de processos, deve pautar-se pela necessidade de superar aquilo que Enrico Lubrano denominou “a histórica incerteza do direito acerca da tutela jurisdicional no esporte” (“I Rapporti tra Ordinamento Sportivo ed Ordinamento Statale nella Loro Attuale Configurazione”, em Lineamenti di Diritto Sportivo,

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Org. Leandro Cantamessa, Giovanni Riccio e Giovani Sciancalepore, Giuffè Editore, 2008, p. 19 e ss.).

13. No final do ano de 2013, como foi amplamente divulgado pela Im-prensa especializada, o clube Associação Portuguesa de Desportos, devido à escalação tida por irregular do atleta Heverton na 38ª rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol do mesmo ano, sofreu sanção disciplinar, aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD consistente na perda de quatro pontos, além de multa de R$ 1.000,00.

Com isso, o clube Fluminense, que estava em posição de rebaixamento na série principal do campeonato para o ano seguinte, dela saiu, pois sua clas-sificação subiu do 17ª lugar para a 15ª colocação, ao passo que a Portuguesa desceu da 12ª para a 17ª posição, desclassificando-se para a Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro do ano seguinte e rebaixando-se à Série inferior. Para tanto ainda contribuiu o fato que de que o Clube de Regatas Flamengo, também foi apenado com a perda de quatro pontos.

14. Vários torcedores da Portuguesa, ajuizaram, então, ações judiciais contra a CBF, perante a Justiça Comum do Estado de São Paulo, pleiteando a anulação da decisão do STJD. Na maioria dos casos, as ações têm sido rejeita-das de plano, ao fundamento de que somente poderiam ser ajuizadas e julgadas no âmbito da Justiça Estatal, pelos próprios clubes de futebol prejudicados, não pelos seus torcedores – sem que se possa referir-se, aqui, a eventuais ajuizamen-tos por outras entidades.

15. Consultando-se o andamento do Processo nº 1002020.50.2014.8. 26.0100/SP, movido por torcedor da Portuguesa, no sítio eletrônico do TJSP, verifica-se que nele também foi interposto agravo de instrumento contra a de-cisão concessiva de liminar (AI TJSP 2007934-87.2014.8.26.0000), agravo de instrumento este julgado procedente para extinguir o feito com fundamento na ilegitimidade ativa.

Confira-se a propósito, a ementa do julgado, colhida no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

AGRAVO – ESTATUTO DO TORCEDOR – TUTELA ANTECIPADA – Ação anula-tória movida por torcedor contra a CBF. Antecipação de tutela concedida para o fim de suspender decisão do STJD que puniu a Associação Portuguesa de Despor-tos por escalação irregular de jogador suspenso, com aplicação de multa e perda de pontos. Inconformismo da CBF. Acolhimento. Ação ajuizada pelo torcedor. Reconhecimento da ilegitimidade ativa. Precedentes. Extinção do processo, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Recurso provido.

Essa falta de legitimidade também foi reconhecida em vários julgados do mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo, como se vê nos seguintes acórdãos:

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1º) Estatuto do Torcedor. Ação anulatória de deliberação do STJD da Confe-deração Brasileira de Futebol acerca da validade de partidas com suspeita de manipulação de arbitragem. Demanda proposta por torcedor individualmente. Descabimento.

Indeferimento da petição inicial por ilegitimidade ad causam ativa. Apelação do autor desprovida. (TJSP, 2ª CDPriv., Apelação nº, 9137928-30.2006.8.26.0000, Rel. Des. Fábio Tabosa, DJ 07.12.2011);

2º) Apelação. Ação de indenização por danos materiais e morais. Anulação de partida de futebol por vício de arbitragem. Indeferimento da petição inicial por falta de pressupostos processuais indispensáveis ao prosseguimento da ação. Ile-gitimidade ativa dos Autores. Recurso não provido, embora por outro fundamen-to. (TJSP, 3ª CDPriv., Apelação nº 9159138-69.2008.8.26.0000, Rel. Des. João Pazine Neto);

3º) APELAÇÃO ORDINÁRIA – Pretensão dos autores-apelantes relacionada à im-posição aos réus das sanções previstas no art. 37 do Estatuto do Torcedor (Lei Federal nº 10.671/2003). Causa de pedir que não se fundou em danos concretos sofridos pelos próprios requerentes, mas sim, em violações genéricas ao estatuto do torcedor noticiadas pela imprensa Autores que não podem pleitear, em nome próprio, direitos coletivos lato sensu Ilegitimidade ativa reconhecida Inteligên-cia dos arts. 40 do Estatuto do Torcedor e 81 do CDC Cerceamento de defesa não verificado Decisão Mantida Recurso Improvido. (TJSP, 3ª CDPriv., Apelação nº 9126742-44.2005.8.26.0000, Rel. Des. Egídio Giacoia, DJ 19.01.2011).

16. A extinção da ação que tramitava perante a 42ª Vara Cível de São Paulo implica a extinção parcial do presente conflito de competência, por ausência de interesse de agir. Com efeito, se o processo que tramitava perante aquele Juízo já foi extinto, o conflito positivo de competência apenas persiste em relação aos Juízos do Estado do Rio de Janeiro.

17. Essa circunstância, conquanto represente, ao menos em parte, uma solução prática para o problema suscitado neste conflito de competência, não oferece um critério definitivo para o deslinde de casos análogos já em processa-mento ou em vias de judicialização.

18. Repare-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo extinguiu o feito com fundamento na ilegitimidade da parte e não na incompetência do Juízo pe-rante o qual proposta a ação, questão esta que, sob o ponto de vista decisório, é anterior. Apenas o Juízo competente é que, afinal, poderá validamente, declarar extinto o processo com fundamento na ilegitimidade ativa.

19. Isso significa que a extinção do processo que tramitava perante a 42ª Vara Cível de São Paulo, em última análise, não resolve de forma efetiva a lide, mas apenas torna prejudicado o exame do conflito na parte em que lhe diz respeito.

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20. Assim, considerando que a apenas o enfrentamento do mérito da questão processual posta servirá de baliza segura para solução dos muitos casos análogos em curso neste País, é que se procede à análise da questão por inteiro, de forma mais ampliada.

21. As ações judiciais em exame, umas com o objetivo de anular o acór-dão proferido pelo STJD outras com o objetivo de vê-lo cumprido, tem sido propostas por torcedores dos clubes envolvidos, notadamente da Portuguesa, do Fluminense e do Flamengo, nos foros de seus respectivos domicílios, com amparo em uma interpretação conjunta dos arts. 3º da Lei nº 10.671/2003 (Es-tatuto do Torcedor) e 101, I, do Código de Defesa do Consumidor.

21.1. O primeiro desses dispositivos legais (art. 3º da Lei nº 10.671/2003) equipara as entidades que organizam as competições desportivas a fornecedo-res. Tal equiparação sugere, implicitamente, que os torcedores seriam, a seu turno, equiparados a consumidores para efeito de aplicação do Estatuto do Torcedor. O segundo dos dispositivos legais mencionados (art. 101, I, da Lei nº 8.078/1990) permite aos consumidores ajuizar ação de responsabilidade contra fornecedores de produtos ou serviços nos foros dos seus próprios domi-cílios.

A conjugação desses dois dispositivos constitui o fundamento da pre-tendida permissão a que as ações judiciais em questão fossem ajuizadas pelos torcedores interessados diretamente no foro dos seus domicílios.

21.2 Os dispositivos em comento não encerram, porém, a autorização que neles se pretende enxergar, isto é, não autorizam torcedores a propor as ações em questão diretamente em seus domicílios.

21.3 O art. 3º, da Lei nº 10.671/2003 dispõe o seguinte, verbis: “Para to-dos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competi-ção, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo”.

Nas ações propostas, contudo, os torcedores não visam a direitos pró-prios de consumidor, mas, sim, visam a questionar a decisão do Superior Tri-bunal de Justiça Desportiva, o qual não organiza a competição, nem detém o mando de jogo, de modo que não pode ser considerado fornecedor de serviços para efeito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Nesse sentido já se pronunciou a C. 2ª Seção desta Corte no julgamento do CC 40.721/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, DJ 01.07.2004, de cujo acórdão se extrai a seguinte passagem: Contudo, por ser o Superior Tribunal de Justiça Desportiva, nos termos do art. 52 da Lei nº 9.615/1998, órgão integrante da Jus-tiça Desportiva com competência para processar e julgar as questões previstas nos Códigos da Justiça Desportiva, constata-se que ele não se enquadra nem no

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conceito de fornecedor previsto no art. 3º do CDC nem no conceito de fornece-dor por equiparação previsto no art. 3º do Estatuto do Torcedor.

21.4 Por outro lado, o art. 101, I, da Lei nº 8.078/1990, confere aos con-sumidores a possibilidade de acionar, em seus próprios domicílios, os fornece-dores de serviços ou de produtos quando se tratar de ação de responsabilidade, mas, no caso presente, as ações não veiculam pretensão de responsabilidade civil ou criminal, mas pretensão desconstitutiva de ato jurídico praticado pela Justiça Desportiva, totalmente diversa da responsabilidade civil.

22. Afasta-se, até como evidência que prescinde de demonstração, a ad-missibilidade de multitudinários ajuizamentos de processos espalhados por nu-merosos Juízos, inclusive de Estados diversos, para o deslinde de matéria que, afinal de contas, contém o mesmo núcleo, donde deriva a conexão para todas as ações.

Campeonatos de caráter nacional – a exemplo, aliás, de certames espor-tivos internacionais que se realizem no país sob organização, exclusiva ou con-junta com outras entidades, até mesmo estrangeiras, como as Copas do Mundo ou regionais específicas e os próprios Jogos Olímpicos – submetem-se à neces-sidade de regramento geral e dirimência jurisdicional consistentes e claros, o que só se pode obter mediante a definição de foro competente único para cada certame.

Esse é interesse público, para a atividade esportiva, de relevante impor-tância para todo e qualquer Estado nacional, até porque, como, por todos, na Alemanha, assinala, “a necessidade de serem fornecidas normas esportivas re-sulta do significado social, político e econômico que o esporte como um dos maiores subsistemas sociais obteve na Alemanha” (“Sportrecht”, Org. Frank Fechner e Johannes Arnhold, ed. Mohr Siebeck, Introdução, p. XI).

Afastada a admissibilidade de ajuizamentos plúrimos por torcedores e outros autores, em vários Juízos do território nacional, inclusive em Estados diversos, pulverizando o enfrentamento do núcleo da lide, a fixação do Juízo territorialmente competente se dá pelo critério tradicional previsto no art. 94 do Código de Processo Civil, que estabelece como competente o foro do domicílio do réu.

Esse critério vale também para o clube, participante do certame organi-zado pela entidade desportiva, bem como para outras entidades ou instituições que a respeito do certame venham a ajuizar ações de qualquer natureza, inclu-sive a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança, abrangendo, portanto, ajuizamentos até mesmo realizados pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública.

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23. A competência deve determinar-se em prol da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, porque no seu território sediada a CBF – Confederação Brasileira de Futebol, a quem, em última análise, remonta a organização do campeonato nacional de futebol e a execução das decisões da Justiça Desportiva em causa.

Com efeito, a CBF – Confederação Brasileira de Futebol, necessariamente deve ser acionada, dada a qualidade mencionada. Se não o for, competirá ao Juízo, de ofício, determinar sua integração à lide na qualidade de litisconsorte necessária, para que o julgamento que se profira possa vinculá-la juridicamente (CPC, art. 47, parágrafo único).

Eventual julgamento que se profira em prol de torcedor ou do clube Por-tuguesa de Desportos, para ter efetividade relativamente ao Campeonato Brasi-leiro de Futebol, terá de haver incluído a CBF no polo passivo da relação jurídi-ca processual, sem o que ela não poderá ser atingida pelos efeitos subjetivos da coisa julgada (CPC, art. 472).

Considerando que a CBF é parte necessária em processos referentes a direitos pessoais em que se litigue visando à anulação de julgamento do STJD e à reclassificação do clube Portuguesa de Desportos no Campeonato Brasilei-ro, deve, como pessoa jurídica, ser acionada no foro “onde está a sede” (CPC, art. 100, IV, a), e sua sede situa-se no âmbito geográfico da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro e, na divisão judiciária desta, no Foro Regional da Barra da Tijuca.

No Foro Regional da Barra da Tijuca tem-se por certo que o primeiro acionamento ocorreu perante a 2ª Vara Cível, que, por isso, resulta prevento para os demais acionamentos (CPC, art. 106).

24. Não se desconhecem precedentes da Segunda Seção, referindo-se, como critério determinativo da competência à data da primeira citação válida para solucionar conflitos positivos de competência em casos análogos – mas esses precedentes não se aplicam ao caso, como se verá. Confiram-se, a propó-sito, os precedentes:

CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA – TRÊS DEMANDAS AJUIZADAS EM FOROS DISTINTOS POR CLUBES BUSCANDO INCLUSÃO NA MESMA VAGA PARA DISPUTA DA SÉRIE “C” DO CAMPEONATO BRASILEIRO – PROLAÇÃO DE MEDIDAS LIMINARES COLIDENTES – CONEXÃO INCONTESTE ENTRE AS AÇÕES – PREVENÇÃO DO FORO ONDE OCORREU A PRIMEIRA CITAÇÃO VÁLIDA – INTELIGÊNCIA DO ART. 219 DO CPC – INCIDENTE PARCIALMEN-TE ACOLHIDO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE CAMPINA GRANDE (PB)

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1. Fica plenamente configurado o conflito positivo de competência quando três juízos distintos deliberam sobre pretensão idêntica, gerando a prolação de medi-das liminares colidentes.

2. Diante da evidente conexão entre as ações veiculadas por clubes desportivos vindicando mesma vaga ao certame do Campeonato Brasileiro de Futebol da Série “C”, e tratando-se de hipótese de mera competência territorial, impõe-se a reunião dos processos no foro do juízo onde ocorreu a primeira citação válida (art. 219 do CPC).

3. Eventual questionamento quanto à própria competência territorial do juízo prevento deve ser dirimida em momento posterior, mediante oposição e julga-mento da competente exceção declinatória de foro, a ser oportunamente apre-ciada em primeira instância.

Discussão a esse respeito desborda ao âmbito de cognição instaurado no pre-sente conflito, descabendo a esta Corte Superior manifestar- se sobre o tema, sob pena de manifesta supressão de instância.

4. Conflito conhecido e parcialmente acolhido, para declarar a competência do juízo de Campina Grande (PB).

(CC 122.922/AC, 2ª S., Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 06.12.2013)

Processo civil. Competência. Conflito positivo. Ações que discutem decisões do Superior Tribunal de Justiça Desportiva a respeito do denominado Campeonato Brasileiro de Futebol de 2003. Art. 219 do CPC.

Compete ao Juízo de Direito da 1ª Vara Cível Regional da Barra da Tijuca/RJ apreciar as ações, conexas, propostas em comarcas diversas, tratadas no presente conflito de competências, pois, afastada a incidência do art. 93, II, do CDC, pre-valece a competência do Juízo perante o qual ocorreu a primeira citação válida.

Conflito de competência conhecido e declarada a competência do Juízo de Di-reito da 1ª Vara Cível Regional da Barra da Tijuca/RJ.

(CC 40.721/RJ, 2ª S., Relª Min. Nancy Andrighi, DJ 01.07.2004)

24.1 O primeiro precedente (CC 122.922/AC, Rel. Min. Marco Buzzi) não pode ser transposto ao caso presente, porque, naquele caso, nenhuma das ações havia sido proposta no domicílio da CBF, e, ademais, quando dirimido o conflito de competência, os processos já haviam cumprido longo percurso en-tre os Juízos envolvidos, de modo que a fixação da competência territorial teve de ser estabelecida com observância exclusivamente das regras da prevenção entre Juízos concorrentes, sem possibilidade de cogitar, no caso específico, do Juízo da sede da entidade nacional, de modo que prevaleceu, no caso, o local da primeira citação válida. Nesse sentido a expressiva passagem do voto do E. Ministro Marco Buzzi:

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Ressalta-se que o objeto do presente conflito restringe-se à fixação de competên-cia do juízo prevento por força de conexão.

Dessa forma, cumpre aqui averiguar e definir qual dos três juízos em que ajui-zadas as três ações distintas será o prevento para examiná-las. Até poderia este Tribunal Superior determinar a remessa dos autos para comarca distinta das três, mas desde que fosse o caso de incompetência absoluta delas, hipótese não veri-ficada nos autos.

No conflito de competência ora em análise, afigura-se possível reconhe-cer como competente o Juízo do domicílio da CBF, porque uma das ações foi proposta, de forma acertada, perante um dos Juízos do Foro Regional da Barra da Tijuca.

24.2 No segundo precedente (CC 40.721/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi), por outro lado, não foi necessário, na fundamentação do julgado, recorrer ao critério da competência territorial do domicílio do réu, porque a primeira cita-ção válida, por coincidência, já havia ocorrido exatamente no Juízo da 1ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ onde se situa a sede da CBF, o qual foi declarado como competente para julgar os processos conexos.

25. A competência estabelecida, pelo Código de Processo Civil em razão do foro do domicílio do réu (art. 94), que, no caso, se situa no âmbito geográfi-co da Barra da Tijuca, local em que situada a sede da CBF, essa competência, repita-se, não cede nem mesmo em prol do Juizado Especial do Torcedor – que, em verdade, pela organização judiciária do Estado do Rio de janeiro, consiste em Adjunto de uma das Varas, ou seja, a 2ª Vara, da Regional da Ilha do Gover-nador (cf. Resolução TJ-RJ/OE 20/201), ante os seguintes fundamentos:

a) A competência de Vara Cível, unidade jurisdicional ordinária na Organização Judiciária em geral, não pode ceder diante da compe-tência de Juizado Especial, integrante, por mais especializado que seja, de micro-sistema na organização judiciária, ainda mais quan-do não dotado de previsão judiciária estabelecida pela Lei de Orga-nização Judiciária, mas apenas adjunto a uma das Varas Regionais, cuja competência tenha sido separada por Resolução do Tribunal (e não por Lei Estadual).

b) A dificuldade sistemática não se supera pelo fato de o Juizado Es-pecial do Torcedor em causa haver sido criado em obediência ao art. 41-A, da Lei nº 10.671/2003, com a redação da Lei nº 12.299/2010, pois, de qualquer forma, sempre se tratará de órgão jurisdicional adjunto, instituído por Resolução do Tribunal de Justi-ça, e não por Lei de Organização Judiciária Estadual.

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c) Quando concorrem, no deslinde de competência, Vara Cível, que é o mais, de competência mais ampla, com procedimento regido pelo Código de Processo Civil, e Juizado Especial, de competência me-nor, com procedimento regido pela Lei nº 9.099/1995, prevalece a competência da primeira, porque a competência deste, do Juizado Especial, menos ampla, cabe na da Vara Cível, pena de o contrário significar submissão de órgão jurisdicional de maior amplitude ao de menor envergadura jurisdicional, com previsíveis questões sub-sequentes de ajustamento de atos processuais, abrindo-se ensejo, inclusive, ao inevitável incidente de questionamento de competên-cia recursal, no Juizado perante Colégio Recursal, e não perante o próprio Tribunal de Justiça.

d) O Juizado Especial em causa não se situa nos limites territoriais do foro de domicílio do réu, assim entendido o local da sede da enti-dade, de modo que, a rigor, haveria maior dificuldade para todos os participantes do processo e para o próprio Juízo, se deslocada a competência para a Ilha do Governador – em que situado, como Adjunto de Vara Cível, o Juizado Especial.

e) O núcleo da controvérsia em causa não diz respeito, primariamen-te, a torcedor, mas, sim, e ao contrário, a acionamento do próprio clube participante de certame (a Associação Portuguesa de Despor-tos) e a entidade organizadora e patrocinadora do evento (a Confe-deração Brasileira de Desportos), vindo, após, as ações movidas por torcedores, em diversas Varas e Juizados Especiais, ao mesmo Juízo devido à vis atractiva” do núcleo central da controvérsia – nutrida, repita-se, entre o clube e a entidade organizadora do campeonato acionada – não fazendo sentido julgar pelo contrário, isto é, que o acionamento do Clube – que se ajuizou, aliás, em Vara Cível e não em Juizado Especial, – fosse arrastado a Juizado Especial em virtude de acionamento por torcedores.

f) Atente-se a que a submissão da controvérsia, de grandes dimen-sões ao abranger conflito com cerca de uma centena de jurisdições nacionais, muitas das quais Varas Cíveis regulares da organização judiciária de diferentes Estados e não Juizados Especiais Cíveis, viria a criar dificuldades insuperáveis de harmonização de lei processual de regência (sistema geral do Código de Processo Civil, com seus recursos, inclusive para os Tribunais Superiores, ou Lei de Juizados Especiais Cíveis, micro-sistema com limitações recursais que lhes são de rigor), de maneira que, ao final, a controvérsia, em lugar de resolver-se, tenderia à perenização em infindável messe de inciden-tes processuais, especialmente recursais.

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26. Não entram na determinação da competência em exame a anterio-ridade ou não de datas de ajuizamento (a que retroagem as datas de citações válidas) entre a 2ª Vara Cível da Barra da Tijuca, determinada como Juízo pro-visório, e a do Juizado Especial do Torcedor – Adjunto à 2ª Vara da Ilha do Governador – visto que a dirimência do conflito dá-se em função da própria competência material de ambas as unidades jurisdicionais, com prevalência da primeira, como acima exposto.

27. Pelo exposto, nos termos do art. 120, parágrafo único, do Código de Processo Civil, conhece-se do Conflito e declara-se o Juízo da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca competente para processar e julgar as ações conexas e todos os todos os processos referentes à controvérsia, ajuizados ou que venham a ajuizar-se em qualquer dos Juízos ou Juizados Especiais, estaduais ou federais, por clubes, entidades, instituições, torcedores – enfim, competente para todo e qualquer processo em que se trate da matéria relativa ao julgamento da Justiça Desportiva, órgão da Confederação Brasileira de Desportos, referen-temente ao litígio em causa.

Ministro Sidnei Beneti Relator

certidão de Julgamento segunda seção

Número Registro: 2014/0031220-4 Processo Eletrônico CC 132.438/RJ

Números Origem: 00000667620148260361 00004406420148190207 00004417820148260296 00007852620148260016 00008138920148190209 00047694420144013800 10005532720148260006 10010756320148260100 10013746720148260576 10020205020148260100 10029571820148260114 10031126320148260100 10042255220148260100 10063725120148260100 20057497620148260000 20079348720148260000 20158074120148260000 20158610720148260000 20158853520148260000 4406420148190207 4417820148260296 47694420144013800 667620148260361 7852620148260016 8138920148190209

Pauta: 11.06.2014 Julgado: 11.06.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Sidnei Beneti

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

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Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Washington Bolívar de Britto Júnior

Secretária: Belª Ana Elisa de Almeida Kirjner

autuação

Suscitante: Confederação Brasileira de Futebol

Advogado: Alfredo Zucca Neto e outro(s)

Suscitado: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ

Suscitado: Juízo de Direito da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo/SP

Suscitado: Juízo de Direito do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Rio de Janeiro/RJ

Interes.: Luiz Paulo Pieruccetti Marques

Advogado: Luiz Paulo Pieruccetti Marques (em causa própria) e outro

Interes.: Artur Monteiro Vieira

Advogado: Daniel Amorim Assumpção Neves e outro(s)

Interes.: ABC – Associação Brasileira do Consumidor

Advogado: Rodrigo Rodrigues de Castro e outro(s)

Interes.: Bruno Henrique Capelo

Advogado: Bruno Henriques Capelo (em causa própria) e outro

Interes.: Daniel Jose de Souza

Advogado: Jonathan Celso Rodrigues Ferreira

Interes.: Ricardo Santos Moraes de Burgos

Advogado: Breitner de Oliveira Martins e outro(s)

Interes.: Renato Mota de Avo

Interes.: Mario Artemio Urchei

Advogado: Rivadavio Anadão de Oliveira Guassu

Interes.: Delmiro Aparecido Goveia

Advogado: Delmiro Aparecido Goveia (em causa própria)

Interes.: Cristiano Abdanur São Bento

Advogado: Cristiano Abdanur São Bento (em causa própria)

Interes.: Renato de Britto Azevedo

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Advogado: Maria de Fatima de Lauri Gonçalves Ribeiro

Interes.: Victor Campos

Assunto: Direito do Consumidor

certidão

Certifico que a egrégia Segunda Seção, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito de competência e declarou competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca competente para processar e julgar as ações conexas e todos os todos os processos referentes à controvérsia, ajuizados ou que venham a ajuizar-se, por clubes, entidades, instituições, torcedores – enfim, para todo e qualquer processo em que se trate da matéria relativa ao julgamento da Justiça Desportiva, órgão da Confederação Brasileira de Desportos, referentemente à matéria, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Superior do TrabalhoProcesso nº TST‑AIRR‑431‑83.2010.5.15.0020Acórdão6ª TurmaACV/PC

AGRAVO DE INSTRUMENTO – LEI PELÉ – ÔNUS DA PROVA – INICIATIVA DA RESCISÃO DE CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO – MULTA – DESPROVIMENTO – DIANTE DO ÓBICE DAS SÚMULAS NºS 126, 296 E 337, I, A, DESTA C. CORTE E DA AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS DISPOSITIVOS INVOCADOS, NÃO HÁ COMO ADMITIR O RECURSO DE REVISTA – AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR-431-83.2010.5.15.0020, em que é Agravan-te Fernando Wellington Oliveira de Mendonça e Agravada Americana Futebol Ltda.

Agravo de instrumento interposto com o fim de reformar o r. despacho que denegou seguimento ao recurso de revista.

Houve apresentação de contraminuta e de contrarrazões.

O d. Ministério Público do Trabalho não emitiu parecer.

É o relatório.

voto

I – CONHECIMENTO

Conheço do agravo de instrumento, uma vez que se encontra regular e tempestivo.

II – MÉRITO

atleta. ônus da Prova. iniciativa da rescisão de contrato Por PraZo determinado. multa

Eis o entendimento do eg. TRT sobre a questão:

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“A MM. magistrada sentenciante houve por bem em rejeitar os referidos pedidos postulados na presente ação, sob os precisos fundamentos explicitados na r. sen-tença, os quais merecem destaque e transcrição:

‘Verbas rescisórias

O TRCT juntado a fls. 90, subscrito pelo reclamante, atesta o pagamento dos títulos rescisórios lá descritos. Referida quitação foi corroborada pela declara-ção de fls. 95 escrita de próprio punho pelo requerente.

Conquanto o autor tenha impugnado os referidos documentos, ao argumento de que teria sido coagido pela ré a subscrevê-los e que recebeu apenas parte da rescisão, não logrou comprovar a sua versão dos fatos a contento.

De notar que a testemunha inquirida não confirmou o depoimento pessoal do autor, porquanto afirmou ter subscrito o termo de extinção do contrato de trabalho quando de sua admissão, situação que não mantém similitude com o relato inicial.

Por não infirmada por prova eficaz em contrário, prevalece a quitação con-substanciada a fls. 90, ratificada pelo postulante a fls. 95.’

(Omissis)

‘Multa do art. 479 da CLT/Multa contratual/Cláusula penal

Aduz o autor que a ré procedeu à rescisão antecipada do contrato de tra-balho, razão pela qual pretende a aplicação das penalidades previstas no art. 479 da CLT e nas cláusulas 8.1 e 8.2 do contrato de trabalho, bem como cláusula penal lá estipulada.

Não há como acolher a pretensão, tendo em vista que o termo de extinção de contrato de trabalho juntado às fls. 91/92, devidamente subscrito pelo recla-mante, consigna expressamente que este manifestou interesse em desligar-se da reclamada, que consentiu com a ruptura antecipada do contrato em 10 dias.

De ponderar que o requerente não fez menção ao termo de extinção do con-trato de trabalho em sua petição de ingresso, não tendo denunciado eventual vício de consentimento na subscrição do documento.

A testemunha inquirida, de outra parte, não se mostrou apta a convalidar a versão dos fatos descrita em depoimento pessoal pelo autor, já que afirmou ter assinado o termo de extinção de contrato de trabalho no momento de sua admissão, versão divorciada da descrita pelo autor em depoimento.

Pelo exposto, não procedem as pretensões.

Indenização por danos morais

Restou comprovado nos autos que o contrato de trabalho foi rompido anteci-padamente para atender ao interesse do autor, com o qual a ré não se opôs. É o que se depreende do documento juntado às fls. 91/92, não informado por prova em contrário.

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RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ����������������������������������������������������������������145

Diante disso, tem-se por injustificada a reparação pretendida.’

Não obstante o brilhantismo com que foram solvidas as matérias em debate, ouso divergir da r. decisão monocrática no que tange ao pagamento das verbas rescisórias postuladas na prefacial.

Pois bem, entendeu o Juízo de origem que a declaração de fl. 95, escrita de pró-prio punho pelo recorrente, corrobora a quitação dos haveres rescisórios discri-minados no TRCT de fl. 90, devidamente assinado pelo recorrente.

Ocorre que a declaração de fl. 95 foi produzida e subscrita pelo recorrente em data coincidente com a rescisão antecipada do contrato de emprego por prazo determinado firmado entre as partes, ou seja, 28.04.2009, e a data de recebimen-to das verbas rescisórias que consta no TRCT de fl. 90 é 29.07.2009, isto é, três meses após a ruptura contratual levada a efeito.

E, como bem invocado pelo recorrente, não há nos autos qualquer documento comprobatório do pagamento dos títulos rescisórios elencados no referido TRCT, o que seria de rigor, não se desincumbindo a recorrida do ônus probatório que lhe competia a respeito (art. 818 da CLT c/c art. 333, II, do CPC).

De se ressaltar, entretanto, que o recorrente, em seu depoimento pessoal, con-firmou o recebimento tão somente do saldo salarial relativo ao mês de abril de 2009, no importe líquido de R$ 4.000,00 (fl. 42).

De outra parte, em relação às multas decorrentes da ruptura contratual, nenhum reparo merece o capítulo da sentença retro transcrito que tratou sobre o tema.

Com efeito, não há como fornecer a credibilidade necessária ao depoimento prestado pela única testemunha inquirida nos autos, a trazida pelo próprio recor-rente, a fim de embasar a procedência dos pedidos em questão, já que se revela nítido o seu intuito único de apenas beneficiá-lo, pois as declarações proferidas por ela em relação aos moldes em que se deu a extinção antecipada do contrato de emprego sequer foram noticiadas pelo autor em prefacial, muito menos em seu depoimento pessoal, não possuindo, portanto, isenção de ânimo para depor.

Ora, era do recorrente o ônus de comprovar o fato constitutivo dos direitos ora perseguidos, nos termos do art. 818 da CLT c/c art. 333, I, do CPC.

No entanto, diante da fragilidade da prova oral produzida e da eficácia proba-tória da prova documental encartada com a peça defensiva (mais precisamente o termo de ruptura contratual de fls. 91/92), que em nenhum momento restou enfraquecida ou maculada, de se concluir que o recorrente não se desvencilhou do encargo processual que lhe cabia.

De modo que não há como acolher a pretensão recursal referente à multa con-tratual, à multa disposta no art. 479 da CLT e à cláusula penal, motivo pelo qual mantenho o julgado de origem, no particular, por seus próprios fundamentos.

Por via de consequência, diante do quanto decidido, não há falar em indeniza-ção por dano moral, eis que a força probante do documento de fls. 91/92 não restou infirmada por prova em contrário. Demais, em suas razões recursais, vem o recorrente invocar causa de pedir diversa da explicitada na peça proemial a

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amparar a indenização pretendida, inovando a lide, o que não pode ser permiti-do, diante do princípio da estabilização da demanda.

Portanto, dou parcial provimento ao apelo do autor para condenar a recorrida ao pagamento do salário trezeno proporcional e das férias proporcionais acrescidas do terço constitucional especificados no TRCT de fl. 90.”

Nas razões do recurso de revista, o reclamante sustenta ser devida a mul-ta da cláusula penal tratada no art. 28 da Lei nº 9.615/1998, e a do art. 479 da CLT, ao fundamento de que a iniciativa da ruptura do contrato partiu da recla-mada, sendo o vício de consentimento ventilado na primeira oportunidade em que teve acesso ao documento. Aponta violação dos arts. 9º e 479 da CLT e 28, caput e parágrafos, da Lei nº 9.615/1998.

O eg. Tribunal Regional entendeu, com relação ao vício na ruptura con-tratual, que não há como fornecer a credibilidade necessária ao depoimento prestado pela única testemunha inquirida nos autos, trazida pelo próprio re-clamante, a fim de embasar a procedência dos pedidos em questão, já que se revela nítido o seu intuito único de apenas beneficiá-lo, pois as declarações proferidas por ela em relação aos moldes em que se deu a extinção antecipa-da do contrato de emprego sequer foram noticiadas pelo autor na inicial, não possuindo, portanto, isenção de ânimo para depor. Nessa esteira, consignou que o reclamante não se desincumbiu do ônus de comprovar o fato constitutivo do direito perseguido, já que não foi desconstituída a força probante do termo de ruptura contratual apresentado pela reclamada, de iniciativa do reclamante.

O contexto delineado pelo eg. Tribunal Regional não permite verificar fraude a direitos trabalhistas, de forma que é indevido o pagamento de multa pela rescisão. Permanecem intactos os arts. 9º e 479 da CLT.

Foi afirmado ainda que a rescisão do contrato se deu por iniciativa do reclamante, circunstância que não lhe confere direito à cláusula penal do art. 28 da Lei nº 9.615/1998. Somente quando a rescisão antecipada se dá por iniciativa do empregador que é devida ao atleta a multa prevista no art. 31 da referida lei, nos termos do art. 479 da CLT. Intacto o art. 28, caput e parágrafos, da Lei nº 9.615/1998.

Nesse sentido:

“RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA – ACÓRDÃO EMBAR-GADO PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 11.496/2007 – CLÁUSULA PENAL – LEI PELÉ – RESCISÃO ANTECIPADA DO CONTRATO POR INICIATIVA DA ENTIDADE DESPORTIVA – INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA DA NORMA – Esta Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST já se debruçou sobre a matéria, cuja relevância e complexidade exigiram percuciente estudo, decidindo no sentido de que a cláusula penal, prevista no art. 28 da Lei nº 9.615/1998, se destina a indenizar a entidade desportiva, em caso de extinção contratual por ini-

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ciativa do empregado, em razão do investimento feito no atleta. Na hipótese de rescisão antecipada do contrato, por parte do empregador, cabe ao atleta a multa rescisória referida no art. 31 do mesmo diploma legal, na forma estabelecida no art. 479 da CLT. Precedentes da SDI-I/TST. Recurso de embargos conhecido e não provido.” (E-RR – 190500-95.2007.5.12.0041, Relª Min. Rosa Maria Weber, Data de Julgamento: 15.09.2011, Subseção I Especializada em Dissídios Indivi-duais, Data de Publicação: DEJT 23.09.2011)

Os arestos oriundos do eg. TRT da 3ª Região trazidos a confronto são inespecíficos, a teor da Súmula nº 296/TST, pois tratam de casos em que a ini-ciativa da ruptura contratual foi do empregador.

Os demais arestos esbarram no óbice da Súmula nº 337, I, a, desta c. Corte, por estarem desacompanhados da fonte oficial de publicação.

Nego provimento.

isto Posto

Acordam os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento.

Brasília, 30 de abril de 2014.

Firmado por assinatura eletrônica (Lei nº 11.419/2006) Aloysio Corrêa da Veiga Ministro Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos TerritóriosÓrgão: 6ª Turma CívelClasse: ApelaçãoNº processo: 20130110832755APC(0021414‑31.2013.8.07.0001)Apelante(s): Federation Internationale de Football Association – FIFAApelado(s): Felipe GuthsRelatora: Desembargadora Ana CantarinoRevisor: Desembargador Jair SoaresAcórdão nº 802298

ementa

APELAÇÃO CÍVEL – COPA DAS CONFEDERAÇÕES – FIFA – REGRA PARA TRANSFERÊNCIA DE INGRESSOS – ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA

1. O Código de Defesa do prevê a nulidade de pleno direito de cláusulas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exage-rada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

2. A vedação da transferência de ingressos, mesmo mediante comple-mentação do valor, mostra-se abusiva.

3. Em razão princípio da causalidade, a parte que deu causa ao proces-so deve arcar com o pagamento das custas processuais e honorários da parte adversa.

4. Nas causas de pequeno valor, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendido o grau de zelo do profissional; o lugar de prestação do serviço; a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

5. Recurso conhecido e provido parcialmente.

acórdão

Acordam os Senhores Desembargadores da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Ana Cantarino – Relatora, Jair Soares – Revisor, José Divino – 1º Vogal, sob a presidência do Senhor Desembargador Jair Soares, em proferir a seguinte decisão: conhecido.

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Provido parcialmente. maioria, vencido o primeiro vogal, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília/DF, 9 de Julho de 2014.

Documento assinado eletronicamente Ana Cantarino Relatora

relatório

Trata-se de recurso contra sentença que, nos autos da ação de obriga-ção de fazer, julgou procedente o pedido para, confirmando a antecipação de tutela, condenar a ré, ora apelante, a transferir definitivamente o ingresso Ca-tegoria 2, para a partida de abertura da Copa das Confederações da FIFA Brasil 2013, adquirido por R$ 95,00, o qual seria utilizado por Edi Domencio Nardini, para o Sr. Guilherme Meirelles da Mota de Figueiredo Gaudêncio. Condenou a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais).

Preliminarmente, defende a inexistência de interesse de agir, diante da perda do objeto, tendo em vista que as partes firmaram acordo, onde o apelado deu quitação plena à apelante.

No mérito, sustenta que todas as atividades operacionais do processo de venda de ingressos estão em conformidade com os acordos firmados entre a FIFA e o governo federal. Defende que a transferência de ingressos somente pode ser feita para alguém que goze do mesmo privilégio. Assim, no caso em comento, tendo em vista que o ingresso foi adquirido para pessoa idosa, somen-te poderia ser transferido para quem comprovasse a mesma condição.

Por fim, sustenta ser descabido o pagamento de custas processuais e ho-norários advocatícios, tendo em vista que quem deu causa ao ajuizamento da demanda foi o próprio apelado, uma vez que a apelante agiu em estrita confor-midade com a Política de Transferência e Revenda de ingressos.

Alternativamente, pugna pela minoração do valor da verba honorária.

Dispensada do recolhimento do preparo, por força do disposto na Lei nº 12.663/2012.

Em sede de contrarrazões (fls. 231/237), o apelado pugna pela manuten-ção da sentença.

É o relatório.

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votos

A Senhora Desembargadora Ana Cantarino – Relatora:

Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, dele conheço.

Preliminarmente, não prospera a argüição de falta de interesse de agir, vergastada pela ora apelante, no sentido de que o acordo firmado entre as partes teria acarretado a perda do objeto da demanda.

Segundo preleciona Humberto Theodoro Júnior (in Curso de Direito Pro-cessual Civil. 50. ed. Editora Forense, v. I, p. 78/79), “o interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de se obter através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se dessa maneira, que há interesse processual se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais. Localiza-se o interesse processual não na utilidade, mas especifi-camente na necessidade do processo como remédio apto a aplicação do direito objetivo no caso concreto”. (g.n.)

No presente caso, diante da negativa da apelante em realizar a troca de ingressos, o apelado necessitou recorrer ao Judiciário para ver assegurada a sua pretensão.

Observa-se, ainda, que o feito perde seu objeto no momento em que a tutela jurisdicional pretendida já não é mais necessária para o exercício da pretensão narrada na inicial, o que não se confunde com concessão de anteci-pação de tutela.

In casu, o apelado somente pode realizar a troca dos ingressos mediante o deferimento da antecipação de tutela (fls. 23/23-verso e 30).

Sendo assim, tenho que o pedido não restou prejudicado, que deverá ser confirmado ou não no julgamento do mérito da demanda.

Rejeito a preliminar.

No mérito, melhor sorte não socorre à apelante.

TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE

O apelado efetuou a compra de um ingresso de idoso, beneficiado com o valor da “meia entrada”. Diante da impossibilidade de comparecimento do titular do ingresso, solicitou a transferência para um indivíduo que não faria jus a meia entrada, mediante a complementação do valor.

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Com efeito, segundo a Política de Transferências e Revenda de Ingressos, somente é possível a mudança da titularidade de ingresso de “meia entrada” para outro individuo titular do mesmo benefício (item 13 – fl. 150).

Por certo que a tal norma visa evitar que aqueles que fazem jus ao bene-fício, repassem a outros que não possuem o desconto.

Ocorre que no caso dos autos, o apelado requereu a transferência da titu-laridade do ingresso para alguém que não faria jus ao desconto, mas mediante a complementação do valor, ou seja, não estaria burlando a regra, querendo se beneficiar com o desconto. Ao contrário, a instituição apelante em nada teria prejuízo, pois o ingresso que antes deveria ser vendido com o desconto, agora seria vendido por seu valor integral.

O Código de Defesa do Consumidor que contém normas de ordem pú-blica, dentre as quais o inc. IV do art. 51, que prevê a nulidade de pleno direito de cláusulas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

Assim, a regra estabelecida pela apelante, ao não permitir a transferência da titularidade do ingresso, ainda que mediante a complementação do valor, mostra-se abusiva e contrária aos preceitos das regras consumeristas, devendo a r. sentença ser confirmada.

ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA

Em razão do princípio da causalidade, a parte que deu causa ao proces-so deve arcar com o pagamento das custas processuais e honorários da parte adversa.

Por outro lado, o processo não pode reverter em dano ao injustamente demandado.

Ocorre que no caso dos autos, foi a apelante/requerida quem deu causa ao ajuizamento da demanda, diante da negativa de transferência de ingressos, apesar das tentativas do apelado em resolver amigavelmente o conflito.

Impende destacar que as regras referentes à transferência de ingressos foram impostas pela própria requerida. Não decorrem, portanto, de nenhuma norma legal, ou seja, a apelante estava cumprindo o disposto em normas por ela mesma estabelecidas, que, conforme dito alhures, na situação posta, mostram--se abusivas.

Em suma, seja pelo princípio da sucumbência, decorrente da procedên-cia do pedido; seja pelo princípio da causalidade, decorrente da necessidade

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do ajuizamento da demanda, é de ser mantida a sucumbência definida na sen-tença.

Passo ao exame quantum fixado a título de honorários.

O § 4º do art. 20, do CPC, estabelece que nas causas de pequeno valor, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendido o grau de zelo do profissional; o lugar de prestação do serviço; a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Assim, apesar do valor da causa ser de R$ 95,00 (noventa e cinco reais), não poderia o julgador fixar os honorários em face desse valor, sob pena de aviltar o trabalho desenvolvido pelo advogado, que no caso dos autos, funciona em causa própria.

Desse modo, entendo que o valor de R$ 300,00 (trezentos reais), melhor se amolda aos preceitos do art. 20, § 3º, do CPC.

Forte nessas razões, dou parcial provimento para fixar o valor dos hono-rários de sucumbência em R$ 300,00 (trezentos reais).

É como voto.

O Senhor Desembargador Jair Soares – Revisor:

O cumprimento da tutela antecipada não acarreta a perda superveniente do interesse de agir, máxime porque, na hipótese, a transferência do ingresso só ocorreu por força de determinação judicial, necessitando de confirmação por sentença.

Nesse sentido, precedentes desse Tribunal:

“AÇÃO DECLARATÓRIA – COBRANÇA INDEVIDA DE ENCARGOS REFEREN-TE A AUTOMÓVEL NÃO PERTENCENTE AO AUTOR – RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO – INOCORRÊNCIA DE PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR – HONORÁRIOS ADVOCA-TÍCIOS – PARTE AUTORA REPRESENTADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA EM FACE DO DETRAN/DF

O interesse de agir está presente não somente na utilidade da ação, mas também na necessidade do processo como remédio apto a fornecer ao autor a declaração de inexistência de débitos para como Detran/DF. Ademais, é sabido que o defe-rimento de tutela antecipada não acarreta a perda do objeto ou a do interesse de agir, justamente porque necessita ser confirmada no mérito da ação.

Os honorários advocatícios, nas ações patrocinadas pela Defensoria Pública, destinam-se ao próprio Estado, não podendo, por isso, ser atribuído ao Detran/DF o ônus decorrente de condenação em causa patrocinada por Defensor Público, sob pena de confusão entre credor e devedor (Enunciado nº 421 da Súmula da Corte Superior).

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Recurso provido parcialmente. Unânime.”

(Acórdão nº 701511, 20090111765507APC, Rel. Otávio Augusto, Revisor: Mario-Zam Belmiro, 3ª T.Cív., Data de Julgamento: 10.07.2013, Publicado no DJe: 19.08.2013, p. 113 – grifou-se)

“PROCESSUAL CIVIL – CONSTITUCIONAL – AÇÃO DE CONHECIMENTO – PRELIMINAR – INTERESSE DE AGIR – AFASTAMENTO – INTERNAÇÃO – UTI NEONATAL – DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE – DEVER DO ESTADO

I – A pretensão somente foi satisfeita por força de decisão judicial, dependente de confirmação na sentença de mérito. Preliminar de falta de interesse de agir afastada.

II – A saúde é direito de todos e dever do Estado. Inteligência dos art. 196 da CF/88 e arts. 204, 205 e 207 da Lei Orgânica do Distrito Federal.

III – A eventual carência de recursos não constitui óbice à garantia constitucional-mente conferida a cada cidadão.

IV – Negou-se provimento ao recurso voluntário e à remessa oficial.”

(Acórdão nº 287477, 20060110373483APC, Rel. José Divino de Oliveira, Revi-sor: Ana Maria Duarte Amarante Brito, 6ª T.Cív., Data de Julgamento: 17.10.2007, Publicado no DJU Seção 3: 22.11.2007, p. – grifou-se)

Tratando-se de contrato de compra e venda de ingressos para espetáculo, a relação entre as partes é de consumo, porquanto o adquirente é o destinatário final do produto oferecido ou do serviço prestado pela vendedora, qual seja, exibição de jogo de futebol (CDC, arts. 2º e 3º).

Por certo, o contrato de compra e venda de ingresso para jogo de futebol, de adesão, impossibilita ao consumidor verificar e discutir suas cláusulas, que podem ser abusivas.

Anota Cláudia Lima Marques que “A abusividade nas cláusulas é viola-ção de um dever de conduta (anexo, acessório ou principal) imposto pela boa-fé ou é a autorização contratual para uma prática que viole a boa-fé objetiva, que deve guiar todas as condutas dos fornecedores perante os consumidores” (in Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4. ed. Revista dos Tribunais, p. 788).

Cláusula abusiva é a que, violando a boa-fé objetiva, provoca desequi-líbrio contratual e desvantagem exagerada para uma das partes. É aquela que, estipulando obrigações iníquas, coloca o consumidor em desvantagem exage-rada, acarretando desequilíbrio contratual.

O apelado comprou ingresso para sua avó que, idosa, gozava do benefí-cio de meia-entrada. Como a idosa, por problema de saúde, não poderia com-

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parecer ao jogo, o apelado solicitou a transferência do ingresso à pessoa que não gozava do mesmo benefício, mediante complementação do valor.

Sustenta a apelante que a transferência só pode ser feita para pessoa que também goze do benefício de meia-entrada. Tal política visa evitar a ação de cambistas e o repasse desses ingressos a pessoas que não gozem do mesmo benefício.

Os ingressos são disponibilizados em mesma quantidade para pessoas que gozem ou não do benefício de meia-entrada. E aqueles que pagam o valor integral podem transferi-los para convidados.

A transferência de ingressos comprados pelo valor integral é permitida. Assim, deve-se permitir a transferência de ingresso de meia-entrada para pes-soas que não gozem do mesmo benefício, desde que paga a complementação do valor.

O pagamento da diferença não traz prejuízo para a apelante, que, se antes recebeu metade do valor do ingresso, agora recebe seu valor integral. E o apelado não será beneficiado pelo desconto conferido à idosa, pois pagará a complementação do valor.

Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, os honorários serão fixados consoante a apreciação equitativa do juiz, atendidos o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC).

O valor da causa, R$ 95,00, é pequeno. Aplicável os §§ 3º e 4º do art. 20 do CPC.

Honorários fixados em R$ 500,00 reclamam redução. O valor de R$ 300,00 remunera de forma condizente o trabalho realizado pelo causídico.

Dou provimento, em parte, e fixo os honorários em R$ 300,00 (trezentos reais).

O Senhor Desembargador José Divino – Vogal:

Rogando vênia aos eminentes pares, tenho que os honorários arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais), ainda que o valor atribuído à causa seja ínfimo, atende às diretrizes do § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil.

A nobre atividade do advogado não pode ser aviltada a ponto de os honorários serem irrisórios. Com essas breves considerações, nego provimento ao recurso.

O Senhor Desembargador Jair Soares – Revisor:

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O valor de R$ 300,00 (trezentos reais) – e nem mesmo o de R$ 500,00 (quinhentos reais) – remunera de forma condigna o trabalho do advogado.

Ocorre que o autor da ação, para questionar ingresso no valor de R$ 95,00 (noventa e cinco reais), preferiu ajuizar a ação numa vara cível, quan-do poderia ter ingressado nos Juizados Especiais.

Ao certo, ajuizou a ação em vara cível para que, procedente o pedido, pudesse ter honorários em valor superior aquele que estava questionando.

Logo, devem os honorários ser fixados em proporção ao montante que conseguiria o autor com a tutela pretendida.

decisão

Conhecido. Provido parcialmente. Maioria, vencido o primeiro vogal.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPoder Judiciário9ª Câmara de Direito PrivadoRegistro: 2014.0000410812Voto nº 10326Apelação nº 0001356‑67.2011.8.26.0156Comarca: Cruzeiro (2ª Vara Cível)Juiz(a): Alexandre Yuri KiataquiApelante/Apelado: José Gualberto dos Santos FilhoApelado/Apelante: Bruno Pereira Mendes

AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL – ATLETA – PROCURAÇÃO E CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – AGENTE – PROMESSA DE CONTRATAÇÃO POR CLUBE CARIOCA – FRUSTRAÇÃO – POSSIBILIDADE DE RESCISÃO DA AVENÇA – TERMO INICIAL – CITAÇÃO NA CAUTELAR E NÃO NA AÇÃO PRINCIPAL – DATA DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA PELO AGENTE – APELAÇÃO DO RÉU NÃO PROVIDA E APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA

1. Sentença que julgou procedente a ação de rescisão processual movida por jogador de futebol em face de agente, declarando rescindido o vín-culo obrigacional a partir da citação na demanda principal.

2. Outorga de procuração e assinatura de contrato de prestação de ser-viços. Promessa de contratação por famoso clube carioca. Frustração. Possibilidade de rescisão da avença.

3. Termo inicial que deve ser a data da citação na cautelar em apenso, e não apenas na ação principal. Ciência inequívoca do requerido naqueles autos, em 18.04.2011.

4. Apelação do réu não provida, e apelação do autor parcialmente pro-vida.

acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0001356-67.2011.8.26.0156, da Comarca de Cruzeiro, em que é apelante/apelado José Gualberto dos Santos Filho (justiça gratuita), é apelado/apelante Bruno Pereira Mendes.

Acordam, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação do réu, e

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deram parcial provimento à apelação do autor. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Mauro Conti Machado (Presidente sem voto), Theodureto Camargo e Lucila Toledo.

São Paulo, 15 de julho de 2014.

Alexandre Lazzarini Relator Assinatura eletrônica

A r. sentença (fls. 171/174), cujo relatório adota-se, julgou procedente a ação de rescisão contratual movida por Bruno Pereira Mendes, para descons-tituir o vínculo jurídico havido com o réu, relativo ao contrato de prestação de serviços de agenciamento e divulgação de atleta com clubes de futebol, a partir da data da citação (12.04.2012), confirmando a liminar concedida na cautelar inominada em apenso.

Referida tutela de urgência foi deferida para que o réu se abstivesse de qualquer prática “que iniba possíveis contratações do autor com quaisquer clu-bes desportivos que lhe interessem, sendo certo que o autor poderá fazê-lo sem a intermediação do réu”, sob pena de multa diária fixada em 10 salários míni-mos por contrato perdido (fl. 30 do apenso).

Ambas as partes apelam.

Sustenta o réu que o contrato feito entre as partes é lícito, e não infringiu qualquer legislação em vigor.

Destaca que o autor, à época, era menor de idade, e foi devidamente “representado” por seus genitores.

Assim, postula a manutenção do contrato e a condenação do autor ao pagamento de honorários advocatícios.

O autor, por sua vez, alega ter conhecido o réu em setembro/2010, o qual lhe ofereceu proposta para ser seu agente de futebol, com a promessa de contratação pelo Clube Vasco da Gama.

Afirma que, a pedido do réu, firmou procuração em cartório, e contrato particular de prestação de serviços.

Com autorização de seus pais, aduz ter viajado para o Rio de Janeiro com o réu, sendo que no período de 2 semanas, ficou hospedado na casa do agente, conheceu a cidade, e o Clube.

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Todavia, como não houve processo seletivo, nem contratação, voltou para sua cidade.

Sustenta que o réu apenas quis se beneficiar com o talento do recorrente, que, na época da propositura da ação, contava com apenas 16 anos e passou a atuar no Guarani Futebol Clube após o deferimento da tutela de urgência na cautelar.

Ressalta ter revogado o mandato em 22.11.2010, do que o réu tomou ciência através de “A.R.” (fl. 27).

Pretende que a rescisão do contrato seja determinada a partir de 25.11.2010, ou do deferimento da tutela antecipada na cautelar (17.01.2011), ou da citação relativa à cautelar (18.04.2011).

Recursos regularmente processados.

Contrarrazões às fls. 226/231 e 233/236.

Tendo em vista que o autor completou a maioridade no curso do proces-so, o Ministério Público cessou sua intervenção (fl. 167).

É o relatório.

I) Em que pese o inconformismo deduzido pelo réu, seu recurso não comporta provimento.

Isso porque, observa-se pelas alegações constantes dos autos, e pela pro-va testemunhal produzida (fls. 120/125), que o contrato particular de prestação de serviços (fl. 21) e a procuração (fl. 19), foram subscritos pelo autor (à época assistido por seus genitores, eis que era menor púbere), diante da promessa de contratação pelo Clube Vasco da Gama.

E, muito embora o contrato não tenha sido específico quanto à tal obriga-ção, é possível constatar que a redação da cláusula 5ª alimentava a expectativa do autor e seus pais quanto à efetiva contratação pelo referido Clube:

“Cláusula 5ª. Da venda do atleta do Clube de Regatas Vasco da Gama para qual-quer outro clube no Brasil ou exterior, fica acordado que o Contratante tem di-reito a 30%, sendo distribuído da seguinte forma: 20% para o Contratante, 10% para o Contratado.” (fl. 21)

Como se vê, até mesmo já havia sido pactuada a distribuição de lucros para uma posterior venda do atleta, pelo Vasco da Gama, a outro clube nacio-nal ou internacional.

Nesse diapasão, e como restou frustrada a expectativa depositada no contrato e na outorga de poderes pelo autor, não há como se afastar a possibili-dade de rescisão unilateral da avença.

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Por tal motivo, não vinga a resistência ofertada pelo réu.

II) Resta analisar, então, a partir de quando se dá o encerramento da rela-ção jurídica havida entre as partes.

Nesse aspecto, correta a interpretação dada pelo MM. Juiz de origem, no sentido de que o autor não comprovou o recebimento da notificação extrajudi-cial pelo réu.

Com efeito, o documento de fl. 22 dos autos principais (fl. 26 da cautelar) não contém qualquer assinatura, e o documento de fl. 23 (fl. 27 da cautelar) se trata de mero comprovante de postagem, mas que não demonstra o recebimen-to pela parte notificada.

Também não foi juntado aos autos o comprovante de recebimento.

Assim, não há como se fixar o termo inicial em novembro/2010.

Todavia, tendo em vista que foi a partir da citação na cautelar que o re-querido tomou efetiva ciência da intenção do autor, deve-se considerar como rescindida a relação obrigacional a partir de 18.04.2011 (fl. 45 do apenso) e não a partir da citação na demanda principal.

Vale anotar que os mesmos documentos que instruem a ação principal foram juntados na cautelar, de modo que a rescisão deve ser considerada a partir do primeiro ato citatório.

III – CONCLUSÃO

Diante dos fundamentos acima expostos:

– o apelo do réu não comporta provimento, e

– dá-se parcial provimento à apelação do autor, para se considerar rescindido o vínculo obrigacional existente entre as partes a partir de 18.04.2011.

No mais, inclusive no que tange à distribuição dos ônus da sucumbência, fica mantida a r. sentença, tendo em vista que eventual execução observará os benefícios da justiça gratuita concedidos ao réu.

Isso posto, nega-se provimento à apelação do réu, e dá-se parcial provi-mento à apelação do autor.

Alexandre Lazzarini Relator (assinatura eletrônica)

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do Espírito SantoPoder JudiciárioGab. Desemb. – William Couto Gonçalves7 de julho de 2014Mandado de Segurança nº 0004228‑34.2014.8.08.0000Requerente: Andre Arruda Lobato Rodrigues CarmoAutoridade coatora: Secretário de Estado de Esportes e LazerRelator: Des. William Couto Gonçalves

relatório

VOTOS

O Sr. Desembargador William Couto Gonçalves (Relator):

relatório

Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por André Arruda Lobato Rodrigues Carmo contra ato do Secretário de Estado de Esportes e Lazer, que, através da Portaria nº 102-S, publicada no dia 21 de outubro de 2013, deixou de incluí-lo no rol dos agraciados à percepção de in-centivo ao qual entendia ter direito.

O Impetrante afirma que, não obstante tenha preenchido todos os requi-sitos do Edital nº 0020/2013, não foi contemplado a receber incentivo econômi-co – Bolsa-Atleta – destinado aos atletas de alto rendimento esportivo concedi-do pelo Governo do Estado do Espírito Santo, por meio da Secretaria de Estado de Esportes e Lazer, o que teria lesado seu direito líquido e certo.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 25-77.

A liminar pleiteada foi indeferida como se vê às fls. 81-85.

O Sr. Secretário de Esportes e Lazer do Estado do Espírito Santo (fls. 94-102) prestou as seguintes informações: 1º) o Impetrante não cumpriu o requisito exi-gido no item 4.2.1 do Edital nº 0020/2013, posto que não representou o Estado do Espírito Santo nas competições em que conseguiu os resultados apresenta-dos; 2º) o que o art. 5º da Lei Estadual nº 9.366/2009 está afastando é o vínculo contratual, empregatício ou estatutário entre o atleta e o estado, o que não

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prejudica a representação do estado em competições; 3º) seria uma contradição um atleta receber incentivo econômico do Estado do Espírito Santo e represen-tar o Estado do Rio de Janeiro; 4º) a Administração pode escolher os melhores atletas classificados em cada modalidade.

Parecer da Procuradoria de Justiça (fls. 105-108) opinando pela denega-ção da segurança.

Relatoriei.

Sem revisão por força de lei.

Peço dia para julgamento.

Vitória, ES, em 06 de maio de 2014

Desembargador William Couto Gonçalves Relator

voto

Como relatoriado, trata-se de Mandado de Segurança por meio do qual o Impetrante se insurge contra ato do Secretário de Estado de Esportes e Lazer, que, através da Portaria nº 102-S, publicada no dia 21 de outubro de 2013, deixou de incluí-lo no rol dos agraciados à percepção de incentivo econômico denominado bolsa-atleta, ao qual entendia ter direito.

Sabe-se que o Mandado de Segurança é ação constitucional que obje-tiva resguardar direito líquido e certo, violado por ato abusivo de autoridade pública.

Acerca do tema destaca-se as seguintes lições doutrinárias:

“Direito líquido e certo” significa apenas a possibilidade de demonstração, em tese, da ilegalidade ou abusividade do ato coator, sem necessidade de dilação probatória, uma vez que esta se revela incompatível com a celeridade do proce-dimento especial do mandado de segurança.

Nessa linha preciosa a lição de José Carlos Barbosa Moreira:

Para fins de mandado de segurança, para a feição do cabimento desse remédio, trata-se de saber se os fatos, ou o fato de que se originou o alegado direito, com-portam, ou não, a demonstração mediante apresentação apenas da prova docu-mental pré-constituída. É esse o sentido último, é esse o resultado final a que se chega quando se analisa a exigência de que exista um direito líquido e certo. A exigência é, na verdade, a de que o fato de que se afirma ter nascido esse direito seja suscetível de comprovação mediante documento pré-constituído.

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O direito que se busca proteger com a impetração do Mandado de Se-gurança deve vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições para seu reconhecimento ao Impetrante. Caso sua existência seja duvidosa, sua extensão ainda não esteja delimitada e seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não se pode conceder a segurança.

No caso em julgamento, alega o Impetrante possuir direito líquido e cer-to à percepção do benefício econômico denominado “Bolsa-Atleta”, instituído pelo Estado do Espírito Santo como um incentivo aos atletas de alto rendimento que representam o Estado em competições oficiais e que estejam em plena ati-vidade esportiva.

O Edital nº 0020/2013, de abertura do processo seletivo para a conces-são do Bolsa-Atleta, estabelece que o postulante do benefício deve apresentar, dentre outros, os seguintes documentos:

Documentos específicos:

4.2.1 – Declaração da entidade Estadual (Federação) atestando que o atleta participou, representando o Estado nos Campeonatos Brasileiros (modelo: anexo IV):

a) Está regularmente inscrito junto a ela;

b) Está em plena atividade esportiva;

Neste aspecto, verifica-se que o Impetrante, a par de ter alcançado di-versas conquistas esportivas merecedoras de todo o crédito e admiração, não trouxe aos autos prova pré-constituída que demonstre a sua participação em competições nas quais tenha representado o Estado do Espírito Santo, já que as declarações constantes de fls. 47 e 49 não se prestam a tal fim.

Sabe-se que as declarações devem ser redigidas, datadas e assinadas pelo declarante, sob pena de se comprometer sua existência jurídica, sua validade e, consequentemente, sua eficácia.

Considerando que as declarações constantes de fls. 47 e 49 não foram assinadas pelos supostos declarantes, não são aptas a comprovar que o Impe-trante tenha representado o Estado do Espírito Santo em competições oficiais, sendo que a primeira declaração sequer afirma tal fato, se limitando a descrever os resultados obtidos pelo atleta no ato de 2012.

É certo que em concursos e em processos seletivos públicos não se pode estabelecer restrições e requisitos desarrazoados ou discriminatórios. Contudo, não é vedado o estabelecimento de restrições e limitações que guardem corres-pondência entre o limite imposto e o interesse público tutelado.

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A exigência de que o postulante ao benefício tenha representado o Esta-do do Espírito Santo em campeonatos oficiais não se mostra desarrazoada ou desproporcional, por se tratar de recursos econômicos que comprometem a esfera orçamentária estadual.

Não seria razoável que um atleta que represente outro Estado da Federa-ção receba um benefício financeiro que é destinado a fomento e incentivo ao esporte no âmbito do Estado do Espírito Santo.

A Lei Estadual nº 9.366/2009, ao dispor em seu art. 5º que “A concessão da Bolsa-Atleta Capixaba não gera qualquer vínculo entre os atletas beneficia-dos e a administração pública estadual”, não veda a exigência de que o atleta tenha representado o Estado.

O dispositivo legal apenas ressalta que a concessão do benefício não importa em estabelecimento de vínculo contratual ou trabalhista com o Estado do Espírito Santo Ressalta-se que, tratando-se de processo seletivo público, as cláusulas constantes no Edital obrigam candidatos e Administração Pública e, não sendo a exigência desarrazoada deve prevalecer.

Desse modo, não se constata a existência de qualquer ato ilegal, abusivo ou arbitrário, concluindo-se pela inexistência de direito líquido e certo a ser amparado.

Do Exposto, denego a segurança.

Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/09, Súmula nº 105, do STJ e Súmula nº 512, do STF).

É como voto.

*

O Sr. Desembargador Annibal de Rezende Lima:

Voto no mesmo sentido.

*

O Sr. Desembargador Fabio Clem de Oliveira:

Voto no mesmo sentido.

*

O Sr. Desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama:

Voto no mesmo sentido.

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*

O Sr. Desembargador Carlos Simões Fonseca:

Voto no mesmo sentido.

*

O Sr. Desembargador Namyr Carlos de Souza Filho:

Voto no mesmo sentido.

*

decisão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, Mandado de Segurança nº 0004228-34.2014.8.08.0000, em que são as partes as acima indicadas, Acorda o Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo (Primeiro Grupo Câmaras Cíveis Reunidas), na conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, em, à unanimidade de votos, denegar a segurança, nos termos do voto do eminente relator.

***

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional do Trabalho da 10ª RegiãoPoder JudiciárioJustiça do TrabalhoProcesso: 02555‑2012‑103‑10‑00‑0‑ROAcórdão do(a) Exmo(a) Desembargador(a) Federal do Trabalho: Elke Doris Just

ementa1 JOGADOR DE FUTEBOL – DIREITO DE IMAGEM – FRAUDE À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA – NATUREZA SALARIAL

Verificado que o pagamento a título de cessão do direito de imagem é uma tentativa de mascarar o verdadeiro salário percebido pelo recla-mante, em fraude às leis trabalhistas, o valor pago àquele título deve ser integrado ao salário para todos os efeitos legais.

2 JOGADOR DE FUTEBOL – CLÁUSULA COMPENSATÓRIA

A Lei nº 9.615/1998 tornou obrigatória tanto a cláusula indenizatória a favor da entidade esportiva quanto a cláusula compensatória a favor do atleta empregado – deixou ao arbítrio das partes apenas a fixação do va-lor das cláusulas – constando do contrato a pactuação da cláusula com-pensatória, a ausência de pactuação sobre o valor não pode ser oposta à pretensão obreira quanto ao direito.

3 JOGADOR DE FUTEBOL – LUVAS – NATUREZA

As luvas desportivas são pagas a atletas pela assinatura do contrato em razão do reconhecimento de seu desempenho antes da contratação pelo clube que pretende incluí-lo em seus quadros. O instituto é oriundo do direito comercial, pelo estabelecimento de um paralelo com o “fundo de comércio”, valor do ponto comercial. Conforme jurisprudência do TST, as luvas têm natureza salarial, não se confundindo com prêmios ou indenizações. Recurso do reclamado e do reclamante conhecidos e não providos. I.

acórdão

Acordam os Desembargadores da Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, conforme certidão de julgamento em aprovar o relatório, conhecer dos recursos do reclamado e do reclamante e, no mérito, negar-lhes provimento, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

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Brasília (DF), sala de sessões, 11 de junho de 2014.

Assinado digitalmente Elke Doris Just Desembargadora Relatora

relatório

A Juíza Patricia Germano Pacifico, da 3ª Vara do Trabalho de Tagua-tinga/DF, proferiu sentença às fls. 168/174, julgando parcialmente proceden-tes os pedidos da inicial, reconhecendo a rescisão indireta do contrato e para condenar o reclamado ao pagamento de verbas rescisórias e valor referente à cláusula compensatória. Recurso do reclamado, às fls. 177/184, buscando a reforma da sentença quanto à modalidade rescisória, integração no salário do valor referente ao direito de imagem e cláusula compensatória. Recurso adesivo do reclamante, às fls. 189/193, em que pretende a majoração do valor referente à cláusula compensatória e pagamento de luvas. Contrarrazões pelo autor às fls. 194/199; pelo reclamado, às fls. 206/208. Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho nos termos do art. 102 do Regimento Interno deste Regional. É o relatório. II.

voto

1 ADMISSIBILIDADE

1.1 O recurso do reclamado é tempestivo (fls. 175 e 177), com regular re-presentação processual (fl. 117) e adequado preparo (fls. 185 e verso). Conheço do recurso. 1.2 O recurso adesivo do reclamante também é tempestivo (fls. 188 e 189) e com regular representação (fl. 23). O reclamado alega em contrarra-zões que o apelo obreiro não deve ser conhecido por ausência de efetiva con-trariedade aos fundamentos da sentença. Não é o caso, uma vez que as razões recursais logram contrapor-se adequadamente aos termos da decisão. Rejeito a preliminar e conheço do recurso. 1.3 Por serem regulares e tempestivas, conhe-ço das contrarrazões do autor e do reclamado.

2 ATLETA PROFISSIONAL – DIREITO DE IMAGEM (RECURSO DO RECLAMADO)

Alegou o reclamante na inicial que recebia, como jogador de futebol, a remuneração mensal de R$ 15.000,00, sendo R$ 3.000,00 de salário fixo e $ 12.000,00 a título de direito de imagem. Pediu a integração à remuneração do valor recebido pelo direito de imagem, com o pagamento das diferenças das verbas trabalhistas. O reclamado contestou o pedido sustentando que a verba

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não possui natureza salarial porque decorre de contrato civil paralelo ao con-trato de trabalho e inconfundível com este. Não se trataria de contraprestação pelo serviço do atleta, mas de cessão da imagem do jogador ao clube. O Juízo de origem deferiu a pretensão do obreiro fundamentado em que se trata de uma remuneração para o empregado pelo uso de sua imagem e que o TST tem reco-nhecido que é uma verba decorrente do contrato de trabalho do atleta profis-sional. O recorrente reitera as alegações defensivas, sustentando que o contrato do direito de imagem do jogador é específico e seu objeto não se confunde com o contrato desportivo. Alega que a Lei nº 9.615/1998 (“Lei Pelé”) sofreu modificações com a Lei nº 12.395/2011, ficando expressamente instituído que o direito de imagem é de natureza cível, conforme consta do art. 87-A da Lei nº 9.615/1998. Dispõe o art. 87-A da Lei nº 9.615/1998: O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste con-tratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições incon-fundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). Sob o ponto de vista estritamente legal, referente à distin-ção entre o contrato de trabalho e o contrato de cessão do direito de imagem, procedem as alegações do recorrente. Formalmente, o contrato de cessão de imagem do jogador, de fls. 41/42, atende aos ditames legais. Porém, é neces-sário verificar se o aspecto formal corresponde à realidade. Tal indagação se faz necessária porque em inúmeros casos analisados por esta Corte envolven-do o reclamado constatou-se que o clube tem utilizado o contrato de imagem para fraudar a legislação trabalhista. Os indicativos dessa fraude são: a grande diferença entre o valor do salário e o da cessão da imagem; o pagamento ao atleta de um valor fixo mensal pela cessão da imagem, sem qualquer vinculação ao uso efetivo da imagem do jogador pelo clube; a ausência de utilização da imagem do jogador ao longo do contrato. É também o que se verifica no caso deste processo. O contrato anexado à fl. 38 comprova que as partes pactuaram o salário em R$ 3.000,00. O contrato de cessão de imagem do jogador fixa, na cláusula nº 2, o valor de R$ 12.000,00 mensais pela cessão da imagem ao clube (fls. 41/42), ou seja, quatro vezes maior que o importe do salário. Não foi apresentada pelo reclamado nenhuma prova de que o clube tenha utilizado a imagem do reclamante em eventos publicitários ou contratos com terceiros. É certo que o direito de imagem pode render ao atleta ganho bem mais alto que o salário pago pelo clube. Mas, tal situação só se justifica se o clube também pu-der auferir com a imagem cedida valor compatível com o que paga ao atleta ce-dente. Essa é a lógica nesse tipo de negócio. Não há nenhum sentido em pagar alto valor ao jogador sem utilizar a imagem, a não ser que o contrato de imagem sirva apenas para encobrir o desvirtuamento salarial. Assim, o que se verifica é a tentativa de mascarar o verdadeiro salário percebido pelo reclamante, em fraude às leis trabalhistas. Nesse quadro, com fulcro no art. 9º da CLT, confirmo a sentença que concluiu pela salarial da parcela “direito de imagem”. Preceden-

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tes deste Regional em casos semelhantes: “ATLETA PROFISSIONAL – DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA JURÍDICA – Constatado o desvirtuamento do con-trato de cessão do uso da imagem do atleta profissional, em flagrante fraude à legislação trabalhista (art. 9º da CLT), na medida em que objetivou camuflar o verdadeiro salário percebido pelo jogador de futebol, impõe-se reconhecer a natureza salarial do valor pago a tal título” (RO 0868-2012-004-10-00-2, Rel. Des. Ricardo Alencar Machado, Publicado em: 30.11.2012 no DEJT). [...] 3 DIREITO DE IMAGEM – PARCELA REMUNERATÓRIA – INSTITUTO DE NA-TUREZA CIVIL – LEGALIDADE DO CONTRATO – COMPETÊNCIA DA JUSTI-ÇA DO TRABALHO – DESVIRTUAMENTO – NATUREZA SALARIAL – O di-reito de imagem, enquanto direito da personalidade, está vinculado, não só à imagem física, mas a todos os valores a ela agregados, como comportamentos individuais e sociais, atitudes, capacidade de influenciar indivíduos e grupos, etc. Mais se avultam estas características quando falamos em figuras públicas, em especial, os atletas vinculados aos esportes de grande apelo social. Por tais razões, o “valor” da imagem é personalíssimo, variando de atleta para atleta, justificando-se, assim, a disparidade dos valores pagos pelo uso da imagem para os mais diversos fins, em especial, publicitários. É ínsita a esta parcela a característica da variabilidade remuneratória, pois, em regra, está vincula-da a contratos diversos, com patrocinadores ou publicidades diversas. Em se tratando de contrato de trabalho desportivo, por expressa disposição legal, o direito de imagem possui natureza cível e não se integra ao contrato de trabalho (art. 87-A, Lei nº 9.615/1998), exceto se houver deturpação de sua finalidade, ra-zão pela qual impõe-se a averiguação de sua legalidade, sem que isto implique em invasão de competência por esta Justiça Especializada. A par de suas carac-terísticas e finalidades, é incompatível com o direito de imagem a pactuação de seu pagamento ao atleta, mês a mês, em valores fixos, por todo o pacto laboral, porquanto este procedimento caracteriza fraude à legislação do trabalho, sendo nula de pleno direito, por imperativa aplicação do art. 9º da CLT, razão pela qual a parcela integra a remuneração do empregado atleta para todos os efeitos legais. Recurso do reclamado desprovido. Recurso do reclamante parcialmen-te provido. (02164-2011-103-10-00-5 RO, 1ª T., Rel. Des. Dorival Borges de Souza Neto, J. 08.05.2013. Publicado em 17.05.2013 no DEJT). Nego provi-mento ao recurso, no item.

3 MODALIDADE RESCISÓRIA (RECURSO DO RECLAMADO)

Sob a alegação de que o reclamado não pagou os três últimos salários, nem efetivou o pagamento das luvas e da ajuda de custo de moradia, o au-tor postulou o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho. O reclamado negou o atraso nos salários, firmando-se em que o contrato de tra-balho estaria suspenso em decorrência do afastamento pela lesão sofrida pelo autor. Aduziu que, em, 17.10.2012, o próprio reclamante procurou a direção

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do clube para pedir a rescisão amigável do contrato diante da impossibilidade física de cumprir as obrigações contratuais. Não obstante, o autor não mais teria comparecido ao local de trabalho após esse dia. Assim, requereu o reconheci-mento de que a rescisão ocorreu por iniciativa do obreiro, ante o desinteresse do empregado em permanecer no clube. O Juízo de origem deferiu o pleito inicial por constatar a ausência de provas das alegações patronais. O recorrente insiste nas argumentações defensivas. Reitera que o reclamante não informou ao clube que já se encontrava lesionado, não tendo o reclamado conhecimento do histórico de lesões do autor. Assim, tendo na semana posterior à contratação alegado problemas nos joelhos, foi encaminhado ao serviço médico e, com o afastamento para o tratamento físico, o contrato foi suspenso, razão pela qual não foram pagos os salários e as contribuições previdenciária e para o FGTS. Por fim, teria sido feito o pedido pela rescisão por acordo, o que não se consu-mou porque o autor não mais compareceu ao clube. Como posto na sentença, não há nos autos nenhum atestado médico do autor que comprove a suspensão do contrato de trabalho. Também não há documento oriundo do INSS para jus-tificar a alegação, nem foi demonstrado o pagamento dos primeiros quinze dias conforme legislação previdenciária. Tampouco há prova de que o reclamante tenha proposto um acordo para sair do clube. Em seu depoimento, o reclamante negou que tenha tomado tal iniciativa (fl. 165). Quanto à alegação de que, ao contratá-lo, o clube desconhecia o estado físico do jogador e seu histórico de lesões, não se sustenta sequer ante o senso comum. Ademais, não foi produzida prova pela reclamada de que tenha ocorrido tal vício na contratação. Logo, também essa alegação não tem procedência. Assim, persistem as alegações ini-ciais de descumprimento contratual pelo reclamado, o que justifica o reconhe-cimento da rescisão indireta do contrato. Nego provimento.

4 CLÁUSULA COMPENSATÓRIA (RECURSO DO RECLAMADO)

O reclamante pugnou pelo pagamento das parcelas rescisórias decorren-tes da rescisão indireta, além da multa compensatória prevista no art. 28 da Lei nº 9.615/1998. A reclamada contestou as alegações da inicial argumentando que a ruptura do contrato ocorreu por iniciativa do reclamante e que no contrato nada foi pactuado acerca da cláusula compensatória. O Juízo de origem deferiu a pre-tensão obreira com fundamento em que, diante da previsão legal sobre a matéria, o simples fato do contrato não conter o valor, não afasta a incidência da referida cláusula. O reclamado insiste nas alegações defensivas e aduz que, caso seja re-conhecida a obrigatoriedade da pactuação, o valor deve ser fixado com base no valor do salário de R$ 3.000,00. Dispõe o art. 28, II, § 5º, da Lei nº 9.615/1998 que: “Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente I – cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática despor-

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tiva à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). [...] II – cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). [...] 1º O valor da cláusula indenizatória desportiva a que se refere o inciso I do caput deste artigo será livremente pactua-do pelas partes e expressamente quantificado no instrumento contratual [...] § 3º O valor da cláusula compensatória desportiva a que se refere o inciso II do caput deste artigo será livremente pactuado entre as partes e formalizado no contrato especial de trabalho desportivo, observando-se, como limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). [...] § 5º O vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática des-portiva contratante constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, tendo natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais: (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). I – com o término da vigência do contrato ou o seu distrato; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). II – com o pagamento da cláusula indenizatória desportiva ou da cláusula compensatória desportiva; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). III – com a rescisão decor-rente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, nos termos desta Lei; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). IV – com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legisla-ção trabalhista; e (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). V – com a dispensa imotivada do atleta.” Como se verifica, a lei tornou obrigatórias tanto a cláusula indenizatória a favor da entidade esportiva quanto a cláusula compensatória a favor do atleta empregado. Deixou ao arbítrio das partes apenas a fixação do valor das cláusulas. Logo, a ausência de pactuação não poderia ser oposta à pretensão obreira. No caso, porém, no contrato de trabalho consta a pactuação da primeira pela marcação no local próprio ao item, sendo fixado o valor res-pectivo. Quanto à segunda, foi preenchido com marcação no local próprio, mas não foi estabelecido o valor (fl. 147). Logo, não houve ausência de pactuação, mas apenas do estabelecimento do valor correspondente à cláusula compensa-tória. Conforme exposição anterior, a rescisão contratual ocorreu por rescisão indireta, incidindo, portanto, a hipótese do inciso IV acima transcrito. Portanto, corretamente decidiu o Juízo ao deferir o pleito. Quanto ao valor, será analisado no item seguinte, em conjunto com o recurso do autor. Nego provimento.

5 VALOR DA CLÁUSULA COMPENSATÓRIA (RECURSOS DO RECLAMADO E DO RECLAMANTE)

O Juízo de origem fixou o valor da cláusula compensatória em R$ 90.000,00. Para tanto, considerou o valor do salário reconhecido em

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R$ 15.000,00, o restante de seis meses para término do contrato e o limite mínimo para a cláusula fixado no § 3º do art. 28 da Lei nº 9.615/1998, ou seja, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o térmi-no do contrato. Como narrado, o reclamado requer que, caso seja mantido o reconhecimento do direito à cláusula compensatória, o valor seja fixado com base no valor do salário de R$ 3.000,00. O reclamante alega que o Juízo não se ateve aos termos do dispositivo legal ao levar em conta apenas o restante dos meses do contrato de trabalho. Argumenta que a lei determina que sejam considerados todos os meses do contrato que, no caso, seriam nove meses, uma vez o pacto foi firmado para o período de 15.08.2012 a 15.05.2013 (fl. 38). Em argumento sequencial, reitera a alegação de que o valor da cláusula compen-satória deve ser idêntico ao fixado no contrato para a cláusula indenizatória no caso de transferência nacional, ou seja, R$ 1.000.000,00. Sustenta sua alega-ção em que a lei não estabeleceu um valor, mas apenas parâmetros mínimos e máximos para a cláusula compensatória; que o valor de R$ 1.000.000,00 está dentro desses parâmetros; que o contrato é silente quanto ao valor da cláusula compensatória; que há nítida bilateralidade contratual e entre as duas cláusu-las referidas; e que a equiparação é justa porque resguarda de modo igual os interesses de ambas as partes. Sobre a questão, dispõe o § 3º do art. 28 da Lei nº 9.615/1998: § 3º O valor da cláusula compensatória desportiva a que se re-fere o inciso II do caput deste artigo será livremente pactuado entre as partes e formalizado no contrato especial de trabalho desportivo, observando-se, como limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momen-to da rescisão e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). Como visto anteriormente, o salário efetivo do autor é de R$ 15.000,00, considerando-se que o importe pago a título de direito de ima-gem foi considerado como salarial. Logo, a pretensão recursal do reclamado não prospera. O texto legal também não subsidia o segundo argumento do re-clamante, porquanto não atrela o valor da cláusula compensatória ao da cláusu-la indenizatória. A correspondência entre os valores dessas cláusulas só poderia ser reconhecida se houvesse livre pactuação nesse sentido. Assim, inexistente valor da cláusula no contrato, nem alegado que fora pactuado algum valor, cor-retamente decidiu o Juízo de origem ao tomar como parâmetro o limite mínimo previsto no texto legal. Por fim, quanto ao número de meses a ser considerado para esse mínimo, também sem razão o reclamante. O texto legal em comento não diz que devem ser considerados todos os meses do contrato. Diz o texto que deve ser observado “[...] como limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato”. Ambos os limites foram amarrados à rescisão contratual: o máximo, ao valor salário pago no momento da rescisão e, o mínimo, ao número de meses

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faltantes para o final do contrato a partir desse momento. Assim, nego provi-mento aos recursos, no item.

6 LUVAS (RECURSO DO RECLAMANTE)

O Juízo de origem indeferiu a integração dos valores referentes a luvas por não terem cunho de habitualidade, correspondendo a incentivos pecuniá-rios pelas vitórias alcançadas. O reclamante alega que não pediu a integração das parcelas, mas sim o pagamento, uma vez que o reclamado não as quitou. Argumenta que o importe de R$ 10.000,00 previsto no item 2.1 do contrato, embora ali denominado como “adiantamento de premiações/salários”, refere-se às luvas desportivas em discussão. Com razão o recorrente em que o pedido foi pelo pagamento da parcela e não pela sua integração ao salário, conforme se verifica no item “g, 2” do rol de pedidos (fl. 20). O pleito é coerente com a causa de pedir no sentido da ausência de pagamento da verba (fls. 9/10). O reclamado não negou a ausência de pagamento do valor previsto no contrato a título de “adiantamento de premiações/salários”. Porém, contestou que esse valor con-tratual refira-se a luvas, alegando que se referem ao chamado “bicho” que é pago aos jogadores pelas vitórias do clube. Disse que o valor é adiantado, sendo feito a compensação ao longo do contrato, com acerto posterior caso haja cré-dito ou débito do jogador em razão das vitórias alcançadas. Alegou que ao re-clamante foi pago a título de “bicho” apenas R$ 1.200,00, pela participação em um único jogo em que o clube foi vitorioso. A cláusula consta do contrato de cessão de imagem. Diz a cláusula: “O Clube adiantará ao atleta a importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de adiantamento por conta de premia-ções/salários” (fl. 123, destaques originais). As luvas desportivas eram previstas no art. 12 da Lei nº 6.354/1976, que foi revogada pela Lei nº 9.615/1998. São pagas a atletas pela assinatura do contrato em razão do reconhecimento de seu desempenho antes da contratação pelo clube que pretende incluí-lo em seus quadros. O instituto é oriundo do direito comercial, pelo estabelecimento de um paralelo com o “fundo de comércio”, valor do ponto comercial. Conforme jurisprudência do TST, as luvas têm natureza salarial, não se confundindo com prêmios ou indenizações. No caso, cabia ao autor demonstrar que o item cons-tante do contrato refere-se a luvas, uma vez que a cláusula trata de adiantamen-to a título de premiações/salários. Não há nos autos elementos que demonstrem a alegação do obreiro que a natureza da verba seja de luvas, título em que se lastreia a pretensão. Assim, deve ser inferido o pleito pelo pagamento a esse títu-lo. Por outro lado, tratando-se de adiantamento de premiação a ser compensado e restando que o autor só teve direito à premiação por um jogo, premiação que já foi paga (fl. 146), a ausência do adiantamento não traz nenhuma dívida para o reclamado. Nego provimento. III – CONCLUSÃO – Pelo exposto, conheço dos recursos do reclamado e do reclamante e, no mérito, nego-lhes provimento, nos termos da fundamentação.

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certidão(ões)

Órgão Julgador: 2ª Turma

15ª Sessão Ordinária do dia 11.06.2014

Presidente: Desembargador João Amílcar

Relator: Desembargadora Elke Doris Just

Composição:

Desembargador Mário Macedo Fernandes Caron Presente Normal

Desembargador Brasilino Santos Ramos Presente Normal

Desembargadora Elke Doris Just Presente Normal

Desembargador Alexandre Nery de Oliveira Ausente Férias

Aprovar o relatório, conhecer dos recursos do reclamado e do reclaman-te e, no mérito, negar-lhes provimento, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

Órgão Julgador: 2ª Turma

3ª Sessão Extraordinária do dia 28.04.2014

Presidente: Desembargador Alexandre Nery de Oliveira

Relator: Desembargadora Elke Doris Just

Composição:

Desembargador João Amílcar Presente Normal

Desembargador Mário Macedo Fernandes Caron Presente Normal

Desembargador Brasilino Santos Ramos Presente Normal

Desembargadora Elke Doris Just Presente Normal

Aprovar o relatório. Proferiu voto a Desembargadora Relatora, no sentido de conhecer dos recursos do reclamado e do reclamante e, no mérito, negar--lhes provimento. Adiar o julgamento do presente processo, a requerimento do Desembargador Revisor.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional do Trabalho da 21ª RegiãoPoder JudiciárioAcórdão nº 135.539Recurso Ordinário nº 78900‑21.2013.5.21.0005Juiz Relator: Bento Herculano Duarte NetoRecorrente: Leandro Costa Miranda MoraesAdvogado: Marcus Vinicius Berthier GoesRecorrido: ABC Futebol ClubeAdvogados: José Wilson Gomes Netto e outrosOrigem: 5ª Vara do Trabalho de Natal/RN

ATLETA DE NÍVEL – PRÉ-CONTRATAÇÃO – CUSTEIO DAS DESPESAS DE DESLOCAMENTO – AUSÊNCIA DE CLÁUSULA ESPECÍFICA – RUPTURA CONTRATUAL – CLÁUSULA PENAL E PERDA DE UMA CHANCE

Não tendo o recorrente se desincumbido satisfatoriamente do ônus de provar suas alegações, nos termos do art. 818 da CLT, não logrando de-monstrar que cabia ao ABC Futebol Clube o custeio das despesas de deslocamento para a apresentação do atleta, não há que se falar, por-tanto, em condenação ao pagamento da cláusula penal pactuada pelo descumprimento do ajuste nem dos prejuízos suportados pela perda de uma chance, uma vez que o não comparecimento do recorrente na data aprazada não pode ser atribuído unicamente ao recorrido.

1 relatório

Vistos, etc.

Trata-se de Recurso Ordinário interposto por Leandro Costa Miranda Moraes em face da sentença proferida pelo MM Juízo da 5ª Vara do Trabalho de Natal (fls. 147/152), que julgou improcedentes os pedidos formulados na presente reclamação trabalhista, ajuizada pelo recorrente/reclamante em face do ABC Futebol Clube, bem como julgou improcedentes os pedidos formulados na reconvenção proposta pelo ABC Futebol Clube em face do autor.

Embargos Declaratórios, às fls. 157/160, rejeitados, no termos da senten-ça de fls. 161/162.

Em sede de razões recursais, a recorrente pugna pela reforma da sen-tença de piso, sob o argumento de que a cláusula penal e a indenização pelas chances perdidas são cabíveis em face do descumprimento do pré-contrato pela

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parte recorrida, que não realizou o envio das passagens para a apresentação do recorrente no Clube reclamado, dando azo ao rompimento do ajuste firmado.

Neste sentido, aduz que o ônus do empreendimento é do recorrido, nos termos do art. 2º da Norma Celetista, tendo este que arcar com as despesas de deslocamento para a apresentação do atleta. Ademais, defende que, apesar de inexistir determinação clara no que tange à referida responsabilidade, constam nos autos inúmeros indícios de que o recorrente tentou receber as ditas passa-gens, apresentando visível interesse em honrar o pré-contrato, sendo infrutíferas todas as tentativas realizadas, diante da ausência de respostas do clube.

Outrossim, no que tange à indenização pela perda de uma chance, reite-ra sua pertinência, na medida em que, desde 07.03.2013, passou a estar total-mente impedido de realizar qualquer tipo de negociação com outro clube, em virtude do aludido pré-contrato. Deste modo, após o descumprimento unilateral do pactuado por parte do recorrido/reclamado, é visível a ocorrência da perda de diversas chances de assinatura de contratos de trabalho com outras entidades desportivas, inclusive em valores superiores ao acertado com o reclamado.

Contrarrazões apresentadas pelo recorrido, de forma tempestiva, às fls. 190/194.

É o relatório.

2 voto

2.1 ADMISSIBILIDADE

Recurso com representação regular, pois subscrito por causídico com procuração nos autos (fl. 133). Custas processuais dispensadas, nos termos da gratuidade judiciária deferida. Recurso tempestivo, uma vez que o recorrente, tendo tomado ciência da sentença de Embargos Declaratórios aos 05.02.2014, interpôs o presente apelo em 12.02.2014. Conheço.

2.2 MÉRITO

Em sede de razões recursais, a recorrente pugna pela reforma da sen-tença de piso, sob o argumento de que a cláusula penal e a indenização pelas chances perdidas são cabíveis em face do descumprimento do pré-contrato pela parte recorrida, que não realizou o envio das passagens para a apresentação do recorrente ao Clube reclamado, dando azo ao rompimento do ajuste firmado.

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Neste sentido, aduz que o ônus do empreendimento é do recorrido, nos termos do art. 2º da Norma Celetista, tendo este que arcar com as despesas de deslocamento para a apresentação do atleta. Ademais, defende que, apesar de inexistir determinação clara no que tange à referida responsabilidade, constam nos autos inúmeros indícios de que o recorrente tentou receber as ditas passa-gens, apresentando visível interesse em honrar o pré-contrato firmado, sendo infrutíferas todas as tentativas realizadas, diante da ausência de respostas do clube.

Outrossim, no que tange à indenização pela perda de uma chance, rei-tera sua pertinência, na medida em que, desde 07.03.2013, passou a estar to-talmente impedido de realizar qualquer tipo de negociação com outro clube, em virtude do pré-contrato firmado. Deste modo, após o descumprimento uni-lateral do contrato de trabalho por parte do recorrido/reclamado, é visível a ocorrência da perda de diversas chances de assinatura de contratos de trabalho com outras entidades desportivas, inclusive em valores superiores ao acertado com o reclamado.

Vejamos.

No caso sob exame, a discussão cinge-se em averiguar qual das partes deu azo ao descumprimento do pré-contrato firmado, a fim de que seja conde-nada ao pagamento da cláusula penal prevista no referido ajuste e de indeniza-ção pelos demais danos causados.

Às fls. 43/45, consta o instrumento do aludido ajuste, em que recorrente e recorrido obrigaram-se a firmar contrato de trabalho, por prazo determinado, de 01.04.2013 a 31.03.2015, sendo pactuada também a remuneração mensal de R$ 45.000,00, acrescida de R$ 3.000,00 a título de auxílio-moradia e luvas de R$ 100.000,00, a serem pagas em parcelas mensais de R$ 5.000,00. Como contraprestação, o recorrente comprometeu-se a, a partir do dia 1º de abril de 2013, apresentar-se em plenas condições físicas e de saúde para prestar a ativi-dade de Atleta Profissional de Futebol.

Diversamente do acerto realizado, o recorrente não se apresentou ao clube recorrido na data aprazada, alegando que, apesar de inúmeras ligações e mensagens enviadas aos dirigentes do clube, não obteve resposta no que tan-ge ao custeio das despesas para sua apresentação, havendo juntado, inclusive, faturas de telefone celular em que aponta as mencionadas ligações, bem como degravações de conversas pelo aplicativo whatsapp, por intermédio das quais tentou contatar os dirigentes do recorrido. Neste sentido, defende que é praxe nos contratos de atleta de nível o envio das passagens pelo contratante, quando da apresentação do atleta, e que a sua conduta demonstra que empreendeu esforços para honrar o acerto firmado.

Neste sentido, o recorrente asseverou em juízo, in verbis (fls. 35/36):

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Que combinou com o diretor de futebol, Kleber Romualdo, de se apresentar ao Clube no dia 02.04.2013, já que iria jogar a última partida pelo Rio Branco no dia 29.03.2013; que mandou mensagens para o aludido diretor e ficou sem res-postas, daí porque não teve que se deslocar, juntamente com a sua família, para apresentar-se ao clube na data acordada 02.04.2013; que, como as mensagens não foram respondidas e não houve o envio das passagens, não se deslocou para esta cidade; que no pré-contrato não ficou ajustado que o reclamante custearia as despesas de deslocamento, até porque já havia jogado uma vez pelo ABC e este clube, na oportunidade, enviou, 5 dias antes, as passagens para que o depoente se deslocasse para Natal; que no pré-contrato não há previsão de que o Clube arcaria com as supracitadas despesas, até porque tal conduta é praxe no futebol;

No entanto, tais alegações não foram devidamente comprovadas pelas testemunhas trazidas aos autos, tendo os depoimentos prestados indicado que o custeio das despesas de deslocamento do atleta para o novo clube será su-portado por este ou pelo contratante, não havendo regra rígida sobre o tema, senão vejamos:

Depoimento da primeira testemunha do reclamante, Senhor Felipe Augusto Leite: que é presidente do sindicato dos atletas profissionais no RN desde 2008; que não sabe quem custeia o deslocamento do atleta para se apresentar ao clube contratante, até porque no sindicato nunca chega tal assunto; [...] que não lembra se o contrato possui uma cláusula de multa contratual pela não apresentação do atleta; [...] que é normal a assinatura de pré-contratos até seis meses antes do des-ligamento do clube; que o reclamante é considerado um atleta de nível, mas não sabe se ele foi contratado pelo reclamado por intermédio de empresário particu-lar; que não tem como dizer se os atletas de nível geralmente ajustam contratação ou pré-contratação através de empresário, que assume o compromisso de trazer o atleta para apresentação ao clube;

Consoante se depreende do excerto acima, o recorrente não se desin-cumbiu satisfatoriamente do ônus de provar suas alegações, nos termos do art. 818 da CLT, uma vez que não logrou provar que cabia ao ABC Futebol Clube o custeio das despesas de deslocamento para a apresentação do atleta. Desta forma, o não comparecimento do recorrente na data aprazada não pode ser atribuído unicamente ao recorrido, não havendo que se falar, portanto, em condenação ao pagamento da cláusula penal pactuada pelo descumprimento do ajuste.

Ademais, consoante acertadamente observado pelo Juízo de 1º grau, o atleta, notoriamente conhecido no âmbito do futebol brasileiro e havendo dei-xado recentemente o Rio Branco de Americana/SP, consoante informado na exordial, detinha condições financeiras para arcar com as despesas decorrentes da sua apresentação no recorrido, principalmente se considerarmos o vultoso valor da remuneração mensal pactuada. Desta forma, a fim de evitar a ruptura

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contratual, poderia ter custeado as despesas concernentes ao seu deslocamento, já que ausente disposição específica no instrumento.

Outrossim, é importante ressaltar que o custeio das despesas do deslo-camento obreiro não consiste em ônus do empregador, como quer fazer crer o recorrente, não havendo qualquer norma legal que imponha tal obrigato-riedade. Na verdade, o ônus do empreendimento diz respeito aos riscos da atividade, que pertencem única e exclusivamente ao empregador. Desta forma, tendo laborado em favor do empregador, independentemente de que este tenha auferido lucro ou prejuízo, as parcelas salariais serão devidas ao obreiro, não se relacionando tal máxima juslaboral ao fornecimento das passagens no caso sob exame.

Como se não bastassem os motivos expostos, é importante assinalar que, na fase pré-contratual, as negociações para o preenchimento de um posto de trabalho geram obrigações recíprocas, que devem observância aos princípios da lealdade e da boa-fé objetiva.

Apesar de existência de tais deveres, que acompanham o pré-contrato firmado para ultimar uma futura contratação, não restou configurado com cla-reza a qual das partes cabia o custeio das passagens do atleta em questão, não cabendo responsabilização do recorrido ao pagamento de cláusula penal, con-soante já explicitado, bem como de indenização com base da teoria da perda de uma chance.

A perda de uma chance verifica-se quando, praticado um ato ilícito, este provoca que alguém perca a oportunidade de obter uma situação futura mais vantajosa, devendo ser indenizada pelos danos suportados.

No caso em tela, não há que se falar em perda de uma chance, uma vez que o autor poderia ter evitado a ruptura do pacto em questão, apresentando-se ao recorrido na data prevista.

Desta forma, não sendo hipótese de culpa exclusiva do recorrido, não se admite a condenação pelas chances perdidas, pois o próprio recorrente decidiu firmar o contrato e colaborou para a sua ruptura, não podendo atribuir-se ape-nas à conduta do recorrido as possibilidades perdidas pelo recorrente.

Por fim, deve ser enfatizado que o processo do trabalho rege-se pelo prin-cípio do livre convencimento motivado, no qual o juiz tem ampla liberdade na apreciação das provas, fazendo prevalecer os meios probantes que forem mais idôneos e consentâneos com o objeto do litígio.

Prestigia-se, nesta linha de raciocínio, a valoração do conjunto proba-tório produzido em audiência, quando o juiz mantém contato pessoal com as testemunhas, com condições de estabelecer grau de credibilidade a partir de

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comportamentos e de atitudes na sessão, que os autos, por si só, não têm como registrar.

Logo, correto o decisum guerreado, que julgou improcedente a demanda ajuizada pelo obreiro, bem como a reconvenção ajuizada pela recorrida, por entender que não há como se atribuir a qualquer dos litigantes culpa exclusiva pela quebra do pré-contrato.

Com efeito, tendo o recorrente não logrado êxito em demonstrar que a conduta do recorrido, por si só, produziu a ruptura contratual e os danos que alega haver suportado, nego provimento ao apelo, mantendo a sentença em todos os seus termos.

3 conclusão

Ante o exposto, conheço do recurso ordinário e, no mérito, nego-lhe provimento.

Acordam os Excelentíssimos Desembargadores Federais e os Juízes da Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, por unani-midade, conhecer do recurso ordinário. Mérito: por unanimidade, negar provi-mento ao recurso ordinário.

Natal/RN, 01 de julho de 2014.

Bento Herculano Duarte Neto Juiz Convocado

Divulgado no DEJT nº 1513, em 10.07.2014 (quinta-feira) e Publicado em 11.07.2014 (sexta-feira). Traslado nº 00509/2014.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência

Administrativo e Constitucional

1141 – Ação civil pública – obra de mobilidade – Copa 2014 – efeitos

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Obra de mobilidade. Copa do Mundo de Futebol 2014. 1. Agravo de instrumento manejado pelo Ministério Público Federal em face de deci-são, prolatada em sede de ação civil pública ajuizada contra a União, a Caixa Econômica Federal e o Estado do Ceará, que indeferiu o pedido de liminar, além de excluir da lide a Caixa e o Estado do Ceará. 2. De acordo com o Ministério Público Federal, entre as obras incluídas na ‘Matriz de Responsabilidade para a Copa do Mundo de 2014’, ou seja, no rol de prioridades em obras para viabilizar a Copa do Mundo de Futebol de 2014, a ser realizada no Brasil, inclui-se a obra de mobilidade denominada VLT – Veículo Leve sobre Trilhos entre os bairros de Parangaba e Mucuripe, de responsabilidade do Estado do Ceará. Aduz que a obra é dividida em três fases, Projeto Básico, desapropriações e obras do VLT propriamente ditas, sendo que as duas primeiras serão executadas pelo Estado do Ceará com recursos próprios, sendo a última financiada pela União, por meio da Caixa Econômica Federal. 3. Consoante destacado pelo juízo de origem, ‘a argumentação que embasa a presente ação, o descumpri-mento do direito à moradia adequada nas desapropriações realizadas para viabilizar a obra do VLT Parangaba-Mucuripe, é mera remodelação da que embasa a ação em tramitação na 9ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza’. Chama a atenção, a propósito, o fato de que naquela ação está em negociação o modo de desocupação dos imóveis, com ampla discussão sobre todos os aspectos a ela referentes, tais como o local de reassentamento e o pa-gamento de valores de aluguéis sociais. 4. Assim, dado que o pedido de efetivação do direito à moradia adequada, componente humano do licenciamento ambiental da obra do referido VLT, está sendo discutido no juízo próprio, o da 9ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, por meio da Ação Civil Pública de número 017393-19.2011.8.06.0001, correta a decisão recorrida ao excluir da lide o Estado do Ceará. 5. De outra banda, no que tange à Caixa Econômica Federal, o MPF pretende que o agente financiador seja responsável pelo efetivo cumprimento do direito à moradia adequada por parte do Estado do Ceará, passando a exigir a demonstração de sua efetivação antes da liberação dos recursos para a realização da terceira fase da obra do VLT. 6. Entretanto, é obrigação contratual da CEF somente liberar os recursos caso as condições contratuais tenham sido atendidas, não fazendo sentido pretender--se obrigá-la judicialmente a fazer o que já decorre do próprio contrato. Atente-se, ainda, que a obrigação da adequação dos procedimentos de desapropriação desenvolvidos pelo Estado do Ceará na obra do VLT aos termos da Portaria nº 317/2013, do Ministério das Cidades, não pode ser imposta à Caixa Econômica Federal, mas ao próprio Estado do Ceará. Tam-bém não merece censura, pois, a exclusão do banco do polo passivo da relação proces sual. 7. Por derradeiro, quando ao pedido de extensão do regramento estabelecido pela Portaria nº 317/2013, do Ministério das Cidades, a toda e qualquer obra e serviços de infraestrutura em execução ou a serem executadas em todo o Estado do Ceará nas áreas de habitação, saneamento ambiental, transporte e mobilidade urbana, etc., dirigido contra a União, penso que não restou comprovado o perigo da demora da prestação jurisdicional, tal como com-preendido pelo juízo de origem. 8. É que por centrar a sua argumentação apenas nas obras do VLT, ao tempo em que postula pedido geral de extensão da aplicação da referida Portaria a todas as obras e prestações de serviços realizados nos âmbitos dos programas e ações sob gestão de quaisquer dos Ministérios da União e/ou sejam financiados, direta ou indiretamente, por recursos federais ou por recursos geridos por instituições federais de sua administração direta ou indireta, o autor, ora agravante, deixou de elencar obras ou serviços que já estejam em andamento ou pelo menos em planejamento. 9. Na verdade, apenas narra as situações constatadas na obra antes aludida e, na mesma senda, a documentação que acompanhou a exordial também a ela se refere. Mercê dessa omissão do autor, resta impedida a verificação

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do perigo de dano alegado. 10. Registre-se, ainda, que seria impertinente a concessão de tutela de urgência para determinar-se à Administração a adoção das providências de que cogita o Ministério Público Federal, dada a magnitude do pedido de extensão do regramento estabelecido pela Portaria nº 317/2013, do Ministério das Cidades, a toda e qualquer obra e serviços de infraestrutura em execução ou a serem executadas em todo o Estado do Ceará nas áreas de habitação, saneamento ambiental, transporte e mobilidade urbana. 11. Agravo de instrumento desprovido.” (TRF 5ª R. – AGTR 0042155-85.2013.4.05.0000 – (135354/CE) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima – DJe 26.06.2014 – p. 122)

1142 – Bolsa-atleta – exigência de que o atleta tenha representado o Estado – razoabilidade

“Mandado de segurança. Processo seletivo. Bolsa-atleta. Benefício destinado ao fomento e incentivo do esporte no âmbito do Estado. Exigência de que o atleta tenha representado o Estado. Razoabilidade. Ausência de direito líquido e certo. Segurança denegada. 1. O edital é a lei do processo seletivo e as regras nele contidas vinculam os candidatos e a administração. 2. A exigência de que o postulante ao benefício tenha representado o Estado do Espírito Santo em campeonatos oficiais não se mostra desarrazoada ou desproporcional, por se tratar de recursos econômicos que comprometem a esfera orçamentária estadual. 3. O pleito do im-petrante esbarra em óbice intransponível, consubstanciado na ausência de comprovação de direito líquido e certo, mormente porque a não concessão do benefício decorreu da aplicação dos critérios estabelecidos no edital que rege o certame, fato que, evidentemente, revela a ausência de ilegalidade ou abuso de poder. 4. Segurança denegada.” (TJES – MS 0004228-34.2014.8.08.0000 – Rel. William Couto Gonçalves – DJe 14.07.2014)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 9, out./nov. 2012, ementa nº 486 do TJDFT.

1143 – Copa 2014 – relatório consolidado de informações – acompanhamento

“Acompanhamento. Relatório consolidado de informações relativas às ações previstas na ma-triz de responsabilidade para realização da Copa do Mundo FIFA 2014 e outros projetos rela-cionados. Balanço dos estágios físico e financeiro das obras e projetos referentes à construção e reforma de estádios, mobilidade urbana, portos e aeroportos, telecomunicações, segurança pública e defesa. Pendências verificadas. Determinação. Ciência aos órgãos responsáveis.” (TCU – Proc. 009.205/2013-6 – (1608/2014) – Plen. – Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues – DOU 18.06.2014)

1144 – Copa 2014 – relatório de auditoria – comissão de fiscalização – efeitos

“Relatório de auditoria. Comissão de fiscalização da Copa 2014. Relatório 09. Falta de aplica-ção de cláusula contratual. Cobrança de penalidade. Inadimplemento do Contrato nº 02/2012 pela CAP S/A. Falta de análise do novo e mais dispendioso cronograma executivo do contrato. Inobservância de determinações já realizadas por este TCE-PR. Aprovação do relatório. Aber-tura de tomada de contas extraordinária.” (TCEPR – Proc. 805785/13 – (3766/14) – Rel. Cons. Nestor Baptista – DJe 25.06.2014 – p. 2)

1145 – Desapropriação – decreto de utilidade pública – obra viária da Copa do Mundo – imissão provisória na posse – possibilidade

“Agravo de instrumento. Desapropriação. Decreto de utilidade pública. Obra viária da Copa do Mundo. Imissão provisória na posse. Possibilidade. Para o deferimento da imissão provi-sória na posse, basta ao expropriante a alegação de urgência e o depósito da quantia ofertada na inicial, a teor do que prevê o art. 15 do Decreto-Lei nº 3.365/1941. O laudo de avaliação acostado aos autos está baseado em Método Comparativo de Dados de Mercado, e descre-ve pormenorizadamente os quesitos e metodologia utilizados na composição do valor da

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indenização, bem como o rol de imóveis utilizados na amostragem, com seus respectivos valores de mercado. A área a ser desapropriada corresponde a 36,04m² de um todo maior de 1.155,00m², apontando o laudo o valor de R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais) como indenização, em junho/2012. Preenchidos os requisitos do art. 15 do Decreto nº 3.365/1941 para fins de imissão provisória na posse. Precedentes da Câmara. Agravo de instrumento pro-vido.” (TJRS – AI 70059431254 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Leonel Pires Ohlweiler – J. 26.06.2014)

1146 – Professor – participação em programa de treinamento para atletas – carga horária – redução – descabimento

“Administrativo. Professor. Participação em programa de treinamento para atletas. Carga ho-rária. Redução. 1. O art. 2º do Decreto nº 23.122/2002 assegura ao servidor que participa de programa de treinamento sistemático para atletas a redução de jornada diária de trabalho. Vedada, contudo, redução aos que têm duração de jornada de trabalho estabelecida em leis especiais (art. 5º). 2. Sendo a carga horária de trabalho do magistério público estipulada em lei especial (Lei nº 5.105/2013), não é assegurado ao professor o benefício da redução dessa. 3. Agravo não provido.” (TJDFT – Proc. 20140020108380 – (799166) – Rel. Des. Jair Soares – DJe 01.07.2014 – p. 315)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 16, dez./jan. 2014, artigo de Janaina Cassol Machado e Gabryelle Zanini Gongora intitulado “A (I)legalidade da Exigência de Registro dos Professores de Artes Marciais junto ao Conselho Regional de Educação Física”.

1147 – Treinador de futebol – inscrição perante o Conselho de Educação Física – desneces-sidade

“Processual civil. Agravo legal (art. 557, § 1º, do CPC). Treinador de futebol. Leis nºs 9.696/1998, 8.650/1993 e 6.354/1976. Inscrição perante o Conselho de Educação Física. Desnecessidade. Portaria nº 397, de 09.10.2002. Ilegalidade. Não demonstrada a incompati-bilidade da decisão recorrida com a jurisprudência dos Tribunais Superiores. 1. O agravo le-gal deve ter por fundamento a inexistência da invocada jurisprudência dominante e não a dis-cussão do mérito. 2. In casu, a decisão foi bastante clara quanto à ausência de obrigatoriedade da inscrição dos treinadores de futebol perante conselho profissional para o desempenho da atividade profissional, reconhecendo a ilegalidade da Portaria nº 397, de 09.10.2002, incom-patível com as Leis nºs 9.696/1998, 8.650/1993 e 6.354/1976. 3. A adoção, pelo Relator, da jurisprudência dominante desta Corte é medida de celeridade processual autorizada pelo art. 557 do CPC. 4. Agravo legal a que se nega provimento. (TRF 3ª R. – Ag-Ap-RN 0005931-88.2012.4.03.6128/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 23.07.2014 – p. 781)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 18, abr./maio 2014, ementa nº 1025 do TRF 3ª R; RDD nº 2, ago./set. 2011, ementa nº 84 do TRF 2ª R.; e RDD nº 1, jun./jul. 2011, ementa nº 25 do TRF 3ª R.

Civil

1148 – Ação civil coletiva – associação de consumidores – legitimidade ativa – efeitos

“Agravo. Ação civil coletiva proposta por associação de consumidores. Tutela antecipada de-ferida, em primeira instância, para o fim de suspender decisão do STJD que puniu a Associa-ção Portuguesa de Desportos por escalação irregular de jogador suspenso, com aplicação de multa e perda de pontos. Inconformismo da CBF. Atribuição de efeito suspensivo ao agravo. Superior Tribunal de Justiça que, nos autos do Conflito de Competência nº 132.438-RJ, de-

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terminou a competência da 2ª Vara do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ, para julgamento da matéria. Remessa dos autos para a Comarca competente já determinada, pelo juízo de primeira instância, ou seja, Juízo da 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo. Decisão de antecipação de tutela, objeto do agravo de instrumento, prejudicada, diante da notícia de prolação de sentença de extinção do feito, sem julgamento do mérito, pelo Ju-ízo da 2ª Vara do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ. Recurso prejudicado” (v. 16057). (TJSP – AI 2015807-41.2014.8.26.0000 – São Paulo – 3ª CDPriv. – Relª Viviani Nicolau – DJe 17.06.2014 – p. 1518)

1149 – Ação declaratória – fornecimento de refeições para atletas – equipe de basquete – contratação verbal – efeitos

“Apelação. Prestação de serviços. Ação declaratória de existência de relação jurídica cumu-lada com cobrança. Fornecimento de refeições para atletas do clube-réu. Negócio admitido pelo réu, mas que trouxe divergência em relação à forma de pagamento e o período do contrato. Contratação verbal. Questão de fato que não autorizava o julgamento antecipado da lide. Cerceamento de defesa configurado. Necessidade de produzir prova em audiência. Recurso provido para esse fim. Não existe controvérsia de que a autora foi contratada pelo clube-réu para fornecer refeições para seus atletas que integram a equipe de basquete. Estes, por sua vez, ao comparecerem ao restaurante, segundo a petição inicial, anotavam seus no-mes em um caderno de controle interno registrando valor e quantidade de refeições servidas. Se há eventual fragilidade na prova documental apresentada pela autora, a improcedência de plano, sem abertura de dilação probatória para demonstrar que existe veracidade dos fatos deduzidos, configura, sim, cerceamento de defesa, merecendo anulação da sentença proferida. Como o clube-réu não negou o fornecimento das refeições, mas asseverou ter sido temporário e que não havia anotações no ‘caderno’ porque pagava diariamente, o esclareci-mento de estas e outras questões dependem de dilação probatória, com a realização de prova em audiência.” (TJSP – Ap 0012078-93.2013.8.26.0576 – São José do Rio Preto – 9ª C.Ext.DPriv. – Rel. Adilson de Araujo – DJe 23.06.2014 – p. 1575)

1150 – Ação de prestação de contas – associação desportiva sem fins lucrativos – descabi-mento

“Apelação. Ação de prestação de contas. Associação desportiva sem fins lucrativos. Ação intentada por ex-diretores, cujos clubes de futebol não são mais filiados à associação. Ex-tinção do feito sem julgamento do mérito. Inconformismo dos autores. Não acolhimento. Inexistência de qualquer relação jurídica obrigacional entre as partes. Inteligência do art. 914 do CPC. Ausência de litigância de má-fé. Sentença mantida. Negado provimento ao recurso.” (v.14682). (TJSP – Ap 0063048-02.2010.8.26.0577 – São José dos Campos – 3ª CDPriv. – Relª Viviani Nicolau – DJe 23.06.2014 – p. 1272)

1151 – Atleta – rescisão contratual – procuração e contrato de prestação de serviços – agente – promessa de contratação por clube carioca – frustração – possibilidade de rescisão da avença – termo inicial

“Ação de rescisão contratual. Atleta. Procuração e contrato de prestação de serviços. Agente. Promessa de contratação por clube carioca. Frustração. Possibilidade de rescisão da avença. Termo inicial. Citação na cautelar e não na ação principal. Data da ciência inequívoca pelo agente. Apelação do réu não provida e apelação do autor parcialmente provida. 1. Senten-ça que julgou procedente a ação de rescisão processual movida por jogador de futebol em face de agente, declarando rescindido o vínculo obrigacional a partir da citação na deman-da principal. 2. Outorga de procuração e assinatura de contrato de prestação de serviços. Promessa de contratação por famoso clube carioca. Frustração. Possibilidade de rescisão da avença. 3. Termo inicial que deve ser a data da citação na cautelar em apenso, e não apenas

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na ação principal. Ciência inequívoca do requerido naqueles autos, em 18.04.2011. 4. Ape-lação do réu não provida, e apelação do autor parcialmente provida.” (TJSP – Ap 0001356-67.2011.8.26.0156 – Cruzeiro – 9ª CDPriv. – Rel. Alexandre Lazzarini – DJe 24.07.2014 – p. 1267)

1152 – Conflito de competência – entidade organizadora de campeonato esportivo – cará-ter nacional – efeitos

“Conflito positivo de competência. Processos vários ajuizados em juízos e juizados especiais diversos, em diferentes foros do território nacional, por torcedores, clube ou entidades e insti-tuições diversas, centradas no mesmo litígio, a respeito da validade de acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD. Com consequências diretas sobre campeonato esportivo de caráter nacional, organizado pela Confederação Brasileira de Futebol. Decisões colidentes quanto a liminares. Matéria de abrangência nacional. Conexão evidente entre as ações contidas nos diversos processos. Competência do foro do local em que situada a sede da entidade responsável pelo Tribunal de Justiça Desportiva ante a prevalência, de ordem pública devido ao caráter nacional, do foro do domicílio do réu. Prevenção da Vara em que ajuizado o primeiro processo. Efeitos da citação que retroagem à data da distribuição do processo. Competência de juizado especial do torcedor afastada. Conflito de competência acolhido, para declarar a competência do Juízo da 2ª Vara Cível do Rio de Janeiro/RJ. 1. É competente o juízo do local em que situada a sede da entidade organizadora de campeonato esportivo de caráter nacional para todos os processos de ações ajuizadas em vários juízos e juizados especiais, situados em lugares diversos do país, questionando a mesma matéria central, relativa à validade e à execução de decisões da Justiça Desportiva, visto que a enti-dade esportiva de caráter nacional, responsável, individual ou conjuntamente com quaisquer outras entidades, pela organização (no caso, a CBF), deve, necessariamente, inclusive por decisão de ofício, integrar o pólo passivo das demandas, sob pena de não vir ela ser atingida pelos efeitos subjetivos da coisa julgada, e de tornar-se o julgado desprovido de efetividade. 2. No caso, considerando-se que a CBF é parte necessária nos processos em que se questio-nam decisões da Justiça Desportiva, por ela organizada, devem eles ser propostos no foro ‘onde está a sede’ daquela pessoa jurídica (CPC, art. 100, IV, a), e sua sede situa-se no âmbito geográfico da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro e, na divisão judiciária desta, no Foro Regional da Barra da Tijuca. 3. Constitui matéria de interesse público, ante a necessidade de evitar a dispersão jurisdicional, que atrasaria a prestação jurisdicional e criaria insegurança jurídica, devido à possibilidade de decisões contraditórias, a determinação da competência de juízo único para ajuizamentos plúrimos de processos por torcedores, clubes, entidades e instituições, inclusive o Ministério Público e a Defensoria Pública, de forma pulverizada, em todo o território nacional. 4. A fixação do juízo territorialmente competente dá-se pelo critério do foro do local da sede da entidade nacional ré, organizadora, individual ou conjunto com outras entidades, a qual deve necessariamente ser acionada, foro esse decorrente da previsão do art. 94 do Código de Processo Civil, para todas as ações relativas a julgamentos por órgãos da Justiça Desportiva, referentes a certames de caráter nacional por ela promovidos, deter-minando-se, por isso, a competência do juízo do local da sede dessa entidade, ou seja, da Distrital da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, entre cujas Varas determina-se a competência, por prevenção, pela data da distribuição, a que retroage a data da citação. 5. Afasta-se a com-petência de outros juízos e juizados especiais cíveis, inclusive do Juizado do Torcedor, adjun-to à 2ª Vara da Regional da Ilha do Governador/RJ (Resolução TJRJ-OE 20;21). 6. Os arts. 3º da Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) e 101, I, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) não prevalecem como fundamento para o ajuizamento pelo torcedor, em seu próprio domicílio, de ação judicial questionando a validade de decisões proferidas pela Justiça Desportiva, órgão da Confederação Brasileira de Desportos – CBF – cuja sede se situa

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na Cidade do Rio de Janeiro, na área geográfica do Foro da Barra da Tijuca. 7. No caso, entre as Varas do Foro da Barra da Tijuca, tem-se por certo que a primeira distribuição ocorreu perante a 2ª Vara Cível, que, por isso, resulta preventa para os demais acionamentos (CPC, art. 106). 8. Conflito acolhido para declarar a competência do juízo da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca, ao qual devem incontinenti ser enviados os processos, excetuada a hipótese de extinção, estendendo-se o julgamento do presente Conflito a todas as ações sobre a matéria, ajuizadas ou que o venham a ser, nos diversos juízos e juizados especiais, da Justiça Estadual ou Federal no País.” (STJ – CC 132.438 – (2014/0031220-4) – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 01.07.2014 – p. 617)

1153 – Contrato – serviço de recepção com buffet e aquisição de ingressos para a Copa do Mundo de Futebol – cláusula abusiva – rescisão – descabimento

“Tutela antecipada. Ação de rescisão de contrato e restituição de valores. Prestação de ser-viços. Serviço de recepção com buffet e aquisição de ingressos para a Copa do Mundo de Futebol. Pretensão da autora de rescisão, de imediato e sem a oitiva da parte contrária, dos contratos firmados com a ré, sob o pretexto de ilegalidades e abusividades contratuais. Indefe-rimento. Ausência dos requisitos autorizadores. Decisão que se mostra acertada. Recurso não provido.” (TJSP – AI 2083362-75.2014.8.26.0000 – São Paulo – 33ª CDPriv. – Rel. Sá Duarte – DJe 23.06.2014 – p. 1545)

1154 – Direito do consumidor – Copa das Confederações FIFA – regra para transferência de ingressos – ônus de sucumbência

“Apelação cível. Copa das Confederações FIFA. Regra para transferência de ingressos. Ônus de sucumbência. 1. O código de defesa prevê a nulidade de pleno direito de cláusulas iní-quas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incom-patíveis com a boa-fé ou a equidade. 2. A vedação da transferência de ingressos, mesmo mediante complementação do valor, mostra-se abusiva. 3. Em razão princípio da causalidade, a parte que deu causa ao processo deve arcar com o pagamento das custas processuais e honorários da parte adversa. 4. Nas causas de pequeno valor, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendido o grau de zelo do profissional; o lugar de prestação do serviço; a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. 5. Recurso conhecido e provido parcialmente.” (TJDFT – AC 20130110832755 – (802298) – Relª Desª Ana Cantarino – DJe 15.07.2014 – p. 193)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 17, fev./mar. 2014, ementa nº 975 do TJDFT.

1155 – Execução fiscal – multa administrativa – transferência de jogador – interrupção

“Processo civil. Embargos de declaração. Embargos à execução fiscal. Multa administrativa. Transferência de jogador. Banco Central. Poder de polícia. Decadência e prescrição. Interrup-ção. Decreto nº 20.910/1932 e Lei nº 9.873/1999. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade. 1. Os embargos declaratórios só se justificam quando relacionados a aspectos que objetivamente comprometam a inteligibilidade e o alcance do pronunciamento judicial, estando o órgão julgador desvinculado da classificação normativa das partes. É desnecessária a análise explícita de cada um dos argumentos, teses e teorias das partes, bastando a resolu-ção fundamentada da lide. 2. O mero inconformismo, sob qualquer título ou pretexto, deve ser manifestado em recurso próprio e na instância adequada para considerar novamente a pretensão. Embargos declaratórios manifestados com explícito intuito de prequestionamento não dispensam os requisitos do art. 535 do CPC. Precedentes jurisprudenciais. 3. O acórdão embargado consignou expressamente que o prazo prescricional para cobrança da multa ad-ministrativa é quinquenal, com fluência a partir da prática do ato ou do vencimento, para as

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competências anteriores à vigência da Medida Provisória nº 1.708/1998 (01.07.1998), suces-sivamente reeditada e convertida na Lei nº 9.873/1999, e também quinquenal, mas fluindo a partir do lançamento, por ela instituído, daí para a frente. Inexistindo na legislação anterior qualquer previsão de decadência, os créditos anteriores à MP 1.708/1998 sujeitam-se ao pra-zo por ela instituído, a contar de sua vigência. 4. Os embargos declaratórios, concebidos ao aprimoramento da prestação jurisdicional, não podem contribuir, ao revés, para alongar o tempo do processo, onerando o já sobrecarregado ofício judicante. 5. Embargos de declara-ção desprovidos.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2004.51.01.505324-9 – 6ª T.Esp. – Relª Desª Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo – DJe 09.07.2014 – p. 638)

1156 – Execução fiscal – penhora sobre valores relativos ao direito de transmissão televisiva de clube de futebol – possibilidade

“Processual civil. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Penhora sobre valores relativos ao direito de transmissão televisiva de clube de futebol. Possibilidade. Substituição da penhora. Descabimento. 1. Não se conhece do agravo interno interposto pelo Ministério Público Fe-deral, por ser incabível contra a decisão proferida nos casos dos incisos II e III do caput do art. 527 do CPC, ante a vedação constante de seu parágrafo único, ressalvada a reconside-ração pelo próprio Relator, como expressamente previsto na lei. 2. O dinheiro ocupa o topo da lista de preferência entre os bens penhoráveis, mostrando-se correta a decisão do Juízo a quo que determinou a penhora dos valores relativos ao direito de transmissão televisiva do executado referente ao Campeonato Brasileiro de Futebol, limitada ao valor atualizado do crédito tributário exequendo. 3. Esta Corte já firmou entendimento quanto à possibilidade de penhora de renda de contratos relativos a direito de transmissão televisiva de jogos de cam-peonato de futebol e de patrocínio, já que, diferentemente da penhora sobre o faturamento, não é medida excepcional, mas penhora de crédito a ser recebido de terceiro, com fulcro no art. 671 do CPC. 4. Não há comprovação de que a penhora da terça parte dos valores a serem recebidos pelo agravante da Globosat, em virtude do contrato de transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol, por ter se sagrado campeão da competição no ano de 2012, irá inviabilizar a sua existência, quando a quantia penhorada não constitui a única fonte de renda do Clube. Sabidamente as receitas dos clubes de futebol advém de diversas fontes, tais como, contratos de patrocínio, vendas de produtos licenciados, venda de jogadores, ven-da dos direitos de transmissão de jogos, mensalidades dos sócios, renda de bilheteria, dentre outras, limitando-se o agravante a anexar uma planilha sem assinatura e que apresenta dados sem qualquer prova documental que os respaldem, capazes de demonstrar que os créditos penhorados são indispensáveis à manutenção de suas atividades e que não poderá suportar a constrição para o exercício de sua atividade fim. 5. O agravante não quantifica de forma objetiva e com respaldo em prova documental as receitas que aufere, podendo frustrar, caso admitida a substituição da penhora, a satisfação do crédito da exequente. 6. Agravo interno não conhecido. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. Embargos de declaração da União prejudicados.” (TRF 2ª R. – AI 2012.02.01.020129-2 – 3ª T.Esp. – Relª Desª Cláudia Maria Pereira Bastos Neiva – DJe 30.06.2014 – p. 228)

1157 – Indenização – árbitro de futebol – ofensas físicas e verbais após expulsão de jogador – insuficiência de prova

“Indenização. Árbitro de futebol. Ofensas físicas e verbais após expulsão de jogador. Tumulto instaurado, sem prova de que as ofensas decorreram de ato intencional dos réus. Boletim de ocorrência insuficiente para comprovar as alegações do autor. Sentença reformada. Recurso dos réus providos, com inversão da sucumbência. Recurso do autor prejudicado.” (TJSP – Ap 0002884-74.2010.8.26.0576 – São José do Rio Preto – 2ª CDPriv. – Relª Marcia Tessitore – DJe 07.07.2014 – p. 836)

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Comentário Editorial SÍNTESEA ementa em destaque cuida da figura do árbitro de futebol.

A previsão está contida no seguinte dispositivo da Lei nº 10.671/2003:

“Art. 30. É direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões.

Parágrafo único. A remuneração do árbitro e de seus auxiliares será de responsabilidade da enti-dade de administração do desporto ou da liga organizadora do evento esportivo.”

Para o Mestre em Direito Desportivo, Dr. Gustavo Lopes Pires de Souza, analisa-se a questão de acordo com o Estatuto do Torcedor.

“Destarte, o Estatuto do Torcedor protege o consumidor de eventos esportivos em sua relação consumeirista com os fornecedores do evento, definidos, no art. 3º como a entidade responsável pela organização da competição e/ou a detentora do mando de jogo.

[...]

Analisando o mérito da questão, de fato, nos termos do art. 30, do Estatuto do Torcedor, é direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial e isenta de pressões.

Entretanto, a responsabilidade do árbitro não é objetiva e para sua caracterização deve o autor da ação indicar se o juiz da partida agiu com dolo (intenção) ou com negligência, imprudência ou imperícia, o que não fora demonstrado no caso em comento.

[...]

Por outro lado, a figura do árbitro na partida de futebol corresponde a uma forma de solução de conflitos previamente pactuada pelas partes (pelas Federações e competidores) em uma espécie de cláusula especial prevista no regulamento.

Assim, impera a autonomia da vontade das partes envolvidas, manifestada na medida em que são elas (Federações e Clubes) que definem os procedimentos que disciplinarão a partida. Ou seja, são criadas regras particulares e de comum acordo entre os interessados.

Importante acrescer que, realmente, durante os noventa minutos da partida a atividade do árbitro deve consistir no fiel cumprimento das leis que o regem, o que, em nenhuma hipótese, determina a ausência de falhas no seu atuar. Deve-se exigir do árbitro honestidade e não perfei-ção. Assim, é dever do autor comprovar a má-fé do Juiz da partida.

Concluir-se em sentido diverso afigura-se inevitável afronta ao próprio direito que o torcedor quer ver respeitado com a ação: uma arbitragem isenta de pressões, já que não há maior pressão que a da exigência da perfeição, como bem ressaltou a Juíza Cíntia Souto Machado de Andrade Guedes, nos autos do processo nº 2007.209.009534-1, comarca do Rio de Janeiro/RJ

Ademais, ao se tratar de conseqüências da não marcação de um pênalti, a ação de indenização será fulcrada no terreno das probabilidades e a responsabilização civil tem como pressuposto a ocorrência efetiva de um dano. Além disso, é da essência do torcedor sentimentos de toda ordem, inerentes, contudo, a uma partida de futebol, inserida num contexto de campeonato e de partida decisiva. Trata-se de mero dissabor oriundo das competições esportivas.

Imagine-se a insegurança jurídica de uma competição se a cada divergência de arbitragem hou-vesse demandas judiciais. Isso sem contar a pressão que os árbitros sofreriam a cada partida te-mendo serem réus em ações judiciais o que, aí sim, afrontaria o art. 30 do Estatuto do Torcedor.

Portanto, apesar da necessidade de maior conhecimento e utilização do Estatuto do Torcedor, o mesmo não deve ser utilizado para questionar as regras da competição ou erros humanos de arbitragem, mas, para garantir a eficiência e adequação na prestação do serviço desportivo abrangendo a transparência na organização da competição, segurança do torcedor partícipe do evento desportivo, venda de ingressos até setenta e duas horas antes do início da partida correspondente, acesso a transporte seguro e organizado, higiene e qualidade das instalações físicas dos estádios e dos produtos alimentícios vendidos no local e observância, pelos Órgãos de Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, aos Princípios da Impessoalidade, Moralidade, Celeridade, Publicidade e Independência, tudo em conformidade com a Lei nº 10.671/03.” (Es-tatuto do torcedor e a indenização por erro de arbitragem. Revista SíntESE Direito Desportivo, São Paulo: IOB, a. 1, n. 4, p. 9, dez./jan. 2012)

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1158 – Indenização – cadeira perpétua no Estádio – eventos esportivos FIFA – restrição do uso – cabimento

“Cadeira perpétua do Estádio Mario Filho. Eventos esportivos FIFA. Restrição de uso. Cabi-mento. Direito à indenização. Agravo de instrumento. Obrigação de fazer. Antecipação da tutela para garantir o direito de acesso e uso de três cadeiras contíguas para todo e qualquer evento, mesmo que recebidos ingressos para setor correspondente, inclusive os organizados pela FIFA, em local com visão do campo compatível com a antiga localização antes da re-forma do estádio. Indeferimento da tutela antecipada. Acordo internacional. Legislação que prevê indenização aos possuidores do direito ao uso das cadeiras cativas. Decisão que se mantém tendo em vista a suspensão da execução das liminares que garantiam aos titulares de cadeiras perpétuas do Maracanã o uso dos assentos durante a Copa das Confederações e da Copa do Mundo (Suspensão de Execução nº 0024401-10.2013.8.19.0000). Desprovimento do recurso.” (TJRJ – AI 0000653-12.2014.8.19.0000 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Sidney Hartung Buarque – DJe 04.06.2014 – p. 22)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 17, fev./mar. 2014, ementa nº 975 do TJDFT.

1159 – Penhora – valores relativos ao direito de transmissão televisiva de clube de futebol – possibilidade – substituição por imóvel – descabimento

“Processual civil. Agravo interno em agravo de instrumento. Execução fiscal. Violação do art. 557 do CPC. Não ocorrência. Decisão fulcrada em jurisprudência dominante desta Corte. Decisão monocrática referendada pelo Órgão Colegiado. Penhora sobre valores relativos ao direito de transmissão televisiva de clube de futebol. Possibilidade. Substituição por penhora sobre imóvel. Descabimento. Reunião dos executivos fiscais. Inviabilidade. 1. Diversamente do que alegado pelo agravante, o agravo interno é incabível contra decisão proferida nos ca-sos dos incisos II e III do caput do art. 527 do CPC, ante a vedação constante de seu parágrafo único, ressalvada a reconsideração pelo próprio Relator, como expressamente previsto na lei. O julgamento do agravo de instrumento em decisão monocrática, pelo Relator, negando-lhe seguimento, está autorizado pelo caput do art. 557 do CPC, já que a questão controvertida foi objeto de análise nesta Corte, em casos semelhantes, estando fulcrada em jurisprudência dominante. Ademais, a análise da questão ventilada está sendo submetida, no presente recur-so, à apreciação do Órgão Colegiado, o que vem a afastar qualquer alegação de violação ao art. 557 do CPC e ao devido processo legal. 2. Descabe o pedido de substituição da penhora, uma vez que os imóveis oferecidos em garantia pelo executado já haviam sido recusados pela União Federal, em razão do débito condominial dos mesmos superar o valor de mercado e das inúmeras penhoras que recaem sobre eles, o que levou o Juízo a quo a determinar o prosseguimento da execução, com o deferimento da penhora sobre ativos financeiros, atra-vés do BacenJud, que restou frustrada, em decisão da qual não foi interposto recurso. 3. O dinheiro ocupa o topo da lista de preferência entre os bens penhoráveis, mostrando-se correta a decisão do Juízo a quo que determinou a penhora dos valores relativos ao direito de trans-missão televisiva do executado referente ao Campeonato Brasileiro de Futebol com a Rede Globo de Televisão, limitada ao valor atualizado do crédito tributário exequendo, diante da inexistência de outros bens disponíveis para garantir a execução. 4. Esta Corte já firmou en-tendimento quanto à possibilidade de penhora de renda de contratos relativos a direito de transmissão televisiva de jogos de campeonato de futebol e de patrocínio, já que, diferente-mente da penhora sobre o faturamento, não é medida excepcional, mas penhora de crédito a ser recebido de terceiro, com fulcro no art. 671 do CPC. 5. Não há comprovação de que a penhora dos valores a serem recebidos da Rede Globo, em virtude do contrato de transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro, irá inviabilizar a existência do agravante. Sabidamente

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RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������189

as receitas dos clubes de futebol advém de diversas fontes, tais como contratos de patrocínio, vendas de produtos licenciados, venda de jogadores, venda dos direitos de transmissão de jogos, mensalidades dos sócios, renda de bilheteria, dentre outras, limitando-se o agravante a anexar uma planilha sem assinatura e que apresenta dados sem qualquer prova documental que os respaldem. 6. O agravante não quantifica de forma objetiva e com respaldo em prova documental as receitas que aufere, podendo frustrar, caso admitida a substituição da penho-ra, a satisfação do crédito da exequente. 7. A reunião das execuções fiscais, determinada na decisão que concedeu a antecipação de tutela recursal, não foi objeto do pedido formulado no agravo, extrapolando a extensão do efeito devolutivo do recurso. A medida concedida neste Tribunal, em antecipação de tutela, além de extrapolar o objeto do recurso, importou a revisão de decisões proferidas em sede recursal. 8. A reunião dos processos é uma faculdade do juiz, em razão da conveniência da unidade da garantia da execução, não possuindo cará-ter cogente, e pressupõe que as execuções se encontrem na mesma fase processual. No caso em tela, não há qualquer demonstração, por parte do agravante, de que todas as execuções fiscais se encontram na mesma fase processual e de que a garantia é suficiente para todas as execuções contra o mesmo devedor, o que inviabilizaria a reunião das mesmas. Preceden-tes jurisprudenciais e doutrinários. 9. Agravo interno conhecido e desprovido.” (TRF 2ª R. – AIT-AI 2012.02.01.013912-4 – 3ª T.Esp. – Relª Desª Cláudia Maria Pereira Bastos Neiva – DJe 12.06.2014 – p. 404)

1160 – Responsabilidade civil – FIFA – danos causados por representantes legais e empre-gados da União – efeitos

“Processo civil. Decisão monocrática do Relator. Agravo interno no agravo de instrumento. Copa do Mundo de Futebol/2014. Lei nº 12.663/2012. Lei Geral da Copa. Ilegitimidade ad causam da União Federal. Decisão mantida. Recurso desprovido. I – Previsão legal – Lei Ge-ral da Copa: arts. 22 e 23 da Lei nº 12.663/2012 – no que se refere aos danos causados por representantes legais e empregados da União, bem como quanto à sua responsabilidade civil perante a FIFA, quando resultante de incidente ou acidente de segurança, relacionado aos eventos. O art. 51 do mesmo dispositivo legal prevê a intimação da União nas ações ajuizadas contra a FIFA e suas subsidiárias, com expressa remissão aos arts. 22 e 23, para que informe se possui interesse de integrar a lide. II – In casu, os arts. 22 e 23 da mencionada norma não englobam o objeto desta ação, que trata de situação jurídica diversa, uma vez que o seu tema não resta vinculado a questões de ordem e segurança em estádio. III – Ilegitimidade passiva ad causam da União Federal. IV – Mantida a decisão que extinguiu o processo, com fulcro no art. 267, inciso VI, do CPC, com a remessa dos autos para a Justiça Comum do Estado do Rio de Janeiro. V – Agravo interno conhecido e desprovido.” (TRF 2ª R. – AI 2013.02.01.009409-1 – 8ª T.Esp. – Rel. Juiz Fed. Conv. Marcello Granado – DJe 10.07.2014 – p. 361)

Comentário Editorial SÍNTESEReza a decisão proferida pelo TRF da 2ª Região sobre a responsabilidade civil da União.

A previsão está contida nos seguintes dispositivos da Lei nº 12.663/2012:

“Art. 22. A União responderá pelos danos que causar, por ação ou omissão, à FIFA, seus re-presentantes legais, empregados ou consultores, na forma do § 6º do art. 37 da Constituição Federal.

Art. 23. A União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, seus representan-tes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos eventos, exceto se e na medida em que a FIFA ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.

Parágrafo único. A União ficará sub-rogada em todos os direitos decorrentes dos pagamentos efe-tuados contra aqueles que, por ato ou omissão, tenham causado os danos ou tenham para eles concorrido, devendo o beneficiário fornecer os meios necessários ao exercício desses direitos.

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Art. 24. A União poderá constituir garantias ou contratar seguro privado, ainda que internacio-nal, em uma ou mais apólices, para a cobertura de riscos relacionados aos eventos.”

Novamente, o Dr. Gustavo Lopes Pires de Souza explica:

“- Litisconsórcio obrigatório da União

Obrigar o torcedor a acionar a União em caso de danos sofridos durante o Mundial trará a neces-sidade de se acionar a Justiça Federal e, por conseguinte, os benefícios processuais dos entes públicos em flagrante prejuízo ao consumidor do evento.” (A polêmica lei geral da copa. Revista SíntESE Direito Desportivo, São Paulo: IOB, a. 1, n. 6, p. 206, abr./maio 2012)

1161 – Responsabilidade civil – relação de consumo – falha na organização de evento es-portivo de repercussão – dano moral – indenização

“Apelações cíveis. Ação de indenização por danos morais. Responsabilidade civil. Relação de consumo. Falha na organização de evento esportivo de repercussão. Legitimidade passiva ad causam tantos das organizadoras da corrida como da patrocinadora preferencial. Descabe estabelecer distinção entre as organizadoras do evento esportivo e a patrocinadora preferen-cial, pois é inegável que se essa aufere proveito econômico indireto com a atividade, nela realizando ampla divulgação da marca Puma, com notórios efeitos de marketing publicitário. Atleta paraolímpico. Evento Puma 10 Milhas. Etapa Porto Alegre. Falha no serviço. Ausência de cronometragem do tempo de corrida. Competidor que concluiu a prova em primeiro lugar e foi desclassificado. Princípio da confiança. Cláusula geral da boa-fé objetiva. Art. 422 do Código Civil. Aplicação ao caso. Adoção da teoria do risco do empreendimento. Respon-sabilidade pelo fato do serviço. Art. 14, § 1º, I a III, do CDC. Adotada a teoria do risco do empreendimento pelo Código de Defesa do Consumidor, todo aquele que exerce atividade lucrativa no mercado de consumo tem o dever de responder pelos defeitos dos produtos ou serviços fornecidos, independentemente de culpa. Responsabilidade objetiva do fornecedor pelo defeito do serviço prestado. O conjunto probatório carreado aos autos demonstra, à sa-ciedade, que o autor concluiu a competição esportiva (corrida) Puma Dez Milhas na primeira colocação entre os competidores, porém foi injustificadamente desclassificado e excluído da premiação conferida no evento, sob o frágil pretexto de que não teria sido cronometrado o seu tempo de corrida. Em nada o autor contribuiu para o seu alijamento do certame ou da premiação final, situação absolutamente injusta e injustificável, na medida em que terminou a prova na primeira posição, como revelam as fotografias inclusas nos autos, além de ter sido admitido a participar do evento e pagou pela inscrição. Frustração de legítima expectativa de auferir a premiação pelo resultado obtido na prova, para o qual empreendeu esforço e prepa-ração prévia. Dano moral in re ipsa. Redução. Demonstrado que a falha na prestação do ser-viço ou da atividade promovida pelas rés ensejou a frustração da expectativa do consumidor de receber a premiação pelo resultado obtido na competição desportiva, daí resulta o dever de indenizar. Dano moral in re ipsa, dispensando a prova do efetivo prejuízo sofrido em face do evento danoso. Arbitramento do quantum indenizatório. Montante reduzido em face das peculiaridades do caso concreto, sopesada a real extensão do dano imaterial. Montante da indenização reduzido e arbitrado em atenção aos critérios de proporcionalidade e razoabili-dade, bem assim às peculiaridades do caso concreto. Ponderada, em especial, a circunstância de o episódio não ter ensejado perda de patrocínio e não se ter evidenciado outros prejuízos concretos em face do evento. Apelos providos em parte.” (TJRS – AC 70057756595 – 9ª C.Cív. – Rel. Des. Miguel Ângelo da Silva – J. 16.07.2014)

1162 – Responsabilidade civil – transporte aéreo – atleta paraolímpica – danos na cadeira de rodas – indenização por dano material e moral – alcance

“Transporte aéreo. Avarias em cadeira de rodas. Atleta paraolímpica. Falha na prestação do serviço. Dano moral in re ipsa. Apelação cível. Responsabilidade civil. Ação indenizatória de dano material e moral. Transporte aéreo. Autora que é atleta paraolímpica (amputada

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bilateral) e que viajou pela empresa ré para participar de Campeonato Regional em Curitiba. Constatação de danos na cadeira de rodas no desembarque. Lavratura de R. I. B. Autora que se viu obrigada a adquirir nova cadeira, diante da inércia da empresa ré em resolver o problema. Falha na prestação do serviço. Dano moral in re ipsa. Sentença de procedência que se man-tém. Nego seguimento ao recurso, na forma do art. 557, caput, do CPC.” (TJRJ – Ap 0076285-09.2012.8.19.0002 – 23ª C.Cív. – Rel. Des. Sebastião Rugier Bolelli – DJe 16.07.2014 – p. 29)

Penal

1163 – Crime – exploração de jogos ilegais – máquinas de caça-níqueis e jogo do bicho – configuração

“Habeas corpus. Substitutivo de recurso ordinário. Exploração de jogo ilegal (máquinas caça--níqueis). Crimes de quadrilha e corrupção ativa e contravenção do ‘jogo do bicho’. Investi-gação da polícia civil do Estado do Rio de Janeiro. Operação Dedo de Deus. Prisão preven-tiva. Individualização da conduta do paciente. Remissão à denúncia. Fundamentação per relationem. Garantia da ordem pública. Tutela da instrução criminal. Inexistência de flagrante ilegalidade. Habeas corpus não conhecido. 1. A ação penal na qual foi decretada a custódia cautelar tem como origem investigação da Corregedoria de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, que resultou na denominada Operação ‘Dedo de Deus’, responsável pela apuração de quadrilha estável e permanente, organizada para cometer uma ampla variedade de crimes, cuja missão visava assegurar a livre manutenção de estruturas de exploração do jogo do bi-cho, segundo consta da imputação deduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Parquet estadual. 2. Ao fundamentar o decreto preventivo, a decisão do MM. Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Teresópolis/RJ faz remissão aos elementos fáticos já lançados no bojo desse decisum, de modo a respaldar a presença do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, quais sejam: I – a ligação de agentes policiais com a máfia dos jogos de azar, em flagrante detrimento dos preceitos de ordem pública e legalidade; II – a coação de comerciantes, mediante a atuação destes agentes do Estado, para permitirem a instalação de máquinas caça-níqueis nos estabelecimentos; III – a suposta prá-tica de outros crimes graves, como homicídio qualificado, ameaças, além dos delitos contra a Administração Pública, v.g., corrupção ativa; IV – expressivo poderio financeiro da organi-zação criminosa, refletido em documentos que comprovam a propriedade de hotel de luxo, estação de rádio, haras e outros bens; V – abertura de empresas de fachada, com o objetivo de lavagem de dinheiro obtido através das condutas ilícitas; VI – capilaridade da quadrilha que alcança diversas cidades do interior fluminense, além da capital carioca; e VI – forte infiltra-ção dos seus membros em setores como a política e o samba. 2. Além de indicar a garantia da ordem pública, da aplicação da lei e acolher, per relationem, a descrição das condutas na inicial acusatória – consoante assente a jurisprudência da Suprema Corte, nos crimes de autoria coletiva, v.g., HC 98.157/RJ –, indica o MM. Juiz quanto à tutela da instrução crimi-nal a periculosidade concreta dos membros da quadrilha e a necessidade de se preservar as testemunhas e demais agentes policiais não graduados, que ainda serão ouvidos em juízo. 3. Assim, a indicação da gravidade concreta dos fatos, a ‘capacidade financeira do grupo’, cuja vinculação do paciente ressai dos autos, aliada à relevância do seu papel na complexa engrenagem criminosa, pois apontado como banqueiro da máfia do jogo do bicho na capital fluminense – sendo um dos responsáveis pela arrecadação das apostas ilícitas, segundo consta das interceptações telefônicas – e o modus operandi do bando, que usa deste dinheiro para suposta corrupção de agentes policiais, abonam a contextualização esmiuçada pelas instân-cias ordinárias, no sentido de respaldar a tutela da ordem pública e o receio quanto à higidez da oitiva das testemunhas, em tudo ligado ao sucesso da instrução criminal. 5. Habeas corpus

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não conhecido. Por conseguinte, cassada a liminar, comuniquem-se às instâncias ordinárias o teor do acórdão, para as providências que entender cabíveis. O não conhecimento do writ, como consectário lógico, estende-se aos corréus Cremildo de Almeida Motta, Valter Luís de Souza, Leila Aparecida de Barros Moreira, Reinaldo Aquino de Souza, Reginaldo Aquino de Souza e Wellington Bonifácio da Silva e Luiz José Pereira Neto.” (STJ – HC 235.171 – (2012/0044367-0) – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 16.06.2014 – p. 569)

Previdenciário

1164 – Aposentadoria especial – reconhecimento de tempo de serviço – jogador de futebol – hipótese de reconhecimento

“Previdenciário. Aposentadoria especial. Reconhecimento de tempo de serviço. Jogador de futebol. Atividade especial. Motorista autônomo. Requisitos não implementados antes da EC 20/1998. Pedágio e requisito etário não cumpridos. A lei previdenciária, ao exigir início razoável de prova material, não viola a legislação processual, pois o art. 400 do Código de Processo Civil preceitua ser sempre válida a prova testemunhal, desde que a lei não dispo-nha de forma diversa. A atividade de atleta profissional somente foi regulamentada pela Lei nº 6.354, de 02.09.1976. Período anterior regido pela Lei nº 3.807/1960 – Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). Períodos de 10.08.1973 a 20.06.1975, 20.06.1975 a 16.01.1976, 15.06.1976 a 07.01.1977 e de 03.05.1977 a 31.12.1977, nos quais foi jogador profissional, reconhecidos como tempo de serviço. A obrigatoriedade dos recolhimentos das contribui-ções previdenciárias está a cargo do empregador, não havendo como se exigir, do segurado, a comprovação de que foram vertidas, cabendo ao INSS cobrá-las do responsável tributário na forma da lei. Para o trabalho exercido até o advento da Lei nº 9.032/1995 bastava o en-quadramento da atividade especial de acordo com a categoria profissional a que pertencia o trabalhador, segundo os agentes nocivos constantes nos róis dos Decretos nºs 53.831/1964 e 83.080/1979, cuja relação é considerada como meramente exemplificativa. Com a promulga-ção da Lei nº 9.032/1995 passou-se a exigir a efetiva exposição aos agentes nocivos, para fins de reconhecimento da agressividade da função, através de formulário específico, nos termos da lei que a regulamentasse. Somente após a edição da MP 1.523, de 11.10.1996, tornou-se legitimamente exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constan-tes nos formulários SB 40 ou DSS 8030. Legislação aplicável à época em que foram prestadas as atividades, e não a do momento em que requerida a aposentadoria ou implementadas as condições legais necessárias. Possibilidade da conversão do tempo especial em comum, sem a limitação temporal prevista no art. 28 da Lei nº 9.711/1998. O Decreto nº 53.831/1964, no código 2.4.4 do quadro anexo, e o Decreto nº 83.080/1979, no código 2.4.2 do anexo II, caracterizam a categoria profissional de motorista de ônibus e de caminhões de carga como atividade especial, com campo de aplicação correspondente ao transporte urbano e rodovi-ário. Atividade especial não comprovada. Inexistência de conjunto probatório consistente acerca da habitualidade e permanência do desempenho da atividade de motorista autônomo. Períodos trabalhados em atividades comuns e especiais totalizando 24 anos, 05 anos e 16 dias até o advento da Emenda Constitucional nº 20/1998. Possuindo menos de 30 anos de tempo de serviço até a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 20/1998, necessária à submissão à regra de transição, a qual impõe limite de idade e cumprimento de pedágio exigido em seu art. 9º, inciso I, e § 1º, letra b. Pedágio e requisito etário não implementa-dos. Dada a sucumbência recíproca, cada parte pagará os honorários advocatícios de seus respectivos patronos e dividirá as custas processuais, respeitada a gratuidade conferida ao autor e a isenção de que é beneficiário o réu. Remessa oficial e apelação parcialmente pro-vidas para reconhecer a atividade de jogador de futebol desenvolvida pelo autor apenas nos

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períodos de 10.08.1973 a 20.06.1975, 20.06.1975 a 16.01.1976, 15.06.1976 a 07.01.1977 e de 03.05.1977 a 31.12.1977, deixar de reconhecer as condições especiais do trabalho de motorista autônomo e de conceder a aposentadoria especial. Sucumbência recíproca.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0002651-15.2007.4.03.9999/SP – 8ª T. – Relª Desª Fed. Therezinha Cazerta – DJe 06.06.2014 – p. 2455)

Comentário Editorial SÍNTESEA discussão girou em torno da concessão da aposentadoria especial ao jogador de futebol.

O Mestre Wladimir Novaes Martinez explica:

“Uma aposentadoria específica dos jogadores de futebol, equivocadamente designada como apo-sentadoria especial, existiu até 14.12.1996, revogada pela Medida Provisória nº 1.523/1996, convertida na Lei nº 9.528/1997, e não tratava dos valores auferidos anteriormente do limite do salário-de-contribuição. Criada inicialmente pela Lei nº 5.939/1973, cuidava especialmente do cálculo da aposentadoria por tempo de serviço, regulamentada pelo Decreto nº 77.210/1976 na Lei nº 6.269/1975 e Decreto nº 77.774/1976.” (Previdência Social dos Profissionais de Futebol. Revista SíntESE Direito Desportivo, a. I, n. 7,- jun.-jul./2012, p. 181)

A aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/1991, será devida, uma vez cumprida a carência exigida, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos.

Sergio Pinto Martins leciona:

“Agentes nocivos são os que possam trazer ou ocasionar danos à saúde ou à integridade física do trabalhador nos ambientes de trabalho, em razão de sua natureza, concentração, intensidade e exposição aos agentes físicos (ruídos, vibrações, calor, pressões anormais, radiações ionizantes etc.), químicos (poeiras, gases, fumos, névoas, óleo contendo hidrocarbonetos etc.), biológicos (microorganismos, como bactérias, fungos, parasitas, bacilos, vírus etc.).” (Direito da Segurida-de Social, 20. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 374)

Trabalhista

1165 – Atleta – pré-contratação – despesas com deslocamento – ausência de cláusula espe-cífica – efeitos

“Atleta de nível. PRE. Contratação. Custeio das despesas de deslocamento. Ausência de cláu-sula específica. Ruptura contratual. Cláusula penal e perda de uma chance. Não tendo o recorrente se desincumbido satisfatoriamente do ônus de provar suas alegações, nos termos do art. 818 da CLT, não logrando demonstrar que cabia ao ABC Futebol Clube o custeio das despesas de deslocamento para a apresentação do atleta, não há que se falar, portanto, em condenação ao pagamento da cláusula penal pactuada pelo descumprimento do ajuste nem dos prejuízos suportados pela perda de uma chance, uma vez que o não comparecimento do recorrente na data aprazada não pode ser atribuído unicamente ao recorrido.” (TRT 21ª R. – RO 78900-21.2013.5.21.0005 – (135.539) – Rel. Juiz Bento Herculano Duarte Neto – DJe 11.07.2014 – p. 189)

1166 – Atleta profissional – contratos sucessivos – prescrição – termo inicial

“Recurso ordinário. Atleta profissional. Prescrição. Contratos sucessivos. Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé). Princípios da razoabilidade e da proteção. Súmula nº 156 do col. TST. O contrato firmado nos moldes da Lei Pelé exige, no art. 30, a duração mínima de três meses e máxima de cinco anos, com a possibilidade de sucessivas recontratações, sem, contudo, transmudar--se em contrato por prazo indeterminado, haja vista o afastamento expresso da aplicação do art. 451 da CLT. Ante a impossibilidade de pactuação por tempo indeterminado, portanto, também impossível a conclusão de que contratos sucessivos, sem solução de continuidade,

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teriam prazos prescricionais distintos, sob pena de violação dos Princípios da Razoabilida-de e da Proteção. Aplicação, à hipótese, por analogia, da Súmula nº 156 do col. TST, que prevê a fruição do prazo prescricional a partir da extinção do último contrato de trabalho.” (TRT 6ª R. – RO 0000694-20.2012.5.06.0013 – 1ª T. – Relª Desª Valéria Gondim Sampaio – DJe 02.07.2014 – p. 98)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 17, fev./mar. 2014, ementa nº 984 do TRT 9ª R.

1167 – Atleta profissional – direito de arena – natureza jurídica

“Recurso ordinário. Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé). Atleta profissional. Direito de arena. Na-tureza jurídica. Incidência, por analogia, do art. 457 da CLT, e da Súmula nº 354 do col. TST. A verba denominada ‘direito de arena’ corresponde à garantia de proteção à participa-ção individual em obras coletivas, encontrando amparo na alínea a do inciso XXVIII do art. 5º da Constituição Federal, bem como, no caso dos atletas profissionais de futebol, na Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), que no seu art. 42, § 1º, estipula ganho a título de direito de imagem do atleta que participa de espetáculo de futebol televisionado. Desse modo, inquestionável a sua natureza salarial, porquanto decorrente do exercício da função e semelhante, por analo-gia, ao sistema das gorjetas, o que atrai a incidência do art. 457 da CLT, e da Súmula nº 354 do col. TST, devendo, por isso, integrar a remuneração do atleta. Apelo empresarial a que se nega provimento, no particular.” (TRT 6ª R. – RO 0000414-80.2011.5.06.0014 – 1ª T. – Relª Desª Valéria Gondim Sampaio – DJe 18.06.2014 – p. 162)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1168 – Atleta profissional – direito de imagem – natureza jurídica – integração

“Recurso do reclamado. Atleta profissional. Direito de imagem. Natureza jurídica. Integração. Hipótese dos autos em que o pagamento da parcela ‘direito de imagem’ não foi atrelada à veiculação dos jogos pela televisão, tampouco aventada condição para o recebimento da parcela, mas foi estabelecida em valor fixo e em termos que não deixam dúvidas quanto ao compromisso de pagamento regular. Ostenta, portanto, natureza salarial e deve compor a remuneração. Recurso do reclamante. Rescisão contratual sem justa causa. Assédio moral. Indenização por danos morais. Ao autor compete a prova do fato constitutivo do seu direito (art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho). Assim, diante da ausência de prova de vício de consentimento, impossível a declaração de invalidade da modalidade rescisória acordada pelas Partes. Multa do art. 477, § 8º, da CLT. ‘Multa. Art. 477, § 8º, da CLT. Parcelas resci-sórias. Controvérsia. A multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT refere-se a qualquer atraso no pagamento de parcelas rescisórias e incide em todas as hipóteses em que desrespeitados os prazos previsto no seu § 6º, ainda que haja controvérsia sobre a existência de vínculo empregatício ou sobre a modalidade de rescisão. O reconhecimento judicial do direito às parcelas rescisórias ou a declaração da existência do vínculo em juízo não elide o pagamento da multa, pois o chamamento da controvérsia ao Judiciário não pode ser causa impeditiva do cumprimento da lei’ (Verbete nº 29 da 1ª Turma desta Corte regional). Nos termos do ver-bete mencionado, o reconhecimento em juízo de verbas rescisórias não quitadas não elide a incidência da multa do art. 477, § 8º, da Consolidação das Leis do Trabalho. Honorários advocatícios. ‘Honorários advocatícios. Hipótese de cabimento. I – Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do

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salário-mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família’ (Súmula nº 219, I, do Tribunal Supe-rior do Trabalho).” (TRT 10ª R. – RO 0000205-68.2013.5.10.0002 – Relª Desª Flávia Simões Falcão – DJe 27.06.2014 – p. 3)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1169 – Atleta profissional – gratificações por resultados – habitualidade – incorporação

“Atleta profissional. Gratificações por resultados conquistados nos jogos, mais conhecidas como bichos. Habitualidade. O pagamento de gratificações pelos resultados do atleta profis-sional nas competições das quais participa, mais comumente conhecido como bicho, tem na-tureza salarial, porquanto concedido com certa periodicidade. Inteligência do § 1º do art. 31 da Lei nº 9.615/1998. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido.” (TRT 21ª R. – RO 82100-36.2013.5.21.0005 – (135.506) – Rel. Des. Eridson João Fernandes Medeiros – DJe 02.07.2014 – p. 39)

1170 – Atleta profissional – requerimento de direito de imagem individual – legitimidade ativa – ausência

“Atleta profissional. Direito de imagem individual. Vencido o Relator, prevaleceu na Turma o entendimento de que, no caso, o atleta não possui legitimidade ativa para postular o reco-nhecimento da natureza salarial de verba paga a título de direito de imagem, uma vez que cedeu e transferiu à segunda reclamada o pleno direito de uso de seu nome e imagem. Assim, eventuais pagamentos pela exploração da imagem do reclamante, devem ser efetuados em favor da dita pessoa jurídica, e não diretamente à pessoa física do atleta, porque a titularidade desse direito é da empresa especialmente constituída para essa finalidade, e não do deman-dante.” (TRT 4ª R. – RO 0000006-75.2013.5.04.0402 – 7ª T. – Rel. Juiz Conv. Manuel Cid Jardon – DJe 04.07.2014)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1171 – Atleta profissional – rescisão contratual antecipada – prescricional bienal – termo inicial

“Contrato de trabalho. Atleta profissional. Rescisão antecipada. Início do prazo prescricio-nal bienal. Admitida a existência do contrato, era ônus do reclamado comprovar que o seu encerramento se deu em data anterior a aquela constante no instrumento (documento de fls. 05/08 do primeiro volume dos autos apartados), a teor dos arts. 818 da CLT e 333, II (fato modificativo), do CPC. Desse ônus entendo que ele se livrou a contento, com a juntada de no-tícias colhidas na rede mundial de computadores, de sítios especializados em esportes, dando conta da ‘rescisão amigável’ do contrato de trabalho em data anterior ao término previsto no instrumento. O momento em que, de fato, ocorreu a rescisão é que faz disparar o prazo prescricional bienal, a despeito da alegação de que a rescisão de seu de modo irregular, sem a estrita observância do que diz o art. 28 da Lei nº 9.615/1998, com a sonegação dos valores devidos. A violação do direito, ao contrário, é justamente o que faz nascer a pretensão (actio nata art. 189 do CC).” (TRT 6ª R. – RO 0001702-68.2012.5.06.0001 – 3ª T. – Rel. Des. Ruy Salathiel de A. M. Ventura – DJe 12.06.2014 – p. 385)

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1172 – Autônomo – Procurador-Geral do TJDPR – remuneração – inexistência

“Prestação de serviços autônomos. Responsabilidade pelo pagamento de valores sobre a ques-tão da responsabilidade pelo pagamento do montante supostamente devido ao reclamante, o ônus de demonstrar que a reclamada é a entidade devedora de tal valor era do autor, sendo certo que não se desvencilhou de tal encargo. Ficou demonstrado, com fulcro nas provas acostadas aos autos, que não existe remuneração para o cargo exercido pela parte reclaman-te, qual seja, Procurador-Geral do TJDPR, tendo em vista o constante na Lei nº 9.615/1998 (art. 52) e Código de Justiça Desportiva. Comprovada também a autonomia e independência da reclamada em relação ao Tribunal de Justiça Desportiva do Estado do Paraná, fato este que só corrobora com a tese defensiva. Sentença que se mantém.” (TRT 9ª R. – RO 3587100-06.2008.5.09.0008 – Rel. Sérgio Murilo Rodrigues Lemos – DJe 23.05.2014 – p. 156)

Comentário Editorial SÍNTESEA vertente cuida da inexistência de remuneração ao Procurador-Geral do Tribunal de Justiça Desportiva.

A CF/1988 determinou que a Justiça Desportiva é um conjunto de instâncias autônomas e inde-pendentes, com atribuições de dirimir os conflitos de natureza desportiva que envolvam questões relativas à disciplina e à competição.

Entende-se, assim, que a Justiça Desportiva também é um meio alternativo de solução de controvérsias.

Assim, a pessoa que atua na solução das controvérsias também é autônoma.

Essa é a redação do art. 52 da Lei nº 9.615/1998:

“Art. 52. Os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos e independentes das en-tidades de administração do desporto de cada sistema, compondo-se do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades nacionais de administração do desporto; dos Tribunais de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades regionais da administração do desporto, e das comissões disciplinares, com competência para processar e julgar as questões previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados a ampla defesa e o contradi-tório. (NR) (Redação dada ao caput pela Lei nº 9.981, de 14.07.2000, DOU 17.07.2000).”

Os Mestres Rafael Teixeira Ramos e Larissa Navarro Benevides de Magalhães lecionam:

“A independência e a autonomia da Justiça Desportiva em nosso ordenamento jurídico aflui do art. 217, §§ 1º e 2º, da Lei Magna, que, através desses dispositivos supremos, institui uma Justiça para o desporto exclusa do Poder Judiciário, este previsto nos arts. 92 e ss., da Carta Extraordinária.

Assente-se, desde logo, que a implementação da Justiça do Desporto às margens do Poder Judiciário foi uma opção constituinte para responder aos anseios da dinamicidade, celeridade e tipicidade da matéria esportiva, constituindo-se uma exceção ao princípio da tutela jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV), um autêntico pressuposto processual totalmente constitucional, inserido na nossa Lei Magna, portanto, inconfundível com os métodos alternativos de resolução de confli-tos; também não se revela inconstitucional, como alguns ainda insistem em afirmar, certamente, por desconhecerem o seu próprio ordenamento jurídico.

A afirmação revolucionária da Justiça Desportiva, através de sua constitucionalização em mandamento próprio, como acima descrevemos, estabeleceu justamente a garantia de sua ju-risdição e competência quanto à matéria de litígios estritamente desportivos, ou seja, a lex fundamentalis veio desvincular, emancipar os antigos órgãos jurisdicionais atrelados às Federa-ções Desportivas, embora o legislador brasileiro, desde 1975, na Lei nº 6.251/1975, em seu art. 42, já denominasse tais organismos jurisdicionais desportivos como Justiça Desportiva. O Ministro Gilmar Mendes subscreve uma reflexão sobre a Justiça do Desporto brasileiro, bem como uma possível ampliação da sua jurisdição e competência:

Não poderia também a Justiça desportiva cumprir um papel relevante, em razão da idéia de autonomia que lhe é atribuída? Para isso seria imprescindível um grau mínimo de organização e a possível necessidade de alguma regulação. Talvez até se poderia chegar a uma conformação sem norma legal, e resolver, de modo célere e geral, as questões ligadas aos desportos, tais como

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a suspensão de jogadores, o direito à imagem, a remuneração de atletas, as formas de contrato, as questões relativas aos campeonatos, a suspensão ou não de atletas, enfim, assuntos que, obviamente, são estranhos à atividade judicante habitual.

O STJD é um órgão de distribuição de justiça altamente especializado e eficiente. De modo que precisamos alargar nossa visão sobre sua competência e, quiçá, colocar um xeque a ‘ideologia judiciária’, no sentido de que tudo há de ser submetido ao Poder Judiciário.

[...]

Nesses moldes, o Poder Disciplinar da Justiça do Desporto é autônomo, independente, e se enquadra num sistema jurídico desportivo onde atua em paralelo aos demais Poderes Federa-tivos, embora todos esses poderes sejam custeados pelas entidades desportivas (interpretação sistemática do art. 23, I em consonância com os arts. 49 a 55 da Lei nº 9.615/1998 e art. 3º, caput do CBJD).

Adicionamos o entendimento de que a Justiça Desportiva deve seguir os rumos da independên-cia e autonomia in totum das associações federativas, a exemplo do que ocorreu com a Court of Arbitration for Sport, instância suprema da Justiça Desportiva Internacional, fundada como organismo do COI em 1983, posteriormente se tornando totalmente independente, através do CIAS, fundação própria do referido CAS em 1994, instituição privada, edificada fora das estrutu-ras orgânicas das entidades desportivas internacionais.” (Autonomia e independência da justiça desportiva brasileira. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 18 jun. 2014)

1173 – Competência internacional – Justiça do Trabalho – pré-contrato de trabalho – tra-tativas para prestação de serviços no exterior a clube de futebol estrangeiro sem agência ou sucursal no Brasil – não reconhecimento

“Competência internacional da Justiça do Trabalho. Pré-contrato de trabalho. Tratativas para prestação de serviços no exterior a clube de futebol estrangeiro sem agência ou sucursal no Brasil. À luz dos arts. 651, § 2º, da CLT, e 88 do CPC, em se tratando de relação jurídica entre trabalhador brasileiro e empresa com sede no exterior, é a Justiça do Trabalho incompetente processar e julgar o feito. Recurso conhecido e improvido.” (TRT 10ª R. – RO 0001381-85.2013.5.10.0001 – Rel. Juiz Antonio Umberto de Souza Júnior – DJe 13.06.2014 – p. 34)

1174 – Contrato por prazo determinado – rescisão – Lei Pelé – multa – observação

“Agravo de instrumento. Lei Pelé. Ônus da prova. Iniciativa da rescisão de contrato por prazo determinado. Multa. Desprovimento. Diante do óbice das Súmulas nºs 126, 296 e 337, I, a, desta col. Corte e da ausência de violação dos dispositivos invocados, não há como admitir o recurso de revista. Agravo de instrumento desprovido.” (TST – AIRR 431-83.2010.5.15.0020 – 6ª T. – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DJe 09.05.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO v. acórdão tem por escopo cuidar da aplicação da multa prevista no art. 479 da CLT ao con-trato de trabalho do atleta profissional jogador de futebol.

Aduziu o autor que a ré procedeu à rescisão antecipada do contrato de trabalho, razão pela qual pretende a aplicação das penalidades previstas no art. 479 da CLT.

Todavia, o Regional não acolheu a pretensão, tendo em vista que o termo de extinção de contrato de trabalho juntado, devidamente subscrito pelo reclamante, consigna expressamente que este manifestou interesse em desligar-se da reclamada, que consentiu com a ruptura antecipada do contrato em 10 dias.

Sublimado o feito ao eg. TST, o Ministro Relator também manteve a decisão de origem.

A Lei nº 9.615/1998 sofreu inúmeras alterações pela Lei nº 12.395/2011, tendo o § 3º do art. 31 sido revogado.

A redação anterior era a seguinte:

“Art. 479. [...]

[...]

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§ 3º Sempre que a rescisão se operar pela aplicação do disposto no caput deste artigo, a multa rescisória a favor do atleta será conhecida pela aplicação do disposto no art. 479 da CLT. (Reda-ção dada ao parágrafo pela Lei nº 10.672, de 15.05.2003, DOU 16.05.2003).”

Os Mestres Saulo Nunes de Carvalho Almeida e Antonia Morgana Coelho Ferreira comentam que:

“Nesse passo, também não há mais que se falar na possibilidade ou não de aplicação do art. 479 da Consolidação das Leis de Trabalho aos contratos de trabalho desportivo. Tal dispo-sitivo torna-se inaplicável aos contratos dos atletas profissionais, não havendo mais que se falar em pagamento indenizatório, pelos clubes, de 50% da remuneração do atleta até o término do contrato, na hipótese de rescisão contratual.” (A ofensa ao princípio do não retrocesso social pela Lei nº 12.395/2011 e a possibilidade de readequação judicial da cláusula indenizatória desportiva. Revista SíntESE Direito Desportivo, São Paulo: IOB, a. I, n. 2, ago./set. 2011)

1175 – Direito de arena – alteração do percentual legal por acordo judicial entre clube e sindicato – impossibilidade

“Direito de arena. Alteração do percentual legal por acordo judicial entre clube e sin-dicato. Impossibilidade. Renúncia. Transação. Impossibilidade. O § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, ao resguardar ao atleta profissional percentual do valor negociado a título de direito de arena pela entidade desportiva, o estabelece em patamar mínimo, não podendo este ser renunciado ou transacionado a menor, sob pena de ofensa ao princípio da indisponi-bilidade dos direitos trabalhistas.” (TRT 1ª R. – RO 0001170-31.2010.5.01.0025 – 6ª T. – Rel. Marcos Cavalcante – DOERJ 14.07.2014)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1176 – Direito de imagem – natureza jurídica

“Direito de imagem. Natureza jurídica. Até a edição da Lei nº 12.395/2011, que introduziu mudanças significativas na Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), tanto o direito de arena quanto o direito de imagem tinham natureza salarial. Sobressaindo destes autos que a relação entre o clube e o atleta profissional deu-se no ano de 2011 (11.07.2011 a 20.12.2011), ou seja, após a edição da referida Lei nº 12.395/2011, forçoso ratificar a improcedência do pedido correla-to.” (TRT 1ª R. – RO 0001219-96.2012.5.01.0059 – 3ª T. – Rel. Jorge Fernando Gonçalves da Fonte – DOERJ 17.07.2014)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1177 – Direito de imagem – pagamento fraudulento – integração ao salário – cabimento

“1. Jogador de futebol. Direito de imagem. Fraude à legislação trabalhista. Natureza salarial. Verificado que o pagamento a título de cessão do direito de imagem é uma tentativa de mascarar o verdadeiro salário percebido pelo reclamante, em fraude às leis trabalhistas, o valor pago àquele título deve ser integrado ao salário para todos os efeitos legais. 2. Jogador de futebol. Cláusula compensatória. A Lei nº 9.615/1998 tornou obrigatórias tanto a cláusula indenizatória a favor da entidade esportiva quanto a cláusula compensatória a favor do atleta empregado. Deixou ao arbítrio das partes apenas a fixação do valor das cláusulas. Constando do contrato a pactuação da cláusula compensatória, a ausência de pactuação sobre o valor não pode ser oposta à pretensão obreira quanto ao direito. 3. Jogador de futebol. Luvas. Natureza. As luvas desportivas são pagas a atletas pela assinatura do contrato em razão do reconhecimento de seu desempenho antes da contratação pelo clube que pretende incluí-lo

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em seus quadros. O instituto é oriundo do direito comercial, pelo estabelecimento de um paralelo com o ‘fundo de comércio’, valor do ponto comercial. Conforme jurisprudência do TST, as luvas têm natureza salarial, não se confundindo com prêmios ou indenizações. Recur-so do reclamado e do reclamante conhecidos e não providos.” I – DECISÃO:. (TRT 10ª R. – RO 0002555-51.2012.5.10.0103 – Relª Desª Elke Doris Just – DJe 27.06.2014 – p. 98)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1178 – Direito de arena – proporcionalidade no pagamento e natureza jurídica – pagamen-to devido

“Embargos de declaração. Jogador de futebol. Diferenças de direito de arena. Proporcionali-dade no pagamento e natureza jurídica. Omissão. Acolhimento. Acolhem-se os embargos de declaração do reclamado, para suprir omissão relativa à proporcionalidade no pagamento do direito de arena, nos termos do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998.” (TST – ED-RR 0148000-42.2009.5.01.0011 – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DJe 30.06.2014 – p. 2880)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1179 – Direito de arena – redução do percentual – impossibilidade

“Recurso ordinário. Direito de arena. Redução do percentual. Impossibilidade. A redação do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, vigente à época da contratação do autor estabelecia o percentual mínimo de 20% para o cálculo do direito de arena, a ser distribuído aos atletas profissionais, sendo este o patamar mínimo a ser observado.” (TRT 1ª R. – RO 0000493-41.2010.5.01.0044 – 8ª T. – Rel. Leonardo Pacheco – DOERJ 25.07.2014)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1180 – Exceção de incompetência em razão do lugar – ajuizamento da ação na comarca de domicílio do atleta profissional de futebol – direito de acesso à Justiça – observação

“Recurso ordinário do reclamante. Exceção de incompetência em razão do lugar. Ajuiza-mento da ação na comarca de domicílio do atleta profissional de futebol. Direito de acesso à Justiça. As regras de competência relativa, em que se enquadra a territorial, devem ser in-terpretadas atentando à sua finalidade e à garantia constitucional de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV), mormente no caso em tela, haja vista a condição de hipossuficiência do autor, e o fato de integrar o polo passivo clube profissional de futebol. Competência da Vara do Trabalho de Cachoeira do Sul/RS, cidade em que o demandante mantém residência, em detrimento da tra-mitação junto à comarca (Recife/PE) em que situada a sede do clube desportivo demandado. Recurso provido para determinar o processamento e julgamento do feito perante a unidade judiciária em que proposta a presente ação.” (TRT 4ª R. – RO 0000456-31.2013.5.04.0721 – 2ª T. – Rel. Des. Alexandre Corrêa da Cruz – DJe 04.07.2014)

1181 – Indenização – danos moral e material – jogador de futebol – doença ocupacional – reconhecimento

“Doença ocupacional. Jogador de futebol. Comprovada a relação de causa e efeito entre o desenvolvimento da patologia sofrida pelo autor (osteíte do púbis) e as atividades por ele de-sempenhadas no clube reclamado, correta a decisão de origem ao condenar o empregador ao

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pagamento de indenização por danos morais e materiais. Recurso do reclamado desprovido.” (TRT 4ª R. – RO 0001410-50.2012.5.04.0030 – 4ª T. – Rel. Des. André Reverbel Fernandes – DJe 14.07.2014)

1182 – Reclamação trabalhista – atleta profissional – prescrição bienal – observação

“Jogador de futebol. Prescrição extintiva. Ajuizamento sem observância do prazo bienal. De acordo com o art. 7º, XXIX, da CRFB a prescrição da pretensão de créditos resultantes das relações de trabalho é de cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho. Outrossim, mesmo que se aplicasse a prescrição civil, a pretensão também não seria mais exigível.” (TRT 1ª R. – RO 0097400-30.2008.5.01.0018 – 2ª T. – Relª Volia Bomfim Cassar – DOERJ 10.07.2014)

1183 – Relação de emprego – caddie em clube de golfe – não reconhecimento

“Vínculo de emprego. Caddie em clube de golfe. Situação em que o reclamante não lo-grou comprovar a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego nos moldes previstos nos arts. 2º e 3º da CLT. Provimento negado.” (TRT 4ª R. – RO 0000020-71.2013.5.04.0010 – 1ª T. – Rel. Des. Marçal Henri dos Santos Figueiredo – DJe 21.07.2014)

1184 – Rescisão de contrato a prazo determinado por iniciativa do empregado – acordo judicial – liberação do FGTS – efeitos

“Atleta profissional de futebol. Rescisão de contrato a prazo determinado por iniciativa do empregado. Acordo homologado em juízo, salvo com relação à liberação dos depósitos fundiários. Ausência de pretensão de reversão do pedido de demissão. Ato jurídico perfeito. Interpretação restritiva do acordo. Levantamento do FGTS em hipótese não prevista em lei. Pretensão contrária à lei a impedir sua homologação neste particular. As partes firmaram acordo do qual constou que buscavam ‘dar fim à presente demanda’, devidamente homo-logado, exceto no que se refere à parte em que se consignou a liberação do FGTS por guia de retirada/alvará judicial,o que se apresenta incólume, haja vista a incontroversa extinção do contrato por pedido de demissão, em respeito a norma imperativa (Lei nº 8.036/1990, art. 20, c/c Decreto nº 99.684/1990, art. 35). Não se nega que o acordo possa veicular tema não posto em juízo, todavia, neste caso, para que se viabilizasse a alteração da modalidade de dispensa que constou no TRCT deveria, necessariamente, ter sido deduzido pedido neste sentido, pois todos os atos alusivos à extinção contratual haviam se tornado perfeitos. A simples pretensão à expedição de guias para o levantamento do FGTS não pode ser inter-pretada ampliativamente como se as partes houvessem deixado subentendido que também buscavam alterar a causa de rompimento contratual, notadamente porque os documentos compilados aos autos contradizem este argumento, demonstrando, de forma inequívoca, a iniciativa do atleta no desfazimento do vínculo. Recurso do reclamante a que se nega pro-vimento.” (TRT 9ª R. – RO 0000699-21.2011.5.09.0651 – Rel. Ubirajara Carlos Mendes – DJe 13.06.2014 – p. 99)

1185 – Responsabilidade civil – empregador – atleta menor – acidente ocorrido em período de folga – indenização – descabimento

“Indenização por danos materiais e morais. Acidente. Ausência de nexo causal, dolo ou cul-pa do empregador. Culpa exclusiva do empregado em atividades não correlatas ao empre-go. Não configura responsabilidade civil do empregador a ocorrência do acidente causado exclusivamente pelo empregado, menor atleta, em momento que não estava à disposição, nem mesmo sob a guarda ou responsabilidade do réu, mas sim, no período de folga de suas atividades desportivas, participava de evento social com amigos.” (TRT 12ª R. – RO 0000375-57.2013.5.12.0043 – 5ª C. – Relª Maria de Lourdes Leiria – DJe 10.06.2014)

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1186 – Salário – direito de imagem – contribuição previdenciária – incidência

“A parcela remuneratória paga pela associação desportiva empregadora ao atleta emprega-do, a título de direito de imagem e decorrente do contrato de trabalho, tem natureza sa-larial e, logo, sofre incidência de contribuição previdenciária.” (TRT 1ª R. – AP 0000226-76.2012.5.01.0019 – 4ª T. – Rel. Luiz Alfredo Mafra Lino – DOERJ 16.06.2014)

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Tributário

1187 – Copa do Mundo FIFA 2014 – tributos – isenção – concessão por lei municipal às empresas que participassem da organização – cabimento

“Tributário. Isenção concedida por lei municipal às empresas que participassem da organiza-ção da Copa do Mundo FIFA 2014 em Natal. Demolição e remoção do Estádio Machadão e do Ginásio Machadinho, construção, manutenção e gestão da operação do Estádio Arena das Dunas. Isenção condicional. Lei Municipal nº 5.901/2009, art. 2º, II. Inércia da FIFA em for-necer documento oficial na Secretaria Municipal de Tributação. Isenção condicionada a fato de terceiro. Omissão que não pode prejudicar o concessionário que efetuou suas atividades. Conhecimento e provimento do recurso. De acordo com a Lei Municipal nº 5.091/2009 ficam isentas dos tributos de competência municipal as operações necessárias para a organização ou realização da Copa Mundial FIFA de 2014, quando em algum dos polos da operação figure: a Federation Internationale de Footbal Association (FIFA); pessoa física ou jurídica ou delegação diretamente vinculada à organização ou à realização do evento, desde que expres-samente relacionada pela FIFA em documento oficial a ser entregue na Secretaria Municipal de Tributação. A Lei Municipal nº 5.901/2009 trouxe uma condicionante para a concretiza-ção da isenção, qual seja: a pessoa física ou jurídica ou delegação diretamente vinculada à or-ganização ou à realização do evento, deveria estar expressamente relacionada pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) em documento oficial a ser entregue na Secretaria Municipal de Tributação. A demora ou inércia da FIFA em fornecer o documento a que alude o art. 2º, II, da Lei Municipal nº 5.901/2009, não pode prejudicar o particular que, segundo o contrato de concessão, efetuou os serviços de ‘demolição e remoção do Machadão e Machadinho, construção, manutenção e gestão da operação do Estádio das Dunas’ (Cláusula 5ª objeto da concessão administrativa).” (TJRN – AC 2014.002845-8 – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Conv. Paulo Maia – DJe 29.07.2014 – p. 47)

1188 – Execução fiscal – penhora sobre faturamento da pessoa jurídica – valores relativos à renda de jogos, venda de produtos de clube, contratos de patrocínio, direito de imagem e outras cotas e verbas – possibilidade

“Processual civil e tributário. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Penhora sobre fatura-mento da pessoa jurídica. Valores relativos à renda de jogos, venda de produtos de clube, contratos de patrocínio, direito de imagem e outras cotas e verbas. Possibilidade. Percentual limitado a 5%. Viabilização da atividade regular da entidade desportiva de futebol. Arts. 612 e 620 do CPC. Precedentes. Pelo parcial provimento do agravo de instrumento. 1. A penhora de percentual do faturamento da pessoa jurídica vem sendo admitida pela doutrina e pela jurisprudência de nossos Tribunais, em situações excepcionais, quais sejam, em face da oferta de bens de reduzido ou nenhum valor econômico pelo devedor, ou ainda, tendo em vista a ausência de bens penhoráveis, circunstância evidenciada no caso em tela. 2. Consoante tem

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entendido o col. Superior Tribunal de Justiça, o montante estipulado há de ser moderado, de sorte a não comprometer o próprio funcionamento da pessoa jurídica. Nessa linha de raciocínio, conclui-se que, na decretação da penhora sobre o faturamento da pessoa jurídica, além da verificação da inexistência de bens satisfatórios para garantia do débito executado, faz-se necessária a fixação de percentual que não inviabilize as atividades regulares do clube agravado, tendo em vista que a execução deve ser feita da forma menos onerosa ao devedor, desde que resguardado o interesse do credor em ver satisfeito o seu crédito. 3. Mostra-se razoável, em observância ao disposto nos arts. 612 e 620, ambos do CPC, deferir a penhora requerida no percentual de 5% (cinco por cento). 4. Precedentes. 5. Agravo de instrumen-to parcialmente provido.” (TRF 5ª R. – AGTR 0002592-50.2014.4.05.0000 – (137257/PB) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti – DJe 03.07.2014 – p. 90)

1189 – IR – museu do Futebol Clube do Porto – custeio da obra e locação de espaços publi-citários – retenção na fonte – remessas ao exterior – tributação – exegese

“Tributário. Processual civil. Mandado de segurança. Museu do Futebol Clube do Porto (cus-teio da obra e locação de espaços publicitários). IRRF. Remessas/envios ao exterior, por em-presa brasileira, aqui sediada, a sociedades portuguesas, sem estabelecimento no Brasil, de valores enquadráveis como o ‘lucro’ de que trata a convenção/tratado Brasil-Portugal (Decre-to nº 4.012/2001), celebrados para evitar bitributação precedente do STJ. 1. A querela é do tipo exclusivamente jurídica, remetendo à só interpretação de conceitos jurídico-tributários usuais, sem qualquer resquício fático-probando, o que torna adequada a via processual adota-da, ensejando o afastamento do art. 267, VI, do CPC, e viabilizando, com permissivo no § 3º do art. 515 do CPC, dada a maturidade do feito, o exame do mérito pelo TRF 1. 2. A Convenção/Tratado Brasil-Portugal, celebrada em maio/2000, promulgada pelo Decreto nº 4.012/2001, ‘destinada a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento’, consigna que ‘os lucros de uma empresa de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável’. 3. Da leitura do tratado/con-venção se extrai que a palavra ‘lucros’ alude não conceito jurídico contábil nacional estrito, abarcando, sim, remessas/envios de empresa brasileira, aqui constituída e sob leis nacionais, para o exterior (Portugal), em prol de sociedades constituídas sob as normas lusitanas e em tais terras situadas, a título de custeio de edificação de museu esportivo e locação de espaços pu-blicitários, notadamente se os beneficiários dos enviados não possuem estabelecimento estável no Brasil, devendo eles, a tempo e modo, se sujeitarem as leis tributárias do Estado Português em face do rendimento auferido, o que, contudo, não legitima a incidência, aqui no Brasil, do IRRF. 4. Precedente – mutatis mutandis – da T2/STJ, amplo e mais do que bem fundamentado (REsp 1161467/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJe 17.05.2012): ‘[...]. Convenções internacionais contra a bitributação. Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá. Arts. VII e XXI. Rendimentos auferidos por empresas estrangeiras pela prestação de serviços à empresa brasileira. Pretensão da fazenda nacional de tributar, na fonte, a remessa de rendimentos. Conceito de ‘lucro da empresa estran-geira’ no art. VII das duas convenções [...]. Prevalência das convenções sobre o art. 7º da Lei nº 9.779/1999. Princípio da especialidade. Art. 98 do CTN. Correta interpretação. 3. Segundo os arts. VII e XXI das convenções contra a bitributação celebrados entre Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá, os rendimentos não expressamente mencionados na convenção serão tributáveis no Estado de onde se originam. Já os expressamente mencionados, dentre eles o ‘lucro da em-presa estrangeira’, serão tributáveis no Estado de destino, onde domiciliado aquele que recebe a renda. 4. O termo ‘lucro da empresa estrangeira’, contido no art. VII das duas convenções, não se limita ao ‘lucro real’, do contrário, não haveria materialidade possível sobre a qual incidir o

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RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������203

dispositivo, porque todo e qualquer pagamento ou remuneração remetido ao estrangeiro está e estará sempre – sujeito a adições e subtrações ao longo do exercício financeiro. 5. A tributação do rendimento somente no Estado de destino permite que lá sejam realizados os ajustes neces-sários à apuração do lucro efetivamente tributável. Caso se admita a retenção antecipada – e, portanto, definitiva – do tributo na fonte pagadora, como pretende a Fazenda Nacional, serão inviáveis os referidos ajustes, afastando-se a possibilidade de compensação se apurado lucro real negativo no final do exercício financeiro. 6. Portanto, ‘lucro da empresa estrangeira’ deve ser interpretado não como ‘lucro real’, mas como ‘lucro operacional’, previsto nos arts. 6º, 11 e 12 do Decreto-Lei nº 1.598/1977 como ‘o resultado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica’, ai incluído, obviamente, o rendimento pago como contrapartida de serviços prestados. 7. A antinomia supostamente existente entre a norma da convenção e o direito tributário interno resolve-se pela regra da especialidade, ainda que a normatização interna seja posterior à internacional. 8. O art. 98 do CTN deve ser interpretado à luz do princípio Lex specialis derrogat generalis, não havendo, propriamente, revogação ou derrogação da norma interna pelo regramento internacional, mas apenas suspensão de eficácia que atinge, tão só, as situações envolvendo os sujeitos e os elementos de estraneidade descritos na norma da convenção. 9. A norma interna perde a sua aplicabilidade naquele caso específi-co, mas não perde a sua existência ou validade em relação ao sistema normativo interno. Ocor-re uma ‘revogação funcional’, na expressão cunhada por Heleno Torres, o que torna as normas internas relativamente inaplicáveis àquelas situações previstas no tratado internacional, en-volvendo determinadas pessoas, situações e relações jurídicas específicas, mas não acarreta a revogação, stricto sensu, da norma para as demais situações jurídicas a envolver elementos não relacionadas aos Estados contratantes. 10. No caso, o art. VII das Convenções Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá deve prevalecer sobre a regra inserta no art. 7º da Lei nº 9.779/1999, já que a norma internacional é especial e se aplica, exclusivamente, para evitar a bitributação entre o Brasil e os dois outros países signatários. Às demais relações jurídicas não abarcadas pelas convenções, aplica-se, integralmente e sem ressalvas, a norma interna, que determina a tribu-tação pela fonte pagadora a ser realizada no Brasil’. 5. Apelação provida: preliminar de impro-priedade da via afastada, segurança concedida. 6. Peças liberadas pelo Relator, em Brasília, 8 de abril de 2014, para publicação do acórdão.” (TRF 1ª R. – AC 0058303-05.2011.4.01.3800/MG – Rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral – DJe 25.04.2014 – p. 806)

Comentário Editorial SÍNTESENo acórdão ora comentado, a 7ª Turma do TRF da 1ª Região consignou o entendimento que não incide Imposto de Renda retido na fonte sobre repasses feitos por empresas brasileiras a estrangeiras sem estabelecimento no Brasil.

Em primeira instância, o processo foi extinto por impropriedade da via eleita, o que gerou o recurso que deu cauda ao acórdão em comento.

Alegou a empresa a legitimidade da via eleita e, no mérito, que o art. 7º do Tratado/Convenção Brasil-Portugal, promulgado pelo Decreto nº 4.012/2001, afastaria a cobrança do IRRF que deverá ocorrer, se for o caso, com base nas normas vigentes em Portugal.

Ao analisar os autos, manifestou-se o Desembargador Relator concordando com os argumentos apresentados pela recorrente, e destacando que a Convenção/Tratado Brasil-Portugal estabele-ce que “os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável”, e que se as empresas portuguesas beneficiárias dos repasses feitos pela empresa brasileira não possuem estabelecimento estável no Brasil, “devem elas, a tempo e modo, se sujeitarem às leis tributárias do Estado Português em face do rendi-mento auferido, o que, contudo, não legitima a incidência, aqui no Brasil, do IRRF”.

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Seção Especial – Estudo Dirigido

Torcedores Violentos ou Seres Humanos Problemáticos? Breve Reflexão Antropológico-Psicológica

CAREN VIAN CEREZERGraduada em Psicologia pela USF-Itatiba, participou, como cursista, do XVIII Simpósio Instituto Bairral-Crack: O Tratamento com Qualidade É Possível, do XIX Simpósio Instituto Bairral-His-teria, Curso ministrado pela facilitadora Dra. Silvia Helena Franchetti/UNICAMP: Psicoterapia Breve de Base Psicanalítica, Extensão em Psicopatologia – FAJ, atuou em clínicas psiquiátri-cas e outras entidades de saúde, atualmente presta atendimentos individuais e grupais de neuróticos, psicóticos e dependentes químicos.

VANDERLEI DE LIMAGraduado em Filosofia pela PUC-Campinas, Pós-Graduado em Psicopedagogia no Processo En-sino Aprendizagem pelo Centro Universitário Amparense, UNIFIA, Extensão em Parapsicologia pela FEG/CLAP-SP e Direito e Punição pela PUC-Campinas, Colunista de Jornais desde 1998. Autor dos Livros torcidas Organizadas em Amparo: O Caminho da Paz É Possível?, torcida Fúria Independente e O Protagonismo das torcidas Organizadas na Promoção da Paz (este em coautoria). Dirige o Projeto Toppaz (Torcida Organizada Pela Paz).

RESUMO: Este artigo tem em vista defender, à luz da psicologia evolutiva e clínica, a tese segundo a qual, antes de existirem torcedores violentos, há, na realidade, seres humanos problemáticos que têm três características especiais: são homens, gostam de brigar e, quase sempre, possuem ex-tensa ficha policial. Daí ser necessário oferecer três saídas, as duas primeiras corretivas e a terceira preventiva: a curto prazo, repressão legal no local da ocorrência violenta; a médio prazo, educação ética com reavaliação da escala de valores do brigão acompanhada de psicoterapia, se for o caso; e, a longo prazo, a revalorização da família como base da formação de um indivíduo capaz de viver em uma sociedade regida pela lei natural moral. Só assim (e não com a extinção das torcidas organiza-das de futebol) é possível – em nível de contribuição prática – corrigir e/ou prevenir manifestações de agressividades patológicas na sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Homens violentos; prevenção; seres humanos problemáticos; psicologia.

ABSTRACT: This article aims to advocate, in the light of the Evolution and Clinical Psychology, that previously of violent fans existence, in fact, there are problematic human beings who have three different special characteristics: They are men who like fighting with an extended criminal record. For those reasons it is necessary to present three alternatives as solutions, the second ones correctives and the third one preventive: In a short time, legal repression at the violent place; in a medium term, ethics education lessons in order to revaluate the life values of the violent fan accompanied with psychotherapy treatment; in the long term, the revaluation of family values as a human being bases in order to be capable to live in a society ruled by the natural and moral law. Only with those actions (and never with the extinction of the ‘torcidas organizadas de futebol’) would be possible – in a standard of practical contribution – to correct and/or prevent aggressive manifestations in the current society.

KEYWORDS: Violent men; prevention; problematic humans; psychology.

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SUMÁRIO: Introdução; 1 Em grupos diferentes e países distantes, ocorrências semelhantes; 2 As marcas registradas nas ocorrências: “gosto por brigas” e “homens problemáticos”; 3 Os “remédios” para os seres humanos problemáticos; 4 Nas raízes remotas do problema, a real solução; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Este trabalho deseja, sem a intenção de ser conclusivo a respeito do as-sunto “violência e futebol”, despertar uma linha que parece um tanto esquecida quando se trata das cenas de selvageria entre torcedores organizados.

Esse fio condutor pouco valorizado nos debates, mas aqui resgatado, é o seguinte: antes de existir um “torcedor violento”, há um “ser humano problemá-tico” que busca – em um grupo com alto potencial de ocorrências de brigas1, entre os quais estão algumas torcidas organizadas –, colocar em prática o seu lado altamente agressivo2.

Para comprovar isso, percorreremos, com base em referências bibliográ-ficas, o seguinte roteiro: a) há brigas semelhantes tanto em torcidas organizadas como em outros grupos também rotulados de violentos; b) na grande maioria dos conflitos, dentro ou fora das torcidas, os brigões (todos homens) são pou-cos, mas quase sempre carregam consigo um histórico de problemas anteriores (“figurinhas carimbadas”, no jargão policial); c) entre os torcedores violentos, salvo raríssimas exceções, não há nenhum inocente ou ingênuo, cada um sabe, via de regra, o que está fazendo naquele dia, hora e local, ou seja, dirige-se para determinado lugar disposto, ao menos potencialmente, a brigar.

Apresentada a nossa tese, propomos algumas medidas práticas. A curto prazo, a vigilância para com os brigões e sua repressão por meio da ação po-licial, se for o caso; a médio prazo, a psicoterapia e a reconstrução da escala de valores do indivíduo problemático; a longo prazo, em termos de resultados concretos, mas com início imediato, a revalorização da família, célula-base da sociedade, e da própria estrutura social a fim de que esta seja cada vez mais civilizada. Sim, pois, geralmente, o comportamento agressivo, manifestado na

1 Esta definição tem peso, pois não queremos inserir os adolescentes e jovens que sentem prazer em confrontos com rivais como membros de gangues, uma vez que esse termo soa quase sempre pejorativo em nosso país. Galera, por sua vez, seria mais interessante, embora pareça não dar o sentido muitas vezes bélico dessa união dos jovens (Abramovay, 2004). Ficamos, pois, com o termo “grupo social com alto risco (portanto, não qualquer risco) de conflitos” por julgarmos ser mais coerente no caso desta pesquisa, dado que não rotula no substantivo, mas traz um adjetivo apto a caracterizar o modo de agir dos integrantes desses grupos.

2 Não tratamos aqui, evidentemente, de rapazes que possam brigar de modo fortuito em uma situação pontual (um derramou cerveja no outro, por exemplo, houve discussão, agressão e, por fim, um conflito generalizado), mas, sim, daqueles que saem predispostos a brigar ou, em outras palavras, a praticar o que Reis (2006) chama de “violência racional”, aquela premeditada intelectualmente.

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adolescência ou na juventude, tem suas raízes em uma família e sociedade de-sestruturadas e começaram na infância, ou seja, na fase de 0 a 6 anos de idade.

1 EM GRUPOS DIFERENTES E PAÍSES DISTANTES, OCORRÊNCIAS SEMELHANTES

Registramos, de início, nossa tese: muito antes de existirem torcedores violentos, há seres humanos problemáticos. Duas provas são por nós arroladas para sustentar esta afirmação:

a) a constatação de que há brigas semelhantes não só em torcidas or-ganizadas, mas também fora delas e que tais confrontos são registra-dos com membros de classes sociais diversas e em países e ocasiões diferentes;

b) os envolvidos em confusões nos vários grupos com alto potencial de ocorrências de brigas têm, quase sempre, um histórico portador de diversos antecedentes confirmadores de suas condutas errôneas. Essas condutas estão, portanto – ainda que observadas de modos diferentes em cada indivíduo –, às margens das normas e regras norteadoras de uma sociedade civilizada.

Isso posto, expomos seis casos extraídos de notícias publicadas na im-prensa diária nos últimos catorze anos, como se pode ver pelas fontes. Contudo, nós as reescrevemos a fim de que, sem descaracterizar o conteúdo da reporta-gem, não seja tão fácil notar, de imediato, se tais brigas foram protagonizadas por membros de torcidas organizadas brasileiras, estrangeiras (ainda que se lhes dê outros nomes) ou por outro grupo social com alto histórico de conflitos.

A intenção principal, com isso, é demonstrar que, se ocorrem fatos idên-ticos dentro e fora das agremiações de torcedores organizados, a raiz do pro-blema não está, primariamente3, nas torcidas organizadas em si – ainda que estas possam, de acordo com suas posturas, ajudar a melhorar ou a piorar o comportamento do associado (cf. Lima 2013) –, mas, sim, em alguns poucos seres humanos problemáticos que as integram.

Com efeito, os cerca de 5 a 7% de desordeiros presentes entre os torce-dores organizados (Murad, 2007) poderiam integrar qualquer outro grupo social no qual seja alto o risco de ocorrer algum conflito e aí também – esta é nossa tese – esses brigadores colocariam em prática, sem hesitar, o seu lado humano patologicamente agressivo. Eis os casos:

3 O que não quer dizer que secundariamente não influencie. Contudo, aqui nos interessam as possíveis fontes primeiras dos atos violentos desses adolescentes e jovens, maioria dos protagonistas.

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a) Brigas generalizadas foram registradas. Quinze pessoas ficaram feridas, sendo cinco em estado grave, desses ao menos três sofre-ram facadas e alguns dos envolvidos na confusão acabaram sendo presos:

Houve danos materiais a comércios ou a indivíduos particulares, uma vez que os rixosos se valeram de pedras, garrafas e até bicicletas como arma de guerra. Dias antes dessa briga, dois jovens foram mortos em confronto seme-lhante (Folha de S. Paulo, 18.05.2000, p. D3).

b) Apesar de o Governo exigir que os bares só vendessem cervejas em copos plásticos e não em garrafas, houve confronto de jovens entre si e contra a polícia após um grande evento público. O resultado foi a prisão de 12 pessoas. Um jovem brigão e um policial acabaram feridos (Folha de S. Paulo, 17.06.2000, p. D4).

c) Duas facções se enfrentaram na cidade de Campinas/SP sem se inti-midar com a presença de 50 policiais no local do evento. Os PMs, munidos com bombas de gás lacrimogêneo, dispersaram os desor-deiros que, via de regra, andam em bandos e sempre dispostos a brigar, segundo testemunhas (Correio Popular, 30.03.2004, p. 9).

d) Dois grupos adversários se agrediram mutuamente nas ruas. A polí-cia interveio com escudo de autodefesa, cacetetes, balas de borra-cha e spray de efeito moral. O saldo da confusão foi de três pessoas feridas encaminhadas ao hospital e outras 50 detidas para averigua-ção (O Estado de S. Paulo, 13.06.2012, p. E6).

e) Adversários marcaram uma briga pelo twitter e realmente se en-contraram no momento combinado para o tão esperado acerto de contas que deixou um morto e um ferido.

A confusão pode ser medida pela publicação de um rapaz de 23 anos, que, em seu microblog, postou o seguinte: “Eu vou no estilo [fardado, vestido com roupas facilmente identificáveis pelos rivais – nota nossa] e vou com uma pá de nego, e vai dar treta [briga – nota nossa]”.

Conforme testemunhas, o enfrentamento começou quando um dos gru-pos brigões subiu a rua combinada e encontrou, como estava combinado, com os rivais. Houve corre-corre e pessoas foram vistas portando pedaços de pau, facas, pedaços de garrafas de vidro e rojões como armas.

Era tanta gente envolvida na briga que até “parecia que estavam se po-sicionando para uma guerra”, disse uma pessoa que não quis ser identificada. O rapaz assassinado tomou uma paulada na cabeça, caiu e aí foi esfaqueado. Socorrido, faleceu no hospital horas depois (O Estado de S. Paulo, 05.09.2011, p. C1).

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f) Uma briga entre grupos rivais aconteceu no bairro de Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, deixando um saldo de seis feridos no último domingo (Diário de S. Paulo, 28.11.2011, p. 11).

É bastante provável que quem leu as notícias acima e não se deu ao complexo trabalho de buscar os detalhes nas próprias fontes citadas, embora possa ter sido, de imediato, levado a propor a si mesmo ou a quem lhe estivesse próximo vários questionamentos: a ocorrência se deu no Brasil ou no exterior? Foi protagonizada por torcedores organizados ou por outros grupos sociais com alto histórico de conflitos? Se a resposta à última questão for afirmativa, que grupos são esses? O que têm de comum com as associações de torcedores de futebol?

Pois bem, frente a esses questionamentos, respondemos que envolvem torcidas organizadas brasileiras os tópicos d e f e são relatos vindos do exterior as matérias a e b, ao passo que as notícias c e e referem-se a grupos brasilei-ros: a primeira dos chamados pitboys4 entre si e a segunda de punks5 contra skinheads6.

As divergências entre as seis notícias citadas são duas: o país da ocor-rência e o “motivo” alegado para a briga acontecer. Já que “as diferenças entre grupos de rua são muito pequenas” (Gulo, 2011), as semelhanças se sobressa-em. Entre elas destacamos três: todas as brigas se deram, quase sempre, na rua; todos os envolvidos, ao que tudo indica, eram homens, dispostos ou mesmo preparados, para um possível confronto, e todos eles pareciam gostar dessas “aventuras” (alguns já têm, inclusive, várias passagens pela Polícia), razão pela qual assumem tais situações de risco.

2 AS MARCAS REGISTRADAS NAS OCORRÊNCIAS: “GOSTO POR BRIGAS” E “HOMENS PROBLEMÁTICOS”

O grande líder da La Doce, barra-brava argentina tida por violenta, fa-zendo referência ao ano de 1987, confessa o seguinte: “Aquela época era ge-

4 O pitboy é um estereótipo ligado a indivíduos do sexo masculino, de grande porte físico e que, habitualmente, se envolvem em brigas. Entre os elementos comuns ao estereótipo, estão o de frequentar academias de musculação e praticar artes marciais, bem como, ao que o próprio nome indica, ser possuidor de cachorros da raça pitbull.

5 Punk é um movimento musical e cultural. Termo também usado para designar as pessoas que seguem esse movimento. Os punks surgiram, inicialmente, nos Estados Unidos, nos anos 70, foram para a Grã-Bretanha e, alguns anos depois, se espalharam por outros países.

6 Skinhead cultura juvenil que possui tanto o aspecto musical como também o estético e comportamental. Tem origem, na década de 1960, no Reino Unido, e é constituída, em sua maioria, por brancos e negros (imigrantes jamaicanos), reunidos pela música (ska, reggae, rude boys etc.).

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nial. Se não houvesse combate, era como se nós não tivéssemos ido ao estádio. E sempre de punho limpo7” (Grabia, 2012).

Também no Brasil escolher um adversário, seja ele quem for8, é impor-tante para os brigões, segundo a constatação de Monteiro (2013) ao escrever que:

Parece mesmo haver entre esses torcedores a expectativa e o desejo de que os preparativos que antecedem uma partida descambem em violência e confrontos, ficando um sentimento de frustração coletiva quando isso não acontece. [...] Em tais ocasiões, é comum os torcedores organizados tomarem como alvo de suas provocações mesmo aqueles que não têm nenhuma identificação com o “inimi-go”, como transeuntes, ambulantes e gandulas, apenas para não deixar de haver “zoação” ou para não perder a viagem. Certa vez, ao final de um jogo de basque-te entre Flamengo e Vasco da Gama, como a torcida vascaína já tivesse deixado o estádio escoltada pela Polícia Militar, os torcedores do Flamengo passaram a provocar os funcionários da Suderj com os mesmos gritos de guerra entoados contra torcidas inimigas.

Pelo ângulo das investigações policiais, a delegada Margarette Barreto, do Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), confirma a fala de um dos líderes máximos da La Doce, Rafael Di Zeo, e do cientista social Rodrigo Pedroso ao dizer que, quando nos referimos aos torcedores organiza-dos apaixonados por brigas, “não estamos falando de nenhuma chapeuzinho vermelho na floresta, mas de gente que anda armada, que vai ao jogo brigando com pessoas, dá tiro. São pessoas que fazem a própria escolta armada e que não pede escolta da polícia” (Agora, 28.03.2014, p. B3).

Mais: Barreto assegura que há premeditação dos torcedores violentos com relação às brigas: “Existe um ritual antes da pancadaria. Eles fazem chur-rasco aos sábados, bebem, se drogam e saem no domingo cedo não para o futebol, mas para brigar” (Diário de S. Paulo, 28.03.2012, p. 2).

Isso, contudo, não é só mau privilégio de algumas tão criticadas – em não poucos casos com razão – torcidas organizadas, mas de qualquer grupo que dê guarida a seres humanos problemáticos em seus quadros sociais.

No entanto, esses dados ilustrativos, acima expostos, corroboram nossa tese neste artigo: o problema do rotulado “torcedor violento” é, antes de tudo, uma questão de raiz pessoal e familiar que teve origem na primeira infância, ou seja, muito antes de sua pertença à torcida organizada, ele já era um ser hu-mano problemático. Portanto, o brigador não ficou violento porque se tornou integrante de uma torcida organizada. Ao contrário, ele buscou uma torcida

7 “Mão limpa” é mais comum em português – nota dos autores deste trabalho.8 Realmente, a agressão pode ser dirigida ao agente frustrador (o pai, a mãe, o rival, o policial etc.) ou transferir-

se para um substituto dele, mesmo que este seja inocente na história (o lixeiro, o repórter, a dona de casa etc.) (Cf. Barros, 1990).

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organizada com alto índice de ocorrências de brigas porque tem dentro de si um perfil agressivo patológico a ser colocado em prática.

Pergunta-se, contudo, como é que esse ser rapaz impetuoso descobriu uma torcida com altos índices de brigas e a ela se associou e não buscou outro grupo de torcedores organizados mais tranquilos? A resposta é simples: pelas notícias sensacionalistas difundidas por órgãos da própria mídia que foi, mais de uma vez, acusada de ser coprodutora da violência, segundo Murad (2003).

Para ele,

a equação pode funcionar mais ou menos assim: se a impressão dominante que fica é a de que os estádios são lugares de “porradaria”, os vândalos, mesmo que não se interessem por futebol, passam a procurar os estádios para encontrar ali o que buscam em qualquer espaço (boates, praias, shows), ou seja, a “porradaria”.

Em suma, existindo brigas ou ao menos a possibilidade de que elas ocor-ram, é o que mais importa como motivação a esses adolescentes ou jovens “valentões” na escolha de um grupo no qual se sintam capazes de colocar em prática, com poucos impedimentos, sua patológica agressividade.

E mais: esses seres humanos problemáticos são sempre (ou quase sempre) violentos onde quer que estejam. Sim, Pinto (2011), depois de estudar fontes da Psicologia e da Psiquiatria, pôde dizer o seguinte: na violência presente nas torcidas organizadas de futebol, não há, basicamente, nenhuma diferença em relação à

violência que se vê no trânsito, na escola, no emprego, nas relações familiares etc. Aquele que agride a esposa em casa aproveita os jogos de futebol para agre-dir também o seu oponente. Quem transgride a lei de trânsito, transpondo o sinal vermelho que lhe é desfavorável, sente-se estimulado a atingir o mais elementar direito de seu semelhante. Tudo é fruto da enorme escalada da violência que se verifica em nosso país, cujas causas são as mais diversas e que, por consequên-cia, atinge também o futebol (embora não raramente sejam vistas tais práticas também no basquete e no futsal). Uma sociedade violenta irradia seus reflexos para todos os campos da atividade humana, sendo inviável se imaginar que o esporte possa se ver livre desse triste fenômeno.

Por que se usou acima a expressão “quase sempre”? Porque, responde-mos, há exceções entre os brigões que participam de tumultos nos estádios e seus entornos, especialmente nos dias de jogos, e também em outros ambientes, como festas, trânsito, lar. São aqueles adolescentes, jovens ou adultos que têm comportamentos diferentes conforme o momento ou local em que se encontra-rem: nos dias de jogos ou junto com o grupo, agem de modo violento, mas, em casa, na escola ou no trabalho, são cidadãos exemplares no que toca à educa-ção, à pontualidade, à benevolência etc.

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Isso se explica, com certa facilidade, se tivermos presente que são adoles-centes ou jovens, na sua maioria, inteligentes o suficiente para perceberem algo essencial à sua sobrevivência: para cada papel que exercem, em momentos e ambientes diferentes, precisam seguir algumas características de um perso-nagem próprio criado para atingir os seus objetivos, ou seja, eles se valem da manipulação das pessoas para alcançarem aquilo que almejam.

Esta é, como já se pode notar pela descrição, uma característica que traz indícios de psicopatia. Aliás, muitos deles, diferentemente do que se imagina no senso comum, não são assassinos em série. Ao contrário, convivem conosco, na sociedade, sem serem notados, mas, no grupo ou nas situações específicas que escolheram como ideais para a liberação de seus impulsos e desejos malévolos, demonstram, realmente, o quanto são violentos e, por conseguinte, perigosos.

Não se deve, pois, diante desses dados, a nosso ver, incriminar apenas as torcidas organizadas de futebol por um problema que é, antes de tudo, um desvio presente na própria pessoa humana – torcedora ou não – apenas tradu-zido no contexto social maior. Este é, no caso, a agremiação de torcedores, mas poderia ser qualquer outra associação de pessoas na qual seja alto o risco de confrontos com rivais escolhidos mais ou menos aleatoriamente apenas para satisfazer os desejos belicosos doentios de quem deseja promover confusões em que haja tiro, bomba, socos, pontapés etc.

Algumas matérias despretensiosas de jornais demonstram sinais de que os problemas manifestados nas torcidas organizadas ou em outros grupos cuja violência pode se fazer mais presente são anteriores a tais grupos e, portanto, só podem vir, a princípio9, dos seres humanos que as integram.

Com efeito, o pai de um punk morto em 2011, em São Paulo, declarou que, em dez anos no movimento, seu filho sempre chegava à sua casa com machucados resultantes de confrontos nas ruas da cidade. “Ele nunca fugiu de briga, sempre ficou para o pau”. Realmente, segundo o próprio jornal, o rapaz tinha um histórico de confusões: em 2006, foi detido por tentar jogar ovos no governador e também no prefeito de São Paulo; em 2007, foi acusado de es-pancar um skinhead que sofreu fraturas na face; em 2009, foi preso por agres-são racista na Rua Vergueiro, capital, e em 2011, ano de seu assassinato, teria jogado uma bomba em desfilantes da Parada Gay de São Paulo (O Estado de S. Paulo, 05.09.2011, p. C4).

9 Não investigamos, por questão de delimitação do tema, neste artigo, a influência grupal no ser humano como causa próxima da violência manifestada no grupo social. Contudo, dizemos que tal influência é deveras interessante de ser estudada, especialmente no que diz respeito à heterossugestão (sugestão de fora). Afinal, o futebol “é um fenômeno de multidões apaixonadas – e a paixão tudo exacerba, é fácil se ultrapassar limites. E como na multidão os indivíduos presumem estar em anonimato, tendem a agir de maneira ainda mais transgressora. Então, é preciso entender a multidão para saber contê-la” (Murad, 2003).

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Também o acusado pelo assassinato desse mesmo punk é considerado “linha de frente nos crimes de ódio” e já foi fichado pela equipe da delegada Margarette Barreto, do Decradi, por estar “envolvido em vários crimes de agres-são”, sendo um deles pela briga com punks ocorrida em Osasco, no dia 19 de fevereiro de 2011, de modo que seu inquérito policial já chega a 400 páginas (Diário de São Paulo, 10.09.2011, p. 7).

O jornalista Felipe Tonon, por sua vez, demonstra ainda que um guarda civil municipal de Campinas/SP, envolvido no confronto entre torcedores co-rintianos e vascaínos, no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, no domingo, dia 22 de agosto de 2013, “tem uma longa ficha de indisciplina na corporação”, de modo que sofreu afastamento da função e perda do porte de arma. Na GCM, ele “acumula faltas e desobediências recorrentes ao comando”.

Como se isso não bastasse para comprovar um histórico de má condu-ta, o funcionário público corintiano não deveria estar sequer no jogo em que brigou, pois se encontrava de licença médica até o dia da partida de futebol quando deveria retornar ao trabalho, mas não retornou. Aliás, sua presença na corporação é nula, segundo seu superior, uma vez que o guarda torcedor e bri-gão “não aparece para trabalhar” (Correio Popular, 03.09.2013, p. A6).

Notícia colhida no Portal G1, de 19.08.2013, também assegura que

todos os três torcedores do São Paulo e o do Flamengo envolvidos em uma bri-ga em frente ao Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília, na tarde deste domingo (18), têm passagens pela polícia por crimes como tráfico de drogas, roubo e homicídio. Segundo o delegado Marco Antônio Almeida, o torcedor do Flamengo cumpre prisão domiciliar por roubo e responde a processo por homi-cídio.10

Na cidade de Tocantinópolis, a Polícia Militar e a Polícia Civil prenderam um estudante de 18 anos, após uma acusação segundo a qual ele matou com vários golpes de faca um mecânico de 21 anos depois de uma briga durante o carnaval. O jovem acusado pelo assassinato já é conhecido da polícia por sua extensa ficha criminal. Ele já passou pela delegacia por tentativa de homicídio e por esfaqueamento de outro estudante11.

Em todos os casos, seja na torcida ou fora dela, estão presentes os com-ponentes básicos dos violentos: homens, apaixonados por brigas e com históri-co policial extenso.

10 Disponível em: <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2013/08/torcedores-presos-em-briga-no-df-tem-passagens-pela-policia-diz-policia.html>. Acesso em: 21 ago. 2013.

11 Disponível em: <http://t1noticias.com.br/plantao-de-policia/briga-na-festa-de-carnaval-em-tocantinopolis-aca - ba-com-jovem-assassinado>. Acesso em: 14 maio 2014.

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3 OS “REMÉDIOS” PARA OS SERES HUMANOS PROBLEMÁTICOS

Diante do quadro sumariamente apresentado, importa formular alguns pontos que possam ajudar a amenizar tamanha problemática. Elencamos três, sendo os dois primeiros corretivos de deficiências ante um problema dado e o terceiro formativo e, por conseguinte, preventivo de distúrbios comportamen-tais sérios.

De imediato, ante as cenas de brutalidades ou a possibilidade de que elas ocorram, é preciso lançar mão da ação policial capaz de reprimir in loco, sem exageros ou truculências, o vandalismo imperante entre esses adolescentes e jo-vens brigões. Embora, evidentemente, não seja a única nem a principal solução para os conflitos, “na prática, a repressão tem que ser mantida. Ela funciona, pois representa um limite com certa eficiência. Seria extremamente perigoso não contar com ela”, segundo Motta (2005).

Pereira (2014) confirma, em trabalho de campo realizado nos estádios in-gleses, que, mesmo com toda campanha de conscientização e repressão, alguns brigões continuam presentes nos jogos, sim, mas não gozam de liberdade para armar confusão. Ao contrário, permanecem

contidos pelo forte esquema de segurança e leis severas que são lembradas a todo instante por meio de avisos [radiofônicos] voltados para os torcedores. Tais mensagens que poderiam ser traduzidas como “aprontou, amigo? Vai em cana”. Ninguém quer ir preso, claro, ainda menos sob o risco de o tribunal lhes aplicar uma pesada multa.

Voltando ao nosso artigo, afirmamos que, uma vez identificados os bri-gões pelo sistema de segurança (câmeras ou testemunhas oculares), eles devem ser conduzidos à autoridade policial e, com evidente direito à defesa, punidos de acordo com leis rígidas e eficazes. Sim, rígidas, dado que de lei branda ninguém tem receio, e eficazes, pois leis que não surtem efeitos práticos são totalmente inócuas.

Em um segundo momento, é preciso lembrar que só a punição imediata em si, no entanto, pouco resolve. Pode mesmo ser mero paliativo se não conse-guirmos chegar às causas do problema que leva o adolescente ou o jovem a, em vez de apoiar o seu time, promover vandalismos no estádio ou em seus entor-nos. Há dois recursos oportunos e mais imediatos contra a violência que, acre-ditamos, na maioria dos casos12, caminhar juntos: a educação e a psicoterapia.

12 Em alguns casos, bem avaliados, é de se crer que antes de se engajar em um processo educativo sério de revisão da sua escala de valores, o adolescente ou jovem brigão deva passar por sessões de psicoterapia a fim de ser ajudado profissionalmente em sua tomada de novos rumos.

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Falamos aqui não em educação acadêmica, que também é deveras im-portante, sem dúvidas, mas da vivencial de fundo ético, ou seja, aquela que leva ao autodomínio ou autocontrole das emoções. Afinal, para Brandão (2003), a escola de Norbert Elias, sociólogo alemão, ensina que é impossível a

existência de qualquer sociedade que consiga sobreviver sem a existência de tipos de controle das emoções, o individual, na forma de autocontrole, e o con-trole social das emoções, na forma de um código de conduta e de um padrão para o comportamento.

Isso é o que, certamente, falta a esses adolescentes e jovens brigões: o es-tabelecimento de limites de dentro (autocontrole, iniciado com a ajuda de bons psicólogos, se for o caso, devido à ausência da família) e de fora (heterocontrole por meio de bons exemplos e de leis verdadeiramente eficazes).

Terceiro, valorizar a família e a sociedade bem estruturadas. Tudo o que repercute na sociedade maior (escola, empresa, torcida de futebol etc.) tem iní-cio na sociedade menor que é a família. Daí

para prevenir a “fabricação” de violentos temos de atuar no período pré-patogê-nico, ou seja, da concepção aos 6 anos, principalmente antes dos 3. O segredo está em se promover a saúde mental, em se preocupar com a formação da per-sonalidade, do caráter, o que é difícil, demorado, mas factível. (Lisbôa, 2007)

Tudo isso levará à construção de uma sociedade alicerçada nos valores da Lei Natural Moral, ou seja, aquela que está presente a todo ser humano sadio e, em síntese, lhe prescreve a norma: “Pratica o bem e evita o mal!”, de suma importância a ser desenvolvida na contenção da violência em nossa sociedade.

4 NAS RAÍZES REMOTAS DO PROBLEMA, A REAL SOLUÇÃO

Neste estudo, afastamos, como empiricamente superada, a tese muito difundida, especialmente por estudiosos de cunho marxista, segundo a qual apenas a “pobreza” e a “desigualdade social” levam ao crime ou à violência.

A causa social tem, sim, certa relevância, mas, por si só, não explica as raízes da violência, que são muito mais profundas. Isso o confirma Alba Zaluar (Gois, 2004), renomada antropóloga, ao refutar a ideia de que a pobreza e a desigualdade sejam as principais responsáveis pela violência nas grandes cidades. “Se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres en-trariam para o tráfico. Fizemos um levantamento na Cidade de Deus [conjunto habitacional favelizado, na zona oeste do Rio] e concluímos que apenas 2% da população de lá está envolvida com o crime. Como explicar que a maioria das pessoas não se envolveu com o tráfico? Certamente tem algo a mais aí”, diz ela.

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Esse “algo a mais”, segundo Zaluar, está no “etos da hipermasculinida-de”, que leva alguns jovens do sexo masculino a se arriscarem no tráfico de drogas em busca do reconhecimento social por meio da imposição do medo. E continua: “É preciso fazer políticas públicas mais eficientes e focadas nos jovens que estão nessa fase difícil da adolescência, para que eles possam construir uma imagem civilizada de homem, que tenha orgulho de conter a sua violência e respeitar o adversário, competindo segundo as regras estabelecidas”, afirma a antropóloga.

Resta-nos chegar, porém, mesmo que de modo passageiro, à raiz da maioria dos reais problemas desses adolescentes e jovens caracterizados como violentos, uma vez que seus “distúrbios de conduta, cuja origem, na maioria das vezes, se inicia na infância, são os responsáveis pelo crescente aumento das diferentes formas de violência” (Lisbôa, 2007).

Também Ferreira (2010) avaliza essa constatação e a aprofunda ao asse-gurar que o comportamento violento, em sua origem,

só é inato em raras patologias psiquiátricas. Em geral, a violência surge na criança em função de problemas em seu cuidado desde os primeiros anos. Alguns autores identificaram um fator causal que denominaram trauma relacional precoce, que envolve uma ligação inadequada com os primeiros cuidados. Esse vínculo desor-ganizado gera alterações cerebrais e psicológicas responsáveis pelo comporta-mento agressivo, pela impossibilidade de avaliar as consequências das próprias ações e pelo desenvolvimento de humor irritado e afetos negativos.

Diante de tais dados, é inegável o papel da família, a célula-mãe da so-ciedade, e, portanto, a primeira formadora do ser humano na determinação dos seus traços de personalidade desde os primeiros dias de vida do bebê.

A partir de experiências com dois grupos distintos de crianças – um de delinquentes e outro de bem comportadas –, Barros (1990) apresenta funda-mentais diferenças entre as que cresceram em ambiente harmônico ou desar-mônico ou ainda aquelas que viveram em lares desfeitos pela ausência de um dos pais, via de regra, por morte ou pelo divórcio.

Diz, pois, a mesma autora:

Num estudo que se tornou famoso, Bandura observou o efeito de expor crianças a modelos adultos em cenas de agressão. Analisou crianças semelhantes de 3 a 6 anos de idade, dispondo-as em dois grupos: o de controle e o experimental.

As crianças do grupo experimental foram expostas ao espetáculo de modelos adultos agredindo um grande boneco de plástico inflável tipo joão-teimoso. O modelo adulto apresentava agressão física e verbal: dava socos e pontapés no boneco, batia em sua cabeça com um martelo, sentava-se nele, batia-lhe no na-

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riz, atirava-lhe bolas e, além dessas agressões físicas, gritava com ele e ofendia-o com palavras.

As crianças do grupo de controle assistia a tais cenas. Mais tarde, permitiu-se a todas as crianças, tanto as do grupo experimental (que tinham sido expostas ao modelo agressivo), como as do grupo de controle, brincarem com o bone-co. Observou-se que as crianças do grupo experimental apresentaram respostas agressivas em quantidade duas vezes maior que as respostas do grupo de contro-le. As crianças do grupo experimental imitavam o modelo em tudo até nas frases que gritavam: “Toma um soco no nariz!” “Lá vai um pontapé!” etc.

Desse modo, a autora pôde concluir que, tanto para a escola etiológica quanto para a freudiana, “a agressão é, em grande parte, herdada”, ou seja, é produtos do ambiente no qual a criança vive, uma vez que a criança aprende muito por meio da imitação dos adultos. Daí haver grupos sociais nos quais os antropólogos não registraram casos graves de agressões na comunidade, como é o caso de Taiti, estudado por Levy, em 1969. Em contrapartida, na tribo Dugum Dani, na Nova Guiné, estudada por Gardner e Heiner, no mesmo ano, constatou-se que a hostilidade entre os membros da comunidade é recorrente.

Note-se, contudo, um dado relevante da psicologia: a raiva é “um com-ponente emocional que constitui um dos elementos essenciais dos atos agres-sivos ou violentos” e é normal em certas fases do desenvolvimento físico e psicológico da criança, especialmente em seus primeiros seis anos de vida nos quais a comunicação verbal ainda é insuficiente.

Com o passar desse tempo, porém, ou seja, depois dos 6 anos, podemos ter um problema de ordem psicológica e emocional na criança agressiva que requer tratamento adequado, uma vez que, nessa fase, há um grande processo de transformação na vida da criança e por influência do próprio meio em que vive: ela então verbaliza melhor o que deseja, começa a brincar de “lutinhas”, aprendendo, assim, ainda que às vezes inconscientemente, a dramatizar seus impulsos agressivos ou mesmo a controlá-los, especialmente na adolescência, a fim de bem viver em sociedade.

Daí escrever Machado (1981) uma constatação que fecha com chave de ouro esta nossa explanação ao afirmar que,

como resultado do seu processo de amadurecimento emocional e de integração social, a criança aprende a reprimir algumas de suas reações mais agressivas e a esperar para conseguir a satisfação de seus desejos. Seu processo de socialização evolui à medida que a criança vai descobrindo novas formas de relacionamento mais complexas, até que atinge o ponto em que vai aprender a dar algo de si para conseguir receber de volta qualquer tipo de gratificação do próprio meio social em que vive.

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Eis por que a questão da violência entre grupos sociais de alto risco não se resolve apenas com polícia (ainda que esta se faça importante, em certos casos, no momento da ocorrência e da investigação). Afinal, é um problema muito mais sério que remonta à infância mal vivida da pessoa caracterizada como violenta e que, por isso, requer um trabalho psicológico capaz de chegar à verdadeira raiz da questão, situada na fase que vai de 0 aos 6 anos, pois, em-bora, cronologicamente, sejam adolescentes ou adultos, é lá na infância que o homem violento de hoje se deteve em sua evolução psíquica.

CONCLUSÃO

Cremos ter deixado assente neste trabalho que, antes de existir um torce-dor violento, há um ser humano problemático cujas causas estão na infância, especialmente de 0 a 6 anos.

Deste modo, outra conclusão se impõe: a extinção das torcidas organi-zadas de futebol, tão defendida algumas vezes, nada resolve. Mesmo extintas, não se porá fim às chamadas “brigas entre torcedores”, pois essas ocorrências, embora se deem também nas torcidas, especialmente organizadas, não são es-pecíficas delas.

Sim, está comprovado, neste artigo, com dados empíricos colhidos na imprensa e em obras específicas, que, em outros grupos com alto potencial de risco de confusões, ocorrem brigas muito semelhantes e é em tais grupos que o ser humano problemático, certamente, busca satisfazer sua patológica agressi-vidade, independentemente de ser ele torcedor de futebol ou não.

Diante desse quadro, a única saída realmente eficaz, especialmente em relação aos brigadores de estádios, parece ser as que apresentamos nos itens 3 e 4 deste artigo, ou seja, a correção e a prevenção. No primeiro caso, a curto pra-zo, o monitoramente por meios humanos ou eletrônicos e a repressão policial in loco para salvaguardar a integridade física desses beligerantes e a segurança dos demais presentes, mantendo, assim, a ordem pública. Em seguida, o enca-minhamento desses brigões para um sistema corretivo que inclua a revisão da sua escala de valores com auxílio da psicoterapia, se for o caso.

Do ponto de vista preventivo, a longo prazo, a revalorização da família como primeira formadora da personalidade da criança, especialmente de 0 a 6 anos, verdadeira fase moldadora da personalidade. Com um homem e uma mu-lher bem formados para uma vida civilizada dentro dos padrões da Lei Natural Moral, cuja base está no “pratica o bem e evita o mal”, teremos, sem dúvidas, um mundo melhor para se viver nas diversas acepções que o termo bem viver possa comportar.

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Nossas conclusões podem, reconhecemos, parecer um tanto fortes, mas cremos não se poder tratar de um assunto complexo dessa natureza sem ir às reais causas do problema e oferecer-lhes soluções concretas. Soluções que aju-dem a minorar o sofrimento do próprio ser humano problemático – que é muito mais do que o de um mero torcedor violento – e de seus próximos (ainda que ele possa não reconhecê-los como tais).

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, Miriam et all. Gangues, galeras, chegados e rappers: juventude, violên-cia e cidadania nas cidades da periferia de Brasília. 3. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.

BARROS, Célia Silva Guimarães. Pontos da psicologia do desenvolvimento. 4. ed. São Paulo: Ática, 1990.

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FERREIRA, Maria Helena. Esportes podem amenizar a violência escolar. O Estado de S. Paulo, 05.12.2010, p. A28.

GOIS, Antônio. Hipermasculinidade leva os adolescentes ao crime (entrevista com Alba Zaluar). Folha de S. Paulo, 12.07.2004, p. A12.

GRABIA, Gustavo. La Doce: a explosiva história da torcida organizada mais temida do mundo. São Paulo: Panda Books, 2012.

GULLO, Álvaro. Essas tribos agridem para se autoafirmar. O Estado de São Paulo, 05.09.2011, p. C4.

LIMA, Vanderlei de. Medidas para amenizar a violência entre torcidas organizadas de futebol. Síntese: Direito Desportivo, n. 13, p. 208-220, jun./jul. 2013.

LISBÔA, Antônio Márcio Junqueira. A primeira infância e as raízes da violência: pro-postas para a diminuição da violência. Brasília: LGE, 2007.

MACHADO, Dulce V. Marcondes. Meu filho é agressivo. São Paulo: Almed, 1981.

MONTEIRO, Rodrigo de Araujo. Torcer, lutar ao inimigo massacrar: Raça Rubro Negra. Rio de Janeiro: FGV, 2003.

MOTTA, Joaquim Zailton. Gol, guerra e gozo: o prazer pode golear a violência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

MURAD, Maurício. A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. Rio de Janeiro: FGV, 2007.

PEREIRA, Mauro Cézar. Briga na estação de trem e a sinistra atmosfera em uma noite de futebol no berço dos hooligans. Disponível em: <http://espn.uol.com.br/post/411696_briga-na-estacao-de-trem-e-a-sinistra-atmosfera-em-uma-noite-de-futebol--no-berco-dos-hooligans>. Acesso em: 30 maio 2014.

PINTO, Ronaldo Batista. Das penalidades. Estatuto do Torcedor comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

REIS, Heloisa Helena Baldy dos. Futebol e violência. Campinas: Autores Associados; São Paulo: Fapesp, 2006.

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Seção Especial – Prática Processual

Reclamação Trabalhista

EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA __ ª VARA DO TRABALHO DE NOVA LIMA/MG

(POR LUCAS THADEU DE AGUIAR OTTONI – ADVOGADO)

[...], brasileiro, casado, treinador de futebol, portador da cédula de iden-tidade nº [...], expedida pela SSP/MG, inscrito no CPF/MF sob o nº [...], residen-te e domiciliado em [...], vem, por seus advogados, propor

reclamação trabalHista

em desfavor do Villa Nova Atlético Clube, entidade de prática desportiva filiada à Federação Mineira de Futebol e à Confederação Brasileira de Futebol – CBF, inscrita no CNPJ/MF sob o nº [...], com sede em Nova Lima/MG, na [...], pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos.

DA COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA

Preliminarmente cumpre ao autor ressaltar que, conforme recente enten-dimento acerca do caráter facultativo quanto à submissão da presente pretensão à Comissão de Conciliação Prévia de que tratam os arts. 625-A e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, ex vi dos precedentes do Excelso STF (ADIns 2139-DF e 2160-DF), bem como face aos precedentes da SBDI-1 (TST, E-RR-76500-04.2005.5.02.0018, Min. Maria de Assis Calsing, DJ 04.06.2010; E-ED-RR 130600-91.2003.5.02.0465, Min. Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 19.03.2010), pretende-se trazer a questão diretamente às barras dessa Es-pecializada, até mesmo a fim de se evitar maiores delongas administrativas ou diligências infrutíferas, dada a natureza e valor dos pedidos envolvidos.

DOS FATOS E DOS FUNDAMENTOS

O autor é treinador de futebol, tendo sido contratado para comandar a equipe profissional do réu por prazo determinado, pelo período de 02.01.2013 a 31.05.2014. Por iniciativa exclusiva do empregador, foi dispensado em 02.10.2013, como noticiado pela imprensa esportiva e pelo próprio site oficial do Villa Nova AC, sendo seu último salário mensal de R$ 25.201,01 (vinte e cinco mil, duzentos e um reais e um centavo) brutos, que corresponde a R$ 18.821,00 (dezoito mil, oitocentos e vinte e um reais) líquidos.

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Contudo, a contratação do autor pelo réu, apesar de formalizada por do-cumento intitulado “Contrato de Trabalho” (anexo), deu-se por meio da empre-sa [...] – o que caracteriza patente fraude à legislação trabalhista e aos direitos do autor, na condição de empregado do réu.

Vejamos o que descreve a cláusula primeira do referido contrato, que trata de seu objeto:

O presente Contrato tem como objetivo a assessoria pela [...], através da pres-tação de serviços de treinamento de futebol por parte do Sr. [...] junto à equipe profissional do Villa Nova Atlético Clube [...]

da fraude trabalHista

O artigo segundo da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT diz que: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.

Já o artigo terceiro do mesmo diploma legal determina que: “Considera--se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

No caso em tela, mediante remuneração, o autor, sempre reportando--se à Diretoria do clube-réu, diariamente comandava a equipe do clube-réu e a comissão técnica de seu Departamento de Futebol Profissional, cumprindo horários, ministrando treinamentos, escalando os jogadores, designando con-centrações, indicando contratações e dispensas, dirigindo a equipe durante os jogos amistosos e oficiais, etc..

Ora, até mediante aplicação do “Princípio da Primazia da Realidade so-bre a Forma”, não há dúvidas que o autor era efetivamente empregado do réu: prestava seus serviços pessoalmente, com habitualidade, onerosidade, subordi-nação e não eventualidade.

Conclui-se, pois, que nos deparamos com mais um caso de “pejotiza-ção”, no qual um empregado foi contratado e era remunerado por pessoa jurí-dica interposta – de maneira a violar a legislação trabalhista e descaracterizar a relação de emprego, causando patente prejuízo ao autor, especialmente no que se refere aos seus direitos irrenunciáveis na qualidade de empregado e trabalhador.

Neste sentido, imperioso se faz o reconhecimento de que as parcelas pa-gas ao autor pelo clube-réu eram, na verdade, maneira fraudulenta de mascarar o pagamento da contraprestação pelos serviços que ele prestava unicamente enquanto treinador de futebol. E a despeito de as partes serem livres para pac-tuar as condições do contrato laboral, referida liberdade encontra limite nas

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disposições constantes na Consolidação das Leis do Trabalho, conforme se de-preende do art. 444 da CLT:

Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipu-lação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. (grifo nosso)

Vejamos relevante decisão em situação análoga, que abrange com maes-tria os aspectos decorrentes de tal prática, infelizmente cada vez mais comum no meio desportivo (grifamos):

Infelizmente, o Direito do Trabalho é alvo de constantes subterfúgios para mas-carar a relação de emprego sob o rótulo de figuras civilistas, como prestações de serviços autônomos, por exemplo. Atualmente, o fenômeno supracitado tem recebido alcunha pitoresca e se espraia como incêndio em mato seco: a pejoti-zação.

A pejotização consiste em transformar pessoas físicas em pessoas jurídicas e ao invés de serem trabalhadores de uma empresa, passariam a ser uma empresa prestando serviços para outra empresa, em palavras não tão belas, trabalhadores que passam a usar esta roupagem contratual para não perder o posto de trabalho, mascarando o suposto vínculo de empregatício. Trata-se da busca pelo fim da relação entre capital e trabalho, objetivando a relação, apenas, entre empresas.

[...]

Ademais, vale lembrar que o contrato de trabalho é um contrato-realidade e se configura independentemente da vontade das partes. Por força do princípio da primazia da realidade, a idéia que as partes fazem das circunstâncias e até a in-tenção que as animou não se revestem de força vinculativa para a determinação da natureza jurídica da relação estabelecida. Ainda que recusem as posições de empregado e empregador, estarão ligadas por contrato de trabalho, uma vez verificados os requisitos de sua conceituação legal.

A lição de Américo Plá Rodriguez, ao apontar como princípio fundamental do ordenamento jurídico do trabalho o da primazia da realidade, que, no caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge dos documentos e acordos, se deve dar preferência ao que ocorre no mundo dos fatos. É o primado da realidade sobre a forma, determinando o reconhecimento do vínculo empre-gatício, uma vez configurados todos os seus elementos, constantes do art. 3º da CLT. (TRT 17ª Região, RO 01391.2007.006.17.00.0, Rel. Juiz Claudio Armando Couce de Menezes, Julgado em 23.04.2009, Publicado em 04.06.2009)

Estamos diante, portanto, de patente fraude trabalhista, pelo que, inde-pendentemente da vontade das partes e em razão da nulidade da contratação do autor por meio de empresa interposta, na forma do art. 9º da CLT, impõe-se seja reconhecida e declarada existência de relação de emprego entre autor e réu no período de 02.01.2013 a 02.10.2013, bem como o salário mensal bruto

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de R$ 25.201,01 (vinte e cinco mil, duzentos e um reais e um centavo), até para que não restem desconstituídos os princípios e conceitos fundamentais do Direito do Trabalho.

dias trabalHados e não Pagos

Apesar de ter prestado seus serviços a tempo e modo, o autor não rece-beu a remuneração referente a 19 (dezenove) dias do mês de julho, tampouco aos meses de agosto, setembro e aos 2 (dois) dias trabalhados de outubro.

das verbas rescisórias: fundo de garantia Por temPo de serviço; férias e 13º ProPorcionais; multa do artigo 479 da clt e dos §§ 6º e 8º do artigo 477 da cltConforme já narrado, o Contrato de Trabalho firmado entre o autor e o

clube-réu tinha prazo determinado, mas foi rescindido por iniciativa exclusiva do empregador em 02.10.2013.

Ocorre que, quando da rescisão contratual, não foram quitados os valores referentes aos dias trabalhados pelo empregado (quase três meses de salários!) e não pagos pelo clube-réu, tampouco as parcelas devidas ao autor a título de férias (acrescidas do terço constitucional) e 13º proporcionais, ou entregues as respectivas guias CD-SD. O réu também jamais recolheu os valores devidos ao INSS e aqueles relativos ao Fundo de Garantia, pelo período do vínculo laboral.

Relativamente à hipótese de rescisão antecipada, no caso em debate, também não se obedeceu o parágrafo primeiro da cláusula sétima do referido contrato, cujo montante respectivo (qual seja, a integralidade das parcelas vin-cendas até o término da vigência do contrato originalmente ajustada), devido em caso de dispensa pelo empregador antes de 10.11.2013 (repita-se: a dispen-sa deu-se em 02.10.2013 – vide documentos anexos) igualmente não foi pago ao autor quando de sua dispensa pelo clube-réu:

Em caso de rescisão por parte do contratante, a partir da data de 10 de novembro de 2013, este estará desobrigado de ressarcir o treinador de qualquer valor refe-rente à multa ou penalidade. Em caso contrário, se tal decisão ocorrer em data anterior àquela previamente mencionada, o contratante pagará um valor igual àquele que o treinador ainda terá que receber, relativo ao período trabalhado, calculado a partir da data de tal rescisão.

Por fim, aduz o autor que lhe é devida a multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT1, em razão de não terem sido pagas as parcelas rescisórias devi-

1 § 8º A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.

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das a ele no prazo fixado no § 6º2 do mesmo dispositivo. Assim, deverá o clube--réu ser condenado ao pagamento de multa ao autor, em valor correspondente ao seu salário, qual seja, R$ 25.201,01 (vinte e cinco mil, duzentos e um reais e um centavo).

da multa do artigo 467 da clt

De acordo com a redação vigente do art. 467 da CLT, sobre todas as parcelas rescisórias incontroversas decorrentes da relação de emprego não qui-tadas em audiência, incide multa de 50% (cinquenta por cento).

Logo, caso não ocorra o pagamento de tais parcelas rescisórias quando do comparecimento do clube-réu à Justiça do Trabalho, requer-se a aplicação da aludida multa.

Anote-se, ainda, que o artigo em questão diz respeito às verbas devidas ao autor indiscutivelmente quando do término de seu contrato. Assim, todas as verbas remuneratórias aqui mencionadas não pagas ao trabalhador na data correta, por ocasião da rescisão de seu contrato, tornam-se verbas rescisórias, sob pena de estar-se-á dando entendimento inadequado à determinação do le-gislador.

dos Honorários advocatícios de sucumbência

Impõe-se, ainda, a condenação do réu ao pagamento de honorários su-cumbenciais. Isso porque o art. 133 da CRFB/1988 não excluiu o direito do advogado trabalhista a esta verba. Sendo assim, requer, desde já, seja a recla-mada condenada ao pagamento dos honorários sucumbenciais não inferiores a 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, por tratar-se de direito constitucionalmente assegurado, também previsto nos arts. 20 e 36 do CPC, em conjunto com a Lei nº 8.906/1994.

DOS PEDIDOS E DOS REQUERIMENTOS

Diante de todo exposto, pede e requer o autor:

a) A notificação do réu, no endereço de sua sede, conforme consta do preâmbulo desta peça, para comparecer em audiência designada

2 § 6º O pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverá ser efetuado nos seguintes prazos:

a) Até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato; ou

b) até o décimo dia, contado da data da notificação da demissão, quando da ausência do aviso-prévio, indenização do mesmo ou dispensa de seu cumprimento.

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por este d. Juízo e, querendo, apresentar defesa. Não o fazendo, seja declarado revel e aplicada a pena de confissão quanto à maté-ria de fato;

b) Sejam reconhecidas e declaradas tanto a nulidade da contratação da empresa da empresa [...] quanto a existência de relação de em-prego entre autor e réu no período de 02.01.2013 a 02.10.2013, com salário mensal de R$ 25.201,01 (vinte e cinco mil, duzentos e um reais e um centavo);

c) Seja o réu condenado ao pagamento do salário dos dias labora-dos e não pagos, desde 13.07.2013 a 02.10.2013, que totalizam R$ 68.042,73;

d) Seja o réu condenado ao recolhimento das verbas previdenciárias e atinentes ao FGTS, bem como ao pagamento do 13º salário e das férias proporcionais mais 1/3 (um terço):

13º salário: R$ 18.900,76;

Férias mais 1/3: R$ 25.194,71;

FGTS: R$ 20.608,11;

Verbas previdenciárias: a apurar;

e) Seja o réu condenado à multa contratual, correspondente à inte-gralidade dos valores devidos entre 03.10.2013 e 31.05.2014, no importe de R$ 200.767,88;

f) Seja o réu condenado ao pagamento da multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT (em razão de não terem sido pagas as parcelas rescisórias devidas a ele no prazo fixado no § 6º do mesmo dis-positivo), no valor correspondente ao salário do autor, qual seja, R$ 25.201,01;

g) Seja o réu condenado, caso não pague à data do comparecimento à Justiça do Trabalho todas as verbas rescisórias constantes nesta exordial, ao pagamento de acréscimo de 50% (cinquenta pontos percentuais) sobre o valor devido, tudo em conformidade com o art. 467 da Consolidação das Leis do Trabalho;

h) Seja o réu condenado ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, conforme disposto no art. 133 da Constituição da República de 1988, na forma dos arts. 20 e 36 do CPC, em conjunto com a Lei nº 8.906/1994, na base de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação (valor a apurar);

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i) Seja o réu compelido à anotação em sua CTPS, nos termos deferidos nesta lide, sob pena de sanção de meio salário-mínimo por dia de descumprimento;

j) Seja o réu condenado à entrega das guias CD-SD, bem como da respectiva chave de conectividade para levantamento do FGTS;

k) Seja aplicado o disposto nos arts. 355 e seguintes do CPC, quando cabível, para que se junte aos autos toda e qualquer documentação relativa ao seu contrato de trabalho, e;

l) A aplicação de juros (Súmula nº 200 do TST) e atualização monetá-ria, nos moldes da Súmula nº 381 do TST, desde a data da constitui-ção do direito até o efetivo pagamento.

Pretende provar o alegado por todos os meios de prova em Direito admi-tidos, sobretudo, documental (ficam desde já, sob as penas da lei, declaradas autênticas pelo patrono do autor, subscritor desta exordial, as peças e cópias que a acompanham), depoimento pessoal do representante legal do réu, oitivas de testemunhas, perícia técnica, além de todas aquelas que se fizerem necessá-rias à elucidação dos fatos.

Dá à causa o valor de R$ 385.000,00 (trezentos e oitenta e cinco mil reais), para fins meramente fiscais.

Termos em que

Pede e espera deferimento.

Belo Horizonte,

Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni OAB/MG

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Seção Especial – Sentença na Íntegra

1190

Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região1ª Vara do Trabalho de Nova LimaProcesso nº 0012073‑62.2013.5.03.0091Reclamante: [...]Reclamada: Villa Nova Atlético Clube

termo de audiência

Aos 17 de julho de 2014, na Sala de Sessões, sob a direção do Juiz Fábio Gonzaga de Carvalho, determinou-se às 12h08min horas a abertura da audiên-cia relativa ao processo e partes identificadas em epígrafe.

Ausentes as partes e seus procuradores.

relatório

[...] propôs a presente reclamação trabalhista por escrito e acompanhada de documentos, em face de Villa Nova Atlético Clube, pedindo, em síntese, o destacado ID 1584251. Deu à causa o valor de R$ 385.000,00.

Audiência inicial ID 1743107, assentada na qual foi apresentada defesa escrita com documentos.

Impugnação à defesa ID 1871191.

Instrução ID 07E8B39. Razões finais orais remissivas. Última tentativa de conciliação infrutífera.

É o relatório.

FUNDAMENTOS

contribuições Previdenciárias. incomPetência absoluta

A Justiça do Trabalho não possui competência para executar contribui-ções previdenciárias decorrentes de salários pagos no curso da relação de em-prego (Súmula nº 368 do TST). Desse modo, suscito de ofício a preliminar de incompetência absoluta e extingo sem resolução de mérito o pedido de paga-mentos de contribuição previdenciária sobre salários pagos.

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vínculo de emPrego. Pedidos decorrentes

A verificação da relação de emprego, manifestação fática que recebe qualificação e consequências pelo ordenamento jurídico, está ligada ao preen-chimento de 05 elementos ou pressupostos de existência estabelecidos pelos arts. 2º e 3º da CLT, quais sejam, subordinação, não eventualidade, onerosida-de, trabalho prestado por pessoa física e pessoalidade.

Pois bem, o preposto da reclamada confessou em audiência:

“que o reclamante foi técnico da equipe principal da reclamada e contratado por meio da empresa G4, o reclamante é um dos sócios da empresa G4; que o reclamante trabalhou somente para a reclamada; que a reclamada arcava com os custos do trabalho do reclamante; que os horários de treino e as atividades eram determinados pela comissão técnica, já os dias de atividades e as janelas entre as competições eram determinadas pela diretoria de comum acordo com a comissão técnica; que o reclamante sempre cumpriu os horários corretamente; que o reclamante somente indicava contratações e dispensas, cabendo à diretoria a avaliação e decisão; que o reclamante era cobrado por resultados”.

Depreende-se do acima exposto a perfeita conformação dos fatos à hipótese normativa destacada nos arts. 2º e 3º da CLT e nos ditames da Lei nº 8.650/1993, o que permite afirmar a existência da relação de emprego.

Especificamente quanto à pessoalidade e o trabalho prestado por pessoa física, observo a nulidade do contrato de prestação de serviços entre a reclama-da e a empresa G4, pessoa jurídica por meio da qual o reclamante prestou servi-ços, porquanto o vínculo jurídico de prestação de serviços foi estabelecido com o fim exclusivo de elidir a legislação protetiva do trabalho (art. 9º da CLT). Com efeito, as atividades de técnico de futebol exigem a identificação específica do trabalhador e, consequentemente, acarretam a impossibilidade de substituição do prestador do trabalho por sua exclusiva vontade, hipótese que contrariaria diretamente as atividades de treinador de futebol previstas nos arts. 4º e 5º da Lei nº 8.650/1993.

A propósito da nulidade, esta incide, em verdade, somente sobre as cláusulas aflitivas da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, que, na hipóte-se, dizem respeito exclusivamente àquelas que afastam a relação de emprego (cláusulas primeira e segunda do contrato ID 1584474), em nada prejudicando a remuneração (honorários) e multa rescisória fixadas. Impõe destacar aos liti-gantes que ordem jurídica reconhece a possibilidade de se afastarem somente as cláusulas nulas sem que reste prejudicado o conteúdo lícito do negócio jurí-dico, nesse sentido encontramos o art. 170 do Código Civil.

No que toca aos termos contratuais, não há controvérsia entre os liti-gantes acerca do início do contrato, 02.01.2013. Por sua vez, os documentos

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(reportagens) ID 1584404, 1584411 e 1584430 indicam que ao menos desde outubro de 2013 o reclamante não era mais o técnico da reclamada, período compatível com o indicado pelo reclamante em petição inicial, 02.10.2013.

Quanto à espécie de contrato, o preposto afiançou, em depoimento pes-soal, que:

“que o reclamante foi contratado por prazo determinado; que o reclamante foi dispensado pela reclamada”.

Não bastasse a confissão do preposto, o contrato ID 1584474 é claro ao firmar a determinação do vínculo de emprego entre os litigantes de 02.01.2013 a 31.05. 2014 (cláusula primeira).

A remuneração do reclamante para o cálculo de parcelas eventualmente deferidas observará o valor indicado nas notas de prestação de serviço anexa-das aos autos e, no caso de ausência, sobre o maior valor recebido. Todavia, por facilidade, a anotação em CTPS seguirá o conteúdo da cláusula terceira do contrato ID 1584474. Por fim, a confissão ficta decorrente da falta de ciência do preposto da reclamada sobre a quitação da contraprestação devida ao re-clamante no período de 13.07.2013 a 02.10.2013, impõe a procedência do pedido de pagamento de salários.

Com isso:

– declaro a nulidade das cláusulas do contrato ID 1584474 que afas-tam a existência de relação de emprego entre os litigantes;

– declaro a existência de relação de emprego entre reclamante e re-clamada de 02.01.2013 a 02.10.2013, como treinador, com o salá-rio previsto na cláusula terceira do contrato ID 1584474;

– julgo procedente o pedido de anotação da CTPS para que conste: início do contrato: 02.01.2013; término: 02.10.2013; salário: com o salário previsto na cláusula terceira do contrato ID 1584474.

Procedem, ainda, os seguintes pedidos, nos termos em que formulados:

– pagamento de salário de 13.07.2013 a 02.10.2013;

– pagamento de 09/12 de 13º salário de 2013;

– pagamento de 9/12 de férias acrescidas de 1/3 do período aquisitivo 2013/2014;

– depósito de FGTS e indenização de 40% por todo o período de vínculo, sem prejuízo da contribuição adicional devida ao fundo;

– pagamento de multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT;

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– pagamento de multa contratual – cláusula sétima do contrato ID 1584474 – referente ao período de 03.10.2013 a 31.05.2014;

– entrega de guias TRCT (código equivalente à dispensa imotivada por iniciativa do empregador) e CD/SD;

A anotação em CTPS deve ser feita em cinco dias, após a intimação de sua juntada aos autos, sob pena de multa de R$ 1.000,00 até o limite de R$ 10.000,00 e, após o alcance deste valor, imediata anotação pela secretaria da vara. Em idêntico prazo, apenas com a exceção de ser contado do trânsito em julgado, e, sob as mesmas cominações, devem ser entregues as guias CD/SD e TRCT e depositados os valores de FGTS e indenização de 40%.

Julgo improcedente o pedido de aplicação das multas dos arts. 467 da CLT, diante da ausência de verbas rescisórias incontroversas por ocasião da audiência inicial.

Honorários advocatícios

A Constituição de 1988 considera indispensável à distribuição da jus-tiça o profissional do direito, conforme art. 133, dispositivo que se repete nos arts. 20 do CPC e arts. 389 e 404 do CC. Sem nenhum conflito com a previsão magna, o art. 791 da CLT faculta a trabalhadores e empregadores a atuação pro-cessual independentemente da assistência técnica de advogado, escolha essa que é cada vez menos utilizada em razão do aumento da complexidade das relações de emprego e de sua tutela em juízo, o que ocorreu de modo paulati-no, principiando com a transferência da Justiça do Trabalho do Poder Executivo para o Poder Judiciário (1946), passando pelo surgimento de outros direitos, como, por exemplo, o 13º salário e o FGTS na década de 60 e se agravando com a ampliação de competência dessa Especializada em 2004.

Nessa linha, a realidade dos processos que tramitam perante esta justiça demonstra a corrente e preponderante utilização de advogado e, em tais hipó-teses, ocorre a transferência de parte dos créditos obreiros ao profissional do direito, o que resulta em afronta ao princípio da restituição integral ao estado anterior.

Cumpre observar, também, a existência de diversas previsões legais, além do art. 791 da CLT, que conferem ao titular do direito a possibilidade de postular em juízo sem a assistência de advogados, tais como, o art. 9º da Lei nº 9.099/1995, art. 10 da Lei nº 10.259/2001, art. 2º da Lei nº 5.478/1968, art. 36 do CPC e art. 19 da Lei nº 11.340/2006. Em todas essas hipóteses, a exceção dos Juizados Especiais Estaduais e Federais que possuem normas es-pecíficas que excluem o pagamento de honorários, a faculdade de postulação não afasta o direito a honorários nos casos em que o titular do direito opta pela

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assistência técnica de um advogado, o que indica a incorreção do entendimen-to majoritário adotado nessa Especializada.

Nestes termos, defiro o pedido de honorários que, todavia, têm natureza de parcela indenizatória e que será encaminhada em nome da parte reclaman-te, diretamente, mediante alvará, como parcela ressarcitória de suas despesas, para pagamento dos honorários, correspondentes a 15% sobre o valor líquido da condenação, apurado na fase de liquidação de sentença, sem a dedução dos descontos fiscais e previdenciários, nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 348 do TST.

comPensação e dedução

Na hipótese, não restou comprovada a existência de nenhuma parcela sujeita à compensação. Lado outro, autorizo a dedução das parcelas compro-vadamente quitadas a idêntico título e fundamento, observado o entendimento contido na Súmula nº 187 do TST.

critérios Para liquidação

Deverão ser observados os parâmetros destacados em cada um dos pedi-dos deferidos. Destaco que o FGTS incide sobre todas as parcelas de natureza remuneratória deferidas.

Constituem salário de contribuição (art. 28 da Lei nº 8.212/1991 e art. 832, § 3º, da CLT) as seguintes verbas: salário, horas extras, DSR, 13º salário e aviso-prévio. A parte reclamada deverá efetuar os recolhimentos previden-ciários incidentes sobre as verbas declaradas como salário-de-contribuição, na forma da Lei nº 8.212/1991, com redação dada pela Lei nº 8.620/1993, obser-vando-se, ainda, os termos da Súmula nº 368 do TST e OJ 363, da SDI-1 do TST, sob pena de execução destes por esta Justiça Especializada, nos termos do § 3º, do art. 114, do Texto Constitucional.

Determino a incidência de juros nos termos do art. 883 da CLT, obser-vada a Súmula nº 200 do TST, e de correção monetária com observância da Súmula nº 381 e da OJ 302 da SDI-1 do TST. Observe-se, ainda, a OJ 198 da SDI-1 do TST e a Súmula nº 439 do TST.

Ainda, oportuno esclarecer que esta Especializada não detém compe-tência para executar as contribuições sociais devidas a terceiros, nos termos da Súmula nº 24 deste Egrégio Regional.

No que toca ao imposto de renda, sua incidência observará a Instru-ção Normativa nº 1.127/2011 da RFB, bem como o art. 404 do Código Civil (OJ-SDI1-400 do TST).

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DISPOSITIVO

Ante o exposto, nos autos da Reclamação proposta por [...] em face de Villa Nova Atlético Clube decido:

I – Extinguir sem Resolução de Mérito o pedido de pagamentos de contri-buição previdenciária sobre salários pagos.

II – julgar parcialmente procedentes os pedidos, nos termos da funda-mentação, para:

– declarar a nulidade das cláusulas do contrato ID 1584474 que afas-tam a existência de relação de emprego entre os litigantes;

– declarar a existência de relação de emprego entre reclamante e re-clamada de 02.01.2013 a 02.10.2013, como treinador, com o salá-rio previsto na cláusula terceira do contrato ID 1584474;

– determinar a anotação da CTPS do reclamante para que conste: iní-cio do contrato: 02.01.2013; término: 02.10.2013; salário: com o salário previsto na cláusula terceira do contrato ID 1584474.

– condenar a reclamada:

a) ao pagamento de salário de 13.07.2013 a 02.10.2013; 09/12 de 13º salário de 2013; 9/12 de férias acrescidas de 1/3 do período aquisitivo 2013/2014;

b) ao depósito de FGTS e indenização de 40% por todo o pe-ríodo de vínculo, sem prejuízo da contribuição adicional de-vida ao fundo;

c) ao pagamento de multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT;

d) ao pagamento de multa contratual – cláusula sétima do con-trato ID 1584474 – referente ao período de 03.10.2013 a 31.05.2014;

e) à entrega de guias TRCT (código equivalente à dispensa imo-tivada por iniciativa do empregador) e CD/SD;

f) ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos da fundamentação;

III – A anotação em CTPS deve ser feita em cinco dias, após a intimação de sua juntada aos autos, sob pena de multa de R$ 1.000,00 até o limite de R$ 10.000,00 e, após o alcance deste valor, imediata anotação pela secretaria da vara. Em idêntico prazo, apenas com a exceção de ser contado do trânsito em julgado, e, sob as mesmas cominações, devem ser entregues as guias CD/SD e TRCT e depositados os valores de FGTS e indenização de 40%.

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IV – deferir a dedução de valores, observado o entendimento contido na Súmula nº 187 do TST.

V – destacar que os juros, a correção monetária, a incidência de con-tribuições previdenciárias e a incidência do imposto de renda observarão o determinado na fundamentação.

Custas, pela parte reclamada, no importe de R$ 7.600,00, equivalente a 2% do valor da condenação, ora arbitrado em R$ 380.000,00 (art. 789 da CLT).

Intimem-se as partes.

Nada mais.

Fábio Gonzaga de Carvalho Juiz do Trabalho Substituto

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Clipping Jurídico

STJ suspende decisão que obrigou a Fifa a reimprimir ingressos extraviados em dia de jogo

O presidente em exercício do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministro Gilson Dipp, suspendeu liminar do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) que havia mandado a Fifa reimprimir a segunda via de ingressos para jogos da Copa do Mundo, independen-temente de ser ou não o dia do evento. A liminar era válida para jogos na Arena Castelão, em Fortaleza, onde Brasil e Colômbia se enfrentam às 17h desta sexta-feira (4). A Defensoria Pública do Ceará entrou com ação civil pública contra a Fifa para que a entidade fosse obrigada a reimprimir a segunda via de ingressos em casos de furto, roubo ou extravio, ainda que fosse no dia do jogo. A liminar foi indeferida pelo juízo da 3ª Vara Cível de Fortaleza, mas o TJCE reformou a decisão e determinou que à Fifa “proceda a reimpressão de ingressos de torcedores, em caso de furto, roubo ou extravio, independentemente de ser ou não dia de jogo, para as próximas partidas que serão realizadas na Arena Castelão”, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. Contra a decisão, a União apresentou pedido de suspensão de liminar no STJ, com o argu-mento de que a reimpressão de ingressos no mesmo dia do jogo representaria risco à segurança do evento, pois, além de provocar tumultos e situações de insegurança, poderia incentivar o cambismo. • Conflito de interesses: A União também levou em consideração o argumento da Fifa de que não seria possível a reprogramação das ca-tracas no mesmo dia do evento, o que tornava inviável o cancelamento de ingressos poucas horas antes da partida. Gilson Dipp acolheu a argumentação apresentada. Segundo ele, ainda que a condenação tenha sido proferida contra a Fifa, uma entida-de privada, a decisão pode comprometer a segurança e a ordem do evento de forma generalizada. O presidente em exercício reconheceu o conflito entre o direito dos consumidores e o dever do estado em preservar a ordem pública, mas entendeu que “a melhor solução para o impasse resulta da aplicação do princípio da proporcionali-dade, com a ponderação dos princípios em conflito, para, no caso concreto, verificar o que sofrerá mais danos, caso venha a ter sua aplicação afastada”. Dipp também levou em conta a ponderação feita pelo juízo de primeiro grau que indeferiu o pedido da Defensoria, de que o número de torcedores possivelmente prejudicados é menor que o daqueles que estariam em risco caso a decisão do TJCE prevalecesse, e suspen-deu a decisão para permitir que a Fifa reimprima os ingressos extraviados, furtados e roubados apenas até a véspera dos dias de jogo. Esta notícia se refere ao processo: SLS 1903. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Justiça proíbe clube de futebol de terceirizar categorias de base

Atendendo a pedidos do MPT, juíza decide que Sertãozinho Futebol Clube descum-pre ECA e Lei Pelé ao não formalizar contratos com jovens atletas, deixando-os sem a proteção prevista na lei. A 4ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto concedeu liminar favorável ao Ministério Público do Trabalho, determinando que o Sertãozinho Fu-tebol Clube, clube da série A3 do Campeonato Brasileiro (localizado na Cidade de Sertãozinho-SP), deixe de terceirizar as categorias de base, sendo obrigado a celebrar contratos formais com jovens atletas, para que estes recebam assistência médica, se-guro de vida, dentre outros benefícios, nos termos da Lei Pelé e do Estatuto da Criança

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e do Adolescente. Uma diligência realizada pelos Procuradores Rafael Dias Marques e Regina Duarte da Silva nas dependências do clube, em junho de 2013, constatou que foi delegado ao empresário José Pedro Barbosa Santos (também réu no processo) o processo de formação e administração de equipes sub-15 e sub-17 do Sertãozinho; os executivos do clube terceirizaram integralmente as operações nas categorias de base, e desconhecem qualquer detalhe relacionado à formação de jovens atletas, já que os adolescentes são treinados em Ribeirão Preto, cidade vizinha à Sertãozinho, onde fica o centro de treinamento do clube. Os depoimentos mostram que os ges-tores do Sertãozinho não sabem sequer os horários dos treinos, se há ajuda de custo ou se os atletas são alojados. Os adolescentes ouvidos pelo MPT disseram que nun-ca viram médicos ou fisioterapeutas nos treinamentos, e que não recebem qualquer benefício do clube. O Sertãozinho Futebol Clube apenas inscreve os meninos na Federação Paulista de Futebol, que exige das agremiações paulistas a formação de uma equipe sub-20. “As partes envolvidas usufruem do talento desportivo de crian-ças e adolescentes sem observar o substrato mínimo legal de proteção assegurado às crianças e adolescentes, como o direito à celebração de contrato formal de formação desportiva”, lamenta a Procuradora Regina Duarte da Silva. Além da fraude na tercei-rização das categorias de base, os procuradores também flagraram o uso de crianças menores de 14 anos na categoria sub-11, prática proibida pela lei, que encontra, inclusive, jurisprudência favorável na Justiça do Trabalho. “É por isso que a Lei Pelé estabelece que o contrato formal entre o atleta em formação e a entidade de prática desportiva formadora pode ser celebrado a partir dos 14 anos, e não antes, por se caracterizar como esporte de rendimento, dada a finalidade de obter resultados. É importante esclarecer que o objetivo do MPT não é proibir a prática de futebol por crianças e adolescentes menores de 14 anos, mas assegurar que essa prática ocorra apenas em escolinhas criadas especificamente com finalidade recreativa e educacio-nal, e sem qualquer caráter profissionalizante”, observa Regina Duarte. • Liminar: A Juíza Amanda Barbosa determinou liminarmente que o Sertãozinho Futebol Clube não mantenha nas categorias de base, com objetivo de formação profissional, atletas menores de 14 anos, deixe de terceirizar atividades de formação de atletas, proce-da à contratação formal desportiva dos adolescentes (sempre com a participação de responsáveis maiores de idade no momento da celebração contratual) e promova um programa completo de formação (contendo acompanhamento escolar, médico, transportes, seguro de vida, dentre outras obrigações). “De fato, toda a prova que acompanha a inicial, consubstanciada em ‘Relatório de Diligência’, depoimentos, atas de audiências administrativas, atestados de saúde, dentre outros, demonstram a prática rotineira de ilícitos contra crianças e adolescentes, [...] a justificar a con-cessão da liminar pretendida”, afirma a magistrada. Caso descumpra as obrigações impostas, os réus pagarão multa diária de R$ 500, reversível ao FAT (Fundo de Am-paro ao Trabalhador). No mérito da ação, o MPT pede a condenação do Sertãozinho Futebol Clube ao pagamento de R$ 100 mil por danos morais coletivos, e do réu José Pedro Barbosa Santos ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais coletivos. A deci-são pode ser questionada no Tribunal Regional do Trabalho de Campinas. (Processo

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nº 0010307-76.2014.5.15.0067). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região)

Reparação para cliente impedido de assistir campeonato de futebol por defeito no televisor

A 2ª Turma Recursal Cível condenou a Carrefour Comércio e Indústria Ltda. ao paga-mento de indenização por danos morais no valor de R$ 1 mil a cliente que adquiriu televisor que apresentou defeito após três dias de uso. • Caso: O consumidor adquiriu um televisor para assistir a Copa das Confederações, mas três dias após a compra o aparelho apresentou defeito. A loja se negou a efetuar a troca e instruiu que o clien-te procurasse a assistência técnica. Após 10 dias na assistência, o aparelho ainda aguardava chegada de peça, o que levou o autor a ingressar na Justiça com pedido de indenização por danos morais. Em primeira instância, o pedido de indenização foi negado. • Recurso: A Relatora do processo na 2ª Turma Recursal Cível, Juíza de Direito Vivian Cristina Angonese Spengler, reformou a decisão. A magistrada afirmou que houve descaso e demora na resolução do problema na via administrativa, sendo necessária a intervenção judicial. O que resultou na impossibilidade de utilização do bem por, no mínimo, 40 dias, justamente na época da Copa das Confederações, evento que levou o autor a comprar a televisão. As circunstâncias inegavelmente ultrapassam a seara dos meros dissabores, contratempos e aborrecimentos da vida cotidiana, já que o autor ficou sem utilizar a televisão por mais de 40 dias, exatamen-te no período da Copa das Confederações, afirmou a magistrada. Ressaltou o caráter de desestímulo da indenização, no sentido de incentivar que as empresas adotem mecanismos para evitar a repetição de condutas lesivas aos consumidores em geral. Condenou, portanto, a empresa ao pagamento de R$ 1 mil a título de danos morais. Participaram do julgamento também os Juízes de Direito Alexandre de Souza Costa Pacheco e Ana Claudia Cachapuz Silva Raabe, que acompanharam o voto. Proc. 71004766176. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Sul)

Jogador Araújo entrou com ação contra o Goiás para receber verba rescisória no valor de R$ 500 mil

Durante a audiência de conciliação, as partes discutem acordo conduzido pela Juíza Ana Lúcia Ciccone Faria. O jogador de futebol Clemerson de Araújo Soares – o Araújo, que foi atacante do Goiás Esporte Clube, entrou com reclamatória trabalhista contra o clube requerendo o pagamento de verbas rescisórias no valor de R$ 500 mil, referentes ao segundo contrato firmado com o Goiás, que vigorou de maio de 2013 a maio 2014. A primeira audiência do processo foi realizada hoje, 24/07, na 17ª Vara do Trabalho de Goiânia, conduzida pela Juíza Ana Lúcia Ciccone Faria. O jogador pede o reconhecimento de natureza salarial e seus reflexos do auxílio-moradia no valor de R$ 1.500,00 mensais e do valor de R$ 300 mil pagos a empresa CL Sports Assessoria e Marketing Esportivo, recebidos na assinatura do contrato. Segundo o autor, a transação serviu para fraudar o pagamento de luvas, que tem natureza sala-

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rial. Araújo requer ainda indenização por dano moral pelo exploração indevida de sua imagem pelo Clube, além de outras verbas trabalhistas. Durante a audiência de conciliação, o Goiás Esporte Clube propôs o pagamento de R$ 300 mil reais parcela-dos em dez vezes, mas o jogador não aceitou, apresentando como contraproposta o pagamento de R$ 480 mil a serem quitados em menor número de parcelas. Como as partes não entraram em acordo, foi designada para o dia 18 de novembro a audiência de instrução. Araújo é o maior artilheiro da história do Goiás Esporte Clube, durante as duas passagens pelo time esmeraldino, de 1997 a 2003 e de 2013 a 2014, o ata-cante marcou 145 gols e participou da conquista de nove títulos do clube. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região)

Goleiro do Americana (SP) não recebe multa por rescisão antecipada de con-trato

O goleiro do clube paulista Americana Futebol Ltda., Fernando Wellington Oliveira de Mendonça, não conseguiu demonstrar à 6ª Turma do Tribunal Superior do Tra-balho que tinha direito à multa rescisória prevista na Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), alegando que teve o contrato de trabalho rescindido antecipadamente pelo clube. A Turma negou provimento ao agravo de instrumento do atleta. A verba foi indeferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP), com o entendi-mento que a única testemunha apresentada pelo atleta, que poderia fundamentar a procedência dos seus pedidos, pretendia apenas beneficiá-lo. Segundo o Regional, as provas demonstram que o contrato de trabalho foi rompido para atender interesse do jogador, ao qual o clube não se opôs. A conclusão então foi a de que o goleiro não afastou a declaração do clube de que a ruptura contratual partiu dele. Como seu recurso de revista teve seguimento negado pelo TRT, Wellington interpôs agravo de instrumento na tentativa de trazer o caso à discussão no TST. Ele insistia no direito ao recebimento da multa com a alegação de que a iniciativa de romper o contrato teria partido do clube. O Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, Relator, afirmou que, diante do exposto na decisão regional, não se verificou fraude a direitos trabalhistas na resci-são. A situação, portanto, não assegura ao atleta o pagamento de multa pela rescisão antecipada prevista na cláusula penal do art. 28 da Lei Pelé. O relator esclareceu que a multa somente é devida quando a rescisão antecipada ocorre por iniciativa do em-pregador, tal como estabelece o art. 31 da mesma lei, nos termos do art. 479 da CLT, o que não ocorreu no caso. Por unanimidade, a Turma negou provimento ao recurso. Processo: AIRR-431-83.2010.5.15.0020. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Su-perior do Trabalho)

Juiz defere pedido de antecipação de tutela em favor de ex-jogador do Vila Nova

O Juiz Luiz Eduardo Paraguassu, titular da 8ª Vara do Trabalho de Goiânia, deferiu pedido de antecipação de tutela em favor do jogador do Vila Nova Futebol Clube, Levino Floriano Horn Neto, conhecido como Neto Gaúcho. Na decisão, o magis-trado reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho do atleta com o clube

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liberando-o para firmar contrato com qualquer outra entidade desportiva da mesma modalidade, nacional ou internacional, conforme o art. 31 da Lei nº 9.615/1998. Na ação, o jogador alegou que não recebia salários há mais de três meses e que soube da intenção do clube de dispensá-lo somente por meio da mídia. Disse, ainda, que o clube o deixava treinando em separado e em horário incondizente com a prática do futebol, das 11h às 14h. Para o magistrado, o direito ao exercício da profissão não pode ser retirado do atleta. A ociosidade é uma causa para a ruptura do pacto, ressaltou o juiz que também citou alguns julgados sobre a falta grave patronal que ocorre quando o empregador mantém o trabalhador em ócio forçado. Nesse senti-do, o juiz concedeu a tutela antecipada para liberar o atleta para o pleno exercício de sua atividade, reconhecendo a rescisão do contrato de forma indireta. Processo nº 0010832-57.2014.5.18.0008. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região)

Atletas que começam jovens não podem ser expostos a condições de trabalho

O dia 12 de junho, abertura da Copa do Mundo de 2014, coincide com a data eleita pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para marcar o combate ao trabalho infantil. Até os 14 anos, nenhuma criança pode trabalhar. E a partir dessa idade, só em situações excepcionais, previstas em lei, com jornada máxima de seis horas diárias e horário compatível com a grade escolar. No futebol, por exemplo, em que vários atletas começam a jogar muito cedo, é preciso ficar atento para preservar os jovens, para que eles não sejam expostos a condições de trabalho para o qual não estão pre-parados. É o que diz o Juiz Urgel Ribeiro Pereira Lopes, responsável pelo Juízo auxi-liar da Infância e Juventude da 10ª Região. Para o magistrado, inserida precocemente no mercado, a criança acaba alijada do convívio familiar e com menos capacidade de crescimento profissional. Quais as consequências do trabalho infantil para o de-senvolvimento das crianças? Juiz Urgel: – Pelo fato de estar inserida muito precoce-mente no mercado de trabalho, ela fica alijada do convívio familiar e de colegas. A pessoa fica psicologicamente privada, socialmente afastada e diminuída nas suas pos-sibilidades de formação. Estatísticas estão aí para provarem que quanto menor tempo dedicado às atividades formativas menos sucesso tende a ter no futuro. Existem situa-ções em que a lei permite o trabalho infantil? Quais e a partir de que idade? Juiz Urgel: – O trabalho de menores é permitido apenas a partir dos 14 anos, antes disso, em hipótese alguma. A legislação admite o trabalho infantil em contratos especialís-simos, que são os de menor aprendiz, excepcionalmente mediante autorização. E em outros como, eventualmente, os trabalhos artísticos, desde que não ultrapassada a li-mitação horária de no máximo seis horas diárias, bem como se respeitadas as condi-ções básicas que permeiam essas autorizações. Que são a compatibilidade de horário escolar, manutenção do convívio familiar, afastamento daquelas atividades que são consideradas potencialmente degradantes ou perigosas (atividades de rua, com algum tipo de produto que possa trazer risco presente ou futuro para as crianças). Fora isso, não há necessariamente uma atividade que esteja autorizada. Na verdade, as leis e os estatutos preveem aquelas que são vedadas. Não havendo colisão com nenhuma dessas, por princípio, às condições de seguridade das crianças e adolescentes, aí sim

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estão autorizados os trabalhos. Dentro do universo esportivo, o que a lei considera trabalho infantil? Juiz Urgel: – Não existe isso tão claramente definido. O trabalho infantil no meio esportivo, muitas vezes, fica maquiado ou camuflado por meio dos contratos ou da própria iniciação esportiva. O atleta geralmente começa a treinar muito jovem, e muitas vezes se profissionaliza também muito jovem, dependendo da modalidade esportiva. Então, como existe uma habitualidade muito grande dos trei-nos, é difícil precisar a existência de outros elementos caracterizados da relação de trabalho. Devemos, então, analisar: a criança vai voluntariamente e está se divertin-do? Ela está recebendo alguma coisa por isso? Isso está gerando algum tipo de receita para quem está vivendo, profissionalizando ou treinando esse menor? São perguntas a serem respondidas. Não vejo como legítimo esse tipo de trabalho, porque ele não necessariamente vai concorrer para a melhoria e aprimoramento da criança. E não se encaixa em nenhuma das tipicidades do contrato de menor aprendiz. Entendo como uma realidade existente, mas ainda pouco detectável na nossa sociedade. Ainda mais considerando que a maioria dos clubes de futebol tem sua contabilidade de uma ma-neira muito marginal, mesmo dos profissionais adultos. Grande parte dos ganhos que esses atletas têm não constam dos registros do Ministério do Trabalho. Não raro, o atleta empregado ganha 200 ou 400 mil reais – como a própria imprensa divulga – e tem registro de carteira de 30 ou 40 mil. Ou seja, é tudo à margem da lei. Com o menor, mais ainda. A diferença é que há, muitas vezes, uma complacência das famí-lias com isso porque têm interesse. Muitas vezes por causa das condições financeiras das famílias... Veja o caso dos profissionais de basquete norte americanos, muitos deles estudantes. Caso a Liga de Basquete americana detecte algum pagamento a es-ses atletas nas universidades, eles são afastados do esporte. O controle é muito rigo-roso. A Liga procura estimular o surgimento de novos nomes, e para isso patrocina a formação, a partir de bolsas de estudos nas universidades americanas para ter um atleta com melhor formação acadêmica. E ao mesmo tempo é muito vigilante com relação à profissionalização precoce. Há vários casos de atletas ou famílias que foram punidas e definitivamente afastadas do esporte, porque provado que tinham uma con-traprestação financeira. Eles costumam receber moradia ou bolsas de alto valor finan-ceiro, muitas vezes maior do que US$ 10 mil ou US$ 20 mil, que é o custo de uma faculdade nos Estados Unidos. Mas tem a vigilância. Por quê? Porque depois, efetiva-mente esses atletas irão se profissionalizar e aí, sim, as contratações são milionárias. Mas antes, é formativo. Aqui no futebol brasileiro, apesar de haver muitas mazelas, há também virtudes. Há um trabalho muito grande nessas divisões de formação de jo-vens. No sentido de prepará-los como atletas, mas não necessariamente torná--los,empregados conforme tipificado pela lei. A quem caberia fiscalizar, no Brasil, esses casos? Juiz Urgel: – O trabalho infantil é, antes de mais nada, trabalho. Então, as autoridades que fiscalizam o trabalho são as mesmas: os fiscais do Trabalho, respon-sáveis pela vistoria do ambiente geral de trabalho. Concomitantemente, pela condi-ção de serem menores de idade, também são responsáveis por essa fiscalização os membros do Ministério Público – até mesmo da Promotoria da Infância – e do Minis-tério Público do Trabalho. São agentes legítimos para atuar nessa fiscalização, ou re-ceberem denúncias. Clubes podem contratar futuros atletas pagando os pais? Juiz

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Urgel: – Não, não podem! Mas eles o fazem? Muitas vezes. Cabe investigar se efeti-vamente isso está acontecendo ou não. Verificada a fraude, há uma nulidade a ser declarada, reconhecida. No caso, tem que prevalecer o interesse maior, que é a pre-servação desse adolescente, que está sendo precocemente exposto a uma condição de trabalho para a qual ele não está preparado. Na Copa do Mundo. Menores traba-lhando em recepção, shows de danças e gandulas. Isso pode ser considerado trabalho infantil ou deve ser visto como uma eventualidade? Juiz Urgel: – Acho que é uma eventualidade. Não veria que há trabalho de menores nem na condição dos gandulas, nem nesses shows. Por exemplo, uma performance, um show de abertura com músi-cos e dançarinos. Não se começa músico, não se vira dançarino, ou qualquer atleta, mesmo nas sociedades mais protegidas do mundo, com mais de oito anos. É difícil, é raro, muito excepcional. Então, o que a gente tem que pensar como sociedade é se vamos dar meios para que as pessoas se aprimorem. E aí o ambiente escolar é funda-mental, aquele ambiente plural dentro de uma escola, no qual, além da formação clássica, teórica, tenha-se acesso, também, a essas outras atividades – esportiva e ar-tística –, mas ainda somos muito deficientes nesta área. Só então poderá se formar uma sociedade mais complexa, mais completa. A competência para analisar pedidos de trabalho infantil foi, recentemente, deslocada para a Justiça do Trabalho. Como o senhor vê o papel da Vara da Infância e da Juventude nessa questão? Juiz Urgel: – Acho mais razoável e lógico, dentro do ordenamento jurídico, que se desloque para a Justiça do Trabalho, que poderá prestar atenção tanto na condição prévia da contra-tação, como da sua execução e como de seus eventuais desdobramentos, se for o caso, se houver algum tipo de conflito decorrente desse contrato. A Vara da Infância e da Juventude cuidaria de todos os aspectos não relacionados ao trabalho – que eles até há pouco tempo estavam também abrigando. Como verificada a existência de trabalho, sendo ele legal ou ilegal, há possíveis desdobramentos e consequências tanto de ordem penal quanto de ordem civil desses contratos. Se essa Vara da Infância e da Juventude não detém competência para dar prosseguimento à análise desses casos, porque mantê-la lá? (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Traba-lho da 10ª Região)

Situação incomum leva 5ª Câmara a aceitar preposto que não é empregado de clube de futebol

A 5ª Câmara do TRT-SC confirmou decisão da Juíza Ilma Vinha, da 1ª VT de Rio do Sul, que entendeu como devidamente representado em audiência um clube da primeira divisão do futebol catarinense, mesmo sem a presença de um funcionário registrado. Para a juíza, o rapaz designado como preposto não é estranho à relação empregatícia, e esse entendimento impediu a chamada confissão ficta do réu, que ocorre quando ele não envia representantes para a audiência inicial ou de instru-ção. O pivô da situação trabalha para uma empresa patrocinadora do Clube Atlético Hermann Aichinger (Atlético de Ibirama) e foi nomeado preposto por ocupar a função de coordenador do departamento pessoal. Entre suas funções está a confecção dos re-cibos de pagamentos, tendo inclusive firmado termos rescisórios em nome do clube. O § 1º do art. 843 da CLT dispõe que a empresa pode se fazer representar pelo geren-

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te, ou qualquer outro preposto. A legislação trabalhista não exige expressamente que o preposto seja empregado do réu, mas o TST, por meio da Súmula nº 377, pacificou entendimento em sentido contrário. Os desembargadores da 5ª Câmara consideraram que essa é uma situação peculiar e por isso deve ser tratada de forma diferenciada, relativizando-se a aplicação da Súmula nº 377. O autor recorreu ao TST. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região)

Fechamento da Edição: 05�08�2014

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGO DOUTRINÁRIO

• Lei Geral da Copa e o Consumidor: Livre Concorrência e a Venda Casada

Camila Prado dos Santos

Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET,

disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

Copa – aspeCtos JurídiCos

• A Admissão da Prova de Ato ou Conduta Anti-desportiva por Meio Audiovisual. O Caso Luis Suárez na Copa do Mundo FIFA 2014 (CassioM. C. Penteado Jr.) ...............................................25

• A Lei da Copa e a Liberdade de Expressão(Rômulo de Andrade Moreira) .............................21

• Desporto, Constituição e Copa do Mundo 2014(Rafael Teixeira Ramos) .........................................9

Autor

Cassio m. C. penteado Jr.

• A Admissão da Prova de Ato ou Conduta Anti-desportiva por Meio Audiovisual. O Caso LuisSuárez na Copa do Mundo FIFA 2014 .................25

rafael teixeira ramos

• Desporto, Constituição e Copa do Mundo 2014 ....9

rômulo de andrade moreira

• A Lei da Copa e a Liberdade de Expressão ...........21

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

Doping

• O Delito de Doping Esportivo (Rosario de VicenteMartínez) .............................................................99

estatuto do torCedor

• Aspectos Penais do Cambismo nos Espetáculos Desportivos: a Lei de Economia Popular e oEstatuto do Torcedor (Fábio André Guaragni) ......61

fifa

• A FIFA e o Direito Penal (Leonardo Schmitt deBem) ....................................................................51

greve

• Análise da Natureza Jurídica do Bom Senso Fu-tebol Clube e a Possibilidade do Exercício doDireito de Greve (Fábio Menezes de Sá Filho) .....41

meCenato

• Mecenato e Incentivo ao Desporto: Novos Ru-mos (Gustavo Lopes Pires de Souza) ....................30

responsabilidade Civil

• O Regime Societário dos Clubes de Futebol e as Responsabilidades de Seus Dirigentes (João Paulo Romero Baldin) ..........................................87

Autor

fábio andré guaragni

• Aspectos Penais do Cambismo nos Espetáculos Desportivos: a Lei de Economia Popular e oEstatuto do Torcedor ............................................61

fábio menezes de sá filho

• Análise da Natureza Jurídica do Bom Senso Fu-tebol Clube e a Possibilidade do Exercício doDireito de Greve ..................................................41

gustavo lopes pires de souza

• Mecenato e Incentivo ao Desporto: Novos Rumos ............................................................................30

João paulo romero baldin

• O Regime Societário dos Clubes de Futebol eas Responsabilidades de Seus Dirigentes .............87

leonardo sChmitt de bem

• A FIFA e o Direito Penal ......................................51

rosario de viCente martínez

• O Delito de Doping Esportivo ..............................99

Seção Especial

ESTUDO DIRIGIDO

Assunto

estatuto do torCedor

• Torcedores Violentos ou Seres Humanos Proble-máticos? Breve Reflexão Antropológico-Psicoló-gica (Caren Vian Cerezere e Vanderlei de Lima) ..........................................................................204

Autor

Caren vian Cerezere e vanderlei de lima

• Torcedores Violentos ou Seres Humanos Pro-blemáticos? Breve Reflexão Antropológico-Psi-cológica .............................................................204

PRÁTICA PROCESSUAL

Assunto

reClamação trabalhista

• Reclamação Trabalhista (Lucas Thadeu de AguiarOttoni) ...............................................................219

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RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������243 Autor

luCas thadeu de aguiar ottoni

• Reclamação Trabalhista .....................................219

SENTENÇA NA ÍNTEGRA

• Sentença na íntegra (TRT da 3ª Região) ....1190, 226

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

atleta

• Ação de rescisão contratual – Atleta – Procura-ção e contrato de prestação de serviços – Agente – Promessa de contratação por clube carioca – Frustração – Possibilidade de rescisão da aven-ça – Termo inicial – Citação na cautelar e não na ação principal – Data da ciência inequívoca pelo agente – Apelação do réu não provida e apelação do autor parcialmente provida (TJSP) ................................................................1137, 156

• Atleta de nível – Pré-contratação – Custeio das despesas de deslocamento – Ausência de cláu-sula específica – Ruptura contratual – Cláusu-la penal e perda de uma chance (TRT 21ª R.) ................................................................1140, 174

bolsa-atleta

• Incentivo econômico – Bolsa-atleta (TJES) . 1138, 160

Conflito de CompetênCia

• conflito Positivo de Competência – Processos vários ajuizados em juízos e juizados especiais diversos, em diferentes foros do território nacio-nal, por torcedores, clube ou entidades e insti-tuições diversas, centradas no mesmo litígio, a respeito da validade de acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD – Com consequências diretas sobre campeo-nato esportivo de caráter nacional, organizado pela confederação brasileira de futebol – Deci-sões colidentes quanto a liminares – Matéria de abrangência nacional – Conexão evidente entre as ações contidas nos diversos processos – Com-petência do foro do local em que situada a sede da entidade responsável pelo tribunal de justiça desportiva ante a prevalência, de ordem pública devido ao caráter nacional, do foro do domicílio do réu – Prevenção da vara em que ajuizado o primeiro processo – Efeitos da citação que retroagem à data da distribuição do processo – Competência de juizado especial do torce-dor afastada – Conflito de competência aco-lhido, para declarar a competência do juízo da2ª Vara Cível do Rio de Janeiro/RJ (STJ) ....1134, 127

Contrato de trabalho por prazo determinado

• Agravo de instrumento – Lei Pelé – Ônus da prova – Iniciativa da rescisão de contrato por prazo determinado – Multa – Desprovimento – Diante do óbice das Súmulas nºs 126, 296 e

337, I, a, desta c. Corte e da ausência de vio-lação dos dispositivos invocados, não há como admitir o recurso de revista – Agravo de instru-mento desprovido (TST) ...........................1135, 143

fraude

• 1 Jogador de futebol – Direito de imagem – Fraude à legislação trabalhista – Natureza sala-rial. 2 Jogador de futebol – Cláusula compensa-tória. 3 Jogador de futebol – Luvas – Natureza(TRT 10ª R.) .............................................1139, 165

ingressos

• Apelação cível – Copa das Confederações – FIFA – Regra para transferência de ingressos – Ônus de sucumbência (TJDFT) ................1136, 148

EMENTÁRIO

Administrativo e Constitucional

ação Civil públiCa

• Ação civil pública – obra de mobilidade – Co-pa 2014 – efeitos .....................................1141, 180

bolsa-atleta

• Bolsa-atleta – exigência de que o atleta tenharepresentado o Estado – razoabilidade .....1142, 181

Copa

• Copa 2014 – relatório consolidado de informa-ções – acompanhamento .........................1143, 181

• Copa 2014 – relatório de auditoria – comissão de fiscalização – efeitos ...........................1144, 181

desapropriação

• Desapropriação – decreto de utilidade públi-ca – obra viária da Copa do Mundo – imissãoprovisória na posse – possibilidade ..........1145, 181

professor

• Professor – participação em programa de trei-namento para atletas – carga horária – redu-ção – descabimento .................................1146, 182

treinador

• Treinador de futebol – inscrição perante o Con-selho de Educação Física – desnecessidade ................................................................1147, 182

Civil

ação Civil Coletiva

• Ação civil coletiva – associação de consumi-dores – legitimidade ativa – efeitos ..........1148, 182

ação deClaratória

• Ação declaratória – fornecimento de refeições para atletas – equipe de basquete – contrataçãoverbal – efeitos ........................................1149, 183

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244 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

ação de prestação de Contas

• Ação de prestação de contas – associação desportiva sem fins lucrativos – descabimento ................................................................1150, 183

atleta

• Atleta – rescisão contratual – procuração e con-trato de prestação de serviços – agente – pro-messa de contratação por clube carioca – frus- tração – possibilidade de rescisão da avença – – termo inicial .........................................1151, 183

Conflito de CompetênCia

• Conflito de competência – entidade organiza-dora de campeonato esportivo – caráter nacio-nal – efeitos .............................................1152, 184

Contrato

• Contrato – serviço de recepção com buffet e aquisição de ingressos para a Copa do Mundo de Futebol – cláusula abusiva – rescisão – des-cabimento ...............................................1153, 185

direito do Consumidor

• Direito do consumidor – Copa das Confedera-ções FIFA – regra para transferência de ingressos – ônus de sucumbência ...........................1154, 185

exeCução

• Execução fiscal – multa administrativa – transfe-rência de jogador – interrupção ...............1155, 185

• Execução fiscal – penhora sobre valores re-lativos ao direito de transmissão televisiva declube de futebol – possibilidade ..............1156, 186

indenização

• Indenização – árbitro de futebol – ofensas físi-cas e verbais após expulsão de jogador – insu-ficiência de prova ....................................1157, 186

• Indenização – cadeira perpétua no Estádio – eventos esportivos FIFA – restrição do uso – ca-bimento ...................................................1158, 188

penhora

• Penhora – valores relativos ao direito de trans-missão televisiva de clube de futebol – possi-bilidade – substituição por imóvel – descabi-mento ......................................................1159, 188

responsabilidade Civil

• Responsabilidade civil – FIFA – danos causa-dos por representantes legais e empregados daUnião – efeitos ........................................1160, 189

• Responsabilidade civil – relação de consumo – falha na organização de evento esportivo derepercussão – dano moral – indenização .. 1161, 190

• Responsabilidade civil – transporte aéreo – atleta paraolímpica – danos na cadeira de ro-das – indenização por dano material e moral –alcance ....................................................1162, 190

Penal

Crime

• Crime – exploração de jogos ilegais – máqui-nas de caça-níqueis e jogo do bicho – confi-guração ...................................................1163, 191

Previdenciário

aposentadoria espeCial

• Aposentadoria especial – reconhecimento de tempo de serviço – jogador de futebol – hipó-tese de reconhecimento ...........................1164, 192

Trabalhista

atleta

• Atleta – pré-contratação – despesas com des-locamento – ausência de cláusula específica –efeitos ......................................................1165, 193

• Atleta profissional – contratos sucessivos – pres-crição – termo inicial ...............................1166, 193

• Atleta profissional – direito de arena – naturezajurídica ....................................................1167, 194

• Atleta profissional – direito de imagem – nature-za jurídica – integração ...........................1168, 194

• Atleta profissional – gratificações por resultados – habitualidade – incorporação ...............1169, 195

• Atleta profissional – requerimento de direito de imagem individual – legitimidade ativa – au-sência ......................................................1170, 195

• Atleta profissional – rescisão contratual ante-cipada – prescricional bienal – termo inicial ................................................................1171, 195

• Autônomo – Procurador-Geral do TJDPR – re-muneração – inexistência ........................1172, 196

CompetênCia

• Competência internacional – Justiça do Tra-balho – pré-contrato de trabalho – tratativas para prestação de serviços no exterior a clube de futebol estrangeiro sem agência ou sucursalno Brasil – não reconhecimento ..............1173, 197

Contrato de trabalho por prazo determinado

• Rescisão de contrato a prazo determinado por iniciativa do empregado – acordo judicial – li-beração do FGTS – efeitos .......................1184, 200

Contrato por prazo determinado

• Contrato por prazo determinado – rescisão –Lei Pelé – multa – observação ..................1174, 197

direito de arena

• Direito de arena – alteração do percentual le-gal por acordo judicial entre clube e sindicato– impossibilidade .....................................1175, 198

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RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������245 • Direito de arena – proporcionalidade no pa-

gamento e natureza jurídica – pagamento de-vido .........................................................1178, 199

• Direito de arena – redução do percentual – im-possibilidade ...........................................1179, 199

direito de imagem

• Direito de imagem – natureza jurídica .....1176, 198

• Direito de imagem – pagamento fraudulento –integração ao salário – cabimento ...........1177, 198

exCeção de inCompetênCia

• Exceção de incompetência em razão do lugar – ajuizamento da ação na comarca de domicí-lio do atleta profissional de futebol – direito deacesso à Justiça – observação ..................1180, 199

indenização

• Indenização – danos moral e material – jogador de futebol – doença ocupacional – reconheci-mento ......................................................1181, 199

reClamação trabalhista

• Reclamação trabalhista – atleta profissional – prescrição bienal – observação ................1182, 200

relação de emprego

• Relação de emprego – caddie em clube de golfe – não reconhecimento .............................1183, 200

responsabilidade Civil

• Responsabilidade civil – empregador – atleta menor – acidente ocorrido em período de folga – indenização – descabimento .................1185, 200

salário

• Salário – direito de imagem – contribuição pre-videnciária – incidência ...........................1186, 201

Tributário

Copa

• Copa do Mundo FIFA 2014 – tributos – isen-ção – concessão por lei municipal às empre-

sas que participassem da organização – cabi-mento ......................................................1187, 201

exeCução

• Execução fiscal – penhora sobre faturamento da pessoa jurídica – valores relativos à renda de jogos, venda de produtos de clube, contratos de patrocínio, direito de imagem e outras cotase verbas – possibilidade ...........................1188, 201

ir

• IR – museu do Futebol Clube do Porto – cus-teio da obra e locação de espaços publicitários – retenção na fonte – remessas ao exterior –tributação – exegese ................................1189, 202

CLIPPING JURÍDICO

• STJ suspende decisão que obrigou a Fifa a reim-primir ingressos extraviados em dia de jogo.......233

• Justiça proíbe clube de futebol de terceirizar ca-tegorias de base .................................................233

• Reparação para cliente impedido de assistircampeonato de futebol por defeito no televisor ...235

• Jogador Araújo entrou com ação contra o Goiás para receber verba rescisória no valor deR$ 500 mil .........................................................235

• Goleiro do Americana (SP) não recebe multapor rescisão antecipada de contrato...................236

• Juiz defere pedido de antecipação de tutela em favor de ex-jogador do Vila Nova ......................236

• Atletas que começam jovens não podem ser ex-postos a condições de trabalho ..........................237

• Situação incomum leva 5ª Câmara a aceitar preposto que não é empregado de clube de fu-tebol ..................................................................239

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ........................241

ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ......................242

NORMAS EDITORIAIS PARA ENVIO DE ARTIGOS ..7